generos na televisão

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II. Os gêneros na televisão Em qualquer mídia, a dupla natureza dos gêneros – é tanto uma configuração textual quanto um fenômeno sociocultural – envolve na sua constituição critérios de pertinência completamente diferentes: critérios que podem ser identificados tanto no nível da configuração sintático- semântica (esfera dos conteúdos e estilos) quanto no nível das matrizes culturais em torno das quais já se produziu toda uma “tradição de gêneros” (esfera dos usos). Quando colocados em relação, tais critérios nos ajudam a compreender melhor como, a partir dos recursos técnico- expressivos de um dado meio e de uma determinada linguagem, toda uma tradição de gêneros é regenerada em um modo de organização próprio àquela mídia. No caso da televisão, o modo próprio de organização é a programação – uma seqüência de unidades articuladas transmitida em tempo real. Os gêneros televisuais podem ser definidos, portanto, como unidades da programação definidas por particularidades organizativas que surgem do modo como se coloca em relação o apelo a determinadas matrizes culturais (o que inclui toda a “tradição dos gêneros” das mídias anteriores), a exploração dos recursos técnico-expressivos do meio (dos códigos próprios à imagem videográfica) e a sua própria inserção na grade da programação em função de um conjunto de expectativas do e sobre o público. A programação de uma determinada emissora de televisão é o resultado do modo como os programas são organizados em uma grade de exibição em função do dia da semana, do horário, do sexo e faixa etária, entre outros critérios. Todos esses critérios já indicam por si sós a constituição, em torno de cada programa, de um quadro de expectativas tanto do ponto de vista da produção quanto da recepção. Toda a dinâmica de constituição dos gêneros descrita até aqui impede-nos, no entanto, de estabelecer uma correspondência direta e imediata entre um determinado gênero e certos tipos de programas(ou de certas “famílias de programas”). Parece ser justamente por entenderem o

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Os generos televisivos

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II. Os gneros na televiso

Em qualquer mdia, a dupla natureza dos gneros tanto uma configurao textual quanto um fenmeno sociocultural envolve na sua constituio critrios de pertinncia

completamente diferentes: critrios que podem ser identificados tanto no nvel da configurao sinttico-semntica (esfera dos contedos e estilos) quanto no nvel das matrizes culturais em torno das quais j se produziu toda uma tradio de gneros (esfera dos usos). Quando colocados em relao, tais critrios nos ajudam a compreender melhor como, a partir dos recursos tcnico-expressivos de um dado meio e de uma determinada linguagem, toda uma tradio de gneros regenerada em um modo de organizao prprio quela mdia. No caso da televiso, o modo prprio de organizao a programao uma seqncia de unidades articuladas transmitida em

tempo real. Os gneros televisuais podem ser definidos, portanto, como unidades da

programao definidas por particularidades organizativas que surgem do modo como se coloca em relao o apelo a determinadas matrizes culturais (o que inclui toda a tradio dos gneros das mdias anteriores), a explorao dos recursos tcnico-expressivos do meio (dos cdigos prprios imagem videogrfica) e a sua prpria insero na grade da programao em funo de um conjunto de expectativas do

e sobre o pblico.A programao de uma determinada emissora de televiso o resultado do modo como

os programas so organizados em uma grade de exibio em funo do dia da semana, do horrio, do sexo e faixa etria, entre outros critrios. Todos esses critrios j indicam por si ss a constituio, em torno de cada programa, de um quadro de expectativas tanto do ponto de vista da produo quanto da recepo. Toda a dinmica de

constituio dos gneros descrita at aqui impede-nos, no entanto, de estabelecer uma

correspondncia direta e imediata entre um determinado gnero e certos tipos de programas(ou de certas famlias de programas). Parece ser justamente por entenderem o gnero como uma mera categoria classificatria e tentarem estabelecer esse tipo de correspondncia termo a termo, que muitos tericos contemporneos consideram esse campo conceitual pouco operativo na compreenso da televiso. Afinal, cada vez

mais raro encontrar hoje um programa de televiso que possa ser descrito a partir das particularidades organizativas de um nico gnero. O que vem a ser, ento, um programa de televiso?

O termo programa designa aqui cada uma das partes que compem o todo que a programao, o que inclui tambm os elementos que funcionam como amlgama dessa programao, tais como as chamadas, inserts de institucionais e os breaks comerciais. Mas, mesmo entendido nesse sentido amplo, o termo programa, certamente, no

designa o que poderia ser considerado como uma matriz organizativa das mensagens da televiso. O programa antes uma instncia na qual se articulam as mais variadas unidades organizativas da linguagem televisual ou, se preferirmos, o programa um lugar de operao dos vrios gneros abrigados pela programao.

