geada negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café
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Livro Autora e organizadora: Mara Luiza Gonçalves Freitas Edições OLM - 2013 ISBN 978-85-86630-18-7TRANSCRIPT
Mara Luiza Gonçalves Freitas
GEADA NEGRAColetânea sobre uma década de reflexões sobre o agronegócio café
Edições O.L.M. São Paulo 2013
© 2013 - Mara Luiza Gonçalves de Freitas
Projeto gráfico e Capa Flávio Peralta/Edições O.L.M.
www.estudioolm.com.br • [email protected] Telefone/Fax (11) 4702-8094
Imagem da capa 09.11.2006 - Camilla Maia - EL - O “Boom do Café” - Escola do Café, Itaipava. Xícará de café. Agência O Globo.
Revisão de TextoOs textos apresentados nesta obra são fidedignos aos originais publicados em diversos meios de comunicação especializados do agronegócio café brasileiro. Tratou-se de uma opção da autora em mantê-los dessa forma, porque retratam um processo evolutivo consolidado ao longo de dez anos. Prova que as pessoas têm sempre a aprender e que o processo de melhoria é contínuo. Ao reproduzir qualquer trecho de qualquer um dos artigos e identificar um erro gramatical, ortográfico ou de concordância, finesse, confor-me padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas, indicar após o trecho citado a partícula (sic)’.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Freitas, Maria Luiza Gonçalves de
Geada negra [livro eletrônico] : coletânea de uma década de reflexões sobre o agro-negócio café / Mara Luiza Gonçalves de Freitas. — São Paulo : Edições O. L. M., 2013.
218 Kb ; ePUB
ISBN 978-85-86630-18-7
1. Agroindústria - Brasil 2. Agronegócios - Brasil 3. Café - Comércio - Brasil 4. Café - Indústria - Brasil 5. Cafeicultura I. Título.
13-00952 CDD-338.173730981
Índices para catálogo sistemático:1. Brasil : Cafeicultura : Agronegócios : Economia 338.173730981
Rir muito e com frequência; ganhar o respeito de pessoas inte-
ligentes e o afeto das crianças; merecer a consideração de crí-
ticos honestos e suportar a traição de falsos amigos; apreciar a
beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o mundo um
pouco melhor, seja por uma saudável criança, um canteiro de
jardim ou uma redimida condição social; saber que ao menos
uma vida respirou mais fácil porque você viveu. Isso é ter tido
sucesso.
Ralph Waldo Emerson
À Instrução Normativa nº 16, de 24 de maio de 2010, que jaz.
Sumário
Apresentação, 12
Uma das melhores invenções do mundo, 14Publicado no Usina de Letras, em 11 de abril de 2004
Café para a Indústria, 16Publicado no Jornal O Diário do Comércio de Minas Gerais, em 05 de novembro de 2003.
Questões da e para a Indústria de Café, 18Publicado em 03 de maio de 2004, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.
O lugar do DECAF é no MDIC, 20Publicado em 18 de junho de 2004, no Coffee Break, O Portal do Agronegócio Café.
Indicação geográfica e agroindústria, 22Publicado em 28 de junho de 2004, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.
Desafios do Café Nacional, 25Publicado em 13 de Setembro de 2004, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.
Um olhar sobre o 4 C’s: como o Código Comum para a Comunidade Cafeeira impactará na competitividade do Segmento Agroindustrial do Café Brasileiro, 28Publicado em 17 de dezembro de 2004, na Agência Safras e Mercados.
Mais valor ao café brasileiro, 36Publicado em 25 de Abril de 2005, no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.
Sobre Cafeologia, 38Publicado em 23 de maio de 2005, no Coffee Break, O Portal do Agronegócio Café.
Glocalização na Cafeicultura, 40Publicado em 19 de Setembro de 2005, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Tendências do Mercado Cafeeiro, 43Publicado em 02 de janeiro de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Café torrado brasileiro além das fronteiras, 46Publicado em 16 de janeiro de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas. Participação do Prof. Dr. Antônio Carlos dos Santos, Departamento de Administração da UFLA.
Mudanças nas regras do jogo em prol da consolidação do consumo de café de qualidade no Brasil: uma reflexão, 49Publicado em 23 de maio de 2006, no Coffee Break – O portal do Agronegócio Café.
Parceria que pode dar certo, 54Publicado em 05 de junho de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Drawback: um novo cenário para a cadeia do café, 57Publicado em 23 de junho de 2006, no portal Café Point.
Um olhar sobre o agronegócio, 60Publicado em 18 de setembro de 2006, no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Obsessão pela qualidade, 62Publicado em 20 de setembro de 2006 no Coffee Break, o Portal do Agronegócio café.
A energia que vem da agricultura, 65Publicado em 30 de outubro de 2006 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Política do café sem o leite, 68Publicado em 25 de janeiro de 2007 no Coffee Break, o Portal do Agronegócio Café.
Importação de café torrado no Brasil, 71Publicado em 19 de fevereiro de 2007 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Sustentabilidade e negócios do café, 74Publicado em 25 de julho de 2007 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Política Internacional e Cafeicultura, 77Publicado em 28 de agosto de 2007 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Cafés especiais: vai um europeu aí?, 80Publicado em 11 de fevereiro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
A ALADI e os negócios do café, 83Publicado em 04de março de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Abate humanizado e biocombustíveis, 86Publicado em 24 de março de 2008 no Caderno Agropecuário, do Jornal O Estado de Minas.
Uma breve ideia sobre a federalização do Centro de Inteligência do Café, 88Publicado em 28 de março de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
O potencial do café conillon para a produção de etanol celulósico, 90Publicado em 01 de abril de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
O papel do aparato legal na cafeicultura., 92Publicado em 10 de abril de 2008 na Revista Calfeicultura, Portal do Agronegócio Café.
O que tem no tanque seu moço? Babaçu, my darling!, 98Publicado em 21 de abril de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Atratividade do Mercado Brasileiro de Café, 101Publicado em 02 de maio de 2008 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.
Um beijo, um queijo, biocombustíveis, 104Publicado em 12 de maio de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Café: minha paixão nacional, 106Publicado em 25 de maio de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
30 anos de constituinte, 29 sem IBC, 17 com CDPC: Reflexões sobre a cafeicultura e uma moça querida chamada democracia, 109Publicado em 29 de maio de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Uma releitura da política do pão e circo e do assassinato de Sócrates no contexto da política cafeeira brasileira, 112Publicado em 29 de junho de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
A Starbucks, a Rodada de Doha e os Combustíveis, 115Publicado em 07 de julho de 2008 na CBM Agroenergia.
Barismo na realidade brasileira, 118Publicado em 23 de julho de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Construção da sustentabilidade do café pela embalagem verde, 120Publicado em 31 de julho de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Cafeólogos: os caçadores de raridades, 123Publicado em 06 de agostode 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Heráclito e o dilema da insegurança alimentar, 127Publicado em 18 de agostode 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Do bairrismo ao drawback: um registro sobre uma mudança de paradigmas no coração da cafeicultura mineira, 130Publicado em 21 de agostode 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
The attraction of the Brazilian coffee market, 132Publicado em 25 de agostode 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Quando o santo de casa pode fazer milagre, 135Publicado em 15 de outubro de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Água, o alicerce da cafeicultura, 138Publicado em 29 de outubro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Cafeicultura: há idéias melhores que a moratória, 141Publicado em 03 de novembro de 2008 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
País tem suporte e resistência, 144Publicado em 03 de novembro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Mama África, fonte de alimentos, 147Publicado em 08 de dezembro de 2008 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Algumas coisas sobre importação de café no Brasil, 150Publicado em 11 de fevereiro de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
O que a Le Creseut pode ensinar ao negócio do café brasileiro, 155Publicado em 19 de março de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
A crise econômica e a agricultura, 159Publicado em 13 de abril de 2009 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
A relação do Decreto Lei nº 399 e a inclusão do café na merenda escolar, 162Publicado em 21 de abril de 2009 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.
Um voto pelo equilíbrio financeiro do setor cafeeiro, 166Publicado em 29 de maio de 2009 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.
Diplomacia corporativa no agronegócio, 169Publicado em 22 de junho de 2009 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Uma nota sobre a abertura de capital da Café Toko, 172Publicado em 21 de julho de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
A ética coordena?, 174Publicado em 28 de julho de 2009 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
A língua e a competividade agroindustrial, 176Publicado em 19 de outubro de 2009na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Uma dor que não espera, 179Publicado em 25 de janeiro de 2010 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Agriculture, je t’aime, 182Publicado em 29 de março de 2010 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Café Brasileiro na ICE Exchange: um indicador de internacionalização, 184Publicado em 10 de maio de 2010 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.
Voltemos ao IBC, 187Publicado em 24 de maio de 2010 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.
O mar e a importação de café, 190Publicado em 30 de maio de 2010 na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café.
Agronegócio e narcotráfico, 192Publicado em 07 de junho de 2010 no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Da privatização da marca Cafés do Brasil: uma reflexão, 195Publicado em 30 de junho de 2010 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.
Café Conillon: o ‘boi de piranha’ da cafeicultura, 198Publicado em 12 de julho de 2010 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.
Comentários sobre o negócio dos micro-lotes de cafés, 201Publicado em 12 de julho de 2010 na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café.
Sobre a Café Damasco, 203Publicado em 24 de novembro de 2010 no Portal Administradores.
Sobre a alta do preço do cafezinho, 205Publicado em 27 de março de 2011 no Portal Administradores.
Coisas para se pensar no Dia Internacional do Café, 207Publicado em 14 de abril de 2011 no Portal Administradores.
Cafeicultura, governança pública e a IN 16/2010, 209Publicado em 16 de abril de 2011 no Portal Administradores.
Substituição do Brasil como fornecedor global de café, 212Publicado em 18 de abril de 2011 no Portal Administradores.
IN 16/2010 e os princípios constitucionais da Administração Pública, 215Publicado em 24 de abril de 2011 no Portal Administradores.
O verbo tentar e sua relação com a política cafeeira, 218Publicado em 25 de abril de 2011 no Portal Administradores.
Bastidores do café nosso de cada dia, 221Publicado em 03 de maio de 2011 no Portal Administradores.
Especulação no mercado cafeeiro, 225Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores.
Carta ao bom-senso cafeeiro mineiro, 227Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores.
Nota sobre o Bureau do Café, 229Publicado em 13 de setembro de 2010 na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Os homens alfa, a IN 16/2010 e a gôndola do supermercado, 230Publicado em 12 de maio de 2011, no Portal Administradores.
De quem é a culpa do Brasil importar café industrializado (T&M)?, 233Publicado em 16 de maio de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Da segmentação dos dogmas de fé ao pragmatismo político na cafeicultura, 238Publicado em 22 de junho de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
O risco e a competitividade internacional do café industrializado, 241Publicado em 27 de junho de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Novos fatores de impacto no mercado interno de café, 244Publicado em 29 de junho de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Coalizão política e café, 246Publicado em 06 de julho 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Convênios institucionais e cafeicultura, 248Publicado em 12 de julho 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Nota sobre o Sou Agro e o Efeito China, 251Publicado em 19 de julho 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Sobre a essencial política cafeeira – Parte I, 254Publicado em 19 de agosto 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Sobre a essencial política cafeeira – Parte II, 257Publicado em 26 de outubro de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Cenários globais, governança do Estado Brasileiro, agronegócio e cafeicultura – Parte I, 263Publicado em 31 de agosto de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
A ABIC e a defesa dos pequenos, 268Publicado em 12 de setembro de 2011, no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Ferdinand Lassalle e a sua relação com a CF-88 e a Previsão de Safra de Café no Brasil, 271Publicado em 01 de novembro de 2011,no Coffee Break, Portal de Notícias do Café.
Algumas coisas sobre artes e o planejamento estratégico da cafeicultura, 275Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores.
Novos cenários, velhas questões, 277Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores.
