geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

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Livro Autora e organizadora: Mara Luiza Gonçalves Freitas Edições OLM - 2013 ISBN 978-85-86630-18-7

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Page 2: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Mara Luiza Gonçalves Freitas

GEADA NEGRAColetânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Edições O.L.M. São Paulo 2013

Page 3: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

© 2013 - Mara Luiza Gonçalves de Freitas

Projeto gráfico e Capa Flávio Peralta/Edições O.L.M.

www.estudioolm.com.br • [email protected] Telefone/Fax (11) 4702-8094

Imagem da capa 09.11.2006 - Camilla Maia - EL - O “Boom do Café” - Escola do Café, Itaipava. Xícará de café. Agência O Globo.

Revisão de TextoOs textos apresentados nesta obra são fidedignos aos originais publicados em diversos meios de comunicação especializados do agronegócio café brasileiro. Tratou-se de uma opção da autora em mantê-los dessa forma, porque retratam um processo evolutivo consolidado ao longo de dez anos. Prova que as pessoas têm sempre a aprender e que o processo de melhoria é contínuo. Ao reproduzir qualquer trecho de qualquer um dos artigos e identificar um erro gramatical, ortográfico ou de concordância, finesse, confor-me padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas, indicar após o trecho citado a partícula (sic)’.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução, cópia total e parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e expressa. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Contatos com a organizadora podem ser realizados através do e-mail [email protected] ou através do site www.marafreitas.adm.br.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Freitas, Maria Luiza Gonçalves de

Geada negra [livro eletrônico] : coletânea de uma década de reflexões sobre o agro-negócio café / Mara Luiza Gonçalves de Freitas. — São Paulo : Edições O. L. M., 2013.

218 Kb ; ePUB

ISBN 978-85-86630-18-7

1. Agroindústria - Brasil 2. Agronegócios - Brasil 3. Café - Comércio - Brasil 4. Café - Indústria - Brasil 5. Cafeicultura I. Título.

13-00952 CDD-338.173730981

Índices para catálogo sistemático:1. Brasil : Cafeicultura : Agronegócios : Economia 338.173730981

Page 4: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Rir muito e com frequência; ganhar o respeito de pessoas inte-

ligentes e o afeto das crianças; merecer a consideração de crí-

ticos honestos e suportar a traição de falsos amigos; apreciar a

beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o mundo um

pouco melhor, seja por uma saudável criança, um canteiro de

jardim ou uma redimida condição social; saber que ao menos

uma vida respirou mais fácil porque você viveu. Isso é ter tido

sucesso.

Ralph Waldo Emerson

Page 5: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

À Instrução Normativa nº 16, de 24 de maio de 2010, que jaz.

Page 6: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Sumário

Apresentação, 12

Uma das melhores invenções do mundo, 14Publicado no Usina de Letras, em 11 de abril de 2004

Café para a Indústria, 16Publicado no Jornal O Diário do Comércio de Minas Gerais, em 05 de novembro de 2003.

Questões da e para a Indústria de Café, 18Publicado em 03 de maio de 2004, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.

O lugar do DECAF é no MDIC, 20Publicado em 18 de junho de 2004, no Coffee Break, O Portal do Agronegócio Café.

Indicação geográfica e agroindústria, 22Publicado em 28 de junho de 2004, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.

Desafios do Café Nacional, 25Publicado em 13 de Setembro de 2004, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.

Um olhar sobre o 4 C’s: como o Código Comum para a Comunidade Cafeeira impactará na competitividade do Segmento Agroindustrial do Café Brasileiro, 28Publicado em 17 de dezembro de 2004, na Agência Safras e Mercados.

Mais valor ao café brasileiro, 36Publicado em 25 de Abril de 2005, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.

Sobre Cafeologia, 38Publicado em 23 de maio de 2005, no Coffee Break, O Portal do Agronegócio Café.

Glocalização na Cafeicultura, 40Publicado em 19 de Setembro de 2005, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Tendências do Mercado Cafeeiro, 43Publicado em 02 de janeiro de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Café torrado brasileiro além das fronteiras, 46Publicado em 16 de janeiro de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas. Participação do Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos, Departamento de Administração da UFLA.

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Mudanças nas regras do jogo em prol da consolidação do consumo de café de qualidade no Brasil: uma reflexão, 49Publicado em 23 de maio de 2006, no Coffee Break – O portal do Agronegócio Café.

Parceria que pode dar certo, 54Publicado em 05 de junho de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Drawback: um novo cenário para a cadeia do café, 57Publicado em 23 de junho de 2006, no portal Café Point.

Um olhar sobre o agronegócio, 60Publicado em 18 de setembro de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Obsessão pela qualidade, 62Publicado em 20 de setembro de 2006 no Coffee Break, o Portal do Agronegócio café.

A energia que vem da agricultura, 65Publicado em 30 de outubro de 2006 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Política do café sem o leite, 68Publicado em 25 de janeiro de 2007 no Coffee Break, o Portal do Agronegócio Café.

Importação de café torrado no Brasil, 71Publicado em 19 de fevereiro de 2007 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Sustentabilidade e negócios do café, 74Publicado em 25 de julho de 2007 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Política Internacional e Cafeicultura, 77Publicado em 28 de agosto de 2007 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Cafés especiais: vai um europeu aí?, 80Publicado em 11 de fevereiro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

A ALADI e os negócios do café, 83Publicado em 04de março de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Abate humanizado e biocombustíveis, 86Publicado em 24 de março de 2008 no Caderno Agropecuário, do Jornal O Estado de Minas.

Uma breve ideia sobre a federalização do Centro de Inteligência do Café, 88Publicado em 28 de março de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

O potencial do café conillon para a produção de etanol celulósico, 90Publicado em 01 de abril de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

O papel do aparato legal na cafeicultura., 92Publicado em 10 de abril de 2008 na Revista Calfeicultura, Portal do Agronegócio Café.

O que tem no tanque seu moço? Babaçu, my darling!, 98Publicado em 21 de abril de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Atratividade do Mercado Brasileiro de Café, 101Publicado em 02 de maio de 2008 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.

Page 8: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Um beijo, um queijo, biocombustíveis, 104Publicado em 12 de maio de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Café: minha paixão nacional, 106Publicado em 25 de maio de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

30 anos de constituinte, 29 sem IBC, 17 com CDPC: Reflexões sobre a cafeicultura e uma moça querida chamada democracia, 109Publicado em 29 de maio de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Uma releitura da política do pão e circo e do assassinato de Sócrates no contexto da política cafeeira brasileira, 112Publicado em 29 de junho de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

A Starbucks, a Rodada de Doha e os Combustíveis, 115Publicado em 07 de julho de 2008 na CBM Agroenergia.

Barismo na realidade brasileira, 118Publicado em 23 de julho de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Construção da sustentabilidade do café pela embalagem verde, 120Publicado em 31 de julho de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Cafeólogos: os caçadores de raridades, 123Publicado em 06 de agostode 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Heráclito e o dilema da insegurança alimentar, 127Publicado em 18 de agostode 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Do bairrismo ao drawback: um registro sobre uma mudança de paradigmas no coração da cafeicultura mineira, 130Publicado em 21 de agostode 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

The attraction of the Brazilian coffee market, 132Publicado em 25 de agostode 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Quando o santo de casa pode fazer milagre, 135Publicado em 15 de outubro de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Água, o alicerce da cafeicultura, 138Publicado em 29 de outubro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Cafeicultura: há idéias melhores que a moratória, 141Publicado em 03 de novembro de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

País tem suporte e resistência, 144Publicado em 03 de novembro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Mama África, fonte de alimentos, 147Publicado em 08 de dezembro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Algumas coisas sobre importação de café no Brasil, 150Publicado em 11 de fevereiro de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Page 9: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

O que a Le Creseut pode ensinar ao negócio do café brasileiro, 155Publicado em 19 de março de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

A crise econômica e a agricultura, 159Publicado em 13 de abril de 2009 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

A relação do Decreto Lei nº 399 e a inclusão do café na merenda escolar, 162Publicado em 21 de abril de 2009 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.

Um voto pelo equilíbrio financeiro do setor cafeeiro, 166Publicado em 29 de maio de 2009 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.

Diplomacia corporativa no agronegócio, 169Publicado em 22 de junho de 2009 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Uma nota sobre a abertura de capital da Café Toko, 172Publicado em 21 de julho de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

A ética coordena?, 174Publicado em 28 de julho de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

A língua e a competividade agroindustrial, 176Publicado em 19 de outubro de 2009na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Uma dor que não espera, 179Publicado em 25 de janeiro de 2010 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Agriculture, je t’aime, 182Publicado em 29 de março de 2010 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Café Brasileiro na ICE Exchange: um indicador de internacionalização, 184Publicado em 10 de maio de 2010 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.

Voltemos ao IBC, 187Publicado em 24 de maio de 2010 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.

O mar e a importação de café, 190Publicado em 30 de maio de 2010 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.

Agronegócio e narcotráfico, 192Publicado em 07 de junho de 2010 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Da privatização da marca Cafés do Brasil: uma reflexão, 195Publicado em 30 de junho de 2010 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.

Café Conillon: o ‘boi de piranha’ da cafeicultura, 198Publicado em 12 de julho de 2010 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.

Comentários sobre o negócio dos micro-lotes de cafés, 201Publicado em 12 de julho de 2010 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.

Sobre a Café Damasco, 203Publicado em 24 de novembro de 2010 no Portal Administradores.

Page 10: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Sobre a alta do preço do cafezinho, 205Publicado em 27 de março de 2011 no Portal Administradores.

Coisas para se pensar no Dia Internacional do Café, 207Publicado em 14 de abril de 2011 no Portal Administradores.

Cafeicultura, governança pública e a IN 16/2010, 209Publicado em 16 de abril de 2011 no Portal Administradores.

Substituição do Brasil como fornecedor global de café, 212Publicado em 18 de abril de 2011 no Portal Administradores.

IN 16/2010 e os princípios constitucionais da Administração Pública, 215Publicado em 24 de abril de 2011 no Portal Administradores.

O verbo tentar e sua relação com a política cafeeira, 218Publicado em 25 de abril de 2011 no Portal Administradores.

Bastidores do café nosso de cada dia, 221Publicado em 03 de maio de 2011 no Portal Administradores.

Especulação no mercado cafeeiro, 225Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores.

Carta ao bom-senso cafeeiro mineiro, 227Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores.

Nota sobre o Bureau do Café, 229Publicado em 13 de setembro de 2010 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Os homens alfa, a IN 16/2010 e a gôndola do supermercado, 230Publicado em 12 de maio de 2011, no Portal Administradores.

De quem é a culpa do Brasil importar café industrializado (T&M)?, 233Publicado em 16 de maio de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Da segmentação dos dogmas de fé ao pragmatismo político na cafeicultura, 238Publicado em 22 de junho de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

O risco e a competitividade internacional do café industrializado, 241Publicado em 27 de junho de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Novos fatores de impacto no mercado interno de café, 244Publicado em 29 de junho de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Coalizão política e café, 246Publicado em 06 de julho 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Convênios institucionais e cafeicultura, 248Publicado em 12 de julho 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Nota sobre o Sou Agro e o Efeito China, 251Publicado em 19 de julho 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Page 11: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Sobre a essencial política cafeeira – Parte I, 254Publicado em 19 de agosto 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Sobre a essencial política cafeeira – Parte II, 257Publicado em 26 de outubro de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Cenários globais, governança do Estado Brasileiro, agronegócio e cafeicultura – Parte I, 263Publicado em 31 de agosto de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

A ABIC e a defesa dos pequenos, 268Publicado em 12 de setembro de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Ferdinand Lassalle e a sua relação com a CF-88 e a Previsão de Safra de Café no Brasil, 271Publicado em 01 de novembro de 2011,no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.

Algumas coisas sobre artes e o planejamento estratégico da cafeicultura, 275Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores.

Novos cenários, velhas questões, 277Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores.

Sobre a autora, 280

Page 12: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

Apresentação

Os fenômenos climáticos no campo da agricultura sempre são deci-

sivos, por que são a expressão máxima do poder de Deus. Mesmo durante

grandes atos de destruição, onde a morte se faz presente, verifica-se que

cada situação revela a busca constante do equilíbrio. Às vezes, os impactos

profundos causados por tais fenômenos mudam o destino de nações ou

de continentes, como no caso de tsunamis, furações, terremotos. Em ou-

tros momentos, apenas conduzem às adaptações anuais decorrentes de

processos milenares, como as cheias dos rios, as secas, os ritos de El Niño

e La Niña. De qualquer forma esses processos podem e devem ser compre-

endidos como testes de caráter e resiliência propostos com veemência

pela natureza.

Dentre as quatro forças da natureza, a terra, a água, o fogo e o

vento, talvez este último seja o que mais destaque, por se tratar de uma

força fascinante e incontrolável. Há bilhões de anos, seu papel é o mesmo:

movimentar as massas de ar frio e quente, posicionando-as sobre as terras,

de acordo com a instrução divina inscrita em seu DNA, como se fosse uma

partitura de uma música clássica perfeita e inenarrável. Às vezes, ele traz

a bonança. Às vezes, a destruição. E isso tem muito haver com a cafeicul-

tura brasileira e seus desdobramentos econômicos e políticos, desde a sua

introdução no país. Dentre os momentos mais dramáticos, pode-se citar a

geada negra de 1975.

Foi o choque de massas de ar, o responsável pela mudança do cená-

rio da cafeicultura brasileira, em 1975. Naquele ano, a pujante cafeicultu-

ra do Paraná, que fazia as vezes que hoje Minas Gerais faz, como lideran-

ça nacional dessa cadeia produtiva, sucumbiu de uma única vez, sob os

pés de um gigante silencioso: a geada. Essa advecção da massa de ar polar,

recebeu o nome de Geada Negra, porque simplemesmente o fenômeno

dizimou o negócio no Paraná e fez com que o mapa da cafeicultura do

Brasil mudasse. Esse momento tem uma relação com a minha vida.

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Page 13: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

A beleza branca que cobriu os campos e que marcou a capital curi-

tibana com a última grande nevasca do século XX naquela região foi uma

forma da natureza indicar a morte e ao mesmo tempo o processo de

inovação. Frente a destruição, nada mais há o que se fazer, senão reunir

forças e recomeçar. O impacto econômico inquestionável naquele momen-

to obrigou milhares de brasileiros a buscarem novas fronteiras em uma

região até inóspita, o Cerrado Brasileiro. De modo geral, a morte, trouxe

no longo prazo a vida e ao mesmo tempo, a prosperidade que faz do

Brasil a principal referência no agronegócio global atualmente. O vento

permitiu que o meu país deixasse de ser economicamente dependente da

cafeicultura e desenvolvesse outras potencialidades. No meu caso particu-

lar, mudou o meu cerne.

Escolhi o nome desse fenômeno climático para intitular este livro

porque ele toca o legado humano, mais especificamente o meu. A obra

que aqui se apresenta, então, é uma tradução plena da paixão vibrante

que morreu agonizante junto com a minha juventude que se foi.

Geada Negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre

o agronegócio café trata-se de uma lápide delicada que contém o que

durante muito tempo, valeu mais do que a minha própria vida e ao mesmo

tempo, o período de término do meu longo luto emocional em relação ao

meu físico afastamento da cafeicultura. Marca, após seis anos, o momen-

to que eu paro de chorar, encerrando um ciclo. Logo, é um marco schum-

perteriano no contexto da minha trajetória acadêmica. Ressalto ao leitor

que é um documento público, de cunho pessoal que ajuda em definitivo,

a dirimir minhas mágoas. A parte disso trata-se de uma obra pessoalmen-

te importante, é o meu primeiro exercício solo, alinhado com as novas

tecnologias.

Espero que os leitores apreciem o trabalho, uma coletânea de textos

selecionados. Ele reúne 88 textos que selecionei dentre os 128 que publi-

quei entre 2002 e 2012, em importantes canais de notícias como o Portal

Coffee Break, Revista Cafeicultura, Café Point, Jornal O Estado de Minas,

Portal Administradores, Safras e Mercado, editorias a quem faço aqui um

agradecimento muito especial, pelo espaço concedido para divulgação

desses trabalhos, nas oportunidades em outrora, nas quais eles foram sub-

metidos.

A autora

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Page 14: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

1Uma das melhores invenções do mundo

Publicado no Usina de Letras, em 11 de abril de 2004.

Foi num dia desses, depois de lavrar a terra, que a beira do fogão de

lenha meu avô contou essa história:

“E foi assim que Deus inventou o tal do agricultor: um ser humano

que pode até ser de pouco estudo, mas que possui a sabedoria dos tempos

e da natureza”. Deus, depois da trabalheira toda de criar o mundo em

apenas seis dias, resolveu descansar no sétimo. Conta-se que então, sono-

lentamente, estendeu uma rede entre a árvore do Bem e do Mal e um pé

de laranja serra d’água (como o pé estava todo carregado porque era safra,

era só ele estender a mão e colher uma fruta quando lhe conviesse) e

dormiu. Então ele teve um sonho terrível, de que toda a sua criação iria

por água abaixo porque ele se esqueceu de definir quem iria cuidar de

tudo. Ele iria precisar de um ser que ouvisse os sons da terra, que tivesse

paixão pela natureza e que naquela paciência que só as mães têm, deitas-

se a semente no solo e esperasse ela nascer e crescer.

Eis que o Senhor despertou, passou a mão no queixo, olhou para

Adão e Eva e começou a andar pelo paraíso a pensar. Dizem que enquan-

to caminhava, a danada da Eva mordeu o fruto proibido e convenceu Adão

a comer também. Eles então, descobrindo o pecado original, se esconde-

ram.

O Senhor já estava desistindo da idéia, quando procurou por Adão e

Eva e acabou descobrindo o mal-feito dos dois. Maria Santíssima! Ficou

bravo demais e mandou os dois procurarem seu destino.

Ficou muitos dias triste, porque não entendera onde havia errado em

sua obra. Eis que então, por iluminação do Espírito Santo, Ele conseguiu

visualizar uma luz no fim do túnel. O Senhor imaginou alguém, capaz de

amar a terra como Ele, de reproduzir sua criação de tempos em tempos,

de colher os frutos e tirar dali o seu sustento e da sua nação. Ele imaginou

um ser que com o seu coração sustentaria Nações, porque nele estava

14

Page 15: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

contido o que há de mais caro em qualquer outro ser que havia criado: o

sentimento de doação ao mundo.

Ah! Como o Senhor ficou satisfeito! Eis que então, esculpiu mais

uma vez o barro e soprou seu hálito sobre a sua criatura. Pegou também

um pouco de palha e fez um chapéu e colocou sobre a cabeça da sua obra,

porque não queria que o sol o maltratasse de todo. E ainda, aproveitou a

madeira de uma de suas árvores e forjou o aço retirado do solo e fez um

instrumento ao qual deu o nome de enxada. Entregou a tal enxada ao ser

que acabara de criar e deu o nome a ele de agricultor, dizendo: “Que

caiam todas as cidades, mas que não caia você, pois se tiveres a terra para

cultivar, as cidades ressurgirão.”

O melhor de tudo é que Deus colocou sob os braços do agricultor

um pé de café muito bonito e disse, dando adeus: “Espera crescer, colhe

quando estiver tudo bem madurinho, seca, descasca, torra, moí e por úl-

timo, ferve um cadim de água, põe o pó num coador que te ensinarei a

tecer e coloca a água por cima. Depois adoça! Fica bão dimais, ainda mais

se tiver um queijinho pra acompanhar!” E foi assim que surgiu a primeira

tradição mineira”.

15

Page 16: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

2Café para a Indústria

Publicado no Jornal O Diário do Comércio de Minas Gerais,

em 05 de novembro de 2003.

O mercado cafeeiro ao longo de sua história, cerca de quase dois

séculos, tem sido um termômetro do desempenho da política e da econo-

mia brasileira, principalmente em razão da praxe intervencionista estatal.

Desde a sua introdução no território brasileiro, percebe-se que a cafeicul-

tura, responsável sem dúvida pelo processo de modernização nacional,

tornou-se uma refém do Estado, que ora deixava-a submetida às regras do

livre mercado e ora utilizava-a como escore político, principalmente no

período áureo do café, onde o Brasil chegou a responder por até 70% do

consumo mundial.

Embora o Brasil detenha hoje apenas 27% do mercado mundial, sua

produção ainda é a maior do globo. Essa condição, dada a concorrência

com os demais países produtores, tem exigido uma atuação mais dinâmi-

ca do Estado que pauta suas ações a partir das demandas da sociedade –

membros do agronegócio, pois problemas que outrora podiam ser contor-

nados com a queima dos estoques reguladores, tal como o excesso de

produção, hoje exigem ações calcadas na qualidade e no marketing, ele-

mentos-chave do processo de transposição do conceito de commodity

para o conceito de especialidade.

O despertar para o novo perfil do mercado, ganhou mais força, quan-

do da extinção do Instituto Brasileiro do Café, cujo escopo era orientar e

defender o setor, como elemento responsável pelo equilíbrio entre a ofer-

ta e a procura. O agronegócio deparou-se com a estabilização do consumo,

estagnado pela não renovação do público consumidor. O risco de extinção

e a substituição drástica por outros produtos, fez com que todos os elos,

em especial a indústria, desenvolvessem estratégias que recuperassem o

prestígio e a cultura do café.

No que tange ao mercado interno, segundo maior do mundo, a in-

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Page 17: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

dústria tem importante papel, tanto pela redução do consumo entre a

década de 60 e 80, quanto pela sua recuperação nos anos 90. A chave de

toda essa mudança está na qualidade que passou a ser imprescindível

para a sobrevivência das empresas num mercado globalizado, formado por

consumidores mais informados, decididos e exigentes.

O processo de transição para o setor industrial tem sido árduo, prin-

cipalmente em razão dos hábitos arraigados em nossa cultura, da concor-

rência autofágica, das exigências impostas pelo Estado e outros setores

privados e pelos baixos investimentos em pesquisa que permitam o desen-

volvimento de novos produtos e formas de utilização.

Embora a torra dos grãos tenha sido desenvolvida pelos árabes, foi

somente no século XIX que o processamento tomou proporção com o

surgimento das primeiras torrefadoras nos Estados Unidos, que desde

aquela época é o maior consumidor mundial. Esse segmento do agrone-

gócio surgiu como uma alternativa à queda do consumo, pois até então o

processo de torra era caseiro, o que proporcionava diversos padrões de

bebida, ainda que o grão fosse o mesmo. A padronização da torra em

escala foi a primeira forma de fidelizar o consumo e garantir qualidade.

Ao longo dos anos a indústria de café evoluiu, não apenas com o

desenvolvimento e introdução de equipamentos, mas também com o apa-

recimento de metodologias, como o sistema de classificação dos grãos por

tipo e qualidade e a introdução das ligas de grãos, que permitiram à in-

dústria lançar mão de um número maior de matérias-primas. Outrossim, a

evolução da legislação e dos meios de fiscalização fizeram com que as

mutações fossem sentidas mais rapidamente na gôndola.

Mais do que a eliminação de fraudes, a extinção das empresas clan-

destinas que desmoralizam o setor com a oferta de produtos impróprios,

a melhoria dos blends (ligas), com a utilização de matérias-primas de me-

lhor qualidade, centra-se nas mãos da indústria nacional a responsabilida-

de da ampliação do consumo interno e recuperação do prestígio do café

junto aos novos consumidores.

17

Page 18: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

3Questões da e para a Indústria de Café

Publicado em 03 de maio de 2004,

no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas

A tradição de país produtor de café, ao longo dos últimos dois sécu-

los, galgou importantes inserções do Brasil na política internacional, toda-

via não possibilitou o fomento de uma indústria nacional forte, atualmen-

te em xeque. Num ambiente de ineslasticidade da demanda, retração do

consumo provocada pela queda da renda e do poder de compra, aliado à

substituição do produto por outros que na ótica do consumidor estão

maiscompatíveis com a sua qualidadede vida; afunilamento do acesso a

mercados, proporcionado pela concentração do segmento supermercadis-

ta; a autofagia que atualmente vive o setor em função da guerra de preços,

além dos transtornos proporcionados por uma carga tributária aviltante e

as atuais políticas industriais, que, embora um pouco mais agressivas que

as anteriores, ainda são tímidas, criam um ambiente propício para que a

indústria de café de torne-se uma forte candidata auma vaga em uma UTI.

É certo que existe capital investido pela iniciativa privada, além do

esforço de implementação de programas de incrementode consumo cal-

cado na qualidade, por parte dos sindicatos regionais e associação nacio-

nal, mas a grande questão a ser discutida é até quando haverá fôlego fi-

nanceiro das indústrias de modo geral, para resistirem à hostilidade das

forças ambientais, principalmente aquelas ligadas às políticas públicas? Os

recursos da iniciativa privada, que são escassos e que deveriam conferir

maior competitividade ao setor, infelizmente estão sendo exauridos pelos

cofres públicos e não retornam à sociedade.

A indústria de café é, portanto, um ícone muito representativo dessa

conjuntura vivida por toda a indústria nacional, relegada à política do

salve-se quem puder e quem pode mais na redução das margens de lucros,

o que não deixa de ser um atrativo fascinante para o exercício da informa-

lidade.

18

Page 19: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

A alteração da estrutura industrial cria um enigma em potencial para

um segmento que almeja a inovação, até mesmo por uma questão de

sobrevivência do agronegócio como um todo, uma vez que o Brasil é o

segundo mercado consumidor mundial em volume. Se por um lado há a

necessidade de melhorar a qualidade do café ofertado, por outro não há

equalização dos recursos e tampouco a desburocratização dos órgãos de

fomento, de modo a facilitar a distribuição de recursos para a aquisição de

tecnologia da modernização do parque industrial e nem para grandes in-

jeções de recursos em pesquisa e desenvolvimento, que gerem novos usos

para o café, no âmbito industrial, além da bebida, parte nobre do produto.

Outrossim, não há investimentos suficientes em pessoal que favoreçam o

funcionamento do sistema público de fiscalização sanitária, de modo a

coibir a pirataria existente no setor, tampouco a implementação de normas

válidas para a comercialização em todo o mercado nacional que limitem o

padrão mínimo da qualidade física e sensorial do café.

As indústrias não são homogêneas pelo seu posicionamento institu-

cional, mas o seu produto, infelizmente, aos olhos do consumidor ainda o

é, o que sugere a necessidade de não considerar como commodity o café

ofertado no mercado, providência quejá vem sendo tomada pela iniciativa

privada. Todavia, mesmo com a massificação de campanhas de marketing

calcadas no desenvolvimento de novas percepções de consumo, fica a

dúvida se o governo (que compra pelo menor preço) subsidiará o acesso

das populações de baixa renda ao café com qualidade superior, conside-

rando este investimento como elemento estratégico para um setor que

gera 12 milhões de empregos e que pode ir além, principalmente se for

levada em conta a vertente do comércio internacional.

19

Page 20: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

4O lugar do DECAF é no MDIC

Publicado em 18 de junho de 2004, no Coffee Break,

O Portal do Agronegócio Café

A comercialização de produtos com alto valor agregado como alter-

nativa à exportação de produtos “in natura”, esteve sob os holofotes do

discurso do secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas),

Kofi Annan, durante a abertura da XI Unctad (Conferência das Nações

Unidas para Comércio e Desenvolvimento),que ocorre em São Paulo. Esta

provocação vai de encontro com a necessidade de ruptura com a cultura

da “commodity”, cujo mote foi lançado pelo governo FHC, e que agora

vem sendo reforçado pelo estilo mascate do governo Lula.

Não faz muito tempo, o critério de análise do agronegócio café mun-

dial era uma oposição entre o desempenho dos países centroamericanos

(inclua-se aí a Colômbia, país sul-americano), calcados nos seus suaves, e

o Brasil, com a política de comercialização gerenciada pelo IBC (Instituto

Brasileiro do Café), cuja teoria convencional era de que o maior sucesso

relativo brasileiro decorreria da adoção de um modelo de crescimento ba-

seado nas exportações de commodities. E foi assim, desde sua fundação,

em 1952, até sua extinção, em 1990, cujo fato foi seguido de um

traumático período de readaptação do segmento, que teve que

aprender a ser competitivo num ritmo frenético.

Percebe-se hoje que a cadeia nacional do café, após os 38 anos sob

a batuta do IBC e um pouco mais de 10 anos num processo de reestrutu-

ração, encontra-se num novo estágio evolutivo, o qual prima pela valori-

zação da origem Brasil, a partir do mote um país, muitos sabores, a partir

do prisma da promoção comercial dos seus cafés industrializados.

Embora a participação desse segmento ainda seja tímida no comércio

internacional, verifica-se que o potencial nacional em café é um motivo,

por si só, para a intensificação de políticas que superem o aspecto indus-

trial, considerado básico, e se transformem em políticas de competitivida-

20

Page 21: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

de. Para tal, arranjos políticos e departamentais em nível de governo são

imperativos.

Mudanças desta ordem podem significar rupturas profundas com o

passado em prol do futuro, principalmente quando estas estão arraigadas

a tradições seculares. Na verdade, a importante discussão sobre os rumos

da SPC (Secretaria de Produção e Comercialização) e, conseqüentemente,

do Decaf (Departamento do Café), não deveriam tangenciar sua incorpo-

ração ou não por alguma outra Secretaria do Mapa (Ministério da Agricul-

tura, Pecuária e Abastecimento), mas sim, deveriam fortalecer a campanha

pela transferência do Decaf para o MDIC (Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio), em função do caráter estratégico que o café tem

para nosso país e economias estaduais.

A tônica que tem animado as discussões a respeito do tema, é a

mesma que falta para que o agronegócio café saia do lugar comum, tor-

nando-se de fato uma cadeia realmente competitiva, coordenada e auto-

-sustentável. A transferência configuraria então, o marco de entrada da

cafeicultura nacional no século XXI.

21

Page 22: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

22

5Indicação geográfica e agroindústria

Publicado em 28 de junho de 2004,

no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.

O modelo de gestão na atualidade passou a ser regido por princípios

e diretrizes socioambientais, os quais são perceptíveis não apenas no mo-

dus vivendi do cidadão local, cada vez mais global, mas também no com-

portamento estatal e organizacional. O Estado, assim como as empresas,

dadas as necessidades urgentes de se adaptarem às exigências de mercado

e suprirem carências profundas como por exemplo o aumento de vagas no

mercado de trabalho, buscam alternativas que envolvem a intensificação

da conectividade setorial como meio de redução dos custos de transação

e aumento da competitividade.

Uma dessas alternativas consiste na valorização dos produtos nacio-

nais, através do que a legislação brasileira (Lei 9.279, de 14/05/96) con-

venciona como indicação geográfica, a qual envolve a indicação de proce-

dência e a denominação de origem.

Importante instrumento de agregação de valor, as indicações geográ-

ficas têm como principal objetivo a preservação da identidade dos produ-

tos ou serviços, características e formas de produção ou até mesmo a fama

de uma área geográfica pela comercialização ou obtenção de um determi-

nado produto, a qual pode contribuir para a elevação do valor do produto

no mercado e respectivamente do lucro. Alguns exemplos desta natureza

são: o Champagne– vinho espumante proveniente daquela região france-

sa; os vinhos tintos da região de Bordeaux; o presunto de Parma; os cha-

rutos cubanos, os queijos Roquefort e Grana Padano, e mais recentemen-

te, os vinhos do Vale dos Vinhedos e os Cafés do Cerrado (Brasil). Além

disso, seu outro objetivo é garantir a fidelização do consumidor, em função

de inserir no processo de consumo o conceito de rastreabilidade, intima-

Page 23: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

23

mente relacionado com a questão da segurança alimentar, partindo da

padronização dos procedimentos de produção e qualidade,bem como da

valorização da sua raridade.

Dada a relevância do tema, os países que compõem a Organização

Internacional do Comércio (OMC), desde a Rodada de Doha (Catar), vêm

discutindo a criação de um registro multilateral que envolva todos os pro-

dutos comercializados no mercado internacional,visando a proteção dos-

consumidores em relação ao erro no momento de aquisição de algum

produto, bem como impedir a concorrência desleal entre os países.

Este registro que inicialmente envolverá os vinhos e modalidades de

bebidas espirituosas acenam para uma discussão importante: se a indica-

ção geográfica cria um fator de diferenciação de determinados produtos

em relação a outros comercializados no mercado, tornando-os mais atra-

tivos e confiáveis, percebe-se, num ambiente que tem impulsionado maior

participação brasileira no mercado internacional, que a questão demanda

maior atenção tanto da iniciativa privada quanto do Estado, por se tratar

de importante elemento de competitividade.

Regionalizando a questão, seria de bom tom criar e efetivar as con-

dições para se valorizar aappellation Minas Gerais, em função de todo um

conjunto de características que remete às tradições, qualidades, aromas e

sabores aqui produzidos e principalmente, industrializados que o Estado

possui. No âmbito agroindustrial, esta valorização parte do princípio da

coordenação das cadeias produtivas, via arranjos produtivos, que favore-

çam a conversação entre os participantes de cada segmento da cadeia,

bem como a participação do Estado, via instrumentalização legal e fomen-

to econômico para o nivelamento da base tecnológica mineira (através de

investimentos em extensão rural, programas de boas práticas de produção

e industrialização, financiamento de plantas industriais mais modernas,

difusão da cultura exportadora).

Se hoje a agricultura nacional, já é responsável por cerca de 42% da

pauta de exportações brasileiras, através da agregação de valor, via indus-

trialização e indicação geográfica, poderemos mais. Minas Gerais tem de

cumprir o seu papel na dinâmica do desenvolvimento nacional, sendo ca-

paz de transacionar entre o estigma de mero produtor de commodities

Page 24: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

24

agrícolas para o de grande exportador de produtos de primeira qualidade

com alto valor agregado, garantindo aos seus setores produtivos, maior

rentabilidade e, por conseguinte, mais oportunidades de oferta de trabalho

no mercado nacional. Parafraseando Milton Nascimento, que nossos pro-

dutos sejam do mundo, mas de Minas Gerais.

Page 25: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

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6Desafios do Café Nacional

Publicado em 13 de Setembro de 2004,

no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.

O laissez-faire, proposto pela Revolução Francesa e fundamento eco-

nômico da época, favoreceu um importante movimento no processo de

evolução da humanidade: a revolução industrial. Este movimento teve iní-

cio na Inglaterra, por volta de 1760 e alastrou-se pelos demais países do

mundo. O homem camponês cedeu espaço ao homem industrial. A terra

lavrada, organizada em processos produtivos, que remetiam ao modelo

feudal, abriu espaço aos núcleos urbanos, aos cortiços, a um novo mode-

lo de trabalho, que envolvia o uso de novas fontes de energia, máquinas

para favorecer a produção em escala, pela a divisão e especialização do

trabalho, impulsionando ciências importantes como a administração (Fre-

derich W. Taylor, Henry Fayol e Henry Ford) e a economia (Adam Smith,

Thomas Malthus e David Ricardo). Eles defendiam a crença de que o acú-

mulo de capital era uma fonte fundamental de crescimento e que, o de-

senvolvimento no setor agrícola e no industrial era distinto em razão dos

métodos de divisão de trabalho e inovações tecnológicas.

Para eles, a indústria tinha vantagem considerável em relação à agri-

cultura, que usa as tendências de crescimento tecnológico como forma a

possibilitar retorno de investimentos confortáveis, mesmo em períodos de

estagnação econômica.Tal perspectiva ainda é auxiliada pela política de

gerenciamento de mão-de-obra, que aumenta em razão da necessidade

de atender à demanda de consumo, além do fato de ter seu salário ajus-

tado ao valor fixado pelo estado, quando do seu aumento, a fim de não

reduzir a lucratividade do capital investido.

Esse processo de transição também atingiu a atividade cafeeira mun-

dial, até então rural. Conforme Delfim Neto (1979), em 1865, nos Estados

Unidos, começou a processar-se uma revolução tecnológica da mais alta

Page 26: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

26

importância para a generalização do consumo de café. O café até então

era vendido cru no país, de modo que o consumidor o torrava a seu gosto

em casa. O processo de industrialização proporcionou uma importante

evolução mercadológica, que foi a padronização do aroma e sabor do

café, já que para a industrialização do produto, partia-se do pressuposto

do estabelecimento de mesclas (misturas de grãos), definição de um pon-

to específico de torra e consequente sistema de comercialização em em-

balagens prontas para o consumo.

Embora a oficialização da industrialização do café tenha acontecido

apenas no século XIX, no ano de 1997, em escavações arqueológicas rea-

lizadas próximas a Dubai (Emirados Árabes) encontrou-se um grão de café

torrado datado do século XIII (L’ABCdaire du Café, 1998). Sem a submissão

do grão ao calor do fogo, sem dúvida, o produto não teria prosperado

como bebida, já que os aromas e sabores característicos do grão somente

se desenvolvem durante o processo de torra.

No Brasil, a introdução do café no hábito alimentar acontece junta-

mente com a ascensão da cultura, sendo inclusive elemento de inspiração

da obra Negras vendedoras de café torrado, de Debret. Ainda assim, per-

cebe-se que a indústria de café brasileira é muito jovem, dado que os re-

gistros mais remotos no Brasil, datam de 1902, sendo que as indústrias

mais tradicionais em atuação no País são de 1945. Sua juventude não

impediu, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Café

(Abic), que o setor tenha 1.170 indústrias de café, responda por cerca de

13,7 milhões de sacas de café consumidas (2003), fature anualmente R$

3,88 bilhões em vendas, realize investimentos de R$ 1,6 bilhão em insumos

neste mesmo ano e exporte, em 2003, R$ 12,8 bilhões, uma alta de

124%em relação a 2002.

E falando em exportação, a inserção brasileira no mercado interna-

cional não parece ser uma das tarefas mais fáceis, em função das barreiras

técnicas que os países consumidores impõem a produtos industrializados,

que possam ser mais competitivos que os de suas indústrias nacionais.

Infelizmente, é fato também que não há como elevar a participação bra-

sileira no bolo que gira US$ 60 bilhões por ano, só no segmento agroin-

dustrial do café mundial, com o engessamento da estrutura industrial

nacional pelo estado, que não resolve seu problema de ingerência e quer

fazer com que a sociedade arque cada dia mais com uma carga tributária

escorchante (a novidade agora é a PIS/Cofins). Enquanto isso, o café, sacro

Page 27: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

27

ouro verde, continua a ser exportado in natura (graças à Lei Kandir) para

compor mesclas com outras origens, que recebem a fama e os dólares, tal

como Colômbia e demais países centro-americanos, asiáticos, oceânicos e

africanos.

O desafio da indústria de café brasileira passa a ser não só as bandei-

ras da qualidade, da elevação do consumo interno e da exportação de

produtos com valor agregado. O desafio maior é o de manter as portas

abertas, suportando a política romanado “pão, circo e altos tributos” que

está governando o País há muitos anos.

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7Um olhar sobre o 4 C’s: como o Código Comum para a Comunidade Cafeeira

impactará na competitividade do Segmento Agroindustrial do Café Brasileiro

Publicado em 17 de dezembro de 2004, na Agência Safras e Mercados

Não faz muito tempo, o critério de análise do agronegócio café mun-

dial era uma oposição entre o desempenho dos países centro-americanos

(inclua-se aí a Colômbia, país sul-americano), calcados nos “suaves” e o

Brasil, com a política de comercialização gerenciada pelo Instituto Brasilei-

ro do Café, cuja crença era de que o maior sucesso relativo brasileiro de-

correria da adoção de um modelo de crescimento baseado nas exportações

de commodities. Este pensamento norteou as ações do instituto desde sua

fundação em 1952 até sua extinção em 1990, estratégia esta que deu

certo enquanto o café era a única commodity representativa na pauta de

exportações nacional. Com a ruptura deste paradigma intervencionista, a

cafeicultura nacional viu-se obrigada a adotar um modelo calcado nas

regras de mercado.

A qualidade e especialmente a valorização da origem nacional como

importante diferencial competitivo passaram a dar o tom das ações de

marketing e desenvolvimento de mercados. O realinhamento em direção

a este foco vem assumindo importante posição no contexto da cafeicultu-

ra brasileira, refletida na construção do aparato legal que aos poucos vai

se alinhando às exigências do mercado internacional.

Juntamente com esta modernização da legislação, observa-se que a

cadeia agroindustrial do café está se movimentando de forma a favorecer

a criação de toda uma estrutura que permitirá ao Brasil transitar de seu

atual estigma de maior produtor da commoditty para o um contexto que

privilegie a visibilidade de sua origem. Esse processo que se iniciou no

Page 29: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

29

segmento produtor, tem agora permeado o segmento industrial do café,

justamente na intenção de agregar mais valor ao produto.

A agregação de valor, diga-se de passagem, no contexto do agrone-

gócio café é uma combinação sinérgica das ações desenvolvidas nas ma-

croestruturas do negócio: produção, indústria e comercialização. Esta si-

nergia torna-se visível na xícara com café servida ao consumidor, não

importa onde este esteja. Contudo, esta mescla de ações dos agentes, no

contexto nacional, vem sendo construída de forma a privilegiar maior ren-

tabilidade, principalmente no que tange à comercialização, onde ocorre

maior remuneração do produto.

A comercialização de produtos com alto valor agregado como alter-

nativa à exportação de produtos “in natura”, esteve sob os holofortes do

discurso do secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi An-

nan, durante a abertura da XI Unctad - Conferência das Nações Unidas

para o Comércio e o Desenvolvimento, ocorrida em São Paulo, neste ano.

Esta provocação vai de encontro com a necessidadede ruptura com a cul-

tura da “commodity”, cujo mote foi lançado durante o governo FHC e que

agora vem sendo reforçado pelo estilo “mascate” adotado pelo governo

Lula. Isso exige que o país adote uma postura agressiva frente aos players

internacionais, principalmente quando se trata de um negócio que atinge

cifrasde US$ 80 bilhões ao ano. Este posicionamento está diretamente

relacionado não apenas com ações diplomáticas que envolvem missões

empresariais ou painéis junto à Organização Mundial do Comércio. Envol-

ve também a compreensão minuciosa da potencialidade dos países que

possam ser possíveis parceiros comerciais, percebendo ainda onde cada

produto brasileiro se encaixa e desenvolvendo habilidades na negociação

e principalmente inteligência comercial que fomentem todas as ações.

Dessa maneira, acordos que privilegiem a polarização entre países

produtores de produtos “in natura” e países que industrializam e comer-

cializam estes produtos, já com maior valor agregado devem ser vistos com

certa reserva. No âmbito da cafeicultura mundial, o último acordo que

possui características dessa ordem e que foi adotado no último dia 23 de

setembro pela Organização Internacional do Café é o Código Comum

para a Comunidade Cafeeira ou 4C’s.

O que é o Código Comum?

O 4C’s configura-se num novo instrumento que propõem a criação

de um mercado comum do café. Esta iniciativa que foi criada em janeiro

Page 30: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

30

de 2003 pela Associação Alemã do Café, Cooperação Alemã para o De-

senvolvimento - GTZ e Ministério Federal da Economia, Cooperação e De-

senvolvimento da Alemanha e que habilmente envolveu grande gama de

agentes do segmento agroindustrial do café mundial (vide quadro Mem-

bros Participantes), tem como principal escopo o desenvolvimento de um

código de conduta para garantir a produção e sustentabilidade da cadeia

do café verde.

O seu enfoque principal que é a sustentabilidade, baseia-se nos Ob-

jetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, conferindo ao

código três importantes dimensões: uma social, uma ambiental e outrae-

conômica.

Dimensões do Código Comum da Comunidade Cafeeira

Dimensão Social: A produção de café só pode ser sustentável se pos-

sibilitar condições decentes de trabalho e de vida para os agricultores

e suas famílias e para os empregados. Isto inclui o respeito pelos direi-

tos humanos e pelas normas trabalhistas e a consecução de um padrão

de vida decente.

Dimensão Ambiental: A proteção do meio ambiente como, por

exemplo, as florestas primárias e a conservação de reservas naturais

como a água, o solo, a biodiversidade e a energia são elementos cen-

trais da produção cafeeira e do processamento pós-colheita numa ba-

se sustentável.

Dimensão Econômica: A viabilidade econômica é o fundamento da

sustentabilidade social e ambiental. Ela inclui ganhos razoáveis para

todos os participantes da cadeia cafeeira, livre acesso aos mercados e

meios de vida sustentáveis.

Fonte: Common Code for the Coffee Community, 2004.

Estas dimensões serão o cerne das ações a serem desenvolvidas por

parte dos participantes, em prol do desenvolvimento permanente e me-

lhoria contínua dos processos da cadeia do café verde. Para se atingir este

objetivo, o Código Comum tomou como origem diversas normas e códigos

Page 31: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

31

que operam no setor cafeeiro mundial, estruturando a partir daí, um ali-

cerce normativo que pretende intensificar a cooperação

com as atuais estruturas existentes nos países participantes, não des-

prezando a identidade de cada um.

Além disso, corroborará para uma nova compreensão de qualidade

que inclui a qualidade intrínseca e sensorial do café verde, bem como a

qualidade da sustentabilidade no processo produtivo.

Como mecanismos do código comum, estão previstas a transferência

de renda em direção aos produtores, otimizando a cooperação e a cons-

cientização acerca das responsabilidades ao longo da cadeia, proporcio-

nando ao consumidor e à sociedade um sistema confiável que permita

acompanhar a sustentabilidade deste café comum.

O princípio para o funcionamento do código centra-se no espírito de

cooperação entre as entidades dospaíses produtores, do comércio, da in-

dústria e da sociedade civil participantes, bem como organismos e institui-

ções multilaterais que apoiaram o processo. Dessa maneira, embora a

pretensão não seja solucionar a crise atual do café, conforme o próprio

texto do Código afirma, esta cooperação oferecerá uma perspectiva para

o desenvolvimento de longo prazo para os fornecedores e estabelece uma

nova base paraa competição com referência a qualidade tanto do produto

como dos métodos de produção sustentável.

[Vantagens para os] produtores:

1. Aquisição de poder e de maior capacidade de gestão;

2. Obtenção de melhores retornos da produção;

3. Demanda previsível por café do Código Comum;

4. Melhor acesso ao mercado;

5. Melhoria dascondições de vida;

6. Melhores condições sociais para os trabalhadores e suas famílias;

7. Preservação do meioambiente.

[Vantagens para o] comércio e indústria:

1. Fornecimento garantido de café verde de qualidade;

2. Mercado de cafégarantido para o futuro;

Page 32: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

32

3. Empenho para com a responsabilidade e sustentabilidade social

da empresa;

4. Maior sustentabilidade para o mercado principal;

5. Maior transparência e rastreabilidade de mercado;

6. Preservaçãodo meio ambiente.

De acordo com o Código, a participação é aberta para qualquer

agente da cadeia produtiva, contudo, o acesso ao mercado do café comum

exigirá que produtores, processadores e comerciantes satisfaçam às exi-

gências presentes no Código Comum, por meio da criação das Unidades

do Código Comum, que evitarão por exemplo, uso de mão-de-obra infan-

til ou trabalho escravo ou servil na produção de café, falta de atendimen-

to a direitos sociais dos funcionários e uso de pesticidas proibidos. Estas

Unidades do Código Comum serão responsáveis pelo acompanhamento

das metas previstas, conforme a Matriz do Código, descrita no quadro

abaixo sucintamente:

Dimensão Social

1. Liberdade de associação;

2. Liberdade de negociação;

3. Discriminação;

4. Direito à infância e à educação;

5. Condições de trabalho;

6. Desenvolvimento de capacidades e aptidões;

7. Condições de vida e educação

Dimensão Ambiental

1. Biodiversidade;

2. Agroquímicos;

3. Fertilidade do Solo;

4. Água;

5. Detritos;

6. Energia.

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33

Dimensão Econômica

1. Informações sobre o mercado;

2. Acesso ao mercado;

3. Qualidade;

4. Comércio;

5. Cadeia da Oferta.

Fonte: Common Code for the Coffee Community, 2004.

O controle de cada variável acima descrita possui um sistema de

“semáforo” que indica as ações a serem mantidas, suspensas ou excluídas

do dia-a-dia dos agentes participantes.

Os impactos

Avaliando o Código, verifica-se a intenção de oferecer a cadeia pro-

dutiva do café verde mundial uma estrutura de governança que permita,

de um lado, uma elevação da renda do pequeno produtor, todos situados

em países em desenvolvimento, e de outro, garantir à indústria e comércio

participantes, garantia de um produto sustentável, rastreável e com carac-

terísticas organolépticas nobilíssimas, que somente osmelhores cafés pos-

suem. Ora, a princípio, considerando que a expectativa é de beneficiar

cerca de 25milhões de famílias de produtores ao redor do mundo, a inicia-

tiva parece excelente. Todavia, para o Brasil esta cooperação pode vir a ser

uma grande ameaça no médio prazo para o programa brasileiro de expor-

tações de cafés industrializados, porque claramente o documento enfatiza

a sustentabilidade dacadeia de cafés verdes.

A leitura que fazemos deste código é que ele configura-se numa

formalização do colonialismo europeu noséculo XXI, do qual, por uma

questão diplomática e comercial, não podemos deixar de participar, por-

sermos o maior produtor da commoditty. Embora o colonialismo, isso não

é de todo ruim, seconsiderarmos que agora, a produção, no seu todo, se

quiser manter mercado, terá que se ajustarindependente do tamanho da

propriedade, profissionalizando-se em definitivo, no menor espaço de tem-

popossível. O problema é que a estrutura pública nacional e estadual em

termos de assistência técnica está acada dia mais complicada por falta de

investimentos e contratação de pessoal, deixando o cafeicultor depequeno

Page 34: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

34

e médio porte desassistido. Além disso a formação cultural do cafeicultor

(pequeno e médioprincipalmente) na parte da comercialização ainda é

restrita. Muitos desconhecem por exemplo, aqualidade da bebida dos ca-

fés que produzem, aceitando o critério de bebida “dura para melhor”,

padrãoinexistente na Instrução Normativa n 08/2003, do Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento,que regula a classificação oficial do

café verde no país.

Do ponto de vista técnico, por mais certificados e por mais sustentá-

vel e rastreável que um café verdepossua e seja, ao chegar à indústria este

mesmo grão será uma matéria-prima pela qual o mercado paga umprêmio

financeiro pela qualidade. Mas não passa disso. O que agrega valor verda-

deiramente é aindustrialização e a comercialização, onde a rastreabilidade,

sustentabilidade e certificação tornam-seagregados das estratégias de ma-

rketing ante o mercado consumidor.

A ênfase na cadeia do café verde dadapelo 4C’s portanto, polariza o

negócio do café mundial, colocando de um lado os países produtores e

deoutro, os que são responsáveis pela industrialização. De acordo com o

Relatório da Comissão Especial daCafeicultura Mineira, realizado em 2003,

o mercado de cafés está concentrado nas mãos de apenas cincograndes

empresas, que respondem por 69% das aquisições dos grãos no mundo

(Nestlé, Kraft, Sara Lee,Tchibo, Procter).

Para a indústria brasileira, que não está participando diretamente

como membro do Código, os riscos sãoaltos, dado que é muito mais fácil

desestruturar um futuro inimigo antes que ele se fortaleça, do quepermitir

que o Brasil chegue à vanguarda da industrialização e comercialização do

café no mercadomundial. Como chegaremos a ser grandes exportadores

de café industrializado, se não formos capazes deacessar importantes mer-

cados, em função de barreiras técnicas que a cada dia os mercados con-

sumidoresimpõem? Como muito bem disse Alberto Torres “uma nação

pode ser livre, ainda que bárbara, semgarantias jurídicas; não pode ser livre

entretanto, sem o domínio de suas fontes de riqueza, dos seus meiosde

nutrição, da indústria e do comércio”. Estas palavras, do início do século

passado, sintetizam bem umsentimento de brasilidade que deve permear

as ações que visem a defesa dos interesses nacionais,estendidos agora ao

mercado externo, que garantem os dólares para a economia nacional.

Mesmo diante de um contexto que vai de encontro com o modelo

Page 35: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

35

cepalino, não compete mais ao nossopaís continuar a manter a postura de

fornecedor de matéria-prima. No momento, estamos diante de um fatoque

demanda elucidarmos nossa inteligência comercial, de forma a não permi-

tirmos a ruptura do processode posicionamento da indústria, neste com-

plexo tabuleiro de xadrez, que é o de comercialização de cafésindustriali-

zados, com alto valor agregado.

Page 36: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

36

8Mais valor ao café brasileiro

Publicado em 25 de Abril de 2005,

no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.

Muito tem se falado sobre a agregação de valor ao café. Este tema

ganhou maior importância, principalmente nos anos 90,com a extinção do

Instituto Brasileiro do Café – IBC, conduzindo o mercado cafeeiro brasileiro

a desenvolver ou adotar ferramentas de elevação da competitividade,como

por exemplo, o fortalecimento das ações de marketing.

Embora no Brasil o marketing seja confundido com uma de suas

ferramentas, a comunicação; o seu significado diz respeito ao processo de

gestão pelo qual os indivíduos e grupos obtêm o que querem, por meio

da criação, oferta e troca de produtos e valores por outros. De acordo com

professor e especialista em marketing Marcos Fava Neves, da Faculdade de

Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto, após

determinar-se os segmentos-alvo da empresa ou propriedade, parte-se

para a diferenciação dos produtos e serviços, tornando-os perceptíveis

frente aos consumidores. Para isso, lança-se mão, no caso do café, da

aparência visual, origem, sanidade, qualidade, sabor, teor de ingredientes,

desempenho, durabilidade, estilo, freqüência e forma de entrega, instala-

ção, treinamento do consumidor, desenvolvimento de credibilidade, repu-

tação, entre outros.

Considerando a dinâmica do mercado, o marketing é o elemento que

responde pela organização das informações oferecidas pelo processo de

agregação de valor realizada pelos agentes que compõem um determina-

do agronegócio. A organização aqui, acompanha as variáveis produto,

preço, praça e promoção, de forma a gerar uma especificidade daquilo que

é fisicamente oferecido ao consumidor, perceptível no produto propria-

mente dito. Conforme Philip Kotler &Armstrong,os produtos podem ser

organizados em três níveis distintos: básico, real e ampliado. O produto

básico, diz respeito aos benefícios básicos que o consumidor está compran-

Page 37: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

37

do (café). O produto real ocorre a partir do básico. Ele apresenta cinco

particularidades: nível de qualidade, características, design, marca e emba-

lagem (café gourmet envasado a vácuo e acondicionado em embalagem

cartonada). E o terceiro e último nível, o produto ampliado, surge a partir

do produto básico e do produto real, responde pela oferta de serviços e

benefícios adicionais ao consumidor (busca de uma recordação, por meio

do aroma e do sabor. Por exemplo, cheiro de fazenda).

Especificamente, na construção do produto real, além das informa-

ções do mercado e respectivos nichos de atuação, levam-se em considera-

ção critérios de criação dos atributos do produto, marca, embalagem, ró-

tulo e serviço de apoio ao cliente.

Neste sentido, o cafeicultor pode ser considerado o principal contri-

buinte para a geração de informações para o agronegócio café, as quais,

por meio da ação industrial, atingem o consumidor. A agregação de valor

ao café depende da conectividade entre cada processo existente ao longo

da cadeia agroindustrial. Permeia as condições edafoclimáticas (altitude);

origem; tipos de cultivares (Bourbon, por exemplo); sistema de produção

(orgânico, tradicional); método de preparo(natural, cereja descascado ou

desmucilado); classificação física (tipos 2, 2/3, 4, peneiras 16 ac,17/18);

classificação sensorial (bebidas estritamente mole, mole, apenas mole e

dura); mesclas de grãos; ponto de torra; certificados; serviço; modo de

preparo (percolação, expresso).

A variedade de aromas e sabores, tanto em território brasileiro como

no mercado internacional, a infinidade de misturas possíveis no ambiente

industrial, as formas de processamento, envase e distribuição geram especi-

ficidades pelas quais determinados estratos de consumidores estão dispostos

a pagar mais. Ao estar predisposto, o nível de exigência do consumidor em

relação à informação aumenta, devido à ampliação do nível de confiança no

produto. Tem-se aí um “contrato” nem sempre verbal, mas que, após ase-

dução na gôndola, se efetiva no caixa do supermercado. Dependendo do

desempenho do produto em relação à sua capacidade de suprir as expecta-

tivas do consumidor, gera-se uma relação comercial freqüente.

Agregar valor ao café é uma arte que supera o aporte técnico, con-

tratual e institucional. É um delicado tear, comparável ao da renda de bilro,

cuja beleza e nobreza são enaltecidas pelos elementos do marketing. Esse

complexo forma o ambiente ideal para a condução à sustentação finan-

ceira do agronegócio.

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38

9Sobre Cafeologia

Publicado em 23 de maio de 2005, no Coffee Break,

O Portal do Agronegócio Café

Fundada em setembro de 2005, a Cafeoteca de Paris faz parte do

projeto Connaissance du Café e chancela todo o movimento global rumo

à elevação do padrão de qualidade do café servido ao redor do mundo.

Esse projeto, coordenado pela Dra. Glória Montenegro e que tem Néstor

Osorio, diretor-executivo da OIC (Organização Internacional do Café), co-

mo presidente de honra, tem o objetivo básico de criar um banco de

amostras dos melhores cafés do mundo (legrand crus), eleitos por meio de

concursos, e o conseqüente fomento da atividade de cafeólogo, profissio-

nal que se similariza ao enólogo, no âmbito da vitinivicultura.

A título de explicação, a Cafeologia, conforme a Associação de Ca-

feologia, sediada na França, é a arte de degustação visual, olfativa e gus-

tativa de cafés finos e raros, provenientes das chamadas terroirs

d’appellacion (denominação de origem). Esse profissional se distingue do

barista, que é considerado o sommelier da cafeicultura, por não se voltar

com maior ênfase ao processo de preparo dos cafés, embora em ambos

os casos a arte inerente ao cotidiano do barista seja imprescindível. O ca-

feólogo combina a arte da degustação, realizada dentro do ritual do con-

sumo, preparado pelo barista, visando a interpretação da personalidade

de cada café,estando sua ação voltada exclusivamente ao segmento de

alta astronomia, porque aprecia apenas os chamados grand crus.

Essa área do agronegócio café somente se tornou possível depois do

desenvolvimento da tábua de aromas do café, que contempla essencial-

mente trinta e seis aromas diferentes, indo desde aromas que lembram

frutas até aromas menos agradáveis, como o cheiro de animais. Essas

nuances formam a personalidade de cada café, tal como acontece com os

vinhos e azeites finos e são mais ou menos intensificadas, conforme o

método e condições de preparo de cada bebida.

Page 39: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

39

Embora o preparo tradicional do cafezinho, feito em coador, seja

muito utilizado no Brasil e se combine com as mais caras tradições culiná-

rias brasileiras, verifica-se, ante a necessidade de formar novos consumi-

dores, a importância do desenvolvimento do segmento de cafés expressos.

Há uma explicação para isso: os grãos do café possuem óleos aromáticos

que, nesta modalidade de preparo, são convertidos na emulsão que for-

mam o creme do café expresso. Nesse creme estão presentes os aromas e

os sabores que conferem, ao apreciador, a sensação de prazer no momen-

to do consumo. Aqui cabe ressaltar a importância capital do barista.

A cafeologia, ciência/arte em emersão, abre um precedente impor-

tante para o Brasil, que ocupa o posto de maior produtor de cafés do

mundo e que, até 2010, tornar-se-á o primeiro mercado consumidor mun-

dial. Não significa simplesmente uma elitização do consumo do café, mas,

sim, um processo de valorização de cadabrasileiro como porta-voz do que

há de melhor no país. Para isso, aprender a apreciar é preciso.

O Brasil, para quem ainda não conhece esse universo, possui 14 regi-

ões produtoras de cafés distintas (é válido considerar que somos ricos em

microrregiões também) capazes de oferecer experiências sensoriais únicas e

a primeira Appellation Controllê de cafés do Brasil — Cafés do Cerrado

(considerada pela Connaissance du Café uma região produtora de grand

crus, tornando-o equivalente ao Blue Montain e a outros cafés exóticos). O

país oferece também, como maior produtor mundial, a certeza do acesso

do cidadão brasileiro à melhor experiência gastronômica e saudável do mun-

do, na cafeteria mais próxima, a preços acessíveis, para todas as idades.

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10Glocalização na Cafeicultura

Publicado em 19 de Setembro de 2005,

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Embora a discussão fosse implícita anteriormente, é certo que desde

a extinção do Instituto Brasileiro do Café, em1989, a agregação de valor

tornou-se tema norteador das discussões e práticas dos agentes envolvidos

com o agronegócio, por tratar-se de fenômeno/atitude glocalizada.