O que poderia ser considerado, ento, uma matriz organizativa dos gneros na televiso? Qual seria a unidade capaz de colocar em relao, ao mesmo tempo, particularidades de natureza tanto semitica quanto sociocultural, capaz de abrigar

em si mesma tanto a dinmica de constituio dos programas quanto da programao? Seja como for que denominemos essa matriz organizativa, ela poder ser considerada, desde j, como o gnero de base da televiso, uma vez que permitir a compreenso, a partir de si, do modo como todos os demais gneros se constituem e operam nas suas

particularidades esttico-culturais. Proponho que tentemos compreender esse gnero de base da televiso como um formato. A noo de formato no se confunde, de maneira alguma, com a de programa. Cada programa na televiso j o resultado de uma combinatria de formatos.

Qualquer tentativa de definio do formato, entendido aqui como sendo essa matriz

organizativa das mensagens televisuais, acabar repetindo, no entanto o prprio conceito de gnero televisual proposto anteriormente, ainda que em novos termos. No se podia esperar que fosse diferente. Propor um conceito de gnero literrio, gnero radiofnico, gneros digital ou gnero

televisual, entre outros, nada mais , a meu ver, do que propor um gnero de base para cada uma dessas mdias.

No caso especfico da televiso, a noo de formato incorpora toda dinmica de produo e recepo da televiso a partir daquilo que lhe parece mais caracterstico como princpio de organizao: uma fragmentao que remete tanto s formas quanto

ao nosso modo de consumi-las.H pelo menos dois modelos genricos de recepo da televiso: no primeiro, admite-se que assisto a TV para ver algo e, a partir dele, justifica-se minha preocupao mais pontual com o reconhecimento dos programas. No segundo, admite-se que o espectador se instala frente tela simplesmente para assistir TV, o que desloca a nfase da abordagem para a fruio da programao. Tanto num caso quanto no outro, no h como desconhecer que ao que se assiste , a

rigor, uma sucesso de fragmentos que, para fugir de todo o campo conceitual associado ao uso desse termo (fragmento), passarei a tratar agora como segmentos. O que ocorre mesmo quando assisto, atenta e particularmente, a um determinado

programa de televiso? Pensado em relao programao, a grande maioria dos programas de TV repete, de modo fractal, o mesmo princpio de organizao da programao: pode ser descrito como uma sucesso de unidades articuladas, entre

as quais se incluem, geralmente, seus prprios blocos (sem esquecer que, em muitos programas, esses blocos consistem numa sucesso de quadros autnomos), vinhetas, chamadas e anncios publicitrios, entre outros. Sendo ou no parte integrante do que se considera como sendo o programa, cada um desses segmentos est pautado, de qualquer maneira, por um ou vrios formatos de natureza completamente diversa. Estamos

falando, em outras palavras, de uma articulao de gneros que se d tanto no interior de um programa quanto na relao deste com a programao.

Entendidos nessa perspectiva, o conceito de gnero escapa assim de qualquer pretenso

meramente classificatria que, no caso da TV, resultaria necessariamente numa tentativa estril de rotular cada programa como pertencente a tal ou qual famlia de programas. Frente ao hibridismo que caracteriza as mdias contemporneas (e a televiso mais ainda), essa pretenso classificatria no teria nem mesmo como ser empreendida sob pena ou de deixar de fora das taxonomias propostas um nmero enorme de programas ou de acabar propondo um nmero quase to grande de categorias quanto o de programas existentes, tamanha a diversidade entre

eles e a dificuldade de reuni-los numa mesma classificao. Parece mais pertinente entender o modo como se organizam as mensagens na TV em termos de grandes formatos que, medida que traduzem e renovam, com os recursos tcnico-expressivos do meio, toda uma cultura de gneros (matrizes histrico-culturais), constituem-se tambm como gneros gneros televisuais, cujo reconhecimento , a um s tempo, causa e conseqncia de toda uma cultura de programas que a prpria TV, apesar de pouco mais de meio sculo de existncia, j instaurou.

Proponho, ento, analisarmos os mais diversos programas de televiso, tentando no mais enquadr-los no que se pode considerar como os gneros institucionalizados pelos grandes conglomerados da comunicao, mas tentando observar como estes se organizam a partir de determinados formatos que, inicialmente, sero tratados aqui como formatos esttico-culturais. Embora haja, na maioria dos programas, a predominncia de um dado formato, o mais pertinente ser sempre trat-los em termos de combinao de formatos.