Sobre a autora, 280
Apresentação
Os fenômenos climáticos no campo da agricultura sempre são deci-
sivos, por que são a expressão máxima do poder de Deus. Mesmo durante
grandes atos de destruição, onde a morte se faz presente, verifica-se que
cada situação revela a busca constante do equilíbrio. Às vezes, os impactos
profundos causados por tais fenômenos mudam o destino de nações ou
de continentes, como no caso de tsunamis, furações, terremotos. Em ou-
tros momentos, apenas conduzem às adaptações anuais decorrentes de
processos milenares, como as cheias dos rios, as secas, os ritos de El Niño
e La Niña. De qualquer forma esses processos podem e devem ser compre-
endidos como testes de caráter e resiliência propostos com veemência
pela natureza.
Dentre as quatro forças da natureza, a terra, a água, o fogo e o
vento, talvez este último seja o que mais destaque, por se tratar de uma
força fascinante e incontrolável. Há bilhões de anos, seu papel é o mesmo:
movimentar as massas de ar frio e quente, posicionando-as sobre as terras,
de acordo com a instrução divina inscrita em seu DNA, como se fosse uma
partitura de uma música clássica perfeita e inenarrável. Às vezes, ele traz
a bonança. Às vezes, a destruição. E isso tem muito haver com a cafeicul-
tura brasileira e seus desdobramentos econômicos e políticos, desde a sua
introdução no país. Dentre os momentos mais dramáticos, pode-se citar a
geada negra de 1975.
Foi o choque de massas de ar, o responsável pela mudança do cená-
rio da cafeicultura brasileira, em 1975. Naquele ano, a pujante cafeicultu-
ra do Paraná, que fazia as vezes que hoje Minas Gerais faz, como lideran-
ça nacional dessa cadeia produtiva, sucumbiu de uma única vez, sob os
pés de um gigante silencioso: a geada. Essa advecção da massa de ar polar,
recebeu o nome de Geada Negra, porque simplemesmente o fenômeno
dizimou o negócio no Paraná e fez com que o mapa da cafeicultura do
Brasil mudasse. Esse momento tem uma relação com a minha vida.
12
A beleza branca que cobriu os campos e que marcou a capital curi-
tibana com a última grande nevasca do século XX naquela região foi uma
forma da natureza indicar a morte e ao mesmo tempo o processo de
inovação. Frente a destruição, nada mais há o que se fazer, senão reunir
forças e recomeçar. O impacto econômico inquestionável naquele momen-
to obrigou milhares de brasileiros a buscarem novas fronteiras em uma
região até inóspita, o Cerrado Brasileiro. De modo geral, a morte, trouxe
no longo prazo a vida e ao mesmo tempo, a prosperidade que faz do
Brasil a principal referência no agronegócio global atualmente. O vento
permitiu que o meu país deixasse de ser economicamente dependente da
cafeicultura e desenvolvesse outras potencialidades. No meu caso particu-
lar, mudou o meu cerne.
Escolhi o nome desse fenômeno climático para intitular este livro
porque ele toca o legado humano, mais especificamente o meu. A obra
que aqui se apresenta, então, é uma tradução plena da paixão vibrante
que morreu agonizante junto com a minha juventude que se foi.
Geada Negra: coletânea sobre uma década de reflexões sobre
o agronegócio café trata-se de uma lápide delicada que contém o que
durante muito tempo, valeu mais do que a minha própria vida e ao mesmo
tempo, o período de término do meu longo luto emocional em relação ao
meu físico afastamento da cafeicultura. Marca, após seis anos, o momen-
to que eu paro de chorar, encerrando um ciclo. Logo, é um marco schum-
perteriano no contexto da minha trajetória acadêmica. Ressalto ao leitor
que é um documento público, de cunho pessoal que ajuda em definitivo,
a dirimir minhas mágoas. A parte disso trata-se de uma obra pessoalmen-
te importante, é o meu primeiro exercício solo, alinhado com as novas
tecnologias.
Espero que os leitores apreciem o trabalho, uma coletânea de textos
selecionados. Ele reúne 88 textos que selecionei dentre os 128 que publi-
quei entre 2002 e 2012, em importantes canais de notícias como o Portal
Coffee Break, Revista Cafeicultura, Café Point, Jornal O Estado de Minas,
Portal Administradores, Safras e Mercado, editorias a quem faço aqui um
agradecimento muito especial, pelo espaço concedido para divulgação
desses trabalhos, nas oportunidades em outrora, nas quais eles foram sub-
metidos.
A autora
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1Uma das melhores invenções do mundo
Publicado no Usina de Letras, em 11 de abril de 2004.
Foi num dia desses, depois de lavrar a terra, que a beira do fogão de
lenha meu avô contou essa história:
“E foi assim que Deus inventou o tal do agricultor: um ser humano
que pode até ser de pouco estudo, mas que possui a sabedoria dos tempos
e da natureza”. Deus, depois da trabalheira toda de criar o mundo em
apenas seis dias, resolveu descansar no sétimo. Conta-se que então, sono-
lentamente, estendeu uma rede entre a árvore do Bem e do Mal e um pé
de laranja serra d’água (como o pé estava todo carregado porque era safra,
era só ele estender a mão e colher uma fruta quando lhe conviesse) e
dormiu. Então ele teve um sonho terrível, de que toda a sua criação iria
por água abaixo porque ele se esqueceu de definir quem iria cuidar de
tudo. Ele iria precisar de um ser que ouvisse os sons da terra, que tivesse
paixão pela natureza e que naquela paciência que só as mães têm, deitas-
se a semente no solo e esperasse ela nascer e crescer.
Eis que o Senhor despertou, passou a mão no queixo, olhou para
Adão e Eva e começou a andar pelo paraíso a pensar. Dizem que enquan-
to caminhava, a danada da Eva mordeu o fruto proibido e convenceu Adão
a comer também. Eles então, descobrindo o pecado original, se esconde-
ram.
O Senhor já estava desistindo da idéia, quando procurou por Adão e
Eva e acabou descobrindo o mal-feito dos dois. Maria Santíssima! Ficou
bravo demais e mandou os dois procurarem seu destino.
Ficou muitos dias triste, porque não entendera onde havia errado em
sua obra. Eis que então, por iluminação do Espírito Santo, Ele conseguiu
visualizar uma luz no fim do túnel. O Senhor imaginou alguém, capaz de
amar a terra como Ele, de reproduzir sua criação de tempos em tempos,
de colher os frutos e tirar dali o seu sustento e da sua nação. Ele imaginou
um ser que com o seu coração sustentaria Nações, porque nele estava
14
contido o que há de mais caro em qualquer outro ser que havia criado: o
sentimento de doação ao mundo.
Ah! Como o Senhor ficou satisfeito! Eis que então, esculpiu mais
uma vez o barro e soprou seu hálito sobre a sua criatura. Pegou também
um pouco de palha e fez um chapéu e colocou sobre a cabeça da sua obra,
porque não queria que o sol o maltratasse de todo. E ainda, aproveitou a
madeira de uma de suas árvores e forjou o aço retirado do solo e fez um
instrumento ao qual deu o nome de enxada. Entregou a tal enxada ao ser
que acabara de criar e deu o nome a ele de agricultor, dizendo: “Que
caiam todas as cidades, mas que não caia você, pois se tiveres a terra para
cultivar, as cidades ressurgirão.”
O melhor de tudo é que Deus colocou sob os braços do agricultor
um pé de café muito bonito e disse, dando adeus: “Espera crescer, colhe
quando estiver tudo bem madurinho, seca, descasca, torra, moí e por úl-
timo, ferve um cadim de água, põe o pó num coador que te ensinarei a
tecer e coloca a água por cima. Depois adoça! Fica bão dimais, ainda mais
se tiver um queijinho pra acompanhar!” E foi assim que surgiu a primeira
tradição mineira”.
15
2Café para a Indústria
Publicado no Jornal O Diário do Comércio de Minas Gerais,
em 05 de novembro de 2003.
O mercado cafeeiro ao longo de sua história, cerca de quase dois
séculos, tem sido um termômetro do desempenho da política e da econo-
mia brasileira, principalmente em razão da praxe intervencionista estatal.
Desde a sua introdução no território brasileiro, percebe-se que a cafeicul-
tura, responsável sem dúvida pelo processo de modernização nacional,
tornou-se uma refém do Estado, que ora deixava-a submetida às regras do
livre mercado e ora utilizava-a como escore político, principalmente no
período áureo do café, onde o Brasil chegou a responder por até 70% do
consumo mundial.
Embora o Brasil detenha hoje apenas 27% do mercado mundial, sua
produção ainda é a maior do globo. Essa condição, dada a concorrência
com os demais países produtores, tem exigido uma atuação mais dinâmi-
ca do Estado que pauta suas ações a partir das demandas da sociedade –
membros do agronegócio, pois problemas que outrora podiam ser contor-
nados com a queima dos estoques reguladores, tal como o excesso de
produção, hoje exigem ações calcadas na qualidade e no marketing, ele-
mentos-chave do processo de transposição do conceito de commodity
para o conceito de especialidade.
O despertar para o novo perfil do mercado, ganhou mais força, quan-
do da extinção do Instituto Brasileiro do Café, cujo escopo era orientar e
defender o setor, como elemento responsável pelo equilíbrio entre a ofer-
ta e a procura. O agronegócio deparou-se com a estabilização do consumo,
estagnado pela não renovação do público consumidor. O risco de extinção
e a substituição drástica por outros produtos, fez com que todos os elos,
em especial a indústria, desenvolvessem estratégias que recuperassem o
prestígio e a cultura do café.
No que tange ao mercado interno, segundo maior do mundo, a in-
16
dústria tem importante papel, tanto pela redução do consumo entre a
década de 60 e 80, quanto pela sua recuperação nos anos 90. A chave de
toda essa mudança está na qualidade que passou a ser imprescindível
para a sobrevivência das empresas num mercado globalizado, formado por
consumidores mais informados, decididos e exigentes.
O processo de transição para o setor industrial tem sido árduo, prin-
cipalmente em razão dos hábitos arraigados em nossa cultura, da concor-
rência autofágica, das exigências impostas pelo Estado e outros setores
privados e pelos baixos investimentos em pesquisa que permitam o desen-
volvimento de novos produtos e formas de utilização.
Embora a torra dos grãos tenha sido desenvolvida pelos árabes, foi
somente no século XIX que o processamento tomou proporção com o
surgimento das primeiras torrefadoras nos Estados Unidos, que desde
aquela época é o maior consumidor mundial. Esse segmento do agrone-
gócio surgiu como uma alternativa à queda do consumo, pois até então o
processo de torra era caseiro, o que proporcionava diversos padrões de
bebida, ainda que o grão fosse o mesmo. A padronização da torra em
escala foi a primeira forma de fidelizar o consumo e garantir qualidade.
Ao longo dos anos a indústria de café evoluiu, não apenas com o
desenvolvimento e introdução de equipamentos, mas também com o apa-
recimento de metodologias, como o sistema de classificação dos grãos por
tipo e qualidade e a introdução das ligas de grãos, que permitiram à in-
dústria lançar mão de um número maior de matérias-primas. Outrossim, a
evolução da legislação e dos meios de fiscalização fizeram com que as
mutações fossem sentidas mais rapidamente na gôndola.
Mais do que a eliminação de fraudes, a extinção das empresas clan-
destinas que desmoralizam o setor com a oferta de produtos impróprios,
a melhoria dos blends (ligas), com a utilização de matérias-primas de me-
lhor qualidade, centra-se nas mãos da indústria nacional a responsabilida-
de da ampliação do consumo interno e recuperação do prestígio do café
junto aos novos consumidores.