Mas o que é glocalização? Trata-se de um conceito que reúne as

perspectivas econômicas e sociais oferecidas pelas discussõessobre globa-

lização e território (no sentido de espaço local). Esse conceito avalia estru-

turas de relações interpessoais e institucionais peculiares, capazes de se-

guirem processos de modernização compatíveis com as tendências

mundiais, sem perder o fio histórico e a personalidade que fazem de cada

espaço um conjunto único de pessoas, regras, cultura, entre outros. No

contexto da cafeicultura, a glocalização pode ser entendida como a capa-

cidade de cada nação participante da atividade dese enquadrar às novas

tendências da cafeicultura mundial, sem perder de vista sua tradição e as

respectivas características emblemáticas inerentes a cada região produtora

de cafés, inseridas num contexto de economia de mercado.

Se ponderarmos que atualmentea cafeicultura como negócio gera

cerca de 62 milhões de empregos diretos e indiretose US$ 80 bilhões/ano,

podemos dizer que a discussão em relação ao significado da agregação de

valor, ante o contexto da glocalização, passa a eleger como fundamento

o seu cunho social, por configurar-se força motriz para a expansão da

oferta de empregos (embora este crescimento não seja no curto prazo,

equivalente à distribuição equânime de renda). Além disso, essa bandeira

alavanca o processo desenvolvimento ao mesmo tempo em que fortalece

o processo de coordenação das cadeias produtivas de cada país inserido

na atividade, dentro do espírito “da semente à xícara” (esse espírito, dado

o processo evolutivo do agronegócio café brasileiro, também deve refletir-

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41

-se na marca Cafés do Brasil, que atualmente não expressa a coordenação

do agronegócio na sua totalidade).

Nesse sentido, a modernização das políticas públicas em âmbito

nacional, que confiram maior competitividade e sustentabilidade ao setor

adquire um caráter de urgência, ao mesmo tempo em que rompe com o

modelo político baseado em favoritismos, que culminam no engessamen-

to do desenvolvimento.

Em outras palavras, isso significa construir uma estrutura política ma-

cro, inspirada em princípios de sustentabilidade, segurança alimentar, qua-

lidade e respeito aos direitos humanos, mas sem abrir mão de um olhar

individualizado sobre a realidade de cada cafeicultor, de cada industrial, de

cada membro responsável pela distribuição e preparo dos nossos cafés.

É certo que um arranjo desta natureza é extremamente complexo, já

que supera a capacidadede investimento do empresário. Ele está mais di-

retamente relacionado à vontade política, à convergência de interesses

setoriais, ao nível de agilidade dos legisladores e tomadas de decisão e à

capacidade de realizar/captar investimentos por parte do estado. Contudo,

esse arranjo é crucial frente à nova realidade da cafeicultura mundial.

Apontam-se como exemplos a realização da 2ª Conferência Mundial do

Café (organizada pela Organização Internacional do Café, Governo Brasi-

leiro e Associação de Irrigantes do Oeste Baiano/Aiba) e a implementação

do Centro de Inteligência do Café (CIC), que recentemente empossou seu

Conselho Gestor. Esse último detém a participação de todos os agentes

institucionais da cadeia produtiva nacional, incluindo estado, universidades

e centros de pesquisa.

Quando tratamos de glocalização, passamos a observar melhor os

movimentos das peças que compõem o xadrez da cafeicultura. Embora

outras conversações cruciais estejam acontecendo, nesta oportunidade

chamamos a atenção para dois cenários importantes que estão se deline-

ando e que certamente já influenciam o contexto daqueles envolvidos com

o agronegócio.

O primeiro e que promete seruma revolução mercadológica no con-

texto do café verde no curto e médio prazos, é o Código Comum da Co-

munidade Cafeeira, também conhecido como 4C, que ainda está em dis-

cussão no foro da Organização Internacional do Café, mas que já

representa um sistema que já responde por uma fatia de mercado igual ou

superiora 38 milhões de sacas de café.

Page 42: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

42

O segundo, diz respeito à gradativa transferência da liderançado

ranking do consumo per capita/ano mundial dos Estados Unidos para o

Brasil. Essa conquista deverá se consolidar até 2010, quando o mercado

brasileiro atingirá a meta de 23 milhões de sacas consumidas ao ano. Essa

mudança traz à tona a necessidade de investimentos em qualidade tanto

na produção quanto na indústria, dado que este crescimento se consolida

sobre o processo da formação da cultura de consumo (especialmente cafés

gourmet e sistema de rotulagem e certificação nacional para industrializa-

dos).

Por outro lado, ela também demanda melhor preparo gerencial, já

que esta expansão tornará inevitável a abertura do mercado nacional para

a importação de cafés de outras origens (observa-se que a vinda da famo-

sa rede americana de cafeterias Starbucks para o Brasil é uma mostra de

que esta não é uma realidade muito distante. A rede trabalha com um

portfólio de cafés especiais de diversas origens e vem realizando negocia-

ções com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Especu-

lando um pouco, sabe-se que é o ministério que realiza toda a fiscalização

aduaneira e fitossanitária quando se trata da exportação/importação de

produtos de origem vegetal e animal. (É aquela história de 2+2...).

Finalizando, ressalta-se que a questão da glocalização não se esgota

aqui, mesmo porque a cafeicultura é um negócio em plena ascensão,

ainda que as dificuldades relacionadas a preço não tenham sido resolvidas,

e talvez não o sejam, considerando que o café é a segunda commodity

mais negociada no mundo, perdendo apenas para o petróleo. Pelo contrá-

rio, esta reflexão oferece um importante precedente para o exercício do

livre arbítrio setorial, neste novo século.

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11Tendências do Mercado Cafeeiro

Publicado em 02 de janeiro de 2006,

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Estudos realizados pelo Banco Mundial e pelos principais agentes

institucionais no mundo e no Brasil e discussões realizadas durante a 2ª

Conferência Mundial do Café definem claramente que o mercado cafeei-

ro passará perto da qualidade tanto dos segmentos voltados para a pro-

dução de cafés diferenciados com quantidade, quanto daqueles voltados

para a produção de cafés diferenciados com especificidade.

Ambas vertentes conduzem à tomada de ações importantes, princi-

palmente no nível do produtor, que precisa readequar-se às chamadas

boas práticas de produção (preliminarmente), para atender o novo merca-

do que ora se configura. Qualidade é um fator determinante para a sobre-

vivência e é uma condição irreversível para competitividade no mercado.

Contudo, parece que esta realidade para muitos ainda apresenta-se como

uma fronteira distante, principalmente quando lida-se com processos de

certificação. Ao passo que a certificação diferencia e atesta qualidade do

processo, ela torna-se excludente pelo seu custo de acesso. Infelizmente,

o cenário que se desenha mais à frente para a maioria é o de exclusão,

ante a convergência do mercado para as normas internacionais voltadas à

produção de cafés de altíssima qualidade.

Cafés diferenciados, produzidos dentro de normas que preservem a

sanidade e rastreabilidade dos grãos são uma exigência cada vez maior dos

consumidores que, sem dúvida, já mobilizam a indústria de café, especial-

mente a nacional, que realmente são os grandes compradores de todo o

café produzido no mundo. Não coordenam a cadeia, apenas seguem as

tendências de mercado ditadas por consumidores que cada vez mais detêm

informações e anseiam por produtos saudáveis que mantenham sua qua-

lidade de vida.

Page 44: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

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Por outro lado, lidamos com o investimento limitado em marketing

de origem e respectivamente com o problema de formação de preços que

muitas vezes também engessa o desenvolvimento de uma forma mais in-

tensiva deste foco na qualidade na lavoura. Sem recurso, não há investi-

mento, nem acesso a crédito (dispensando aqui comentários sobre as taxas

de juros do país).

Faltou marketing no passado e continua faltando. Não temos um

rosto e nem um Juan Valdez para dizer quem somos e o que de fato pro-

duzimos. Nosso posicionamento não é agressivo como o dos centro-ame-

ricanos e dos colombianos. Cita-se como exemplo mais recente a avaliação

da instalação de uma cafeteria com a marca Juan Valdez no Brasil, pela

Federação dos Cafeicultores da Colômbia.

De quem éa culpa desse atestado de incompetência nacional? Do

extinto Instituto Brasileiro do Café, dos agentes institucionais, da política

cafeeira que ainda não se encontrou mas já está fazendo alguma coisa, da

perda da representatividade da cafeicultura nocontexto de formação da

balançacomercial nacional nas últimas quatro décadas ou de cada um de

nós que fica a espera que o outro faça pela gente?

Um bom marketing institucional de origem é formado por um con-

junto de atributos e que no caso do café, supera a fronteira da qualidade

do grão em si. Depende de certas chancelas internacionais, como por

exemplo, o reconhecimento da origem. Há um pouco mais de sete décadas

que o Brasil tenta o reconhecimento do café brasileiro como origem no

contrato “C” negociado na Bolsa de Nova York, sem êxito. Sem este reco-

nhecimento, o café nacional continuará a ser submetido às oscilações de

preço negociados em bolsa.

Essas oscilações dependem da formação dos números relacionados

à previsão de safra, oferta e o consumo mundial, bianualidade, existência

ou não de fatores climáticos e a contínua ação de investidores e fundos de

pensão, os quais comumente contrariam as análises técnicas. 2006 neste

aspecto, pelo menos promete ser um ano que deixará o cafeicultor mais

feliz, considerando que as projeções de preço são otimistas, ante a possível

escassez de café que vem se delineando no mercado internacional: consu-

mo mundial de 118 milhões de sacas, contra uma produção mundial esti-

mada em 105 milhões (dados da Organização Internacional do Café,

2005). Em função disso, hoje fala-se em renovação do parque nacional

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como forma a garantir a permanência brasileira no curto prazo, como

principal país produtor e fornecedor de café no mundo.

Fica o recado para que esta renovação dê-se dentro de um foco es-

tratégico voltado à qualidade. Basta observarmos as mudanças profundas

que vem sendo promovidas no mercado brasileiro pela indústria e setor de

serviços. Não plantemos por plantar, porque é certo que essa demanda

uma hora se estabilizará novamente e o excedente de oferta gerará mais

instabilidade de preços também, ainda que o lastro de consumo que vem

sendo desenvolvido no Brasil – 21 milhões de sacas até 2010 se confirme.

E o problema mais uma vez ficará nas mãos do produtor, se faltar o tal

olhar estratégico. É o que a história da cafeicultura nacional conta.

Poder-se-ia ir além nas reflexões, mas concentremo-nos nestas aqui

postas, em razão do seu impacto e relevância para os novos rumos da

cafeicultura brasileira. Que a partir delas, seja possível a ação necessária

para que nos adequemos ao novo cenário, sem mais uma vez deixar que

o trem da história e do mundo dos negócios nos ultrapasse novamente.

Reflitamos e olhemos para frente, deslumbrando um futuro grandioso e

bem-sucedido.

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12Café torrado brasileiro além das fronteiras

Publicado em 16 de janeiro de 2006, no Caderno Agropecuário do

Jornal O Estado de Minas. Participação do Prof. Dr. Antônio Carlos dos

Santos, Departamento de Administração da UFLA

O Brasil consolidou-se como tradicional exportador de café verde e

solúvel, deixando como lacuna histórica a oportunidade de inserir-se no

mercado internacional como grande vendedor também do produto torra-

do em grão e/ou moído (T&M). Ao contrário da indústria de café solúvel,

estruturada para o atendimento do mercado internacional e que atualmen-

te responde por um volume exportado de US$ 280 milhões anuais, o

segmento de T&M voltou-se apenas para o mercado interno.

Não se pode dizer que essa especialização no mercado consumidor

nacional foi totalmente ruim, pois ela colaborou para que o país se tornas-

se o segundo maior mercado consumidor mundial per capita. De acordo

com a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), o mercado brasi-

leiro caminha para assumir a liderança mundial, a ser atingida até 2010,

por meio do consumo de 21 milhões de sacas por ano.

No que diz respeito à ação internacional do segmento de T&M, criou-

-se uma miopia e

por que não dizer um certo receio deste segmento em atuar além

das fronteiras, que começaram a ser superadas por algumas torrefações

brasileiras no início da década de 90, colidindo com o processo de abertu-

ra da economia nacional.

A compreensão desse recente processo de expansão internacional foi

tema de dissertação de mestrado produzida no Programa de Pós-gradua-

ção em Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras (Ufla),

a qual buscou avaliar o olhar do executivo

sobre essa nova modalidade de negócio da indústria de torrefação e

moagem de café nacional.

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De acordo com o estudo, a expansão internacional é um processo

construído ao longo do tempo, para torrefações já consolidadas no mer-

cado interno, mesmo que essas sejam fruto de investimento de grupos de

produtores de café, fixados em território nacional e com histórico de atu-

ação no comércio internacional de café in natura.

Para que a internacionalizaçãoda torrefação dê-se deforma sólida e

consistente, os

resultados apontam para a necessidade prioritária de ampliarem-se

investimentos em tecnificação das plantas industriais e, respectivamente,

em processos de certificação acreditados internacionalmente, bem como

para um aumento maciço de investimentos em marketing setorial/promo-

ção internacional de marcas brasileiras.

Nesse sentido, ressalta-se que a presença do Estado como principal

fonte financiadora do processo de internacionalização é fundamental,

especialmente para pequenas e médias empresas, na fase de acesso a

mercados. Atualmente a presença do Estado concentra-se em atividades

que envolvem diplomacia, organização de missões empresariais e de pro-

jetos bipartites, como os programas setoriais integrados (PSI), da Agência

de Promoção

das Exportações (Apex-Brasil).

Além dos aspectos citados acima e não menos importante, está o uso

das exportações de cafés industrializados de alta qualidade (gourmet) co-

mo estratégia de posicionamento dos

exportadores nacionais, tanto para mercados tradicionais como para

os emergentes. O investimento em qualidade, aliado ao aproveitamento

da vocação natural do Brasil como principal país produtor, a proximidade-

da indústria com o produtor e a capacidade instalada da

torrefação nacional geram vantagens competitivas e comparativas

ímpares: o melhor café brasileiro chega às gôndolas internacionais com

preços até 50% mais baratos que os similares

disponíveis no mercado externo, favorecendo a conquista de consu-

midores pelo gosto e pelo bolso.

O preço médio negociado em 2005, de acordo com a Abic, foi de

US$ 3,75, o quilo. A mensagem que esse estudo deixa é que o sucesso até

então alcançado com a recente ação internacional da indústria de café

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oferece a força motriz para que, gradativamente, mais torrefações expan-

dam seus negócios e ampliem a geração de emprego e renda. Isso signifi-

ca contribuir para o desenvolvimento nacional, ao mesmo tempo em que

se corrobora para a construção de um novo horizonte para a cafeicultura

brasileira no cenário mundial.

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13Mudanças nas regras do jogo em prol da

consolidação do consumo de café de qualidade no Brasil: uma reflexão

Publicado em 23 de maio de 2006,

no Coffee Break – O portal do Agronegócio Café.

Todos os caminhos conduzem à qualidade. Pelo menos é isso que as

linhas e entrelinhas dos discursos proferidos por todos os agentes que re-

presentam as principais instituições do agronegócio café têm defendido.

Tanto que falar da não qualidade, que na verdade ainda representa a base

do consumo per capita nacional, bem como do mercado marginal do café,

ultimamente, é tido como um discurso ultrapassado e tabu. Mas, será?

O fundamento da prática mercantil, dentro da perspectiva do marke-

ting, centra-se na capacidade do ambiente de negócios interpretar ou até

mesmo antever necessidades das pessoas e instigá-las o consumo. Nesse

último, centra-se a magia do marketing: a de despertar ou criar o desejo

no consumidor, levando-o a efetivar uma troca mercantil (moeda corrente

por produto ou serviço, com distintos níveis de valor agregado). O merca-

do cafeeiro, considerando a expansão do mercado de cafés especiais no

Brasil, tem se mostrado muito eficiente nesse sentido, ao despertarem

consumidores mais exigentes o desejo de uma saborosa experiência sen-

sorial, por meio da apreciação de uma xícara de café com maior valor

agregado.

Outrossim, verifica-se que boa parte das companhias, que têm seus

negócios focados no consumidor, não tem medido esforços para diversifi-

car seu portfólio de cafés, especializando boa parte dessa carteira, no

mercado de cafés diferenciados.

Sustentar esse processo, por sua vez, gera um custo que supera a

verba de marketing de torrefações e canais de distribuição importantes,

como cafeterias e o varejo. Esse custo se concentra, fundamentalmente,

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50

no preço da saca do café verde, responsável por aproximadamente 60%

do custo final do kg do café industrializado.

A trava de preços do café (hedge), considerando a volatilidade das

cotações internacionais desse produto, apresenta-se como importante al-

ternativa de sustentação da lucratividade da cadeia agroindustrial do café,

em função do seu caráter estratégico. De acordo com dados do último

relatório publicado pelo CNC (Conselho Nacional do Café), em 2006, tra-

tando sobre a situação da cafeicultura brasileira, esse agronegócio ainda

continua acumulando prejuízos, principalmente na ponta produtora. Por

sinal, registra-se aqui que, se o cafeicultor vai mal, todo o resto vai, uma

vez que a base de sustentação da oferta da almejada qualidade do café

parte

dele. Sem recurso ou rentabilidade, não há como o produtor investir

em produção de café, com qualidade técnica (cafés diferenciados).

Assegurar, por sua vez, um patamar mínimo de preços ao cafeicultor

é sinônimo de garantia de oferta de produto, com qualidade técnica, no

médio e longo prazos. Nesse sentido, a aquisição de contratos (compra,

venda e opções) da BM&F (Bolsa de Mercadorias &Futuros) e CPR (Cédulas

de Produto Rural), apresentam-se como ferramentas importantes no pro-

cesso de estabelecimento de estratégias de comercialização.

Considerando que não existem sistemas de seletrons públicos dispo-

níveis e tampouco processos industriais economicamente viáveis para uti-

lização de grãos defeituosos (desvio de qualidade quesomente pode ser

evitado nos processos de produção, colheita e pós-colheita do café), que

poderiam, no curtíssimo prazo, resolver o problema da oferta de cafés de

baixa qualidade no país é visível que há uma necessidade de melhor refle-

tir sobre o estabelecimento de um mercado de contratos de café (futuro e

spot), que atenda tanto objetivos empresariais das torrefações brasileiras,

quanto dos cafeicultores e, ao mesmo tempo, reflita a realidade do mer-

cado.

Boa parte dos estudos que realizei, voltados ao agronegócio café,

concentram-se na análise do segmento industrial, mais especificamente no

setor de café torrado em grão e/ou moído. Esse setor, além de registrar

importantes cases de sucesso empresarial, tem, no momento, executado

duas ações importantes para o agronegócio nacional: uma relacionada ao

processo de elevação doconsumo de cafés, por meio de certificação de

indústrias e, respectivamente, de marcas de cafés nacionais (PQC — Pro-

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51

grama de Qualidade do Café, da Abic); e outra relacionada ao processo de

alavancagem da inserção internacional da torrefação brasileira, via comer-

cialização de cafés diferenciados nacionais com valor agregado pela indus-

trialização (PSI — Programa Setorial Integrado para Cafés Industrializados,

da Apex).

Ambas as ações, interdependentes, que são coordenadas pela Abic

(Associação Brasileira da Indústria de Café), demandam como pré-requisi-

to para o seu sucesso, a garantia de oferta de padrões mínimos de quali-

dade, em escala, que permitam a preservação dos padrões dos cafés in-

dustrializados (mesclas ou blends) e o respeito a contratos, especialmente

os internacionais.

Refletindo sobre a necessidade apresentada pela Abic à BM&F, suge-

rindo a criação de um contrato para cafés arábica, no padrão tipo 8 (360

defeitos), verifica-se, nessa solicitação, um real empenho da instituição em

conduzir as torrefações brasileiras à consolidação do processo da qualida-

de, que vem sendo construído a duras penas.Tipo 8 é o padrão mínimo de

qualidade proposto pelo PQC/Abic aos industriais de café brasileiros. Esse

programa de certificação privado, tem como escopo promover a elevação

do consumo de cafés no mercado nacional, que responde pela absorção

de 15,6 milhões de sacas (dados 2005), por meio da difusão de informa-

ções de uma forma mais clara e inteligente para o consumidor brasileiro,

visando a criação de uma nova cultura de consumo de café no país.

Por detrás dos selos de qualidade e o perfil de sabor, propostos pelo

programa de qualidade da Abic, há uma crescente demanda por cafés

diferenciados no mercado, combinada com uma mudança no perfil em-

presarial do industrial de café brasileiro, que, gradativamente, setorialmen-

te falando, vem se profissionalizando. A imprescindível adequação tecno-

lógica e as mudanças de percepção sobre qualidade do café, por parte de

importantes canais de distribuição instalados no país (Carrefour e Pão de

Açúcar, por exemplo), têm contribuído para a aceleração do processo,

principalmente no estrato das 100 maiores torrefações do país.

Embora para o agronegócio café o tipo 8 não seja a “menina dos

olhos” de ninguém, é perceptível que, no momento, esse é o máximo

dentro do possível, considerando a atual conjuntura do mercado. Num

futuro próximo (entre três a seis anos, estimo), esse patamar de qualidade

deve evoluir formalmente para o padrão BM&F, no contexto da grande

torrefação. Ainda que as 100 maiores torrefadoras brasileiras respondam

Page 52: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

52

por aproximadamente 60% do café industrializado no país, boa parte do

consumo dos 15,6 milhões de sacas, está sob a responsabilidade de micro,

pequenas e médias torrefações, com forte perfil de atuação regional. Essas,

por sinal, têm problemas semelhantes aos dos cafeicultores de pequeno e

médio porte, com o gradativo processo de descapitalização e escassez de

capital de giro, combinado com problemas de inadequação tecnológica e

problemas de concorrência desleal e autofágica.

Considerando esse perfil, verifica-se a inexistência de estimativas em

relação ao tempo em que se levará para que todas as torrefações brasilei-

ras produzam cafés dentro dos parâmetros propostos pelo PQC/Abic. É

certo que, até o momento, nem todas as existentes no Brasil detêm o selo

de Pureza da mesma instituição, uma vez que esse como aquele são de

cunho privado, não compulsório. Isto é, para tê-los em sua embalagem,

há a necessidade da torrefação se associar a Abic.

Se houver uma maior adesão de industriais de café aos negócios

realizados no mercado futuro, é certo que a prática de aquisição de maté-

rias-primas, por meio da relação indústria e produtor, já institucionalizadas

em cadeias produtivas como a do frango e do fumo, por exemplo, tende

a conferir maior estabilidade de preços praticados no médio e longo pra-

zos, inclusive no mercado físico.

Tudo indica que, em breve, o maior mercado consumidor dos cafés

brasileiros, será o próprio Brasil. E essa mudança nas relações torna-se

importante. Além disso, é visível que a demanda por cafés diferenciados,

para o atendimento do mercado internacional detorrados, também tem se

posicionado de uma forma positiva e crescente em função do processo de

diversificação dos negócios das torrefadoras. Em tese, o aproveitamento

da expertise e da segurança oferecida pela solidez de uma bolsa de mer-

cadorias situada em território nacional no processo de negociação futura

de café, gera certa independência da volatilidade de preços do café impos-

ta por bolsas internacionais, como a nova-iorquina (Nybot).

Primeiro em funçãodo aumento do volume diário de negócios reali-

zados num pregão ocorrido no Brasil. Segundo pela geração de garantias

em termos de preços mínimos e a padronização da qualidade dos grãos

ofertados ao mercado. A combinação de ambos é imprescindível para a

sustentabilidade econômica dos negócios ao longo de toda a cadeia pro-

dutiva.

Mudanças, tanto no comportamento empresarial (de cafeicultores e

Page 53: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

53

industriais), quanto na forma de estabelecimento de contratos, combina-

das com as ações de marketing atualmente empreendidas, sem dúvida,

colocam o agronegócio café nacional com seus “dois pés” no século XXI.

Então, primando pelo bom senso no agronegócio, que a convergência de

interesses prevaleça.

Page 54: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

54

14Parceria que pode dar certo

Publicado em 05 de junho de 2006,

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Com a proximidade de grandes eventos esportivos como a Copa do

Mundo, os Jogos Pan Americanos (Rio de Janeiro –2007) e os Jogos Olím-

picos (Pequim– 2008), as atividades esportivas voltam a assumir importan-

te papel como vitrine promocional de marcas e respectivamente, como

vendedora de estilos de vida mais saudáveis e menos dependentes do ritmo

frenético da civilização moderna. Em termos de negócios, a opção por uma

estratégia empresarial voltada ao marketing esportivo pode ser um inves-

timento para aquelas empresas ou setores que buscam na qualidade de

vida, o principal mote para a promoção de seus produtos e serviços.

A procura dos consumidores por qualidade de vida causa impacto

diretamente na forma como os setores produtivos passarão a conduzir

suas ações no mercado. Além do investimento na diversificação de seu

portfólio, as empresas investem também em processos de certificação e

rastreabilidade, abrindo precedente inclusive para o uso de insumos e/ou

matérias-primas produzidas no conceito da produção orgânica ou em sis-

temas que lancem mão de quantidades mínimas de agrotóxicos.

Outro aspecto observado na indústria de alimentos é uma tendência

gradativa pela diversificação de produtos, visando atender necessidades

distintas dos consumidores. Exemplos são mais visíveis nos segmentos de

óleos e derivados (óleo de girassol, óleo canola e algodão, margarinas vi-

taminadas e com ômega 3), frutas (produtos orgânicos, melancia produ-

zida no formato quadrado, com 1kg, para atendimento do mercado japo-

nês) legumes (batata-doce enriquecida com beta-caroteno, produção de

mini-legumes, legumes e hortaliças pré-preparados e comercializados em

bandejas).

No caso do café, verifica-se que o investimento em qualidade ao

longo da cadeia produtiva (plantio, industrialização e comercialização) tem

Page 55: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

55

se calcado na combinação entre segmentação de mercado, fortalecimento

de novas formas de consumo e investimento em pesquisa, tanto na área

tecnológica (língua eletrônica, 100% nacional, desenvolvida para auxiliar

no processo de análise do produto), quanto na descoberta dos benefícios

para saúde, proporcionados pelo consumo da bebida. Os atributos positi-

vos da bebida (vide www.cafeesaude.com.br) podem ser ressaltados por

meio do investimento na atividade esportiva, como vitrine em potencial

para a marca.

Talvez o caso mais emblemático do agronegócio café nesse sentido,

seja a vinculação da marca Juan Valdez a eventos esportivos como campe-

onatos de tênis, patinação no gelo e alpinismo. A estratégia usada colabo-

rou diretamente para a fixação da qualidade do café colombiano na men-

te de consumidores em mercados tradicionais importantes, como o

europeu e o americano. No caso de algumas marcas comercializadas no

Brasil e até mesmo do próprio café do Brasil entendido aqui como institui-

ção nacional (marca Cafés do Brasil) verifica-se que a opção pelo investi-

mento no marketing esportivo pode ser uma via interessante.

Experiências desse tipo já ocorreram durante os Jogos Olímpicos de

Atlanta, 1996, quando o setor cafeeiro investiu em marketing de marca,

criando um espaço Cafés do Brasil paralelo ao evento. Recentemente, o

consumo de café colaborou para que a Seleção Brasileira de futebol supe-

rasse o problema da altitude em Quito, capital do Equador. Embora nenhu-

ma marca de café tenha sido vinculada àquela partida de futebol, verifica-

-se que outros esportes têm sido privilegiados por empresas que adotam

estratégias diferenciadas em termos de sensibilização do consumidor.

Atualmente há presença de marcas de café do país patrocinando

eventos internacionais, como a stock car, bem como equipes de vôlei,

basquete e equipes ou campeonatos de futebol. O investimento por meio

de patrocínio a equipes, em função da visibilidade dada pela TV, jornais e

revistas especializadas, favorece a fixação das marcas dos patrocinadores

na mente do consumidor e respectivamente, o conceito de qualidade em-

butido na concepção do produto. Talvez um dia seja possível almejar a

logomarca dos Cafés do Brasil na camisa verde-amarela da Seleção Brasi-

leira de futebol ou nos uniformes de outros atletas... Pelo menos até Pe-

quim 2008... Mas essa é uma prosa para outro dia...

Na verdade, não importa o porte do investimento. O fundamental

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56

nesse caso, é oferecer visibilidade à marca de uma forma diferenciada e

principalmente, resgatando hábitos de consumo.

Além disso, o investimento em esporte, principalmente em equipes

de base, formadas por adolescentes, pode ser uma opção inteligente das

empresas exercitarem também sua responsabilidade social, resgatando

jovens do risco social, contribuindo para o desenvolvimento de uma socie-

dade melhor.

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15Drawback: um novo cenário

para a cadeia do café

Publicado em 23 de junho de 2006, no portal Café Point.

Vários são os pontos de vista quando se trata de política cafeeira

brasileira. São interesses ora convergentes, ora divergentes, mas que, ao

longo do tempo, têm delineado a face da cafeicultura nacional. Atualmen-

te, além das discussões sobre investimentos nas áreas de ciência e tecno-

logia e marketing do café, o mercado cafeeiro depara-se com uma impor-

tante discussão: a implementação da prática de drawback no contexto do

agronegócio café brasileiro.

Os eventos que precedem essa adoção demandam uma breve retros-

pectiva histórica do agronegócio, uma vez que, pode-se dizer que o ad-

vento da vinda da Starbucks para o Brasil, em 2006, está para o setor de

cafeterias brasileiras, assim como o da vinda da Melitta, ocorrida nos anos

1970, está para a indústria de café. O primeiro, pode ser considerado um

indicador de franca internacionalização dos negócios do café, inclusive

industriais, e mudança do perfil do mercado consumidor, em relação à

qualidade e políticas de promoção; enquanto o segundo, um indicador de

quebra de paradigmas num contexto de baixo nível tecnológico e carência

de profissionalização.

A entrada da Melitta no Brasil, nos anos 1970, ocorreu em função

do fim da política econômica brasileira de substituição das importações,

trazendo para o país uma nova configuração em termos de tecnologia de

industrialização de cafés. Pela primeira vez, o Brasil teve acesso à chamada

embalagem a vácuo (ou tijolo), que permite maior durabilidade do café

torrado em grão e ou moído, na prateleira do supermercado.

Após a chegada dessa multinacional alemã, o setor industrial do

café ainda registrou a entrada da americana Sara Lee (dona da marca Pi-

lão), da israelense Strauss-Elite (dona da marca Três Corações e que atual-

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58

mente é sócia de uma joint-venture formada com o grupo brasileiro Santa

Clara - café Santa Clara), das italianas Segafredo Zanetti, Illy e Lavazza (as

duas últimas apenas atuam no segmento de cafeterias, por meio da im-

portação de café torrado já embalado, principalmente em sachês). Há ain-

da, a presença da portuguesa Delta, atuando também no segmento de

cafeterias, com a comercialização de sachês.

O acesso dessas multinacionais, além de ter forçado a elevação do

padrão tecnológico das principais indústrias de café de capital brasileiro,

sem dúvida contribuiu para o processo de redução do número total de

indústrias de café existentes no país, saindo de um total de mais de 3.000

torrefações nos anos 90 para as atuais 1.100 companhias torrefadoras de

café. A previsão é que até 2010, este número chegue a não mais que 100

empresas, em função do alto grau de competitividade no setor e a ativação

do uso do drawback.

Drawback, grosso modo, é uma prática de importação de matérias-

-primas realizada por determinada companhia do país, visando agregação

de valor a produtos nacionais e sua posterior exportação. Pode ser utiliza-

do também no processo de ampliação do leque de fornecedores de insu-

mos, via a realização de cotações internacionais, onde se buscam os me-

nores preços, dentro de padrão de qualidade predeterminado.

É visível que a adoção do drawback não resolverá apenas o problema

dos exportadores de café solúvel e torrado em grão e ou moído, que bus-

cam a elevação do seu nível de competitividade, em função do preço e

capacidade de atendimento a qualquer tipo de pedido. Resolve também a

questão da chegada da Starbucks ao país.

Ainda que o discurso adotado pela rede de cafeterias americana

seja o da «abrasileirização» do cardápio de cafés servidos, trata-se de uma

multinacional com perfil bem específico, ou melhor, dizendo, cosmopolita,

filosofia nítida por meio de sua carta de cafés que oferece um passeio

gastronômico pelos principais países produtores de café. A adequação do

portfólio de produtos e serviços ao perfil local, normalmente só acontece

em casos de mercados muito mais arraigados a cultura e religião do que o

nosso, como no caso dos indianos em relação à carne de bovinos (para a

religião hindu, a vaca é um animal sagrado), como fez o Mc Donalds. O

brasileiro tem, em função de sua própria formação multicultural, a dádiva

de receber bem novidades e incorpora-las como hábitos cotidianos.

O drawback, aplicado ao contexto do agronegócio café, ampliará a

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59

atratividade de investimento de multinacionais no país em função dos

seguintes aspectos:

1. Pela proximidade do suprimento (o Brasil é o maior produtor de

café do mundo) e isso impacta diretamente na redução do custo

do quilo do café industrializado nacional. O preço do quilo de

nosso café especial torrado configura-se como um dos principais

fatores de sucesso da ação internacional brasileira do setor de

torrefação.

2. Pelo custo da mão de obra brasileira, menor do que dos países de

origem das multinacionais de café. Pelo aumento da competitivi-

dade dos elos industriais do país, com a possibilidade de busca de

fornecedores internacionais, reduzindo custos.

3. Em função de o Brasil ter elasticidade em relação à demanda de

consumo: temos a tradição do cafezinho arraigada na cultura na-

cional e um mercado consumidor de perfil jovem e em fase de

expansão.

É evidente que, para que o país assuma o primeiro lugar no ranking

mundial do consumo per capita (21 milhões de sacas até 2010), por meio

de um discurso e prática calcados na qualidade e certificação, e amplie sua

participação no mercado internacional de cafés industrializados, alguns

sacrifícios serão necessários.

Naturalmente, isso impactará em processo de exclusão de produtores

também, deixando a cafeicultura familiar numa situação mais complicada

do que a atual. Principalmente agora, quando o quarto comprador do

café nacional, o Japão, define barreiras técnicas tão acirradas em relação

à presença de agrotóxicos e cerca mais de outras 750 substâncias.

A questão que fica é se a cafeicultura brasileira está disposta a «cor-

tar na própria carne», em prol da sua completa inserção no contexto in-

ternacional, como plataforma de exportação não apenas de grãos verdes,

mas também de café solúvel e torrado e moído. Qual o preço a ser pago

pelo agronegócio para que essa transição aconteça plenamente, uma vez

que, os tempos dos subsídios, ao que parece, já ficaram para trás?

Coisas para os donos das canetas pensarem.

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16Um olhar sobre o agronegócio

Publicado em 18 de setembro de 2006,

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.

Os movimentos de produtores rurais ocorridos este ano, coordenados

por bancadas políticas do legislativo federal e estaduais, Confederação da

Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), federações estaduais, sindicatos e

associações, se por um lado significaram uma demonstração de força do

campo, por outro, expôs a estarrecedora fragilidade que afeta o setor

agrícola nacional.

É certo que o agronegócio ainda tem peso determinante na política

externa brasileira, por meio de sua contribuição para os sucessivos

superávits da balança comercial do país. Embora os produtos com maior

valor agregado também tenham um peso determinante para o sucesso dos

negócios internacionais brasileiros, é certo que, no momento, em função

do processo de negociação dos subsídios agrícolas, no foro da Organização

Mundial do Comércio (OMC), verifica-se a tendência de mudança da face

do setor produtivo, daqueles mercados que têm no campo o esteio da sua

economia, como no caso do Brasil.

Sabe-se que parte do Plano Real, um dos mais longos planos de es-

tabilização econômica do país e, porque não, bem-sucedida experiência,

é um lastro verde e tem um pé na agricultura familiar, quando se trata de

hortaliças. Acredito que, em função disso, o governo

federal venha anunciando investimentos para esse segmento da ati-

vidade agrícola nacional.

PROBLEMAS Contudo, olhando para o todo, observa- se problemas

sérios, que tendem a comprometer o bom desempenho do agronegócio

nacional no curto prazo, especialmente relacionado com o processo de

liberalização do comércio internacional no contexto dos produtos

agrícolas. Ainda que o crescimento econômico e populacional no Brasil e

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61

no mundo possa ser vegetativo, é certo que urge que o governo do

Brasil, país que tem uma das cargas

Tributárias mais pesadas no mundo, invista na sua parte estrutural,

garantindo a criação de vantagens competitivas.

Essas vantagens somente poderão ser criadas por meio da redução

do impacto do custo da inexistência de modais de transporte e armazena-

mento eficientes e compatíveis com os índices de produtividade alcançadas

pelos produtores em suas propriedades, combinados com sistemas de de-

fesa sanitária mais consistentes, que evitem transtornos para o comércio

exterior brasileiro, como o recente episódio da febre aftosa.

CELEIRO Somente por meioda governança institucional, coordenada ini-

cialmente pelo Estado, que tem de oferecer à sociedade brasileira contra-

partidas importantes na parte de investimentos, no caso estruturais, é que

o processo de agregação de valor, realizado por meio de programas de

certificação e rastreabilidade, realmente valerá a pena, economicamente

falando. Nesse contexto, a relação custo/receitas e tornará mais favorável

tanto para o produtor quanto para os demais elos à frente das cadeias

produtivas, consolidando o tão almejado processo de agregação de valor

aos produtos brasileiros, especialmente voltados para o mercado interna-

cional.

Brasil, celeiro domundo, já diziam os antigos. Pensemos nisso.

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17Obsessão pela qualidade

Publicado em 20 de setembro de 2006

no Coffee Break, o Portal do Agronegócio café.

Muito mais do que a paixão pelo café, tanto como cultura, quanto

como opção de carreira profissional, cada vez mais, a obsessão pela qua-

lidade se torna via única e regra magna para aqueles que almejam o su-

cesso no contexto do agronegócio café nacional. Superam-se, assim, as

regras de poder, a política cafeeira, o arrangement das instituições, em

função da urgente necessidade particular ou setorial, de se curvar como

súdito frente ao consumidor, cada vez mais informado e, por conseguinte,

mais exigente.

Nesse quesito em particular, a construção de uma reputação sólida

se torna imperativa. O primeiro passo nessa (re) construção é voltar-se

única e exclusivamente para o mercado, esquivando-se dos jogos de inte-

resse que permeiam a cadeia produtiva, os quais podem ser considerados

“paroquiais”, parafraseando aqui Max Weber. De acordo com o Reputa-

tion Institute, consideram-se contribuintes para a construção de uma re-

putação sólida ante colaboradores e stakeholders, (I) a liderança impressa

no setor de atuação; (II) o exercício da cidadania; (III) a capacidade de go-

vernança organizacional e institucional; (IV) os valores norteadores das

ações empresariais e individuais; (V) sustentabilidade gerencial — liquidez

financeira e capacidade de pagamento; (VI) a estrutura dos produtos e

serviços oferecidos em nível corporativo e pessoal; e (VII) o lócus de atuação

e a performance. Esses elementos, além de corroborarem para a criação

de um novo universo da cultura organizacional, conduzem à aquisição de

códigos de conduta que, por conseguinte, conduzem à busca e à incorpo-

ração da qualidade, como fator único de sobrevivência em um mercado

competitivo.

No contexto da cafeicultura, muito se fala de qualidade. Mas é pre-

ciso ponderar sobre qual qualidade estamos falando. A construção da

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63

verdadeira qualidade passa necessariamente por uma profunda revisão da

cultura corporativa e, conseqüentemente, arrebatamento de colaborado-

res, no seu íntimo, através da persuasão e de sua incorporação no cotidia-

no deste indivíduo. Não basta falar sobre, é preciso incorporar o discurso

nos detalhes e nas ações. Isso é fundamental para que seja realmente

possível vender ao consumidor a verdade. E verdade, acima de tudo, con-

duz à construção da credibilidade.

Um café realmente construído sob a égide da qualidade é oriundo

de uma história complexa, que envolve mentes, habilidades e capacidades

humanas e relacionais convergentes para a implementação de procedimen-

tos e práticas, que geram as diferenças imprescindíveis para a construção

do delicado tear, que é o café especial servido na xícara do consumidor.

Vejamos: com a recente eleição do café gourmet como produto do

ano, reforça-se a importância do investimento em rastreabilidade e certifi-

cação dos processos de forma que, gradativamente, o padrão de consumo

nacional se consolide num novo patamar cultural, onde seja factível para

o consumidor comum falar sobre cafés, tal como se fala sobre vinhos. Eis

aí o campo da sofisticação que se deve laborar, a fim de incorporar na

praxe diária do consumo, a sedução e o prazer do inebriante hábito de

sorver uma xícara de café, produzida sob a égide da paixão pela excelência

e sob a paixão pela paixão.

Mesmo ante das exigências de mercado, é interessante ponderar que

um café elaborado com paixão é diferente. Não tem gosto de McDonalds:

mesma cara, mesmo padrão, ainda que isso signifique produção de ali-

mentos seguros. O padrão é a garantia de que o consumidor irá sempre

repetir a mesma experiência, contudo, se a intenção é criar especialistas

no assunto, é interessante ponderar sobre os domínios da paixão, que leva

à expertise, à obsessão pela qualidade e à diferenciação sutil.

Se não houver esse cuidado, talvez o ritual do consumo se banalize,

ainda que as cafeterias estejam cada vez mais sofisticadas, o barismo ga-

nhe mais espaço como atividade profissional e o negócio de cafés especiais

ganhe projeção junto aos consumidores. Não basta um discurso de marke-

ting, é preciso encantar por meio da mágica que é a interpretação dos

segredos inerentes a cada xícarade café. Confesso, em particular, que em

sete anos de envolvimento com o mercado do café, somente uma marca

me proporcionou isso.

Não sei se é a marca do produto industrializado, se era a safra do

Page 64: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

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produto, ou se era o momento feliz que vivia. Mas é certo que eu nunca

fui capaz de esquecer o sabor achocolatado, levemente frutado, com al-

gumas notas muitíssimo suaves de amêndoas que aquele café tinha. Provei

de um café mágico, mirífico, como aquele que encantou Kaldi, nas mon-

tanhas Abissínias. E olha que não era ganhador de concurso de qualidade

nem tampouco vinha em umaembalagem sofisticada. Na verdade, era um

café com alma e assinatura de autor apaixonado. E imprimir isso na xícara

doconsumidor é que são elas.

Reflito que a minha satisfação, quanto consumidora, seja conseqüên-

cia de um árduo trabalho de bastidores, onde a sinergia da equipe se

converte em um soneto afinadíssimo, onde a qualidade é o regente e as

partituras, uma mistura sutil e intensa dos anseios do consumidor com a

obsessão de fazer e oferecer o que há de melhor. Nesse sentido, a certifi-

cação e a rastreabilidade deixam de ter um cunho meramente capitalista

voltados à criação de vantagens competitivas e comparativas e a atendi-

mento das exigências do mercado. Assumindo, assim, espaço no mundo

corporativo, como cuidados oferecidos a uma obra de arte pelo artista

apaixonado pelo

seu trabalho. Nesse contexto de sucesso, então, sem dúvida, a rique-

za é uma consequência do prazer. Que se lance mão de todos os ferramen-

tais existentes para a construção da qualidade dentro do contexto da ca-

deia agroindustrial do café, mas que, jamais emfunção disso, perca-se a

alma.

Há de se pensar na poesia então, aquela onde se torna permissiva a

torra individualizada de grãos com favas diferentes, a produção da mescla

posteriormente, o descanso suave dos grãos para o desprendimento dos

gases carbônicos, a regulagem do moinho, a dança das mãos do barista,

os cuidados com a xícara e com a temperatura da água, a apreciação da

suavidade do creme descendo por aquelas paredes brancas, a se “emul-

sionarem” no fundo dela em forma de turbilhão e formarem aquela “na-

ta” tom amendoado, que suavemente impregna o paladar com uma silen-

ciosa assinatura de arte de seu artista. Algo como sorver Portinari

transformado em café. Que o marketing, então, corrobore para o desen-

volvimento da sensibilidade dos consumidores para que o estado da arte

cafeeira seja percebido e amado em profundidade.

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18A energia que vem da agricultura

Publicado em 30 de outubro de 2006

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

A redução dos impactos da ação humana na natureza, no último

quarto do século 20, contribuiu de modo decisivo para o início do proces-

so de desenvolvimento de tecnologias, que tornassem possível o uso de

fontes de energias limpas e renováveis.

Essa preocupação foi acirrada principalmente pela instabilidade polí-

tica nas principais regiões produtoras de petróleo do planeta registradas

nos últimos anos, que comprometem em particular a oferta do produto ao

mercado consumidor, a preços atrativos. O caso mais recente e emblemá-

tico que se pode ressaltar é o caso Brasil X Bolívia, na questão da naciona-

lização da subsidiária da Petrobras instalada em território boliviano.

Além disso, dados da Associação Brasileira do Gás Natural Veicular

(2005) indicam que as reservas de energia fóssil, petróleo e gás natural,

têm duração finita de 43 e 68 anos, respectivamente, em relação à eleva-

ção do consumo no planeta. Esse fator, combinado com a expansão de-

mográfica mundial, e conseguinte crescimento da frota veicular, fortaleceu

as discussões em torno da redução de emissão de gases poluentes na at-

mosfera, a intensificação do efeito estufa, conduzindo assim à chancela

do Protocolo de Kyoto, do qual várias nações, inclusive o Brasil, se torna-

ram signatárias.

Nesse documento, prevê-se, a redução de emissão de poluentes na

atmosfera, via a preservação ambiental e o respectivo desenvolvimento e

uso de energias renováveis. A partir do Protocolo de Kyoto, o governo

brasileiro passou a discutir a inclusão de outras fontes de energia em sua

matriz energética, formada anteriormente, essencialmente por petróleo e

energia hidroelétrica e de biomassa, conforme se observa na tabela.

Page 66: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

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Composicao da Matriz Energética (Em %)

Fonte Mundo Brasil

Petróleo 35,3 43,1

Carvão Mineral 23,2 6

Gás Mineral 21,1 7,5

Biomassa Tradicional 9,5 8,5

Nuclear 6,5 1,8

Hidroelétrica 2,2 14

Biomassa Moderna 1,7 23

Outras renováveis 0,5 0,1

Fontes: Instituto de Economia Agrícola; Ministério de Minas e Energia e Ministério da Agricultura, 2005.

O agronegócio, nesse contexto, passou a ter um papel chave no

processo de posicionamento do Brasil no chamado Mercado de Créditos

de Carbono e produção de energia verde,conhecida como agroenergia.

Pode-se dizer que essa nova atividade legitimamente coloca o país na

dianteira do processo de inovação e fornecimento de uma nova modalida-

de energética mundial, imprescindível para o processo de desenvolvimen-

to e sobrevivência das economias e da própria humanidade.

Essas alternativas nascem fundamentalmente de produtos conheci-

dos da pauta de produção nacional, como, a cana-de-açúcar e o milho

(etanol) e várias oleríferas, como a soja, a mamona, o dendê, o babaçu, a

palma forrageira, o amendoim e o girassol (biodiesel).

A discussão sobre o desenvolvimento de cadeias produtivas, voltadas

à indústria da agroenergia, tornou-se estratégica no nível do governo fe-

deral, por meio do estabelecimento do Plano Nacional de Agronergia e as

Diretrizes de Política de Agroenergia, para os o período de 2006 a 2011,

via criação de uma ação interministerial, envolvendo os Ministérios da Agri-

cultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Ciência e Tecnologia (MCT),

Minas e Energia (MME) e Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

Essa chancela estatal, causou impacto também na mudança do nome da

antiga Secretaria de Produção e Comercialização ligada ao Mapa, que

atualmente passou a ser denominada de Secretaria de Produção e Agroe-

nergia, demonstrando o real interesse do governo brasileiro em apoiar

este mercado, fomentando, especialmente pela agricultura familiar (no

Page 67: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

67

caso de produtos voltados para a produção de biodiesel, como mamona,

palma forrageira e dendê).

Preliminarmente, é possível verificar que o produtor deve se preparar

para esse novo ambiente, que certamente oferece inúmeras outras verten-

tes de agregação de valor ao seu produto. É claro que ainda estamos

diante de um mercado em fase de regulamentação e organização, dada a

sua complexidade: várias são as cadeias produtivas que contribuem para a

produção de energia renovável (biodiesel e etanol). Contudo, estrategica-

mente, é interessante observar a movimentação do mercado, uma vez que

nesse século, estamos diante do processo de bifurcação da atividade de

produção agrícola, visando o atendimento tanto da área de alimentação,

altamente demandante de elevados níveis de qualidade, rastreabilidade e

certificação, quanto da área de produção de combustíveis, altamente de-

mandante de qualidade e escala.

Lidar com a mudança vai requerer uma revisão de valores e análise

estratégica do mercado. É o que concluímos nesse momento.

Page 68: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

68

19Política do café sem o leite

Publicado em 25 de janeiro de 2007

no Coffee Break, o Portal do Agronegócio Café

Café-com-leite, além de ser a bebida preferida das crianças em idade

escolar, também já foi título de um período importante da política brasilei-

ra, onde o recém Estado Republicano Brasileiro forjava-se a partir da inter-

calação no posto presidencial de cidadãos natos em Minas Gerais e São

Paulo. E nesse florescer político que culminou com o período Modernista

Brasileiro, a economia cafeeira foi se consolidando como magna atora do

desenvolvimento econômico social, que atravessou todo o século passado

e permeou no século XXI.

Essa mesma história, que ao longo do tempo foi se tornando um

pouco ofuscada pela diversificação da pauta agropecuária nacional, con-

duziu a cafeicultura brasileira ao atual momento, onde se depara com uma

importante discussão que pode mudar a compreensão sobre a atual estru-

tura administrativa de parte dessa cadeia produtiva devido à globalização

e à liberalização da economia: a questão do drawback.

Precedendo a discussão sobre a temática, é preciso ponderar sobre

uma questão capital que diz respeito à opção estratégica que a governan-

ça institucional do agronegócio café fará no sentido do delineamento da

interface da cafeicultura brasileira com o mundo, que é “como o agrone-

gócio café brasileiro quer ser conhecido”: Como maior país produtor?

Como maior país consumidor? Como maior exportador de solúvel? Como

maior exportador de café torrado em grão e ou moído (T&M)? Como maior

exportador de know-how? Como um país de muitas origens de café e

muitos sabores? Afirma-se que a cafeicultura brasileira tem vocação para

liderar em todos esses segmentos, contudo, é certo que, para que tal lide-

rança mundial seja alcançada, sacrifícios serão imprescindíveis.

Não considerando aqui a máquina política brasileira, que engessa o

desenvolvimento econômico do país, é correto afirmar que, para que o

Page 69: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

69

drawback seja utilizado como insumo estratégico para a alavancagem do

market share brasileiro no mercado global de cafés industrializados, solú-

veis ou T&M, o agronegócio café brasileiro terá de cortar na própria carne,

à montante e à jusante da porteira. Por exemplo: baixa capacidade de in-

vestimento, incompetência à jusante e à montante da porteira, falta de

profissionalismo, baixa competitividade, inexistência de vantagens compa-

rativas e competitivas não são aspectos tolerados em nenhum país do

mundo que tem obtido sucesso nas suas práticas comerciais em nível glo-

bal. Isso vale para a cafeicultura nacional com ou sem drawback.

É preciso ponderar que o anseio e a convergência de esforços da

cadeia produtiva, nos últimos 16 anos, rumo ao desenvolvimento do mer-

cado consumidor de cafés diferenciados contribuiu, sobremaneira, para a

atração de redes mundiais, como a Starbucks para o mercado nacional. E

é aí que, talvez, more o perigo: o deslumbre com a possibilidade de existir

uma Starbucks em cada cidade do país, impactando positivamente na

elevação do consumo per capita de café no mercado interno, talvez tenha

levado os agentes a não perceberem que a rede, tal como o McDonald’s,

tem um portfólio padrão mundial de produtos a oferecer.

O Brasil, por enquanto, não tem como religião dominante o hindu-

ísmo, que conduziu a maior rede mundial de fast-food a mudar o cardápio,

como fez na Índia, oferecendo hambúrguer de carne de ovelha. Regras são

regras e estas somente são quebradas se o mercado consumidor exigir. Se

isso não fosse verdade, a Cafeera, cafeteria de propriedade do grupo Ipa-

nema Coffees e que é fornecedora de grãos da Stabucks, teria se multipli-

cado pelo nosso território dada a sua concepção de negócio. Mas, como

todos aqueles envolvidos no agronegócio sabem, a estratégia de expansão

da companhia brasileira foi suspensa em detrimento de contrato com

a multinacional.

Isso permite concluir que, se a caneta em Brasília não colaborar, a

importação de grãos dar-se-á por vontade do consumidor brasileiro, bem

informado e cosmopolita, que conhece a ampla carta de cafés da rede

mundial (a Starbucks), oferecida em outros rincões do mundo. Qualquer

pessoa que leu “Dedique-se de Coração”, ama a marca.

Se a cafeicultura brasileira não está pronta para o drawback, porque

ela então estaria pronta para participar da comunidade que subscreve o

Código Comum para a Comunidade Cafeeira? Se ela (a cafeicultura) está

pronta para participar de um programa global de sustentabilidade da ca-

Page 70: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

70

feicultura mundial, tem que estar pronta, também, para concorrer com

produtores de qualquer parte do mundo.

Trazer cafés de outras partes do mundo, agregar valor com a indus-

trialização e reexportar esse produto significa criar vantagens competitivas

no país, tanto em termos de redução de custos, em função da possibilida-

de de aquisição de matérias-primas de qualquer parte do mundo, quanto

em termos de atender os desejos de consumo de consumidores de qual-

quer país, inclusive o nosso. Não é a busca pela similaridade com o mer-

cado de vinhos que o agronegócio sempre almejou? Do ponto de vista de

quem compra, não tem nada de mais: a pluralidade de aromas e sabores

faz parte do mundo gastronômico. A questão muda de figura quando se

acessa a arena da política internacional.

A introdução de uma barreira técnica, como, nesse caso, uma bar-

reira fitossanitária, é um trunfo importante no que tange à demonstração

de poder de barganha na mesa de negociação com outros países, que têm

interesse em estabelecer relações comerciais com o nosso mercado. No

caso do café, todos os países produtores, incluindo o Brasil, são subdesen-

volvidos. Então, a negociação não gera benesse alguma, exceto se ela

impactar de alguma maneira na forma de aquisição de cafés no mercado

spot por parte da indústria e dos traders.

Clientes de qualquer parte do mundo e do Brasil, poderão, caso o

drawback seja instituído, adquirir cafés também de qualquer parte do

mundo, inclusive brasileiro, por meio de empresas sediadas em nosso ter-

ritório, desde que entendam que tal modelo de comércio é competitivo e

lucrativo para eles mesmos. Se o produtor local, nessas condições, tiver

capacidade de oferta no preço estabelecido pelo mercado, vende. Se não,

perde dinheiro. Barreira técnica é importante para se evitar a entrada de

pragas e doenças não existentes nos cafezais nacionais, contudo, a preo-

cupação a ser discutida, no momento, são as estruturas de contrato a se-

rem utilizados em um novo contexto do mercado que, praticamente, está

à porta.

Com a Starbucks, mais o marketing do café, mais a crescente dispo-

nibilização de informações sobre o produto, o consumidor, o local de pro-

dução e a nacionalidade serão apenas detalhes importantes no design das

preferências pessoais em relação àquele velho companheiro do leite, em

nossas cotidianas refeições matinais: o amado cafezinho.

Page 71: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

71

20Importação de café torrado no Brasil

Publicado em 19 de fevereiro de 2007

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Importar matéria-prima de outros países, industrializá-la aqui e reexportá-

-la, devidamente transformada em produtos com maior valor agregado, com a

marca nacional na embalagem. Aparentemente, essa deveria ser uma prática

corrente para um país que se diz em processo de desenvolvimento e em franco

processo de inserção no comércio internacional em quaisquer setores produtivos

instalados em território nacional. Contudo, nos negócios do café, tal perspecti-

va é distinta dos demais setores em franco processo de expansão, como os de

base tecnológica.

Na cafeicultura, reza, fundamentalmente, a discussão político-ideo-

lógica, que celebra o pacto pela preservação do produtor nacional e a

respectiva cadeia de valor que incorpora a indústria e os canais de distri-

buição do café processado.

A princípio, tal reserva de mercado contribuiria sobremaneira para a

preservação do poderio do setor produtivo, impactando positivamente

para a geração de empregos e renda, tanto de empreendedores como dos

colaboradores envolvidos na atividade. Ao mesmo tempo, serviria como

moeda em mesas de negociação internacional, relacionadas, por exemplo,

a questão das barreiras técnicas e tarifárias.

Mas tais premissas, na prática, têm sido colocadas à prova pela impor-

tação de café torrado realizada pelo Brasil. Ao que parece, a cafeicultura

nacional vive o seu primeiro paradoxo oriundo da política uníssona de inves-

timento na elevação da qualidade e respectiva difusão de conhecimentos

relacionados à culturado café aos consumidores nacionais.

Optou-se pela supremacia do consumidor, pós Instituto Brasileiro do

Café. E é certo, que consumidores bem informados, querem mais. E que-

Page 72: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

72

rer mais significa, do ponto de vista do consumidor romper barreiras, ato

muito mais fácil em tempos de internet e do cartão de crédito.

Se importar café verde para reexportação de café industrializado é

um tabu, importar café torrado, mesmo com grãos produzidos em territó-

rio nacional, ao que parece, não é. Aparentemente, há um problema de

juízo de valor inserido no léxico de discussão da cafeicultura brasileira. É

exatamente isso que demonstra o crescimento das importações de café

torrado na balança comercial da cafeicultura ao longo dos últimos 10 anos,

nas categorias classificadas como “não descafeinado” e “descafeinado”,

conforme se pode observar no quadro.

Somente entre 2005 e 2006, verifica-se que houve um incremento

de 39,12% na importação de cafés torrados, não descafeinados e de 21%

na importação de cafés torrados, descafeinados. Nesse mesmo período, as

exportações de cafés torrados brasileiros sofreram um incremento de

29,97% para a categoria torrado, não descafeinado e uma retração de

10,85% para a categoria torrado, descafeinado. Embora, comparativamen-

te a balança comercial do café torrado ainda esteja favorável ao Brasil, é

certo que o desenvolvimento do mercado interno estimula, sem dúvida, a

vinda de produtos oriundos de indústrias situadas em diversos países, com

ou sem tradição cafeeira, oferecendo ao mercado nacional, uma oportu-

nidade ímpar de competir internacionalmente, localmente.

Importações Brasileiras de café torrado (1996-2006)

NÃO-DESCAFEINADO

Período US$ Peso Líquido (Kg)

1996 176.730 60.905

1997 646.280 59.685

1998 860.965 70.905

1999 1.227.134 92.470

2000 1.327.989 101.767

2001 1.533.285 111.120

2002 1.536.530 123.942

2003 822.175 92.582

2004 1.013.431 103.385

2005 978.272 83.815

2006 1.324.193 116.609

Page 73: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

73

DESCAFEINADO

Período US$ Peso Líquido (Kg)

1996 863 51

1997 9.590 692

1998 25.709 1.532

1999 48.508 2.951

2000 58.989 5.176

2001 90.962 6.943

2002 69.167 5.669

2003 80.235 9.468

2004 75.284 7.972

2005 60.422 4.570

2006 76.774 5.785

Os números relacionados à importação de café torrado, sem dúvida,

colocam em xeque a defesa de que o Brasil está apto a atender “paladares

do menos exigente ao mais sofisticado”. Ao que parece o drawback (ope-

rações de importação de insumos agropecuários exclusivamente destinados

a produzir para a exportação) já é realidade do ponto de vista do consu-

midor brasileiro: já é possível comprar cafés, mesmo de origem nacional,

com rótulo estrangeiro no varejo nacional. E essa prática atualmente não

se restringe à Illy, primeira marca a aportar por aqui.

Page 74: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

74

21Sustentabilidade e negócios do café

Publicado em 25 de julho de 2007

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Considerado um conceito sistêmico, que envolve as vertentes social,

ecológica, econômica, espacial, cultural e político-institucional, a susten-

tabilidade constitui-se em abrangente olhar introduzido na pauta de nossa

sociedade, por meio da Agenda 21. Essa modernidade ética garante prio-

ritariamente a condição de sobrevivência do homem no planeta, pautando-

-se na evolução do comportamento humano, que valorize a “solidariedade

da atual civilização com as futuras gerações”.

Com os efeitos do aquecimento global, enfatizados por meio de

estudos do Banco Mundial, abordando os impactos do clima sobre a eco-

nomia mundial, a questão da sustentabilidade ganhou mais força, princi-

palmente em importantes segmentos agroindustriais como o do café.

Minas Gerais, por exemplo, tem na cafeicultura um importante aliado es-

tratégico para a alavancagem de sua economia: o café por si só responde

por 30% das exportações de produtos de base agroindustrial do estado.