Por esse caminho parece mais fcil entender, por exemplo, por que colocar sob o mesmo rtulo de talk-show, programas to diferentes quanto o Passando a limpo

(Rede Record), apresentado pelo respeitado jornalista Boris Casoy, e o Programa do

J (Rede Globo), apresentado pelo humorista J Soares, acaba dizendo muito pouco sobre o modo de organizao de cada um deles. Os dois programas articulam-se, afinal, em torno de formatos bem diferentes. Se pensarmos agora em termos de formato, acabaremos concluindo que o modo de organizao do Programa do J parece muito mais prximo de programas como o Domingo Legal, com Gugu Liberato (SBT), uma vez que os dois programas apelam, predominantemente, para o que descreverei, logo a seguir, como um formato fundado na performance. Incluindo este, identifico, a princpio, pelo menos mais 12 formatos ou gneros televisuais, a partir dos quais se

organizam os programas de televiso mais conhecidos no Brasil. So eles:

1. Formato fundado no dilogo: aquele fundado essencialmente na conversao interpessoal, na explorao das situaes de interlocuo direta e nas suas diferentes manifestaes (debates e entrevistas, entre outros): a TV funcionando como

metfora de um grande chat. Esse formato inclui, em suma, todas as formas fundadas no dilogo socrtico. *Exemplos:

Passando a limpo (Record), Fala que eu te escuto (Record), Gabi (RedeTV!),

Carto Verde e Roda Vida (TV Cultura), entre outros;2. Formato fundado no folhetim: aquele baseado nas narrativas seriadas dos folhetins (histrias de costumes, cotidiano, intrigas, amor etc.), marcadas pela regularidade na exibio de episdios que so interrelacionados e, completa ou re-

lativamente, autnomos. Exemplos: telenovelas, seriados e minissries em geral;3. Formato fundado no filme: aquele baseado na narrativa flmica (cinematogrfica), mesmo quando incorpora, por fora da programao, uma estrutura em blocos.Exemplos: os telefilmes em geral e os documentrios, entre outros;

4. Formato fundado na performance: aquele articulado em torno da realizao de uma performance (cnica, artstica, musical etc.) dos profissionais de TV e dos seus convidados para um pblico apenas pressuposto ou presente no local de produo/gravao como figurativizao mais imediata desse pblico-modelo. Como toda performance, esse formato depende daquilo que se constri enquanto se exibe: nesse caso, enquanto se exibe na e para a televiso. Esse formato costuma ser marcado por uma sucesso de atraes das mais diferentes naturezas com o objetivo principal de proporcionar, nos moldes dos antigos espetculos dos music-hall e momentos de

entretenimento. Nesse formato, tambm pode ser includa a maioria dos espetculos realizados no apenas para a televiso, mas fundamentalmente para serem registrados e transmitidos pela televiso (shows, concertos, entrega de prmios etc.).

Exemplos: programas de auditrio, tais como Domingo do Fausto e Programa do J

(Rede Globo); Domingo Legal e Hebe (SBT), entre outros;5. Formato fundado no jogo: aquele que se articula em torno de disputas por prmios e/ou em torno de sorteios, da soluo de questes, enigmas e adivinhaes.

Exemplos: Top TV (Record), Poupa Ganha (Bandeirantes), Fantasia e Show do Milho

(SBT);6. Formato fundado no apelo pedaggico: aquele que tm o objetivo explcito de ensinar algo ao telespectador.Exemplos: Telecurso 2000 (Rede Globo), X-Tudo e Vestibulando (TV Cultura), programas e/ou quadros ensinando como preparar pratos culinrios, entre outros;

7. Formato fundado na propaganda/publicidade: aquele que explora um discurso nitidamente persuasivo com o objetivo explcito de vender algo ao espectador (uma ideologia, um credo, um produto).Exemplos: Santo culto em seu lar (Record), Igreja da graa (Bandeirantes), Santa Mis-

sa (Globo), horrio eleitoral gratuito, Liquida Mix (Gazeta), Brasil Connection (RedeTV!), segmentos publicitrios, vinhetas e chamadas da programao (incluindo

teasers e trailers), entre outros;8. Formato fundado na pardia: aquele de apelo cmico-humorstico ou pardico com a inteno explcita de fazer rir. Geralmente, esses formatos so organizados em torno de sketches montados a partir de situaes e personagens ficcionais ou no.