17
3Questões da e para a Indústria de Café
Publicado em 03 de maio de 2004,
no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas
A tradição de país produtor de café, ao longo dos últimos dois sécu-
los, galgou importantes inserções do Brasil na política internacional, toda-
via não possibilitou o fomento de uma indústria nacional forte, atualmen-
te em xeque. Num ambiente de ineslasticidade da demanda, retração do
consumo provocada pela queda da renda e do poder de compra, aliado à
substituição do produto por outros que na ótica do consumidor estão
maiscompatíveis com a sua qualidadede vida; afunilamento do acesso a
mercados, proporcionado pela concentração do segmento supermercadis-
ta; a autofagia que atualmente vive o setor em função da guerra de preços,
além dos transtornos proporcionados por uma carga tributária aviltante e
as atuais políticas industriais, que, embora um pouco mais agressivas que
as anteriores, ainda são tímidas, criam um ambiente propício para que a
indústria de café de torne-se uma forte candidata auma vaga em uma UTI.
É certo que existe capital investido pela iniciativa privada, além do
esforço de implementação de programas de incrementode consumo cal-
cado na qualidade, por parte dos sindicatos regionais e associação nacio-
nal, mas a grande questão a ser discutida é até quando haverá fôlego fi-
nanceiro das indústrias de modo geral, para resistirem à hostilidade das
forças ambientais, principalmente aquelas ligadas às políticas públicas? Os
recursos da iniciativa privada, que são escassos e que deveriam conferir
maior competitividade ao setor, infelizmente estão sendo exauridos pelos
cofres públicos e não retornam à sociedade.
A indústria de café é, portanto, um ícone muito representativo dessa
conjuntura vivida por toda a indústria nacional, relegada à política do
salve-se quem puder e quem pode mais na redução das margens de lucros,
o que não deixa de ser um atrativo fascinante para o exercício da informa-
lidade.
18
A alteração da estrutura industrial cria um enigma em potencial para
um segmento que almeja a inovação, até mesmo por uma questão de
sobrevivência do agronegócio como um todo, uma vez que o Brasil é o
segundo mercado consumidor mundial em volume. Se por um lado há a
necessidade de melhorar a qualidade do café ofertado, por outro não há
equalização dos recursos e tampouco a desburocratização dos órgãos de
fomento, de modo a facilitar a distribuição de recursos para a aquisição de
tecnologia da modernização do parque industrial e nem para grandes in-
jeções de recursos em pesquisa e desenvolvimento, que gerem novos usos
para o café, no âmbito industrial, além da bebida, parte nobre do produto.
Outrossim, não há investimentos suficientes em pessoal que favoreçam o
funcionamento do sistema público de fiscalização sanitária, de modo a
coibir a pirataria existente no setor, tampouco a implementação de normas
válidas para a comercialização em todo o mercado nacional que limitem o
padrão mínimo da qualidade física e sensorial do café.
As indústrias não são homogêneas pelo seu posicionamento institu-
cional, mas o seu produto, infelizmente, aos olhos do consumidor ainda o
é, o que sugere a necessidade de não considerar como commodity o café
ofertado no mercado, providência quejá vem sendo tomada pela iniciativa
privada. Todavia, mesmo com a massificação de campanhas de marketing
calcadas no desenvolvimento de novas percepções de consumo, fica a
dúvida se o governo (que compra pelo menor preço) subsidiará o acesso
das populações de baixa renda ao café com qualidade superior, conside-
rando este investimento como elemento estratégico para um setor que
gera 12 milhões de empregos e que pode ir além, principalmente se for
levada em conta a vertente do comércio internacional.
19
4O lugar do DECAF é no MDIC
Publicado em 18 de junho de 2004, no Coffee Break,
O Portal do Agronegócio Café
A comercialização de produtos com alto valor agregado como alter-
nativa à exportação de produtos “in natura”, esteve sob os holofotes do
discurso do secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas),
Kofi Annan, durante a abertura da XI Unctad (Conferência das Nações
Unidas para Comércio e Desenvolvimento),que ocorre em São Paulo. Esta
provocação vai de encontro com a necessidade de ruptura com a cultura
da “commodity”, cujo mote foi lançado pelo governo FHC, e que agora
vem sendo reforçado pelo estilo mascate do governo Lula.
Não faz muito tempo, o critério de análise do agronegócio café mun-
dial era uma oposição entre o desempenho dos países centroamericanos
(inclua-se aí a Colômbia, país sul-americano), calcados nos seus suaves, e
o Brasil, com a política de comercialização gerenciada pelo IBC (Instituto
Brasileiro do Café), cuja teoria convencional era de que o maior sucesso
relativo brasileiro decorreria da adoção de um modelo de crescimento ba-
seado nas exportações de commodities. E foi assim, desde sua fundação,
em 1952, até sua extinção, em 1990, cujo fato foi seguido de um
traumático período de readaptação do segmento, que teve que
aprender a ser competitivo num ritmo frenético.
Percebe-se hoje que a cadeia nacional do café, após os 38 anos sob
a batuta do IBC e um pouco mais de 10 anos num processo de reestrutu-
ração, encontra-se num novo estágio evolutivo, o qual prima pela valori-
zação da origem Brasil, a partir do mote um país, muitos sabores, a partir
do prisma da promoção comercial dos seus cafés industrializados.
Embora a participação desse segmento ainda seja tímida no comércio
internacional, verifica-se que o potencial nacional em café é um motivo,
por si só, para a intensificação de políticas que superem o aspecto indus-
trial, considerado básico, e se transformem em políticas de competitivida-
20
de. Para tal, arranjos políticos e departamentais em nível de governo são
imperativos.
Mudanças desta ordem podem significar rupturas profundas com o
passado em prol do futuro, principalmente quando estas estão arraigadas
a tradições seculares. Na verdade, a importante discussão sobre os rumos
da SPC (Secretaria de Produção e Comercialização) e, conseqüentemente,
do Decaf (Departamento do Café), não deveriam tangenciar sua incorpo-
ração ou não por alguma outra Secretaria do Mapa (Ministério da Agricul-
tura, Pecuária e Abastecimento), mas sim, deveriam fortalecer a campanha
pela transferência do Decaf para o MDIC (Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio), em função do caráter estratégico que o café tem
para nosso país e economias estaduais.
A tônica que tem animado as discussões a respeito do tema, é a
mesma que falta para que o agronegócio café saia do lugar comum, tor-
nando-se de fato uma cadeia realmente competitiva, coordenada e auto-
-sustentável. A transferência configuraria então, o marco de entrada da
cafeicultura nacional no século XXI.
21
22
5Indicação geográfica e agroindústria
Publicado em 28 de junho de 2004,
no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.
O modelo de gestão na atualidade passou a ser regido por princípios
e diretrizes socioambientais, os quais são perceptíveis não apenas no mo-
dus vivendi do cidadão local, cada vez mais global, mas também no com-
portamento estatal e organizacional. O Estado, assim como as empresas,
dadas as necessidades urgentes de se adaptarem às exigências de mercado
e suprirem carências profundas como por exemplo o aumento de vagas no
mercado de trabalho, buscam alternativas que envolvem a intensificação
da conectividade setorial como meio de redução dos custos de transação
e aumento da competitividade.
Uma dessas alternativas consiste na valorização dos produtos nacio-
nais, através do que a legislação brasileira (Lei 9.279, de 14/05/96) con-
venciona como indicação geográfica, a qual envolve a indicação de proce-
dência e a denominação de origem.
Importante instrumento de agregação de valor, as indicações geográ-
ficas têm como principal objetivo a preservação da identidade dos produ-
tos ou serviços, características e formas de produção ou até mesmo a fama
de uma área geográfica pela comercialização ou obtenção de um determi-
nado produto, a qual pode contribuir para a elevação do valor do produto
no mercado e respectivamente do lucro. Alguns exemplos desta natureza
são: o Champagne– vinho espumante proveniente daquela região france-
sa; os vinhos tintos da região de Bordeaux; o presunto de Parma; os cha-
rutos cubanos, os queijos Roquefort e Grana Padano, e mais recentemen-
te, os vinhos do Vale dos Vinhedos e os Cafés do Cerrado (Brasil). Além
disso, seu outro objetivo é garantir a fidelização do consumidor, em função
de inserir no processo de consumo o conceito de rastreabilidade, intima-
23
mente relacionado com a questão da segurança alimentar, partindo da
padronização dos procedimentos de produção e qualidade,bem como da
valorização da sua raridade.
Dada a relevância do tema, os países que compõem a Organização
Internacional do Comércio (OMC), desde a Rodada de Doha (Catar), vêm
discutindo a criação de um registro multilateral que envolva todos os pro-
dutos comercializados no mercado internacional,visando a proteção dos-
consumidores em relação ao erro no momento de aquisição de algum
produto, bem como impedir a concorrência desleal entre os países.
Este registro que inicialmente envolverá os vinhos e modalidades de
bebidas espirituosas acenam para uma discussão importante: se a indica-
ção geográfica cria um fator de diferenciação de determinados produtos
em relação a outros comercializados no mercado, tornando-os mais atra-
tivos e confiáveis, percebe-se, num ambiente que tem impulsionado maior
participação brasileira no mercado internacional, que a questão demanda
maior atenção tanto da iniciativa privada quanto do Estado, por se tratar
de importante elemento de competitividade.
Regionalizando a questão, seria de bom tom criar e efetivar as con-
dições para se valorizar aappellation Minas Gerais, em função de todo um
conjunto de características que remete às tradições, qualidades, aromas e
sabores aqui produzidos e principalmente, industrializados que o Estado
possui. No âmbito agroindustrial, esta valorização parte do princípio da
coordenação das cadeias produtivas, via arranjos produtivos, que favore-
çam a conversação entre os participantes de cada segmento da cadeia,
bem como a participação do Estado, via instrumentalização legal e fomen-
to econômico para o nivelamento da base tecnológica mineira (através de
investimentos em extensão rural, programas de boas práticas de produção
e industrialização, financiamento de plantas industriais mais modernas,
difusão da cultura exportadora).
Se hoje a agricultura nacional, já é responsável por cerca de 42% da
pauta de exportações brasileiras, através da agregação de valor, via indus-
trialização e indicação geográfica, poderemos mais. Minas Gerais tem de
cumprir o seu papel na dinâmica do desenvolvimento nacional, sendo ca-
paz de transacionar entre o estigma de mero produtor de commodities
24
agrícolas para o de grande exportador de produtos de primeira qualidade
com alto valor agregado, garantindo aos seus setores produtivos, maior
rentabilidade e, por conseguinte, mais oportunidades de oferta de trabalho
no mercado nacional. Parafraseando Milton Nascimento, que nossos pro-
dutos sejam do mundo, mas de Minas Gerais.
25
6Desafios do Café Nacional
Publicado em 13 de Setembro de 2004,
no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.
O laissez-faire, proposto pela Revolução Francesa e fundamento eco-
nômico da época, favoreceu um importante movimento no processo de
evolução da humanidade: a revolução industrial. Este movimento teve iní-
cio na Inglaterra, por volta de 1760 e alastrou-se pelos demais países do
mundo. O homem camponês cedeu espaço ao homem industrial. A terra
lavrada, organizada em processos produtivos, que remetiam ao modelo
feudal, abriu espaço aos núcleos urbanos, aos cortiços, a um novo mode-
lo de trabalho, que envolvia o uso de novas fontes de energia, máquinas
para favorecer a produção em escala, pela a divisão e especialização do
trabalho, impulsionando ciências importantes como a administração (Fre-
derich W. Taylor, Henry Fayol e Henry Ford) e a economia (Adam Smith,
Thomas Malthus e David Ricardo). Eles defendiam a crença de que o acú-
mulo de capital era uma fonte fundamental de crescimento e que, o de-
senvolvimento no setor agrícola e no industrial era distinto em razão dos
métodos de divisão de trabalho e inovações tecnológicas.
Para eles, a indústria tinha vantagem considerável em relação à agri-
cultura, que usa as tendências de crescimento tecnológico como forma a
possibilitar retorno de investimentos confortáveis, mesmo em períodos de
estagnação econômica.Tal perspectiva ainda é auxiliada pela política de
gerenciamento de mão-de-obra, que aumenta em razão da necessidade
de atender à demanda de consumo, além do fato de ter seu salário ajus-
tado ao valor fixado pelo estado, quando do seu aumento, a fim de não
reduzir a lucratividade do capital investido.