Além disso, o produto assume importante papel no âmbito cultural, uma

vez que se apresenta como um dos ícones da mineiridade: café é indisso-

ciável do processo de construção da imagem da boa hospitalidade do

mineiro, uma vez que, mesmo no recanto mais humilde, ele assume valor

de abraço.

Preservar a cafeicultura de Minas significa resguardar a sobrevivência

de milhares de pessoas, que economicamente dependem dessa atividade,

dentro e fora de nossas fronteiras. Mediante investimentos em pesquisas

relacionadas à arborização de cafezais, desenvolvimento de novas varieda-

des mais adaptadas a altas temperaturas e respectivas técnicas de manejo

de lavouras, certificação de propriedades cafeeiras e inteligência comercial,

verifica-se a estruturação de políticas públicas sustentáveis voltadas aos

negócios do café em Minas. Vários incrementos de base tecnológica visam

Page 75: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

75

ao fomento da produtividade e da qualidade para o consumidor do mer-

cado interno, bem como da geração de competitividade internacional dos

negóciosdo café, agregando valor e gerando renda para todos os elos da

cadeia, especialmente o cafeicultor:

1. Novas variedades se refletem positivamente na elevação da resis-

tência do cafeeiro às doenças e pragas, períodos prolongados de

seca e, respectivamente, aumento da produtividade por hectare e

do nível de teor de açúcar do fruto, equilibrando o binômio lucro/

custo de produção. Esses processos de melhoramento genético,

sem dúvida, conduzem a processos de melhoria nos procedimen-

tos adotados no cultivo, na colheita e na pós-colheita.

2. A arborização, além de proporcionar uma nova atividade econô-

mica para os produtores nas áreas de produção de madeira e co-

mercialização de créditos de carbono, favorece a criação de mi-

croclimas mais agradáveis ao cafeeiro, como conseqüência da

redução dos níveis de insolação sobre a rubiácea. Além de impac-

tar positivamente na redução do efeito estufa, a arborização tem

todas as condições para contribuir diretamente também para a

construção do marketing verde para o café.

3. A certificação, além de ser uma demanda irreversível e crescente

do mercado nacional e internacional, é um importante mecanis-

mo de agregação de valor e criação de vantagens competitivas,

dada a sua positiva influência nos processos de preservação do

meio ambiente, construção do respeito à dignidade humana e na

elevação da oferta de produtos rastreados.

4. No âmbito da inteligência comercial, o ganho de intimidade com

uma plataforma de dados anteriormente dispersa, mas atualmen-

te concentrada num único ambiente, como o que já vem sendo

consolidado no foro do Centro de Inteligência do Café, torna-se

um importante aliado para a consolidação da ação diplomático-

-comercial do Brasil junto a mercados internacionais. Essa profis-

sionalização favorecerá, no médio prazo, a consolidação do racio-

cínio estratégico, ofensivo e objetivo na postura brasileira diante

do mercado internacional.

Page 76: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

76

O estado atende uma urgência ao voltar seu olhar para as questões

relativas à preservação da sustentabilidade da cafeicultura, por meio da ino-

vação e do aporte tecnológico. Para conduzir esse desejo de inovar, é indis-

pensável preparar o ser humano envolvido no processo, com propostas

permanentes de capacitação. Um instrumento elementar são os três Centros

de Excelência do Café, instalados no Sul de Minas, Cerrado e Zona da Mata.

Os centros têm como missão a difusão de conhecimentos relacionados à

cadeia produtiva, valorizando os diversos processos ligados à produção de

um café de qualidade, dentro do sistema do “grão à xícara”.

Com esses mecanismos constantes de incremento da liderança que

já detém, Minas busca solidificar sua tradicional vanguarda nos negócios

do café, calcada na promoção da qualidade e da geração de riquezas.

Page 77: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

77

22Política Internacional e Cafeicultura

Publicado em 28 de agosto de 2007

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Os prognósticos mais pessimistas afirmam que o grande gargalo da

cafeicultura brasileira nos próximos 100 anos está relacionado às mudanças

climáticas do planeta. Contudo, creio que o gargalo, ou melhor, os garga-

los, para o agronegócio café, nas próximas duas décadas, centram-se em

três aspectos determinantes: as condições macroeconômicas brasileiras, a

intensificação dos acordos multilaterais e a emergência do continente afri-

cano como fronteira agrícola no médio prazo, impulsionada por investi-

mento asiático.

É visível que no atendimento a conceitos como sustentabilidade,

rastreabilidade e segurança do alimento, os membros do agronegócio café

brasileiro estão à frente, em razão das exigências do mercado internacional.

A convergência com o Codex Alimentarius em todo o seu aparato legal

relacionado à saúde e à agricultura e respectiva capacidade de inovação

na criação de sistemas de certificação de fronteira, como o Programa de

Qualidade do Café da Associação Brasileira da Indústria de Café (PQC Abic)

e a Indicação Geográfica Café do Cerrado, consolidam a percepção de que

vocacionados estamos para a produção da qualidade tecnicamente e mer-

cadologicamente adequadas.

O país atualmente é uma das nações selecionadas pela Organização

Internacional do Café (OIC) para testar a metodologia do Código Comum

para a Comunidade Cafeeira (4C): 500 mil sacas já foram colhidas nesta

safra sob a égide desse procedimento. Contudo, essa sólida construção

pode não ser suficiente frente a questões que não dependem de segmen-

tos empresariais nacionais: dependem fundamentalmente da vontade do

Estado, que delibera e coordena de maneira soberana, o modus vivendi do

cidadão e dos empreendimentos. E o Estado, nesse sentido, tem demons-

Page 78: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

78

trado total ingerência na defesa dos interesses dos segmentos economica-

mente ativos: a começar pela falta de infraestrutura dos aeroportos nacio-

nais e a malha viária depauperada, observa-se na política cambial uma de

nossas inúmeras vulnerabilidades.

Ao mesmo tempo, a falta de pressa dos segmentos públicos é desa-

lentadora e desestimulante, quando percebida da perspectiva profissional.

Não há choque de gestão visível e praticado, capaz de preparar, pelo me-

nos as bases do agronegócio café, para uma massiva abertura de mercado.

Falo aqui de pequenos e médios produtores e industriais, com limite de

capitais de giro e investimento principalmente. Se a Área de Livre Comércio

das Américas tivesse saído do papel cinco anos atrás, certamente, não mais

compraríamos café processado por indústrias nacionais, presas a defasa-

gem do aparato legal que coordena o país e da burocracia que engessa a

possibilidadede uso de mecanismos que ampliem a agressividade empre-

sarial, tal como o drawback hoje. Compraríamos grandes volumes de café

canadense e estadunidense e quiçá, mexicano e colombiano, que há mui-

to já aproveitam a vocação natural do continente americano em produzir

cafés de altíssima qualidade, inclusive do Brasil. Mas se ela, a Alca, conso-

lidar-se, por exemplo, num espaço de duas décadas, a contar de hoje,

certamente nem matéria-prima brasileira será possível consumir por aqui.

Mesmo que o mercado brasileiro torne-se líder mundial no consumo per

capita/ano, importar será um procedimento atrativo para o varejo e os

segmentos cervejeiro, de pastifícios e tecelagem têm muito a nos contar

sobre suas experiências ao longo dos anos 1990.

Das 1,2 mil torrefações brasileiras atualmente em funcionamento,

somente10 têm perfil para competição internacional e somente uma, de

capital nacional, está entre os 10 maiores empreendimentos torrefadores

do mundo. Ressalta-se que entre esse grupo de 10 empresas, duas orga-

nizações são multinacionais. Isso quer dizer que abertura de mercado para

esse segmento é letal, porque em 10 anos, num ambiente de alta compe-

tição, mantidas as condições econômicas de hoje, não mais que 10 torre-

fações nacionais têm condições de sobreviver. Como conseqüência, perece

a produção de café que depende do bom funcionamento do segmento

torrefador brasileiro para sobreviver, considerando que o perfil predomi-

nante de produtores são pequenos e médios, uma parcela significativa

deles não está organizada em cooperativas; portanto não têm volume

Page 79: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

79

para a exportação e o mercado interno responde atualmente pelo proces-

samento e consumo de 51% da produção nacional de café.

Com o crescimento geométrico da população asiática, especialmen-

te a chinesa e indiana, empresários dessas economias emergentes têm

adquirido as baratas e férteis terras existentes em todo o continente afri-

cano, para a produção de alimentos. Considerando que possuímos (a)

condições climáticas similares, (b) que tanto o arábica quanto oconillon são

originários daquele continente, (c) que a produção de cafés com irrigação

começa a atingir o seu ápice dentro de no máximo quatro anos depois do

plantio e (d) que a África possui mão-obra barata e abundante, finalmen-

te, depois de quase três séculos de liderança, o Brasil pode realmente estar

diante de um gigante adormecido na produção de café, capaz de levá-lo

a bancarrota pela superação de suas vantagens competitivas e comparati-

vas.

Esses são prognósticos bastante alarmantes, mas factíveis, principal-

mente depois da decodificação do genoma do café e o domínio das téc-

nicas de melhoria genética dos cafeeiros, consolidada por gênios brasileiros

no último século 20. Finalizando, é válido lembrar que com a ciência e com

capital abundante, a juros baratos, tudo se faz. Ressalta-se também que

no que tange à tradição oriental, a superação dos melhores é uma regra

historicamente construída. E a história é uma relatora implacável: basta

lembrar que a cafeicultura no cerrado mineiro existe hoje por que um dia

caiu uma geada negra no Oeste paranaense em 1975. Conduzir o rumo

da escrita, portanto, é uma atribuição presente de todos.

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23Cafés especiais: vai um europeu aí?

Publicado em 11 de fevereiro de 2008

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

A expansão geográfica da fronteira da União Européia (UE) para o

lado oriental, formalizada em 22 de dezembro de 2007, região onde estão

concentradas plantas industriais de algumas das principais marcas mundiais

de café, pode, em breve, contribuir para aceleração da modificação gra-

dativa do perfil das prateleiras nos supermercados brasileiros. Aparente-

mente tímidos, os números da participação européia nas gôndolas brasi-

leiras, se comparados isoladamente ao consumo registrado de cafés

especiais no Brasil em 2007, estimados em 1,5 milhões de sacas, podem

corresponder a 22,47 edições do Concurso Nacional ABIC de Qualidade

do Café, pois sua quarta edição negociou 4,2 toneladas do produto. Se os

industrializados importados, observando apenas os dados do ano passado,

respondem por 11,07% do mercado de especiais brasileiros, a UE repre-

senta 60,25%dele.

Se comparados ao volume total do consumo nacional a participação

da UE é tímida, também é certo que a presença européia aumenta grada-

tivamente, sem qualquer tipo de salvaguarda comercial. Os países europeus

têm papel determinante no equilíbrio da balança comercial brasileira,

quando se configura como mercado alvo para os cafés in natura. Em2006,

foram exportadas 14.546.383 sacas de 60 kg e no ano passa-

do,13.405.635, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio. Ainda que o ano passado tenha registrado retração

de 0,92% em relação a 2006 na exportação para a Europa, esse mercado

mantém a liderança como comprador. Contudo, na construção das rela-

ções de comércio entre Brasil e UE no agronegócio do café, verifica a

criação de um paradoxo importante na agregação de valor, que envolve o

velho dilema da exportação da matéria-prima e importação do produto

acabado.

Page 81: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

81

O Brasil desponta há alguns anos como importante mercado mundial

no consumo per capita.

Afinal, ocupa a vice-liderança, atrás dos Estados Unidos. Essa alavan-

cagem do consumo, registrada ao longo das décadas de 1990 e de 2000,

se fundamenta num conjunto de aportes em marketing que custaram ao

setor alguns milhões de dólares, conjugado com investimento em incre-

mento técnico e pesquisa, que custaram alguns milhões de reais, e princi-

palmente tempo (bem intangível não-recuperável). Abrir os flancos, a prin-

cípio, para a valorização da pluralidade do consumo no país envolvendo

importados na pauta, no médio prazo, portanto, pode se configurar num

Cavalo de Tróia: depois do filme produzido pelo IFA National Livestock

Committee, da Irlanda, para depauperar a imagem da pecuária brasileira,

percebe-se que a UE é uma shakespeariana caixinha de surpresas na área

comercial.

O recente caso do segmento pecuário brasileiro, nesse sentido, tem

muito a ensinar. Depois da crise da vaca louca, que gerou a desconfiança

do consumidor europeu em relação à carne local, o produto do Brasil foi

estratégico para a manutenção do consumo naqueles países, em razão do

sistema de engordados bovinos nacionais, fundamentado numa dieta ve-

getariana.

O Brasil se tornou o principal fornecedor de carnes para a UE, tendo

atendido demandas importantes quanto à rastreabilidade e certificação de

forma prioritária, sem gozar dos tais subsídios agrícolas que fazem toda a

diferença para a competitividade da agricultura dos países desenvolvidos.

Essas demandas de subsídios, combinadas com um perfil preservacionista

arraigado ao modelo europeu, recentemente, impuseram barreiras ao seg-

mento pecuário. Esses subsídios, ao que parece, em pleno ápice da crise

econômica americana, tendem a ruir, gradativamente, com a retomada de

negociações da Rodada de Doha.

Voltando ao setor de café, observa-se que a vantagem estratégica do

torrado nacional centra na proximidade da produção à indústria e ao con-

sumidor (nesta ordem). Contudo, ante a inexistência de barreiras no Brasil,

a franquia à importação poderá vir a ser otimizada com a capitação de

recursos abaixo custo pela indústria internacional, que certamente interes-

sa pela detenção de espaços cativos no coração e no paladar do consumi-

dor brasileiro. A diferença é que esse café estrangeiro, aqui negociado, é

elaborado com grandes proporções de grãos nacionais, exportados para

Page 82: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

82

aquele mercado, do qual, sem dúvida, o produtor nacional não pode se

dar ao luxo de abrir mão, em razão da rentabilidade mensurada em dóla-

res. O problema é que o mundo está começando a dizer que, se o Brasil

não se inserir de fato no mercado internacional de café, ficará de fora.

Crescem as produções de países africanos e sul-americanos, com capaci-

dade similar a nossa e com custos mais atrativos. Empresas como a Star-

bucks, tradicional cliente do grupo brasileiro Ipanema Coffes, já iniciam a

trajetória de modificação das origens dos grãos que compõem suas mes-

clas, com a implantação de lavouras no Leste africano.

Isso significa que, se nada for feito, como no Brasil não há barreiras

ao torrado importado, veremos de fato, uma verdadeira revolução no con-

sumo por aqui. É o que já ocorre no setor de têxteis, brinquedos e infor-

mática. Tal ambiente competitivo para a indústria de café nacional alicerça

a concentração de empresas em razão da competição global que se insta-

la dentro de uma realidade local, ainda em processo de alinhamento com

a lógica internacional de gestão de produtos industrializados: demanda de

alta qualidade por matérias-primas diferenciadas, tecnologia, qualidade,

marketing, gestão profissional, certificação, plantas industriais e fornece-

dores e desvinculação do preço do produto industrializado da sazonalida-

de de preço da matéria-prima.

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24A ALADI e os negócios do café

Publicado em 04de março de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Amo Mercedes Sosa, porque ela sintetiza, por meio de sua alma fe-

minina e sua voz andina, a utopia de uma América Latina unida, sem

fronteiras. Nesta região continental, onde o Brasil se embrica, estão os

melhores portfólios de cafés do planeta, sendo que nesta terra tão bem

retratada em Macunaíma por Oswald de Andrade e pintada por Tarsila de

Amaral e Cândido Portinari, estão reunidos o quarto parque industrial de

café do planeta, o segundo mercado consumidor per capita mundial e o

primeiro parque cafeeiro do mundo, em termos de extensão e de produ-

tividade.

Cogitei interromper a redação relacionada ao café, por inúmeros

dissabores, mas em qual setor encontraria histórias e fatos tão similares

aos textos provocantes de Sidney Sheldon do que na cafeicultura? Relatá-

-los, utilizando as delícias da Flor do Lácio, torna-se um ato irrefutável. À

cada nova notícia, uma possibilidade de deleite e ao mesmo tempo de

assombro, que retrata dramaturgicamente, a beleza da odisséia homérica,

que é a história secular da cafeicultura brasileira: remeto-me aqui ao último

ato, que é o registro de “contrabando” de café orgânico peruano que

aterrissou no Rio de Janeiro na última semana. 250 sacas apreendidas.

Fiquei me imaginando no lugar do empreendedor que arriscou a trazer

essa primeira partida e que foi denunciado. Uma ação de comércio, com

cheiro de contravenção, embora se tratando de alimento, não narcótico.

Mas o similar tratamento dado ao caso, ganha afrescos pitorescos, literá-

rios, embora remeta-se a um movimento preocupante de protecionismo.

Sinceramente, é hora do país, ou melhor, o setor cafeeiro brasileiro, refle-

tir sobre o aproveitamento de potencialidades aromáticas dos países vizi-

nhos, que já participam da Associação Latino-americana de Integração, a

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ALADI. Porque não? Gosto deponderar que ante a falta de vento, é preci-

so remar para se atingir metas audaciosas. Os braços doem, a coluna re-

clama, o barco torna-se desconfortável, mas o ideal está ali, a frente, a nos

chamar e superar as dores, torna-se um desafio pessoal. E o ideal cafeeiro

brasileiro é a hegemonia em todos os segmentos da cadeia, desde o mo-

mento de paixão de Madame D’Orvilliers e Francisco de Mello Palheta, que

viabilizou tudo o que somos.

Um bloco produtor/exportador forte é muito melhor do que um mer-

cado consumidor invadido por produto importado, com grãos origem ma-

de in África e ou made in Vietña, processado na Europa e vendido no

Brasil, principalmente no formato sachê (vale ressaltar que em 27 de feve-

reiro, foi fundada a Associação Brasileira de Cafés em Sachê, o que já

acena que o mercado de cafés importados está em franca expansão no

país, já que o país ainda não domina a tecnologia do sachê). Porque não

aproveitarmos os arábicas produzidos nas Américas do Sul e Central, que

já fazem tanto sucesso lá fora, desde a década de 1930 e unificarmos

forças, para assumirmos a liderança mundial, na exportação de blends,

com valor agregado pela industrialização? Muita gente não aprecia meus

pontos de vista em decorrência de minha perspectiva industrial, mas eu

sou uma assídua defensora da embalagem do café torrado, que é a única

capaz de ostentar o “Made in Brazil”. Não importa a origem. Importa a

qualidade do produto final e muito mais, o rótulo da embalagem. A ga-

rantia de que o produto foi processado em território brasileiro, foi expor-

tado para qualquer canto do mundo e principalmente, disponibilizado na

gôndola do supermercado estrangeiro do jeitinho que saiu daqui, é o que

de fato importa.

Porque não café marca Juan Valdez, made in Brazil? Ou Rainbow

Coffee, made in Brazil? Sou apaixonada pelo meu país e acredito que

vender a nossa marca, usando as especificidades dos outros, é uma dávida

a mais em nosso portfólio. Acredito que o produtor brasileiro, mesmo com

as dificuldades impostas pelas limitações financeiras, tem muito a ganhar

com a operação, porque a grande base dos cafés industrializados, em

qualquer lugar do mundo, é o café brasileiro. O lastro do mercado interno

já existe, sendo responsável pelo processamento de 49%da produção na-

cional. O mercado internacional para os grãos verdes, ainda está cativo.

Essa fatia, que responde por cerca de 51% do que é produzido no país,

por hora, ninguém tirará, porque demora para se formar novas lavouras

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em regiões não tradicionais,em decorrência da tecnologia que se torna

necessária desenvolver. Vender mais localmente (dentro do território na-

cional), ainda que não seja em dólar ou em euro, portanto, pode se uma

ótima alternativa de fortalecimento da cadeia, tanto com a ampliação do

consumo no mercado externo, quanto das exportações de café.

As notas florais, frutadas, amendoadas, achocolatas que porventura

não possam ser produzidas em nossas lavouras, podem vir desses países

irmãos, latinos, ajudando a atingir o apíce do blend e ao mesmo tempo,

seduzir irrefutavelmente os lábios, os paladares, os corações e as almas de

todos os consumidores.

Evidentemente, a barreira sanitária aos cafés verdes é uma questão

a ser dirimida, mas que poderia progredir muito, aproveitando os acordos

multilaterais já existentes no foro da ALADI. Ao Brasil não falta a expertise

para isso e nem infraestrutura, no que tange aos cuidados relativo à sani-

dade desses grãos estrangeiros. E aos países que produzem café no conti-

nente Americano, também não. À princípio, poder-se-ia estabelecer um

sistema de padronização para a construção de um mercado comum, onde

aspectos relacionados à qualidade técnica fossem levados em considera-

ção, bem como o regime de cotas de importação e exportação de café

verde e de café torrado pudesse ser habilmente estabelecido. Talvez a

resposta para dirimir a aquestão esteja no Código Comum para a Comu-

nidade Cafeeira. A necessidade é apenas de formatar o arrangement. Se-

ria revolucionária a possibilidade de comercializar mundo afora cafés bra-

sileiros, com toques suaves de grãos mexicanos, peruanos, colombianos,

equatorianos e venezuelanos. Nada tão excepcional, tão saboroso, tão

latino, tão sensual, quanto essa mistura, aromática, cheia de salsa, rumba

e samba. Basta regulamentar. Porque tal mistura é coisa de Olimpíada, de

civilização cosmopolita, que ama o risco, empreende e se apetece com o

novo. Coisa de um povo vibrante, multicultural.

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25Abate humanizado e biocombustíveis

Publicado em 24 de março de 2008

no Caderno Agropecuário, do Jornal O Estado de Minas.

O sebo de boi, tradicionalmente usado pelo segmento de produtos

de limpeza como partede suas matérias-primas, agora ganhou mais um

nobre papel, como matéria-prima na produção de biocombustíveis. No

Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

somente em 2007 foram abatidos 23 milhões de animais, o que equivale

a uma alta de 11,3% em relação a 2006. Ainda que o embargo da União

Européia ao produto brasileiro tenha causado danos à comercialização de

carnes, o processo industrial mantém sua competitividade.

O Brasil é um dos poucos países que oferece o chamado “abate

humanizado” dos animais, o que é considerado um dos importantes dife-

renciais para a participação do país no mercado mundial de carnes, além

do boi verde, que só existe por aqui. Em fevereiro, os Estados Unidos foram

obrigados pelo Departamento Americano de Agricultura (USDA) a realiza-

rem um recall de 65 milhões de toneladas de carne, em razão dos maus

tratos concedidos aos animais dentro dos frigoríficos. Embora toda essa

carne já tivesse sido consumida pelos americanos, é certo que observa-se

aí um diferencial de competitividade importante para o produto brasileiro,

já que o abate humanizado diz respeito a um conjunto de técnicas que

garantem o bem-estar do animal desde o seu embarque até a sua sangria,

no frigorífico. Essa prática é corrente em frigoríficos sérios, certificados, de

atuação global, por se tratar de respeito a tratados internacionais e uma

exigência de boa parte dos países compradores.

Embora a maioria dos consumidores prefira não conhecer o processo

entre o boi no pasto e o bife no prato, a prática da humanização do abate

é importante não apenas para a redução da dor do animal na hora da

sangria, já que o trauma craniano causado pela pistola de ar comprimido

insensibiliza o animal imediatamente, mas também para a melhoria da

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qualidade da carne e, respectivamente, atendimento a tratados interna-

cionais sobre os direitos dos animais, como a Declaração Universal do Di-

reito dos Animais (Unesco, 1978). De acordo como seu artigo 3º, fica

claro que “se for necessário matar um animal, ele deve ser morto instan-

taneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia”.

Ao atender tal direito, preserva-se no âmbito dos negócios interna-

cionais, parcelas de mercado importantes, inclusive para o segmento de

biocombustíveis, já que a minimização do sofrimento animal é um fator de

decisão na hora da comprados consumidores estrangeiros. O sebo de boi

e outras gorduras de origem animal têm vantagens interessantes quando

se trata de produção de biocombustíveis. Quando sem contaminações

(graxaria composta de restosdo abate), o sebo, em razão de suas cadeias

carbônicas melhor definidas, tem melhor desempenho no hidrolisador e

no catalisador, conferindo ganhos de escala no processo de produção.

Essa técnica italiana, trazida para o Brasil por meio de importação de know-

-how industrial, promete ajudar o país a aproveitar o potencial de produção

de 350 milhões de litros de biodiesel de sebo/ano, para um produto que

já conta com o aval da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A princípio, em razão de uma barreira tecnológica (o biodiesel de

sebo precipita gordura a uma temperatura de 5 graus negativos), a sua

distribuição deve se restringir ao mercado nacional, mas acena de qualquer

forma, a possibilidade de liderança do país no mercado global da agroe-

nergia, em razão da pluralidade de matérias-primas disponíveis por aqui.

Basta, nesse caso, a boa diplomacia empresarial no fechamento dos acor-

dos de comércio, combinada com um aporte estatal nas áreas de tecnologia

e infraestrutura que viabilizem a competitividade na distribuição na distri-

buição global.

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26Uma breve ideia sobre a federalização

do Centro de Inteligência do Café

Publicado em 28 de março de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Recebi a recomendação de um querido amigo para que lesse “Men-

sagem a Garcia”. Deleitei-me com a beleza e profundidade de uma refle-

xão centenária, que em muito converge com as tempestades de nosso

tempo. Este texto discorre sobre a construção do herói, que vence a guer-

ra solitariamente, sem nada perguntar. Apenas entrega a carta, usando

com todo o seu empenho, a Garcia. Falemos, então, das conquistas da

cafeicultura, mas esplendorosas e cálidas à alma.

Após a criação do Conselho Deliberativo de Política Cafeeira, o

CDPC, pode-se afirmar, categoricamente, que o Centro de Inteligência do

Café (CIC), é o maior marco político de coordenação do agronegócio café

ocorrido desde a extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC).

O CIC deveria e tem tudo para ser o IPEA da cafeicultura e em razão

disso, tem papel estratégico na produção de estatísticas, estudos e infor-

mações diferenciadas para facilitar a tomada de decisão de membros dos

setores públicos e privado. Anda precisando, de injeção de concreto nas

estruturas e nos alicerces mal fundados, por falta de ação gerencial eficien-

te, principalmente do setor, signatário em peso do projeto. Filosoficamen-

te, sua inspiração remete aos princípios da economia do bem-estar e da

democracia com liberdade, propostos por Amarthia Sean e Robert Putnan

respectivamente. O CIC é uma chancela brasileira ao ideal de democracia

na difusão da informação: detém em decorrência disso, uma beleza única

quanto elemento de inspiração da inteligência humana e condiz com a

beleza da alma do cafeicultor e sua relação de amor para com Ceres, a

Agricultura.

Em razão disso, passo, ora em diante, a ser defensora da idéia de sua

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federalização, no sentido de favorecer a sua conversão em autarquia fede-

ral, ligada ao Ministério da Agricultura e patrocinada com fundos de ma-

nutenção garantidos pelos recursos do Funcafé.

A idéia é convergente uma vez que os mesmos grupos que coorde-

nam o CDPC fazem parte dos Conselhos Técnico e Consultivo do CIC, o

que manteria a coerência e sinergia nas tomadas de decisão entre um e

outro. O Estado tem que assumir para si o estratégico, o legado de infor-

mação, sem terceirização de nenhum processo: o mercado cafeeiro é com-

petitivo e globalizado. E a informação, o diferencial estratégico de subsis-

tência mercadológica.

Nada contra o Governo de Minas, que atualmente gere o CIC deforma

eficiente dentro de suas possibilidades, mas é perceptívelque o projeto pre-

cisa garantir isonomia a-territorial para o seu funcionamento, já que a cul-

tura política cafeeira brasileira tem um arrangement aristocraticamente di-

ferenciado. Creio que o primeiro benefício dessa concessão mineira ao país,

seria a dissolução do problema da estatística da safra, seguido da questão

do planejamento estratégico da cafeicultura brasileira, único instrumento

gerencial, capaz de resolver a médio prazo a questão do endividamento, que

infelizmente compromete ¼ (um quarto) da arrecadação obtida com a ven-

da das safra de café brasileira, além de preparar a cafeicultura nacional,

para os vindouros desafios do primeiro quarto de século XXI.

É uma sugestão que faço, para corroborar para que o CIC saia do

ostracismo e entregue sua carta a Garcia.

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27O potencial do café conillon

para a produção de etanol celulósico

Publicado em 01 de abril de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.

O café conillon merece toda a minha deferência porque foi a primei-

ra variedade de café que conheci, devidamente cinceroneada pelo meu

ilustre amigo Sidney Lui e o Dr. Wilson Veneziano, da Embrapa Rondônia,

nos pequenos cafezais de Juína, estado de Mato Grosso. Esse, portanto, é

um artigo escrito especialmente para o amigo cafeicultor de café conillon,

normalmente lembrado, quando o preço do café arábica está ruim ou

quando o Vietña tem um desempenho de vendas de café melhor na Euro-

pa ou quando a indústria de solúvel brasileira discute drawback.

Resolvi adotar uma vertente diferente, para fugir da velha polêmica

se o café conillon serve ou não para fazer blends com café arábica, optan-

do pela conversação sobre a aplicação da produção dessa modalidade de

café na indústria de agroenergia. Sem dúvida, a variedade de café mais

adaptável à um cenário de aquecimento global e escassez de água é o

conillon. Tanto é verdade, que a Fundação Procafé vem, desde 2004 de-

senvolvendo estudos sobre o desenvolvimento de variedades de café ará-

bica mais resistentes à seca, utilizando genes de robusta. Um desses resul-

tados é a varietal Siriema. O robusta também detém mais óleo que o café

arábica, conforme pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Minas

Gerais, no que tange ao desenvolvimento de Biodiesel de Café.

Percebo, ante os meus recentes estudos na área de agroenergia, uma

vocação do café robusta na produção de etanol celulósico. O etanol celu-

lósico é a vertente de produção que converte qualquer tipo de material,

detentor de moléculas de carbono, em combustível. Seria perfeito em ter-

mos de agregação de valor, já que o mundo hoje corre desesperadamente

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atrás de alternativas energéticas que possibilitem desvincular a civilização

humana da dependência dos combustíveis fósseis.

Evidentemente, que a tese que ora apresento, demanda pesquisas a

serem desenvolvidas por engenheiros químicos para a comprovação cien-

tífica dessa modalidade de produção, mas como profissional da área de

Ciências Sociais (Administração), cabe-me chamar atenção quanto às pos-

sibilidades de mercado. Somente na semana passada, o Brasil recebeu

pelo menos quatro missões internacionais interessadas na tecnologia e no

etanol brasileiro propriamente dito: Estados Unidos, México, Namíbia, Bél-

gica. Além disso, o país há cerca de 15 dias recebeu a Secretária de Estado

americana Condoleezza Rice, que referendou a importância do etanol bra-

sileiro. Semanas antes da visita, o próprio Presidente George W. Bush,

durante seu discurso na Wirec 2008, evento realizado em Washignton,

chamou atenção do mundo ao elogiar o programa de biocombustíveis

brasileiro, especialmente o oriundo das sementes de babaçú, que atual-

mente abastecem aviões.

Será que o robusta não se prestaria como matéria-prima de primeira

linha para atendimento de uma vertente de mercado de altíssimo valor

agregado?

A cafeicultura de robusta é predominantemente realizada em pro-

priedades familiares e por natureza tem condições de oferecer etanol fair

trade, tanto para o mercado brasileiro, quanto para o mercado externo. A

Embrapa Café nesse sentido, deveria abrir campo de pesquisa para o de-

senvolvimento dessa nova aplicação do café, certamente infinitamente

mais interessante do ponto de vista econômico. No caso do milho, nos

Estados Unidos, ainda como desabastecimento da indústria de alimentos,

isso significou uma elevação de até cinco vezes o valor da saca de milho

naquele mercado. Como rentabilidade é o anseio mais caro do cafeicultor,

eis aí uma proposta de resposta à tal demanda.

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28O papel do aparato legal na cafeicultura.

Publicado em 10 de abril de 2008

na Revista Calfeicultura, Portal do Agronegócio Café.

Não importa se percolado em coador de pano posto em mancebo,

filtro de papelou extraído através em uma máquina de espresso: o café faz

parte do hábito de 96% da população brasileira, conforme apontam os

últimos estudos realizados pela InterScience, confirmando uma tendência

historicamente construída ao longo detrês séculos de História. O Café, tal

como acontece com o vinho na França, é a bebida nacional do Brasil, a que

fala mais alto ao coração, por representar um ato de socialização, de cari-

nho, de receptividade. Vai bem com queijinho, pão-de-queijo, sozinho,

quente ou gelado... só seus ácidos clorogênicos e a cafeína são capazes de

favorecer o alvorecer da mente e ao mesmo tempo, funcionalmente, ga-

rantir a saúde humana, naturalmente.

A relação do consumidor nacional com o café, portanto, é quase que

passional, embora, há de se ponderar que o elemento sofisticação, ao

longo dos últimos dez anos, venha compondo um novo mosaico compor-

tamental desse consumidor até então desconhecedor das delícias encon-

tradas apenas nas especialidades. Com a introdução do espresso e a prá-

tica de consumo da bebida fora do lar, percebe-se que gradativamente o

brasileiro tem se deleitado com um volume de nuances agradabilísimas

antes desconhecidas, por meio de uma pluralização da oferta de cafés

especiais de origem nacional ou importada. Se outrora não havia alterna-

tiva ao padrão dos cafés tradicionais com notas fenólicas desagradáveis,

oriundas de matérias-primas de baixa qualidade, atualmente, o mercado

tem valorizado os chamados cafés superiores e gourmets, detentores de

notas florais, frutadas, amendoadas, amadeiradas, achocolatas, apimen-

tadas e exóticas. Há opções para consumo e um volume cada vez um

número maior de consumidores aptos a pagar por essa experiência: en-

quanto o mercado de cafés tradicionais cresce à ordem de 4% ao ano, o

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segmento de cafés especiais cresce à 20% ao ano. O café, tido agora como

um “bem de experiência”, traz a tona uma necessidade urgente que é a

adequação do aparato legal a este novo momento. Sobre tal temática,

centra-se o futuro da cafeicultura brasileira.

Legislar antes de qualquer coisa, exprime um ato de vontade do Es-

tado para a comunidade que o cerca, já que nela, a boa vontade estatal,

centra-se a aurora do desenvolvimento e competitividade econômica do

país e o bem-estar respectivo de seus cidadãos. Evidentemente, que tal

expressão institucional atemporal do Estado, depende de uma conjugação

de interesses que partem da boa coordenação setorial. Nesta delicada re-

lação, a balança pende negativamente para este último elemento, a cadeia,

em decorrência da pluralidade de linhas de interesses dos agentes institu-

cionais que no final das contas, atrasam processos e geram retrocessos

importantes no ideal de conversão do Brasil numa plataforma mundial de

cafés (verdes, torrados, solúveis e respectivos subprodutos – balas, cappuc-

cinos, etc.).

Num modelo de Estado voltado para resultados, é visível a busca

pelo acerto, já que quando se trata de gestão pública, o beneficiado dire-

to pelo resultado da proposição legal é a própria comunidade. Tal ambien-

te tornou-se factível em decorrência da introdução de um dinâmico ele-

mento na gestão pública, as câmaras setoriais. Ressalta-se que elas

funcionam foro que envolve atores do setor público e privado, responsáveis

pela oferta de subsídios aos tomadores de decisão na área pública (Secre-

tários de Estado, Governadores, Ministros), sendo os representantes do

segmento privado são indicados pelos seus próprios segmentos, aumen-

tando a legitimidade das câmaras.

Voltando ao futuro da cafeicultura, é visível que o primeiro grande

passo, comparando o agronegócio café à uma grande orquestra sinfônica,

é fazer com que todos os agentes atuem com sinergia, seguindo a batuta

do Maestro Mercado Globalizado. Embora a partitura seja a mesma para

todos os músicos, o resultado do esforço musical do segmento no Brasil

mostra-se destoado de outros países, com visão mercadológica diferencia-

da. A Colômbia, por exemplo, entendeu as regras do jogo global na déca-

da de 1940. Países centro-americanos como a Guatemala, El Salvador,

Costa Rica, também decifraram as notas musicais no mesmo período. Pa-

íses sul-americanos como Equador, Peru, Bolívia e Venezuela, estão trei-

nando seus músicos, para produzirem os sons harmoniosos que o Maestro

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Mercado Globalizado quer ouvir, para muito breve. E nós, que sons pro-

duziremos? Heave Metal ou Bossa Nova?

Fazer parte de uma grande orquestra exige que o país faça opções,

para produzir Leis condizentes com as suas necessidades. A primeira delas

é definir o objeto do futuro planejamento estratégico do setor que espero

que saia em breve: o café verde, o café industrializado ou favorecer a

consolidação de uma plataforma global de cafés, por meio da ênfase na

distribuição. Esta escolha é muito importante. Explico. Optar pelo objeto

“Café Verde”, diz respeito à focar toda a estratégia brasileira na produção

e comercialização dos melhores cafés especiais do mundo, certificados,

rastreados, com vistas a elevar o market-share mundial de 23% para a

histórica marca de 60%. Significa o ousado estabelecimento de alianças

estratégicas com as maiores torrefações mundiais, garantindo percentuais

expressivos de café brasileiro no blend produzidos por elas, com reconhe-

cimento de origem. Significa abrir o mercado brasileiro para a concorrência

global na área da industrialização, apoiada na massificação das casas de

café em território nacional. Significa apostar na desindustrialização do se-

tor do café no Brasil e viabilizar a substituição do café torrado por aqui por

café torrado em torrefações estrangeiras ou quiçá, a cooptação das em-

presas estrangeiras pelas brasileiras, tal como no caso da Santa Clara em

relação à Strauss-Elite. Neste modelo, far-se-ia necessária a intensificação

dos contratos especializados entre produtores e industriais, que privilegias-

se prêmios por qualidade e até mesmo antecipações, como acontece nos

segmentos de granjas, fumo e grãos em geral.

Optar pelo objeto “Café Torrado”, por sua vez, refere-se ao foco na

estratégia de industrialização e distribuição do café industrializado no Bra-

sil e no mundo, dando continuidade ao trabalho que o segmento industrial

de café brasileiro já vem desenvolvendo. A opção pelo objeto “plataforma

mundial de cafés” exigiria uma modificação do olhar sobre o agronegócio

café no país, fazendo da palavra globalização uma postura. O Brasil ao

longo de trezentos anos atuou como singular fornecedor de matéria-prima

para as principais indústrias do mundo e alimentando o prazer de milhões

de consumidores, para os quais, ressalta-se, a origem brasileira manteve-se

desconhecida. Ao mesmo tempo, em parte do século XX, o país consolidou

sua vice-liderança no consumo per capita de cafés, bem como uma tradi-

ção em pesquisa, desenvolvimento de tecnologia, inovação em termos de

programas de certificação. Esta opção, minha favorita, diz respeito à aqui-

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sição de plantas industriais de café em mercados estratégicos, combinada

com a criação de um mercado comum de cafés no continente americano.

Ao passo que a ampliação da presença da indústria de café brasileira

se consolidaria no mundo, o Brasil, aproveitando das vantagens competivas

regionais, maximizaria sua capacidade instalada, aumentando o consumo

per capita nacional com a oferta de cafés diferenciados, exóticos e ao

mesmo tempo, sua competitividade global, no segmento exportação com

valor agregado: venda de blends de cafés in natura prontos Made in Brasil,

cafés torrados ao gosto do freguês, entre outros.

Neste item, pode-se citar a experiência da Colômbia com a instalação

das Casas Juan Valdez, ao redor do mundo e os trabalhos de marcas con-

sagradas como IllyCafé, Lavazza e Segafredo Zanetti.

De posse da opção estratégica, o ato de legislar torna-se mais fácil,

porque haverá clareza quanto aos desejos setoriais de forma a criar condi-

ções da cafeicultura nacional manter sua competitividade nos médios e

longos prazos. O fundamento do planejamento é a redução do tempo

investido em discussões que inferem negativamente na competitividade

setorial.

Creio que o mundo muito em breve dará à cafeicultura brasileira uma

resposta letal, vinda do continente africano. Atualmente, a cafeicultura

brasileira tem competitividade interna, não externa. E produzir um café tão

bom quanto o brasileiro no território africano é mais factível do que se

imagina. Mercadologicamente, o grão africano tem melhor aceitação nos

grandes mercados consumidores em decorrência do seu apelo exótico e

social do que o nacional. De posse de um substituto à altura, a troca de

fornecedores será natural. Esse fato já é visível no caso do café conillon. A

presença do grão vietnamita em blends das principais marcas mundiais é

crescente, enquanto o de origem brasileira mal dá conta do mercado na-

cional. Observa-se que a Kraft Foods recentemente anunciou a construção

de uma fábrica de café solúvel na Rússia. Certamente mirando o fornece-

dor de café verde asiático e respectivamente, o consumidor do maior mer-

cado mundial dessa modalidade de café industrializado e as fronteiras

russas com a União Européia.

A mudança de fornecedor, confere ao Brasil um novo desafio: por

aqui, a importação de café industrializado não se constitui um problema

do ponto de vista alfandegário, embora o seja do ponto de vista sanitário.

Se o custo de produção internacional cair, certamente, o mercado brasilei-

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ro é alvo do produto estrangeiro, dado o volume per capita do consumo,

em ascensão, o perfil jovem da população e a sua respectiva tendência de

crescimento populacional, além da taxa de câmbio favorável. A indústria

nacional torna-se refém, uma vez que nesse cenário, terá que corroborar

para a sobrevivência dos produtores nacionais (terá que absorver 100% da

oferta), sem a perspectiva do mercado externo para se capitalizar, e ainda

concorrer com a agressividade das indústrias internacionais, com todas as

suas facilidades decaptação de recursos no mercado externo, a juros mais

baratos. Em suma: um cenário perfeito para a bancarrota perfeita da ca-

feicultura nacional.

Legislar bem hoje, portanto, é uma garantia oferecida pelo Estado

para o sucesso das ações vindouras do setor nos médios e longos prazos.

Evidentemente parte desse sucesso depende das diretrizes apontadas pelos

atores que compõem as câmaras setoriais do café nos Estados e do Con-

selho Deliberativo de Política Cafeeira.

Contudo, ao Estado cabe agir com a ousadia empreendedora. Nesse

sentido, o Itamaraty poderia viabilizar acordos no foro da Aladi e da OEA,

favorecendo a criação de um mercado comum do café. Ora, o Brasil, de-

pois dos Estados Unidos e Canadá, é o país que detém o maior número de

torrefações do Continente Americano. Praticamente, mais de 60% do ca-

fé produzido no mundo sai desta mesma porção continental. Então, qual

o impedimento de se legislar à respeito, escancarando as nossas fronteiras

para cafés latino-americanos? Já existe um programa de certificação glo-

balmente aceito, chancelado no foro da Organização Internacional do

Café, que é o Código Comum da Comunidade Cafeeira, do qual o Brasil

inclusive é signatário. Portanto, não haveriam dificuldades no que tange à

formatação dos acordos bilaterais e ou multilaterais entre os países produ-

tores, relativo ao comércio de cafés no bloco. Além disso, tal ato fortale-

ceria a imagem do Brasil como líder regional com um ato pró-ativo, inte-

grador, diplomático e pacificador, uma vez que o estímulo à cafeicultura

tem sido visto como arma contra a ação das guerrilhas financiadas pelo

narcotráfico, que atuam principalmente na América do Sul (Farcs).

Em termos de mercado interno, a ação supra demandaria o fomento

à aparatos legais que favorecessem a ampliação da produção de cafés

especiais, seja com a redução de encargos tributários, seja com a inclusão

de cafés em áreas estratégicas como na merenda escolar e órgãos públicos,

Page 97: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

97

especialmente aqueles ligados à promoção comercial e padrão mínimo de

qualidade do café das cestas básicas.

Tal abertura seria o primeiro passo para a consolidação do país como

plataforma mundial de cafés, garantindo a origem Made in Brasil na em-

balagem e pluralidade sustentável e rastreada das mesclas internacionali-

zadas.

Page 98: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

98

29O que tem no tanque seu moço?

Babaçu, my darling!

Publicado em 21 de abril de 2008

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Depois do pronunciamentodo presidente americano George W. Bush

realizado durante o Wirec 2008, evento sobre energias sustentáveis reali-

zado em Washington este ano, mais um produto nativo do Brasil ganhou

o cenário internacional: o coquinho de babaçu. Bush, durante o evento

citou o babaçu por duas vezes consecutivas, entusiasmado com o poder

de uma frutinha tão pequena, mas apta a produzir um biocombustível tão

poderoso erefinado em termos de qualidade, capaz de levantar um Boeing

do solo. Isso mesmo: o óleo do babaçu virou combustível de primeira linha

no contexto da indústria aeronáutica. Esse anúncio, que chancelou a polí-

tica nacional de agroenergia aos olhos do mundo, culminou numa série de

eventos importantes para o país: a recente visita de Condoleezza Rice ao

Brasil, referendando o discurso de Bush em solo brasileiro, a inclusão do

Brasil como candidato ao G-8, no contexto do discurso do candidato à

presidência dos Estados Unidos, o senador Mc-Cainn, e a liberação de

recursosde R$ 9 bilhões para a promoção comercial do etanol brasileiro no

mercado internacional.

Embora seja a cana-de-açúcar a principal vedete do segmento de

agroenergia, este artigo versa sobre o babaçu, em razão de sua aplicação

no setor aeronáutico e o apelo fair trade que o produto tem, em razão das

oportunidades de trabalho que gera e sua respectiva relação sustentável

com a natureza (especialmente no âmbito dos biomas Floresta Amazônica

e Mata Atlântica).

O babaçu, de acordo com o Dicionário Houaiss é uma planta nativa

das faixas de transição de Floresta Amazônica, sendo encontrado em toda

a região Norte e Nordeste do Brasil, especialmente na região da Mata

Page 99: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

99

Atlântica baiana e também na Bolívia, Guiana e Suriname. Trata-se de uma

palmeira capaz de atingir até 20 metros de altura, tendo inúmeras aplica-

ções: desde a construção de casas (caule para as paredes e folhas para o

teto), passando pelo artesanato (elaborado com as folhas amareladas e

longas da palmeira), produção de óleos e gorduras, tanto para consumo

humano quanto para usos industriais. Suas cascas tem sido usadas também

na indústria moveleira e como carvão pelas famílias que vivem de seu ex-

trativismo.

Extrai-se ainda palmito, além de servir como ração para criações e

adubo. É uma planta de ampla utilização pelas populações rurais amazô-

nicas e nordestinas com várias aplicações, portanto. Sua capacidade de

produção é de até dois mil coquinhos numa única carga, sendo uma gran-

de demandante de mão-de-obra nos seus estágios iniciais de produção,

especialmente no que tange à sustentação da agricultura familiar. No caso

dos biocombustíveis sua aplicação interessa, em razão da sua capacidade

de geração de óleo, que na extração garante 60% de aproveitamento da

amêndoa madura.

Como se trata de planta de fácil reprodução, a expansão das lavouras

tem se concentrado especialmente no Maranhão. Somente em 2006, de

acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

publicados em 11 de dezembro de 2007, o estado respondeu por 94,2%

da produção (117,1 mil toneladas/total país), num contexto de R$ 102,2

milhões de receitas obtidas por meio da venda da amêndoa do babaçu.

Portanto, verifica-se que para a economia maranhense, o babaçu tem pa-

pel estratégico, já que responde por 300 mil postos de trabalho (quebra-

deiras) e movimenta a economia de pelo menos 10 municípios: Vargem

Grande, Pedreiras, Poção de Pedras, Bacabal, Chapadinha, Codó, Bom

Lugar, São Luiz Gonzaga do Maranhão, Cajari e Coroatá. Evidentemente,

que se trata de uma produção que envolve pessoas com baixo grau de

escolaridade e situadas em regiões economicamente desfavorecidas, o que

aumenta a importância do babaçu como recurso agregador de valor e

qualidadede vida para as famílias envolvidas com esta cadeia produtiva. A

inserção da prática do cooperativismo no escopo da cultura local, combi-

nada com treinamento para profissionalização, assume papel relevante,

dado que a organização é um caminho importante para a melhor distri-

buiçãode renda. Nesse sentido, o trabalho atualmente desenvolvido pela

Rede Baiana de Bicombustíveis, na região de Ilhéus, pode ser emblemático,

Page 100: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

100

já que a pesquisa lá envolvida fundamenta-se sobre os fundamentos da

inclusão social. Sem essa preocupação, surge, ante a possibilidade de am-

pliação da demanda da indústria aeronáutica mundial, a emersão de uma

série de problemas sociais, que podem incluir inclusive uso de mão-de-obra

infantil e depredação do meio ambiente, o que não é bom nem para as

pessoas envolvidas na coleta do coco, nem para o país. O ideal mesmo é

biocombustível de babaçu fairtrade, rastreado, para a gente ter gosto de

cantar, toda vez que estivermos a aterrisar, cheios de saudades de casa, um

trechinho do Samba do Avião, de Jobim... Eparrê/Aroeira beira demar/

Canôa Salve Deus e Tiago e Humaitá/ Eta, costão de pedrados home brabo

do mar/Eh,Xangô, vê se me ajuda a chegar...

Oxalá ao Babaçu e ao meu Brasil...Oxalá à agricultura, musa dessas

sustentáveis, diplomáticas e boníssimas revoluções...

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30Atratividade do Mercado Brasileiro de Café

Publicado em 02 de maio de 2008

na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café

Desde a década de 1970, o Brasil, no que tange aos negócios do

café, tem gradativamente transicionado seu mercado para um pujante

processo de internacionalização. Principiando pela alemã Melitta, primeira

estrangeira a acessar o território nacional, o país assistiu em seguida, na

década de 1990, a aquisição do tradicionalíssimo grupo União pela ame-

ricana Sara Lee. Ao mesmo tempo, a italiana Illycafe introduzia o conceito

de cafés espressos no coração de um setor, acostumado à negociar cafés

para a percolação sem preocupação expressiva com a qualidade, o que sem

dúvida, revolucionou o modelo de comercialização e distribuição de cafés

com alto valor agregado, bem como a respectiva forma de consumo: a

dose.

Em meados da ainda década de 1990, as marcas Strauss-Elite (israe-

lense) e Segafredo Zanetti (italiana), adquiriram respectivamente as marcas

Três Corações (readquirida no início da década de 2000 pela brasileira

Santa Clara) e Itambé. Por fim, nos últimos quatro anos, assiste-se a che-

gada da americana Starbucks, a italiana Espressamente (da Illycafé), a su-

íça Nespresso e a italiana Lavazza, que no dia 21 de abril de 2008, arrema-

tou a Café Terra Brasil.

Mas porque tantas estrangeiras por aqui? A resposta está situada em

três aspectos fundamentais: perfil do crescimento demográfico nacional,

crescimento econômico, tradição no consumo de café por parte do brasi-

leiro. Com uma população estimada em 186 milhões de pessoas, uma

taxa de natalidade média de 21,2 pessoas por mil habitantes e respectiva

esperança de vida estimada em 68 anos em média (IBGE, 2008), cresci-

mento econômico estimado para 2008 em 4,8% (Banco Central, 2008), o

que permite acreditar no crescimento da renda per capita nacional, seguin-

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do os mesmos parâmetros de 2007 (4%), além da projeção de expansão

do consumo de café calculada em 74 litros/per capita (5,53Kg), o mercado

brasileiro converteu-se num oásis, especialmente no que tange ao consu-

mo fora do lar. O Brasil, é o quinto mercado mundial para o setor de ali-

mentos e ao contrário dos mercados europeus, possui elasticidade para

expansão da demanda.

De acordo com dados da Interscience, cerca de 36% dos brasileiros

atualmente consomem café fora de casa, dado este que converge direta-

mente com o modelo de internacionalização adotado por grandes marcas

internacionais, que preferem o investimento no Brasil restrito à instalação

de canais de distribuição de marca própria, concentrados na Região Cen-

tro-Sul principalmente.

Neste modelo de expansão internacional no mercado brasileiro, as

indústrias internacionais mantêm sua resiliência frente à possibilidade de

processamento de grãos de diversos países produtores ao redor do mundo

mantendo suas plantas industriais em seus países de origem, já que a

prática de importação de café de outras origens para o Brasil ainda não foi

regulamentada em termos de exigências sanitárias específicas. Além disso,

não assumem custos de instalação de plantas em território nacional, o que

reduz veementemente os custos de acesso ao mercado, já que o Brasil não

possui barreiras técnicas ou tributárias para a importação de cafés indus-

trializados.

O único pormenor dessa questão é a fuga de capital, uma vez que

tanto os dólares oriundos da agregação de valor pela industrialização quan-

to a possibilidade de criação de postos de trabalho, ficam no exterior e não

no Brasil. De qualquer forma, é certo que a concorrência em relação às

marcas brasileiras passa a se concentrar num nicho de consumo apto a

remunerar em média até seis vezes a mais o preço da xícara com café. E o

consumidor não é fiel, quando se trata do emprego do seu erário na cons-

trução de uma experiência que une prazer, sofisticação e pluralidade gas-

tronômica. Um exemplo clássico dessa afirmação foi o frenesi que o café

javanês Kopi Luwak causou recentemente em São Paulo: a experiência

envolvia o consumo de uma xícara de café processado no aparelho diges-

tivo de um gato nativo da Ilha de Java, cujo custo unitário era de R$

100,00. Esse produto, tido como o mais raro, exótico e saboroso do mun-

do cafeeiro, custa a bagatela de R$ 2.000,00 o quilo. A média de preços

do café gourmet nacional oscila entre R$ 20,00 e R$ 120,00 o quilograma.

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Se o mercado brasileiro acena que está pronto para absorver esse

tipo novidade, é certo também que o segmento industrial nacional deve

organizar-se para uma concorrência forte, financiada com taxas de juros

internacionais muito baixas, que pode acirrar a concentração do mercado

nacional, já que o perfil do setor industrial de café nacional situa-se pre-

dominantemente nas pequenas e médias torrefações, embora as 20 maio-

res plantas do país processem mais de 65% de todo o café comercializado

em território nacional.

Os programas de certificação atualmente adotados pelo setor no

país, com ênfase em qualidade e sustentabilidade, acenam um preparo

para este ambiente, que fundamenta sua ação no processo de reformula-

ção da cultura de consumo por parte do consumidor nacional. O café

nesse sentido, continua a ser o luxo do simples, mas inspirando-me em

Voltaire, deve ser capaz de persuadir, a ponto de gerar grandes paixões, a

ponto do consumidor considerá-lo mais saboroso que mil beijos.

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31Um beijo, um queijo, biocombustíveis

Publicado em 12 de maio de 2008

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Os alimentos, de forma geral, são uma dádiva tão especial que des-pertaram em mim a necessidadede dissertar a respeito da relação do ro-mance com a agricultura. É há uma ligação passional entre a beleza poé-tica do amor e a arte de produzir riquezas, a partir do labor da terra. Ante o embate meio shakespeariano entre o ser ou não ser agricultura de ener-gia e ou de alimentos, o mundo uníssonamente impõem sua tese, consu-mada por meio da mídia ao longo das últimas semanas: o temor da fome coletiva. Para conferir certa leveza à dramacidade da trama, principia-se tal reflexão tomando o leitor pelo intelecto, conduzindo-o à arena da delica-deza impressa em momentos de felicidade onírica: Como a crise interna-cional de alimentos poderá impactar naquele flerte típico do interior das Minas Gerais, no qual ante a porta da igreja, em noite enluarada, o moço compra pipoca para moça e lança um primeiro olhar acanhado, oferecen-do a candura da inocência e premiando poetas e poetisas com a dádiva do amor?

Eros e Psiquê não conheceram a pipoquinha nossa de cada dia, mas é certo que como divindades gregas, conheciam a importância da agricul-tura para o desenvolvimento nacional. Os gregos, sem dúvida, eram exí-mios promotores de festivais de culto à Deméter (Ceres para os romanos), deusa mitológica da agricultura, em agradecimento às colheitas fartas, pois a fome é e sempre foi uma mácula que mancha a existência humana há milênios, assim como as guerras e genocídios que se perpetuaram ao lon-go da história. A falta do alimento era tida como uma hecatombe, que expressava a ira dos deuses contra os mortais.

É certo que quem tem fome não pode esperar. Nada mais digno para um ser humano do que o acesso a um bem elementar para a sobre-vivência: um prato de comida de qualidade, bem preparado, diariamente, pelo menos. É o justo, o sacro. Contudo, não é justo que essa mazela que

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o fusca a história humana, seja tomada como o “bode expiatório” para coibir o desenvolvimento nacional, em decorrência de interesses nacionais muito mesquinhos, como aconteceu no caso do questionamento à produ-ção de biocombustíveis.

De acordo com estudos da organização não-governamental WWF (2008), o fundamento da produção de alimentos centra-se na eficiência do uso das áreas agricultáveis: entre 1965 e 2008, a relação de área agri-cultável saiu de 1,3 hectare para 0,7 hectare per capita/mundo, sem que houvesse perdas da capacidade de atendimento da oferta média de calo-rias diárias necessárias a um ser humano, que também em média saiu de 2.400 kcal para 3.000 kcal per capita/mundo, para o mesmo período.

Ocorre que, considerando esses dados da WWF, que considera os 3 bilhões de habitantes do planeta, é visível que a disparidade na distribuição de renda, os próprios índices de desenvolvimento de importantes países e os inabaláveis subsídios agrícolas distribuídos “a rodo” nos países desen-volvidos (especialmente Estados Unidos e União Européia) e as altas acu-muladas do petróleo nos últimos anos criaram um ambiente temerário em relação à falta de oferta de comida. Há uma crise real de alimentos ou um arranjo diplomático na União Européia

para desmantelar a concorrência (o acordo bilateral do Brasil e Esta-dos Unidos, que ia de vento em popa), afim de favorecer o seu programa interno de biocombustíveis, francamente subsidiado?

Porque o primeiro alerta aconteceu na Alemanha somente este ano, se já era uma crise anunciada? Será que, com a elevação do seu grau de investimento, o Brasil está apto a jogar tão bem quanto os europeus no comércio internacional?

A culpa é do milho mesmo ou há algo mais? Será que quadruplicar a produção de milho no Brasil não seria positivo para atender a demanda mundial? Eis algumas questões interessantes, para a reflexão coletiva, pa-ra as quais eu também busco respostas. Voltando à pipoca do romance, é válido ressaltar que ela poderá sofrer um incremento de preços sim. Pro-duzir alimento sestá mais caro, em razão dos custos de produção agrícolas: desde o milho até o óleo para seu preparo. O essencial aqui é a manuten-ção da tradição poética dos enamorados combinada com a franca expan-

são da produtividade de nossos campos. Inovação, tecnologia e sustenta-

bilidade são as palavras de ordem nesse processo, que, sem dúvida,

colocará o Brasil entre os chamados países de primeiro mundo.

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32Café: minha paixão nacional

Publicado em 25 de maio de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Inspirada ao som de Villa-Lobos, Trem caipira e o Uirapuru, expresso

ora diante, minha homenagem a uma benelevolência de Deus para com a

humanidade. O café, a bebida ocidental do peace-to-peace. Não é idola-

tria, apenas o relato sobre uma paixão particular.

No último dia 24 de maio, comemorou-se no Brasil, o Dia Nacional

do Café. Pessoalmente, não poderia deixá-lo passar sem congratular-me

com a beleza de um setor pujante, que demonstra ao mundo, a essência

da alma brasileira, por meio do trabalho silencioso, mas desenvolvimentis-

ta.

O café não é uma mera commodity, mas sim uma chancela diplomá-

tica que inspira a paz entre os povos, entre as pessoas. Sela amizades,

amores, relações de vida toda.

É como se naquele momento delicado, de invasão da intimidade com

a terra, a semente e o cafeicultor, fizessem um trato atemporal de paixão

e suntuosa construção de riqueza. “Cuida de mim com deferência, que

cuidarei de ti mais a frente”. Então a ruptura da terra, revela a delicadeza

e o tempo, juntamente com a essência da sabedoria divina, consolida por

meio das raízes e radicelas, o tratado da fidelidade. Então as flores, alvas,

perfumadas, levemente cítricas, desabrocham, afirmando que ao Criador

tudo é possível. Nem mesmo a geada ou a seca é capaz de deter a efusão

contagiante que invade corações ao se percorrer uma lavoura em flor. É a

poesia do céu, escrita no livro da vida, dedicada em plenitude ao humano.

As pétalas falecem, para iniciar outra magia: a da frutificação. Sinal da

maturação gradativa, a multiplicação da tecnologia da natureza acontece,

dia após dia, até que, como num delicado momento de capricho, o

amarelo e o vermelho invadem aquela paisagem verdejante. “Oi, me colhe

e prove do que lhe prometi”. O canto da derriça então, invade,

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107

unissonamente, aquelas arenas. Panos brancos são estendidos sob as saias.