Exemplos: A Praa nossa e Chaves (SBT); Escolinha do barulho (Record); Megatom

e Zorra Total, Casseta & Planeta (Globo), entre outros;9. Formato fundado no jornalismo: aquele voltado para a divulgao, discusso e repercusso de atualidades, tendo como referncia os modelos narrativos informativos do jornalismo nas mdias que antecederam a prpria TV.

Exemplos: telejornais em geral, programas jornalsticos temticos (ecologia, cincia, negcios, viagens) e programas de grandes reportagens (Globo Reprter, na TV Globo, e Caminhos e parcerias, na TV Cultura, por exemplo), entre outros;10. Formato fundado na transmisso direta: aquele cujo sentido est intrinsecamente associado simultaneidade entre a realizao do acontecimento e a sua transmisso pela TV. Nessa simultaneidade, est o prprio apelo esttico do programa e/ou quadro. O acontecimento/fato transmitido determina toda a funo comunicativa desse tipo de transmisso televisiva, cujo principal atrativo justamente a imprevisibilidade, a espera pelo inesperado, proporcionados pela simultaneidade

entre a produo, transmisso e recepo do fato atravs da TV.

Exemplos: transmisso dos chamados media events (os funerais do presidente

Tancredo Neves e do piloto Ayrton Senna, por exemplo), transmisso de partidas esportivas e certos flashes na programao (tipo planto), entre outros;11. Formato fundado nas histrias em quadrinhos: aquele que articula narrativas baseadas da animao de formas estticas (desenhos, bonecos etc.).Exemplos: cartoons em geral (desenhos animados);12. Formato fundado no voyeurismo: aquele fundado na idia da TV como dispositivo de viso permanente (TV-detetive, TV-bisbilhoteira), explorando os recursos e efeitos proporcionados pelo uso das cmeras de TV como cmeras de vigilncia para flagrar situaes e comportamentos da vida real. Graas ao uso de cmeras geralmente ocultas e, geralmente, sem o conhecimento prvio dos envolvidos, prope-se a

mostrar como vivem, como reagem e o que fazem pessoas comuns ou famosas frente a situaes inusitadas ou absolutamente triviais (o voyeurismo do cotidiano). Exemplos: Na real (MTV), as pegadinhas presentes em programas de auditrio

e quadros como o Telegrama legal (do Domingo Legal), No Limite (Rede Globo), entre outros.Diante disso que pode ser considerado, ainda que provisoriamente, como um mapeamento dos principais formatos ou gneros televisuais, importante tentar responder a pelo menos duas questes relacionadas diretamente pertinncia e

operatividade da descrio proposta: 1) at que ponto o mapeamento levou em considerao a dupla natureza dos gneros cultural e semitica (questo da pertinncia); 2) at que ponto o mapeamento desses formatos pode colaborar para a compreenso do funcionamento e reconhecimento dos programas (questo da operatividade). Para responder convenientemente a primeira questo, seria necessria uma longa

discusso sobre os prprios critrios envolvidos na constituio dos gneros, que no h como ser feita aqui. Para pensar na pertinncia do mapeamento proposto, parece ser suficiente, por ora, lembrar novamente o quanto a prpria noo de

formato j remete tanto a aspectos de pertinncia semitica so o resultado de certas estratgias enunciativas e de certos modos discursivos, de determinados contratos e competncias textuais quanto a de pertinncia histrico-cultural so o resultado do

modo como a linguagem televisual se apropria de certas matrizes delineadas pela prpria cultura (o dilogo, a pardia, a performance etc.) e, particularmente, pelo que se pode hoje identificar como sendo uma cultura prpria s mdias. Entre critrios de pertinncia diferente, cabe ao pesquisador perceber quais os aspectos dominantes

na constituio de um dado gnero para empreender, a partir deles, sua descrio.

A compreenso dos gneros no mais como categorias fechadas e norteadas por um nico critrio, mas como unidades de reconhecimento capazes de colocar em relao vrios critrios organizativos, tambm o caminho para se entender como o mapeamento proposto pode ser operativo no estudo dos programas. Mais uma vez, a prpria noo de formato que inviabiliza uma correspondncia biunvoca entre cada um deles e um determinado tipo de programa. Nem sempre um programa pode ser compreendido a partir de um nico formato. H, evidentemente, programas que se pautam quase completamente em torno de um formato. Para facilitar a prpria compreenso do formato descrito, foram justamente esses os escolhidos como exemplos no mapeamento proposto anteriormente. Basta observar, porm, a programao diria das emissoras de TV para constatar como os programas mais propriamente televisivos so, no por acaso, exatamente aqueles