Esse processo de transição também atingiu a atividade cafeeira mun-
dial, até então rural. Conforme Delfim Neto (1979), em 1865, nos Estados
Unidos, começou a processar-se uma revolução tecnológica da mais alta
26
importância para a generalização do consumo de café. O café até então
era vendido cru no país, de modo que o consumidor o torrava a seu gosto
em casa. O processo de industrialização proporcionou uma importante
evolução mercadológica, que foi a padronização do aroma e sabor do
café, já que para a industrialização do produto, partia-se do pressuposto
do estabelecimento de mesclas (misturas de grãos), definição de um pon-
to específico de torra e consequente sistema de comercialização em em-
balagens prontas para o consumo.
Embora a oficialização da industrialização do café tenha acontecido
apenas no século XIX, no ano de 1997, em escavações arqueológicas rea-
lizadas próximas a Dubai (Emirados Árabes) encontrou-se um grão de café
torrado datado do século XIII (L’ABCdaire du Café, 1998). Sem a submissão
do grão ao calor do fogo, sem dúvida, o produto não teria prosperado
como bebida, já que os aromas e sabores característicos do grão somente
se desenvolvem durante o processo de torra.
No Brasil, a introdução do café no hábito alimentar acontece junta-
mente com a ascensão da cultura, sendo inclusive elemento de inspiração
da obra Negras vendedoras de café torrado, de Debret. Ainda assim, per-
cebe-se que a indústria de café brasileira é muito jovem, dado que os re-
gistros mais remotos no Brasil, datam de 1902, sendo que as indústrias
mais tradicionais em atuação no País são de 1945. Sua juventude não
impediu, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Café
(Abic), que o setor tenha 1.170 indústrias de café, responda por cerca de
13,7 milhões de sacas de café consumidas (2003), fature anualmente R$
3,88 bilhões em vendas, realize investimentos de R$ 1,6 bilhão em insumos
neste mesmo ano e exporte, em 2003, R$ 12,8 bilhões, uma alta de
124%em relação a 2002.
E falando em exportação, a inserção brasileira no mercado interna-
cional não parece ser uma das tarefas mais fáceis, em função das barreiras
técnicas que os países consumidores impõem a produtos industrializados,
que possam ser mais competitivos que os de suas indústrias nacionais.
Infelizmente, é fato também que não há como elevar a participação bra-
sileira no bolo que gira US$ 60 bilhões por ano, só no segmento agroin-
dustrial do café mundial, com o engessamento da estrutura industrial
nacional pelo estado, que não resolve seu problema de ingerência e quer
fazer com que a sociedade arque cada dia mais com uma carga tributária
escorchante (a novidade agora é a PIS/Cofins). Enquanto isso, o café, sacro
27
ouro verde, continua a ser exportado in natura (graças à Lei Kandir) para
compor mesclas com outras origens, que recebem a fama e os dólares, tal
como Colômbia e demais países centro-americanos, asiáticos, oceânicos e
africanos.
O desafio da indústria de café brasileira passa a ser não só as bandei-
ras da qualidade, da elevação do consumo interno e da exportação de
produtos com valor agregado. O desafio maior é o de manter as portas
abertas, suportando a política romanado “pão, circo e altos tributos” que
está governando o País há muitos anos.
28
7Um olhar sobre o 4 C’s: como o Código Comum para a Comunidade Cafeeira
impactará na competitividade do Segmento Agroindustrial do Café Brasileiro
Publicado em 17 de dezembro de 2004, na Agência Safras e Mercados
Não faz muito tempo, o critério de análise do agronegócio café mun-
dial era uma oposição entre o desempenho dos países centro-americanos
(inclua-se aí a Colômbia, país sul-americano), calcados nos “suaves” e o
Brasil, com a política de comercialização gerenciada pelo Instituto Brasilei-
ro do Café, cuja crença era de que o maior sucesso relativo brasileiro de-
correria da adoção de um modelo de crescimento baseado nas exportações
de commodities. Este pensamento norteou as ações do instituto desde sua
fundação em 1952 até sua extinção em 1990, estratégia esta que deu
certo enquanto o café era a única commodity representativa na pauta de
exportações nacional. Com a ruptura deste paradigma intervencionista, a
cafeicultura nacional viu-se obrigada a adotar um modelo calcado nas
regras de mercado.
A qualidade e especialmente a valorização da origem nacional como
importante diferencial competitivo passaram a dar o tom das ações de
marketing e desenvolvimento de mercados. O realinhamento em direção
a este foco vem assumindo importante posição no contexto da cafeicultu-
ra brasileira, refletida na construção do aparato legal que aos poucos vai
se alinhando às exigências do mercado internacional.
Juntamente com esta modernização da legislação, observa-se que a
cadeia agroindustrial do café está se movimentando de forma a favorecer
a criação de toda uma estrutura que permitirá ao Brasil transitar de seu
atual estigma de maior produtor da commoditty para o um contexto que
privilegie a visibilidade de sua origem. Esse processo que se iniciou no
29
segmento produtor, tem agora permeado o segmento industrial do café,
justamente na intenção de agregar mais valor ao produto.
A agregação de valor, diga-se de passagem, no contexto do agrone-
gócio café é uma combinação sinérgica das ações desenvolvidas nas ma-
croestruturas do negócio: produção, indústria e comercialização. Esta si-
nergia torna-se visível na xícara com café servida ao consumidor, não
importa onde este esteja. Contudo, esta mescla de ações dos agentes, no
contexto nacional, vem sendo construída de forma a privilegiar maior ren-
tabilidade, principalmente no que tange à comercialização, onde ocorre
maior remuneração do produto.
A comercialização de produtos com alto valor agregado como alter-
nativa à exportação de produtos “in natura”, esteve sob os holofortes do
discurso do secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi An-
nan, durante a abertura da XI Unctad - Conferência das Nações Unidas
para o Comércio e o Desenvolvimento, ocorrida em São Paulo, neste ano.
Esta provocação vai de encontro com a necessidadede ruptura com a cul-
tura da “commodity”, cujo mote foi lançado durante o governo FHC e que
agora vem sendo reforçado pelo estilo “mascate” adotado pelo governo
Lula. Isso exige que o país adote uma postura agressiva frente aos players
internacionais, principalmente quando se trata de um negócio que atinge
cifrasde US$ 80 bilhões ao ano. Este posicionamento está diretamente
relacionado não apenas com ações diplomáticas que envolvem missões
empresariais ou painéis junto à Organização Mundial do Comércio. Envol-
ve também a compreensão minuciosa da potencialidade dos países que
possam ser possíveis parceiros comerciais, percebendo ainda onde cada
produto brasileiro se encaixa e desenvolvendo habilidades na negociação
e principalmente inteligência comercial que fomentem todas as ações.
Dessa maneira, acordos que privilegiem a polarização entre países
produtores de produtos “in natura” e países que industrializam e comer-
cializam estes produtos, já com maior valor agregado devem ser vistos com
certa reserva. No âmbito da cafeicultura mundial, o último acordo que
possui características dessa ordem e que foi adotado no último dia 23 de
setembro pela Organização Internacional do Café é o Código Comum
para a Comunidade Cafeeira ou 4C’s.
O que é o Código Comum?
O 4C’s configura-se num novo instrumento que propõem a criação
de um mercado comum do café. Esta iniciativa que foi criada em janeiro
30
de 2003 pela Associação Alemã do Café, Cooperação Alemã para o De-
senvolvimento - GTZ e Ministério Federal da Economia, Cooperação e De-
senvolvimento da Alemanha e que habilmente envolveu grande gama de
agentes do segmento agroindustrial do café mundial (vide quadro Mem-
bros Participantes), tem como principal escopo o desenvolvimento de um
código de conduta para garantir a produção e sustentabilidade da cadeia
do café verde.
O seu enfoque principal que é a sustentabilidade, baseia-se nos Ob-
jetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, conferindo ao
código três importantes dimensões: uma social, uma ambiental e outrae-
conômica.
Dimensões do Código Comum da Comunidade Cafeeira
Dimensão Social: A produção de café só pode ser sustentável se pos-
sibilitar condições decentes de trabalho e de vida para os agricultores
e suas famílias e para os empregados. Isto inclui o respeito pelos direi-
tos humanos e pelas normas trabalhistas e a consecução de um padrão
de vida decente.
Dimensão Ambiental: A proteção do meio ambiente como, por
exemplo, as florestas primárias e a conservação de reservas naturais
como a água, o solo, a biodiversidade e a energia são elementos cen-
trais da produção cafeeira e do processamento pós-colheita numa ba-
se sustentável.
Dimensão Econômica: A viabilidade econômica é o fundamento da
sustentabilidade social e ambiental. Ela inclui ganhos razoáveis para
todos os participantes da cadeia cafeeira, livre acesso aos mercados e
meios de vida sustentáveis.
Fonte: Common Code for the Coffee Community, 2004.
Estas dimensões serão o cerne das ações a serem desenvolvidas por
parte dos participantes, em prol do desenvolvimento permanente e me-
lhoria contínua dos processos da cadeia do café verde. Para se atingir este
objetivo, o Código Comum tomou como origem diversas normas e códigos
31
que operam no setor cafeeiro mundial, estruturando a partir daí, um ali-
cerce normativo que pretende intensificar a cooperação
com as atuais estruturas existentes nos países participantes, não des-
prezando a identidade de cada um.
Além disso, corroborará para uma nova compreensão de qualidade
que inclui a qualidade intrínseca e sensorial do café verde, bem como a
qualidade da sustentabilidade no processo produtivo.
Como mecanismos do código comum, estão previstas a transferência
de renda em direção aos produtores, otimizando a cooperação e a cons-
cientização acerca das responsabilidades ao longo da cadeia, proporcio-
nando ao consumidor e à sociedade um sistema confiável que permita
acompanhar a sustentabilidade deste café comum.
O princípio para o funcionamento do código centra-se no espírito de
cooperação entre as entidades dospaíses produtores, do comércio, da in-
dústria e da sociedade civil participantes, bem como organismos e institui-
ções multilaterais que apoiaram o processo. Dessa maneira, embora a
pretensão não seja solucionar a crise atual do café, conforme o próprio
texto do Código afirma, esta cooperação oferecerá uma perspectiva para
o desenvolvimento de longo prazo para os fornecedores e estabelece uma
nova base paraa competição com referência a qualidade tanto do produto
como dos métodos de produção sustentável.
[Vantagens para os] produtores:
1. Aquisição de poder e de maior capacidade de gestão;
2. Obtenção de melhores retornos da produção;
3. Demanda previsível por café do Código Comum;
4. Melhor acesso ao mercado;
5. Melhoria dascondições de vida;
6. Melhores condições sociais para os trabalhadores e suas famílias;
7. Preservação do meioambiente.
[Vantagens para o] comércio e indústria:
1. Fornecimento garantido de café verde de qualidade;
2. Mercado de cafégarantido para o futuro;
32
3. Empenho para com a responsabilidade e sustentabilidade social
da empresa;
4. Maior sustentabilidade para o mercado principal;
5. Maior transparência e rastreabilidade de mercado;
6. Preservaçãodo meio ambiente.
De acordo com o Código, a participação é aberta para qualquer
agente da cadeia produtiva, contudo, o acesso ao mercado do café comum
exigirá que produtores, processadores e comerciantes satisfaçam às exi-
gências presentes no Código Comum, por meio da criação das Unidades
do Código Comum, que evitarão por exemplo, uso de mão-de-obra infan-
til ou trabalho escravo ou servil na produção de café, falta de atendimen-
to a direitos sociais dos funcionários e uso de pesticidas proibidos. Estas
Unidades do Código Comum serão responsáveis pelo acompanhamento
das metas previstas, conforme a Matriz do Código, descrita no quadro
abaixo sucintamente:
Dimensão Social
1. Liberdade de associação;
2. Liberdade de negociação;
3. Discriminação;
4. Direito à infância e à educação;
5. Condições de trabalho;
6. Desenvolvimento de capacidades e aptidões;
7. Condições de vida e educação
Dimensão Ambiental
1. Biodiversidade;
2. Agroquímicos;
3. Fertilidade do Solo;
4. Água;
5. Detritos;
6. Energia.
33
Dimensão Econômica
1. Informações sobre o mercado;
2. Acesso ao mercado;
3. Qualidade;
4. Comércio;
5. Cadeia da Oferta.
Fonte: Common Code for the Coffee Community, 2004.