Coleta-se tudo e para o lavador se segue. Bóias, cerejas e passas são

harmoniosamente segmentados pela água e tal densidade dos grãos. E a

dança nos terreiros, sol após sol, acontece elegantemente, até que, no

final, obtém o coco ou o café em pergaminho. Então o sisal caprichoso

abraça aquilo tudo e o grão, interiorano, vai ganhando ar cosmopolita,

para cumprir sua promessa inesquecível, que aconteceu no momento do

plantio. O produtor, então tem o seu suado ganho atestado e os negócios

acontecem, seja nas cooperativas, ou nas tradings. De repente, alguns ir-

mãos embarcam em navios e outros, seguem por aqui mesmo, e de repen-

te, sob o calor do fogo, liberam o aroma sedutor do café caramelizado,

achocolatado, torrado. Moídos ou inteiros, vão tomando destinos diferen-

tes. Uns tornar-se-ão experiências tradicionais, via percolação. Outros,

provarão da tecnologia e serão comprimidos por meio da aplicação de Leis

da Física, nas tais cafeterias. Uns outros, ainda mais sortudos, viram arte e

ou pegam avião, para conhecer novas fronteiras, com valor agregado. De

qualquer forma, imbricam-se lábios adentro do consumidor apaixonado.

E ambos, tornam-se um.

Dizem que isso tudo é o legado do romance do café. E a magia da-

paixão acontece quando, ao saborear a primeira, inconscientemente, se

pede bis. Por isso, o café é o símbolo da mais vibrante da vida, pois con-

grega em si, toda a emoção e prazer, e enche o coração de alegria, de uma

alegria simples, pacífica, mas profundamente contagiante. Pode-se dizer

que o mercado não está bom, que o preço poderia estar melhor, que falta

financiamento, mas no fundo, há uma hipnose coletiva, que nem Freud e

Jung explicam, que e faz uma diferença enorme, quando se trata da sim-

biose do trabalho, consolidado por centenas de mãos e o prazer, percebi-

do no último gole.

Por isso mesmo, ela assume o papel de promotora do peace-to-pea-

ce. O café é a bebida símbolo do networking e da própria democracia. O

café não é racista e não avalia ninguém por status, raça, crença ou condi-

ção financeira. É o doce luxo do simples. Do simples, do simplório, do

humilde, do magnata. É pura diplomacia, pura expressão de sedução sem

exercício de poder. Por isso combina tanto com a pluralidade brasileira.

Embora africano, abrasileirou-se, assumindo lócus insubstituível na culiná-

ria, na vida, na essência de um povo, que está em franca fase de conquis-

ta de um lugar ao sol no mundo.

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Ao amigo café, minhas doces homenagens. Ou melhor, minhas doces

homenagens para quem faz toda a cadeia agroindustrial do café acontecer,

com trabalho, com ou sem CDPC (sinceramente, vamos deixar de lado

essa parte, porque ela é complicada e ofusca a beleza do texto).

Feliz Dia do Café, todos os dias!!!!!

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3330 anos de constituinte, 29 sem IBC, 17

com CDPC: Reflexões sobre a cafeicultura e uma moça querida chamada democracia

Publicado em 29 de maio de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

No dia 05 de outubro de 1988, estava em frente à televisão da sala

da minha tia, assistindo um senhor, chamado Ulisses Guimarães, declarar

“Está proclamada a constituição federativa do Brasil”...Até então, na mi-

nha escola primária, ainda hasteávamos a Bandeira Nacional e cantávamos

o Hino Nacional todos os dias.

Depois que entendi aquele momento, durante a aula de moral e cí-

vica, ficou mais fácil amar a tal democracia e a liberdade de expressão. São

dois elementos tão lindos, porque se durante mais de três décadas a capa-

cidade criativa do cidadão brasileiro ficou submissa às armas, a partir de

então, não precisaria mais ter medo de desenhar ou escrever as minhas

poesias. Daí eu me aventurei lendo o Rui Barbosa, Euclídes da Cunha, até

que 1996, eu ganhei um manual do Instituto Brasileiro do Café, editado

em 1986. Parei de ler romance, para compreender sobre um negócio im-

portante da História do Brasil e que de repente, me virou pelo avesso. Dei

adeus à Machado e à Alencar, para dar voz ativa a um certo Palheta, nada

similar ao Capitão Rodrigo, de Veríssimo, mas que era um feio charmoso

que convenceu uma dama européia a dar-lhe um presente que mudou a

história do Brasil: o café, instituição cosmopolita, política, negociadora,

amante.

Citando Ulisses Guimarães mais uma vez, é possível observar acon-

vergência das benesses do café para alma humana, assim como a política

de qualidade.»... Política não se faz com ódio, pois não é função hepática.

É filha da consciência, irmã do caráter, hóspede do coração. Eventualmen-

te, pode até ser açoitada pela mesma cólera com que Jesus Cristo, o polí-

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110

tico da Paz e da Justiça, expulsou os vendilhões do Templo. Nunca com a

raiva dos invejosos, maledicentes, frustrados ou ressentidos. Sejamos fiéis

ao evangelho de Santo Agostinho: ódio ao pecado, amor ao pecador.

Quem não se interessa pela política, não se interessa pela vida...» Café é

saúde, logo, é vida também. Portanto, política e café convergem com

maestria.

O CDPC deve dispor-se à interagir com idéias, ainda que contunden-

tes, contrárias ao interior dos corações daqueles que dele fazem parte

oficialmente. O Conselho deveria promover o debate e interação, utilizan-

do as benesses da tecnologia, pois o Conselho é o ombudsman do setor,

é quem faz a mediação entre os anseios do segmento produtivo com o

Estado.

Essa abertura é fundamental, quando se trata de definição de uma

agenda estratégica. Acompanho os debates no Peabirus e se aquele é o

modelo máximo de democracia aceito pelas lideranças do agronegócio

café brasileiro, é certo que caminhamos realmente à bancarrota estratégica,

porque é um sistema vigiado e que não aceita debates fortes, que no es-

tágio de brainstorming são fundamentais.

Poder-se-ia lançar mão da consulta pública, mas efetivamente, qual

a garantia de que as contribuições, por menores que sejam, estão sendo

lidas? É complicado, quando se sabe que no interior da instituição cafeei-

ra, prevalece jogos de interesses, nada democráticos. Participar é impor-

tante. Mas todos sabemos que embora tenha ocorrido o impeachement

do ex Presidente Fernando Collor de Mello e que a população tenha ido

às ruas, quem o derrubou foi o congresso nacional, movido por interesses

particulares e porque o voto foi aberto. Será que na cafeicultura o jogo um

dia será diferente?

Essa é uma questão fundamental, quando se pondera sobre as con-

versações sobre a diplomacia cafeeira. Normalmente, vai-se à Londres,

transferir know-how, que no futuro, ferirá de morte o coração da cafeicul-

tura nacional e ninguém fala sobre o assunto, porque participar da OIC,

que é financiada com recurso brasileiro (vide o Portal da Transparência),

significa status e empoderamento. Será que no fundo, isso é bom para o

Brasil? Quem acompanhou o noticiário, percebeu que a Organização In-

ternacional do Café recomendou ao Brasil a intensificação da transferência

de tecnologia de produção de café para a África. Para os bons entendedo-

res de mercado internacional, o café, produzido em qualquer região da

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111

África, é tido como produto exótico e tem preferência de acesso ao mer-

cado europeu. Além disso, é uma das únicas regiões do mundo capaz de

competir em pé de igualdade com o Brasil na produção agrícola, com

grandes diferenciais competitivos: o custo de financiamento e respectiva-

mente, a

proximidade com os grandes mercados consumidores e o apelo social

dos produtos “Made in Continente Africano”.

O produtor brasileiro de café ficará assistindo de braços cruzadosos

líderes do setor cafeeiro negociar em de bandeja a tecnologia construída

aqui, com capital nacional, sem que essa transferência tenha passado por

uma análise criteriosa de risco? Qualquer empresa faria isso, porque o agro-

negócio café não pode fazer?A questão é reinvidicar a participação, dentro

do que está previsto da atual Carta Constitucional, verdadeiro esteio da

democracia. A operacionalização disso, depende apenas de vontade de

quem coordena. A cafeicultura brasileira não pode mais aceitar para si, como

verdade, aquele ditado “em terra de cego, quem tem um olho, é rei”.

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34Uma releitura da política do pão e circo

e do assassinato de Sócrates no contexto da política cafeeira brasileira

Publicado em 29 de junho de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

A vantagem do exercício da docência é a constante interface com a

pesquisa. Eis que outro dia, navegando pelo You Tube, descobri algumas

pérolas da propaganda brasileira, como por exemplo, as da década de

1950, quando a Coca-Cola começava a se propagar como hábito alimen-

tar no Brasil. “Isto faz um bem”. Este era o slogan da Coca-Cola, quando

do início do processo de posicionamento da marca junto ao consumidor

brasileiro. Mais tarde, ficou comprovado que de bem mesmo, só o prazer

do hábito de consumo de um produto sintético, inspirado na coleira, ár-

vore africana. Por incrível que pareça, é daquele continente que vem o

café também. E por incrível que pareça também, o slogan atual da cafei-

cultura é quase “isso faz um bem”. Bem faz, é bom mesmo, em excesso

não faz mal e não existe substituto à altura quando se trata de acompa-

nhante para o pão-de-queijo nosso de cada dia. Mas o que incomoda é a

ênfase num discurso que se presta para mascarar as ineficiências dos bas-

tidores.

Cabe uma crítica importante aqui: a relação da ênfase exarcebada

no discurso da qualidade com a chamada política do pão-e-circo. A busca

pelo belo, pelo sabor delicioso e inesquecível é algo fascinante, mas é

certo que Narciso morreu afogado por apaixonar e pelo seu próprio refle-

xo no lago translúcido, em noite enluarada. Para quem não conhece mui-

to de história mundial, a política do pão-e-circo, foi uma prática utilizada

pelos imperadores romanos,

na tentativa de desviar a atenção dos famintos cidadãos de Roma

com a oferta de festivais de gladiação promovidos nos coliseus e a distri-

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113

buição de alimentos, para que estes não emergissem contra o governo,

promovendo revoluções e guerras. E o no que tem se transformado a ca-

feicultura, senão num espetáculo? Leio jornais todos os dias e o que vejo,

é essa ênfase importante, mas excessiva sobre a questão da qualidade do

café, a beleza do barismo, café latte que deslocam os olhares das pessoas

das coisas fundamentais: a qualidade das políticas públicas voltadas ao

agronegócio como um todo.

O recente caso do vidro no café do Secretário de Segurança do Esta-

do do Rio de Janeiro assustou-me, pois vi ali uma releitura do assassinato

de Sócrates: a cicuta assumiu a contemporaneidade e transformou-se em

vidro, dado à conta-gotas. Não há porque tratar este assunto como isola-

do. Ele é um acinte ao trabalho de pelo menos 10 milhões de pessoas, que

em pleno século XXI tornou-se inadimissível, em decorrência da tecnologia

disponível e o tamanho do orçamento do Funcafé, que só serve atualmen-

te para renegociação de dívidas. Quando é que o setor se proporá a varrer

do mapa a marginalidade? Quando é que o café será tratado como ali-

mento e questão de saúde pública no Ministério da Saúde? Esse regula-

mento do café torrado que não sai é uma agonia interminável. Quando é

que isso ficará pronto e o Ministério da Agricultura transferirá a fiscalização

dos cafés industrializados para a fiscalização estadual? A prorrogação da

consulta pública sobre a regulamentação do café torrado só demonstra

que há um excesso de burocracia, para uma questão que se arrrasta há

anos no Ministério da Agricultura. Mesmo que digam o movimento tem

pretensões democráticas, é desalentador ver as prorrogações para satisfa-

zer o exercício político, meramente político, que numa hora dessas, corro-

borará para o óbito de alguém. Não sou a dona da verdade, confesso-me

cansada de sempre bater de frente, clicando sobre a ponta da mesma faca.

Mas sou uma brasileira indignada e que viveu intensamente este setor por

14 anos e eu não poderia ficar calada, sendo que eu vivo numa democra-

cia, que me permite expor pelo menos a minha indignação com o descaso

com a cafeicultura e com um dos mais fortes ícones nacionais, o café.

Exponho que se o CDPC fosse realmente interessado em dirimir os proble-

mas do setor, todos os aportes legais necessários até o momento já esta-

riam negociados e prontos. Falta é articulação, vontade, motivação, lide-

rança, vontade de tratar o setor público com o ritmo de privado, senso de

construtivismo e visão de que tudo é um empréstimo feito dos nossos

netos ou bisnetos, com valores éticos e morais a serem remunerados com

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114

altas taxas de juros à futuro. Não venham me dizer que o tempo do gover-

no é outro. O tempo é de quem paga e coleta a carga tributária mais

densa do mundo e que ao invés de resolver as coisas em tempo real, oti-

mizando o trabalho, a política cafeeira se perde no glamour, nos jantares,

nas reverências, no turismo à Londres que poderia ser resolvido, aplicando-

-se o princípio da economicidade, por meio de teleconferência. E o que

vejo é a morosidade posta para atender vaidades, em detrimento dos in-

teresses dos milhões que não tem acesso à Brasília e ficam na expectativa

de se restringir a ganhar, apenas o próximo concurso de qualidade (ressal-

ta-se que o custo da certificação de propriedades de café ainda continua

inacessível para a maioria, tornando o sonho de conquistar o prêmio, um

doce sonho solitário, não subsidiado. É válido observar que ainda tem

muito cafeicultor secando café em terreiro de terra ou sobre lona, e que

sem dúvida, precisariam de uma mãozinha do Estado, para resolver um

probleminha básico de pós-colheita).

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115

35A Starbucks, a Rodada de Doha

e os Combustíveis

Publicado em 07 de julho de 2008 na CBM Agroenergia

O recente fechamento de 600 unidades da rede Starbucks nos Esta-

dos Unidos e a respectiva retomada dos negócios por parte de Howard

Schultz, acenam, mais do que uma necessidade de reposicionamento de

uma multinacional em relação a competitividade impressa no boom de

cafeterias naquele mercado. O ato faz com que se reflita sobre os bastido-

res do crescimento geométrico que permitiram que uma companhia atin-

gisse em menos de oito anos 10.000 pontos de venda somente em terri-

tório norte-americano. Mais do que uma febre por consumo de um café

saboroso, verifica-se aí a expressão do modo de vida americano fundamen-

tado sobre o consumismo, que também se reflete em outros setores, como

os relacionados com a matriz energética. Ao lado de China e Índia, que

consomem respectativamente cerca de 6,7 milhões e 2,8 milhões de barris

de petróleo ao dia, com projeção de expansão de crescimento anual de

100% e 50% respectivamente em decorrência da explosão populacional,

os Estados Unidos continuam a ser o principal mercado consumidor mun-

dial, com cerca de 21 milhões de barris ao dia e uma perspectiva de cres-

cimento de consumo sustentado de 15% ao ano. A diferença entre os

asiáticos e os americanos centra-se na questão de que o consumo destes

últimos é restrita à menos de 5% da população mundial, enquantos os

primeiros (China e Índia) comportam mais de 1/3 da humanidade.

Para uma economia fomentada no consumo exarcebado e que não

é signatária de Protocolos como os de Kyoto e de Bali, a recente escalada

de preços dos barris do petróleo (atualmente na casa dos US$ 146/barril),

combustível este que responde por praticamente 35% da matriz energé-

tica americana (gás 22,90% e carvão mineral 22,30%) e a movimentação

da frota de 214 milhões de veículos (automóveis e caminhões), colocou

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116

em xeque a capacidade do país em sobreviver ante um blackout de forne-

cimento. Na verdade, ela “abalou as estruturas”. Mais do que convencer

a OPEP quanto a desvincilhar-se da sua estrutura cartelizada em prol da

promoção da equalização de preços em nível mundial por meio do aumen-

to da oferta do “ouro negro”, a busca pela sustentabilidade, por meio da

produção de combustíveis renováveis cujo movimento teve início por lá há

cerca de uma década, começou a ganhar força. Na IIlynois de Barack Oba-

ma, o milho começou gradativamente a migrar da mesa para o tanque dos

automóveis. E o que era exceção, nos últimos anos, tornou-se regra, a tal

ponto da Organização das Nações Unidas colocarem em xeque a questão

dos biocombustíveis, intitulando-o “crime contra a humanidade”.

Mas que crime seria esse?

A fome é uma amálgama sobre a construção histórica da humanida-

de e que como flagelo, deve ser combatido a qualquer tempo. Contudo,

a questão das altas dos preços dos alimentos, especialmente daqueles

oriundos do milho, acabaram colocando em alerta toda a sociedade global.

O milho, assim como o arroz, é estratégico na pauta de alimentação hu-

mana. É certo que o aquecimento global é um fator dilapidador do equi-

líbrio climático e um exímio causador de secas, como a que atingiu o

Brasil nos últimos anos e comprometeu safras de produtos como o feijão,

hoje tidos como um dos vilões da inflação. É certo também que o chinês

está comendo mais, em decorrência da inserção da China na economia de

mercado, assim como o próprio brasileiro está comendo mais, em decor-

rência de programas sociais inclusivos, como o bolsa família, que permiti-

ram que cerca de 30 milhões de excluídos pudessem acessar a mesa. Há

uma crise de alimentos e estes são um dos motivos que forçam inclusive,

a indústria de alimentos norte-americana solicitar em bloco ao presidente

George W. Bush a suspensão do programa de biocombustíveis naquele

país. Recentemente, 138 indústrias assinaram um manifesto fazendo tal

pedido. Apesar do temário, entretanto, não se pode afirmar que o ônus

concentra-se na questão da busca de uma alternativa menos agressiva ao

meio ambiente e que gere e ou elimine a emissão de gases estufa.

O crime, portanto, tem nome e não está no campo. Está na mesa de

diplomatas e se chama subsídio agrícola. Eis o verdadeiro vilão que usa os

biocombustíveis, especialmente o etanol brasileiro e mais especialmente

ainda a Amazônia Brasileira como bodes expiatórios. Apesar do Brasil as-

sinalar no Plano Agrícola e Pecuário 2008/2009 a expansão da fronteira

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117

agrícola brasileira sobre áreas de pastagens recuperadas, a Rodada de Do-

ha - rodada de negociação criada em 2001, durante uma conferência da

Organização Mundial do Comércio realizada no Qatar, para discutir a der-

rubada de barreiras comerciais, inclusive subsídios agrícolas - ainda se ar-

rasta causando efeitos funestos. Somente a União Européia coloca todos

os anos em sua agricultura cerca US$ 50 bilhões ao ano, na forma de

subsídios. Esta estrutura cria uma zona de conforto muito complexa, já que

sem a possibilidade competir dentro de regras de mercado profissionais,

que exigem gestão de custos e busca por resultados, como acontece no

caso brasileiro, países como os Estados Unidos e a própria União Européia

passam a restringir cada vez mais os seus mercados, visando proteger sua

agricultura, muitas vezes ineficiente.

Lições como o caso da bovinocultura e do algodão são muito fortes

no que tange à mitigação da competitividade que estes importantes mer-

cados consumidores assumem frente ao emergente processo de constru-

ção das atividades globais de comércio de países em desenvolvimento. Em

decorrência disso, no caso do etanol e demais biocombustíveis, a busca da

certificação e respectiva prática da rastreabilidade será a alternativa mais

eficiente para a performance do “made in Brazil” em mercados exigentes.

Mais ou menos como no caso dos cafezinhos do Schultz...

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36Barismo na realidade brasileira

Publicado em 23 de julho de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Glamour é uma palavra que combina muito bem com gastronomia.

Especialmente, a alta gastronomia. Na busca pela equiparação do café ao

vinho, algumas inovações emergiram, como por exemplo, a profissão de

barista, italiana invenção, mas que vem ganhando espaço nas sofisticadas

casas de café situadas no país.

Espresso bem extraído, com aquela combinação mágica dos 4 M

(miscela, moinho, máquina e mão do barista). Bebidas à base de café,

equiparadas à obras de arte, dentro de um frenesi de jovens cosmopolitas

que no auge de suas criações intelectuais, tornam-se capazes de imprimi-

-la num microcosmo de uma xícara ou copo. Sedução, envolvimento, ma-

rketing no ponto de venda, glamour, gastronomia, num elo que finaliza

com chave de ouro o trabalho de uma cadeia formada por 10 milhões de

pessoas. O Barista deveria ser eleito o Presidente da República da Cafeicul-

tura Brasileira. Ele é o cara. Mas não é. Ele é apenas uma expressão da

leitura mecanicista em pleno século XXI, dentro de uma engrenagem, o

agronegócio café, que não exitará em substituí-lo por uma máquina, tão

logo seja possível, para reduzir custos trabalhistas. E quem é o barista no

Brasil, atualmente? Com exceção aos nomes que aparecem na linha de

frente, propagando atividade, os jovens brasileiros, de média e baixa renda,

desesperados pelo seu primeiro emprego.

Como profissional da área de Ciências Socias sou obrigada a ques-

tionar a longevidade dessa atividade que só exige perfeição nos tempos e

movimentos e alguma habilidade para desenhar usando calda de choco-

late sobre leite vaporizado. Recentemente os japoneses criaram um robô

barman que atende com perfeição. Isso significa que dentre em breve

criarão um barista robô também, com um banco de dados vasto disposto

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119

na sua memória, capaz de personalizar a xícara de espresso e cappuccino,

com a fotografia digital da gente mesmo, dentro de apenas 30 segundos.

Antecedendo a profissão em si, em termos de desenvoltura técnica,

deveria haver o reconhecimento legal da carreira, mas enfocando a cafe-

ologia. Um sommelier jamais será substituído por uma máquina. É esta

arte que o Brasil, como maior produtor de café do mundo deveria apoiar.

Não precisamos que os nossos garotos e garotas sejam treinados para

limpar bem o balcão, mas sim envolver o consumidor com uma gama de

conhecimentos que supera as limitações de uma máquina, e que realmen-

te reflita sofisticação e desenvolvimentismo.

Os campeonatos são bonitos, geram vencedores, mas no fundo, é

tudo inócuo, sem um sentido que traga modificações reais para os rumos

da história do desenvolvimento do Brasil. É trágico quando vejo jovens

trocando suas carreiras de nível superior por um trabalho que dentre em

breve será desmerecido, que equivale às linhas de montagem das indústrias

automobilísticas suecas, no modelo de produção em série média. Isso é o

desespero gerado por problemas macroeconômicos aparentemente sem

solução, que obriga as pessoas a fazerem qualquer coisa para sobreviver.

O Brasil precisa desenvolver o empreendedorismo, para garantir emprega-

bilidade combinada com business intelligence: os próprios regulamentos

dos concursos de baristas são limitadores, quando exigem que os concor-

rentes sejam empregados com carteira assinada, o que torna os concursos

bons somente para os donos das cafeterias e para as torrefadoras. Será

que não está na hora de começar a pensar diferente? Porque o barista

ganhador do nacional não pode ganhar um curso de administração com-

pleto em Harvard e um emprego garantido no Ministério da Agricultura,

no Departamento do Café, quando retornar, ao invés de um troféu dou-

rado e a foto publicada em algumas revistas especializadas do setor, que

passa e pode ser comparado ao frenesi momentâneo docarnaval?

Sinceramente, inteligência comercial é um insumo que na cafeicultu-

ra, compete com a escassez de fertilizantes. Os custos de ambos, na pla-

nilha final do agronegócio, geram impactos negativos semelhantes. Mas

cafeicultura ainda contribui com 6,3%do volume total dos resultados da

Balança Comercial Nacional. Há alguns anos atrás, era 60%.

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37Construção da sustentabilidade do café pela embalagem verde

Publicado em 31 de julho de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

No que diz respeito à sustentabilidade aplicada ao café, nada subs-

titui o pacotinho de papel, é, daqueles que só é possível adquirir quando

se compra café moído na hora. Contudo, apesar da nostalgia impressas

nas mesmas, em pleno século XXI, não se pode dispensar termos como

tecnologia e inovação, nas discussões sobre desenvolvimento de produtos

sustentáveis.

As embalagens de café atualmente são feitas de poliester ou polieti-

leno, de duas ou três camadas, com um revestimento de alumínio na face

interna mais a impressão com tintas coloridas, na sua face externa (a par-

te que enxergamos na gôndola do supermercado). Essa estrutura, em ter-

mos de visagismo, ainda depende da quantidade de soldas (três, cinco ou

sete soldas), que definem os seus formatos comerciais (single all à vácuo,

double all à vácuo, valvulada, almofada, pouch cinco soldas, stand up

pouch).Existem ainda as embalagens cartonadas e as embalagens em lata.

Com exceção a estas duas últimas, as demais, tem estreita relação com o

mercado de petróleo, em decorrência de um de seus subprodutos, a nafta

petroquímica, que dá origem aos plásticos que conhecemos.

A nafta petroquímica é um derivado do petróleo, com faixa de des-

tilação próxima à da gasolina e tem como principal característica sua liqui-

dez incolor. Desse líquido, são obtidos produtos como o eteno, propeno,

butadieno e correntes aromáticas. Do eteno e do propeno, se extraem os

plásticos. Isso é muito interessante para a compreensão da relação direta

das altas

do preço do petróleo sobre a planilha de custos da indústria de café

nacional, já que boa parte do petróleo leve, que gera esse derivado, é

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importado. O Brasil é autosuficiente em petróleo pesado, mais utilizado na

produção de óleo combustível.

É importante salientar a partir daí que, considerando que o petróleo

é um combustível fóssil não renovável, querendo ou não, verifica-se que a

indústria de café acaba indiretamente corroborando para o aquecimento

global, o que, sem dúvidas, coloca em xeque o seu programa de certifica-

ção de cafés sustentáveis. A embalagem atualmente utilizada, não é bio-

degradável e muito menos reciclável, especialmente no que tange à cober-

tura interna de alumínio que é imprescindível para a preservação das

características organolépticas do café e minimizar ao máximo, a sua

oxidação. Neste último quesito, ainda não há tecnologia disponível, o que

abre um precedente importante para pesquisas específicas no processo de

reaproveitamento do alumínio do interior das embalagens do café, já que

esse metal é reaproveitável e possui ciclo de vida infinito. Contudo, no que

tange às coberturas plásticas, uma novidade oriunda da cadeia agroindus-

trial da cana-de-açúcar, já foi desenvolvida. O polietileno verde, que é uma

tecnologia 100% nacional, desenvolvida pela Braskem.

O polietileno verde é o resultado de uma composição com 90% de

eteno e 10% de buteno, gases obtidos a partir do processamento da cana-

-de-açúcar, no caso, do etanol. Embora ele seja 30% mais caro que os

convencionais, o produto da Braskem é o único do mundo, feito com

matérias-primas 100% renováveis. Daí eu fiquei pensando no que seria

produzir um café realmente 100% sustentável. Na minha concepção ago-

ra, seria um café que respeita as pessoas (os trabalhadores e não usa mão-

-de-obra infantil), gera desenvolvimento econômico e não gera impactos

ambientais em nenhum dos elos existentes na cadeia produtiva (incluindo

a experiência de consumo em casa). Se toda a cadeia de valor do café for

sustentável, inclusive a embalagem, o marketing disso no mercado inter-

nacional, para a promoção do café brasileiro, é infinito. Café “Made in

Brazil” realmente sustentável... viajei... Tem tudo haver conosco, com a

nossa criatividade, com a pluralidade cultural e racial do brasileiro.

Porque a indústria de café não acordou para esse detalhe fundamen-

tal? É para deixar qualquer país do mundo mortinho de inveja da gente,

mesmo. O marketing de produto é feito de detalhes, especialmente quan-

do esses detalhes refletem uma Responsabilidade Social Corporativa fun-

damentada em tecnologia e protocolos de certificação realmente interes-

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sados em unificar a dimensão econômica com a construção de

relacionamento com a humanidade estendido ao longo do tempo.

Fica a idéia, que é muito melhor do que o velho discurso sobre a alta

do preço do cafezinho, fundamentada nas altas do preço da embalagem

oriunda do petróleo.

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37Cafeólogos: os caçadores de raridades

Publicado em 06 de agostode 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Se a qualidade do café do Brasil está melhorando, ninguém tem

dúvida disso. Além do barista, profissional responsável pela promoção do

consumo de cafés, por meio da difusão da arte do expresso, bebidas ge-

ladas e design de cartas de cafés, outro profissional começa a despontar,

como uma evolução natural dos tradicionais degustadores de café: o ca-

feólogo.

A cafeologia quanto atividade profissional é um desdobramento do

movimento de mercado que tem sido feito em prol do desenvolvimento

do mercado de cafés especiais em todo o mundo. Muito mais do que uma

ciência, ela é a arte de interpretar cafés raros, aromáticos, diferenciados.

Grandes cafés são como grandes vinhos, produzidos em condições

edafoclimáticas e ou modos de produção que oferecem a eles per-

sonalidade distinta e superior aos chamados cafés diferenciados, por serem

provenientes das chamadas terroirs d’ appellation. O novo vocábulo, já

inserido no dicionário francês Larousse, foi apresentado pela primeira vez

em Paris aos segmentos de alta gastronomia e hotelaria, em 11 de abril de

2002, pela Dra. Glória Montenegro, atual diretora da Associação de Cafe-

ologia Conhecedores do Café ou Cafeoteca de Paris. Atualmente, no Bra-

sil, só existem dois profissionais que se intitulam cafeólogos, mas na ver-

dade, tal como a profissão de barista, esta nova profissão decorrente da

evolução rumo à qualidade, impressa no contexto do agronegócio café,

ainda é um evento novo, que demanda regulamentação, para adquirir uma

face economicamente marcante. Contudo, já é possível descrever alguns

aspectos interessantes dessa carreira, que conjuga o barismo, a classifica-

ção e degustação e uma ampla bagagem cultural.

O cafeólogo assemelha-se a quatro profissões que lidam diretamen-

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te com aromas: o enólogo, o perfumista, o aromista e o oleólogo, que são

os profissionais especializados na arte da “leitura e desenvolvimento” de

vinhos, perfumes, aromas e azeites, conforme pode-se observar no Quadro

1, que versa sobre as categorias profissionais.

Quadro 1: Categorias profissionais

Enólogo

Atua em atividades ligadas à fabricação de produtos ali-mentares e bebidas, mais especificamente, vinivitinicultura. Realizam análises sensoriais em derivados de uvas e vinhos para avaliar sua qualidade e suas características. Sua função também lhe permite coordenar atividades de viticultura, re-comendando variedades de uvas, sistemas de condução e espaçamento de vinhedos, práticas de cultivo e tratamento de videiras e analisando índices de maturação de uvas para estabelecer prazos para colheita.

Perfumista e aromista

Atuam em atividades ligadas à fabricação de produtos quí-micos. Suas atividades incluem a avaliação do perfil sensorial e a estabilidade de aromas e fragrâncias, após sua aplicação em produtos. Pesquisam e testam novos ingredientes para formulações de aromas e fragrâncias, obtidos através de rea-ções químicas, biológicas e enzimáticas. Tanto elabora pro-cedimentos para a produção de novos aromas e fragrâncias quanto identificam causas de falhas em aromas, fragrâncias e bases.

Oleólogo

Atua em atividades relacionadas à produção e seleção de óleos e azeites, sendo responsáveis pela análise sensorial, controle de qualidade, tal como acontece no segmento de vinivitinicultura.

Cafeólogo

Tem na cafeicultura a mesma função do enólogo, sendo uma evolução da atividade de desgustador de café, combinada com a arte do barismo. A diferença do cafeólogo para o de-gustador é a expertise do primeiro na arte da apreciação de cafés finos e raros, provenientes de denominações de origem ou regiões sui generis.

Fonte: Senai (2006); Prato Feito (2006); Associação de Cafeologia Conhecedores do Café (2006).

Tal como os demais profissionais, cabe ao cafeológo o domínio dos

aromas que compõem a roda de aromas do café, composta por 36 aromas

básicos, o sistema de classificação internacional, que atualmente segue o

padrão da SCAA e SCAE, que vai de zero a 100, conhecimentos sobre

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torra e respectivamente, técnicas de preparo da mesa para degustação dos

cafés raros e exóticos, conhecimentos sobre sistemas de produção, colhei-

ta e pós-colheita, bem como a arte do barismo e especialmente.

Fundamentalmente, o trabalho do cafeólogo demanda a combinação

de habilidades físicas (visuais, gustativas e olfativas), na tentativa de iden-

tificar nuances que fazem de determinado café, um produto exclusivo. Por

exemplo, no Brasil, pode-se considerar a exclusividade da acidez cítrica

presente nos cafés produzidos na região da Alta Mogiana (SP) e no Cerra-

do Mineiro (MG), que é a primeira Denominação de Origem do país. Essa

peculiaridade, faz com que, independente do ponto de venda, qualquer

consumidor, ao experimentar cafés dessas regiões, possam identificar sen-

sorialmente sua procedência, em função da característica indelével do pro-

duto servido na xícara.

O diferencial dessa carreira em relação ao barismo, conforme expus no

meu artigo “Barismo na Realidade Brasileira” é a sua longevidade frente à

evolução tecnológica e sofisticação em termos profissionais, principalmente

em termos de remuneração para quem optar em seguir essa carreira.

Infelizmente, as médias salariais divulgadas por algumas entidades

que propagam o barismo, não são condizentes com a realidade. Como

acreditar que um barista em média pode ganhar R$ 1.500,00, dado este

divulgado por instituições ligadas ao agronegócio café, quando mediante

pesquisa junto ao Banco Nacional de Empregos (BNE) e as principais em-

presas de recolocação do país, a média nacional é de R$ 749,00? Nos úl-

timos três anos, tenho militado na área de gestão de pessoas e o que mais

se ouve é a questão da relação custo/qualidade da mão-de-obra.

Na maioria dos casos, conforme pesquisa que também realizei junto

às agências de recolocação on-line, o perfil preferido para o exercício do

cargo de barista é nível médio, com experiência até 02 anos, com salários

oscilando entre 01 e 02 salários mínimos. É válido ressaltar que boa parte

das cafeterias não tem faturamento superior a R$ 100.000,00, o que equi-

vale uma venda mensal de 3.333 quilogramas de café, por mês (equiva-

lente à 466.620 xícaras de espresso vendidas, considerando aqui que um

quilo de café produza 140 xicaras da bebida, usando 7 gramas de pó).

Na ponta do lápis, pode-se se dizer que um barista custa à empresa

aproximadamente 225 xícaras de café espresso, se estas forem remunera-

das a R$ 6,00 cada uma. Se a xícara de espresso custar R$ 3,50, são ne-

cessárias 386 xícaras de café vendidas. Esses valores levam em considera-

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ção os impactos dos encargos trabalhistas, que por sinal, são os grandes

responsáveis pela gradativa substituição dos profissionais de nível superior

que estão militando nessas funções por profissionais de nível médio, pelo

menos. Infelizmente, nem todo o empresário coloca a qualidade antes do

bolso, mesmo porque o último é que de fato financia o primeiro.

Daí, minha ênfase no investimento na carreira de cafeólogo, em de-

corrência de um conjunto de atributos que a profissão reúne, impossíveis

de serem menosprezados ao longo do tempo, mesmo com ampla oferta

de mão-de-obra especializada.

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38Heráclito e o dilema da insegurança alimentar

Publicado em 18 de agostode 2008

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

A navegação pelas águas da História remete necessariamente à revi-

sitação da civilização grega e em especial, o pensamento de alguns impor-

tantes filósofos, como Aristóteles, Platão, Sócrates e até mesmo Heráclito.

Este, conhecido como pai da dialética jônica, desafia o homem/a

mulher contemporânea a refletirem sobre a essencialidade e a acidentali-

dade dos elementos que compõem o ciclo da vida. O rio, sempre será o

rio, essa é a essência, contudo, o movimento ao longo do percurso, o

acidental, somente está lá, porque favorece a mudança, que desnuda o

futuro.

Não assumindo aqui às vezes de filósofa, esse tão contemporâneo

raciocínio importa, quando se pondera sobre um elemento fundamental

para a preservação da vida humana que é a saciedade do corpo por meio

do alimento. Como transcender a desigualdade alimentar que afeta mais

de 850 milhões de seres humanos em todo o planeta, se talvez estamos

diante de um cataclisma acelerado, que é o aquecimento global? Será que

a natureza é realmente a madrasta da tragédia ou é a própria mão do

homem que coordena as regras do capitalismo? Recentemente, comecei

a ponderar sobre isso, principalmente quando observo a construção histó-

rica da mais relevante rodada de negociação que envolve a agricultura, a

famosa Rodada Doha, que este ano completa seu sétimo aniversário.

Atualmente, a rodada assumiu o posto deessencial, quando na ver-

dade, deveria ser tratada como uma acidentalidade no curso do rio cha-

mado “Agronegócio Brasileiro”. O mar, chamado mercado, está logo mais

ali à frente, mas alguns desfiladeiros precisam ser enfrentados com requin-

tes de elegância e supremacia empresarial. Atualmente, garimpamos o

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128

represamento como alternativa de acordo diplomático, envolvendo a ten-

tativa de criação de pontes entre países emergentes e países desenvolvidos,

na expectativade alocarmos mais euros e dólares para o mercado nacional,

por meio da quebra dos subsídios agrícolas. “Quebrem os subsídios agrí-

colas, que quebramos o protecionismo à indústria nacional”: essa é a bar-

ganha em processo de design, que não é boa, em termos de acordo. Johan

Galtung (professor e fundador do Instituto de Pesquisas da Paz, em Oslo)

expõem muito bem que acordo é estratégia de pobre, que não tem capa-

cidade de ver além do conflito nem tampouco o transcende.

Enquanto o Brasil não transcende essa arena, insistindo em conferir

valores acidentais à rodada, esquece-se do essencial investimento em in-

teligência comercial e na construção de uma marca internacional que con-

ferirão a longevidade comercial anseada pelos milhões de membros que

compõem o agronegócio nacional, os europeus transcendem liberando 1

bilhão de euros para investimentos no futuro grande concorrente brasilei-

ro na área agrícola, o continente africano. E por que as cartas estão lança-

das dessa maneira? Porque a segurança alimentar é essencial para eles. É

uma essencialidade historicamente construída. A acidentalidade na seleção

da origem para a aquisição de produtos de base alimentar não importa.

Essencial é a disponibilidade da oferta para sustentar a dieta e uma políti-

ca de preços

compatíveis com a realidade deles. Em suma: o rio de lá chegará ao

mar de qualquer forma. Com ou sem aquisição de produtos brasileiros.

Não há temeridade em relação à África, quanto vislumbrante possível

futuro celeiro de alimentos do mundo. A maioria dos famintos do planeta

estão lá e uma agricultura pujante seria uma mudança magnífica em ter-

mos de restauração da dignidade humana daquelas pessoas devassadas

pela pobreza absoluta, infernal. Contudo, é preciso olhar a agricultura

nacional com os olhos do marketing e a dinâmica da estratégia, de forma

puramente empresarial, em nível de governo brasileiro.

O Brasil ainda não dispõe de uma marca capaz de conduzir um con-

sumidor de qualquer parte do mundo a dizer: “quero made in Brazil”. Não

somos sinônimos de nada, exceto à pecha de destruidores da Floresta

Amazônica. Pessoalmente, acredito única e exclusivamente naquele dife-

rencial competitivo frente às vantagens comparativas dos outros. O marke-

ting de marca, conjugado com toda a excelência até então construída

dentro da fronteira agrícola brasileira é o elemento de sedução que nos

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129

falta. Em suma, a conquista do consumidor estrangeiro, que, no final das

contas remunera o esforço do produtor nacional, com dólares, euros, yens,

yuans, é o único caminho. Os desafios, inclusive orçamentários, são muitos,

mas o mar está logo mais ali à frente.

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130

39Do bairrismo ao drawback: um registro

sobre uma mudança de paradigmas no coração da cafeicultura mineira

Publicado em 21 de agostode 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Amanhã, será lançado no município de Lavras, mais especificamente

na Universidade Federal de Lavras, o plano de negócios do Pólo de Exce-

lência do Café. Este projeto, desenvolvido numa ação bipartite entre as

Secretarias de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Ciência, Tecnolo-

gia e Inovação, prometem dinamizar o agronegócio café mineiro, colocan-

do Minas Gerais numa posição de vanguarda e liderança ao longo de todos

os elos que compõem esta cadeia produtiva no Estado, que já detém a li-

derança brasileira na exportação.

Bom, mas este artigo não é exatamente sobre o Pólo de Excelência

do Café. Mas sim sobre uma fala do atual gerente do Pólo de Excelência

do Café, o engenheiro agrônomo Ednaldo José Abrahão, publicada hoje

no caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas, que transcrevo a

seguir: “De acordo com o gerente executivo do Pólo de Excelência do

Café, Edinaldo José Abrahão, não basta a Minas liderar a produção de

café, é preciso agregar valor ao produto utilizando a ciência, a tecnologia

e a inovação. (...) No aspecto de agregação de valor, a formação de blends,

que é a combinação de grãos de diferentes regiões produtoras é uma

necessidade. “O mundo não toma café puro, por isso precisamos importar

grãos de outras regiões produtoras para fazer o que a Alemanha faz”,

argumentou o gerente executivo do pólo.” (Fonte: Café ganha Plano, Ca-

derno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas, 18 de agosto de 2008).

Neste trecho supra, registra-se uma das maiores modificações de

paradigma da política cafeeira mineira, pois ela é uma expressão de mu-

dança profunda no coração da cultura da Emater-MG, no que tange ao

Page 131: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

131

café: a aceitação do drawback. Para quem vivenciou a política cafeeira

mineira como tive oportunidade, isso é um salto importantíssimo, porque

a Emater-MG, no seu braço da cafeicultura sempre foi contra até a produ-

ção de cafés blendados com robusta capixaba e rondoniense. A tese era

do café 100% arábica, passando a largo da idéia da importação de cafés.

E o drawback era o que faltava para que o agronegócio café se tornasse

uma plataforma global de cafés que algo que defendi desde a primeira

linha que escrevi sobre o agronegócio café. Finalmente: a tese da compe-

titividade vence, devidamente chancelada pelo coração cafeicultor da

Emater-MG, Ednaldo Abrahão, que no momento atua como gerente do

Pólo de Excelência do Café, sediado na UFLA, que diga-se de passagem,

sempre comungou com o discurso ematerista. É certo que muitos poderão

dizer que um homem ou uma instituição podem mudar de idéia, mas tal

declaração é um divisor de águas, que coloca a indústria de café na dian-

teira, com ou sem prejuízo a produção de café realizada dentro das fron-

teiras mineiras.

Aos cafeicultores, sejam de pequeno, médio e grande porte, somen-

te posso recomendar a certificação para manutenção dos seus negócios

no médio prazo e desejar boa sorte na sua real inserção no mercado inter-

nacional.

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132

40The attraction of the Brazilian coffee market

Publicado em 25 de agostode 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Since the 1970s, the Brazilian coffee market has been experiencing

vigorous internationalization. The process was initiated by the German

Melitta, the first foreign firm to enter the domestic market, followed by

the purchase of the traditional União group by the American Sara Lee in

the 1990s. In the meantime, the Italian Illycafe was spreading the espresso

concept in a market used to trading percolator coffees with minimal con-

cern for quality – which undoubtedly revolutionized the commercialization

and distribution of coffees with high value added, as well as the way they

were consumed: in doses. Still in the 1990s, Strauss-Elite (Israeli) and

Segafredo Zanetti (Italian) acquired the Três Corações and Itambé brands,

respectively (though the former was reacquired by the Brazilian Santa Clara

soon after 2000). Finally, the last four year shave witnessed the arrival of

the American Starbucks, the Italian Espressamente (which belongs to Illy-

cafe), the Swiss Nespresso and the Italian Lavazza, which purchased Café

Terra Brasil on the 21st of April of 2008.

But why so much foreign interest in Brazil? The answer is essentially

threefold: the economic growth of the country, the profile of its population

growth and its tradition as a coffee consuming nation.

With an estimated population of 186 million, an average birth rateof

21.2 per thousand in habitants, an average life expectancy of 68years

(IBGE, 2008) and an estimated 4.8% growth rate for 2008 (Banco Central,

2008) – thus making it acceptable to project a growth of per capita income

similar to that observed in 2007 (4%),as well as an expansion of per cap-

ita coffee consumption equal to74 liters (5.53 kg) – the Brazilian market

has become an oasis,mainly with regard to consumption outside the home.

In fact, for the food sector, Brazil is the fifth largest market in the world,

and contrary to European markets, has sufficient elasticity to cope with the

Page 133: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

133

rising demand. According to data from InterScience, approximately 36%

of the Brazilian population consumes coffee outside the home. This infor-

mation directly converges with the mode of internationalization adopted

by the leading world enterprises, which generally limit their investments in

Brazil to opening distribution channels for their own brands, mainly in the

Center-South region.

By adhering to this model to expand into the Brazilian market, the

large international firms remain highly resilient, given the possibility of their

processing beans from around the world at plants in their home countries

and subsequently exporting the industrialized products to Brazil, where

coffee of foreign origin is not yet subject to specific sanitary requirements.

In addition, they need not assume the cost of installing plants in the coun-

try, for Brazil has neither technical or tax barriers to the importation of

industrialized coffees. Taken together, these factors dramatically reduce the

cost of gaining access to the domestic market. From the standpoint of

Brazil, the drawback of the scheme refers to capital flight, considering that

both the dollars derived from industrial value added and the possibility of

creating new job posts remain abroad and not in Brazil.

At any rate, it is evident is that the international brands compete with

Brazilian brands for a consumer niche where the price of a cup of coffee

is up to six times more than in other segments. Inaddition, the consumer

is far from faithful, including to his wallet, when it comes to having an

experience that joins pleasure, sophistication and gastronomic multiplicity.

A classic example is therecent frenzy in São Paulo for the Javanese Kopi

Luwak: the “experience” involved drinking a cup of coffee processed in

the intestinal tract of a cat native to the Island of Java (cost per cup: R$

100). The product, held to be the rarest, the most exotic andthe most sa-

vory in the world of coffee, costs a trifling R$ 2 per kg. In contrast, the

prices of domestic gourmet coffees range from R$ 20 to R$ 120 per kg.

It is also clear that, if the Brazilian market is truly ready to absorb such

novelties, the domestic coffee industry should reorganize so as to prepare

itself to face strong competition financed at extremely low international

interest rates; for despite the fact that the 20 largest plants in the country

now process over 65% of the coffee sold on the domestic market, the

profile of the sector still greatly depends on small and medium-sized plants.

The certification programs currently in operation in the country, with their

emphasis on quality and sustainability, indicate that the sector is indeed

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134

adapting to the new environment, chiefly by making efforts to reshape the

domestic consumer culture. In this sense, although coffee continues to be

a simple luxury, it should be capable – as Voltaire might have said – of

creating great passions, to the point of the consumer regarding it as more

delightful than athousand kisses.

Page 135: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

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41Quando o santo de casa pode fazer milagre

Publicado em 15 de outubro de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Embora a expansão do consumo fora do lar venha crescendo em todo

o mundo, nunca aquele consumo feito na cozinha de casa, no caso brasilei-

ro, foi economicamente tão importante. Há uma crise mundial lá fora, que

compromete veementemente a oferta de crédito em nível internacional,

gerando como conseqüência direta, a falta de capital de giro, fundamental

para o bom funcionamento de qualquer tipo de empreendimento, especial-

mente ligado à sistemas agroindustriais. Contudo, no Brasil, o café é produ-

to de cesta básica e faz parte do hábito alimentar de 96% da população

nacional, fazendo do nosso país o segundo maior mercado consumidor per

capita do mundo. Isso implica na descoberta de um monte de coisas boas,

ainda que em momentos de turbulência. Vamos ao gráfico.

Evolução do Consumo Interno de Café no Brasil

(milh

ões

de

saca

s)

Ano - período: novembro - outubro

Fonte: ABIC, 2008

Por meio da análise do gráfico “Evolução do Consumo Interno de

Café no Brasil”, é possível verificar que mesmo em momentos de crises

Page 136: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

136

internacionais graves (indicadas com a seta azul), como as que ocorreram

em 1994 (Crise do México), 1997 (Crise da Ásia), 1998 (Crise Russa) e 2000

(Crise Argentina), o consumo per capita de café no Brasil não caiu, mesmo

sem a ausência de investimentos em marketing institucional sobre o pro-

duto no referido período.

Pessoalmente, não considero que haja uma crise idêntica à crise de

1929, que historicamente, representa um trauma profundo na história da

cafeicultura brasileira. O cenário é outro e atualmente, dispõe-se em mãos

de um lastro chamado de mercado interno.

Não haverá queima de café e muito menos quebra de bolsa, mesmo

porque temos atualmente a BMF/Bovespa que é a 5ª bolsa de mercadorias

do mundo e não estamos mais vivendo em 1933. O desaquecimento que

ora é percebido é decorrente da retração da ação dos investidores: todos

estão com medo, mas é preciso ter confiança, porque o problema da ca-

feicultura brasileira não é recente. Há muito o setor está imerso em dívidas,

mas pessoalmente acredito em vendas como mecanismo de sustentação

de uma parte significativa do setor no mercado nacional. E ante a instabi-

lidade, torna-se “normal” a volta da aposta na estocagem do produto e a

apreensão dos produtores, criando um problema de acesso à matéria-

-prima também para o mercado interno.

Fora a estocagem, que revela uma estratégia defensiva, há a possibi-

lidade do segmento também lidar com a questão da redução da produção

para a safra 2008/2009. Essa retração, esperada inclusive em âmbito mun-

dial, conforme anunciado pela Organização Internacional do Café na últi-

ma semana, é decorrente de uma combinação de fatores de longo prazo,

como por exemplo, a relação escassez de oferta de fertilizantes e a insta-

bilidade do câmbio, que se tornou mais intensa com efeitos radioativos da

crise norte-americana, que acabou impactando negativamente sobre pra-

ticamente todas as economias mundiais.

Contudo, o cenário acena para esse tradicional segmento produtivo

nacional, a importância quanto à fundamentação de lastro de consumo

no mercado interno, como estratégia de sobrevivência frente à turbulências

internacionais. Seria importante, que além do adiantamento da liberação

dos recursos do Funcafé, os leilões da CONAB fossem intensificados, de

modo a favorecer o escoamento inclusive de uma parte do café para ex-

portação, no mercado nacional. Evidentemente, cairiam os preços do pro-

duto nas gôndolas dos supermercados, mas o subsídio estatal é fundamen-

Page 137: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

137

tal nessas horas, para garantir um mínimo de capital de giro ao setor,

conferindo-lhe, assim, fôlego. Funciona bem no caso do frango, pode

funcionar também no caso do café.

Evidentemente, que tal sugestão depende de análise individual em

cada planta industrial, pois a analista aqui, desconhece a planilha de custos

de todas as 1240 torrefações brasileiras, 08 indústrias de solubilização e

2.500 casas de café que existem no país. Mas o que se pretende aqui é

demonstrar que a estratégia da “força tarefa” pode funcionar bem e aliviar

os impactos da crise pelo menos um pouquinho, intensificando a ação das

forças de vendas de cada tipo de processador atualmente sediado no país

e quem sabe, ampliando o investimento em marketing institucional e in-

dividual sobre o café e marcas respectivamente. Marketing em momentos

de crise sempre é uma boa salvaguarda, desde que planejado sabiamente.

Esse fator, o marketing, tem um papel crucial no comportamento de

consumo. Há realmente uma necessidade de se investir em marketing

junto ao mercado interno, mas sem bailarina e adaptação de tico-tico no

fubá, no “ritmo do Brasil”. É preciso comunicação direta, falando com a

dona de casa, sem muita sofisticação, mas com um som que não saia da

cabeça. Embora o setor queira se sofisticar é preciso ter em mente que

quem toma café em volume no Brasil são as classes C/D/E, que têm na

bebida uma parte estratégica da sua alimentação e que não vêem na be-

bida um supérfluo. Dos 17 milhões de sacas processadas e

comercializadas no Brasil, somente 3 milhões são consumidas pelas

classes A/B. Para o consumo de 15 milhões de sacas, pasmém, não há

necessidade de máquinas de espresso, nem certificação, nem de glamour:

basta carinho, sentimento de amizade, uma colher, um coador e uma

garrafa térmica para receber o símbolo do Brasil na sua forma fluída e

aromática,

persuadindo em seguida inúmeros paladares, com o selo da amizade,

da receptividade, que são características tão brasileiras.

No caso do mercado externo, o segmento realmente terá de aguar-

dar até que o câmbio se estabilize e volte a converter o Brasil numa boa

praça para negociação global. Até lá, vender em reais é uma alternativa

importante, pelo menos em partes, porque a exportação tem característi-

cas distintas em termos de negociação. Contudo, deve-se observar que a

idéia de desenvolver o national brand do café brasileiro torna-se cada vez

mais veemente.

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42Água, o alicerce da cafeicultura

Publicado em 29 de outubro de 2008

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Há relação entre ursos polares em processo de extinção e a água

usada para cultivar, lavar o coco ou descascar a fruta, resfriar o café no

torrador com vapor, e no preparo do cafezinho, espresso ou qualquer

bebida a base de café? Ao que parece sim e muito. Ante a mais longa

estiagem já vista em todo território nacional, castigando as veredas brasi-

leiras com períodos superiores a 60 dias sem precipitações, eis que os

agentes da cadeia agroindustrial do café deparam-se com o seu mais im-

portante desafio: a adequação do seus modos de produção ao crescimen-

to da demanda em relação à oferta da cada vez mais escassa de água

doce.

O Brasil, em pouco mais de 17 anos, consolidou-se como a fronteira

da qualidade: houve o boom dos cafés especiais, os baristas surgiram e até

a Starbucks (rede americana de cafeterias) acabou chegando aqui. A mú-

sica “qualidade”é uníssona e tem se desdobrado em programas de certi-

ficação, comoo recém-implantado Código Comumpara a Comunidade

Cafeeira(4C), que está chegando no Brasil, digamos, a toque de caixa.

Todos falam de sustentabilidade, os programas de certificação têm na sus-

tentabilidade seu mais forte princípio, contudo, a água, que é a chave de

tudo, só aparece na pauta quando a seca sobre as lavouras

cafeeiras brasileiras causa frisson na Bolsa de Nova York (ICE USA).

Falar sobre escassez de água, requera revisão de conceitos dos quais

o mercado brasileiro não está disposto a abrir mão. Como por exemplo,

parar de produzir café para se especializar em produção de água. Daqui a

pouco a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) criará um contrato para a

água, a exemplo do que já vem criando para os créditos de carbono. Em

breve, se continuarmos como estamos, ela será mais valiosa do que o

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139

petróleo ou o etanol. Com bases contratuais, nos obrigamos à eficiência,

em razão do custo do desperdício.

Neste verão, o Ártico, pela primeira vez na sua história, foi “brinda-

do” por temperaturas que bateram a casa de 22 graus positivos. As pro-

jeções indicam que, até 2060, não exista mais gelo sobre o Oceano Ártico,

e a elevação do nível do mar deixe de ser medida em milímetros, como é

comumente feito, para ser em metros. Na China, especialistas já apontam

um colapso de falta d’água para daqui a menos de cinco anos, obrigando

parte da população a consumir água de reuso tratada, proveniente de

esgotos.

No caso do café, o impacto do aquecimento global e da falta de água

podem ser sentidos no curto prazo. A falta de chuvas durante o período

da florada e firmamento dos “chumbinhos”, causou uma modificação do

comportamento de investidores na ICE USA, criando uma nova perspecti-

vapara o chamado “Mercado de Clima”. Para quem acompanha as cota-

ções de perto, pôde perceber que a volatilidade foi mais intensa agora

durante o período de seca que assola as lavouras cafeeiras brasileiras, do

que no período tradicional de inverno, quando as possibilidades de geada

criavam cenários altistas extramente remotos (safra 2006/2007).

O déficit hídrico computado pela Fundação Procafé, situada em Var-

ginha foi de 511,5mm (dados relativos a setembro, mensuração no solo

– Estação Experimental em Varginha), considerada uma marca recorde.

Observa-se que mesmo os economistas e analistas de mercado estão ten-

do de rever os seus conceitos fundamentalistas, porque o ambiente mudou

e tem tudo para se agravar no campo ao longo dos anos. Se faltar água,

nem

irrigação será possível, apesar dos investimentos da Embrapa no de-

senvolvimento de variedades climaticamente adaptadas a regiões tradicio-

nalmente fundadas sobre históricos de déficits hídricos severos.

Com a seca, as estatísticas de elevação de consumo no Brasil podem

naufragar por uma única razão: o câmbio. Infelizmente nessas horas, o

fator ambiental não pesa tanto: o negócio são as planilhas financeiras

mesmo, o bolso. E a falta de água nesse sentido, só agrava a questão,

comprimindo a oferta ante a crescente demanda mundial de café. No fim,

quem dará as cartas será o mercado comprador, que terá de fazer esforços

adicionais para satisfazer seus consumidores tradicionais. Estamos a cami-

nho da liderança mundial, com meta

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estabelecida, segundo os entendidos no assunto, para 2010. Vere-

mos se São Pedro, o mercado internacional, a Fazenda e o Banco Central

deixam... A meta é boa, mas quando se fala de estratégia, algumas variá-

veis incontroláveis podem surpreender e frustrar a emoção dos torcedores.

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43Cafeicultura: há idéias melhores

que a moratória

Publicado em 03 de novembro de 2008

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Não é possível estabelecer uma crítica à postura dos Sindicatos de

Minas Gerais que anunciaram ontem, a moratória de suas dívidas. Este

grupo representa o elo fraco do agronegócio café, que por paixão, insiste

em manter-se na atividade, ainda que assumindo para si, a realidade da

inviabilidade financeira. Infelizmente, a cafeicultura brasileira não se pro-

fissionalizou tanto assim, a fim de melhor aproveitar as benesses do Novo

Código Civil, como a recuperação judicial, mas eu acredito que toda a

crise nos obriga à mudança para melhor. É uma regra da vida: somente são

diamantes aqueles pedaços de carvão que resistiram à forte pressão im-

postas pelas placas tectônicas que formam nosso planeta.

A cafeicultura está na UTI há muito tempo. A crise americana somen-

te a acentuou. Por isso mesmo, a idéia da moratória é completamente

arriscada, por implicar no futuro próximo, no

comprometimento da reputação do setor. A razão é simples: além

das instituições bancárias que repassam os recursos liberados pelo Gover-

no Federal, quem financia a produção são as empresas de insumos e de-

fensivos agrícolas, que negociam CPR com os produtores.

Moratória, portanto, não é a melhor solução, porque este ato atinge

de morte a reputação do setor, de forma muito grave. Se houver morató-

ria agora, ano que vem as coisas tentem a se complicar, com a total retra-

ção do crédito, oriunda do clima de desconfiança instalado. Quem não

confia, não empresta e não vende a prazo. É preciso lançar mão de estra-

tégias de negociação, mesmo que isso envolva entrega de produto agora

como garantia real do negócio. No curtíssimo prazo, com a retração de

recursos financeiros especialmente de terceiros, não dá para fazer muita

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142

coisa, exceto esperar e negociar a dívida com sabedoria. Como disse re-

centemente o presidente francês que também é presidente da União Eu-

ropéia, Nicolas Sarkozy, há algo pior do que a crise econômica: o aqueci-

mento global. O primeiro é reversível, o segundo não.

Embora eu desconheça o teor da Agenda Estratégica da Cafeicultu-

ra, chancelado no último dia 30 de outubro pelo CDPC, sem consulta

pública, gostaria de oferecer algumas idéias para minimizar nos próximos

24 meses os efeitos da crise econômica que o mundo todo atualmente

atravessa que gera no momento, uma acentuação do cenário pessimista

do agronegócio. Ao mesmo tempo, as idéias se tratam de proposições

positivas e inovativas, que podem conduzir o agronegócio café brasileiro

a um novo patamar.

1. Safra Zero subsidiada. – Como 2009 será um ano de baixa biena-

lidade, o governo brasileiro poderia subsidiar até 50% das lavou-

ras cafeeiras brasileiras, que adotarem sistema de podas severas

este ano, visando a redução de custos e ao mesmo tempo,retração

da oferta de café no mercado.

2. Incubação gerencial de propriedades cafeeiras de pequeno e mé-

dio porte - Em parceria com o SEBRAE, SENAI, cursos de adminis-

tração e governos federal e estadual, promover a incubação das

propriedades cafeeiras de pequeno e médio porte, para que estas

atinjam a excelência na gestão de seus custos, num prazo de cin-

co anos.