articulados em torno de maior combinatria de formatos, o que mais condizente com o prprio hibridismo de linguagens associado funo de instrumento de difuso assumida pela TV desde seus primrdios (absorvendo, com isso, formatos de vrias mdias). Tambm no parece ser por acaso que os programas cuja descrio comporta,

genericamente, um nico formato sejam justamente aqueles fundados em gneros que,

historicamente, j estavam bem consolidados em outras mdias e linguagens (novelas/folhetins, telejornalismo/jornal, programas humorsticos/pardias etc.).Coerentes, no entanto, com o modo de organizao fragmentado (segmentado) da prpria programao, grande parte dos programas de TV so estruturados em quadros autnomos que podem ser pautados por formatos de natureza completamente diferente. Cabe, ento, mais uma vez ao estudioso perceber qual ou quais o(s) formato(s) mais pertinente(s) descrio de um determinado programa. Nessa descrio, ele no

pode deixar de levar em conta que essa combinatria de formatos tanto pode se dar por

justaposio um ao lado do outro quanto por sobreposio como camadas que,

sobrepostas, resultam num novo arranjo que no nenhuma delas, mas na qual se vislumbram todas elas. No caso da combinatria por sobreposio, os formatos parecem dispostos como que por encaixe : um entrando no outro, um dentro do outro de tal modo que j no se percebem claramente os limites de um e de outro. A competncia

interpretativa diante de um programa de TV articulado de tal modo depende, nos termos de Eco, de uma prvia competncia para distinguir gneros forjada pelo que j se tratou aqui como sendo uma cultura de programas. essa competncia para distinguir gneros que permite hoje ao espectador fazer desse prprio hibridismo a sua chave interpretativa. isso o que lhe permite perceber, por exemplo, como formatos fundados no jornalismo, nos filmes e no folhetim se sobrepem na articulao de programas absolutamente inclassificveis, no mbito dos

gneros institucionalizados pela prpria TV, como The Selena murder trial, uma das edies do The E! True Hollywood Story (programa do canal por assinatura E!), exibido em 15/06/2000.

Feitas todas essas consideraes, agora parece comear a ficar mais claras as razes pelas quais considerei anteriormente o Programa do J e o Domingo Legal como formatos fundados, predominantemente, na performance, embora comportando outros formatos (aqui, claramente articulados por justaposio). O que faz o humorista J Soares no programa noturno que tem na Rede Globo? Ele, certamente, no se limita a fazer entrevistas. Na maioria dos programas, suas

entrevistas sequer possuem um apelo jornalstico, que a marca das entrevistas apresentadas por Boris Casoy no Passando a limpo (o nome j sugere o tom). As entrevistas propostas pelo programa so, antes de tudo, uma oportunidade para que se d mostras da presena de esprito e do senso de humor tanto do apresentador quanto dos seus entrevistados. No Programa do J, uma boa pergunta ou uma boa resposta sempre sacrificada em prol de uma boa piada ou de uma divertida interveno do Gordo ( assim que J se refere a si mesmo).O programa tambm abre espao para apresentaes musicais, inclusive do prprio J e

do grupo de jazz que o acompanha (contracena com ele). Em um telo, ao fundo, tambm so exibidos quadros humorsticos protagonizados pelo Gordo, assim como vdeos relacionados, de algum modo, ao assunto tratado com os convidados. O Programa do J , antes de mais nada, uma grande performance do Gordo e dos seus convidados para uma platia entusiasmada. Nada muito diferente do que faz Gugu Liberato, aos domingos no SBT, no seu reconhecido programa de auditrio

* A proposio desse formato diretamente inspirada na descrio das formas fundadas no dilogo socrtico feita por Arlindo Machado, no j mencionado artigo Pode-se falar em gneros televisuais?. No artigo, alm das formas fundadas no dilogo socrtico (ele reconstitui ali toda a descrio que faz o prprio Bakhtin das vrias formas assumidas pelos dilogos socrticos), Machado apresenta as narrativas seriadas como sendo outro dos gneros televisuais. Alegando que o trabalho de descrio dos gneros televisuais ainda est em curso, Machado limita-se, no artigo, a propor essas duas formas. Neste trabalho, no me disponho a fazer descries to profundas e detalhadas quanto as realizadas por Arlindo Machado. Fiz a opo de propor, ainda que superficialmente, um leque mais amplo de formatos.