O controle de cada variável acima descrita possui um sistema de
“semáforo” que indica as ações a serem mantidas, suspensas ou excluídas
do dia-a-dia dos agentes participantes.
Os impactos
Avaliando o Código, verifica-se a intenção de oferecer a cadeia pro-
dutiva do café verde mundial uma estrutura de governança que permita,
de um lado, uma elevação da renda do pequeno produtor, todos situados
em países em desenvolvimento, e de outro, garantir à indústria e comércio
participantes, garantia de um produto sustentável, rastreável e com carac-
terísticas organolépticas nobilíssimas, que somente osmelhores cafés pos-
suem. Ora, a princípio, considerando que a expectativa é de beneficiar
cerca de 25milhões de famílias de produtores ao redor do mundo, a inicia-
tiva parece excelente. Todavia, para o Brasil esta cooperação pode vir a ser
uma grande ameaça no médio prazo para o programa brasileiro de expor-
tações de cafés industrializados, porque claramente o documento enfatiza
a sustentabilidade dacadeia de cafés verdes.
A leitura que fazemos deste código é que ele configura-se numa
formalização do colonialismo europeu noséculo XXI, do qual, por uma
questão diplomática e comercial, não podemos deixar de participar, por-
sermos o maior produtor da commoditty. Embora o colonialismo, isso não
é de todo ruim, seconsiderarmos que agora, a produção, no seu todo, se
quiser manter mercado, terá que se ajustarindependente do tamanho da
propriedade, profissionalizando-se em definitivo, no menor espaço de tem-
popossível. O problema é que a estrutura pública nacional e estadual em
termos de assistência técnica está acada dia mais complicada por falta de
investimentos e contratação de pessoal, deixando o cafeicultor depequeno
34
e médio porte desassistido. Além disso a formação cultural do cafeicultor
(pequeno e médioprincipalmente) na parte da comercialização ainda é
restrita. Muitos desconhecem por exemplo, aqualidade da bebida dos ca-
fés que produzem, aceitando o critério de bebida “dura para melhor”,
padrãoinexistente na Instrução Normativa n 08/2003, do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento,que regula a classificação oficial do
café verde no país.
Do ponto de vista técnico, por mais certificados e por mais sustentá-
vel e rastreável que um café verdepossua e seja, ao chegar à indústria este
mesmo grão será uma matéria-prima pela qual o mercado paga umprêmio
financeiro pela qualidade. Mas não passa disso. O que agrega valor verda-
deiramente é aindustrialização e a comercialização, onde a rastreabilidade,
sustentabilidade e certificação tornam-seagregados das estratégias de ma-
rketing ante o mercado consumidor.
A ênfase na cadeia do café verde dadapelo 4C’s portanto, polariza o
negócio do café mundial, colocando de um lado os países produtores e
deoutro, os que são responsáveis pela industrialização. De acordo com o
Relatório da Comissão Especial daCafeicultura Mineira, realizado em 2003,
o mercado de cafés está concentrado nas mãos de apenas cincograndes
empresas, que respondem por 69% das aquisições dos grãos no mundo
(Nestlé, Kraft, Sara Lee,Tchibo, Procter).
Para a indústria brasileira, que não está participando diretamente
como membro do Código, os riscos sãoaltos, dado que é muito mais fácil
desestruturar um futuro inimigo antes que ele se fortaleça, do quepermitir
que o Brasil chegue à vanguarda da industrialização e comercialização do
café no mercadomundial. Como chegaremos a ser grandes exportadores
de café industrializado, se não formos capazes deacessar importantes mer-
cados, em função de barreiras técnicas que a cada dia os mercados con-
sumidoresimpõem? Como muito bem disse Alberto Torres “uma nação
pode ser livre, ainda que bárbara, semgarantias jurídicas; não pode ser livre
entretanto, sem o domínio de suas fontes de riqueza, dos seus meiosde
nutrição, da indústria e do comércio”. Estas palavras, do início do século
passado, sintetizam bem umsentimento de brasilidade que deve permear
as ações que visem a defesa dos interesses nacionais,estendidos agora ao
mercado externo, que garantem os dólares para a economia nacional.
Mesmo diante de um contexto que vai de encontro com o modelo
35
cepalino, não compete mais ao nossopaís continuar a manter a postura de
fornecedor de matéria-prima. No momento, estamos diante de um fatoque
demanda elucidarmos nossa inteligência comercial, de forma a não permi-
tirmos a ruptura do processode posicionamento da indústria, neste com-
plexo tabuleiro de xadrez, que é o de comercialização de cafésindustriali-
zados, com alto valor agregado.
36
8Mais valor ao café brasileiro
Publicado em 25 de Abril de 2005,
no Caderno Agropecuário do Jornal Estado de Minas.
Muito tem se falado sobre a agregação de valor ao café. Este tema
ganhou maior importância, principalmente nos anos 90,com a extinção do
Instituto Brasileiro do Café – IBC, conduzindo o mercado cafeeiro brasileiro
a desenvolver ou adotar ferramentas de elevação da competitividade,como
por exemplo, o fortalecimento das ações de marketing.
Embora no Brasil o marketing seja confundido com uma de suas
ferramentas, a comunicação; o seu significado diz respeito ao processo de
gestão pelo qual os indivíduos e grupos obtêm o que querem, por meio
da criação, oferta e troca de produtos e valores por outros. De acordo com
professor e especialista em marketing Marcos Fava Neves, da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto, após
determinar-se os segmentos-alvo da empresa ou propriedade, parte-se
para a diferenciação dos produtos e serviços, tornando-os perceptíveis
frente aos consumidores. Para isso, lança-se mão, no caso do café, da
aparência visual, origem, sanidade, qualidade, sabor, teor de ingredientes,
desempenho, durabilidade, estilo, freqüência e forma de entrega, instala-
ção, treinamento do consumidor, desenvolvimento de credibilidade, repu-
tação, entre outros.
Considerando a dinâmica do mercado, o marketing é o elemento que
responde pela organização das informações oferecidas pelo processo de
agregação de valor realizada pelos agentes que compõem um determina-
do agronegócio. A organização aqui, acompanha as variáveis produto,
preço, praça e promoção, de forma a gerar uma especificidade daquilo que
é fisicamente oferecido ao consumidor, perceptível no produto propria-
mente dito. Conforme Philip Kotler &Armstrong,os produtos podem ser
organizados em três níveis distintos: básico, real e ampliado. O produto
básico, diz respeito aos benefícios básicos que o consumidor está compran-
37
do (café). O produto real ocorre a partir do básico. Ele apresenta cinco
particularidades: nível de qualidade, características, design, marca e emba-
lagem (café gourmet envasado a vácuo e acondicionado em embalagem
cartonada). E o terceiro e último nível, o produto ampliado, surge a partir
do produto básico e do produto real, responde pela oferta de serviços e
benefícios adicionais ao consumidor (busca de uma recordação, por meio
do aroma e do sabor. Por exemplo, cheiro de fazenda).
Especificamente, na construção do produto real, além das informa-
ções do mercado e respectivos nichos de atuação, levam-se em considera-
ção critérios de criação dos atributos do produto, marca, embalagem, ró-
tulo e serviço de apoio ao cliente.
Neste sentido, o cafeicultor pode ser considerado o principal contri-
buinte para a geração de informações para o agronegócio café, as quais,
por meio da ação industrial, atingem o consumidor. A agregação de valor
ao café depende da conectividade entre cada processo existente ao longo
da cadeia agroindustrial. Permeia as condições edafoclimáticas (altitude);
origem; tipos de cultivares (Bourbon, por exemplo); sistema de produção
(orgânico, tradicional); método de preparo(natural, cereja descascado ou
desmucilado); classificação física (tipos 2, 2/3, 4, peneiras 16 ac,17/18);
classificação sensorial (bebidas estritamente mole, mole, apenas mole e
dura); mesclas de grãos; ponto de torra; certificados; serviço; modo de
preparo (percolação, expresso).
A variedade de aromas e sabores, tanto em território brasileiro como
no mercado internacional, a infinidade de misturas possíveis no ambiente
industrial, as formas de processamento, envase e distribuição geram especi-
ficidades pelas quais determinados estratos de consumidores estão dispostos
a pagar mais. Ao estar predisposto, o nível de exigência do consumidor em
relação à informação aumenta, devido à ampliação do nível de confiança no
produto. Tem-se aí um “contrato” nem sempre verbal, mas que, após ase-
dução na gôndola, se efetiva no caixa do supermercado. Dependendo do
desempenho do produto em relação à sua capacidade de suprir as expecta-
tivas do consumidor, gera-se uma relação comercial freqüente.
Agregar valor ao café é uma arte que supera o aporte técnico, con-
tratual e institucional. É um delicado tear, comparável ao da renda de bilro,
cuja beleza e nobreza são enaltecidas pelos elementos do marketing. Esse
complexo forma o ambiente ideal para a condução à sustentação finan-
ceira do agronegócio.
38
9Sobre Cafeologia
Publicado em 23 de maio de 2005, no Coffee Break,
O Portal do Agronegócio Café
Fundada em setembro de 2005, a Cafeoteca de Paris faz parte do
projeto Connaissance du Café e chancela todo o movimento global rumo
à elevação do padrão de qualidade do café servido ao redor do mundo.
Esse projeto, coordenado pela Dra. Glória Montenegro e que tem Néstor
Osorio, diretor-executivo da OIC (Organização Internacional do Café), co-
mo presidente de honra, tem o objetivo básico de criar um banco de
amostras dos melhores cafés do mundo (legrand crus), eleitos por meio de
concursos, e o conseqüente fomento da atividade de cafeólogo, profissio-
nal que se similariza ao enólogo, no âmbito da vitinivicultura.
A título de explicação, a Cafeologia, conforme a Associação de Ca-
feologia, sediada na França, é a arte de degustação visual, olfativa e gus-
tativa de cafés finos e raros, provenientes das chamadas terroirs
d’appellacion (denominação de origem). Esse profissional se distingue do
barista, que é considerado o sommelier da cafeicultura, por não se voltar
com maior ênfase ao processo de preparo dos cafés, embora em ambos
os casos a arte inerente ao cotidiano do barista seja imprescindível. O ca-
feólogo combina a arte da degustação, realizada dentro do ritual do con-
sumo, preparado pelo barista, visando a interpretação da personalidade
de cada café,estando sua ação voltada exclusivamente ao segmento de
alta astronomia, porque aprecia apenas os chamados grand crus.
Essa área do agronegócio café somente se tornou possível depois do
desenvolvimento da tábua de aromas do café, que contempla essencial-
mente trinta e seis aromas diferentes, indo desde aromas que lembram
frutas até aromas menos agradáveis, como o cheiro de animais. Essas
nuances formam a personalidade de cada café, tal como acontece com os
vinhos e azeites finos e são mais ou menos intensificadas, conforme o
método e condições de preparo de cada bebida.
39
Embora o preparo tradicional do cafezinho, feito em coador, seja
muito utilizado no Brasil e se combine com as mais caras tradições culiná-
rias brasileiras, verifica-se, ante a necessidade de formar novos consumi-
dores, a importância do desenvolvimento do segmento de cafés expressos.
Há uma explicação para isso: os grãos do café possuem óleos aromáticos
que, nesta modalidade de preparo, são convertidos na emulsão que for-
mam o creme do café expresso. Nesse creme estão presentes os aromas e
os sabores que conferem, ao apreciador, a sensação de prazer no momen-
to do consumo. Aqui cabe ressaltar a importância capital do barista.