3. Vinculação da liberação de financiamento oriundos do FUNCAFÉ

para o setor à apresentação de um plano de negócios, com pres-

tação de contas trimestrais às instituições financeiras. O planeja-

mento é a alma de qualquer negócio e sempre oferece âncoras

para os piores momentos de crise. Por meio da obrigatoriedade

junto ao agente financeiro, seria uma questão de tempo até que

todos os cafeicultores que buscam financiamento, conhecerem a

fundo sua planilha de custos. Ao mesmo tempo, haveria um in-

cremento vasto na sabedoria dos tomadores de decisão das pro-

priedades rurais.

4. Programa de estímulo à indústria para modificação do sistema de

compra de café, em nível nacional – promover a integração das

indústrias com os produtores, para que estas corroborem com a

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aquisição antecipada da produção do café, nos moldes que já são

utilizados nas indústrias do fumo, avicultura e suinocultura.

5. Certificação, certificação, certificação.

As outras medidas que já vem sendo tomadas como a formação de

estoques reguladores (procedimento que nunca deveria ter acabado, por

se tratar uma regra de garantia para a segurança alimentar), assim como

as liberações de recursos para financiamento são formas de minimização

dos impactos da crise no curto prazo, mas também precisam ser readequa-

das ao novo ambiente global, por se tratarem de estratégias antigas, que

a cada ano, perdem sua vitalidade.

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44País tem suporte e resistência

Publicado em 03 de novembro de 2008

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Em meio a qualquer crise, todo mundo opina tentando compreender

o que aconteceu, pois o raciocínio conjugado à prática corrobora para a

alavancagem necessária para a superação da fase aguda de um tipo de

sismo que sempre anuncia o desmoronamento do sistema capitalista. Mais

uma vez, infelizmente, o mundo depara-se com os ‘tremores’ que colocam

em xeque a compreensão sobre tal sistema econômico: a crise americana,

epicentro do atual abalo econômico global.

A metáfora com o terremoto tem lá seus motivos: na natureza, os

abalos sísmicos, mensurados pela Escala Richter, têm um papel importan-

te na movimentação das placas tectônicas, permitindo o surgimento, por

exemplo, de novos relevos na crosta terrestre, como novas cadeias de

montanhas. Considerando Wall Street o epicentro do atual sismo econô-

mico que assola o mundo e ao mesmo tempo expõe as mazelas da econo-

mia americana, torna-se possível perguntar se tal decadência permitirá a

emersão de novas lideranças econômicas globais, oriundas do bloco dos

chamados emergentes. O Brasil teria em meio a tal sismo, a sua

grande chance de se firmar como economia de primeiro quilate?

Essa pergunta é inquietante, mas é certo que ao longo de toda a

história, nunca o país esteve em condições tão favoráveis para consolidar

sua posição em meio a uma crise do tamanho da que está acontecendo.

Pode ser até um excesso de otimismo, mas nas crises anteriores o país

ainda não dispunha de reservas petrolíferas como as que foram recente-

mente descobertas, capazes de gerar divisas de grande vulto. Ao mesmo

tempo, a participação do agronegócio no mercado internacional não era

tão intensa como o é agora, especialmente em mercados como a China e

a Rússia ou ainda a União Européia, que vez ou outra nos sanciona. Sem

dúvida, há uma escassez de crédito no mercado interno, reflexo do que

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145

ocorre em todo o mercado internacional, o que pode comprometer a cur-

to prazo o desempenho das empresas nacionais.

Será que este não se trata do primeiro grande teste da nossa econo-

mia em um contexto que pode vir a se tornar favorável para o país? Veja-

mos o cenário: recessão americana atingindo o mercado europeu e parte

do mercado asiático, assinalando a retração de crédito e consequentemen-

te, criando campo para impactos futuros próximos sobre a oferta global

de alimentos. Rodada de Doha enfraquecida, mas em suave processo de

retomada. Ao mesmo tempo, retração da oferta de petróleo em nível glo-

bal, combinada com a pressão imposta pela própria natureza, por meio do

aquecimento global. Brasil pela primeira vez atravessando uma crise sem

realização de empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional e com

alinhamento político favorável junto aos países do chamado G-77.

Como genuína brasileira, acredito que ante tal cenário, temos supor-

te para agüentar condições de acirramento do ambiente de mercado. É

preciso que o governo, após garantir a estabilidade na fase aguda da crise,

com as oscilações malucas da fuga de capital e das cotações do dólar,

utilize o ambiente para acertar acordos bilaterais com o máximo de nações

que puder. Essa praxe de comércio independe do sucesso de acordos mul-

tilaterais, como o caso da Rodada de Doha, que depende de um ajuste

mais intenso entre interesses nacionais.

Questões de investimento de médio e longo prazo à parte, tal crise

abre precedente importante para o Congresso brasileiro finalizar a reforma

tributária para favorecer a competitividade de nossas empresas, ato que

depende exclusivamente de vontade política. Ao mesmo tempo, é neces-

sário reverter tal captação tributária em favor do incremento das condições

de vida dos cidadãos que aqui residem, otimizando o consumo e ao mes-

mo tempo o acesso a serviços essenciais (saúde, educação, estradas),com

nível de qualidade de vida mais alto.

Já está passando da hora do Brasil ser tratado com a responsabilida-

de necessária, porque ele, assim como nós, está pedindo para crescer de

forma estruturada. Basta apostar na eficiência na gestão pública, na trans-

parência, no bem-estar do povo, na ética, para que somente as coisas

boas comecem a acontecer.

É preciso observar com carinho o caso dos Emirados Árabes, um dos

grandes produtores de petróleo mundial, que já está preparando sua eco-

nomia para um futuro próximo, onde o ouro negro não mais fará parte de

Page 146: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

146

sua pauta de exportações. É preciso apreciar o cuidado da Índia, no que-

sito formação de pessoas ao longo dos últimos anos, que hoje a converte

numa das nações do Bric que mais crescem. O Brasil também pode, porque

tem praticamente 1/3 de toda a água doce do planeta, tem milhões de

hectares para agriculturar, sem comprometer a Floresta Amazônica, além

de ter um povo vibrante e brilhante, que faz toda a diferença, sempre.

Page 147: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

147

45Mama África, fonte de alimentos

Publicado em 08 de dezembro de 2008

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Johan Galtung, Prêmio Nobel da Paz e experiente mediador, tem um

trabalho valoroso voltado à transcendência e à transformação de conflitos

em paz, no sistema ganha-ganha. Os conflitos, segundo o autor, são pro-

fundamente sérios para todos os envolvidos, não importando o tamanho

deles. Neste sentido, a questão da segurança alimentar apresenta-se como

um tema relevante, uma vez que, o desequilíbrio nesse campo, coloca em

xeque não apenas a estabilidade dos países, mas também os destinos da

própria humanidade.

A temática escassez de alimentos colocou o mundo em polvorosa

desde o início deste ano com a explosão da produção de biocombustíveis

à base de milho, que elevou os preços dos alimentos e ganhou contornos

mais intensos, com a desestruturação da economia americana, que ime-

diatamente, gerou um efeito cascata. Tal situação é agravada pela evolução

gradativa do aquecimento global. Na busca da mitigação do problema

eminente do desabastecimento das mesas de suas populações, algumas

nações têm enxergado na África uma opção para incremento da produção

mundial de alimentos. Mas de qual África tanto se fala? Um continente

tão plural, inquieto e íngreme seria capaz de oferecer tais respostas ao

planeta e ao mesmo tempo, resguardar a sua própria população, com

oferta de desenvolvimento e minimização das disparidades sociais? Talvez

não o seu todo, mas uma parte do seu coração, situada na chamada faixa

Subsahariana.

Essa região é formada, de acordo com o Banco Mundial (2008) por

47 países, entre eles Mauritânia, Cabo Verde, Senegal, Guiné Bissau, Serra

Leoa, Costa do Marfim, Gana, Burkina, Nigéria, Congo, São Tomé e Prín-

cipe, Gabão, Sudão, Ethiópia, Somália, Uganda, Quênia, Angola, Zimbá-

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148

bue, Namíbia, Malaui, Botswana, África do Sul, Moçambique e Madagas-

car. Esses países, com características semelhantes à da região do cerrado

brasileiro, já têm recebido grandes volumes de recursos internacionais, por

meio da privatização de suas terras. Países como a China tem estimulado

seus empreendedores a promoverem inversões no continente africano pa-

ra garantir alimentos exclusivamente ao povo chinês, em franca expansão

demográfica. Ao mesmo tempo, a União Européia neste mesmo ano anun-

ciou investimento de 1 bilhão de euros, para projetos ligados à agricultura

naquela região.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agri-

cultura e Alimentação (FAO), dos 850 milhões de pessoas com desnutrição

crônica, 200 milhões vivem na África Subsahariana, sendo que destes,

cerca de 50% vivem com menos de US$ 1 por dia. Isso significa que o

mero interesse na realização de inversões nos países que compõem a re-

gião pode não ser suficiente para mitigar a pobreza. Pelo contrário, podem

intensificar as diferenças. Nesse sentido, há um trabalho interessante de-

senvolvido há algum tempo pela Aliança Internacional de Cooperativas, na

tentativa de promover a interação entre as pessoas das comunidades, a

fim de que elas alavanquem processos de crescimento sustentado por meio

da prática do cooperativismo. Evidentemente que a sustentabilidade é uma

palavra de ordem neste ambiente, marcado por séculos de exploração,

guerras, sangue. Muito sangue. Para uma análise suave em torno do tema

competitividade, é possível a apropriação do olhar do indiano Pankaj Ghe-

mawat, da Harvard Business School. Ele afirma que aproximidade cultural,

oriunda de uma relação colônia e metrópole, pode incrementar o comércio

internacional entre as nações envolvidas em até 300%. Evidentemente que

tal proximidade abre espaço para a construção de um marketing de pro-

duto atrativo aos olhos dos consumidores dos países desenvolvidos, que

são os produtos exóticos. O fairtrade vem depois. Um bom exemplo é o

caso do Jacu Coffee, café processado pelo animal e reprocessado pelos

humanos que fazem bom uso da combinação demanda de mercado e

senso de oportunidade.

Por outro lado, pode-se incorporar ao léxico competitivo, o argumen-

to consolidado do Departamento Americano de Agricultura (Usda), em

torno dos fatores que contribuem para elevação dos preços dos alimentos.

Entre os principais motivos, estão o crescimento da população, a expansão

econômica (desconsiderando-se a atual crise) e o incremento do consumo

Page 149: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

149

per capita de alimentos. Além disso, a Usda cita como fatores a retração

da produção global de alimentos, a disparada dos preços do petróleo, o

crescimento do mercado de biocombustíveis, o declínio dos estoques cons-

tantes de alimentos, a desvalorização do dólar, as políticas globais de ex-

portação, as adversidades climáticas, os custos de produção dos produto-

res, como os demais fatores que podem colaborar para a escassez de

alimentos.

A combinação dessas duas perspectivas – comércio internacional e

variáveis mercadológicas – acaba por redundar num tema fundamental

que é a finalização da Rodada de Doha, que, desde a última reunião do

G-20, realizada em Washington, tornou-se a pérola rara, fundamental pa-

ra consolidar a jóia da segurança alimentar.

Sem isso, Johan Galtung certamente terá muito trabalho, porque a

fome é um desafio historicamente consolidado e letal para qualquer nação,

rica ou pobre. Em decorrência dela, que coloca em xeque as necessidades

mais básicas do homem, a civilidade perece. E o conflito não é bom, à

medida que rouba a beleza da vida. Então, a agricultura é uma senhora

valorosa que não pode de modo algum, ser relegada às estatísticas. Já

dizia Abraham Lincolm: que perecessem as cidades, mas não que não

perecessem os campos, pois as cidades ressurgiriam daqueles. Que os pa-

íses que compõem a África Subsahariana se convertam em grandes par-

ceiros para os países latino-americanos e especialmente o Brasil, para a

construção de um mundo melhor.

Page 150: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

150

46Algumas coisas sobre importação

de café no Brasil

Publicado em 11 de fevereiro de 2009

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Há uma comunidade no Orkut da qual participo, a “O Barista”. Por-

ventura acessando-a hoje, 06 de fevereiro de 2009, percebi que havia uma

efervescente discussão sobre a degustação de cafés africanos que está

sendo organizada pela renomada barista Isabela Raposeiras, para um gru-

po seleto de pessoas. A peculiar discussão que lá ocorria, levou-me a pro-

duzir a presente reflexão, pautada em uma das minhas especialidades, a

construção da competitividade industrial internacional no âmago do agro-

negócio café brasileiro.

É preciso expor que há muito tempo a indústria de café brasileira tem

dado um jeitinho para fazer com que a importação de cafés se torne uma

realidade no país. Para quem pelo menos leu o Jornal do Café, fica muito

fácil voltar um pouco ao início da década em que vivemos, para rememo-

rar a assinatura do Protocolo ABIC e Pão de Açúcar, que iniciou o bem-

-sucedido projeto na área de cafés desta importante rede varejista nacional,

o Pacafés. Além do referido projeto inovar na área de cafés especiais, ele

também introduziu a importação de grãos de forma muito mais intensiva.

Lembro-me de uma visita à rede acompanhada do diretor de Relações

Institucionais do Pão de Açúcar e da consultora do projeto, Eliana Relvas,

a algumas lojas de café da rede. A presença de cafés de algumas partes do

mundo chamou-me a atenção já naquela época, por acenar a presença de

uma prova real de uma mudança de paradigma no agronegócio.

Acompanho a estatística de importação de cafés torrados todos os

anos e de lá para cá, as altas atingiram um volume de 7,48% ao ano em

termos de crescimento, calculada a média aritmética simples. Evidentemen-

te que tais números são otimizados por um câmbio favorável e um merca-

Page 151: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

151

do consumidor mais receptivo, como se pode observar nos dados alusivos

à 2007 e 2008, onde a relação entre o importado total em 2007 e o im-

portado total em 2008, atingiu uma alta de 30,83%, conforme pode-se

observar na tabela “Importação Brasileira de Café Industrializado – Mundo

– 1996 -2008” abaixo.

Importação brasileira de café industrializado – Mundo – 1996 - 2008

Ano

Total

em

US$

Total

Peso

líq.

Kg

Evolução

anual

em %

Não

DescafeinadoDescafeinado Solúvel

US$

Peso

líq.

Kg

US$

Peso

líq.

Kg

US$

Peso

líq.

Kg

1996 290.510 78.519 — 176.730 60.905 863 51 112.917 17.563

1997 821.915 81.680 3,9% 646.280 59.685 9.500 692 166.045 21.303

1998 1.080.444 105.740 22,75% 860.965 70.905 25.709 1.532 193.770 33.303

1999 1.276.048 95.561 -10,65% 1.227.134 92.470 48.508 2.951 406 140

2000 1.407.252 108.812 12,17% 1.327.989 101.767 58.989 5.176 20.274 1.869

2001 1.637.945 121.175 10,20% 1.533.285 111.120 90.962 6.943 13.698 3.112

2002 1.639.964 140.931 14,01% 1.536.530 123.942 69.167 5.669 34.267 11.320

2003 926.128 129.162 -9,11% 822.175 92.582 80.235 9.468 23.718 27.112

2004 1.114.197 115.239 -12,00% 1.013.431 103.385 75.284 7.972 25.482 3.882

2005 1.077.990 96.685 -19,31% 978.272 83.815 60.422 4.570 39.296 8.200

2006 1.471.598 128.016 24,55% 1.324.193 116.609 76.774 5.785 70.631 5.622

2007 2.221.843 175.180 26.92% 1.972.539 155.150 133.989 10.899 160.315 9.131

2008 7.754.494 253.279 30,83% 6.872.202 230.658 789.226 14.052 93.066 8.569

*com base no Sistema Alice Web do MDIC

Se a marca Illycafé foi a pioneira em meados dos anos 1990, ela,

atualmente, passou a ser apenas mais uma das marcas estrangeiras a po-

voarem as gôndolas das lojas do varejo em bairros de luxo situadas nas

principais capitais do país. Deve-se citar ainda, o famoso trabalho realizado

pelo Centro de Inteligência do Café, que promoveu um estudo sobre a

temática, discorrendo sobre os prós e contras da importação. Recentemen-

te, este ganhou um reforço, com os estudos mensais sobre os concorrentes

brasileiros, divulgados mensalmente pelo Governo Mineiro, estado que

ainda é o maior produtor de cafés do país. A finalidade, ao que parece,é

preparar o país em relação à concorrência global, que parece

gradativamente irreversível, conforme é percebido na tabela acima.

Page 152: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

152

Outro fato importante para tal arquitetura, diz respeito à chegada da

Starbucks no país. A rede ao desembarcar por aqui, incrementou o coro

industrial sobre a necessidade de abrir fronteiras para a importação de cafés

de todo o mundo, de forma que a agregação de valor pela industrialização

se desse por aqui mesmo. O mesmo vale para a marca Nespresso. Esse coro

ampliou-se durante um jantar em Roma realizado no final do ano passado,

onde o presidente da IllyCafè, Andrea Illy expôs tal temática ao próprio

presidente da República brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva. Atualmente, as

malas dos baristas ao que parece, tem sido o último recurso, para pressionar

o Governo, utilizando, sabiamente, o paladar do consumidor. Já diziam as

nossas avós que “marido bom, se prende pelo estômago”.

É bem verdade que as notas da importação de cafés são suaves, até

mesmo amendoadas e aveludadas, quando se trata da valorização da plu-

ralidade que converge com a diversidade que nos faz um povo único.

Contudo, os interesses do país se sobrepõem aos interesses individuais. Eu

aprendi isso vivendo a cafeicultura. O indivíduo nunca tem razão, nem

tampouco a verdade, tem vazão frente aos interesses do Estado, que é

atemporal, imortal. Então, a importação vista institucionalmente, sem um

aparato legal compatível, torna-se um risco aos interesses públicos. E é

sobre este aspecto que gostaria de chamar a atenção aqui: a necessidade

do aparato legal. Inicialmente, é preciso compreender qual é o interesse

do Estado neste campo?

Considerando-o como um sítio do conservadorismo, com tempos de

execução muito peculiares, percebe-se que a questão centra-se apenas

sobre os alicerces da vontade política. Afirmo que a questão é política

porque há vários estudos já realizados comprovando que economicamen-

te, o café industrializado comercializado no mercado internacional é mais

rentável para o país, aumentando o seu desempenho em termos de

balança comercial. Chega a ser até 20 vezes mais vantajoso para as divisas

nacionais. Desta maneira, resta dizer que para que o país se converta numa

real plataforma competitiva em cafés, a exemplo do modelo alemão, será

necessário fazer algumas opções estratégicas no âmbito político. Neste

sentido, a condição sine qua non é a construção de marcos regulatórios,

que acenem para os brasileiros e para o mundo, que o Brasil é por nature-

za um Estado de Direito. Portanto, nada de malas funcionando como mini-

-conteineres para a promoção de comércio internacional de cafés estran-

geiros em território nacional, especialmente quando se tratar de cafés crus.

Page 153: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

153

Um marco regulatório excelente para tal campo envolve visão regio-

nal e permeia relações diplomáticas. Isso implica, por exemplo, na retoma-

da de esforço diplomático na construção de acordos bilaterais e quiçá

multilaterais entre países que compõem, por exemplo, a Organização dos

Estados Americanos, a ALADI e o MERCOSUL. Este processo fomenta a

construção de acordos sanitários e tarifários de forma mais consistente, de

modo que o acesso dos grãos estrangeiros em território nacional dê-se de

forma legalmente adequada e numa linha do tempo, que fomente o equi-

líbrio de energias entre produtores nacionais e externos. Seria como criar

uma Área de Livre Comércio para Cafés, usando como primeiro parâmetro,

a própria América Latina. A proximidade geográfica, sem dúvida, pode-se

prestar como importante oportunidade experiencial em termos técnicos e

científicos, já que o acesso de cafés estrangeiros em território nacional

pressupõe pelo menos, harmonização das normas sanitárias.

Concomitante a tal passo, está o estabelecimento de sistemas de

proteção para os empreendedores do mercado interno, em momentos em

que o ambiente internacional esteja mais competitivo que o nacional. Na

União Européia e mais especificamente na França, tal condição faz parte

do jogo de valorização dos empreendimentos nacionais, que geram em-

pregos e renda dentro do território. Uma mera liberalização de fronteiras

no caso da cafeicultura brasileira, despida deste tipo de sensibilidade, po-

de conduzir a uma bancarrota mercadológica equivalente ao que ocorreu

no país, nos anos 1990, ante a liberalização do mercado ao acesso estran-

geiro. E na cafeicultura, de modo geral, o Brasil tem muito mais a perder

do que a ganhar.

Esse aspecto envolve, por exemplo, sanções para o acesso à mercado,

por meio da construção de barreiras técnicas. Evidentemente, que tais

barreiras poderiam pressupor a obrigatoriedade das marcas e grãos in na-

tura estrangeiros a deterem um certificado de qualidade nacional. Embora

eu e a Associação Brasileira da Indústria de Café tenhamos passado por

um doloroso e traumático processo de divórcio, gosto de pensar na idéia

de que o Programa de Qualidade do Café pode ser esta resposta para

obrigar o mercado internacional que pretende aportar por aqui, a se ade-

quar a uma norma privada nacional, valorizando o princípio diplomático

da reciprocidade.

Não dá para ser hipócrita frente a algo tão bom. É um programa

maduro, genuinamente nacional e que tem condições para se tornar um

Page 154: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

154

mini Eurepgap do Café Industrializado no Brasil. Não foi a toa que por

exemplo, enquanto estava redigindo a legislação mineira para aquisição

de cafés industrializados pelo Poder Executivo, que o programa foi incor-

porado de pronto ao aparato legal oficial. Sou da linha que é preciso

premiar a prata da casa, a inteligência nacional, para se almejar qualquer

tipo de desenvolvimento que mantenha princípios cívicos e priorizem os

interesses nacionais.

Logo, é possível verificar que se a vontade política não convergir com

a vontade econômica, abre-se espaço para a ilegalidade, fazendo com que

um simples hábito de consumo de uma xícara de café importado por aqui,

possa se configurar num ato de lesa-pátria. O que não é legal, não é moral,

mas sim uma prática socialmente tolerável, invisível aos olhos do Estado.

Pessoalmente, acredito que o Brasil não precisa de mais exemplos, ainda

que mínimos, de ingerência estatal, fundados sobre o tamanho e a moro-

sidade da máquina.

O que eu quero dizer com tudo isso é que se o padrão de consumo

está mudando por meio da evolução do nível de exigência sensorial no

mercado interno, se há uma possibilidade real de incremento dos negócios

industriais nacionais no mercado internacional com a prerrogativa de pro-

videnciar qualquer mescla de grãos, o marco regulatório é a última fron-

teira a ser conquistada, pois o Estado é o único que não pode dormir em

berço esplêndido: ele responde pela defesa de interesses coletivos, como

disse. A regulação, portanto, é uma apólice de seguro valiosíssima.

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47O que a Le Creseut pode ensinar

ao negócio do café brasileiro

Publicado em 19 de março de 2009

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Tradicional marca francesa voltada ao sofisticado segmento de alta

gastronomia, com amplo reconhecimento global, as panelas Le Creseut,

confeccionadas a partir de ferro fundido esmaltado, sugiram em 1925 na

pequena cidade de Franois-Le-Grand, situada a duas horas de Paris.

As panelas que atualmente são exportadas para cerca de 70 países

e cujo faturamento atinge cifras superiores à € 200 milhões ao ano, tem

parte da sua matéria-prima, o ferro, importado do Brasil.

Qualquer similaridade desta panela que pode custar o equivalente ao

preço de uma geladeira sofisticada com o café in natura brasileiro, não é

uma mera coincidência. Ao iniciarmos esta reflexão, torna-se capital assi-

nalar que a atividade empresarial embora independente, depende de cer-

tas linhas estratégicas estabelecidas em nível de Estado. A empresa deten-

tora da marca Le Creseut assinala, por exemplo, que parte do grande

faturamento obtido por ela, é decorrente do Made in France, fruto de ação

estratégica internacional da França.

Comparando esta situação com o agronegócio café no Brasil, fica

evidente que são os problemas seculares que o setor carrega que o con-

duzem a um patamar de disputa de energias. Após a elaboração da Agen-

da Estratégica do Café, certas ações não deveriam acontecer. Infelizmente,

no meu ponto de vista, a Marcha do Café só acenou a incapacidade do

Conselho Deliberativo de Política Cafeeira em resolver de forma cabal o

problema do setor, aproveitando a proximidade com o Governo Federal.

Questões fundamentais como a elaboração de uma ação de marke-

ting que se revertesse em aumento da participação de mercado do café

brasileiro com origem reconhecida não acontecem na envergadura em que

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156

deveriam, porque a confusão é a principal patrocinadora da commodity

sem rosto, que faz a alegria das grandes torrefações internacionais.

Até quando este será o retrato setorial?

Um setor que não é lembrado na pauta brasileira para a Rodada de

Doha, deveria repensar a sua relevância para o país. Na verdade, o agro-

negócio café vive de história e está perdendo espaço para setores como o

do Etanol, que tem um setor que age de forma articulada e empresarial,

com visão global, com um amplo compromisso com a sobrevivência da

humanidade. Enquanto eles estão reunidos com o herdeiro do trono inglês

para discutir pautas de interesse nacional no contexto externo, a cafeicul-

tura brasileira vaia o presidente da república brasileiro que fortaleceu o

dispositivo que sustenta os índices de consumo de café no país atualmen-

te: o Bolsa Família. Foram só 30 milhões de pessoas que puderam começar

a beber um gole de café todos os dias e que sem dúvida foram determi-

nantes para a elevação dos índices de consumo per capita nacional. Não

defendendo ninguém aqui, mas esse é o perfil comportamental da cafei-

cultura há muito tempo e que precisa ser repensado. O atual, definitiva-

mente, não funciona.

Pessoalmente, os métodos de manifesto deveriam ser mais contun-

dentes e sofisticados. Por exemplo, um manifesto de verdade seria um ato

público no Supremo Tribunal Federal onde todos os senadores e deputados

federais e estaduais, dos Estados onde se produz café no país, assinariam

um termo de compromisso público, lavrado em cartório, aceitando traba-

lhar por um salário mínimo por um ano que fosse, sem qualquer tipo de

regalia, para doarem o dinheiro da economia orçamentária para a agricul-

tura brasileira. Este seria um ato pelo país, sem precedentes, já que mais

de 50% do superávit da Balança Comercial Brasileira é decorrente do es-

forço que vem da agricultura. Seria um ato respeitoso para com as pesso-

as que geram emprego e renda para o país: produtores, industriais, expor-

tadores, que de sol a sol, fazem o país acontecer. Ao mesmo tempo, seria

uma aposta inquestionável no sucesso do Brasil e nos cidadãos que aqui

vivem. Porque não começar este ato maximizando a proatividade da Fren-

te Parlamentar da Cafeicultura? Seria fantástico e mostraria a real força do

setor, gerando comoção.

Por outro lado, verificam-se as alternativas de promoção do café do

Brasil no mercado externo. Creio que a última iniciativa, apesar de discre-

ta, é importante. A inserção da frase “Os melhores cafés do mundo”, nas

Page 157: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

157

embalagens de industrializados é algo importante e inteligente e que re-

mete ao sucesso equivalente da Le Creseut. O problema, neste caso, diz

respeito à construção de canais de distribuição, de forma institucional. Um

país que consegue vender projetos na Organização Internacional do Café,

como o Brasil faz, deveria conseguir persuadir também, usando toda a sua

expertise diplomática, setores de comércio, por meio do uso dos cabedais

que já construiu na área de certificação de qualidade. Falta algo neste

sentido na composição da Agenda Estratégica do Café. E isso seria mais

profissional, considerando o que o Governo Brasileiro já faz na área de

Captação de Investimento Estrangeiro no sistema de Venture Capital. Seria

um aproveitamento de know-how e da estrutura do país, que está presen-

te em mais de 90 países com representações diplomáticas que lá estão

exatamente para isso.

Infelizmente, eu não acredito nos números das exportações de tor-

rado e moído apresentados pelas instituições que trabalham com o produ-

to, porque tenho certeza de que são frutos de negociações individuais

realizadas por industriais que estão quebrando a cabeça para acessarem,

praticamente sozinhas, o mercado externo. Isso acontece, porque faltam

os canais que deveriam ser um esforço de negociações natas em embaixa-

das e o país continua a dispor de uma ênfase no mercado interno, que é

o seu sustentáculo. Contudo, a base interna atual já oferece os cabedais

para vôos mais altos. A plataforma interna já está consolidada. Inicialmen-

te, creio que caberia a adoção de práticas de governança corporativa na

gestão dos recursos no foro do CDPC, para que as ações de âmbito inter-

nacional se tornassem mais estratégicas.

Por exemplo, por quatro anos consecutivos o governo Brasileiro pa-

trocina a presença do café brasileiro no Japão. Qual foi o resultado efetivo

em vendas considerando o aporte de investimento até então realizado?

Não há um relatório sequer, divulgado no site do Ministério da Agricultura

dizendo quantos quilos de café foram vendidos, usando erário público. O

que há são relatórios de viagens disponibilizados no Portal da Transparên-

cia do Governo Federal, informando as diárias dos representantes do MA-

PA a tais empreitadas. Acredito que estes números seriam importantes

para fortalecer o negócio e ao mesmo tempo verificar se a estratégia uti-

lizada está condizente com os resultados esperados. A Anacafé quando

acessou o mercado japonês, criou um produto e o disponibilizou em

450.000 vending machines, estrategicamente posicionadas no país. Isso

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158

são números palpáveis e que colocam o produtor guatemalteca em alerta

para a competição externa. Porque o Brasil não tem este tipo de posição

objetiva? Um Made in Brazil, dissociado, infelizmente, não quer dizer mui-

ta coisa, portanto.

Muitos ao lerem este texto poderão dizer: é fácil escrever. Pessoal-

mente, me antecipando à esta reflexão, posso dizer, de cadeira, que com

o Estado em mãos, é fácil fazer.

Porque não é feito? A resposta remete à um poema de Gregório de

Mattos Guerra, poeta arcadista, inconfidente. “É a vaidade, Fábio...”

Page 159: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

159

48A crise econômica e a agricultura

Publicado em 13 de abril de 2009

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Denominada por alguns como uma releitura de Bretton Woods, a

reunião do G-20, realizada em Londres, além de oferecer importantes di-

recionamentos para a economia global, também trouxe alguns ajustes

relevantes para as discussões em torno do protecionismo no comércio

global.

Pauta prioritária dos países em desenvolvimento, com destaque para

aqueles ligados ao G-7, a questão do protecionismo tem mensurado com

régua titânica a paciência dos negociadores, que desde a primeira reunião

em Doha, no Catar, em 2001, tem se esmerado no sentido de encontrar

um equalizador, especialmente no campo dos subsídios agrícolas. Essa

reunião consolidou esforço dos membros da Organização Mundial do Co-

mércio (OMC), nato em 1999 e que foi ratificado apenas em 2000, como

Artigo 20 do Acordo Agrícola da OMC. Após encontros sucessivos realiza-

dos em Cancún (2003), Genebra (2004), Paris (2005), Hong Kong (2005),

Postdam (2007) e novamente em Genebra (2008), tudo indicava que as

negociações em torno da Rodada de Doha haviam atingido sua falência.

Entretanto, ao que parece, a crise econômica tornou-se um vetor de

oportunidade. Um dos resultados obtidos na reunião do G-20, encerrada

em 2 de abril, foi a ratificação do compromisso de que as 20 maiores na-

ções do mundo não lançarão mão de qualquer tipo de incremento das

suas regras protecionistas até o final de 2010. “Assumimos hoje o com-

promisso de fazer o que for necessário para: (...) promover o comércio

global e os investimentos e rejeitar o protecionismo, para apoiar a prospe-

ridade, e construir uma recuperação sustentável. (...) Reafirmamos o com-

promisso assumido em Washington: de abstermos de levantar novas bar-

reiras ao investimento ou ao comércio de bens e serviços, que impõem

Page 160: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

160

novas restrições à exportação. (…) Além disso, vamos corrigir prontamen-

te quaisquer medidas. Assumimos esse compromisso até o fim de 2010”,

diz um dos trechos do comunicado do G20, publicado em 2 abril.

De modo geral, essa perspectiva de médio prazo, um pouco mais de

um ano e oito meses, oferece alguns elementos importantes para o alinha-

var das estratégias que far-se-ão necessárias para a manutenção da com-

petitividade da agricultura brasileira num futuro próximo.

É importante elaborarmos uma pequena análise de cenário, utilizando

alguns fatos recentes. Inicialmente, pode-se citar o pacote de apoio ao

setor agrícola brasileiro aprovado em 31 de março pela Câmara dos

Deputados, que consiste na conversão da Medida Provisória 455 em lei,

autorizando a concessão de subsídios às taxas de juros das linhas definan-

ciamento de capital de giro para agroindústrias, cooperativas e indústrias

de máquinas e equipamentos agrícolas.

Em seguida, o corte significativo de 48%, no orçamento do Ministé-

rio da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), publicado no Diário

Oficial da União, em 30 de março, conforme Decreto 6.808. Há ainda as

questões relacionadas ao endividamento, ao aquecimento global e à ins-

tabilidade cambial, considerando-se aqui a retração do crédito para as

exportações brasileiras, além, evidentemente, da consulta pública que a

Comissão Européia de Agricultura vem realizando para o aprimoramento

de sua política de qualidade. O referendo será divulgado em 27 de maio,

devendo entrar em vigor em 2010. Este último item, em particular, é pre-

ocupante e converge com a benesse do G20 em não se movimentar, em

termos de suas barreiras comerciais, até 2010. Ainda que a China, a Rússia,

a Índia e parte dos países do Oriente Médio tenham passado a fazer parte

dos mercados-alvo para os produtos brasileiros, a União Européia é um

mercado fundamental para o Brasil. Paga em euro e é um mercado-vitrine.

Logo, o corte no orçamento do Mapa, de R$ 1,06 bilhão, não veio em boa

hora.

Certamente, a defesa sanitária no médio prazo sofrerá, abrindo assim

um precedente para um revival da experiência da suspensão das

exportações,como ocorreu no caso da carne, em 2008. Sem recursos apli-

cados na hora certa, a celebrada competitividade do agronegócio brasilei-

ro virará uma mera vantagem comparativa ou pior ainda, uma desvanta-

gem competitiva. Isso sem dúvida seria extremamente depreciativo para o

país e inadequado do ponto de vista comercial, frente aos indicadores

Page 161: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

161

globais que atualmente fazem do Brasil um importante player. É preciso

pensar e repensar as estratégias e a infraestrutura, para colher os frutos

desejados mais à frente, no momento certo.

Que os compromissos das lideranças do G20 sejam um recado obje-

tivo às autoridades nacionais de que é preciso acelerar o fortalecimento da

agricultura nacional, de forma a prepará-la para competir com toda a

força, a partir do momento que a última assinatura dos países que com-

põem o quadro da OMC, for colhida no acordo de Doha.

Page 162: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

162

49A relação do Decreto Lei nº 399

e a inclusão do café na merenda escolar

Publicado em 21 de abril de 2009

na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café

Desde a sua introdução no país, o café tem importante papel na

composição da dieta do cidadão brasileiro. Tal importância está historica-

mente expressa em uma das importantes obras do artista holandês Debret,

que com suas marcadas pinceladas retratou a venda de café torrado pelas

escravas em plena rua da então capital imperial, a cidade do Rio de Janei-

ro.

Após praticamente financiar uma parte do Segundo Império e aces-

sar a República, o café, entranhado no hábito de consumo do brasileiro,

ganha espaço nos primeiros estudos do país para a composição do Salário

Mínimo Nacional, criado através da Lei n°185 de 14 de janeiro de 1936 e

regulamentado através do Decreto Lei n° 399 de 1938, durante o Governo

Getúlio Vargas. Durante o processo de fixação do Salário Mínimo Nacional,

diversas Comissões do Salário Mínimo, realizaram estudos regionais, a fim

de identificar a remuneração mínima necessária à ser oferecida “ao traba-

lhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capaz de

satisfazer, em determinada época, na região do país, as suas necessidades

normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte” (D L

n° 399, art. 2°), definindo ao mesmo tempo, a Ração Essencial Mínima que

um trabalhador adulto precisaria ingerir ao longo de um mês de trabalho.

A TABELA 1 abaixo, foi extraída do site do DIEESE (1993).

Tabela 1: Tabela de Provisões mínimas estipuladas pelo Decreto Lei n° 399

Page 163: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

163

FALTOU TABELA

A análise da Tabela 1 acena que o café tem um papel estratégico

como alimento básico, o que reforça a tese de que o mercado interno

ainda é um grande filão para a cadeia agroindustrial cafeeira e ao mesmo

tempo, chancela a idéia de que o problema da modificação dos parâmetros

de consumo de café, não está concentrado nos estratos populacionais

economicamente desfavorecidos. Na verdade, para tais estratos, a quali-

dade técnica do café é uma externalidade positiva adicional, desde que ela

não implique em elevação do custo da cesta básica mensal da família.

Das atuais 18 milhões de sacas consumidas no país, verifica-se que

cerca de 15 milhões são consumidas na forma de mesclas tradicionais, que

fomentam o crescimento vegetativo do setor na ordem de 4,5% ao ano.

Isso demonstra que mesmo com a ascensão do mercado de cafés especiais,

estruturados sobre um perfil de cafés industrializados importados e cafés

diferenciados, o grande filão comercial, centra-se no café de todo dia,

percolado pelas manhãs, nas cozinhas de 96% das residências brasileiras.

Logo, é importante afirmar que a base de sustentação da economia

brasileira é o consumidor que tem no café um produto estratégico da sua

dieta. Dessa maneira, não existem

consumidores melhores ou piores. À luz desta perspectiva, há a

necessidade de se repensar algumas políticas, dentre elas, a da inclusão do

café na merenda escolar.

Sem ferir vaidades, acredito que é importante salientar a necessidade

de repensar o marco estratégico setorial, posicionando o café como bebi-

da nacional por excelência, sem desprestígio social. O café é por natureza

uma bebida democrática e inclusiva, o que me leva a construir a presente

reflexão sobre a necessidade de fazer da inclusão do café na merenda

escolar, apenas uma força motriz para o acesso ao conhecimento, elemen-

to imprescindível para o desenvolvimento de pessoas e respectivamente,

do país.

Junto do café na merenda, poderiam ir bibliotecas equipadas com

equipamentos de informática, não é mesmo?

Infelizmente, o que prevalece é a mentalidade getulista, da ração

mínima diária, onde o pobre deve ficar grato por um cadinho de comida

e pela sua eterna condição de pedinte. A última campanha do Ministério

Page 164: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

164

da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, apresentou o Super Café para

um público que não sobe morro e nem toma ônibus de madrugada para

trabalhar, o que de fato é uma pena, porque a elitização do consumo

pode roubar do cidadão brasileiro uma marca cultural, que imprime hos-

pitalidade e simplicidade.

Adélia Prado expõe que o bonito mesmo, é o ordinário cotidiano.

Não há nada de mais profundo, artístico, nutrido de beleza, do que a

simplicidade que ele imprime em nossas retinas. É como a chuva sobre a

lavoura de café. Não tem explicação científica, mais é bonito de se ver. Só

que a simplicidade, quando se trata de política, não pode vir despida de

possibilidades que contribuam para a construção da dignidade humana. É

preciso oferecer o pão e também o ofício. Cadê o livro?

Neste sentido, há uma necessidade de se rever o programa, prestes

a ser adotado por vários estados brasileiros, no sentido de que ele, ao ser

introduzido na alimentação, também gere diferenciais para avida das pes-

soas.

Poder-se-ia inserir na pauta, o conceito de Responsabilidade Social

Corporativa. Evidentemente, que há de se respeitar a vertente econômica,

que certamente está sendo levada a cabo. Se isso não fosse verdade, não

existiriam razões para as negociações em torno

da inclusão do café na merenda escolar na rede pública de educação

do país. Não há alguma filosofia nisso. Há uma heresia contra qual qual-

quer marxista arrancaria os cabelos. Até o momento a lógica é o da neces-

sidade de treinamento o paladar do filho do trabalhador assalariado, com

a sua ração diária de café, certamente oriunda de grãos riados/rio, para

que o setor no Brasil, num futuro próximo, não vá à bancarrota por falta

de clientela.

Urge romper tal princípio, fazendo com que o projeto se torne inclu-

sivo e um vetor de sustentabilidade. Por exemplo, cada escola beneficiada

com o programa, poderia ganhar uma biblioteca equipada com computa-

dores ou ainda, cursos profissionalizantes. Café com cultura combina e

abre um precedente importante para o crescimento intelectual individual

e maximiza as nossas possibilidades quanto país.

Creio ser interessante citar Darcy Ribeiro, para reforçar tal importân-

cia. “O fracasso brasileiro na educação – nossa incapacidade de criar uma

boa escola pública generalizável a todos, funcionando com um mínimo de

eficácia – é paralelo à nossa incapacidade de organizar a economia para

Page 165: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

165

que todos trabalhem e comam. Só falta acrescentar ou concluir, que esta

incapacidade é, também, uma capacidade”. (Darcy Ribeiro, em Educação

no Brasil)

Gerar mudanças na vida das pessoas para melhor deveria ser um

compromisso pessoal de cada brasileiro, interessado em colocar o Brasil no

primeiro mundo e não em níveis de países subdesenvolvidos, como vários

países africanos e asiáticos. Se estivéssemos naquele patamar, certamente,

não aceitaríamos o termo ração num aparato legal voltado à alimentação

humana financiada com o salário mínimo, por mais histórico que ela seja.

Isso faz com que o ato de tomar café na escola, conjugado com princípios

de Responsabilidade Social Corporativa, possa ser um passaporte para a

construção da dignidade humana. É nesta vertente na qual eu acredito. A

da dignidade humana.

Page 166: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

166

50Um voto pelo equilíbrio financeiro

do setor cafeeiro

Publicado em 29 de maio de 2009

na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café

A leitura do noticiário recente relacionado à política cafeeira brasilei-

ra remeteu-me à minha primeira aula do curso de Introdução à Enologia.

Não sou uma grande enófila, mas aprecio bons vinhos. Fazem bem para

alma e para o humor, além de conterem em si, uma arte expressa por meio

de um legado cultural que invade os nossos sentidos com uma explosão

complexa de aromas e sabores.

Degustando um vinho da região do Vale do São Francisco, senti os

taninos travando minhas papilas gustativas. Era um vinho jovem, de uma

marca renomada nacional, mas um vinho extremamente aromático. Foi

então que o enólogo que nos apresentava os prazeres dionisíacos expôs:

“-Trata-se de um vinho promissor, mas como podem perceber, está dema-

siadamente tânico. Mas notem, são taninos bons, que ora nervosos, devem

se acalmar ao longo do processo de maturação da bebida”.

Pois bem, cabe-me introduzir esta experiência no âmbito da reflexão

sobre a maturação da política cafeeira brasileira. Com trezentos anos de

idade, ainda estamos em plena efervescênciados taninos, como se esta

senhora ainda fosse uma adolescente. O vigor é louvável, mas nada como

a ponderação proporcionada pela maturidade, para se atingir os objetivos

coletivos de uma formamais racional.

Isso significa uma reflexão profunda em torno dos objetivos dos po-

líticos, que evidentemente, no curto e médio prazo, nada temhaver com

os problemas endêmicos da cafeicultura brasileira e dasua respectiva ges-

tão política.

Neste sentido, é salutar uma ruptura de paradigmas que confira ao

cenário político cafeeiro um novo tecido comportamental, onde a compe-

Page 167: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

167

titividade do café brasileiro seja o foco principal e não um coadjuvante sem

valor. Inicialmente, é preciso apostar na descoberta de um modelo de ges-

tão corporativa para o setor, pautada pelo equilíbrio financeiro. Desde a

época de Dom Pedro I, o café sofre do mal do endividamento. Creio que

chegou o momento de lutar pela auforia, adotando procedimentos sérios

de recuperação financeira. Quem será o eleito que assinará a Lei Áurea em

prol da rentabilidade e do sucesso financeiro do setor cafeeiro brasileiro?

Inicialmente, creio que é preciso ter em mente que endividamentono

âmbito da gestão pública se resolve com oferta de instrumentos para a

construção de cultura de gestão financeira, transparência, coragem, racio-

nalidade e informação. Talvez minha voz ecoe de forma uníssona, mas

parto da perspectiva que o problema do endividamento não é um proble-

ma de todos os produtores de café. Não seria algo possível do ponto de

vista empresarial. Em meio à turbulência da gestão temerária, há muita

gestão profissional, caso contrário, o agronegócio café brasileiro não exis-

tiria.

Partindo dessa perspectiva, fica mais factível avaliar a prática da ges-

tão para resultados para o setor de café, a qual já é marca registrada dos

governos Paulista e Mineiro no âmbito da gestão da coisa pública. Logo,

se há endividados, quem são? O governo atualmente possui uma lista com

o nome de cada um? Se tiver, emerge a possibilidade da construção de

políticas voltadas à oferta de suporte gerencial customizado.

O Estado tem a obrigação de resolver o problema do endividamento,

mas de forma cabal, atuando de forma na raiz da questão, seja via a cria-

ção de alternativas gerenciais, viabilizadas por meio do uso intensivo de

infraestruturas como as do SEBRAE e do SENAI, seja por meio do perdão

da dívida, como fez com a dívida externa de vários países africanos, que

deviam ao país. A dívida não pode ser mais o mantra do café. É preciso

urgentemente calar este canto, porque ele não é auspicioso.

É válido ressaltar que o perdão da dívida até seria positivo, mas não

garantiria a consolidação da cultura da gestão profissional no coração dos

Page 168: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

168

empreendedores do café. O governo como o principal credor do setor tem

condições de evocar a Recuperação Judicial em

massa, para viabilizar uma saída traumática, mas definitiva, diga-se,

respaldada pelo Novo Código Civil.

Como é de amplo conhecimento de todos, o mundo simplesmente

não nos espera. Sem ativos circulantes na mão, a corrida é cada dia mais

desleal e letal. Fica aí minha reflexão, na expectativa de que algo de novo

aconteça.

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169

51Diplomacia corporativa no agronegócio

Publicado em 22 de junho de 2009

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

A necessidade de permutar produtos e serviços sempre esteve pre-

sente no cotidiano da história humana. Como tempo, esse processo de

troca, antes limitado somente às microrregiões, passou a ganhar contornos

mais sofisticados, com atravessia de fronteiras nacionais, por meio do uso

de caravanas por terra e caravelas pelo mar. Contudo, o modelo de

internacionalização que conhecemos é bastante recente, por meio

do estabelecimento do Acordo Geral sobre TarifaseComércio (Gatt), firma-

do em 1947. Esse acordo exerceu seu papel ao longo de praticamente

todo o século 20, até 1993, quando sua ação quanto norma de regula-

mentação tarifária foi interrompida durante a Rodada do Uruguai.

Em janeiro de 1995, entretanto, foi incorporada ao corpo de regula-

mentos da recém criada Organização Mundial do Comércio (OMC). Evi-

dentemente, quando se pensa em OMC no âmbito de sistemas

agroindustriais, vem à mente a Rodada de Doha naturalmente, a imagem

dos diplomatas, que respondem pela execução da política externa deline-

ada pelo Estado (país) que representam, pela captação de informações e

pela construção de relacionamentos importantes do ponto de vista do

interesse nacional.

Contudo, é visível também a presença do diplomata corporativo,

tema deste artigo, que também tem participado ativamente dos processos

de defesa dos interesses nacionais, por meio da ação de instituições e or-

ganizações privadas e ou estatais das quais estão à frente. Gilberto Sarfa-

ti (2007), especialista em relações internacionais, denomina diplomata

corporativo como o funcionário de qualquer corporação que opera no

âmbito do mercado externo e que é designado para desenhar e gerenciar

a ação internacional do empreendimento, que pode ser compreendida aqui

Page 170: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

170

como sua política externa. Esses profissionais, normalmente formados nas

áreas de direito, administração e relações internacionais têm uma função

peculiar frente à arena corporativa global, cada vez mais caracterizada

pelos processos de investimento externo direto, abertura de capital em

bolsa de valores e globalização das políticas externas corporativas das cha-

madas multinacionais e ou transnacionais.

Nesse processo, o diplomata corporativo tem papel crucial na cons-

trução de relacionamentos com diversos stackeholders, pessoas influencia-

das pelas ações de uma organização, como governos, organizações não

governamentais, instituições e ou organizações relacionadas ao comércio,

consumidores, além de se coletar informações e cuidar da carteira de clien-

tes, fortalecendo as vantagens competitivas e comparativas do negócio. O

foco, portanto, é corroborar para a consolidação da liderança global da

empresa, levando-se em consideração os anseios dos acionistas e investi-

dores expressos normalmente e em seu planejamento estratégico.

No caso de cadeias agroindustriais, especialmente as brasileiras, ao

que parece, a demanda por esse profissional é efervescente tanto quanto

a emergência e oposicionamento do Brasil como líder mundial na produção

de alimentos e biocombustíveis no mundo. Este cenário que é uma vocação

natural do país, sem dúvida, demandará maior arrojo dos empreendimen-

tos nacionais no que tange aos processos de expansão de fronteiras.

Esses processos dar-se-ão por meio do incremento da participação

individual de marcas no contexto externo, da realização de investimento

direto no exterior na construção de plantas em outros países e até mesmo,

abertura de capital em bolsas de valores, de modo a facilitar aquisições,

fusões e consolidação de holdings. Um bom exemplo da conquista grada-

tiva da maturidade internacional pode ser encontrado em uma série de

empresas de capital nacional que atualmente atuam como transnacionais,

a exemplo da Cutrale (citricultura), da JBS Friboi (carnebovina), da Brasil

Foods (fusão da Sadia e Perdigão, frango de corte e suinocultura), da

Branco Peres (cafeterias e café), da Petrobras (biodiesel e etanol de cana-

-de-açúcar), da Embrapa (tecnologia na produção de alimentos), da André

Maggi (sojicultura), da Cosan (açúcar e etanol). Essas companhias que

atuam com parâmetros globais, têm políticas externas corporativas próprias

e atuam segundo seus objetivos empresariais, neste caso, sempre rumo à

liderança global em seus segmentos agroindustriais de atuação.

Pode-se citar ainda as instituições privadas ligadas ao agronegócio

Page 171: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

171

brasileiro. Talvez o exemplo mais relevante de todos, por reunir todo o

mainstream das principais instituições ligadas ao agronegócio brasileiro,

seja o Conselho Superior do Agronegócio (Cosag) da Federação das Indús-

trias do Estado de São Paulo (Fiesp). Pode-se citar ainda como exemplos

bem-sucedidos, a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), a Asso-

ciação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abi-

pecs), a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), a Associação

Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), a Associação Brasilei-

ra da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), entre outras.

Observa-se aí, que embora o Estado tenha seu tempo próprio (muitas

vezes extremamente moroso e pautado no princípio da atemporalidade [as

pessoas passam, mas ele, como uma rocha, permanece]), a iniciativa pri-

vada tem um ritmo mais frenético e com ampla capacidade de acelerar os

processos de ação além fronteiras. E o diplomata corporativo tem tudo

haver com essa dinâmica empresarial realizada no presente e no tempo de

uma a duas gerações.

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172

52Uma nota sobre a abertura

de capital da Café Toko

Publicado em 21 de julho de 2009

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Dependendo da perspectiva, a proposição constitucional de que os

interesses coletivos devem prevalecer sobre os individuais tem lá sua rele-

vância. Então, estou pedindo licença para dissertar sobre um assunto pri-

vado, que modifica o olhar sobre um negócio secular do país, no caso, o

agronegócio café, assunto de domínio público.

O que as Leis 10.406/2002, 6.404/76, 11.638/2007 têm haver com

a realidade do agronegócio café atualmente? Além oferecerem diretrizes

genéricas para os empreendimentos sediados em território nacional, a par-

tir de agora, assumem importante papel no âmbito do agronegócio café,

a partir do momento em que o primeiro grupo de base industrial do país

ligado à cadeia produtiva supracitada abre o seu capital e se consolida

através de uma holding.

Após o recorde de certificações internacionais obtidos pela CAFÉ

BOM DIA, a consolidação da criação de uma join venture, no ano de 2006,

entre a CAFÉ SANTA CLARA e a STRAUSS-ELITE, pode-se se afirmar que a

abertura de capital da CAFÉ TOKO, doravante GRUPO TOKO, dada na

forma de uma holding, é um divisor de águas que coloca o agronegócio

café ante o movimento de tabuleiro que faltava: o abertura do processo

de consolidação da plataforma industrial de café no país com visão global.

Parece que as distâncias entre as plataformas brasileira e alemã estão

começando a se esmaecer, embora existam ainda muitos quesitos a serem

cumpridos pelo nosso país, no que tange à consolidação da competitivi-

dade nacional.

Falta por exemplo, a consolidação do passo da regulamentação do

drawback de café, portanto, para valorizar a eficiência e a eficácia de um

Page 173: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

173

modo gerencial, fundado num modelo 100% nacional, que faz do país um

grande mercado consumidor, a ponto de se tornar “a bola da vez”, no que

tange à captação de investimentos internacionais, especialmente na aqui-

sição de plantas industriais (como no caso da Lavazza), quanto na solidifi-

cação de players globais no segmento de serviços (como no caso da Star-

bucks).

É certo que os movimentos empresariais percebidos nos últimos três

anos nos segmentos industrial e de serviços podem e devem ser tomados

como fatos relevantes, porque se hoje é possível atestar que o país atingirá

em breve a meta de 21 milhões de sacas consumidas ano, somente em

território nacional, tal êxito se deve integralmente à tomadas de decisão

dadas no seio da iniciativa privada.

O mesmo êxito, acredito, deve ser alcançado em breve na área de

exportação de café industrializado brasileiro. É válido enaltecer aqui a ini-

ciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em torno

da imersão dos diplomatas brasileiros em temas relacionados às cadeias

agroindustriais brasileiras.

A abertura de capital assinalada pela CAFÉ TOKO na última semana,

finalizando, areja com ventos inovadores um agronegócio que tem perdido

a sua vitalidade, ao longo dos anos, em razão das desgastantes disputas

políticas, que ano após ano, comprometem o sucesso de uma atividade

tão enaltecedora e apaixonante.

Finalmente, o setor industrial acessa um ambiente (a BMF/Bovespa)

onde as exigências gerenciais são levadas à fronteira da excelência. De

fato, a presença do café no rol de empreendimentos atuantes no mercado

de capitais imprime o ritmo vibrante da economia brasileira, no cafezinho

certificado nosso de cada dia.

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174

52A ética coordena?

Publicado em 28 de julho de 2009

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Escrever sobre qualidade do café, considerando o atual (melhor, tra-

dicional) cenário político da cafeicultura brasileira tornou-se uma ameni-

dade primordial, para quem almeja galgar sucesso profissional com mais

facilidade. É como o canto doce e ao mesmo tempo ingrato da cotovia que

desperta Romeu, após amar Julieta, noite adentro pela primeira vez, acom-

panhando a aurora.

O fácil, nem sempre é o melhor... Na obra de Shakespeare, o estra-

tagema utilizado pelos interlocutores culminou na morte trágica de dois

apaixonados em fuga da idiossincrasia. Então, optando pelas pedras de

Drummond, as pedras: a denúncia do Ministério Público Eleitoral contra o

Conselho Nacional do Café (CNC) e da Associação Brasileira da Indústria

de Café (ABIC).

Digamos que para amenizar as arestas dificilmente suavizadas face

ao escândalo, que nem mesmo a lógica política de Max Weber é capaz de

explicar a engenharia política da cafeicultura brasileira... Se Maquiavel co-

ordena, fundado no princípio de que os meios justificam os fins, a reputa-

ção setorial, portanto, não importa, sendo relegada a último plano. Ambas

as notícias nos obrigam a impetrar tristeza em nossos olhares, com vistas

a conduzir à cafeicultura brasileira a uma reflexão sisuda frente a questões

que colocam em xeque os interesses coletivos, no caso a reputação do

setor, que representa o Brasil como seu embaixador, em praticamente to-

dos os países, há pelo menos três séculos.

É preciso rever conceitos e ponderar que a construção de vitórias

fundadas na ética são infinitamente melhores. E o Brasil tem franca possi-

bilidade de galgar esta modalidade de vitória lícita. Somente para que se

possa perceber tal afirmação, na prática, elaborei um check-list de coisas

boas, para refletirmos sobre a real condição de construirmos uma cafeicul-

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175

tura competitiva, líder global da tecnologia ao consumidor, sem a necessi-

dade de remoção do brilho do nosso diamante, o agronegócio café, com

a lama de escândalos.

Observem a relação:

1. Site Oficial dos Cafés do Brasil;

2. Super Café;

3. Inclusão do café na Merenda Escolar;

4. Protocolo de Projeto de Lei que Regulamenta a profissão de Baris-

ta no Brasil;

5. Ação Internacional para os cafés Industrializado realizada pela

APEXBrasil;

6. Coffee Club Network;

7. Cup of Excellence, promovidopela BSCA;

8. Programas de certificação voluntários de terceira parte – ABIC e

BSCA;

9. Participação do Brasil no World BaristaChampionship (Campeo-

nato Mundial de Barismo).

Em meio a tantas turbulências na política cafeeira brasileira, é inte-

ressante observar que a gestão profissional tem condições de coordenar o

agronegócio café, sem haver a necessidade de criar interfaces com a imo-

ralidade. Gestão profissional pressupõem isonomia, transparência e com-

portamento ético. Talvez muitos digam “ah, a doação foi um deslize e isso

não vai dar em nada. O jurídico resolve”. Mas no popular, pegar uma

Caneta Bic sem pedir emprestado é um desvio de conduta tão grave quan-

to o assalto ao Trem Pagador. Valores distintos, morre menos gente, mas

os princípios dos atos são idênticos, o que não é bom.

Logo, a reflexão sobre tais atos publicados nas últimas semanas é

fundamental, para que os ajustes sejam realizados na conduta, de forma

que a ética coordene, portanto.

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176

53A língua e a competividade agroindustrial

Publicado em 19 de outubro de 2009

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

A língua portuguesa é o único idioma oficial falado nos cinco conti-

nentes do mundo. De acordo com o linguista Domingos Paschoal Cegalla,

cerca de 200 milhões de pessoas têm no idioma seu veículo de excelência

“no processo de transmissão de conhecimento humano e [respectivamen-

te] a base do patrimônio cultural de um povo”. O idioma, que tem no

Brasil seu principal representante, em razão especialmente do tamanho da

sua população, forma, com mais sete países, a Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa (CPLP), também denominados de lusófonos. São mem-

bros da CPLP, conforme Cegalla: Portugal (incluídos os Açores e a Ilha da

Madeira), Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São

Tomé e Príncipe e Timor Leste. Além desses membros da comunidade,

existem vários territórios que no passado foram possessões lusitanas ou

ex-colônias têm o idioma como língua corrente: Diu, Damão e Goa, na

Índia, e em Macau, na China. Aproximidade idiomática entre tais membros

deve se afunilar com o novo acordo ortográfico e se afunilarão também as

relações internacionais entre os povos natos nesses territórios em decor-

rência da equalização linguística.

A princípio, não há relação alguma entre a qualidade do idioma que

falamos e a competitividade do agronegócio brasileiro, uma vez que a

língua inglesa é soberana: ela é tida inclusive como idioma oficial de ne-

gócios, e o seu domínio, uma necessidade global. O desafio deste artigo,

portanto, é instigar os corações daqueles que respondem pela construção

de políticas vocacionadas ao agronegócio com a impressão de um toque

elegante de cultura sobre possibilidades versáteis para o desenvolvimento

de estratégias de inteligência comercial.

Pankaj Ghemawat, professor da Harvard Business Schooll (EUA), pro-

pôs em 2001 um importante modelo para análise do processo de interna-

Page 177: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

177

cionalização, o qual foi denominado de Método Cage. Nesse método, o

autor enumerou quatro tipos de distâncias fundamentais: a cultural, a

administrativa, a geográfica e a econômica.

Cada uma delas, segundo a característica da pauta exportável, em

maior ou menor intensidade, corrobora para o desempenho da participa-

ção dos países no cenário internacional. Contudo, a barreira cultural, ao

que parece, tem apelo significativo nesse processo. Como é possível ob-

servar na tabela 1, o relacionamento entre colonizador e colonizado (a

exemplo da relação histórica entre diversos países colonizados por Portu-

gal) pode incrementar a pauta exportadora em até 900%. O idioma, por

si só, significa um incremento potencial de até 200%.

Tabela 1: Mensuração do impacto da distância

Modalidade da distânciaImpacto no comércio internacional (em %)

Nível de investimento: GDP* per capita (1% crescimento)

+0,7%

Tamanho da economia: GDP* (1% de crescimento) +0,8%

Distância física (1% de crescimento) -1,1%

Tamanho físico (1% de crescimento) -0,2%

Acesso ao oceano +50%

Fronteiras comuns +80%

Língua comum +200%

Bloco econômico regional comum +330%

Relacionamento colonizador-colonizado +900%

Colonizador comum +190%

Política comum +300%

Sistema econômico comum +340%

*GDP: Tamanho e renda do mercado Fonte: Ghemawatt (2001) apud Jeffrey Frankel and Andrew Rose, 2000.

Nesse sentido, a proximidade idiomática pode favorecer significati-

vamente os negócios relacionados à internacionalização de produtos bra-

sileiros de base agroindustrial, porque a língua é a primeira grande barrei-

ra cultural a ser rompida em qualquer atividade internacional. Tal condição

pressupõe a massificação da cultura nacional junto a mercados-alvo im-

portantes.

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178

Além da inclusão do idioma na pauta educacional em países que têm

acordos internacionais com o Brasil, a divulgação de todas as modalidades

de expressão cultural brasileiras no mundo é fundamental para que o pro-

cesso de incremento da pauta comercial do país seja exponencialmente

ampliada. O mundo precisa ler Guimarães Rosa, Machado, Drummond e

provar dos ritmos, cores, artes e da pluralidade gastronômica nacional, no

idioma nativo, de forma mais intensiva e permanente, pois é a cultura que

criará a efetiva paixão pelo made in Brazil, que faz toda a diferença para a

economia nacional. Parece utópico, mas não é impossível, considerando

que o Brasil tem embaixadas em pelo menos 131 países e que a contribui-

ção do agronegócio para o êxito do superávit da balança comercial do

país é uma condição essencial.

Ressalta-se, entretanto, que tal prospecção não retira a responsabili-

dade do Estado no âmbito do estabelecimento de acordos comerciais in-

teligentes entre países com potencial de consumo dos produtos nacionais.

Eles são indispensáveis, especialmente após o fracasso das negociações em

torno da Rodada de Doha. Evidentemente que o Brasil, antes vanguarda

na condução desse arranjo institucional global, acabou na retaguarda em

decorrência do fracasso daquele. O Chile tem mais acordos bilaterais e

multilaterais do que o nosso país, o que explica em parte suas interessan-

tes taxas de crescimento econômico.

Logo, a celeridade nas negociações será fundamental para o êxito

dos negócios internacionais brasileiros no médio prazo, uma vez que o

cenário global na produção de alimentos gradativamente tem mudado sua

posição geográfica. A região subsaariana da África está muito mais próxi-

ma de grandes mercados consumidores do que nós.

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179

54Uma dor que não espera

Publicado em 25 de janeiro de 2010

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

Em tempos da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudan-

ças Climáticas (CIP-15), realizada em dezembro de 2009, na cidade de

Copenhague (Dinamarca), é preciso discutir a mazela que conduz ao de-

sequilíbrio ambiental: a fome.

Para quem tem fome, no seu estado crônico, não há razões muito

fortes e consistentes para respeitar o meio ambiente e nem tampouco se

preocupar como o aquecimento global. A dor da fome não espera e mata,

frente aos anseios de longa data de nações de todo o mundo, que buscam

medidas para reduzir gases e o efeito estufa na atmosfera, no médio prazo.

Todo dia, 1,020 bilhão de seres humanos, ou seja, um sexto da hu-

manidade dorme com fome, conforme dados do ano passado da Organi-

zação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Deste

total, 53 milhões de pessoas vivem na América Latina e Caribe, sendo que

o Índice Global de Fome elaborado pela FAO (dados de 2009) aponta o

Brasil com 5% da sua população nessa condição. São números que cres-

cem numa velocidade muito mais rápida do que a elevação da temperatu-

ra do planeta.

A questão ambiental é uma pauta relevante e que depende de um

esforço coletivo dos governos, porque se a temperatura do planeta aumen-

tar demais, a raça humana, assim como todo o resto, estará comprometi-

da. Contudo, é preciso compreender que na dinâmica das relações inter-

nacionais, o que importa é a sobrevivência do Estado, portanto, no

curtíssimo prazo, a questão do meio ambiente não passará de um foro

diplomático, que demanda articulação institucional e muito esforço de

negociação para a construção de um consenso.

A cúpula de Copenhague (COP-15) falhou, infelizmente, sinal de que

Page 180: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

180

as costuras em prol da mitigação do efeito estufa podem demorar tanto

quanto as negociações da Rodada de Doha ou ainda, poderão não sair do

papel.

O Brasil, desde que sediou a ECO-92, já vem cumprindo o seu dever

de casa na área ambiental: temos uma das melhores legislações do mun-

do nesse campo e, de forma gradativa, ampliamos o cumprimento da

Agenda 21.

Nesse sentido, pode-se dizer que o país tem condições, no curtíssimo

prazo, de zelar pelo atendimento das necessidades básicas de seus cida-

dãos, cumprindo o disposto na Constituição Federal.

Os 5% da população brasileira que dormem com fome diariamente

representam 9,195 milhões de cidadãos, que não têm acesso a um prato

de comida, ao menos, por dia. Isso é desesperador, considerando-se que

o Brasil detém a maior capacidade de produção de alimentos no mundo.

Enquanto essa vergonhosa mazela fizer parte do nosso cotidiano, o

meio ambiente estará em xeque, porque a sustentabilidade ambiental não

se faz sem levar em conta o bem-estar humano.

Sustentabilidade, de acordo com a Organização das Nações Unidas

(ONU) é um conceito sistêmico que reúne as vertentes econômica, social,

ambiental, cultural e político-institucional. Logo, se uma delas estiver fra-

gilizada, o conceito inexiste, na prática. A fome é uma decorrência da

fragilidade das vertentes econômica e social e que gera na sua retaguarda

a prostituição, especialmente a infantil, o tráfico de drogas, de armas, de

seres humanos e de animais, a depredação ambiental e conflitos armados.

Quem não tem acesso a alimentos, todos os dias, não tem dignidade,

nem tampouco “cabeça” para imaginar se as calotas polares da Antártica

vão derreter, se preocupar com quantas espécies de pinguins serão extintas

ou quantos países vão desaparecer por causa da elevação do nível do mar.

Quem tem fome, todo dia, caminha em doses homeopáticas para os bra-

ços da morte. Este é um retrato triste que o Brasil precisava parar de pintar

na sua história cotidiana, porque compromete qualquer ideal de desenvol-

vimento no médio e longo prazos. Acabar com a fome em nosso território

é fundamental para o crescimento do país e para o maior comprometimen-

to da nossa nação com as questões do meio ambiente. É uma condição

sine qua non. É preciso, finalizando, ponderarmos sobre um modelo de

desenvolvimento que privilegie a liberdade e que garanta o atendimento

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181

real dos dispositivos constitucionais, entre eles, e, sobretudo,o acesso co-

tidiano à alimentos.

Dizendo um não em caráter sumário a fome, o país poderia respirar

a real liberdade proporcionada pela sustentabilidade, que faz de cada ho-

mem, mulher e criança, seres mais dignos e felizes. Quem está saciado,

tem energia para o trabalho e para a geração de riquezas e prosperidade.

Provaríamos da real democracia, já que todos os cidadãos do país poderiam

ser realmente chamados de cidadãos. Esta deveria ser a ambição do Esta-

do Brasileiro a partir da nova década que chega.

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55Agriculture, je t’aime

Publicado em 29 de março de 2010

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

O investimento em marketing tornou-se uma tendência mundial pa-

ra a valorização de imagem e ou formação de opinião. No segmento

agroindustrial, essa estratégia de comunicação institucional tem sido fran-

camente usada, em razão de se tratar de um instrumento para tornar mais

visível a importância do setor. Um bom exemplo é a campanha Agricultu-

re, je t’ aime, coordenada pela Comissão Europeia para a Agricultura e

Desenvolvimento Rural.

Este artigo reflete sobre a campanha, porque ela também tem muito

a dizer aos agricultores brasileiros, em particular. Agriculture, je t’aime é

uma ode à valorização dos agricultores europeus e ao caso de amor que a

União Europeia mantém com eles, na forma dos bilionários subsídios co-

merciais, conhecidos como subsídios agrícolas. Oferecidos pelos países

desenvolvidos aos seus produtores, são um dos principais entraves à cons-

trução um acordo sobre as novas regras do comércio global, no âmago da

Organização Mundial do Comércio –OMC. E a campanha Agriculture, je

t’aime representa um forte aceno da União Europeia (UE) a seus produto-

res de que eles permanecerão na atividade e que não existe uma real dis-

posição de construir as tais novas regras de comércio global neste campo

(o agrícola).

Fundada no princípio de manutenção da autonomia sobre a segu-

rança alimentar, esta prática, corrente desde o fim da Segunda Guerra

Mundial (Século 20) e inserida no Plano Agrícola Comum (PAC), diz respei-

to ao incentivo que o Estado oferece a seus agricultores por produto ex-

portado ou produzido, criando uma competitividade artificial, se compa-

radas agricultura subsidiada e aquela que não conta com tais benefícios.

Ao mesmo tempo, funciona como uma política de fixação do homem e da

mulher no campo.

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183

Ocorre que tal prática, de acordo com dados da OXFAM International

tem sido responsável pela desarticulação da agricultura de países subde-

senvolvidos e em desenvolvimento, já que o dumping corrobora direta-

mente para a perda de competitividade global dos produtos destes últimos

frente aos produzidos em territórios como o europeu, o americano, o ja-

ponês, entre outros.

No caso da UE, esses subsídios contribuem para a absorção de 49%

dos custos dos produtores inseridos neste mercado comum, ante os orça-

mentos bilionários que podem atingir cifras acima dos 40 bilhões de euros.

O desenvolvimento de estratégias comerciais, ao que parece, no cur-

to prazo, é o único mecanismo de ruptura para com esta competição

desleal da qual a agricultura de países como o Brasil podem lançar mão.

Além da certificação de produtos e processos, que têm forte influência

sobre a transposição das barreiras comerciais que normalmente são atre-

ladas à oferta de subsídios agrícolas, visando a proteção de mercados, a

construção de acordos bilaterais e multilaterais tem se mostrado um recur-

so valioso.

Há, também, uma necessidade de investimentos em marketing de

imagem da pauta agrícola brasileira que somente tem ocorrido lá fora, de

maneira pontual e setorial. Esta, sem dúvida, deve vir atrelada a outro

conjunto de investimentos que passam pela infraestrutura – modais de

transporte mais eficientes e sistema de armazenamento que permita a

comercialização de safras de forma planejada –, financiamento de máqui-

nas e equipamentos e

apoio do Estado às agriculturas de escala e familiar. Esses dois segmen-

tos têm papéis cruciais na busca estabilidade econômica, na manutenção de

superávits dos últimos anos registrados por nossa balança comercial e na

presença nacional em diferentes nichos de consumo em todo o mundo.

Talvez a campanha Agriculture je t’aime tenha incomodado tanto,

porque há muito tempo o Brasil vem recitando nos ouvidos da agricultura

brasileira o Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes, regado ao som

de Amor Vagabundo, de João Bosco e Vinícius, fazendo deste amor uma

cotidiana emoção nelson-rodrigueana.

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56Café Brasileiro na ICE Exchange:

um indicador de internacionalização

Publicado em 10 de maio de 2010

na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café

Margareth Woods tem uma visão muito arrojada em torno da inter-

nacionalização de negócios. Para ela, “aprender a fazer negócios é como

aprender a tocar instrumentos: demanda talento, trabalho duro e muita

prática. No caso de negócios internacionais, demanda talento adicional,

mais trabalho duro e muita sorte. Além disso, é preciso dominar idiomas

e preparar-se para a realização de viagens e até mesmo morar no exterior”

(p. 09). Iria um pouco além: a internacionalização de negócios depende

também de harmonização dos contratos entre os países, os parceiros ins-

titucionais de negócios.

A leitura do noticiário hoje me trouxe uma notícia feliz: a possibilida-

dede reconhecimento do café brasileiro como origem no Contrato “C” na

ICE Exchange. Uma consulta pública foi aberta para que todo o mundo

possa opinar a respeito. A sugestão pode ser enviada até o dia 15 de junho

de 2010, para [email protected], em língua inglesa.

Para quem ainda não é fluente no idioma do Tio Sam, mas quer

participar deste momento importante para o agronegócio café, sugiro que

não deixe de participar. Escreva as suas idéias em bom português e peça

ajuda a quem sabe. Qualquer coisa, ligue para o Ministério da Agricultura

e peça ajuda para elaboração da versão do seu texto. Como cidadãos

brasileiros, devemos mostrar total interesse por nossa marca.

O importante é participar, rompendo inclusive a barreira idiomática.

Só não vale o uso de tradutores de idiomas, porque os americanos têm

dificuldade de compreender textos produzidos em tradutores instantâneos.

Acertemos nos verbos e nas concordâncias e demonstremos o nosso inte-

resse, falando bem o idioma deles, para defendermos o que é nosso.

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185

Ao mesmo tempo, vale outra sugestão. Ante a notícia, gostaria de

sugerir ao DECAF e a BMF/Bovespa que criassem uma cartilha de Boas

Práticas de Comercialização de Café que pudesse ser disponibilizada aos

cafeicultores em caráter emergencial. Uma inclusão na bolsa nova-iorquina

mudará tudo e a grande maioria dos produtores rurais não sabe o que é

hedge, muito menos movimento de candle. A difusão de informação, con-

siderada a possibilidade de aumento do nível de coordenação da cadeia

produtiva, em nível global, obriga em caráter urgente, que o mercado in-

terno se prepare.

O primeiro passo requer uma maior integração entre os produtores.

Um modelo que vem sendo difundido pelo Ministério da Agricultura, Pe-

cuária e Abastecimento e que é bastante interessante é o modelo de con-

domínios. Estes podem ser uma alternativa para os produtores que não

querem se inserir em cooperativas.

O segundo passo, tangencia a própria indústria de café, especialmen-

te a de pequeno e médio porte, que deve se preparar para o aumento da

concorrência. Talvez, tal como já vem acontecendo no âmbito das empre-

sas de eletrodomésticos de médio porte, seja a hora de começar a pensar

em fusões e aquisições.

O terceiro passo, diz respeito ao próprio setor exportador, que deve

se preparar em termos logísticos para desenvolver a importação de cafés.

Pessoalmente, considero a inclusão do café no contrato nova-iorquino uma

grande oportunidade de inclusão do café industrializado brasileiro no mer-

cado global de uma forma mais agressiva. Com a inclusão no contrato,

será possível o industrial brasileiro negociar suas matérias-primas a futuro,

utilizando um parâmetro global, negociado em moeda estrangeira (dólares

americanos).

Este é um avanço importante, já que os padrões de análise sensorial,

ainda que não reconhecidos pelo Estado Brasileiro, estão unificados (me-

todologia SCAA).

Do ponto de vista teórico, a inclusão do café brasileiro como origem

na pauta do Contrato “C” oferece especificidade ao nosso ativo mais caro

e ao mesmo tempo, abre espaço para a harmonização contratual com a

5ª maior bolsa de mercadorias do mundo, que é a nossa. Esta experiência

já está se estruturando no caso do etanol, que abarca também as bolsas

européias.

Voltando à Margareth Woods, pode-se dizer que tal inclusão abre

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186

também espaço para a realização mais intensiva de investimento direto

estrangeiro no país. Isso é muito interessante para o setor produtivo, já que

o Brasil é o maior fornecedor de suprimento da indústria de café mundial

(grãos de café in natura). Poderia sim, haver alguns problemas no segmen-

to industrial nacional, mas de acordo com a própria entidade que repre-

senta o setor, a expectativa é que até 2020, somente 100 companhias

coordenem todo o mercado nacional. Ou seja, numa guerra de gigantes

pelo consumidor de café torrado, a “sangria será no próprio braço”.

Este movimento também é relevante, considerada a possibilidade de

aumento das áreas plantadas em áreas exóticas. O Brasil possui parcerias

comerciais com a maioria dos países em desenvolvimento do globo, os

quais, na sua grande maioria, também são grandes produtores de café.

Uma alavancagem do segmento industrial evitaria o aumento da importa-

ção de café industrializado pelo Brasil, que nos últimos anos, de acordo

com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,

não sofreu redução.

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57Voltemos ao IBC

Publicado em 24 de maio de 2010

na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café

Que o Krugman não me leia: mas eu ouvi dizer que a solução para a

descomoditização do café brasileiro está na regulação da oferta e da de-

manda do produto, a partir de estoques regulados pela iniciativa privada

e pelo governo. A culpa dos desmandos da cafeicultura agora é do Pinda-

ck, tadinho. Porque não pensar também em ressuscitar o Instituto Brasilei-

ro do Café, já que o discurso rechaçado de ontem foi restaurado, a ponto

da Lei da Oferta e Demanda ser apresentada como a grande solução do

setor? Já estou vendo os discursos: “este ato governamental, de grande

relevância, restaura a estima do cafeicultor e a importância da cafeicultura

como grande dama do agronegócio nacional”. “Por favor, esqueçam tudo

sobre qualidade e certificação, o negócio agora é a Lei da Oferta e da

Demanda: qualidade nunca mais, quantidade sim”. “Viva o IBC, gente!!!”.

“Rumo à retomada aos 60% do mercado global”.

Se eu estivesse na Alemanha, eu amaria esta idéia. Lá não se planta

café mesmo. Lá só se importa, torra, reexporta verde, exporta torrado, nas

modalidades torrado em grão e solúvel. Tudo da forma mais competente

e profissional possível. Mas estou no Brasil e eu tenho que discordar desta

nova tese do mercado (A Lei da Oferta e Demanda aplicada aos estoques

brasileiros), porque um discurso desse, pronunciado pelos lábios de quem

quer que seja, é impraticável. Explico. Quando se defende a Lei da Oferta

e Demanda, como parâmetro para o reconhecimento do café brasileiro

como origem no cenário internacional, é preciso inicialmente levar em

consideração o período histórico onde se vive (século XXI) e sobre a qual

tipo de plataforma estamos nos referindo (no caso a de produção), para

se então perceber que esta estratégia de poder sobre o mercado não fun-

ciona mais.

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188

Considerada a predominância nos negócios, fundados na comercia-

lização do café verde, referimo-nos à plataforma de produção que é per-

feitamente substituível. Não nos referimos a uma plataforma industrial

pujante, que controla o mercado global e mais de 50% do

consumo mundial. O Brasil precisa compreender que o avanço na

aquisição de terras realizada por meio de investimento direto estrangeiro,

em regiões como o Leste Africano, pode sim modificar a geografia cafeei-

ra global. Basta lançar mão de recursos humanos qualificados e técnicas

de agricultura de precisão, para esta revolução acontecer. Não será a ICE

Exchange que oferecerá a salvaguarda setorial: a negociação de café lá é

crucial, aliás, a negociação desta inclusão se arrasta desde o final do sécu-

lo XIX, quando a NYBOT foi criada e que ao que parece, será conquistada

somente agora, em 2010. Ela criará um parâmetro internacional de preços.

Contudo, não garante contratos com clientes.

Particularmente, estou esperando para ver o que os Adidos Agrícolas,

recentemente selecionados no corpo técnico do Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento, vão oferecer neste campo. Na minha humilde

opinião, deveriam ter sido captados dentro do Ministério do Desenvolvi-

mento, Indústria e Comércio, por razões óbvias. Comércio não é produção.

Neste sentido, pondero que o problema da descomoditização do

café brasileiro não será resolvido com a retomada do espírito do IBC, que

historicamente foi importante, mas não procede: é um problema de forta-

lecimento de canais de distribuição. Regulação de Oferta e Demanda hoje

em dia, além de ser um método antiquado, não é compatível com os rit-

mos do mercado internacional. Se eu fosse exportadora neste caso, sim-

plesmente criaria novas rotas de comércio, para não ficar dependente do

“grande produtor”: particularmente, quem pensou nesta infeliz idéia de

regulação da oferta e demanda, deveria estudar história do comércio, pa-

ra entender, que um dia, antes das Antilhas, o Brasil na mão dos holande-

ses, também era um grande produtor de açúcar... É assim que o mercado

responde a critérios decontrole insensatos. Tenho para mim que este reco-

nhecimento deorigem na ICE Exchange não sairá de graça para o mercado

brasileiro.

Sou a favor da montagem de uma equipe de vendas internacional e

organização de estoques brasileiros de café in natura, em locais estratégi-

cos. Investiria em pronta entrega do grão. Porque não temos um estoque

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189

em Bremen e na Antuérpia, onde estão concentradas mais de 70% das

torrefações alemãs?

Quem tem programa próprio de certificação de café com protocolo

alinhado com os principais protocolos globais, pode mais. Que alguém

repense a estratégia ou que a cafeicultura se cale para sempre.

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58O mar e a importação de café

Publicado em 30 de maio de 2010

na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café

Já faz algum tempo que li uma declaração de Aécio Neves, onde ele

lastimava a ausência do litoral em Minas Gerais. De acordo com ele, “o mar chora por não banhar as terras mineiras”. Ante isso, milhares de mi-neiros todos os anos rumam às praias capixabas, fluminenses e paulistas, para aplacar esta dor de cotovelo imposta pela geopolítica. Nem tudo é perfeito, mas o pão-de-queijo é nosso... Êh, marzão...

Pois é, com esta dose de bom humor, gostaria de dissertar sobre um assunto que já é corrente nas minhas reflexões há alguns anos: aconsoli-dação da plataforma industrial no Brasil. A constituição de um novo Grupo de Trabalho, formado no âmago da CAMEX – Câmara de Comércio Exte-rior, para mais uma vez consolidar estratégias para a competitividade in-dustrial, me leva a crer que o mar está para Minas, assim como a importa-ção de café para a cafeicultura brasileira.

Embora o país tenha na última semana celebrado um marco impor-tante, que foi a publicação da Instrução Normativa nº 16, de 24/05/2010, que trata do Regulamento Técnico do Café Torrado em Grão e para o Café Torrado e Moído, é preciso verificar que a inexistência de uma políti-ca industrial genuína para o setor cafeeiro, conduz à imposição de limites às possibilidades de agregação de valor ao café nacional e, por conseguin-te, à competitividade internacional do produto brasileiro. O que existem são políticas agrícolas, onde a indústria de café é um mero coadjuvante da estratégia de agregação de renda ao produtor. Se a visão fosse distinta dessa realidade, a importação de café, após dezenas de estudos realizados mostrando a viabilidade e os impactos favoráveis para a economia do país, já teria saído da gaveta e se convertido em Lei.

Isso fica extremamente claro quando se pondera que os pontos de investimento do Estado, fica concentrado na promoção do consumo com

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ênfase no mercado interno, controle de qualidade do café, preço e finan-ciamento da produção. A proteção à indústria de café, assim como a ex-portação de café industrializado não o é. Se fosse, os números das impor-tações de torrado estrangeiro não estariam disparando e a importação de café, ainda que restrita aos membros da ALADI, da qual o Brasil faz parte, liberada.

E o Estado não está errado, porque constitucionalmente os interesses públicos devem se sobrepor aos interesses individuais. E o interesse aqui ao qual me refiro é ao interesse público do segmento cafeeiro que gera maior número de empregos e gera maior distribuição de renda.

Ante isso, como fica a tal criação da plataforma industrial?

Há quatro anos estou trabalhando num modelo matemático que final-mente poderá ser facilitar a compreensão dos elementos que consolidam as bases para a contabilização da competitividade industrial do café. Mas dá para adiantar que o principal elemento a ser adotado é o incentivo a con-versação das companhias torrefadoras e de solubilização mais rentáveis de capital nacional, em transnacionais. Explico minha posição numa única frase: café verde raramente sofre interposição de barreiras tarifárias e a transna-cionalização, é um recurso de redução de resistência a produtos em merca-dos consumidores estratégicos. Importação de café para o Brasil não é viável. Transnacionalização de companhias torrefadoras brasileiras sim.

Primeiramente, é preciso considerar que melhor do que ter o café brasileiro negociado na ICE Exchange, seria ter ações de companhias de café brasileiras negociadas na ICE Exchange. Depois, melhor do que expor-tar café verde para transnacionais estrangeiras situadas em mercados con-sumidores estratégicos, é a exportação de café verde para transnacionais brasileiras situadas em mercados consumidores estratégicos.

Se o Brasil investisse numa política dessas, jamais voltaria a enfrentar painéis na OMC ou teria problemas em relação a barreiras tarifárias, que para o caso do industrializado, muitas vezes chega a ser exorbitante. Mui-tos podem dizer que tal ação exportaria empregos. Considerando a tecno-logia industrial de hoje, onde tudo se resolve num botão, eu diria que o número de empregos exportados seriam mínimos, perto do que o país

pode ganhar em termos de remessas de divisas e presença brasileira no

mercado mundial. É por isso que Guarapari e Cabo Frio são as duas

principais praias de Minas.

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59Agronegócio e narcotráfico

Publicado em 07 de junho de 2010

no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas

A crise de alimentos no mundo e seus respectivos impactos na eco-

nomia em razão da alta dos preços é tema frequente nos meios de comu-

nicação. Lê-se, também, sobre a fome que assola um volume crescente de

países situados essencialmente na África, na Ásia e na América Latina.

Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimen-

tação (FAO) indicam que a massa de famintos atinge 1/6 da humanidade.

Esta situação, além de fomentar o desespero diário em busca da sobrevi-

vência, leva homens, mulheres e crianças a se submeterem a inúmeras

formas de violência, que incluem a cooptação de pessoas pelo crime orga-

nizado, como no caso do narcotráfico.

Uma das principais vítimas nesse campo são os agricultores (homens,

mulheres, jovens e crianças), aliciados ou escravizados para atendimento

dos interesses desse mercado ilegal e bilionário. De acordo com Paul Goo-

tenberg (2005), o comércio de drogas ilícitas gera entre US$ 300 e 500

bilhões anualmente. O vulto econômico deste negócio alia-se à crescente

pressão da demanda mundial, impulsionada por cerca de 250 milhões de

pessoas– conforme estatísticas da ONU relativas ao ano passado -, as quais

imprimem o ritmo do aumento da produção ilegal, concentrada em países

em desenvolvimento na África, na Ásia e na América Latina.

Esse temerário crescimento redundou na Declaração Política e no

Plano de Ação de Cooperação Internacional para Controle das Drogas,

chancelada por 130 países em 2009 e que pretende reduzir a dependência

das drogas; combater o negócio ilícito; controlar elementos químicos rela-

cionados à produção de entorpecentes; erradicar, por meio de cooperação

internacional, ocultivo ilícito e ao mesmo tempo, fomentar o desenvolvi-

mento sustentável; combater a lavagem de dinheiro e aumentar a coope-

ração judicial.

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O tratado, infelizmente, acena para uma guerra que o mundo está

perdendo. O World Drug Report 2009 aponta que embora se tenha regis-

trado uma redução das áreas plantadas, em decorrência do combate rea-

lizado por instituições especializadas em repressão ao narcotráfico, não

houve um impacto significativo sobre a oferta de entorpecentes, já que a

produtividade por hectare tem aumentado de forma desproporcional, com-

parada ao avanço da repressão.

No caso da papoula (Papaverrhoeas), matéria-prima para a produção

de ópio, verifica-se que a área plantada ficou na casa dos 187 mil hectares,

distribuídos entre os principais produtores: Afeganistão, República Demo-

crática do Laos e Miamar, submissos aos interesses de grupos terroristas,

como os Talibãs. No caso da coca (Erythroxyloncoca), a área plantada nos

principais países produtores – Bolívia, Peru e Colômbia – permaneceu em

175 mil hectares, comandada por grupos guerrilheiros.

Esses três países, em particular, chamam a atenção por conta dos

seus laços históricos com a produção de coca voltada anteriormente ao

atendimento de parâmetros culturais pré-colombianos. A cultura “facilita”

a produção de coca e papoula com “alto padrão de qualidade”. É claro

que a adesão do elo produtor a esta cadeia produtiva bilionária e ilegal não

se dá de forma pacífica. O caso da Colômbia, em particular, permite clare-

za nessa percepção. A ação das guerrilhas, como a Força Armada Revolu-

cionária da Colômbia e o Exército de Libertação Nacional, fundada sem

movimentos campesinos contra o governo colombiano na primeira meta-

de do século 20, no período intitulado “La Violência”, é a principal peça

deste perigoso quebra-cabeça.

Léon Valência, em publicação de 2005, citando Nazih Richani obser-

va que a situação colombiana é dramática, considerando que “um milhão

de agricultores, pequenos camponeses

e trabalhadores agrícolas” têm na produção de entorpecentes um

meio integral ou parcial de sobrevivência. Esta dependência fica mais evi-

dente quando o autor explica que naquele país, o rendimento da coca

pode se equiparar ao do café,em termos econômicos.

“Por uma boa qualidade, o traficante paga, em média, US$ 1 mil por

um quilo de pasta de coca. Depois de comprar suas provisões e pagar seus

trabalhadores, o agricultor pode tirar para si cerca de US$ 325”. Esse valor

pode explicar os motivos pelos quais a produção tem aumentado, embora

a análise não deva se restringir à vertente econômica. O medo aliado à

Page 194: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

194

pobreza dilacerante, à fragilidade das democracias e do próprio Estado são

outros elementos que também devem ser colocados na balança.

Mais de 3,6 milhões de produtores rurais colombianos, 90% dos que

foram expulsos de suas terras, engrossaram, sobremaneira, a geração de

bolsões de pobreza nos centros urbanos, provocada pela expansão da

violência desde o início dos anos 1980. Muitos, fugindo de tal situação,

atravessaram ilegalmente a fronteira de países como o Brasil. Mais de 7 mil

pessoas são mantidas, hoje, como reféns das guerrilhas, sendo que mais

de 50 mil já perderam suas vidas por não concordarem com as políticas

das guerrilhas.

Essa rota de violência coloca o país no topo do ranking mundial das

vítimas de minas terrestres: mais de 10 mil pessoas, na maioria, produtores

rurais, foram atingidas por estes artefatos paramilitares, os quais, quando

não matam, deixam sequelas terríveis pelo resto da vida. Esses dados indi-

cam que os impactos do narcotráfico sobre a agricultura são temerários,

podendo contribuir de forma decisiva para a insegurança alimentar.

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195

60Da privatização da marca

Cafés do Brasil: uma reflexão

Publicado em 30 de junho de 2010

na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café

Em tempos de Copa do Mundo, os brasileiros lembram que são bra-

sileiros e todas as formas de viculação das coisas que mais amamos às

cores da Bandeira Brasileira, são atos muito bem quistos pela comunidade

de modo geral. O artigo da jornalista da Embrapa, relembrando a Copa de

1982, onde os Cafés do Brasil foram um dos patrocinadores do evento foi

muito simpático e me levou a escrever este aqui, alusivo a legalidade do

registro da Marca Cafés do Brasil, que a princípio é um Ativo Imobilizado

da União, por um ente privado no Instituto Nacional de Propriedade Inte-

lectual e Industrial, o INPI.

Não vou dedicar meus escritos aqui à entidade privada que também

mantém sob sua “guarda” o Centro de Inteligência do Café, Ativo Imobi-

lizado de propriedade do Estado de Minas Gerais, dedicarei sim estas linhas

a discutir sobre o aparato legal que tangencia a questão. Para tal, além de

consultas ao site do INPI, Portal do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento (base do Sislegis e da legislação alusiva ao Agronegócio

Café) e ao Portal da Transparência, lanço mão aqui do disposto na Cons-

tituição Federal (mais especificamente, das matérias alusivas ao Direito

Administrativo), na Lei nº 6.404/1976, na Lei

nº. 9.279/1996 e na Lei nº 11.638/2007 e da Portaria nº 184/2008,

do Ministério da Fazenda.

A quem couber, segue a minha pergunta: considerando que a marca

Cafés do Brasil é um bem incorpóreo da União, há no âmbito do aparato

legal brasileiro, algum recurso que autorize um ente privado, sem prévia

imposição de ato administrativo publicado no Diário Oficial da União, a

lançar mão deste referido bem e registrá-lo junto ao INPI, transformando-

Page 196: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

196

-o num bem incorpóreo particular? O ato de registro realizado pela enti-

dade privada em relação a este imobilizado historicamente público e que

foi transferido pela Lei nº 8.029/1990 para a União, é legal?

Observando o art. 12, da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, fica

claro que o conjunto de bens imóveis do patrimônio das autarquias (no

caso, o Instituto Brasileiro do Café), não sendo absorvidos pelas entidades

que as absorvessem ou as sucedessem, deveriam ser incorporados ao pa-

trimônio da União. Conjugando o disposto no art. 179 da Lei nº 6.404/1976

com o art. 5º da Lei nº 9.279/1996, verifica-se que os ativos imobilizados,

classificados como bens corpóreos e incorpóreos, envolvem a propriedade

intelectual e marca, classificados como ativos intangíveis, pela Lei nº

11.638/2007.

Assim sendo, é importante refletir sobre este registro realizado pelo

ente privado, criada pelo Departamento Nacional do Café, nos anos 1950,

para identificar o café produzido no Brasil. Nas atuais condições, não é

possível deixar de se ponderar na possibilidade do ente privado cobrar

royalties sobre o uso da marca num futuro próximo. Algum agente já

calculou o Goodwill da marca Cafés do Brasil hoje, para comparar ao seu

valor, após sua vinculação a ICE Exchange?

Na matéria que li, produzida por um técnico da Embrapa Café, está

expresso que a entidade privada autoriza o uso da marca, desde que todos

os membros relacionados ao agronegócio café brasileiro, sigam os padrões

dispostos no Manual do Uso de Marca por ela produzido.Transcrevo abai-

xo o texto de CAMPOS (2010):

“Hoje a \”Cafés do Brasil\”, registrada como marca no ano 2000 no

Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela [entidade privada],

é utilizada para identificar em todo o mundo os cafés de origem brasileira.

O logotipo \”Cafés do Brasil\” pode ser utilizado, segundo a [entidade

privada], pelo Governo Brasileiro, empresários e exportadores em seus pro-

dutos, contanto que sua aplicação siga as instruções contidas no \”Manu-

al de uso da marca\”. Este manual estabelece as corretas aplicações da

marca, conhecida como \”raminho do café\” e a \”logotipia\”, ou seja, o

desenho da letra no qual a letra s, em vermelho, representa os diversos

tipos de café que são produzidos no país. O uso correto da marca cria

identidade para os cafés brasileiros e contribui para o fortalecimento da

imagem da cafeicultura brasileira no Brasil e no exterior”.

Observando o disposto na Portaria nº 184/2008, as demonstrações

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197

contábeis públicas devem estar alinhadas com a legislação internacional,

que redundou na publicação da Lei nº 11.638/2007, que modernizou a Lei

nº 6.404/1976, o que torna a evidenciação dos ativos intangíveis, como a

marca Cafés do Brasil, na contabilidade pública da União, uma obrigato-

riedade.

Assim sendo, o registro da marca pela entidade privada não tem

validade jurídica, já que inexistem, atos administrativos que tenham trans-

ferido a ela a autorização do uso do bem público, para exploração comer-

cial. Ainda que a entidade privada leve a cabo o “pacta sunt servanda” no

momento, decorrente de algum acordo realizado informalmente em 2000,

é preciso que a comunidade cafeeira brasileira leve a cabo também que no

mundo jurídico, o “rebus sic stantibus”, também é uma possibilidade.

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198

61Café Conillon: o ‘boi de piranha’

da cafeicultura

Publicado em 12 de julho de 2010

na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café

Há dez anos faço análise do mercado do café e a história é sempre a

mesma: quando falta arábica no mercado, por causa da bienalidade baixa,

e o custo de produção da indústria de café sobe, o café conillon vira vedete.

Dei o nome de ‘boi de piranha’ a este artigo, porque este é o nome

dado ao boi que é sacrificado pelos boiadeiros, quando precisam fazer

atravessia de rios cheios de piranhas (peixe carnívoro que povoa algumas

bacias hidrográficas brasileiras) no Pantanal Mato-grossense. Eles pegam

o boi mais fraco, com menos valor agregado, sangram o boi e jogam no

rio, abaixo. Os boiadeiros esperam que o cardume ataque o boi. Enquanto

as piranhas comem o boi vivo, os demais animais, sadios, atravessam tran-

qüilos e seguem para as novas pastagens, onde ganham mais valor agre-

gado. Enquanto o preço da saca do arábica está na estratosfera, o conillon

quebra o galho, atendendo as necessidades do mercado, por ter um preço

historicamente mais baixo.

Não existe política de valorização do café conillon: existe sim, política

deformação de preço de café industrializado, para não gerar impactos

assustadores para os consumidores. Com a alta estimada de 12% no pre-

ço do café, que ainda é tratado como produto da cesta básica do brasilei-

ro, há um risco eminente da meta de 21 milhões de sacas consumidas ano

não serem atingidas nos prazos projetados. Isso me permite a dizer que a

idéia de produção de café conillon de altíssima qualidade é apenas um

subterfúrgio para aumentar a rentabilidade industrial, aumentando a par-

ticipação deste grão nos blends em até 40%, que é uma tendência global.

Um aumento dessa natureza não seria ruim, desde que politicamente, o

processo de compra tivesse continuidade, independente das condições do

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199

mercado de café arábica. A história comprova que esta necessária conti-

nuidade não existe, porque o que coordena a ação de compra industrial é

o preço da saca de café, combinada com o padrão de qualidade mínimo

aceitável para a composição de qualquer blend. Não há nada alusivo a

qualidade nisso: apenas matemática e gestão financeira. O produtor de

café conillon é o primeiro a sofrer quando a produção o preço da saca do

café arábica atinge patamares aceitáveis mercadologicamente e o Governo

Brasileiro investe em estoques reguladores. Quando a saca do arábica vol-

tar a ficar barata, ninguém vai se lembra de que o conillon existe, exceto

a indústria de café solúvel, que historicamente é o principal cliente deste

grão em nosso território.

O café conillon ainda é a base estratégica para a formação do blend

do café tradicional que é vendido no Brasil. Mais de 90% do café indus-

trializado vendido no Brasil é tradicional e ele precisa ficar entre os limites

superiores e inferiores de preços para que os consumidores brasileiros não

o substitua por chá mate. Em microeconomia, o chá é considerado o pro-

duto substituto do café.

O uso é relevante, porque o grão de robusta (ou conillon) impacta no

aumento de sólidos solúveis na mescla, além de ampliar a cremosidade do

café espresso: ele possui mais óleo por grão do que o arábica e em razão

disso, o espresso produz mais creme. Ao mesmo tempo, como sua bebida

é neutra, ele equilibra os defeitos do arábica e confere maior corpo a be-

bida. Trabalhei um tempo com classificação e degustação de café e os

resultados com o uso de robusta sempre foram fantásticos. Apesar de

todas as suas características nobres, o conillon somente é lembrado nos

momentos de crise e é para este ponto que quero chamar a atenção.

Para que o mercado de conillon se firme de forma consistente, o

primeiro passo seria a revitalização do contrato futuro de café conillon na

BMF/BOVESPA, vinculada a estratégia de criação maciça de Indicações Ge-

ográficas. Estes dois itens permitiriam a criação de linhas exclusivas de

cafés industrializados 100% conillon. Depois é preciso investir num pro-

grama de educação para consumo exclusivo para esta modalidade de café.

A idéia historicamente defendida não é a do “um país, muitos sabores”?

Não é exatamente isso que o S adicional presente na marca Cafés do Bra-

sil quer dizer? Observem que até mesmo o Super Café é um grão de ará-

bica. Ele tinha de ter um irmãozinho, levemente alongado, como um grão

de robusta é.

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Se não for assim, eu não acredito em política de valorização do Café

Conillon no Brasil. Ano que vem a bienalidade do arábica estará em alta e

a minha tese será comprovada. Estamos acompanhando... Espero estar

errada, sinceramente.

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62Comentários sobre o negócio

dos micro-lotes de cafés

Publicado em 12 de julho de 2010

na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café

O setor cafeeiro tem umas oscilações interessantes: de uma semana

para outra, submergiu o assunto drawback e emergiu o tema micro-lotes

de cafés especiais e a adição de robusta no espresso. Bom, hoje escreverei

sobre os micro-lotes, que foi pauta de uma entrevista que cedia o Coffee

Break em 2004. A tendência está se confirmando seis anos depois. Na

época, eu disse que o café um dia seria vendido como chá: em caixinhas

lindas, onde as varietais estariam estampadas nos pacotinhos, prontos pa-

ra o preparo e consumo. Hoje já existem as cápsulas, o que me permite

dizer que em breve, o pacotinho de café deve se concretizar em algum

laboratório da área de Engenharia. Naquela época, não havia me embebi-

do ainda nas águas das políticas públicas, mas hoje, como já as provei, é

possível lapidar o raciocínio com mais de meia década de vida.

Inicialmente, o micro-lote não deve ser tomado como uma política

pública para a construção do mercado de cafés especiais do país. Ele é um

mero recurso de marketing. E um recurso de marketing extremamente

pontual. Para elucidar a questão, remeto-me a uma fala do Secretário de

Agricultura do Estado de Minas Gerais, Gilman Viana Rodrigues, que ao

discorrer sobre o Concurso Estadual de Qualidade do Café Mineiro, dizia

que antes de criar os micro-lotes, era preciso certificar todo mundo. Minas

Gerais hoje possui um dos programas de certificação pública de proprie-

dades cafeeiras que deveria ser adotado em nível nacional, porque esta é

uma necessidade estratégica e que deve ser financiada com os recursos do

FUNCAFÉ. Do ponto de vista de política pública, o micro-lote, é perfumaria,

assim como a semelhança com as caixinhas de chá. Seria um item de lapi-

dação um diamante que ainda, apesar dos seus mais de trezentos anos de

Page 202: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

202

história, ainda encontra-se em estado praticamente bruto. Acredito que

em cinco ou dez anos, quando os grandes países consumidores já tiverem

construído outros canais de fornecimento de cafés para seu mercado, que

o Brasil, mantidas as condições atuais, enfrente um embargo branco tão

duro como o que enfrentou o mercado de carnes recentemente. O embar-

go foi tão letal que simplesmente quase deixou o Brasil sem indústria fri-

gorífica.

Certificação é sinônimo de defesa sanitária. Um país como o Brasil,

que tem na agricultura uma das suas mais relevantes bases econômicas,

tem como obrigação, cuidar deste assunto primeiro. É uma questão de

segurança nacional, à medida que a ausência de defesa sanitária consis-

tente impede que o país assuma o controle global do negócio de alimen-

tos, que é a nossa atual vantagem competitiva. Os micro-lotes são recursos

de marketing que devem ser tratados dessa maneira. Não podem ser tra-

duzidos como parâmetro de qualidade, porque são cafés produzidos es-

pecialmente para concurso. Nada mais, pois podem não sintetizar o todo

de uma propriedade. Eles têm de se distinguir do composto cafés especiais

e tornarem-se uma vírgula dentro de um nicho, chamados de grand crus

de terroir. Por isso são produtos exclusivos para leilão e consumo especia-

líssimo, nada mais.

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63Sobre a Café Damasco

Publicado em 24 de novembro de 2010 no Portal Administradores

Vez e outra ainda dou uma espiadela para ver as novidades no mer-

cado cafeeiro. A novidade, depois da IN nº 16/2010 do MAPA, é a aquisi-

ção da Café Damasco pela Sara Lee. Pessoalmente este assunto não é uma

novidade. Nem a compra, nem o cenário. Em tempos de investimento em

qualidade, sobreviverá quem tiver um caixa mais bem administrado. É o

fluxo de caixa que fará toda a diferença, pois é ele o único que poderá

financiar toda a tecnologia necessária para torrar o café tecnicamente

perfeito e ser envasado em embalagens com design arrojado. É o caixa que

financiará a competitividade e as estratégias de marketing e distribuição.

Isso independe de política, depende, aliás, de capacidade de gestão.

Creio que aí está o viés que fará toda a diferença para o cenário in-

dustrial brasileiro que anda um tanto de salto alto, talvez, pela concentra-

ção do volume de vendas de café nas mãos dos dez maiores empreendi-

mentos do país. 72,90% do café torrado no Brasil é produzido por dez

empresas. Ou seja, isso acena que os demais 27,10% podem ser degluti-

dos pela competição que, em minha opinião, ficou mais injusta com a

impetração da IN nº 16/2010 do MAPA. De um lado, ela estimula a quali-

dade do café para o consumidor, mas de outro, não cria as condições de

fomento financeiro para a sobrevivência do micro e pequeno torrefador

que certamente, no curto prazo, entrará em rota de colisão e extinção.

Digo isso com base no meu olhar de consumidora: por exemplo, as

gôndolas de café da cidade onde atualmente moro que fica a 780 km de

Cuiabá, estão mais coloridas e eu não preciso mais comprar café especial

pela internet, porque já há indústrias que entenderam que aqui também

há consumidores interessados em saborear um café diferente. Há uma

única máquina de café espresso na cidade, mas o café é excelente, porque

evidentemente alguém fica na cola. Toma-se até cappuccino italiano, com

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204

leite espumado e cacau em pó, que não fica devendo para nenhuma boa

cafeteria. O que isso significa? Que indústrias locais estão tendo que se

esforçar mais para conseguir matérias-primas de melhor qualidade, para

tentarem sobreviver. Passear num supermercado, quando se tem noção de

mercado é uma aula prática de autofagia. O pequeno a cada dia diminui

o seu preço, mas ao mesmo tempo, investe em tecnologia, para ver se o

consumidor continua acreditando no seu produto e marca. Mas quem não

é adepto às novidades?

Olhando tal questão, é possível compreender o volume de demissões

realizado pela Sara Lee ao assumir a Café Damasco: trata-se de estratégia

de redução de custos. Em indústria, depois do café, a mão-de-obra é o

item que mais impacta nos custos. Quem pode pagar por um torrador com

capacidade de 500 kg/hora, não precisa de muita gente dentro da planta

industrial. Basta uma ou duas para apertar os botões, que demandam

conhecimento em língua inglesa e informática.

Creio que a tendência é aumentar esta modalidade de prática.

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64Sobre a alta do preço do cafezinho

Publicado em 27 de março de 2011 no Portal Administradores

A Organização Internacional do Café (OIC) projetou para 2010/2011

uma safra de 133,7 milhões de sacas, o que significa um incremento de

8,3% em relação ao ano anterior. Para o mesmo período, a organização

prevê para o Brasil uma safra de 48 milhões de sacas. O consumo mundial,

ainda de acordo com ela, é de 132, 5 milhões de sacas, enquanto o Brasil

respondeu por 19 milhões de sacas. O estoque mundial para esta safra é de

13 milhões de sacas, embora ele signifique uma retração na ordem de 33%

em relação ao estoque mundial na safra passada, de acordo com a OIC.

Isso significa que ainda há uma margem de segurança de 14,2 mi-

lhões de sacas no mundo. É importante ressaltar que neste ano, a cafei-

cultura brasileira está no seu período de baixa bienalidade, o que significa

que ano que vem, a natureza pode oferecer o conforto que o mercado

procura. Dependerá das condições climáticas e dos tratos culturais realiza-

dos em campo. Levando-se em consideração a Lei da Oferta e da Deman-

da e o estoque remanescente, será que está faltando café mesmo? Será

esta a grande causa da alta do preço do cafezinho no país? Essas são duas

questões sobre as quais qualquer agente ligado ao agronegócio café no

Brasil deve ponderar, mas levando em consideração o perfil do seu seg-

mento de atuação. Ou seja, a planilha de custos do cafeicultor não é a

mesma planilha de custos do industrial do café ou do dono da cafeteria.

A indústria de café é dependente também dos preços do petróleo, já

que ele afeta o custo de distribuição (gasolina) e também o preço da to-

nelada da embalagem, já que o polietileno e o poliéster presentes nos in-

vólucros são subprodutos extraídos dessa commodity. Houve também uma

alta no preço do alumínio, que também compõe este insumo importante.

Até que se descubra uma tecnologia melhor, este é um dado não dispen-

sável em análise técnica. Além disso, conta com a questão do custo da

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mão-de-obra, relacionada ao aumento do salário mínimo. Estes itens, de

modo geral, respondem por 25% a 30% da planilha de custos da indústria.

O café, embora responda por 60% da planilha, gerou impactos fortes na

indústria, porque comumente esta não trabalha com estoque físico de

matéria-prima nem tampouco pratica hedge para travar preço. Com os

ataques especulativos observados nas últimas semanas ao café na ICE Ex-

change e que refletiram na BMF/Bovespa, a alta do preço do café para o

consumidor era uma tendência natural.

No caso do produtor de café, houve altas nos insumos que são utili-

zados para fertilização e outros tratos culturais, como defensivos agrícolas,

além do próprio custo com a mão-de-obra, que deverá se maximizar, com

a proximidade da safra. Ele também sofreu os impactos das altas dos pre-

ços dos combustíveis registrados nas últimas semanas. No caso das cafe-

teriais, o principal centro de custo também está no custo da mão-de-obra,

considerando que um quilo de café bem extraído pode gerar entre 120 e

160 doses de 50 ml. Aos cafeicultores, é importante ressaltar que o que

de fato importa na observação dessas informações, é o entendimento que

na verdade, o aumento da área cultivada deve ser ponderado com muita

cautela. Pode-se falar em renovação do parque cafeeiro, o que é favorável,

ponderando-se sobre o aumento da produtividade por hectare plantado.

Mesmo que o Brasil atinja 21 milhões de sacas consumidas até o ano de

2012, o que de fato importará é a qualidade do produto final. Discorrer

sobre qualidade parece redundante, mas esta é uma via sustentável, fren-

te ao comportamento do mercado consumidor num horizonte de dez anos.

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65 Coisas para se pensar no Dia Internacional do Café

Publicado em 14 de abril de 2011 no Portal Administradores

Como todos sabem no dia 14 de abril se comemora o Dia Interna-

cional do Café e no dia 25 de maio, o Dia Nacional do Café. Estava nave-

gando pelos canais de notícias especializados e em razão da data, li so-

mente notícias boas, especialmente centradas na defesa apaixonada da

qualidade do café.

Será que realmente o setor agroindustrial do café tem algo a come-

morar?

Creio que as conquistas atualmente comemoradas não são conquis-

tas, mas sim decorrências da conjuntura econômica na qual o país e o

mundo vivem. É, porque o crescimento entre 4,5% e 5% do consumo ao

ano é um dado de crescimento vegetativo, decorrente do acesso de par-

celas expressivas de consumidores brasileiros, cerca de 30 milhões de pes-

soas, que antes não podiam apreciar o cafezinho todos os dias. Seja num

ambiente com fusão e aquisições ou de falência ou de extinção de toda a

plataforma industrial do país, não afetará de modo algum o ritmo do

crescimento do consumo. Isso é tão certo quanto a permanência do café

industrializado como produto de cesta básica no Brasil. Esta permanência,

garante que o cafezinho nosso de cada dia seja parte do composto das

estratégias de defesa da Segurança Alimentar do país. Logo, a importação

de produto industrializado, que não possui restrição nenhuma, torna-se

uma instância de interesse público, de interesse nacional. O importante é

não faltar o café nas mesas, não importa de onde ele seja.

Isso é uma possibilidade que pode acontecer, se o setor do café não

fizer igual ao pessoal da soja, que hoje, 14 de abril, está em Cuiabá, dis-

cutindo o planejamento da safra brasileira de soja, para que o processo se

dê de forma articulada entre todos os Estados produtores. Ou ainda, avan-

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208

çando, começar a participar de eventos essenciais como o que foi promo-

vido pelo Instituto de Química e a Embrapa Café na Universidade Federal

do Rio de Janeiro, nos dias 11 e 12 de abril. O evento, que foi um show e

não contou com a presença de nenhum industrial no auditório e nenhuma

liderança política cafeeira, discutiu tecnologia industrial de café com repre-

sentantes de importantes centros de pesquisa especializados em café da

Alemanha, que todo mundo do setor está careca de saber que é o grande

ícone da Exportação e Reexportação de café em qualquer modalidade:

verde, torrado ou solúvel.

Recentemente, o Dr. Celso Vegro, publicou um artigo que ele intitu-

lou de «Leite Derramado» e que me fez rever alguns conceitos. Lá, o autor

apontava os números da exportação de café industrializado e defendia,

mais uma vez, a importação de café, que ainda não aconteceu, «em razão

da miopia dos líderes da lavoura». Sempre escrevi a favor da importação

do café, mas depois do que ouvi sobre a estrutura de construção da IN

16/2010, sou obrigada por bom senso, a voltar atrás no meu discurso

apaixonado e concordar com o pessoal que está, prudentemente, com os

dois pés atrás. A miopia pode ser interpretada como medo.

E o medo é uma característica de quem não planeja e nem sabe qual

o rumo que o trem está tomando. É praticamente dizer que os rumos estão

na mão de Deus e os resultados, são dependentes da sorte. Os dias 14/04

e 25/05 deveriam ser utilizados para reuniões em todo o Brasil, para dis-

cutir anualmente, o planejamento do agronegócio café. Hoje, esta possi-

bilidade está bastante facilitada, em razão da tecnologia. Porque não se

copiar o ótimo exemplo do segmento sojicultor?

Não basta colocar a marca «Cafés do Brasil» na Fórmula Indy para

dizer que o Brasil no contexto da sua economia cafeeira vai bem ou ainda,

externar que a qualidade do grão é tudo. A IN 16/2010 é uma prova de

que faltam elementos cruciais para a competitividade do agronegócio ca-

fé brasileiro: mais laboratórios oficiais, por exemplo, ou ainda, mão-de-

-obra qualificada. Fica aí a reflexão.

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66Cafeicultura, governança pública

e a IN 16/2010

Publicado em 16 de abril de 2011 no Portal Administradores

Acabei de ler a matéria muito bem redigida da jornalista Fátima Cos-

ta, para a Revista Isto É Dinheiro Rural, intitulada “Café de gringo, para

brasileiro beber”, discorrendo sobre a IN 16/2010. Em razão dele, segue o

meu artigo, que oferece algumas reflexões importantes sobre criação de

valor público e governança e a IN 16/2010.

José Mathias-Pereira (2010, p. xviii-xix), ao discorrer sobre criação de

valor público e governança, ilumina sua reflexão à partir das contribuições

oferecidas por Mark Moore na obra intitulada «Criando valor público:

gestão estratégica no governo», publicada pela Havard University Press em

2002. Moore explica que « não basta afirmar que os gerentes públicos

criam resultados que têm valor, eles precisam ser capazes de mostrar que

os resultados conseguidos valem o preço pago por eles (...). Só então os

gerentes podem ter certeza de que o valor público foi criado».

Mathias-Pereira explica a partir dessa contribuição proveniente do

pensamento de Moore, que o fundamento para esta criação de valor é

a qualidade do processo político, dado especialmente, pelos processos

legislativos. Mathias-Pereira explica que o processo legislativo é a base

da democracia e que é ele quem define o que vale e o que não vale ser

otimizado com o erário público, conforme é possível observar na referên-

cia que ele faz ao pensamento de Moore «aos que valorizam a política

como meio de criar uma vontade coletiva, e que veem a política demo-

crática como a melhor resposta que temos para o problema de reconciliar

interesses individuais e coletivos, quase não surpreende que o processo

político seja permitido determinar o que vale apena produzir com os re-

cursos públicos. Nenhum outro procedimento corresponderia aos princí-

pios da democracia».

Page 210: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

210

Em minha opinião, a IN 16/2010, assim como qualquer outra legis-

lação que proteja o cidadão brasileiro de picaretagem, especialmente na

área de alimentação, que toca a segurança do alimento, vale a pena. A

questão a observar aqui, do ponto de vista de gestão pública, é se a norma

agrega ou não valor para o processo político, se ela é capaz ou não defen-

der adequadamente os interesses individuais e coletivos. A atual questão

da IN 16/2010, em particular, é esta.

A Instrução Normativa nº 16 foi publicada na edição 98 do Diário

Oficial da União, em 24 de maio de 2010, tornando-se, a partir desta

data, o Regulamento Técnico para o Café Torrado em grão e para o Café

Torrado e Moído produzido e comercializado no território brasileiro.

O texto do regulamento apresenta todas as perspectivas necessárias

para a consolidação de uma ação de defesa não apenas dos interesses dos

agentes da cadeia produtiva do café nacional, mas também dos consumi-

dores brasileiros, que hoje somam mais de 96% da população do Brasil. O

café, como todos sabem é um produto tradicional na mesa do brasileiro

há séculos, sendo uma das pautas da cesta básica no país.

Em relação ao aparato legal, nada a declara. Em relação à situação

da estrutura de execução da norma, tudo a declarar. A publicação da

norma antes do planejamento adequado de infraestrutura de laboratórios,

contratação e treinamento da equipe responsável pela execução técnica

das exigências previstas no documento, só acenam que os processos polí-

ticos da cafeicultura brasileira continuam doentes.

Qual o defeito da IN 16/2010? Acreditem, ela só tem um defeito

capital, que vale por todos os defeitos possíveis e imagináveis quando se

desenha uma norma pública. O ponto rítico que coloca a IN 16/2010 em

xeque é o fato de só haver um único laboratório credenciado para o servi-

ço. Este é um laboratório privado. Este laboratório é o que presta serviços

para a indústria de café de Minas Gerais há mais de dez anos. Um dos

técnicos responsáveis pela microscopia também é funcionário da entidade

patronal que representa a indústria de café no Estado. Por mais que a

Administração Pública atualmente funde suas ações nas parcerias público-

-privadas, há certas coisas que, por bom senso, não deveriam ser delegadas

ao setor privado: o poder de polícia, por exemplo.

Vamos supor que uma indústria de café qualquer, em uma ou mais

marcas, ultrapasse os limites permitidos de umidade e resíduos e seja «pe-

ga» durante os ensaios de microscopia do laboratório credenciado pelo

Page 211: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

211

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Vamos supor que

esta uma ou mais marcas, seja de um dos diretores da associação que re-

presenta a indústria de café no país e que este mesmo diretor faça parte

do CDPC e que apóie os Programas Cafés do Brasil ou Café e Saúde com

financiamento. O MAPA atuará a indústria nos rigores da norma? Descul-

pe-me, mas serei como Tomé: eu só acredito vendo e se a Polícia Federal

for acompanhando a fiscalizaçãoo para fechar a indústria e o diretor for

preso, por ferir com seu ato de adulteração, o art. 5º da Constituição Fe-

deral Brasileira.

Definativamente, o Brasil não precisa de uma versão pública do pro-

grama do selo de pureza. Ele já existe e cumpre bem o seu papel. O país

precisa, sim, de legislação e fiscalização realizada pelas mãos do Estado,

utilizando a estrutura do Estado, para garatir isenção de seus processos.

Só isso.

Esta é a questão a ser discutida.

Se este gargalo não for resolvido ontem, temo em informar que a IN

16/2010, morreu. Enquanto o Brasil não resolve os seus gargalos legais

dentro de casa, ficará muito difícil falar de drawback de café. Não dá para

falar sobre criação de plataforma industrial de café industrializado.

Não dá para pensar em investimento pesado em exportação de café

industrializado, porque se não houver regulação séria no país, o Brasil

automaticamente abre precedente para qualquer país do mundo criar bar-

reiras técnicas para a entrada de nossos produtos em seus mercados. Para

criar valor público, a cafeicultura precisa planejar e executar do início para

o fim e não do meio para o início.

A matéria publicada na Isto É Dinheiro Rural, contendo declarações

de lideranças, é uma mostra de que o setor colocou mais uma vez os car-

ros nas frentes dos bois.

Page 212: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

212

67Substituição do Brasil como fornecedor global de café

Publicado em 18 de abril de 2011 no Portal Administradores

No mundo, atualmente, são 72 os países produtores de café, incluin-

do-se aí o Brasil, até o momento, maior produtor mundial do grão. Mas a

estatística aponta que tal perspectiva pode mudar.

Os interessantes dados apresentados pela Revista Veja, através da

matéria “Brasil começa a provar ao mundo o valor do seu café”, conduzi-

ram-me a confirmação de uma tese que venho defendendo a algum tem-

po e que explicitei no artigo “O Agronegócio Café em 2020: uma refle-

xão”, publicado em 20 de janeiro de 2010, no site Revista Cafeicultura.

Após a leitura e análise dos dados da matéria, surgiu a pergunta:

dependendo da posição que o Brasil assumir em relação ao perfil da sua

plataforma agroindustrial do café, é possível substituí-lo como principal

fornecedor de matéria-prima global nos próximos dez anos?

Inicio o meu raciocínio com um caso que estudei durante o meu

mestrado. Não citarei o nome dela aqui, mas trata-se de uma das maiores

cooperativas de café do país. Ao discorrer sobre a indústria torrefadora

dela que foi criada justamente com o objetivo de agregar valor pela indus-

trialização aos grãos especialíssimos de seus cooperados e a exportação

desses produtos com alto valor agregado, ela lidou com um problema

sério: a pressão de seus compradores, que a fez recuar num projeto arro-

jado de industrialização e exportação de café industrializado, em detrimen-

to da manutenção do seu já rentável negócio de comercialização interna-

cional de café verde. Ou era uma coisa ou outra.