A cafeologia, ciência/arte em emersão, abre um precedente impor-
tante para o Brasil, que ocupa o posto de maior produtor de cafés do
mundo e que, até 2010, tornar-se-á o primeiro mercado consumidor mun-
dial. Não significa simplesmente uma elitização do consumo do café, mas,
sim, um processo de valorização de cadabrasileiro como porta-voz do que
há de melhor no país. Para isso, aprender a apreciar é preciso.
O Brasil, para quem ainda não conhece esse universo, possui 14 regi-
ões produtoras de cafés distintas (é válido considerar que somos ricos em
microrregiões também) capazes de oferecer experiências sensoriais únicas e
a primeira Appellation Controllê de cafés do Brasil — Cafés do Cerrado
(considerada pela Connaissance du Café uma região produtora de grand
crus, tornando-o equivalente ao Blue Montain e a outros cafés exóticos). O
país oferece também, como maior produtor mundial, a certeza do acesso
do cidadão brasileiro à melhor experiência gastronômica e saudável do mun-
do, na cafeteria mais próxima, a preços acessíveis, para todas as idades.
40
10Glocalização na Cafeicultura
Publicado em 19 de Setembro de 2005,
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Embora a discussão fosse implícita anteriormente, é certo que desde
a extinção do Instituto Brasileiro do Café, em1989, a agregação de valor
tornou-se tema norteador das discussões e práticas dos agentes envolvidos
com o agronegócio, por tratar-se de fenômeno/atitude glocalizada.
Mas o que é glocalização? Trata-se de um conceito que reúne as
perspectivas econômicas e sociais oferecidas pelas discussõessobre globa-
lização e território (no sentido de espaço local). Esse conceito avalia estru-
turas de relações interpessoais e institucionais peculiares, capazes de se-
guirem processos de modernização compatíveis com as tendências
mundiais, sem perder o fio histórico e a personalidade que fazem de cada
espaço um conjunto único de pessoas, regras, cultura, entre outros. No
contexto da cafeicultura, a glocalização pode ser entendida como a capa-
cidade de cada nação participante da atividade dese enquadrar às novas
tendências da cafeicultura mundial, sem perder de vista sua tradição e as
respectivas características emblemáticas inerentes a cada região produtora
de cafés, inseridas num contexto de economia de mercado.
Se ponderarmos que atualmentea cafeicultura como negócio gera
cerca de 62 milhões de empregos diretos e indiretose US$ 80 bilhões/ano,
podemos dizer que a discussão em relação ao significado da agregação de
valor, ante o contexto da glocalização, passa a eleger como fundamento
o seu cunho social, por configurar-se força motriz para a expansão da
oferta de empregos (embora este crescimento não seja no curto prazo,
equivalente à distribuição equânime de renda). Além disso, essa bandeira
alavanca o processo desenvolvimento ao mesmo tempo em que fortalece
o processo de coordenação das cadeias produtivas de cada país inserido
na atividade, dentro do espírito “da semente à xícara” (esse espírito, dado
o processo evolutivo do agronegócio café brasileiro, também deve refletir-
41
-se na marca Cafés do Brasil, que atualmente não expressa a coordenação
do agronegócio na sua totalidade).
Nesse sentido, a modernização das políticas públicas em âmbito
nacional, que confiram maior competitividade e sustentabilidade ao setor
adquire um caráter de urgência, ao mesmo tempo em que rompe com o
modelo político baseado em favoritismos, que culminam no engessamen-
to do desenvolvimento.
Em outras palavras, isso significa construir uma estrutura política ma-
cro, inspirada em princípios de sustentabilidade, segurança alimentar, qua-
lidade e respeito aos direitos humanos, mas sem abrir mão de um olhar
individualizado sobre a realidade de cada cafeicultor, de cada industrial, de
cada membro responsável pela distribuição e preparo dos nossos cafés.
É certo que um arranjo desta natureza é extremamente complexo, já
que supera a capacidadede investimento do empresário. Ele está mais di-
retamente relacionado à vontade política, à convergência de interesses
setoriais, ao nível de agilidade dos legisladores e tomadas de decisão e à
capacidade de realizar/captar investimentos por parte do estado. Contudo,
esse arranjo é crucial frente à nova realidade da cafeicultura mundial.
Apontam-se como exemplos a realização da 2ª Conferência Mundial do
Café (organizada pela Organização Internacional do Café, Governo Brasi-
leiro e Associação de Irrigantes do Oeste Baiano/Aiba) e a implementação
do Centro de Inteligência do Café (CIC), que recentemente empossou seu
Conselho Gestor. Esse último detém a participação de todos os agentes
institucionais da cadeia produtiva nacional, incluindo estado, universidades
e centros de pesquisa.
Quando tratamos de glocalização, passamos a observar melhor os
movimentos das peças que compõem o xadrez da cafeicultura. Embora
outras conversações cruciais estejam acontecendo, nesta oportunidade
chamamos a atenção para dois cenários importantes que estão se deline-
ando e que certamente já influenciam o contexto daqueles envolvidos com
o agronegócio.
O primeiro e que promete seruma revolução mercadológica no con-
texto do café verde no curto e médio prazos, é o Código Comum da Co-
munidade Cafeeira, também conhecido como 4C, que ainda está em dis-
cussão no foro da Organização Internacional do Café, mas que já
representa um sistema que já responde por uma fatia de mercado igual ou
superiora 38 milhões de sacas de café.
42
O segundo, diz respeito à gradativa transferência da liderançado
ranking do consumo per capita/ano mundial dos Estados Unidos para o
Brasil. Essa conquista deverá se consolidar até 2010, quando o mercado
brasileiro atingirá a meta de 23 milhões de sacas consumidas ao ano. Essa
mudança traz à tona a necessidade de investimentos em qualidade tanto
na produção quanto na indústria, dado que este crescimento se consolida
sobre o processo da formação da cultura de consumo (especialmente cafés
gourmet e sistema de rotulagem e certificação nacional para industrializa-
dos).
Por outro lado, ela também demanda melhor preparo gerencial, já
que esta expansão tornará inevitável a abertura do mercado nacional para
a importação de cafés de outras origens (observa-se que a vinda da famo-
sa rede americana de cafeterias Starbucks para o Brasil é uma mostra de
que esta não é uma realidade muito distante. A rede trabalha com um
portfólio de cafés especiais de diversas origens e vem realizando negocia-
ções com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Especu-
lando um pouco, sabe-se que é o ministério que realiza toda a fiscalização
aduaneira e fitossanitária quando se trata da exportação/importação de
produtos de origem vegetal e animal. (É aquela história de 2+2...).
Finalizando, ressalta-se que a questão da glocalização não se esgota
aqui, mesmo porque a cafeicultura é um negócio em plena ascensão,
ainda que as dificuldades relacionadas a preço não tenham sido resolvidas,
e talvez não o sejam, considerando que o café é a segunda commodity
mais negociada no mundo, perdendo apenas para o petróleo. Pelo contrá-
rio, esta reflexão oferece um importante precedente para o exercício do
livre arbítrio setorial, neste novo século.
43
11Tendências do Mercado Cafeeiro
Publicado em 02 de janeiro de 2006,
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Estudos realizados pelo Banco Mundial e pelos principais agentes
institucionais no mundo e no Brasil e discussões realizadas durante a 2ª
Conferência Mundial do Café definem claramente que o mercado cafeei-
ro passará perto da qualidade tanto dos segmentos voltados para a pro-
dução de cafés diferenciados com quantidade, quanto daqueles voltados
para a produção de cafés diferenciados com especificidade.
Ambas vertentes conduzem à tomada de ações importantes, princi-
palmente no nível do produtor, que precisa readequar-se às chamadas
boas práticas de produção (preliminarmente), para atender o novo merca-
do que ora se configura. Qualidade é um fator determinante para a sobre-
vivência e é uma condição irreversível para competitividade no mercado.
Contudo, parece que esta realidade para muitos ainda apresenta-se como
uma fronteira distante, principalmente quando lida-se com processos de
certificação. Ao passo que a certificação diferencia e atesta qualidade do
processo, ela torna-se excludente pelo seu custo de acesso. Infelizmente,
o cenário que se desenha mais à frente para a maioria é o de exclusão,
ante a convergência do mercado para as normas internacionais voltadas à
produção de cafés de altíssima qualidade.
Cafés diferenciados, produzidos dentro de normas que preservem a
sanidade e rastreabilidade dos grãos são uma exigência cada vez maior dos
consumidores que, sem dúvida, já mobilizam a indústria de café, especial-
mente a nacional, que realmente são os grandes compradores de todo o
café produzido no mundo. Não coordenam a cadeia, apenas seguem as
tendências de mercado ditadas por consumidores que cada vez mais detêm
informações e anseiam por produtos saudáveis que mantenham sua qua-
lidade de vida.
44
Por outro lado, lidamos com o investimento limitado em marketing
de origem e respectivamente com o problema de formação de preços que
muitas vezes também engessa o desenvolvimento de uma forma mais in-
tensiva deste foco na qualidade na lavoura. Sem recurso, não há investi-
mento, nem acesso a crédito (dispensando aqui comentários sobre as taxas
de juros do país).
Faltou marketing no passado e continua faltando. Não temos um
rosto e nem um Juan Valdez para dizer quem somos e o que de fato pro-
duzimos. Nosso posicionamento não é agressivo como o dos centro-ame-
ricanos e dos colombianos. Cita-se como exemplo mais recente a avaliação
da instalação de uma cafeteria com a marca Juan Valdez no Brasil, pela
Federação dos Cafeicultores da Colômbia.
De quem éa culpa desse atestado de incompetência nacional? Do
extinto Instituto Brasileiro do Café, dos agentes institucionais, da política
cafeeira que ainda não se encontrou mas já está fazendo alguma coisa, da
perda da representatividade da cafeicultura nocontexto de formação da
balançacomercial nacional nas últimas quatro décadas ou de cada um de
nós que fica a espera que o outro faça pela gente?
Um bom marketing institucional de origem é formado por um con-
junto de atributos e que no caso do café, supera a fronteira da qualidade
do grão em si. Depende de certas chancelas internacionais, como por
exemplo, o reconhecimento da origem. Há um pouco mais de sete décadas
que o Brasil tenta o reconhecimento do café brasileiro como origem no
contrato “C” negociado na Bolsa de Nova York, sem êxito. Sem este reco-
nhecimento, o café nacional continuará a ser submetido às oscilações de
preço negociados em bolsa.
Essas oscilações dependem da formação dos números relacionados
à previsão de safra, oferta e o consumo mundial, bianualidade, existência
ou não de fatores climáticos e a contínua ação de investidores e fundos de
pensão, os quais comumente contrariam as análises técnicas. 2006 neste
aspecto, pelo menos promete ser um ano que deixará o cafeicultor mais
feliz, considerando que as projeções de preço são otimistas, ante a possível
escassez de café que vem se delineando no mercado internacional: consu-
mo mundial de 118 milhões de sacas, contra uma produção mundial esti-
mada em 105 milhões (dados da Organização Internacional do Café,
2005). Em função disso, hoje fala-se em renovação do parque nacional
45
como forma a garantir a permanência brasileira no curto prazo, como
principal país produtor e fornecedor de café no mundo.
Fica o recado para que esta renovação dê-se dentro de um foco es-
tratégico voltado à qualidade. Basta observarmos as mudanças profundas
que vem sendo promovidas no mercado brasileiro pela indústria e setor de
serviços. Não plantemos por plantar, porque é certo que essa demanda
uma hora se estabilizará novamente e o excedente de oferta gerará mais
instabilidade de preços também, ainda que o lastro de consumo que vem
sendo desenvolvido no Brasil – 21 milhões de sacas até 2010 se confirme.
E o problema mais uma vez ficará nas mãos do produtor, se faltar o tal
olhar estratégico. É o que a história da cafeicultura nacional conta.