Após a análise dos dados da Veja, que confirmam minha linha de

pesquisa, é visível que a substituição do Brasil não é um problema para os

grandes mercados consumidores, em particular em razão do crescimento

Page 213: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

213

do investimento direto estrangeiro na região do Leste Africano, através de

aquisição de terras para a produção de alimentos. Isso pode acontecer

face ao investimento denso na consolidação de uma plataforma exporta-

dora de café industrializado. Se estivermos almejando uma fatia no mer-

cado internacional de torrado na ordem de 30%, é preciso criar as condi-

ções no Brasil, para que os impactos na produção cafeeira brasileira não

sejam sentidos e a indústria nacional de fato, possa absorver o ônus das

modificações que os grandes compradores de café in natura do Brasil, irão

nos submeter.

Está na hora do Brasil realizar opções estratégicas para o seu negócio

do café. Sem trepidar, é possível afirmar que se o Brasil optar pela agrega-

ção de valor via o café torrado, terá de investir muito pesado, para arcar

com a substituição do café brasileiro, pelo produzido no Leste Africano. As

lavouras lá são incipientes, mas quem trabalha com café sabe que num

espaço de três anos, este horizonte é facilmente modificável: basta inves-

timento privado, tecnologia e gente para isso acontecer rapidamente.

Aquela região do planeta possui condições edafoclimáticas muito similares

às brasileiras, com o diferencial de realmente oferecer ao mundo o apelo

Fair Trade. É importante acender a luz amarela, pois em razão dessas con-

dições, a produção de cafés com características muito similares àquelas

alcançadas na região do Cerrado Mineiro e o Oeste Baiano, não é algo

impossível de acontecer. Se o mundo adquire o nosso café em razão do

corpo, lá eles podem, com adoção das mesmas tecnologias e práticas

agrícolas brasileiras, produzirem exatamente o que o mercado internacio-

nal quer, a um custo de produção bem inferior ao nosso.

Uma situação como essa pode acontecer em menos de cinco anos,

se o mercado internacional entender que o nosso produto deixou de ser

interessante e a nossa concorrência no mercado de industrializados passou

a incomodar.

Creio que é o momento do Brasil parar e decidir sobre qual caminho

adotar para o seu negócio. Não podemos abraçar a máxima do “quem não

sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. Ou o Brasil investe pesado

em verde ou investe pesado em torrado. Definitivamente, pelo tanto que

já estudei sobre competitividade internacional de plataformas nacionais,

não será possível fazer as duas coisas concomitantemente.

Page 214: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

214

Reitero: se não houver um investimento sério em planejamento para

o negócio do café do Brasil, a cafeicultura brasileira terá que se curvar à

história, ao abraçar, com grande pesar, o reencontro do café com suas

origens. Mas este é um assunto para o Ministro da Agricultura e o Diretor

do Departamento Nacional do Café, à luz da influência dos ácidos cloro-

gênicos.

Page 215: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

215

68IN 16/2010 e os princípios constitucionais

da Administração Pública

Publicado em 24 de abril de 2011 no Portal Administradores

O desenvolvimento de aparatos legais para o fomento da defesa da

qualidade do café no Brasil sempre foi um elemento defendido por todos

os agentes que compõem sua cadeia produtiva. Esse propósito, tornou-se

real quando da publicação da Instrução Normativa nº 16, de 24 de maio

de 2010, que foi recebida com grande alegria pelo segmento. Ela trata do

Regulamento Técnico para o Café Torrado em Grão e Café Torrado e Mo-

ído, “considerando os requisitos de identidade e qualidade, a amostragem,

o modo de apresentação e marcação ou rotulagem, nos aspectos referen-

tes à classificação do produto” (MAPA, 2010). A classificação, de acordo

com a referida instrução, deve ser realizada em razão da sua identificação

(aspectos físicos – se torrado em grão ou moído, teor de umidade máximo

de 5% e percentual de impurezas de até 1%, identificados por meio de

análise de microscopia) e pela qualidade (qualidade global da bebida, ob-

tida por meioda prova de xícara).

O texto legal, possui em seu texto, todas as condições e fundamen-

tos, para garantir ao cidadão brasileiro consuma, de fato, um produto de

qualidade, amparado pela ação do Estado brasileiro, que desde a data da

publicação da norma, tomou para si a responsabilidade de executar ade-

quadamente a defesa da matéria.

O artigo aqui, presta-se a refletir sobre os gargalos que tem impedi-

do que a vanguarda da cafeicultura, impressa no texto desta norma em

vigor, de fato o seja. A postergação da execução da norma, fere um im-

portante princípio da Administração Pública, previsto no art. 37 da Cons-

tituição Federal brasileira, em razão da Emenda Constitucional nº 19, de

04 de junho de 1998, que é o princípio da Eficiência. Fere, em razão disso,

outro princípio, que é o da Segurança Jurídica.

Page 216: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

216

Aprovada em 2010, a IN 16, que é estratégica para a transição da

cafeicultura brasileira para um patamar de competitividade mais arrojado,

possui problemas operacionais que colocam em xeque sua execução: a

primeira delas, ligada ao credenciamento de laboratórios (atualmente so-

mente um está autorizado, para atender as mais de 1.200 indústrias do

país, que processam 19 milhões de sacas de café) e o segundo, o treina-

mento de técnicos do Ministério da Agricultura, prorrogado para 2013, de

acordo informações do Departamento de Qualidade Vegetal, divulgadas

em 23 de fevereiro de 2010. Hoje, não existem fiscais treinados no Minis-

tério da Agricultura aptos a executar a norma que trata de café industria-

lizado, embora a norma já esteja em vigor.

O princípio da eficiência, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro

(2007), diz respeito a um dos deveres da Administração Pública, que tan-

gencia tanto o modo de atuação do agente público (do qual, segundo a

autora, «se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições”) e

ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública

(“com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação

do serviço público”).

Este princípio preceitua que os serviços públicos, no caso aqui os

alusivos ao cumprimento da normativa em questão, sejam oferecidos ade-

quadamente ao cidadão, a fim de salvaguardar os interesses públicos, sem

ultrapassar, evidentemente, os limites previstos em lei. Se este o princípio

constitucional da Administração Pública tivesse sido levado a cabo no pro-

cesso de planejamento, certamente, a infraestrutura necessária já estaria

à disposição da cafeicultura brasileira, criando conforto e não o desconfor-

to que ora submete o cidadão, que face da lei, à insegurança jurídica.

É válido ressaltar que o caráter normativo de um determinado

aparato legal não pode ser reinterpretado, face à preservação da seguran-

ça jurídica, que é outro princípio constitucional que corrobora com o prin-

cípio da eficiência. Vale citar novamente o texto de Di Pietro (2007): «o

princípio se justifica pelo fato de ser comum, mas na esfera administrativa,

haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a

conseqüente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando si-

tuações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior.

Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera in-

segurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua atua-

ção será passível de contestação pela própria Administração Pública.”

Page 217: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

217

Embora o café não gere problemas graves de saúde pública, como o

que acontece no caso dos produtos alimentícios de alta perecibilidade, a

IN 16/2010 acena que o hábito de colocar o “carro na frente dos bois” na

gestão dos negócios públicos da cafeicultura brasileira, mais uma vez, co-

loca em xeque a vitalidade de um setor ao longo desse século, que num

momento passado, foi estratégico para a construção deste nosso país.

O ideal era revogar a norma e republicá-la quando a casa (no caso a

infraestrutura) estiver toda organizada para que a lei, hoje no papel, possa

ser executada.

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218

69O verbo tentar e sua relação

com a política cafeeira

Publicado em 25 de abril de 2011 no Portal Administradores

O vocábulo tentar, que tomou parte do noticiário especializado em

agronegócios na última semana, em razão da Feira da SCAA que se reali-

zará em Houston, na língua portuguesa, é classificado como verbo transi-

tivo, que diz respeito ao emprego de meios para alcançar o que se deseja

ou empreende, bem como diligência, tratar de conseguir, intento, atração

e sedução. Diz respeito também à experiência, ensaio.

Pessoalmente, considero a tentativa, um passaporte para a mediocri-

dade. Remete à tentativa e erro e fundamentalmente, ao insucesso. Logo,

este artigo aqui é uma reflexão fundada na minha percepção, consolidada

ao longo da minha breve vida.

O verbo tentar me remete a uma passagem na minha vida: eu me

lembro como se fosse hoje odia em que li meu nome na listagem de apro-

vados no vestibular em administração da UFMT. Eu passei em segundo

lugar geral e corri para casa para contar para todos. Daí meu pai, na sua

santa ignorância, de homem com quarta série e com 30 anos de Amazô-

nia, me disse: “Você não fez mais que sua obrigação. Você devia ter pas-

sado em primeiro, porque na vida, não há espaço para o segundo coloca-

do”. Eu lembro que eu chorei a tarde toda, mas de posse da experiência

de vida que acumulo hoje, posso dizer que a fala dele era uma expressão

de realidade que naquele momento eu não compreendi. No mundo, não

há espaço para o segundo colocado: ele sempre recebe a prata, pelo con-

solo de ter perdido a partida.

Cada vez que eu tento, eu perco e me torno mediana. Quem tenta,

adquire percentuais de acertos e muitíssimos erros, que acabam, como

consequência, eliminando os bons resultados. Ao invés de conjugar no

cotidiano o verbo tentar, portanto, é melhor conjugar o verbo asserverar,

Page 219: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

219

que diz respeito a afirmar, assegurar, certificar, declarar. Este verbo remete

ao adjetivo assertividade, que diz respeito a fazer bem feito da primeira

vez. É um adjetivo que anda casado com o planejamento e a gestão de

qualidade, por se tratar de um indicador de minimização do retrabalho.

Quem trabalha com café sabe que na lavoura, não dá para tentar. Se

o cafeicultor erra em qualquer parte do processo, a qualidade do produto,

que é uma decorrência do esforço de um ano de trabalho e que gera o

prêmio financeiro pelo investimento de tempo, escorre tranquilamente

entre os dedos e vira uma perspectiva para a safra seguinte. Se todos os

cafeicultores brasileiros tentassem, apenas, o Brasil não teria condições de

afirmar que é o maior produtor e o segundo maior consumidor.

Mas porque é que na política cafeeira, apenas se tenta? Esta é uma

curiosidade que me aflige. Eu não gosto desse discurso, porque ele me

remete ao sentimento de que se está se fazendo algo, para cumprir tabe-

la. A IN 16/2010 é um exemplo clássico do espírito da tentativa que coor-

dena as ações do setor. É como o Centro de Inteligência do Café, a Agen-

da Estratégica do Café, o Conselho Deliberativo de Política Cafeeira, entre

outros que não me vem à memória. Os programas que não tentaram, mas

foram assertivos, como o Café & Saúde e o Genoma do Café, foram inter-

nacionalmente bem recebidos e difundidos, ressaltando a capacidade do

setor.

Com mais de 300 anos de tradição, não é possível afirmar mais que

a política cafeeira do país está em fase de aprendizagem, sendo tal pata-

mar um reflexo do que acontece no cotidiano setorial. Há algo errado,

porque a cafeicultura não tem mais espaço de tempo para tentar. Ou ela

faz ou não faz. E este fazer deve-se dar assertivamente, porque é necessá-

rio otimizar recursos e espíritos (refiro-me aqui às motivações das pessoas).

Espero que ao final da feira, na qual o Brasil está tentando recuperar

sua imagem no cenário internacional, o Estado Brasileiro consiga ao menos

acenar ao setor que o recurso investido, na ordem de R$ 1 milhão, se

converteu no aumento de vendas de café, em pelo menos 0,001%. Vale

a pena consultar o Portal da Transparência do Governo Federal para saber

quanto desse capital foi gasto em passagens e hospedagens.

Alusivo à questão do reconhecimento da marca dos Cafés do Brasil,

deixo impresso aqui um exemplo interessante que está sendo desenvolvido

no mercado americano, não consumidor de água de coco. Madonna

resolveu investir no produto, que passou a consumir em razão do seu affair

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220

com Jesus Luz. Ela montou uma empresa nos Estados Unidos que compra

água de coco de uma empresa do setor situada no Nordeste. Como o

consumidor americano não tem o hábito de consumo, ela está distribuin-

do o produto gratuitamente aos jovens americanos nas portas das escolas.

Já está fazendo isso há um ano e além de criar o consumo, divulga o

Brasil.

Gisele Bündchen mora em Nova York, em Manhattan. Se não rolar,

creio que o Sérgio Mendes com o Black Eyes Peas seria outra opção de

valorização de marca, embalada pela obra de Tom Jobim. Ou ainda, numa

visão mais divertida de valorização dos Cafés do Brasil, calharia bem o

desembolso de recurso para o licenciamento da marca do desenho Rio,

para vender café e o Brasil no mercado americano. Creio que ficaria boni-

tinho o Incrível Café batendo um papo em inglês com as ararinhas.

Page 221: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

221

70Bastidores do café nosso de cada dia

Publicado em 03 de maio de 2011 no Portal Administradores

O mundo realmente vive de hiatos e histerias. Na sexta-feira, come-

morou o casamento real britânico e hoje, segunda-feira, a morte do ho-

mem conhecido como o mais importante representante do terrorismo. O

primeiro chancelou uma continuidade e não impactou em nada as nego-

ciações nas bolsas de mercadorias; tocou apenas os corações com amor e

esperança. O segundo fato, por sua vez, além de colocar em xeque a po-

lítica internacional, proporcionou reflexos muito fortes e positivos nas bol-

sas de valores de todo mundo.

Os papéis do contrato “Coffee C” atingiram suas maiores cotações

dos últimos 34 anos. O contrato com vencimento em Maio de 2011 ter-

minou o pregão sendo cotado à US$ 304,25 a saca, registrando alta de

1,610% em relação ao pregão de sexta-feira. A alta registrada entre a

abertura e o final do pregão, entretanto, foi de 520 pontos, com negocia-

ção de 4 contratos. Já o contrato com vencimento previsto para Ju-

lho/2001, encerrou o pregão com alta de 1,865%, com a saca sendo ne-

gociada a US$ 305,55, alta entre a abertura e o final do pregão de 525

pontos, com 7.779 contratos negociados.

Paralelo ao desempenho do papel do café verifica-se que o preço do

papel do contrato “Brent Oil Crude”. O contrato com vencimento em

Junho de 2011, registrou queda de 1,04% em relação ao pregão de sexta-

-feira, sendo que o barril terminou cotado a US$ 123,83. Foram negocia-

dos 21.984 contratos. O contrato para vencimento em Julho/2011 também

registrou queda na ordem de 1,01%, sendo que o barril terminou o pregão

sendo cotado a US$ 123,59. Para este vencimento, foram negociados

4.896 contratos.

O café e o Petróleo são os dois contratos mais negociados no mundo.

Observa-se que o movimento de negociação no caso do Coffee C é distin-

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222

to do Brent Oil Crude, em razão do primeiro registrar movimento de mão comprada, enquanto o segundo registra mão vendida. O que isso significa?

Enquanto no caso do petróleo observa-se uma histeria em função da morte de Osama Bin Laden em razão desta “gerar estabilidade”, apesar do conflito da Líbia, que é um dos importantes membros da OPEP conti-nuar, o caso do café acena um conjunto de fatores, que envolvem (a) elevação da demanda em detrimento da oferta do café em grão, (b) im-pactos das chuvas na produção colombiana; (c) registro de baixas tempe-raturas no Brasil, em razão da frente fria que esfriou os termômetros bra-sileiros no último final de semana.

Evidentemente que o caso do petróleo pode sofrer mutações ao lon-go da semana, já que os conflitos armados continuam. Ou seja, há possi-bilidade do preço do barril voltar a subir, assim que os ânimos dos investi-dores se acalmarem. A economia americana ainda encontra-se em meio a uma turbulência e o conflito na Líbia está longe de terminar.

No caso do café, analisando os contratos com vencimentos em 2012, 2013 e 2014, verifica-se que a perspectiva é outra. O que demonstra que em breve, países produtores terão de criar mecanismos para reduzir o impacto da mão compradora, através da elevação da oferta de grãos para o mundo, conforme é possível observar nos dados abaixo (sequência: tipo

de contrato, mês devencimento do contrato, preço da saca, ajuste diário):

Contrato “C” [KC]Mês de

vencimento

Preço da saca

em US$Ajuste diário

KC

May 11 304.55 5.20

JUL 11 305.10 5.25

SEP11 307.80 5.30

DEC11 310.30 5.50

MAR12 310.40 7.55

JUL12 305.75 7.40

SEP12 299.75 6.90

DEC12 290.85 6.00

MAR13 283.45 3.30

JUL13 281.10 3.30

SEP13 278.20 3.30

DEC13 278.20 3.30

MAR14 278.20 3.30

Page 223: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

223

Uma das pautas que tenho discutido é a questão do planejamento.

Evidentemente que as cotações altas são significativamente atrativas para

quem produz o grão. Os dados da ICE Exchange acenam que o cenário

para os próximos dois anos, pelo menos, é positivo para os produtores,

mantida as condições atuais de mercado.

Contudo, o cenário de cotações altistas, por outro lado, pode gerar

uma desarticulação de estratégias de elevação de consumo no mercado

interno brasileiro.

Como é de amplo conhecimento, o mercado interno do Brasil, apesar

da expansão do consumo de cafés especiais, estimado em 3 milhões de

sacas, ainda é um grande consumidor de cafés tradicionais. Esta modali-

dade de café, que ainda responde por 16 milhões das sacas comercializa-

das no país, é atrelada a cesta básica, o que pode gerar uma retração de

consumo nos próximos dois anos, em razão da alta dos preços do produto,

que serão certamente repassados ao consumidor.

Ainda que no momento a vedete da promoção do consumo no mer-

cado interno seja a monodose e o consumo desta modalidade em casa, é

certo que pelos parâmetros de renda e estilo, tal apelo mercadológico não

deve superar a casa dos 27% da população brasileira, o que equivale total

de 51.094 milhões de pessoas ou 11.882 milhões de lares (considerando

a população consumidora de café no país é de 96% sobre 190.775 milhões

de habitantes e o tamanho médio da família brasileira, de acordo com o

IBGE é de 4,3 pessoas). Considerando o consumo per capita de 4,81kg/

ano, verifica-se que se houver êxito na estratégia de promoção da mono-

dose, dentro desta parcela da população que possui renda, o teto de con-

sumo seria de 245.762.14 Kg ou 4,096milhões de sacas.

Somando tal consumo com as sacas de cafés especiais já consumidas

em cafeterias ou no coador, teríamos então um universo de 7,096 milhões

de sacas de café especial sendo consumidas no Brasil.

Isso acena que ainda restariam 11,904 milhões de sacas consumidas

no mercado interno na categoria tradicional ou cafezinho coado, que são

consumidos anualmente por 132.050 milhões de habitantes no Brasil. O

dado acena que o volume consumido neste sentido é significativamente

grande, de forma que a não observação dos parâmetros econômicos, em

especial aqueles relacionados à renda e à inflação, podem impactar nega-

tivamente no volume do consumo per capita anual nos próximos anos, em

razão da população apostar na estratégia de substituição de produto.

Page 224: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

224

O que fazer ante tal cenário, que ainda pode se agravar frente a in-

tempéries climáticas (variável não controlável) e uma queda da cotação do

dólar (variável controlável, ma que gera vantagem competitiva em termos

de comércio internacional)? Haverá café o suficiente para atender o mer-

cado interno? Indo além, haverá café especial o suficiente disponível no

Brasil para atender sua clientela cativa?

Pessoalmente, observando os números, creio que a indústria de café

brasileira irá passar aperto, porque o cafeicultor, a cada dia, fica mais cau-

teloso. Isso permite afirmar que não são as histerias globais que estão

coordenando o pensamento da lavoura, mas sim os números, cada dia

mais cruéis, para quem tem na estratégia “mão para boca” uma condição

sine qua non para sobreviver.

Algo a se pensar.

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225

71Especulação no mercado cafeeiro

Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores

A prudência é uma qualidade que desde os trabalhos de Baltazar

Grácian, similariza-se à maturidade do espírito. Ela, em particular, ensina

ao ser humano juntamente com o seu parceiro tempo, a ver além das si-

tuações, especialmente números, como os que as cotações do café têm

acenado ao longo das últimas semanas.

O efeito assemelha-se a um tobogã, que do ponto de vista comercial

não é nada divertido. Somente hoje, no contrato com vencimento em

Julho de 2011, foram negociados 15.501 contratos, sendo que a análise

gráfica indica modificação da mão de comprada para vendida. Isso gerou

a desvalorização do contrato na ordem de 3,99% em relação ao pregão

do dia anterior, ou seja, se em 03 de maio a cotação final foi de US$

306,15 para a saca de 60 kg, a cotação final do dia 04 de maio, foi de US$

294,40, o que significou perda de US$ 11,14 por saca. Dentro do pregão

de hoje, a desvalorização acumulada foi de 1.165 pontos.

Mas como lidar com o cenário de curtíssimo prazo, que mantém a

tradicional instabilidade que faz do mercado cafeeiro um dínamo tão inte-

ressante?

Primeiramente, pautando-se pelo princípio da prudência, é importan-

te avaliar as motivações que conduziram à retração do papel em menos de

24 horas.

Se por um lado há a redução das distâncias entre a oferta e a deman-

da global de café, levemente realçadas pelas incertezas em torno da safra

colombiana de grãos, o comportamento do mercado hoje está mais para

um reflexo das tradicionais realizações dos investidores. Nesta quarta-feira,

após boatos de problemas derivados de intempéries climáticas no Brasil

próximo ao período de safra, aguardados, mas evidentemente não confir-

mados pelos termômetros em franca ascensão, verificou-se uma debanda-

Page 226: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

226

da especulativa, o que pode ser considerado normal. Este movimento é

tradicional, independente da condição da oferta e da demanda, cabendo

ao produtor, observar o melhor momento para negociar o seu produto.

É claro que neste momento, é prudente acrescentar, as incertezas em

torno da política externa americana, já que praticamente todas as commo-

dities negociadas no mercado americano registraram queda nesta data.

Observando a pauta em discussão no Financial Times, principal veí-

culos de notícias econômicas dos Estados Unidos, observa-se a incerteza

do mundo frente à confirmação da morte de Osama Bin Laden. Apesar da

Casa Branca tê-lo feito em rede nacional, nenhuma evidência cabal foi

oferecida ao mundo de que a «caçada» realmente findou.

Os Estados Unidos, que é o maior mercado consumidor per capita de

café do mundo, vem registrando problemas em sua economia há signifi-

cativo tempo, o que colocou em xeque a

aprovação do governo de Barack Obama, que após o anúncio dos

cortes bilionários no orçamento do país, envolvendo inclusive áreas estra-

tégicas, ocasionou perdas expressivas de popularidade e espaço no Con-

gresso Americano.

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227

72Carta ao bom-senso cafeeiro mineiro

Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores

Um dos projetos mais irritantes do setor cafeeiro mineiro é o chama-

do Bureau do Café, que é um remake do projeto do Centro de Inteligência

do Café (CIC). Mas eu tenho esperança, que com a beatificação do Papa

João Paulo II, o juízo volte a fazer parte da percepção dos líderes da cafei-

cultura mineira do cotidiano do setor.

O projeto é irritante, porque é uma chancela a ingerência do erário

público, o que contradiz o princípio da gestão para resultados que colocou

o Estado de Minas Gerais entre as referências no país na governança da

coisa pública. Minas Gerais, ou melhor, a cúpula da cafeicultura mineira

insiste em captar mais recursos para financiar um site e um escritório com

equipe especializada para a geração de dados estatísticos. Por lógica de

planejamento, o ideal e o sensato, é a abertura de concurso público, para

a contratação de profissionais para composição de equipe da Fundação

João Pinheiro, se for o caso, para que a instituição, que representa a van-

guarda mineira no que diz respeito a Minas Gerais, possa suprir a necessi-

dade do setor cafeeiro do Estado.

Dois estatísticos são suficientes para o atendimento de toda deman-

da cotidiana relacionada à pauta do café e eventualmente, se necessário

for, no caso de pesquisas mais complexas, a contratação de institutos,

mediante promoção de licitação de âmbito nacional, para a execução dos

processos.

Defendo esta linha, porque a produção de informação estratégica

não pode ser relegada a terceiros, porque abre o precedente para a ação

especulatória e a interferência e o uso político doserviço, que deve ter

total isenção neste sentido, para que a ação de inteligência não seja sujei-

ta aos óbices decorrentes dos interesses políticos, normalmente pessoais.

É importante ressaltar que o projeto anterior, o CIC, teve sua

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228

longevidade comprometida, em razão da terceirização, fundada no esta-

belecimento de contratos entre o Governo Mineiro e a Universidade Fede-

ral de Lavras. Isso gerou um dispêndio de R$ 160.000,00 anuais aos cofres

mineiros desde sua criação, recursos esses que se esvaíram, considerando

que a desativação do trabalho ocorreu em 07/07/2009. É válido ressaltar

que o projeto teve seu lançamento em Julho de 2005 e considerando

quatro anos de duração, consumiu nada mais, nada menos, do que

R$640.000,00.

Evidentemente que tal cifra aos olhos de muitos pode se tratar de

um recurso pequeno, mas se o mesmo recurso tivesse sido aplicado dentro

da própria estrutura que já existe no Estado, certamente os resultados

teriam sido diferentes, com o efetivo cumprimento do papel da área de

inteligência especializada em café para com o setor cafeeiro mineiro. Cer-

tamente o projeto não teria sido comprometido, pela descontinuidade

decorrente dos cortes orçamentários. Isso significa que a adoção da FJP é

estratégica para o êxito da gestão pública dos negócios do café em Minas

Gerais. É o mais prudente e inteligente em termos de gestão. Que a FJP

seja a opção ajuizada da política cafeeira de Minas, estado que aprecia a

vanguarda e continuidade de tudo o que faz, em razão do valor dado à

tradição que faz toda a diferença. É a opção na qual eu voto por ser a mais

transparente e a mais adequada às necessidades do agronegócio café mi-

neiro.

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229

73Nota sobre o Bureau do Café

Publicado em 13 de setembro de 2010

na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café

Gestão de custos e foco em resultados é um objetivo tanto dosetor

privado quanto do setor público. Neste sentido, a criação do Bureau do

Café, no foro do Pólo de Excelência do Café significa um investimento

desnecessário. Quando estava na Assessoria Especialdo Café da Secretaria

de Estado de Agricultura de Minas Gerais, preparava a transição do então

Centro de Inteligência do Café para a base da Fundação João Pinheiro (FJP),

consagradamente especializada em estatísticas e dados econômicos sobre

o Estado de Minas Gerais. Não tive tempo de fazer este procedimento

importante, em razão dos “arranjos políticos” que exigem que técnicos

tenham como credencial ser parente de cafeicultor.

O governo mineiro sem dúvida, não precisa desembolsar nada além

do que já investe no quadro de profissionais e estrutura da FJP, para pres-

tar todos os serviços necessários à cafeicultura mineira no campo da pro-

dução de informações especializadas.

Basta instituir um departamento dentro da Fundação para o fomen-

to do serviço de inteligência que o setor efetivamente precisa para a ma-

nutenção da sua competitividade.

A transição dos serviços de estatística da cafeicultura para a Fundação

João Pinheiro significa otimização de recursos públicos, com inteligência.

Apesar de toda a expertise da Universidade Federal de Lavras, em termos

de gestão pública, a transferência de recursos públicos através de serviços

terceirizados é uma gordura que deve ser extirpada e aplicada em outras

questões essenciais, como no caso, assistência técnica.

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230

74Os homens alfa, a IN 16/2010 e a gôndola do supermercado

Publicado em 12 de maio de 2011, no Portal Administradores

Uma das obras mais esclarecedores que li recentemente foi o livro “O

que os homens não contam sobre negócios para as mulheres: revelando

os segredos dos homens de negócios bem sucedidos”,de Christopher Flett.

O capítulo 4, intitulado “Coisas que motivam os homens nos negócios”,

é um tratado relevante que discorre sobre aspectos comportamentais do

que o autor denomina de “Homens Alfa”.

De acordo com o autor, “os alfas usam basicamente um processo de

três estágios para decidir sevão ou não fazer negócios juntos, que envolve

visibilidade, credibilidade e lucratividade. Podemos usar esse processo com

simplicidade com cada um porque os homens têm entre si um código de

honra. Um alfa não sai com a ex de um amigo. Não [fala] mal da família

de outro Alfa. Quando oferece a palavra a outro Alfa, assume uma obri-

gação. Não quebra promessas com os outros. Existe um nível básico de

respeito entre eles” (p. 70). Além desses três estágios, o autor expõem

outras facetas do comportamento do Homem Alfa, nato em suas insegu-

ranças: (a) quando homens travam guerras entre si a animosidade tem uma

expectativa de vida de 12 meses; (b) apoia-se os homens, mesmo que eles

estejam mal; (c) vale-se para a sociedade o quanto se ganha; (d) o ego é o

segredo do sucesso do homem alfa e também seu calcanhar de Aquiles;

(e) ele prefere sobressair-se a encaixar-se; (f) prefere assumir a frente de

tudo, mas não necessariamente fazer o trabalho; (g) ataca por baixo sem

ser detectado; (h) odeia críticas e ataca se alguém questiona a sua reputa-

ção; (i) ou é idêntico ao seu pai ou completamente diferente; (j) está mais

concentrado no objetivo do que no processo (p. 71-89).

Evidentemente que estes aspectos, não são ensinados nas escolas de

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231

negócio, onde normalmente as mulheres estudam o que torna esta obra

significativamente esclarecedora, na interpretação de situações cotidianas.

Por exemplo, uma mera ida ao supermercado hoje e uma observação

sistemática da gôndola de café industrializado, pode comprovar em 100%

a eficácia desta teoria. Até mesmo quem diz que o outro não atuará mais

no mercado cafeeiro, tem seus dias inglórios. Na verdade, o massacre

mercadológico é algo dialético, já que expõe as mazelas e abre preceden-

tes importantes para questionamento da eficácia institucional. A ação de

um alfa contra outro alfa é sintetizada pelas demonstrações contábeis,

decorrente da perda sistemática de cm² em áreas estratégicas de comércio.

A compressão, sem dúvida, após um massacre sistemático de 12 meses

consecutivos, normalmente, na área de negócios, redunda em assinatura

de contrato de vendas de empreendimentos, de forma que o alfa ganhador

oferece um prêmio de cinco a dez anos de exclusão do mercado ao alfa

perdedor, contratualmente assegurado.

A análise da gôndola, portanto, demonstra que a obra sobre a qual

discorro é capital para compreensão do ambiente de negócios, especial-

mente o do competitivo e autofágico mercado de café industrializado.

Se hoje é possível escolher-se café pela marca e não pela empresa (a

fusão oferece este tipo de inovação ao ambiente de negócios) nas grandes

redes, verifica-se que tal condição situacional abre um precedente sobre o

desprestígio de alguns elementos normativos recém-adotados pelo Estado

brasileiro, como no caso da IN 16/2010. Explico.

A padronização industrial gera também padronização de produtos

e, por conseguinte, oferece ao consumidor horizontes na área de segu-

rança do alimento. Raramente grandes fornecedores, com fluxos de cai-

xa rentáveis, têm desvios de qualidade em seus produtos ou serviços

oferecidos. Na verdade, o que existe é um investimento sistemático na

seleção de fornecedores, gerenciamento de suas operações e produção,

de forma que os consumidores sempre tenham em mãos o melhor, a

preços competitivos.

Com os indicadores de concentração de mercado, que no caso do

mercado do café estápraticamente concentrado na mão de 04 compa-

nhias, que respondem por 75% do mercado brasileiro, a IN 16/2010, per-

de sua razão de ser. Não há porque se legislar sobre controle de qualidade

para uma parcela de 25% de mercado, que tem longevidade questionável.

A reversão de posicionamento institucional que se tem assistido é tardia e

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232

infelizmente, não atende tempestivamente uma tendência de mercado que

já vinha se confirmando há pelo menos 15 anos.

A norma, portanto, perde seu caráter de salvaguarda mercadológica

e ao mesmo tempo, chancela um gradativo processo de enfraquecimento

e extinção institucional que deve se confirmar no mais tardar, em uma

década. Certamente, esta última, deixará de ser uma primeira escolha no

âmbito consultivo do Estado, entre outros.

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75De quem é a culpa do Brasil

importar café industrializado (T&M)?

Publicado em 16 de maio de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Thomas Hobbes certa vez escreveu que o “homem é o lobo do pró-

prio homem”. Parafraseando, em função do tema deste artigo, pode-se

se afirmar que “a indústria de café é o lobo da própria indústria de café”.

Antes de refletir sobre o segmento de café torrado em grão e ou

moído (T&M), é importante ressaltar que o Brasil é um grande exportador

de café industrializado: não se pode deixar de lado a indústria de café

solúvel, que promove a exportação de café com valor agregado pela in-

dustrialização desde a década de 1940. O Brasil, observando estes dois

segmentos, o de torrefação e o de solubilização, já é, há muito tempo, um

dos grandes exportadores de café industrializado no mundo. É por isso que

ao contrário do que acontece no segmento de torrado, o solúvel brasileiro,

vez ou outra, tem que entrar pesado na defesa de interesses das indústrias

brasileiras, por meio da impetração de painéis na OMC. Talvez este seg-

mento industrial não apareça tanto, porque ele é extremamente concen-

trado, mas mantém seu papel estratégico, especialmente para quem pro-

duz conillon em território brasileiro.

A questão que talvez venha incomodando um bocadinho é o

crescimento da importação de café torrado em grão e ou moído, que no

primeiro quadrimestre de 2011, respondeu pelo montante de US$ 12 mi-

lhões. De acordo com a SECEX, isso significa um incremento de 233% da

pauta em relação ao mesmo período em 2010, o que é expressivo, pois o

volume exportado de café pelo Brasil não anda na mesma velocidade. O

volume de exportações brasileiras neste mesmo período foi de US$ 6,4

milhões.

Como o texto tem no seu título a pergunta que coordena esta refle-

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234

xão, vamos encontrar o culpado agora. A culpa é do slogan “O Brasil tem

de ensinar o brasileiro a beber café”. A notícia ruim para a indústria brasi-

leira de café é que ao que parece, em razão dos números inquestionáveis

das importações, é que o processo não vai parar. Em 19 de fevereiro de

2007, eu publiquei no Jornal O Estado de Minas, no Caderno Agropecuá-

rio, tratando sobre este assunto. Recordo-me que na época, quando a

importação não ultrapassava US$ 1,5 milhão, teve gente que me escreveu

dizendo que eu era visionária e que a importação fazia parte de uma es-

tratégia de promoção de consumo, já que o café é igual ao vinho. Este

processo, depois da entrada da Illy, ganhou mais força ainda, através do

projeto desenvolvido pela ABIC junto com a rede Pão-de-Açúcar, denomi-

nado Pacafés.

Pode-se se chamar a estratégia hoje de tiro no pé?

Pessoalmente, acredito que não, porque a competição é positiva pa-

ra o desenvolvimento da competitividade industrial. O problema do país

não é de mercado, mas de algumas limitações políticas, decorrentes do

posicionamento do Estado e de crenças ultrapassadas de alguns elos do

setor, no caso, a própria indústria de café torrado em grão e moído, que

pensa que é agroindústria. Ministério errado, política errada, resultado da

Balança Comercial mais temerário ainda. Café é uma especiaria semelhan-

te ao vinho e se não fosse este raciocínio, certamente, o país não assistiria

o espetáculo da qualidade que hoje assiste que é decorrência de uma

vontade setorial nacionalmente consolidada.

Quem introduziu no Brasil a discussão sobre a qualidade, foi um in-

dustrial italiano, Ernesto Illy. Os brasileiros, não perderam tempo e come-

çaram a promoção desse processo em São Paulo. Começou a discussão em

torno da produção do cereja descascado, do desmucilamento, da norma-

tização para garantir padrão mínimo de qualidade. Daí devagarzinho, aqui-

lo que era uma tendência paulista, começou a ganhar força em Minas

Gerais, em particular na região do Cerrado Mineiro, que rapidamente re-

estruturou sinergicamente os produtores cooperados, criando o CACCER,

onde o marketing de origem tinha o seu maior representante. O Estado de

Minas Gerais ao perceber o êxito na experiência, em 1996, iniciou o pro-

cesso do Certiminas, que ganhou expressividade durante a gestão de Cé-

lio Gomes Floriani, então diretor do Instituto Mineiro de Agropecuária.

Logo, importantes estados produtores como Paraná, Espírito Santo e Bahia,

passaram a desenvolver programas estatais voltados ao assunto. Em 2002,

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235

a APEX-Brasil entrou no jogo e começou em parceria com o Sindicato da

Indústria de Café do Estado de São Paulo, o processo de promoção da

exportação de café industrializado (modalidade torrado & moído), que

acabou se tornando nacional. Programas de certificação privados nacionais

e internacionais de terceira parte começaram a ganhar força no cenário

nacional e o consumidor brasileiro começou a tomar um café que antes só

podia ser consumido além-fronteira. As cafeterias emergiram e a profissão

de barista migrou da Europa para o Brasil.

É a qualidade do café brasileiro, que sem dúvida, ainda mantém o

Brasil na dianteira e que garante que o país seja o segundo maior mercado

consumidor do mundo. No que tange aos interesses do segmento produ-

tor e exportador, portanto, tudo vai bem. A importação neste sentido é

uma consequência de posicionamento de multinacionais que preferem

investir em estratégias de canal diferenciadas, como a criação de lojas

próprias, as cafeterias ou boutiques. Esta não é só uma tendência da Nes-

presso. Antes dela, Illy, Lavazza, Segafreddo Zanetti, Delta e Starbucks já

ditavam um estilo de consumo de café. Historicamente, viajando lá atrás

ainda, pode-se dizer que o fenômeno do consumo de café fora de casa,

em cafeterias, vem desde o Cairo, no século XIV. O Egito foi o primeiro

lugar do mundo a consumir café proveniente do Iêmen.

A questão a se observar aí, é que as condições do mercado nacional

para indústrias, continuam fazendo com que o investimento direto estran-

geiro seja mais vantajoso dessa forma, do que por meio de implantação de

plantas industriais perto do suprimento de café verde brasileiro. Acredito que

a questão do controle de qualidade dos produtos conjugado com as fron-

teiras livres para o comérciointernacional sejam os principais motivos.

Como mudar esta questão no Brasil?

Creio que a indústria de café brasileira perdeu sua grande oportuni-

dade de barganhar aparatos legais que contribuíssem para a sua compe-

titividade, durante a gestão do Governo Lula. O segmento era o que deti-

nha a maior proximidade com a presidência da República, em razão do

então vice-presidente da república, José de Alencar (in memorian). Há a

necessidade da importação de café verde, sim. Mas há uma necessidade

muito maior que é o investimento na expatriação de companhias nacionais,

com subsídios do BNDES.

No curto prazo, é o que se deve fazer. Aproveitar o MERCOSUL nes-

te sentido pode ser uma alternativa, especialmente em tempos de discus-

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236

são de Sistemas de Preferências Comerciais na União Européia, que pro-

metem colocar o Brasil e a China fora do tabuleiro das exportações de

produtos com alto valor agregado. A participação brasileira no mercado

de café industrializado com tal aprovação de barreiras e a retração da

economia americana, só tende a despencar ainda mais.

A solução então é a importação de café in natura ou o aumento de

produção, portanto?

Pessoalmente, considero que hoje, com as condições de infraestru-

tura e fiscalização que o país tem, dada a dimensão da cultura cafeeira no

território, é sensato produzir mais, sob a pena de retração expressiva nos

preços da saca produzida pelo cafeicultor, do que autorizar a importação.

A IN 16/2010 infelizmente é um exemplo de que o Brasil, na área de

café, não está preparado para dar um passo tão importante, que é a aber-

tura de suas fronteiras para a entrada de café verde. O preço desta inefi-

ciência na infraestrutura é assistir, por enquanto, o desequilíbrio da Balan-

ça Comercial.

Este olhar certamente desagradará alguns segmentos, mas ele é cau-

teloso. Uma abertura de mercado dessa natureza exige: (a) construção de

laboratórios especializados em regiões portuárias e fronteiriças; (b) creden-

ciamento de laboratórios no território nacional; (c) contratação de pessoal

através de concurso público (fiscais sanitários); (d) treinamento de profis-

sionais do Ministério da Agricultura, Receita Federal, Polícia Federal, Força

Nacional e Exército para atuação em portos e fronteiras nacionais (como

todos sabem, a Bolívia, o Peru, a Colômbia e o Equador são produtores e

com tal ação, evitar-se-ia a entrada de café esquentado dentro das fron-

teiras nacionais. Isso também evitaria a entrada de outras mercadorias não

desejadas também, como entorpecentes); (e) dotação orçamentária; (f)

aparato legal regulando a questão (item mais fácil e barato de se fazer);

(g) consolidação de procedimentos burocráticos para o controle (rastrea-

mento de produtos on-line); (h) nenhuma gaveta por perto (para evitar

engavetamento da norma, evidentemente). Este último item o problema

mais sério que inviabiliza a competitividade no país, atualmente.

No caso do aumento da produção do café, basta realizar projeções

estatísticas entre oferta e demanda no prazo de 10 anos, selecionar a es-

pécie (se arábica ou conillon) e as variedades mais resistentes a impactos

climáticos como a seca e definir a área a ser implantada em cada região

produtora do país. Este processo é mais fácil, porque o investimento é

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237

menor e transfere a responsabilidade do Estado para o produtor e não

gera impactos orçamentários expressivos, exceto no campo do financia-

mento do plantio, colheita e endividamento. O que já é trivial na gestão

política do agronegócio café brasileiro: modelo de governança política

ceteris paribus, portanto. Voltando a Thomas Hobbes, percebe-se que a

indústria de café paga e deverá pagar, para continuar a viver em comuni-

dade, sob os limites do contrato social historicamente estabelecido. O sal-

do a descoberto da Balança é apenas um sintoma claro disso.

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76Da segmentação dos dogmas de fé ao pragmatismo político na cafeicultura

Publicado em 22 de junho de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Após a leitura de matérias sobre a participação do vice-governador

mineiro, Alberto Pinto Coelho, durante a última edição da Expocafé, con-

fesso que fiquei muito interessada em conhecer mais sobre “Nossa Senho-

ra dos Cafés do Brasil”.

Eu sou devota de Nossa Senhora e resolvi saber mais e até comprei

o livro que conta o legado da devoção do Brasil.

A autora sugere inclusive a criação de uma ecorreligião, que valorize

a devoção a uma planta, muito importante para o país. Entrei até na loja

virtual, que vende itens alusivos à imagem.

Há de se respeitar os ritos e os dogmas do catolicismo, muito mais

profundos e que tocam profundamente a fé, o sentimento, o espírito, em

detrimento de pontual interesse de mobilização política ou ação mercado-

lógica.

Por uma questão constitucional, o Brasil garante a liberdade de culto,

assim como garante a liberdade de expressão, entre tantas outras liberda-

des, atestadas no art. 5º da Carta Magna. Logo, se o setor cafeeiro eleger

uma rocha e começar a rezar para ela, ninguém irá contestar, desde que

feito com um mínimo de dignidade e não fundamente discursos políticos

que tradicionalmente não levam a lugar algum.

Sugiro que se o setor de fato pretende levar a cabo tal devoção, es-

pecializada em café, que ele tome o cuidado de contratar um teólogo

marianista e um advogado especialista em Direito Canônico, para funda-

mentar o culto de hiperdúlia, que diz respeito ao tributo que se faz à

“Santíssima Virgem Maria, em nome da sua dignidade de Mãe de Deus e

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239

por suas excelsas virtudes” (Quirós, 2011). Isso é sinônimo de respeito. De

rigoroso respeito.

Este cuidado é fundamental, inicialmente em razão do respeito ao

disposto nos artigos 1186 a 1990 do Código Canônico, aprovado em 25

de janeiro de 1983, durante o 5º ano do Pontificado do Papa João Paulo

II. Por exemplo, estão vendendo água benta, sendo que esta se trata de

uma dádiva, de uma relíquia dada ao povo pelo Pai, via as mãos daqueles

providos do dom sacerdotal. Além disso, tal cuidado é crucial, para a va-

lorização dada de forma adequada de um dogma da Igreja Católica, valo-

rizada em vários documentos eclesiásticos, dentre eles, a Carta Encíclica

Supremi Apostolatus Officio de Sua Santidade o Papa Leão XIII, que versa

sobre a importância de Maria para o catolicismo e ressalta a incontestável

relevância do Rosário Mariano, como um mecanismo “instituído contra os

heresiarcas e contra o serpear das heresias”, tratando-se de um importan-

te ícone no processo de fomento da fé católica. Como se pode cultuar

Nossa Senhora, sem o rosário?

Pessoalmente, considero que o setor cafeeiro deveria reduzir o tama-

nho do seu salto e voltar-se um pouco à realidade, voltando-se de fato à

tradição. Não fará mal; aliás, permitirá que as mãos de Deus continuem a

abençoar a todos com safras cada vez melhores. Escrevo tudo isso porque

noto que as lideranças políticas do setor, que definitivamente estão a cada

dia corroborando para a sua bancarrota, não tem noção de limite. É pre-

ciso separar as coisas, a política, da fé. O Estado e os representantes do

Estado devem ser laicos. O culto a Nossa Senhora deve ser reservado, não

mote de palanque, porque se trata de uma heresia sem precedente e

acena que apesar do país estar no século XXI, as bases fundamentais da

política cafeeira em nada evoluiu. Algo que é digno da nossa indignação.

Uma política laica age dentro dos rigores da lei e busca sempre o melhor

para o seu povo e ela não tenta ser carismática, tocando a fé dos cidadãos,

até mesmo porque o país vive em franco processo de ascensão da diversi-

dade de culto religioso. Uma política laica trabalha para frente e não fica

reinventando a roda, como relançando todos os anos Frentes Parlamenta-

res do Café.

Uma política laica reage, quando Ministros do Supremo Tribunal Fe-

deral comparam o café à maconha, para argumentar a favor da Marcha

da Maconha. Uma política laica é rápida frente à execução de projetos

fundamentais, como a IN 16/2010 e discute sem medo, programas sistê-

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240

micos de geração de competitividade para o país, investindo pesado em

programas de certificação públicos, salvando suas pequenas e médias in-

dústrias de café e valorizando a comercialização de café com valor agre-

gado pela industrialização. A política laica vende “made in Brazil” e valo-

riza a presença desta frase em suas embalagens em qualquer canto do

mundo.

O político inserido nesta lógica de Estado valoriza a razão e não

move a emoção, porque por natureza, é um apreciador de resultados,

coisa que o setor cafeeiro não vê há muito tempo. Ele não se magoa quan-

do é pouco citado em discursos, porque sabe da sua relevância e se preo-

cupa em buscar alternativas inteligentes para dar os resultados necessários,

a fim de que a visibilidade setorial alcançada no terceiro quarto do século

XX seja retomada, quando internacionalmente, café e Brasil eram pratica-

mente sinônimos. O político do Estado laico, portanto, não vive de passa-

do: ele pára, planeja o presente e mira o futuro com os olhos de águia.

Isso não significa que ele abra mão em intimidade, de pedir as bênçãos

espirituais, a fim de que iluminado pela sabedoria divina, ele consiga rea-

lizar um trabalho que beneficie somente e tão somente, a sociedade que

nele confia.

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241

77O risco e a competitividade internacional

do café industrializado

Publicado em 27 de junho de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Tornei-me uma apaixonada pela Administração Pública e por tudo o

que está relacionado à política e ao Estado, a partir do instante que com-

preendi que o desenvolvimento, a competitividade setorial, a qualidade de

vida de um povo e a dignidade das pessoas dependem de bons marcos

regulatórios e de bons gestores, capazes de implantá-las.

O artigo da Dra. Sylvia Saes e do Pesquisador Bruno Varela Miranda

merecem um comentário afirmativo neste sentido. De fato, é preciso au-

mentar a exportação de café torrado e moído. Isso é tão inquestionável

quanto à necessidade do plano de safra no país e a presença ostensiva do

Brasil nos fóruns de negociação agrícola dados no foro da OMC.

Ocorre que há uma distância evidente entre os esforços do Estado e

Institucional e o esforçoempresarial, que precisa ser reduzido, a fim de que

o objetivo, que é o incremento da exportação de café brasileiro, na moda-

lidade torrado e moído, ganhe incremento e torne-se item representativo

na Balança Comercial Brasileira.

A distância à qual me refiro pode ser resumida numa única palavra:

risco.Como o Brasil é um país democrático, a partir da Constituição Fede-

ral de 1988, a presença de conselhos público-privados na estrutura do

Estado tornou-se um elemento importante, no campo do apoio da toma-

da de decisão estratégica das ações da União. Um exemplo neste sentido

é o Conselho Deliberativo de Política Cafeeira – CDPC, sobre o qual, já faz

um bom tempo, não se ouve falar. Conselhos como este têm a função de

dizer ao Estado quais são as prioridades do setor e quais as diretrizes es-

tratégicas que a administração pública deve adotar, a fim de atender com

eficiência, os anseios apresentados.

Page 242: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

242

No campo da exportação de café torrado e moído, é visível que o

segmento não aposta no risco de se tornar a maior plataforma de café no

mundo. Há interesses envolvidos, não apenas do ponto de vista do merca-

do interno, como por exemplo, a alegação de problemas fitossanitários,

mas também de cunho econômico, como a possibilidade de quebras de

contratos de exportaçãode café in natura. O sentimento observado na

gestão, neste campo, é o de cautela. O alinhamento dos olhares institu-

cionais é que ditará para onde o setor irá.

Quando se avança para a esfera dos marcos regulatórios, ainda den-

tro do âmago do Estado, observa-se os problemas com a burocracia ou a

falta de acuidade com a busca da eficiência. Um exemplo importante e que

certamente pode influenciar a questão da exportação do café, é a IN

16/2010. Se tudo correr bem, em 2013 ela se tornará um marco efetivo.

Cito este documento em razão de sua relevância para o desenho de estra-

tégias de internacionalização, por se tratar de instrumento facilmente har-

monizável com normas de mercados compradores importantes, como o

Europeu, que possui exigências técnicas elevadíssimas em relação a outros

mercados consumidores.

Na arena do esforço empresarial, o setor cafeeiro, na contramão de

outras cadeias produtivas brasileiras, tem registrado um incremento sig-

nificativo de Investimento Direto Estrangeiro, através de fusões e aquisi-

ções. Entretanto, é certo que cabe ao setor inverter a mão, adotando

procedimentos já bem-sucedidos em outros segmentos, por meio da aqui-

sição de plantas industriais em mercados considerados estratégicos para

o segmento.

Este, considerado um horizonte de cinco anos, certamente é o cami-

nho mais curto para otimizar as exportações de café brasileiro torrado e

moído. Assumir riscos neste campo depende de planejamento estratégico

e apoio do BNDES, apoio este já adotado por outros segmentos, ressalta-

-se. Não se trata de exportação de empregos ou do adiamento do projeto

de alavancagem das exportações de café torrado e moído a partir de solo

brasileiro, mas do aumento da presença de uma indústria importante em

território estrangeiro, erguendo a bandeira brasileira.

No campo das importações, a questão depende apenas de ajustes no

marco regulatório, através de impetração de barreiras técnica e tarifária.

Um modelo para a configuração de uma reserva do mercado nacional

seria o estudo do sistema da Cota Hilton, que define quanto de cortes

Page 243: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

243

nobres de carnes brasileiras podem entrar nos Estados Unidos. Países de-

senvolvidos, por natureza, defendem suas indústrias nacionais, adotando

procedimentos desta natureza. Algo para se pensar por aqui tanto quanto

na promoção internacional do café brasileiro além-fronteira.

Page 244: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

244

78Novos fatores de impacto

no mercado interno de café

Publicado em 29 de junho de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Frente à eminente fusão do Grupo Pão de Açúcar com o Carrefour,

ampliando a concentração do varejo brasileiro e a respectiva presença do

Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no mercado interno, resta estabelecer

uma análise sobre os desafios que a indústria de café terá pela frente, nos

âmbitos institucional e comercial.

A eleição da ABIC trouxe vários fatos novos: o primeiro e o mais

grave na minha percepção foi a drástica participação da indústria de café

mineira na composição da chapa para a diretoria, que vai na contramão

histórica da composição de diretoria da instituição. A segunda, sem dúvida,

grave também e que possui tom de guerra comercial, é a saída da Sara Lee

e do Café Três Corações, as duas maiores companhias do segmento torre-

fador nacional do quadro da instituição.

A ausência da indústria mineira é um sintoma muito sério de mor-

tandade de companhias e falta de diálogo, num mercado que comporta o

segundo parque torrefador do país e que certamente responde por 25%

do quadro de associados da ABIC. Apesar do diretor anterior não ter apre-

sentado à comunidade cafeeira um balanço dos seus dois mandatos, o que

se fazia necessário, frente aos impactos que este período de governança

trouxe para o setor, é certo que a ausência de sua marca do mercado da

capital e a má qualidade virtual na apresentação institucional dos dois

sindicatos de indústria de café que ainda dirige indica que a indústria de

café mineira está na UTI e que definitivamente, assistirá nos próximos anos,

uma mortandade drástica do seu parque torrefador. Mais do que a neces-

sidade de articulação institucional interna, o Estado de Minas Gerais, ao

Page 245: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

245

contrário do vizinho, Estado de São Paulo, não possui políticas consistentes

para oferecer suporte à sua indústria.

Enquanto deputados mineiros vão à China, a indústria torrefadora

mineira falece em meio a um silêncio ensurdecedor e que tende a piorar,

em razão das pressões que se desenham em relação à concorrência e às

pressões que devem se intensificar, vigorosamente, do varejo. Ao passo

desta questão, é visível que a saída de dois gigantes do quadro da ABIC

coloca em xeque os programas da instituição. Há muito tempo discorro

sobre o fato do consumidor preferir preço. Hoje, nesta análise, incluo a

questão da fidelidade de marca. Se as duas maiores companhias se desli-

garam do único ponto de conversação forte da indústria de café brasileira,

o segmento associado precisa se associar, porque as duas, sozinhas, pos-

suem orçamento suficiente para direcionar o mercado consumidor para

onde desejarem, sem qualquer preocupação em relação ao rumo institu-

cional que o setor adotará. Hoje, a cada vinte embalagens de café dispo-

níveis numa gôndola de supermercado mineira, em média, pelo menos 15

são de uma das duas marcas, o que mostra que o Selo ABIC, apesar de ser

importante na percepção do consumidor, não impacta mais na decisão de

consumo de produto. Numa possível guerra de marketing contra marke-

ting, vencerá quem possuir o orçamento maior. Pessoalmente, considero

que as duas levam e tem capacidade financeira suficiente para produzir

um efeito dentro do mercado interno de café, que pode no médio prazo,

corroborar para a extinção da mais tradicional representante indústria tor-

refadora nacional, por falta de associados.

Na última semana, o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Co-

mércio, Fernando Pimentel, foi entrevistado pelo programa Conta-Corren-

te, da Globo News, e durante sua fala ficou explícito o interesse da defesa

da indústria nacional. Considerando que há participação da indústria de

café na Confederação Nacional da Indústria e nas Federações de Indústria

em todos os Estados da federação, é chegado o momento do setor real-

mente parar e virar-se para o Governo Federal e exigir políticas de Estado

específicas.

Um setor que responde por mais de 19 milhões de sacas processadas,

não pode ser deixado ao léu. Ele é estratégico para a sobrevivência e a

lucratividade de toda a cadeia produtiva, especialmente, a produção, que

tem no mercado interno, certamente, um bom porto seguro.

Page 246: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

246

79Coalizão política e café

Publicado em 06 de julho 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

O Fórum do Café merece uma análise bastante acurada do ponto de

vista político, em razão do desenho que este, a partir desta data, 05 de

julho de 2011, recebeu do Governo do Estado de Minas Gerais.

De antemão, é um trabalho de coalizão política, que envolverá mais

de 400 municípios produtores mineiros, além de instituições tradicionais

no âmbito da discussão de atividades vocacionadas ao agronegócio café

no Estado. Remete-me a um modelo de ouvidoria com ares de assembléia

de cooperativas, o que oferece uma grande proximidade do cotidiano da

lavoura com o gabinete do Governador, Antônio Anastásia. No âmbito da

política cafeeira estadual, ao que parece, trata-se de prática inovadora. Em

razão desse formato, ela também se torna uma prática de altíssimo risco

político caso os parceiros, responsáveis pela gestão do canal de comunica-

ção com as bases, sejam mal escolhidos, o que pode ocasionar perda de

energia tal, que sacrifique alguma perspectiva relacionada à reeleição. A

aplicação do conceito de clusters, para a coordenação desse modelo de

governança pública, pode ser útil.

Evidentemente, que no âmbito do Fórum, algumas arestas necessi-

tarão ser aparadas. Creio que a mais relevante, embora o representante da

indústria de café de Minas se fizesse presente durante o evento, esteja

relacionado à questão do setor industrial mineiro. Interessante foi ver Do-

rothéa Werneck caminhando para a mesa do café, praticamente desacom-

panhada, enquanto da diretoria da indústria descia a rampa.

Sinceramente, calharia bem à indústria mineira divulgar quanto de

café torrado a mais e quantas indústrias mineiras de café deixarão de fe-

char suas portas, depois que a representação institucional do setor, passou

a incentivar as últimas ações do Estado, tais como o Pólo de Excelência do

Café.

Page 247: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

247

Caso não haja interesse pessoal na pauta atual [novas indústrias pa-

ra Minas], evidentemente que o setor deveria ter se mobilizado antes do

evento e dissuadido o Governador da idéia de captar novos empreendi-

mentos industriais para o Estado em detrimento de criação de políticas de

desenvolvimento industrial, que valorizassem o parque torrefador já exis-

tente. A idéia de captar novas indústrias de café para Minas Gerais, no

segmento de torrado em grão e ou moído e solúvel, ao que parece, é um

movimento que gera visibilidade política, mas que na prática, sacrifica o

trabalho de quem já vem batalhando no cotidiano, para manter seu negó-

cio em funcionamento e gerar renda e manter empregos de mineiros,

dentro desse segmento da cadeia agroindustrial do café.

É importante salientar que o estudo produzido pelo INDI em 2005,

que é o documento que fomenta este argumento do Estado de captar

novas indústrias de café para território mineiro, não se aplica mais a reali-

dade de mercado, cada dia mais concentrado, com níveis de autofagia

surpreendentes. Neste campo, o Fórum do Café, já nasce dando um tiro

no pé, no caso, nos pés dos industriais de café mineiros. Rever esta pers-

pectiva, ao que parece, portanto, é crucial e saudável.

Page 248: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

248

80Convênios institucionais e cafeicultura

Publicado em 12 de julho 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Comumente, verificam-se algumas dúvidas entre cafeicultores sobre

a compreensão da dinâmica de funcionamento dos convênios institucio-

nais. A título de exemplo, tem-se a dúvida da cafeicultora Maria das Graças

Douglas, que tem sua propriedade na cidade de Raul Soares, externada

através de uma rede social brasileira. O pertinente questionamento dessa

senhora e que me chamou a atenção, diz respeito ao fato dela ainda não

estar recebendo ágio de preço em seu café, que é certificado pelo Progra-

ma Voluntário de Certificação de Propriedades do Estado de Minas Gerais,

o CERTICAFÉ. Segundo ela, a ABIC – Associação Brasileira da Indústria de

Café não tem feito o seu papel.

A primeira coisa que cabe compartilhar sobre a questão, é a compre-

ensão de que os acordos institucionais público-privados, na verdade, pres-

tam-se apenas para duas coisas: (a) articulação política e (b) estímulo para

o desenvolvimento econômico e social, em razão das portas para negócios

que cria. Os convênios, portanto, são atos políticos que imprimem a visão

de quem está com a caneta na mão, em relação a uma perspectiva de

desenvolvimento. Trata-se de uma estratégia de governança estatal, com

apoio formal das instituições setoriais envolvidas.

Tudo o que extrapola esta ferramenta de gestão pública, torna-se

assunto de iniciativa privada, não de Estado. Ao Estado cabe apenas, a

criação das condições de investimento e desenvolvimento, podendo ou

não envolver o segmento privado, para quem ficam os custos e os benefí-

cios. Comumente, isso se dá através do estabelecimento de aparatos le-

gais. Ou seja, a adoção das benesses decorrentes destes acordos institu-

cionais, que redundam em leis, por sua vez, depende do interesse da

iniciativa privada, que se funda no planejamento estratégico de cada em-

presa, porque tradicionalmente cada ação demanda investimento finan-

Page 249: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

249

ceiro, gerando custos e gastos. Isso vale para produtores, vale para indús-

trias, vale para serviços.

Logo, um acordo firmado entre a ABIC e o Estado de Minas Gerais,

como aquele que a cafeicultora expõe em sua dúvida, abre portas para

negócios, mas não necessariamente obriga as companhias torrefadoras e

de solubilização a adquirirem o produto certificado pelo sistema e tampou-

co, a utilizarem o selo que representa o programa, em suas embalagens.

Ainda assim, o investimento em certificação, é líquido e certo, inde-

pendentemente das condições de mercado no curto e no médio prazos. E

isso vale para toda a cadeia de custódia do agronegócio café brasileiro,

não importando o porte do empreendimento rural, industrial ou comercial.

Observando a questão da certificação em si, levando-se em conside-

ração a tendência de expansão do consumo de cafés especiais no país e a

dinâmica do mercado cafeeiro global num horizonte de uma década, a

adesão a programas de certificação torna-se um imprescindível estratage-

ma para a aquisição de competitividade, com oferta de vantagens compe-

titivas ao mercado. Vantagem competitiva diz respeito a uma ou mais ca-

racterísticas de negócios que não podem ser facilmente copiadas pelos

concorrentes, enquanto à competitividade, um estágio do negócio que lhe

permite competir entre os melhores no ambiente de mercado.

Quem está certificado, já está globalmente inserido.

Mas se houver o interesse em certificação e houver também uma

perspectiva de retorno de investimento limitada, tipo safra subsequente à

recepção da certificação?

Antes de certificar, é preciso planejar, porque se faz necessário com-

preender que dependendo do programa de certificação adotado, a renta-

bilidade almejada pode não ser imediata. A certificação no meu entendi-

mento deve ser decorrente da maturidade do negócio, ou seja, um

investimento realizado quando a companhia ou a propriedade já é econo-

micamente sustentável. O apontamento relevante neste caso é utilizar o

bom-senso, estudar o mercado e planejar: a certificação deve ser uma

benesse, não uma dor de cabeça, pois ela deve ser tratada, como disse,

como um investimento empresarial para a geração de uma vantagem com-

petitiva do negócio.

Como o CERTICAFÉ é um programa público, o importante é que o

setor, dado o andamento do processo, consolide-o como um benefício

Page 250: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

250

apolítico e que tenha plena continuidade, independentemente de transi-

ções de governo.

Digamos que se trata de uma precaução recheada de mineiridade. E

desconfiança em relação a um terreno tão instável quanto o terreno polí-

tico é uma medida de exímio bom-senso.

Atualmente no território mineiro, os ventos estão favoráveis, apesar

das massas polares que estão trazendo leves geadas para a maior região

produtora de café do país, o Sul de Minas. O evento no Palácio Tiradentes,

no último dia 05, imprime tal tônica, dado que agora é o Governador e o

Vice Governador do Estado de Minas Gerais, que coordenarão o Fórum da

Cadeia Agroindustrial do Café. Ou seja, o céu é de brigadeiro e todos os lí-

deres estão dentro de um único Embraer, buscando pousar na bem-aventu-

rada meta da sustentabilidade da cadeia produtiva. Pela primeira vez, em

anos, os cafeicultores de Minas estão sobre a mesa do chefe do governo

mineiro, sendo assunto efetivamente de prioridade. Em gestões anteriores,

a cafeicultura já tinha sido alçada a Projeto Estruturador do Estado, mas não

dentro das mesmas condições atuais. Aos selecionados para representarem

o setor no Fórum, fica a responsabilidade de assumirem a função, sem pen-

sarem na quantidade de paraquedas disponíveis dentro da máquina, que

porventura, no futuro próximo, possam ser requeridos para salvaguardar

interesses políticos individuais. A oportunidade é tão única, que envolve um

risco político extraordinário, do governador, logicamente. É certo que no

Estado onde o 21 de Abril é comemorado com tanta pompa, o sacrifício

individual em benefício da coletividade torna-se coisa corriqueira.

Algo para se refletir.

Page 251: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

251

81Nota sobre o Sou Agro e o Efeito China

Publicado em 19 de julho 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

A campanha “SOU AGRO”, lançada pela Associação Brasileira de

Marketing Rural e Agribusiness traz um alerta bastante sutil para o agro-

negócio café. O setor, desta vez, foi salvo pelo café-da-manhã, que é um

substantivo mais popular para o desjejum ou a primeira refeição do dia.

Não se trata de falha no roteiro estrelado por Giovanna Antonelle, porque

na fala da mídia, estão presentes apenas os segmentos patrocinadores do

projeto: leites e derivados, soja, algodão, celulose, etanol, suco de laranja.

Frio, último artigo publicado na Folha de São Paulo pelo Dr. Roberto

Rodrigues, talvez nos conduza pela mão a um ambiente onde o cafeicultor

e quem trabalha com café só se lembre de proteger tudo o que é mais

relevante, quando mais nada há a se fazer. Quando a morte já tomou

conta e tudo o que era amado já se foi.

Até quando a política cafeeira brasileira será a geada que acaba com

as expectativas e os sonhos das pessoas e com as possibilidades reais de

construir uma plataforma competitiva para este setor tradicional da eco-

nomia brasileira?

SOU AGRO e FRIO, me fizeram pensar profundamente sobre muitas

coisas. Talvez, porque a geada mais forte que o setor enfrenta não seja a

climática, mas seja a ausência efetiva de projetos de longo prazo, que

conduzam o país a patamares de competitividade tais, que não dilacere

um contribuinte importante para a pauta econômica da pequena e média

agricultura. O café é um grande gerador de renda e emprego, em qualquer

parte do país. E não se ponderar sobre a cafeicultura, a partir desta pers-

pectiva, que exige mudanças profundas na forma de governança e na

mente das lideranças, dentro de pouco tempo, será tido como crime de

lesa-pátria, porque a caneta de alguns define a trajetórias de milhões. É o

Page 252: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

252

único setor agroindustrial do país, com fundo financeiro próprio, o que

gera muita mágoa quando se percebe que por ingerência política, o setor

não está participando de uma campanha de marketing estratégica e rele-

vante como esta que está em curso.

Notem que se no âmbito de uma campanha publicitária de R$ 15

milhões de reais, o setor cafeeiro inteiro não pode entrar com 10% deste

valor, é sinal que algo está errado. Muito errado. Este é o sinal que está na

hora das boas e velhas lideranças aposentarem as chuteiras ou melhorem

os graus dos seus óculos, porque a falta de visão é indigesta demais, para

quem insiste em bater no peito que no Brasil está o melhor café do mundo.

Esta falta de atenção, por sua vez, conduz-me a ponderar sobre

outra questão que está em voga no setor, que é o ressurgimento das dis-

cussões em torno do Efeito China no âmbito da economia cafeeira. Uma

viagem que merece reflexões, do ponto de vista técnico. É necessário

cautela e pés no chão em relação a tal questão, especialmente no que diz

respeito a produtores situados na Região Centro-Sul do país, em particular

no caso de Minas Gerais, onde este assunto está quentíssimo na esfera

política.

Explico.

Estou em Rondônia agora, estado que ocupa a segunda posição no

ranking nacional da produção de Café Conillon e que fica na divisa com

países produtores de café arábica importantes, como a Bolívia, o Peru e o

Equador e muito mais perto da Colômbia e da Venezuela, país para o qual

a EMBRAPA CAFÉ está vendendo tecnologia. Rondônia também fica ao

lado do Acre, estado brasileiro, onde começa a rodovia Transoceânica, que

passa pelo Peru e chega ao Oceano Pacífico.

Pensando na lógica chinesa de se fazer negócio, advinha com quem

os chineses negociarão para comprar todo o café necessário para atender

o seu mercado emergente e que é demandante cada vez mais de cafés

especiais?

Tenho plena convicção que o Conillon Sustentável de Mato Grosso,

Rondônia e do Acre ficará uma delícia com os arábicas bolivianos, perua-

nos, equatorianos, colombianos e venezuelanos, cultivados em altitude,

em terras vulcânicas, colhidos a dedo e secos em terreiros suspensos. Será

um café com apelo Fair Trade fantástico, que irá retirar a competitividade

de parcelas importantes de mercado da produção brasileira.

Se eu fosse chinesa, certamente era este o café que gostaria de

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253

comprar: ele será ótimo do ponto de vista sensorial e muito mais barato,

em razão da logística.

Logo, um investimento do setor na campanha do SOU AGRO, que é

voltada para a valorização de diversas cadeias produtivas no contexto do

mercado interno, seria uma ótima idéia. Isso permeia também o encontro

do consenso político em torno da chamada política industrial, tema de um

próximo documento.

Page 254: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

254

82Sobre a essencial política cafeeira – Parte I

Publicado em 19 de agosto 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Aguardei nos últimos dias, o manifesto setorial em torno da carta

encaminhada pela presidenta Dilma Rousseff ao recém-eleito Diretor Exe-

cutivo da Organização Internacional do Café, Robério Silva, por ocasião de

sua eleição e que está publicada em bom português no site da organiza-

ção. Assim como também aguardei manifestos sobre as propostas que ele

apresentou, quando da sua candidatura. Como ninguém o fez, estou aqui

aproveitando a oportunidade, para compartilhar minhas impressões sobre

todas as coisas boas e relevantes que li.

Para tal, estabeleço aqui uma análise reflexiva sobre os apontamentos

da Presidenta da República Federativa do Brasil e a proposta de trabalho

submetida pelo então candidato, Robério Silva, à apreciação do Conselho

da Organização Internacional do Café. O texto será publicado em duas

partes, em razão da necessidade de atender o padrão editorial e ao mesmo

tempo, permitir ao leitor a degustação das ideias aqui dispostas.

Análise da carta enviada pela Presidência da República à Robério Silva:

A eleição por aclamação do Sr. Robério Silva foi decorrência de ampla

articulação diplomática brasileira junto ao corpo aos membros da Organi-

zação, o que permitiu que já de pronto, Silva garantisse a posição com um

apoio de pelo menos 80% dos membros da instituição (países produtores

e consumidores).

O apoio da Presidenta da República, expresso por meio de sua carta,

é extremamente significativo, não apenas por ser a Chefe de Estado do

Brasil, que é o maior produtor e exportador de café do mundo, mas tam-

bém por ser a terceira mulher mais influente do planeta, de acordo com a

Revista Forbes (EUA).

Page 255: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

255

Após os cumprimentos ao diretor recém-eleito, ela externa a relevân-

cia da eleição para a estratégia de fortalecimento da imagem do Brasil no

cenário mundial. Ao mesmo tempo, reforça a participação do Governo

Brasileiro na reaquisição de um posto estratégico para a cafeicultura do

país, “após interregno de 11 anos” (ROUSSEFF, 2011).

Este manifesto merece atenção especial, porque o café ainda conti-

nua sendo a nossa marca registrada lá fora, embora se trate de produto in

natura, que remete a uma imagem de plantation. Contudo, ao externar o

fortalecimento da imagem brasileira e a participação do Governo Brasilei-

ro na reaquisição do posto, o texto externa uma maturidade relevante dos

empreendimentos conduzidos pela diplomacia brasileira. A conquista de

espaços políticos em todas as arenas é o primeiro passo para a conquista

de espaços de mercado.

Talvez a Rodada de Doha tenha contribuído para este processo. Du-

rante muito tempo, o país apostou numa via da multilateralidade, que

inviabilizou a expansão dos negócios brasileiros, especialmente aqueles

relacionados à pauta agroindustrial. Com o fim das empreitadas em torno

da Rodada, o vigor foi direcionado para a ação bilateral. Pode-se dizer que

a OIC então, é uma arena interessante para o país, em virtude de viabilizar

caminhos para negócios bem-sucedidos, além de fomentar alinhamentos

de interesses, que gerem benefícios econômicos, sociais e ambientais entre

parceiros.

Já no terceiro parágrafo da carta, a Presidenta da República expõem

suas impressões sobre o papel da OIC para os aspectos sociais e econômi-

cos tanto para o país, quanto para outros países produtores e consumido-

res no mundo. Transcrevo-o a seguir:

“Em um momento de turbulência econômica e financeira mundial,

a Organização, junto com outras entidades internacionais, terá papel im-

portante para introduzir racionalidade e justiça nas relações comerciais

globais, hoje fortemente ameaçadas pelo protecionismo. Aproveitemos,

por outro lado, as oportunidades para melhor posicionar os cafeicultores

em um mercado internacional que se expande pela emergência de novos

países produtores e se verticaliza graças à sofisticação do consumo”

(ROUSSEFF, 2011).

O café é um dos produtos econômicos com maior impacto social, em

razão da sua convergência com a realidade da pequena propriedade. No

mundo e também aqui no Brasil, este é um negócio essencialmente fami-

Page 256: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

256

liar. Ao propor a introdução da “racionalidade e da justiça nas relações

comerciais globais”, a presidenta acerta na mosca, por se tratar de uma

urgência a ser tangenciada, num setor onde o valor do trabalho (do café

pronto para a venda) é medido pela intenção e disponibilidade de infor-

mação no mercado. Criar mecanismos que fomentem qualidade de vida

para quem é a base de um negócio global que perde em volume financei-

ro apenas para a cadeia produtiva do petróleo, sem dúvida, é um dos

grandes desafios a serem superados pela OIC nos próximos anos.

Mesmo com a adoção do Código Comum para a Comunidade Ca-

feeira, as ações da Organização não avançaram muito na consolidação de

um mercado mais justo, mais democrático, talvez porque a base esteja

muito distante de Londres e das cafeterias fair trade europeias, que ditam

moda, inclusive no Brasil. Pautando-me aqui no pensamento de Amarthia

Sen, é possível afirmar que a cafeicultura tem plenas condições de corro-

borar para a quebra do ciclo de pobreza que usurpa a liberdade e a digni-

dade das pessoas.

Ao mesmo tempo, tem-se o recado da presidenta para o Brasil, que

não deixa de ser também uma preocupação sobre a necessidade dos ca-

feicultores brasileiros se preparem para a nova conjuntura mundial do mer-

cado cafeeiro. Nesse cenário delineado por ela, encontram-se os novos

entrantes e a sofisticação do consumo de café.

A possibilidade da China utilizar seu know-how na produção de chás

para a produção de cafés talvez não seja tão preocupante quanto a trans-

ferência de tecnologia de produção cafeeira colombiana para lá. Os cria-

dores de Juan Valdez, sem dúvida, continuam sempre dois ou mais passos

a frente dos brasileiros, que ainda estão decidindo como vender melhor o

seu café: se com qualidade sem industrialização ou se com qualidade com

industrialização.

A ideia da retaguarda para o maior produtor de café, que ultimamen-

te tem perdido quase 1% de participação ao ano no mercado internacio-

nal, desde a década de 1960, é simplesmente, desesperadora. A inquieta-

ção da presidenta, neste sentido, é a da busca de alternativas que viabilizem

a reconquista da posição de vanguarda e a sustentabilidade dos agentes

envolvidos na cadeia produtiva, em particular, os cafeicultores.

No próximo artigo, discorrerei sobre a proposta de Robério Silva,

fundada no princípio de desenvolvimento com sustentabilidade, que ao

que parece, oferece vazão aos sentimentos propostos pela presidenta.

Page 257: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

257

83Sobre a essencial política cafeeira – Parte II

Publicado em 26 de outubro de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

No artigo anterior, discorri sobre a carta da Presidenta Dilma Rousse-

ff endereçada ao recém eleito diretor executivo da Organização Interna-

cional do Café – OIC, Robério Silva. Na segunda parte dessa reflexão,

disserto sobre a plataforma de trabalho do diretor.

Através do documento ICC 107-01 da OIC, é possível conhecer a

proposta submetida por Silva ao Conselho da Organização.

As palavras-chave que norteiam toda a proposta são: desenvolvimen-

to e sustentabilidade. A proposta de Silva é fundada no Plano de Ação

Estratégica para a Organização Internacional do Café (documento ICC

105-19), no qual estão definidas as prioridades da instituição. O escopo da

proposta de Silva ao fundar-se no Plano de Ação, visa a “to promote coo-

peration between Members in order to streng then the global coffee sec-

tor on the basis of the three pillars of sustainability: economic, social and

environmental” [promoção da cooperação entre os membros, a fim de

fortalecer o agronegócio café mundial, com base nos três pilares da sus-

tentabilidade: as vertentes econômica, a social e a ambiental] (tradução

nossa) (ICO, 2011).

Estes três pilares foram introduzidos no léxico da Organização Inter-

nacional do Café através da adoção do Código Comum para a Comuni-

dade Cafeeira, que é um protocolo global que diz respeito à produção de

cafés de qualidade, mantidas as condições do apelo fair trade. O Brasil é

um dos primeiros signatários, considerado o bloco de produtores, e a Coo-

xupé, a primeira a possuir cafés certificados por este selo, que tem sua

fundação na Alemanha.

De todas as três vertentes, evidentemente, a econômica é a mais

relevante, em razão do papel social da cafeicultura em todas as partes do

Page 258: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

258

mundo, em particular em regiões paupérrimas como a de alguns países

produtores situados no continente africano e no asiático.

Após a apresentação desse escopo, o candidato explica o seu con-

ceito de sustentabilidade: “In relation to sustaintability, it is clear to the

Candidate that the ICO should discuss the subject with aview to enabling

the needs of all stakeholders involved in the coffee chain to be met. Pro-

ducers need to have remunerative prices in order to cope with Market

demand, traders to facilitate logistics and supply in the sector, the industry

needs profits to invest in the growth of demand, and consumers should

not be exposed to price fluctuations that lead them to change their con-

sumption habits and switch to other beverages. Certified coffees, which

currently account for only 8% of the total volume, are likely to increase

their share of the market in view of the predicted growth indemand for

these coffees. The discussion of sustainability, which is of great value to

all ICO Members, should take into account the risks associated with non‐

tariff barriers and cost increases for producers, as well as the possible

advantages to be gained from quality improvements and premiums.” [Em

relação à sustentabilidade, é claro para o candidato que a OIC deverá

discutir o assunto com vistas à permitir que as necessidades de todas as

partes envolvidas na cadeia do café sejam atendidas. Produtores precisam

ter preços compensadores, a fim de lidarem com que o mercado deman-

da e os comerciantes, para facilitarem a logística e fornecimento no setor;

a indústria precisa de lucros para investir no crescimento da demanda e

os consumidores não devem ser expostos à flutuações de preços que os

levem a mudar seus hábitos de consumo, a ponto de mudarem para ou-

tras bebidas. Os cafés certificados, que atualmente respondem por apenas

8% do volume total, são susceptíveis ao aumento de sua fatia do merca-

do tendo em vista o crescimento previsto da demanda por esses cafés. A

discussão sobre sustentabilidade, que é de grande valor para todos os

membros da OIC, deve levar em conta os riscos associados a barreiras

não-tarifárias e o aumento do custo para os produtores, bem como as

possíveis vantagens a serem obtidas melhorias de qualidade e prêmios]

(tradução nossa) (ICO, 2011).

Este parágrafo, em particular, revela um conjunto de situações rele-

vantes para a compreensão do leitor.

A primeira delas diz respeito ao entendimento de que todas as ações

passarão necessariamente pelo crivo do Conselho da OIC, formado por

Page 259: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

259

países produtores e consumidores. Esta informação extingue a ideia de que

Silva resolverá os problemas políticos da cafeicultura brasileira, já que sua

função será a de dirigir um organismo global, com franco interesse em

otimização do consumo em mercados emergentes, como aqueles situados

na Ásia (leia-se China).

A segunda informação relevante, diz respeito à sustentabilidade eco-

nômica, garantindo preços competitivos para todos os elos da cadeia, fun-

dando a estratégia no nicho de cafés certificados. Esta é uma questão que

também desmitifica a ideia de que com o Brasil à frente da OIC, os preços

ficarão estáveis. Nunca na história da cafeicultura no mundo, desde que a

Bolsa de Nova Iorque foi fundada no final do Século XIX, os preços do

café foram estáveis. A cafeicultura é um papel negociado em bolsa e logo,

em razão disso, susceptível a interferências dos interesses dos investidores,

que necessariamente podem não ser produtores de café. O mundo é dos

fundos. E a quem não assistiu no cinema as duas versões de Wall Street,

recomenda-se que se assista.

Quanto à mudança dos consumidores para outras bebidas, tudo de-

penderá da qualidade do café comercializada nos principais mercados

consumidores, como é o caso do Brasil, onde tudo depende do preço da

matéria-prima (pelo menos até o momento). A inovação anda tão em

voga, que esta analista acredita que já no ano que vem surja um café

sintético, tipo pílula, em blisters com até 12 unidades, que a gente possa

diluir em água fria e tomar um café espresso perfeito, quentinho, com

direito à creme espumado e uma pitada canela. A indústria das pílulas

certamente será a substituta inovadora da indústria de café, porque todo

brasileiro, assim, poderá carregar sua indústria de café e sua cafeteria na

bolsa, sem se preocupar com o aumento da PIS/COFINS ou como porte da

companhia, ou ainda, o mais relevante, com o selo disponível na embala-

gem. O sintético poderá ser tabelado e distribuído gratuitamente em far-

mácias populares, democratizando o acesso de todos os nichos da nossa

sociedade aos cafés de qualidade. Isso solucionará a dificuldade em relação

à atual possibilidade de oscilação de preços. Legalmente para que isso

aconteça, bastará uma Instrução Normativa da ANVISA e outra do Inmetro

e tudo estará resolvido, pela perspectiva da simplificação schumperteriana.

A ideia é tão boa que ela dispensa inclusive o Ministério da Agricultura, o

que seria um marco inovador na história do país também e também outras

entidades.

Page 260: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

260

Tecnologia é tudo.

A parte dessa questão, verifica-se ainda naquele parágrafo extraído

do documento da OIC que háuma preocupação sobre os ‹riscos associados

a barreiras não-tarifárias e o aumento do custo para os produtores». Esta

sem dúvida é uma questão preocupante e que qualquer membro do mer-

cado deve ficar atento, por se tratar de uma decorrência do círculo virtu-

oso do consumo. Aumenta-se o consumo pelo fomento das variáveis que

corroboram para o seu comportamento de compra, ampliam-se as vendas,

na sequência a concorrência e por fim, a elevação dos parâmetros dos

produtos ofertados ao mercado, para que novas necessidades de consumo

surjam e a concorrências e perpetue. Apesar da diplomacia brasileira ter

vencido a batalha na OIC, existe o rescaldo da Rodada de Doha, onde

questões relacionadas às barreiras tarifárias e não-tarifárias deveriam ter

sido dirimidas e não foram. Fica a dúvida se o Brasil cairá na máxima da

negociação das pautas multilaterais nas questões do café, em razão da

direção da OIC, quando na verdade, após Doha, o mundo todo está apos-

tando na estratégia da bilateralidade.

A proposta apresentada por Robério Silva apresenta ainda 22 itens

que sua gestão, sobre os quais discorro sucintamente (ICO, 2011):

1. Converter a Organização Internacional do Café num ponto de

convergência para discussão dos assuntos do setor;

2. Ampliar a base de associados à OIC, a partir da sensibilização de

países não membros;

3. Investimento na eficiência da Organização, por meio do reposicio-

namento da sua estrutura organizacional;

4. Saneamento financeiro da OIC, por meio da redução de gastos;

5. Análise de alternativas de locação para a OIC, que deverá ser

apresentada ao Conselho pelo Diretor Geral, no espaço de até

seis meses;

6. Produção de materiais para venda, como o Coffee Yearbook;

7. Adoção de política do papel zero, por meio da digitalização de

impressos e outros documentos da Organização;

8. Possibilidade dos Comitês permanentes da OIC se reunirem em

momentos distintos às reuniões do Conselho da Organização. Os

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261

comitês permanentes são: Finanças e Administração, Promoção e

Desenvolvimento de Mercados, Projetos e Estatísticas;

9. O comitê de Promoção e Desenvolvimento de Mercados iniciará

discussões para o estabelecimento de estratégias de promoção

do consumo e para o desenvolvimento do mercado, em particular

o chinês. Investir-se-á na promoção do consumo em mercados

internos, segundo interesse dos grupos de interesse de cada país

que se habilitarem;

10. Organização de seminários, atendendo temas de interesse dos

membros da OIC;

11. Operacionalização do Fórum Consultivo de Finanças do Setor

Cafeeiro, aproveitando as experiências do Funcafé;

12. Desde que haja interesse dos membros, a OIC poderá promover

estratégias de disseminação de informações sobre o desenvolvi-

mento da sustentabilidade ao longo da cadeia produtiva do

café, com vistas à promoção do desenvolvimento de atividades

cafeeiras, para o incremento da qualidade e do valor agregado

do produto;

13. Valorização das discussões sobre o café certificado;

14. Continuidade do relacionamento entre a OIC e o Fundo Comum

para Commodities;

15. Fortalecimento do Conselho Consultivo do Setor Privado, com

vistas a viabilizar discussões que fomentem a promoção, a remo-

ção de obstáculos para o comércio e o consumo e outras barrei-

ras, além de propor políticas de interesse para a cadeia produtiva

do café;

16. Produção da cooperação entre as agências de pesquisa situadas

nos países produtores, ajudando em particular a aquisição da

sustentabilidade na produção e a visão balanceada da distribui-

ção geográfica e dos custos de produção do café, buscando va-

riedades capazes de oferecer qualidade técnica, superar os im-

passes com pragas e doenças, além de serem mais resistentes

em relação às questões climáticas;

17. Fortalecimento das pequenas comunidades produtoras de café,

Page 262: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

262

através do estímulo àconstituição de instituições sólidas (coope-

rativas?);

18. Fortalecer a emissão do Certificado de Origem;

19. Criar um Programa para Jovens Profissionais do Café, visando a

formação de profissionais para ingresso em carreiras na OIC;

20. Estabelecer relacionamentos com instituições de educação supe-

rior em países produtores e consumidores, com vistas a implan-

tar cursos sobre Economia Cafeeira Global;

21. Criar, na base da OIC, um Catálogo Global de Participantes do

Agronegócio Café, envolvendo produtores, exportadores, nego-

ciadores, torrefadores e prestadores de serviços por país;

22. Preparar materiais periódicos sobre cafés especiais de cada país

produtor, firmas exportadoras, indústrias e outros segmentos

envolvidos no mercado, apontando inclusive indicadores econô-

micos.

Avaliando as propostas de Silva, verifica-se que o ponto-chave da

estratégia é a aproximação da OIC com seu público, através de serviços,

que demonstrem uma organização preocupada com asustentabilidade do

setor e ao mesmo tempo, com a criação de uma forte rede de relaciona-

mentos.

Page 263: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

263

84Cenários globais, governança do Estado

Brasileiro, agronegócio e cafeicultura – Parte I

Publicado em 31 de agosto de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Aproveitando o verão na Região Amazônica Brasileira, resolvi à luz

da madrugada, navegar pelas águas virtuais, visitando as páginas dos prin-

cipais canais de notícias voltados ao agronegócio café brasileiro. De novi-

dade, o artigo de Sylvia Saes e Bruno Varella no Café Point, tecendo suas

preocupações a respeito da expansão da agricultura em Moçambique e o

plantio de café na China, o aniversário de 12 anos da Embrapa e a entre-

vista do Diretor de Operações e Comercialização de Café da Cooxupé

para o Mercado Interno, Lúcio Dias, analisando o mercado e questionando

os números do consumo de café no mercado interno. Os dois últimos,

publicados no Coffee Break.

Estas três informações geraram a necessidade de compor este pre-

sente texto, dado o alinhamento que possuem com um volume expressivo

de meus trabalhos, em particular o artigo ‘O agronegócio café em 2020:

uma percepção’, publicado em 20 de janeiro de 2010, no site Revista

Cafeicultura, resultante de estudos que venho realizando desde 2009, e

que trata da expansão da agricultura empresarial, no Continente Africano.

Neste século, onde a população do planeta já ultrapassou 7 bilhões

de habitantes e com projeções demográficas até 2050 estimadas na ordem

de 10 bilhões de pessoas, a compra de terras nas regiões produtivas afri-

canas, similares ao Cerrado Brasileiro, fomentada através de investimento

direto estrangeiro, com vistas à produção de alimentos em escala industrial,

tornou-se uma realidade consolidada. Evidentemente, que tal expansão,

inicialmente, deve causar certo torpor, entretanto, a questão, quando ava-

liada do ponto de estratégias nacionais, depende de posicionamento e

profissionalização da governança dos negócios de Estado.

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264

Neste artigo, que será dividido em duas partes, aplico tal percepção

aos negócios do café, já que este segmento não pode ser comparado com

quaisquer outros, em razão de suas especificidades. Nesta Parte I que o

leitor lê nesse instante, discorre-se sobre as temáticas da profissionalização

da governança política e abre-se a discussão sobre recursos de posiciona-

mento, dando-se atenção para seus dois primeiros aspectos. Na Parte II,

que será publicada dentro de alguns dias, discorre-se sobre os dois últimos

aspectos do posicionamento, oferecendo mais uma vez, algumas constru-

ções críticas sobre as escolhas estratégicas do país e ainda, apresenta-se

um estudo de cenário para a cafeicultura brasileira, considerando-se um

ambiente onde a saca de café, tipo 6, padrão contrato BMF/Bovespa, atin-

ja o patamar de R$ 1.000,00 e se sustente por seis meses consecutivos.

No campo da profissionalização da gestão, cabe, sem dúvida, uma

revisão do modelo de gestão da empresa familiar ‘Cafés do Brasil’. A fase

da transferência hereditária da política cafeeira acabou há um bom tempo;

somente o Brasil não percebeu. A adoção da via da profissionalização

geraria externalidades positivas, especialmente por se tratar de modelo

despido de paixões ou partidarismos. Neste modelo gerencial, prevalece-

riam os interesses da nação em relação ao mercado internacional.

Há de se lembrar de que para se ser melhor, muitas vezes, é neces-

sário cortar na própria carne. A opção pela plataforma industrial e a ênfa-

se na exportação de café industrializado, envolve tal questão. Se o Brasil

não o fizer, os concorrentes, sejam eles emergentes ou tradicionais, farão

num curto espaço de tempo. E considerado tal pressão global, assistiríamos

na cafeicultura o mesmo caos já assistido em outros setores econômicos

brasileiros, como o calçadista e o de brinquedos.

Pessoalmente não considero que o problema seja a China. O proble-

ma é a dificuldade de se definir uma política de gestão dos negócios do

café no Brasil que seja duradoura, gere resultados econômicos efetivos,

agregue valor ao esforço ao trabalho dos milhões de profissionais inseridos

na cadeia produtiva e principalmente, aumente a participação do café

brasileiro no mercado internacional, nas categorias in natura e industriali-

zado (torrado em grão e ou moído e solúvel). O restante é perfumaria.

No campo do posicionamento, tem-se como regra de ouro a valori-

zação da diferenciação quanto recurso para sobrevivência no mercado. A

valorização da National Brand e os valores agregados inerentes à marca

devem ser, sempre, o fio condutor do processo de consolidação de políticas

Page 265: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

265

públicas vocacionadas à agricultura e mais ainda, no caso da cafeicultura,

neste século no qual já se assistem aceleradas modificações de cenários.

Se a cafeicultura brasileira teme a China, é porque sabe que seu café não

possui uma reputação forte junto aos seus stackholders a ponto de colocar

o café brasileiro acima de quaisquer tipos de ameaças externas. Se há

medo, é porque não existe imagem consolidada no mercado, que supere

a esfera da commodity, do tudo igual.

Entretanto, o posicionamento estatal não depende somente dessa

questão. Abordo aqui quatro outros contribuintes que importam quando

do delineamento da forma de gestão dos interesses de um Estado e que

são prerrogativas para o delineamento do Mapa Estratégico do Agronegó-

cio Café, em particular:

• Adoção de política internacional protecionista;

• Celeridade na modernização legislativa;

• Política industrial agressiva e protecionista;

• Sistema de Informação Estatísticos para o Café.

Disserto sobre cada uma dessas vertentes a seguir:

Adoção de política internacional protecionista: quando se fala de

agricultura, a primeira imagem que me vem à mente é a do bem-estar das

pessoas, felizes, sentadas à mesa. Este é o benefício do trabalho de bilhões

de produtores rurais existentes em todo o planeta. Ter a fome e a sede

saciados é uma das prerrogativas mais relevantes para a dignificação do

ser humano, mas que atualmente, para muitos, tem se tornado uma situ-

ação cada vez mais distante.

Dentro dessa perspectiva, ao que parece, a conduta do país está

consonante com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, já que a

difusão da tecnologia agrícola privilegia a vida, a dignidade. Entretanto,

ela coloca em xeque algumas questões, porque esse entendimento que é

ideológico e cristão, permeia fundamentalmente a competitividade nacio-

nal e o modus operandi da economia de uma sociedade como um todo,

que no caso, é a nossa. Logo, ainda que com o apelo humanitário urgen-

te inserido na pauta, economicamente, argumenta-se que a exportação de

conhecimento de produção agrícola em escala para um país onde as terras

produtivas estão praticamente nas mãos de grandes mercados consumi-

dores, atua no reverso das expectativas ideológicas e fraternas do Estado

Page 266: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

266

brasileiro, que em suas atitudes, não deixa de externar o modo de ser do

povo que ele representa.

Isso porque esta questão tangencia as dificuldades do próprio país

dirimir suas próprias questões, efetivamente. Um país que tem a maior

agricultura do mundo e que ainda têm brasileiros passando fome contém

em si um paradoxo intolerável. Entende-se ante tal situação real e próxima,

que há muito que se fazer internamente, antes da superação das frontei-

ras.

A parte de tal entendimento, tem-se também que a engenharia eco-

nômica da sociedade onde vivemos depende, fundamentalmente, de di-

nheiro para o ingresso no mercado de consumo. A produção agrícola em

escala comumente é vendida para quem pode pagar pelo resultado dela.

No final do ano passado, o The New York Times publicou uma matéria

extensa sobre a privatização de terras naquele país e no Sudão, assim como

das nascentes de águas. Os nativos estavam sendo expulsos das áreas

produtivas e submetidos a mais pobreza ainda. Certamente, a transferên-

cia de tecnologia agrícola brasileira não atingirá os estratos da população

que seriam mais favorecidos com tal transferência de know-how. E este

viés é indesejável, porque afeta a dinâmica econômicado Brasil.

Dessa forma, a adoção de uma política agrícola protecionista seria a

via mais interessante para o Brasil, já que no momento, a tecnologia, o

conhecimento acumulado no país no ramo da produção de alimentos é

uma forte moeda de negociação para que o Brasil alcance seus objetivos

no campo das negociações agrícolas internacionais, via a quebra de bar-

reiras às exportações nacionais. Há de se considerar que com a retenção

do conhecimento na área agrícola, em oito anos, o Brasil não obteve quais-

quer resultados nas negociações da OMC (Rodada de Doha), não é difícil

dimensionar que sem tais prerrogativas negociais, os avanços sejam ainda

mais nulos e ineficazes. Para ressaltar tal defesa, encerro este item com

dois exemplos, colhidos na história: o caso da Borracha da Amazônia que

foi parar na Ásia no início do século XX e a Revolução Angolana, de 1975,

à época de sua independência de Portugal. No primeiro caso houve biopi-

rataria, é certo, mas também houve a chancela do Governo Brasileiro para

a troca de experiências entre as ‘nações amigas’. No segundo caso, em

detrimento da Independência Angolana, brasileiros que possuíam investi-

mentos em Angola, foram expropriados de seus investimentos naquele

Page 267: Geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café

267

território, até então de domínio português. O que não é muito difícil de

acontecer em outros países daquele complexo continente.

Remetendo-me aqui à questão da China, há se de levar em conside-

ração a Revolução Cultural Chinesa e o pensamento do Partido Comunis-

ta Chinês. A produção de café na China, subsidiada com tecnologia de

produção colombiana, tem forte relação com a cultural política de autos-

suficiência e de valorização dos produtos nacionais, em detrimento dos

importados. Esta é uma questão que não pode ser esquecida.

Celeridade na modernização legislativa: Mantendo uma relação com

a questão anterior, é visívelque a morosidade em tomadas de decisão na

área da regulação no país é um fiel da balançasignificativo. Vis-à-vis tem-se

a questão do Código Florestal.

Fato é que após a intensificação das negociações desse documento

no Congresso Brasileiro, conduzido pelo então Deputado Federal Aldo

Rabelo, a motivação para a expansão agrícola além-fronteira passou a ser

tomada como um recurso negocial de ameaça contra a demora na apro-

vação de texto tido como estratégico para a competitividade do agrone-

gócio brasileiro. Após a superação da esfera da Câmara, a discussão con-

tinua no Senado, de onde partirá após sua aprovação para a sanção

presidencial, dentro de período de tempo não estimado.

A morosidade no desenho de aparatos legais sem dúvida, na atuali-

dade, é o principal entrave para a alavancagem da competitividade brasi-

leira. Sua celeridade, por conseguinte, iria de encontro comos objetivos

nacionais, fundados na ampliação exponencial da capacidade empresarial

brasileira, que apesar das condições atuais, já faz do país a 7ª economia

do mundo e ao mesmo tempo, corroboraria para geração efetiva de mais

empregos e renda.

Encerra-se esta primeira Parte, rememorando o caso da IN 16/2010.

Até a Parte II.

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268

85A ABIC e a defesa dos pequenos

Publicado em 12 de setembro de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

Antes de iniciar os meus comentários sobre o novo discurso ABIC, eu

tenho que cumprimentar os conselhos de Administração da Sara Lee Bra-

sil e do Grupo Três Corações: a saída da ABIC assinala uma ruptura impor-

tante e histórica que preconiza a implantação do que se denomina de

Plataforma Industrial de Café, onde é a indústria torna-se o capitão do

canal.

Ao saírem da caverna de Platão, estas duas indústrias deixaram de

assumir para si o TEOREMA DE TOSTINES, que valoriza a indecisão quanto

parâmetro do comportamento organizacional, inspirada pensamento ha-

mletiano, decorrente da obra de William Shakespeare. O TEOREMA DE

TOSTINES diz respeito ao modelo onde uma organização assume a condi-

ção de último biscoito Tostines do pacote, que até hoje não descobriu se

é mais fresquinho por que é mais gostoso ou se é mais gostoso por que é

mais fresquinho; o que se trata de dúvida eterna e que pode colocar o

Estado de Direito em risco ou ainda a estabilidade institucional, porque

impacta diretamente nas capacidades de prospecção e de planejamento.

Inquietudes humanas e organizacionais à parte, é certo que o muro da

indecisão começa a ruir e a equiparação com a Alemanha, apesar de ainda

distante, começa a ganhar forma.

Há oito anos que escrevo defendendo esta tese de que lugar de in-

dústria de café é no

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Ao migrarem

para a ABIA – Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, estas duas

indústrias brasileiras decorrentes de investimento direto estrangeiro, rom-

peram o paradigma e incutiram na prática este modelo de plataforma que

é o ideal do ponto de vista de competitividade global.

Consolidar uma plataforma industrial de café vocacionada para o

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269

mundo, deveria, há muito tempo, ser a meta zero (a meta perfeita – prin-

cípio de Administração de Produção e Operações) do setor. Mas não foi

em razão de perspectivas gerenciais bairristas, fundadas no relacionamen-

to estrito com o mercado local. Foram estas opções que tornaram o mer-

cado brasileiro tão atrativo, a ponto de indústrias de café tradicionais, si-

tuadas em mercados com perfil demográfico em franco processo de

envelhecimento tem buscado, cada vez mais, a sua inserção no mercado

nacional. Não é a toa que o volume de fusões e aquisições têm se intensi-

ficado nos últimos anos. Talvez a questão da PIS/COFINS seja um vetor que

impulsione o entendimento de que a indústria de café precise modificar

sua relação com o agronegócio café. O problema não é somente de foro

tributário, porque ações de redução da alíquota da PIS/COFINS à zero sobre

as Receitas Tributadas (Faturamento), no caso de produtos alimentícios,

comumente são concedidas se o Estado entende que o setor está em

franco processo de desaceleração ou se há um risco de desabastecimento

de produto de primeira necessidade que compõem a cesta básica.

O café fortuitamente foi inserido na Cesta Básica, desde a criação da

Metodologia do DIEESE, que é contemporânea do Governo Getúlio Vargas.

Como o Brasil é o maior produtor de café e é o segundo mercado consu-

midor, dá para suspender as exportações do produto, perfeitamente, se a

oferta no mercado interno for ameaçada por desabastecimento decorren-

te de quebras de safra. Logo, eu pondero que não há necessidade, pelo

menos agora, de isentar a indústria de café desses dois tributos fundamen-

tais para a seguridade social. Para isso também não se faz necessária a

CONAB. Basta uma Medida Provisória com entrada em vigor imediata.

A questão da PIS/COFINS trata-se de uma medida emergencial para

a geração de capacidade de competição no curtíssimo prazo. Entretanto,

a leitura histórica de discursos, remete-me mais à perpetuação de uma

briga de egos entre a ABIC e as duas maiores torrefações do país e que

mexe unicamente na esfera do azedo e silencioso ciúme de homem. O

Governo Brasileiro acabou ficando no meio, para decidir qual dos lados

vencerá. Se a balança pesar para a primeira, vence a maioria, que continu-

ará assentada na falta de políticas para a manutenção sustentável de sua

competitividade e que no médio prazo, conduzirá o setor a bancarrota de

novo e ao comodismo. Se a balança pesar para as duas torrefações, vence

o modelo da vantagem competitiva sustentável, que combina, sem dúvida,

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270

com a aspiração brasileira de ser uma das cinco grandes economias global

até o final desta década.

O que o setor industrial de café precisa na verdade, é de política in-

dustrial. Política de indústria, construída por órgãos de indústria, que per-

mita uma longevidade e que garanta os recursos necessários para que

qualquer indústria, não importa o porte, possa vencer vendendo diferen-

ciais ao mercado. Resumindo a situação do setor, pode-se dizer que ele se

trata de um setor sem poder de barganha nem com fornecedores de

matéria-prima, nem com fornecedores de insumos (embalagens) e nem

clientes. E sem poder de barganha, não se chega a lugar algum, ou melhor,

chega-se, desde que se pague o preço, no caso, os enxovais dos supermer-

cados ou o recálculo do valor do markup para dentro.

A mortalidade de empresas, mesmo com a oferta de incentivos fis-

cais, continuará a ser recorrente, porque mais do que as fusões e aquisi-

ções, os dilemas da produção continuarão a impactar sobre o fluxo de

caixa das empresas. Pode-se chamar tal questão de “Efeito das mudanças

climáticas sobre o caixa”.

Fica a pergunta se a ABIC, caso ganhe a questão da PIS/COFINS,

continuará investindo no discurso de valorização das pequenas torrefações.

Pessoalmente, creio que não, porque simplesmente este discurso não com-

bina.

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271

86Ferdinand Lassalle e a sua relação com

a CF-88 e a Previsão de Safra de Café no Brasil

Publicado em 01 de novembro de 2011,

no Coffee Break, Portal de Notícias do Café

O presente artigo realiza uma interlocução entre o pensamento de

Ferdinand Lassalle, um dos principais expoentes da corrente sociológica

que compõem a Teoria Geral da Constituição, alguns princípios previstos

na Constituição Federal de 1988 e o velho gargalo, a previsão de safra da

cafeicultura brasileira.

A liberdade de expressão é um direito constitucional e eu, em parti-

cular, sempre a defendi o âmbito do agronegócio café. A crítica, a difusão

da informação, a formação de opinião são elementos cruciais para o bom

entendimento de um insumo dinâmico, intangível, que move a economia

cafeeira brasileira e mundial. Refiro-me à informação. A informação distri-

buída com qualidade gera benefícios sociais incalculáveis e somente ela, a

informação, fomenta a democracia e o processo de desenvolvimento da

sociedade em todos os seus setores. Trata-se de um patrimônio inestimável,

porque é uma decorrência do exercício da inteligência e exprime o cuidado

que um país tem em relação à produção de conhecimento.

Nos últimos dias, muitas críticas despidas de fundamentos técnicos

têm sido veiculadas nos principais meios de comunicação especializados

em café no país. Questiono como os Sacolés Coffees, ou a aferição da

alcunha de palhaço ao cafeicultor brasileiro ou a criação fictícia da marca

de café espresso da CONAB contribuem efetivamente para a formação de

opinião dos agentes do agronegócio café brasileiro, no âmbito do estabe-

lecimento de estratégias de comercialização. A chacota pública expõe a

mazela que há muito o setor cafeeiro brasileiro imprime em seu legado.

Torna-se, portanto, um desserviço. E isso é muito ruim. Resolvi neste sen-

tido, imergir no pensamento de Ferdinand Lassalle, um dos mais impor-

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tantes expoentes da corrente sociológica da Teoria Geral da Constituição,

para desenvolver o meu raciocínio.

Em ‘O que é uma constituição?’, Ferdinand Lassalle estabelece ampla

discussão sobre a essência da Constituição, que para ele diz respeito ‘à

fonte primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucionais’ (LAS-

SALLE, 1933).

Para ele, a Constituição diz respeito ao que existe de mais sagrado,

por se tratar de ‘uma lei fundamental da nação’ (IDEM, IBIDEM). Para que

tal lei seja considerada fundamental, ela precisa assumir seu papel de fun-

damento, da qual emanarão outras e seja estritamente necessária. Ela, na

visão do autor, diz respeito à ‘uma força ativa que faz, por exigência da

necessidade, que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no

país sejam o que realmente são [...] que a obrigue a ser necessariamente,

até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo?’

(IDEM, IBIDEM).

A lei fundamental, de acordo com Lassalle, pode ser modificada em

razão da soma dos fatores reais de poder. ‘Os fatores reais do poder que

regulam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que infor-

ma todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em apreço, determi-

nando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são’

(IDEM, IBIDEM).

Um exemplo desses fatores reais de poder são as instituições tal como

os agentes dos setores econômicos, como aqueles existentes no agrone-

gócio café.

As contribuições de Lassalle (1933) permitem que se estabeleça uma

interlocução com os fundamentos da Carta Magna de 1988 e a principal

fragilidade técnica do agronegócio café

brasileiro: a ausência de informações fidedignas. A pauta de discus-

são, partindo da CF-1988, centrar-se-á no inciso I do artigo 1º, que trata

da soberania; nos incisos II e III do artigo 3º, que tratam da garantia do

desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e da marginalização

e redução das desigualdades sociais e regionais; nos inciso I e IX do artigo

4º, que tratam da independência nacional e da cooperação entre os povos

para o progresso da humanidade; e por último, no inciso XV do artigo 21,

que externa que é competência da UNIÃO organizar e manter os serviços

oficiais de estatística [...] de âmbito nacional.

Como expus no início deste texto, a informação é um insumo estra-

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tégico para a boa condução dos negócios relacionados ao agronegócio

café. Ela não apenas define o comportamento das resultantes da Lei da

Oferta e da Demanda, como definem movimentos do capital em bolsas

de mercadorias e por fim, o valor a ser pago pelo consumidor pela sua

xícara de café. Digamos que economicamente, a informação ultimamen-

te tem mais valor do que os meios de produção, porque é ela que

alimenta a especulação e a volatilidade das cotações nos mercados

futuros, que acabam impactando no mercado spot.

Assim sendo, é relevante observarmos que os fatores reais de poder

que atuam no agronegócio café brasileiro, não têm sido eficientes no que

tange à preservação dos fundamentos constitucionais, no âmbito da ca-

feicultura brasileira, porque não tem sido capazes de organizar uma es-

trutura eficiente e eficaz de serviços de inteligência e informação, não

cumprindo o que está previsto no inciso XV do artigo 21 da CF-88. São

os fatores reais de poder que devem intervir sobre a União, para que o

dispositivo constitucional previsto nesse inciso seja cumprido rigorosa-

mente.

Enquanto não o fazem, os fatores reais de poder que compõem o

agronegócio café brasileiro, dos quais emana a força ativa que fomenta

as leis fundamentais, (a) impede-se que o país goze efetivamente de sua

soberania, já que ele passa a ser refém de outros fatores de poder exter-

nos ao território – antes a USDA, agora os traders globais; (b) engessa-se

o fomento do desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e

da marginalização através da redução das desigualdades sociais, dado

que a informação garante a agregação de valor ao café ao longo de todos

os elos da cadeia produtiva, ampliando a atratividade econômica do setor

e a distribuição de renda; (c) inviabiliza-se a independência nacional no

âmbito da informação (o Brasil tornou-se refém das informações de fon-

tes estrangeiras) e respectivamente, a cooperação entre os povos e o

progresso da humanidade. Sem o atendimento desses dois princípios

constitucionais, o país perde sua condição de contribuinte relevante para

o desenvolvimento de estatísticas globais consistentes, pela ausência de

assertividade. Pela falta de estatísticas, o país, que é o maior produtor de

café do mundo, acaba por contribuir para o empobrecimento e a retração

de desenvolvimento mundial, porque sem informação fidedigna, o de-

senvolvimento é desenfreado.

Como modificar a engenharia que assistimos e que expõe ano após

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ano, o Brasil ao ridículo? Como oferecer gerar previsões oficiais confiáveis

e preferencialmente, inquestionáveis, que sejam capazes de atender os

princípios previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988, aqui cita-

dos?

São com estas inquietações, dirigidas aos representantes dos fatores

reais de poder, que finalizo esta reflexão.

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87Algumas coisas sobre artes e o planejamento

estratégico da cafeicultura

Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores

Quando se desembarca no Aeroporto Internacional de Brasília torna-

-se possível a apreciação dos famosos azulejos de Athos Bulcão, um dos

ilustres discípulos de Cândido Portinari.

A obra do artista centra-se na combinação de figuras geométricas,

cores e clareza ímpares, as quais tornam o trabalho de Bulcão um conjun-

to de fácil assimilação. Talvez em função dessa simplicidade, sua arte com-

plemente tão bem os trabalhos de consagrados artistas plásticos, urbanis-

tas e arquitetos, como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Burle Max. Esta

harmônica articulação pode ser percebida em vários locais interessantes da

capital federal, do Itamaraty ao Mercado das Flores.

Sob certos aspectos, pode-se dizer que os azulejos de Bulcão asse-

melham-se com os cafés brasileiros: ambos são democráticos, cosmopoli-

tas, capazes de se adaptarem a todos os lugares, serem degustados por

todos os tipos de públicos, únicos. Os pormenores, ou melhor, as diferen-

ças entre eles, centram-se no fato dos segundos não serem geométricos,

nem coloridos e nem lúcidos. De modo geral, estes, apesar de sua com-

provada qualidade, não estão inseridos num conjunto arquitetônico ino-

vador, que permita que os azulejos se encaixem com a harmonia necessá-

ria às paredes do mercado, a ponto de serem aclamados como Patrimônios

Históricos da Humanidade. A razão de tal desalinhamento, sem dúvida,

concentra-se na má qualidade do rejunte, a política.

O dia 15 de fevereiro de 2012 promete ser um marco para a cafei-

cultura brasileira, já que um novo planejamento estratégico setorial emer-

girá da caixa preta coasiana, o CDPC (Conselho Deliberativo de Política

Cafeeira).

Brasília é uma cidade que mantém em suas bases históricas a ousa-

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dia, a criatividade, a ruptura de paradigmas e a simplicidade. É fato que

para que a capital federal fosse construída em tempo recorde, além de

milhares de braços, a capacidade dos líderes juntarem-se às bases, para

ouvi-las e motivá-las foi preponderante. Durante a sua construção, Jusce-

lino Kubitschek e os ilustres artistas que já citei, almoçavam e jantavam

todos os dias com os ‘candangos’ (imortalizados por Villa Lobos), a fim de

conhecerem de perto os problemas, solucioná-los imediatamente e ao

mesmo tempo, manterem o grande grupo de trabalhadores coeso e mo-

tivado.

Desde 1890, o planejamento estratégico da cafeicultura é realizado

à portas fechadas e as resultantes dessa metodologia não permitiram re-

sultados duradouros em nível global, como se observa em casos como o

colombiano, o jamaicano, o costa-riquenho e alguns outros europeus e

norte-americanos.

Apesar de Brasília dispor de um conjunto arquitetônico ímpar, dota-

do de dezenas de espaços adornados pela genialidade de Bulcão, talvez o

sensato fosse deixar de lado pelo menos uma vez o conforto do ar condi-

cionado, em prol da aquisição de olhares, sentimentos e emoções diferen-

tes, decorrentes de uma profunda articulação com as bases (produção,

indústria e comércio), gerando assim, um documento legitimado por mi-

lhares de mãos.

É sabido que a arte sempre pode ser reinterpretada, uma vez que ela

depende exclusivamente do currículo oculto de quem a vê. Este currículo

depende, diga-se, da vivência e da dinâmica interação com a cultura.

Ressalta-se que tal afirmação vale tanto para a obra de Bulcão, como para

a política cafeeira.

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88Novos cenários, velhas questões

Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores

Li na última semana quatro livros muito interessantes: ‘A Parisiense:

o guia de estilo de Ines de la Fressange com Sophie Gachet’, ‘A arte da

persuasão’, de Tonia Reiman, ‘A Cabala do Dinheiro’, de Nilton Bonder e,

evidentemente, a nova da saga do lendário Greg Heffley, em Diário de um

Banana – Casa dos Horrores.

Estes livros têm muito a dizer para o agronegócio café, em particular,

no campo dos serviços de inteligência comercial. É necessário manter a

mente com o frescor dos 12 anos de idade, pois a vida torna-se mais di-

vertida e o cérebro relaxa, ampliando a capacidade criativa, mas é certo

que para a busca do sustento e da prosperidade, é necessário investir em

tradição.

O relatório do Bureau do Café ficou meiguinho. A tentativa de prever

o futuro do consumo de café coado é fascinante, jovial, mas no curto

prazo vai contra o bom senso do mundo dos negócios que está tocando

silenciosamente o cerne do mercado de café brasileiro: a importação de

café industrializado em cápsulas. Esta sim é a terceira onda: a onda tecno-

lógica do mercado global que pode matar todo um segmento importante,

no caso, a indústria de café brasileira. Só no Brasil estimula-se a exportação

de matéria-prima e a importação de produto acabado com altíssimo valor

agregado, em detrimento do seu setor industrial. É um contra-senso revol-

tante.

Compartilho tal inquietação porque durante o cumprimento de uma

atividade de negócios em Belo Horizonte recentemente, tomei Nespresso

a menos de 2.000 metros da sede do governo do maior estado produtor

de café do mundo servido no meu café da manhã, no hotel em que me

hospedara. Minas Gerais é o segundo mercado industrial de café do país.

Ressalto que estava praticamente ao lado de uma obra de Oscar Niemayer

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onde está o centro de poder do governo de um Estado que produz mais

café que a Colômbia, saboreando café mineiro processado e embalado de

forma incontestavelmente maravilhosa na Suíça, devidamente extraído

num equipamento primorosamente fabricado na Alemanha ou na Itália.

Um bom paradoxo matinal, que me remeteu a um trecho da música de

Milton Nascimento: “eu sou do mundo, mas sou Minas Gerais”...

Não espero que este meu artigo estimule discussões sobre taxação

do café industrializado, porque certamente este será o discurso de reação

a questão que apresento ou ainda uma campanha contra a oferta de café

importado em território mineiro, o que somente denotaria um bairrismo

tolo e pontual. Discutir café coado é tentar dizer ao mundo, que bebe

café espresso desde o final do século XIX, que somente o jeito brasileiro

de se beber café é o mais adequado é no mínimo, atentar contra a possi-

bilidade de desenvolvimento tecnológico de um país que produz todas as

matérias-primas necessárias para o desenvolvimento de qualquer máquina

qu existe no planeta. A negação dos fatos é um comportamento jungnia-

no que em nada corrobora para o estabelecimento de ações estrategica-

mente planejadas junto a mercado.

Em razão disso, espero que o artigo estimule a consolidação de um

planejamento estratégico sério, elaborado por uma consultoria especiali-

zada no assunto. Provocações técnicas sofisticadas devem ser respondidas

em alto nível, com técnica. Se estivesse no governo, ousaria e contrataria

uma consultoria japonesa com recursos oriundos de estado que serão dis-

ponibilizados ‘a fundo perdido’: notem que um país que passa pelo seu

segundo desastre nuclear na sua história em menos de um século, sendo

este último ocasionado por um tsunami, e que tem a coragem, após ins-

talação de comissão de inquérito, de afirmar que o problema foi decorren-

te de falha humana, tem no mínimo muita coisa a ensinar. Esta seriedade

é que falta no agronegócio café. Se o Brasil assumisse o comportamento

japonês em relação ao agronegócio café, a Europa já estaria ‘pedindo

água’ há muito tempo: mesmo sendo arrasados pela natureza, eles con-

seguem resultados fenomenais em termos de qualidade, que deveriam ser

incorporados na praxe gerencial de uma cadeia produtiva que ajudou a

construir um país, no caso, o nosso.

Assim sendo, é correto afirmar que além de modernização do apa-

rato legal, cabe investimento em tecnologia para os segmentos industrial

e de serviços, devidamente munidos de design. A combinação dessas duas

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vertentes, tecnologia e design geram efetivamente vantagens competitivas

sustentáveis. A máquina, as cápsulas, a embalagem que contém as cápsu-

las: eis sim os diferenciais, que fazem daqueles blends de cafés que sempre

existiram no mundo, únicos e exclusivos.

As pessoas que podem pagar querem tecnologia e design. Até quem

não pode, quer tecnologia e design. Não é a toa que o fenômeno Senseo

tem se tornado objeto de consumo de tantas pessoas, assim como as

máquinas de café espresso tem se tornado tão acessíveis. Notem que até

mesmo as máquinas de café elétricas estão com design mais sofisticado,

para contribuírem com a decoração da cozinha. Até mesmo o papel para

percolação está com cara nova: além de ecológico, possui furinhos para

garantir a melhor extração das qualidades organolépticas do café.

Se não dá para importar matérias-primas de outros países, o país

deveria apostar em tecnologia. Que tal embalagem para café brasileiro

feita de poliéster ecológico, produzido a partir de cana-de-açúcar? Indús-

trias movidas à Etanol ou à Biodiesel? Financiar a fundo perdido a renova-

ção do parque industrial brasileiro, com o que há de melhor de tecnologia

disponível no mundo? Isso certamente não daria para copiar em nenhuma

parte do mundo e deixaria o café brasileiro mais com jeito brasileiro, crian-

do exclusividade.

Por fim é importante ressaltar que as terceiras ondas precisam, obri-

gatoriamente, serem estatisticamente medidas, pois no campo da inteli-

gência comercial, são os números (das pesquisas quantitativas) que con-

duzem a outros números (os das finanças). Homens e mulheres de negócio

leem números em relatórios técnicos concisos. Notem que o mundo en-

xerga a beleza de forma cartesiana: Grãos tecnicamente adequados, tor-

rados de acordo com a escala de Agtron, moídos em granulometria ade-

quada e submetidos à pressão atmosférica correta e água em

temperatura correta, comumente geram cafés espressos perfeitos.

A variável subjetiva, dizem os especialistas, concentra-se apenas na

mão do barista. Há de se convir que nada mais bonito que um café espres-

so cremoso, fumegante, em branca xícara, adornada com um chocolatinho

de menta. Tem o seu lugar.

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Sobre a autora

Mara Luiza Gonçalves Freitas é coordenadora e docente do curso de bacharelado em Administração da Faculdade Porto Velho, que detém cer-tificação de qualidade da Fundação Getulio Vargas e do Programa de Pós--Graduação da Fundação Getulio Vargas Pós-ADM, na disciplina Jogos de Negócios. Exerce a função de gerente executiva da Junior Achievement Rondônia, organização não-governamental criada nos Estados Unidos em 1909. A ênfase dessa organização é difusão de conhecimentos na área de economia e negócios. Está presente em 127 países e que no Brasil, desde 1983, em todos os estados da federação. Atua também como Revista Sustentabilidade Organizacional - RSO, periódico eletrônico da Faculdade Porto Velho e parecerista da RECADAM – Revista Eletrônica de Ciências Administrativas, RGO - Revista de Gestão Organizacional.

Possui curso técnico em contabilidade pela Escola Estadual de I e II Graus ‘Dr. Guilherme Freitas de Abreu Lima (1994), bacharel em adminis-tração pela Universidade Federal de Mato Grosso (1999), especialista em Cafeicultura Empresarial (2002) e mestre em administração pela Universi-dade Federal de Lavras (2006). Possui cinco anos de experiência na área de docência de ensino superior (graduação) e três anos de experiência na docência em cursos de especialização (latu sensu), tendo atuado em diver-sas instituições como Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná - CEUJI--ULBRA, Faculdades do Vale do Juruena- AJES, Centro Universitário de Gurupi – UNIRG (TO), Universidade de Cuiabá – UNIC (MT) e Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (MT).

Na área executiva, atuou como Assessora Especial do Café da Secre-taria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais durante a gestão Gilman Viana Rodrigues. Foi Secretária Executiva do Sin-dicato da Indústria de Café do Estado de Minas Gerais durante a gestão Simbrair de Deus Duarte e membro do CERTICAFÉ MINAS GERAIS, duran-te a gestão Célio Gomes Floriani.