Poder-se-ia ir além nas reflexões, mas concentremo-nos nestas aqui
postas, em razão do seu impacto e relevância para os novos rumos da
cafeicultura brasileira. Que a partir delas, seja possível a ação necessária
para que nos adequemos ao novo cenário, sem mais uma vez deixar que
o trem da história e do mundo dos negócios nos ultrapasse novamente.
Reflitamos e olhemos para frente, deslumbrando um futuro grandioso e
bem-sucedido.
46
12Café torrado brasileiro além das fronteiras
Publicado em 16 de janeiro de 2006, no Caderno Agropecuário do
Jornal O Estado de Minas. Participação do Prof. Dr. Antônio Carlos dos
Santos, Departamento de Administração da UFLA
O Brasil consolidou-se como tradicional exportador de café verde e
solúvel, deixando como lacuna histórica a oportunidade de inserir-se no
mercado internacional como grande vendedor também do produto torra-
do em grão e/ou moído (T&M). Ao contrário da indústria de café solúvel,
estruturada para o atendimento do mercado internacional e que atualmen-
te responde por um volume exportado de US$ 280 milhões anuais, o
segmento de T&M voltou-se apenas para o mercado interno.
Não se pode dizer que essa especialização no mercado consumidor
nacional foi totalmente ruim, pois ela colaborou para que o país se tornas-
se o segundo maior mercado consumidor mundial per capita. De acordo
com a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), o mercado brasi-
leiro caminha para assumir a liderança mundial, a ser atingida até 2010,
por meio do consumo de 21 milhões de sacas por ano.
No que diz respeito à ação internacional do segmento de T&M, criou-
-se uma miopia e
por que não dizer um certo receio deste segmento em atuar além
das fronteiras, que começaram a ser superadas por algumas torrefações
brasileiras no início da década de 90, colidindo com o processo de abertu-
ra da economia nacional.
A compreensão desse recente processo de expansão internacional foi
tema de dissertação de mestrado produzida no Programa de Pós-gradua-
ção em Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras (Ufla),
a qual buscou avaliar o olhar do executivo
sobre essa nova modalidade de negócio da indústria de torrefação e
moagem de café nacional.
47
De acordo com o estudo, a expansão internacional é um processo
construído ao longo do tempo, para torrefações já consolidadas no mer-
cado interno, mesmo que essas sejam fruto de investimento de grupos de
produtores de café, fixados em território nacional e com histórico de atu-
ação no comércio internacional de café in natura.
Para que a internacionalizaçãoda torrefação dê-se deforma sólida e
consistente, os
resultados apontam para a necessidade prioritária de ampliarem-se
investimentos em tecnificação das plantas industriais e, respectivamente,
em processos de certificação acreditados internacionalmente, bem como
para um aumento maciço de investimentos em marketing setorial/promo-
ção internacional de marcas brasileiras.
Nesse sentido, ressalta-se que a presença do Estado como principal
fonte financiadora do processo de internacionalização é fundamental,
especialmente para pequenas e médias empresas, na fase de acesso a
mercados. Atualmente a presença do Estado concentra-se em atividades
que envolvem diplomacia, organização de missões empresariais e de pro-
jetos bipartites, como os programas setoriais integrados (PSI), da Agência
de Promoção
das Exportações (Apex-Brasil).
Além dos aspectos citados acima e não menos importante, está o uso
das exportações de cafés industrializados de alta qualidade (gourmet) co-
mo estratégia de posicionamento dos
exportadores nacionais, tanto para mercados tradicionais como para
os emergentes. O investimento em qualidade, aliado ao aproveitamento
da vocação natural do Brasil como principal país produtor, a proximidade-
da indústria com o produtor e a capacidade instalada da
torrefação nacional geram vantagens competitivas e comparativas
ímpares: o melhor café brasileiro chega às gôndolas internacionais com
preços até 50% mais baratos que os similares
disponíveis no mercado externo, favorecendo a conquista de consu-
midores pelo gosto e pelo bolso.
O preço médio negociado em 2005, de acordo com a Abic, foi de
US$ 3,75, o quilo. A mensagem que esse estudo deixa é que o sucesso até
então alcançado com a recente ação internacional da indústria de café
48
oferece a força motriz para que, gradativamente, mais torrefações expan-
dam seus negócios e ampliem a geração de emprego e renda. Isso signifi-
ca contribuir para o desenvolvimento nacional, ao mesmo tempo em que
se corrobora para a construção de um novo horizonte para a cafeicultura
brasileira no cenário mundial.
49
13Mudanças nas regras do jogo em prol da
consolidação do consumo de café de qualidade no Brasil: uma reflexão
Publicado em 23 de maio de 2006,
no Coffee Break – O portal do Agronegócio Café.
Todos os caminhos conduzem à qualidade. Pelo menos é isso que as
linhas e entrelinhas dos discursos proferidos por todos os agentes que re-
presentam as principais instituições do agronegócio café têm defendido.
Tanto que falar da não qualidade, que na verdade ainda representa a base
do consumo per capita nacional, bem como do mercado marginal do café,
ultimamente, é tido como um discurso ultrapassado e tabu. Mas, será?
O fundamento da prática mercantil, dentro da perspectiva do marke-
ting, centra-se na capacidade do ambiente de negócios interpretar ou até
mesmo antever necessidades das pessoas e instigá-las o consumo. Nesse
último, centra-se a magia do marketing: a de despertar ou criar o desejo
no consumidor, levando-o a efetivar uma troca mercantil (moeda corrente
por produto ou serviço, com distintos níveis de valor agregado). O merca-
do cafeeiro, considerando a expansão do mercado de cafés especiais no
Brasil, tem se mostrado muito eficiente nesse sentido, ao despertarem
consumidores mais exigentes o desejo de uma saborosa experiência sen-
sorial, por meio da apreciação de uma xícara de café com maior valor
agregado.
Outrossim, verifica-se que boa parte das companhias, que têm seus
negócios focados no consumidor, não tem medido esforços para diversifi-
car seu portfólio de cafés, especializando boa parte dessa carteira, no
mercado de cafés diferenciados.
Sustentar esse processo, por sua vez, gera um custo que supera a
verba de marketing de torrefações e canais de distribuição importantes,
como cafeterias e o varejo. Esse custo se concentra, fundamentalmente,
50
no preço da saca do café verde, responsável por aproximadamente 60%
do custo final do kg do café industrializado.
A trava de preços do café (hedge), considerando a volatilidade das
cotações internacionais desse produto, apresenta-se como importante al-
ternativa de sustentação da lucratividade da cadeia agroindustrial do café,
em função do seu caráter estratégico. De acordo com dados do último
relatório publicado pelo CNC (Conselho Nacional do Café), em 2006, tra-
tando sobre a situação da cafeicultura brasileira, esse agronegócio ainda
continua acumulando prejuízos, principalmente na ponta produtora. Por
sinal, registra-se aqui que, se o cafeicultor vai mal, todo o resto vai, uma
vez que a base de sustentação da oferta da almejada qualidade do café
parte
dele. Sem recurso ou rentabilidade, não há como o produtor investir
em produção de café, com qualidade técnica (cafés diferenciados).
Assegurar, por sua vez, um patamar mínimo de preços ao cafeicultor
é sinônimo de garantia de oferta de produto, com qualidade técnica, no
médio e longo prazos. Nesse sentido, a aquisição de contratos (compra,
venda e opções) da BM&F (Bolsa de Mercadorias &Futuros) e CPR (Cédulas
de Produto Rural), apresentam-se como ferramentas importantes no pro-
cesso de estabelecimento de estratégias de comercialização.
Considerando que não existem sistemas de seletrons públicos dispo-
níveis e tampouco processos industriais economicamente viáveis para uti-
lização de grãos defeituosos (desvio de qualidade quesomente pode ser
evitado nos processos de produção, colheita e pós-colheita do café), que
poderiam, no curtíssimo prazo, resolver o problema da oferta de cafés de
baixa qualidade no país é visível que há uma necessidade de melhor refle-
tir sobre o estabelecimento de um mercado de contratos de café (futuro e
spot), que atenda tanto objetivos empresariais das torrefações brasileiras,
quanto dos cafeicultores e, ao mesmo tempo, reflita a realidade do mer-
cado.
Boa parte dos estudos que realizei, voltados ao agronegócio café,
concentram-se na análise do segmento industrial, mais especificamente no
setor de café torrado em grão e/ou moído. Esse setor, além de registrar
importantes cases de sucesso empresarial, tem, no momento, executado
duas ações importantes para o agronegócio nacional: uma relacionada ao
processo de elevação doconsumo de cafés, por meio de certificação de
indústrias e, respectivamente, de marcas de cafés nacionais (PQC — Pro-
51
grama de Qualidade do Café, da Abic); e outra relacionada ao processo de
alavancagem da inserção internacional da torrefação brasileira, via comer-
cialização de cafés diferenciados nacionais com valor agregado pela indus-
trialização (PSI — Programa Setorial Integrado para Cafés Industrializados,
da Apex).
Ambas as ações, interdependentes, que são coordenadas pela Abic
(Associação Brasileira da Indústria de Café), demandam como pré-requisi-
to para o seu sucesso, a garantia de oferta de padrões mínimos de quali-
dade, em escala, que permitam a preservação dos padrões dos cafés in-
dustrializados (mesclas ou blends) e o respeito a contratos, especialmente
os internacionais.
Refletindo sobre a necessidade apresentada pela Abic à BM&F, suge-
rindo a criação de um contrato para cafés arábica, no padrão tipo 8 (360
defeitos), verifica-se, nessa solicitação, um real empenho da instituição em
conduzir as torrefações brasileiras à consolidação do processo da qualida-
de, que vem sendo construído a duras penas.Tipo 8 é o padrão mínimo de
qualidade proposto pelo PQC/Abic aos industriais de café brasileiros. Esse
programa de certificação privado, tem como escopo promover a elevação
do consumo de cafés no mercado nacional, que responde pela absorção
de 15,6 milhões de sacas (dados 2005), por meio da difusão de informa-
ções de uma forma mais clara e inteligente para o consumidor brasileiro,
visando a criação de uma nova cultura de consumo de café no país.
Por detrás dos selos de qualidade e o perfil de sabor, propostos pelo
programa de qualidade da Abic, há uma crescente demanda por cafés
diferenciados no mercado, combinada com uma mudança no perfil em-
presarial do industrial de café brasileiro, que, gradativamente, setorialmen-
te falando, vem se profissionalizando. A imprescindível adequação tecno-
lógica e as mudanças de percepção sobre qualidade do café, por parte de
importantes canais de distribuição instalados no país (Carrefour e Pão de
Açúcar, por exemplo), têm contribuído para a aceleração do processo,
principalmente no estrato das 100 maiores torrefações do país.
Embora para o agronegócio café o tipo 8 não seja a “menina dos
olhos” de ninguém, é perceptível que, no momento, esse é o máximo
dentro do possível, considerando a atual conjuntura do mercado. Num
futuro próximo (entre três a seis anos, estimo), esse patamar de qualidade
deve evoluir formalmente para o padrão BM&F, no contexto da grande
torrefação. Ainda que as 100 maiores torrefadoras brasileiras respondam
52
por aproximadamente 60% do café industrializado no país, boa parte do
consumo dos 15,6 milhões de sacas, está sob a responsabilidade de micro,
pequenas e médias torrefações, com forte perfil de atuação regional. Essas,
por sinal, têm problemas semelhantes aos dos cafeicultores de pequeno e
médio porte, com o gradativo processo de descapitalização e escassez de
capital de giro, combinado com problemas de inadequação tecnológica e
problemas de concorrência desleal e autofágica.
Considerando esse perfil, verifica-se a inexistência de estimativas em
relação ao tempo em que se levará para que todas as torrefações brasilei-
ras produzam cafés dentro dos parâmetros propostos pelo PQC/Abic. É
certo que, até o momento, nem todas as existentes no Brasil detêm o selo
de Pureza da mesma instituição, uma vez que esse como aquele são de
cunho privado, não compulsório. Isto é, para tê-los em sua embalagem,
há a necessidade da torrefação se associar a Abic.
Se houver uma maior adesão de industriais de café aos negócios
realizados no mercado futuro, é certo que a prática de aquisição de maté-
rias-primas, por meio da relação indústria e produtor, já institucionalizadas
em cadeias produtivas como a do frango e do fumo, por exemplo, tende
a conferir maior estabilidade de preços praticados no médio e longo pra-
zos, inclusive no mercado físico.
Tudo indica que, em breve, o maior mercado consumidor dos cafés
brasileiros, será o próprio Brasil. E essa mudança nas relações torna-se
importante. Além disso, é visível que a demanda por cafés diferenciados,
para o atendimento do mercado internacional detorrados, também tem se
posicionado de uma forma positiva e crescente em função do processo de
diversificação dos negócios das torrefadoras. Em tese, o aproveitamento
da expertise e da segurança oferecida pela solidez de uma bolsa de mer-
cadorias situada em território nacional no processo de negociação futura
de café, gera certa independência da volatilidade de preços do café impos-
ta por bolsas internacionais, como a nova-iorquina (Nybot).
Primeiro em funçãodo aumento do volume diário de negócios reali-
zados num pregão ocorrido no Brasil. Segundo pela geração de garantias
em termos de preços mínimos e a padronização da qualidade dos grãos
ofertados ao mercado. A combinação de ambos é imprescindível para a
sustentabilidade econômica dos negócios ao longo de toda a cadeia pro-
dutiva.
Mudanças, tanto no comportamento empresarial (de cafeicultores e
53
industriais), quanto na forma de estabelecimento de contratos, combina-
das com as ações de marketing atualmente empreendidas, sem dúvida,
colocam o agronegócio café nacional com seus “dois pés” no século XXI.
Então, primando pelo bom senso no agronegócio, que a convergência de
interesses prevaleça.
54
14Parceria que pode dar certo
Publicado em 05 de junho de 2006,
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Com a proximidade de grandes eventos esportivos como a Copa do
Mundo, os Jogos Pan Americanos (Rio de Janeiro –2007) e os Jogos Olím-
picos (Pequim– 2008), as atividades esportivas voltam a assumir importan-
te papel como vitrine promocional de marcas e respectivamente, como
vendedora de estilos de vida mais saudáveis e menos dependentes do ritmo
frenético da civilização moderna. Em termos de negócios, a opção por uma
estratégia empresarial voltada ao marketing esportivo pode ser um inves-
timento para aquelas empresas ou setores que buscam na qualidade de
vida, o principal mote para a promoção de seus produtos e serviços.
A procura dos consumidores por qualidade de vida causa impacto
diretamente na forma como os setores produtivos passarão a conduzir
suas ações no mercado. Além do investimento na diversificação de seu
portfólio, as empresas investem também em processos de certificação e
rastreabilidade, abrindo precedente inclusive para o uso de insumos e/ou
matérias-primas produzidas no conceito da produção orgânica ou em sis-
temas que lancem mão de quantidades mínimas de agrotóxicos.
Outro aspecto observado na indústria de alimentos é uma tendência
gradativa pela diversificação de produtos, visando atender necessidades
distintas dos consumidores. Exemplos são mais visíveis nos segmentos de
óleos e derivados (óleo de girassol, óleo canola e algodão, margarinas vi-
taminadas e com ômega 3), frutas (produtos orgânicos, melancia produ-
zida no formato quadrado, com 1kg, para atendimento do mercado japo-
nês) legumes (batata-doce enriquecida com beta-caroteno, produção de
mini-legumes, legumes e hortaliças pré-preparados e comercializados em
bandejas).
No caso do café, verifica-se que o investimento em qualidade ao
longo da cadeia produtiva (plantio, industrialização e comercialização) tem
55
se calcado na combinação entre segmentação de mercado, fortalecimento
de novas formas de consumo e investimento em pesquisa, tanto na área
tecnológica (língua eletrônica, 100% nacional, desenvolvida para auxiliar
no processo de análise do produto), quanto na descoberta dos benefícios
para saúde, proporcionados pelo consumo da bebida. Os atributos positi-
vos da bebida (vide www.cafeesaude.com.br) podem ser ressaltados por
meio do investimento na atividade esportiva, como vitrine em potencial
para a marca.
Talvez o caso mais emblemático do agronegócio café nesse sentido,
seja a vinculação da marca Juan Valdez a eventos esportivos como campe-
onatos de tênis, patinação no gelo e alpinismo. A estratégia usada colabo-
rou diretamente para a fixação da qualidade do café colombiano na men-
te de consumidores em mercados tradicionais importantes, como o
europeu e o americano. No caso de algumas marcas comercializadas no
Brasil e até mesmo do próprio café do Brasil entendido aqui como institui-
ção nacional (marca Cafés do Brasil) verifica-se que a opção pelo investi-
mento no marketing esportivo pode ser uma via interessante.
Experiências desse tipo já ocorreram durante os Jogos Olímpicos de
Atlanta, 1996, quando o setor cafeeiro investiu em marketing de marca,
criando um espaço Cafés do Brasil paralelo ao evento. Recentemente, o
consumo de café colaborou para que a Seleção Brasileira de futebol supe-
rasse o problema da altitude em Quito, capital do Equador. Embora nenhu-
ma marca de café tenha sido vinculada àquela partida de futebol, verifica-
-se que outros esportes têm sido privilegiados por empresas que adotam
estratégias diferenciadas em termos de sensibilização do consumidor.
Atualmente há presença de marcas de café do país patrocinando
eventos internacionais, como a stock car, bem como equipes de vôlei,
basquete e equipes ou campeonatos de futebol. O investimento por meio
de patrocínio a equipes, em função da visibilidade dada pela TV, jornais e
revistas especializadas, favorece a fixação das marcas dos patrocinadores
na mente do consumidor e respectivamente, o conceito de qualidade em-
butido na concepção do produto. Talvez um dia seja possível almejar a
logomarca dos Cafés do Brasil na camisa verde-amarela da Seleção Brasi-
leira de futebol ou nos uniformes de outros atletas... Pelo menos até Pe-
quim 2008... Mas essa é uma prosa para outro dia...
Na verdade, não importa o porte do investimento. O fundamental
56
nesse caso, é oferecer visibilidade à marca de uma forma diferenciada e
principalmente, resgatando hábitos de consumo.
Além disso, o investimento em esporte, principalmente em equipes
de base, formadas por adolescentes, pode ser uma opção inteligente das
empresas exercitarem também sua responsabilidade social, resgatando
jovens do risco social, contribuindo para o desenvolvimento de uma socie-
dade melhor.
57
15Drawback: um novo cenário
para a cadeia do café
Publicado em 23 de junho de 2006, no portal Café Point.
Vários são os pontos de vista quando se trata de política cafeeira
brasileira. São interesses ora convergentes, ora divergentes, mas que, ao
longo do tempo, têm delineado a face da cafeicultura nacional. Atualmen-
te, além das discussões sobre investimentos nas áreas de ciência e tecno-
logia e marketing do café, o mercado cafeeiro depara-se com uma impor-
tante discussão: a implementação da prática de drawback no contexto do
agronegócio café brasileiro.
Os eventos que precedem essa adoção demandam uma breve retros-
pectiva histórica do agronegócio, uma vez que, pode-se dizer que o ad-
vento da vinda da Starbucks para o Brasil, em 2006, está para o setor de
cafeterias brasileiras, assim como o da vinda da Melitta, ocorrida nos anos
1970, está para a indústria de café. O primeiro, pode ser considerado um
indicador de franca internacionalização dos negócios do café, inclusive
industriais, e mudança do perfil do mercado consumidor, em relação à
qualidade e políticas de promoção; enquanto o segundo, um indicador de
quebra de paradigmas num contexto de baixo nível tecnológico e carência
de profissionalização.
A entrada da Melitta no Brasil, nos anos 1970, ocorreu em função
do fim da política econômica brasileira de substituição das importações,
trazendo para o país uma nova configuração em termos de tecnologia de
industrialização de cafés. Pela primeira vez, o Brasil teve acesso à chamada
embalagem a vácuo (ou tijolo), que permite maior durabilidade do café
torrado em grão e ou moído, na prateleira do supermercado.
Após a chegada dessa multinacional alemã, o setor industrial do
café ainda registrou a entrada da americana Sara Lee (dona da marca Pi-
lão), da israelense Strauss-Elite (dona da marca Três Corações e que atual-
58
mente é sócia de uma joint-venture formada com o grupo brasileiro Santa
Clara - café Santa Clara), das italianas Segafredo Zanetti, Illy e Lavazza (as
duas últimas apenas atuam no segmento de cafeterias, por meio da im-
portação de café torrado já embalado, principalmente em sachês). Há ain-
da, a presença da portuguesa Delta, atuando também no segmento de
cafeterias, com a comercialização de sachês.
O acesso dessas multinacionais, além de ter forçado a elevação do
padrão tecnológico das principais indústrias de café de capital brasileiro,
sem dúvida contribuiu para o processo de redução do número total de
indústrias de café existentes no país, saindo de um total de mais de 3.000
torrefações nos anos 90 para as atuais 1.100 companhias torrefadoras de
café. A previsão é que até 2010, este número chegue a não mais que 100
empresas, em função do alto grau de competitividade no setor e a ativação
do uso do drawback.
Drawback, grosso modo, é uma prática de importação de matérias-
-primas realizada por determinada companhia do país, visando agregação
de valor a produtos nacionais e sua posterior exportação. Pode ser utiliza-
do também no processo de ampliação do leque de fornecedores de insu-
mos, via a realização de cotações internacionais, onde se buscam os me-
nores preços, dentro de padrão de qualidade predeterminado.
É visível que a adoção do drawback não resolverá apenas o problema
dos exportadores de café solúvel e torrado em grão e ou moído, que bus-
cam a elevação do seu nível de competitividade, em função do preço e
capacidade de atendimento a qualquer tipo de pedido. Resolve também a
questão da chegada da Starbucks ao país.
Ainda que o discurso adotado pela rede de cafeterias americana
seja o da «abrasileirização» do cardápio de cafés servidos, trata-se de uma
multinacional com perfil bem específico, ou melhor, dizendo, cosmopolita,
filosofia nítida por meio de sua carta de cafés que oferece um passeio
gastronômico pelos principais países produtores de café. A adequação do
portfólio de produtos e serviços ao perfil local, normalmente só acontece
em casos de mercados muito mais arraigados a cultura e religião do que o
nosso, como no caso dos indianos em relação à carne de bovinos (para a
religião hindu, a vaca é um animal sagrado), como fez o Mc Donalds. O
brasileiro tem, em função de sua própria formação multicultural, a dádiva
de receber bem novidades e incorpora-las como hábitos cotidianos.
O drawback, aplicado ao contexto do agronegócio café, ampliará a
59
atratividade de investimento de multinacionais no país em função dos
seguintes aspectos:
1. Pela proximidade do suprimento (o Brasil é o maior produtor de
café do mundo) e isso impacta diretamente na redução do custo
do quilo do café industrializado nacional. O preço do quilo de
nosso café especial torrado configura-se como um dos principais
fatores de sucesso da ação internacional brasileira do setor de
torrefação.
2. Pelo custo da mão de obra brasileira, menor do que dos países de
origem das multinacionais de café. Pelo aumento da competitivi-
dade dos elos industriais do país, com a possibilidade de busca de
fornecedores internacionais, reduzindo custos.
3. Em função de o Brasil ter elasticidade em relação à demanda de
consumo: temos a tradição do cafezinho arraigada na cultura na-
cional e um mercado consumidor de perfil jovem e em fase de
expansão.
É evidente que, para que o país assuma o primeiro lugar no ranking
mundial do consumo per capita (21 milhões de sacas até 2010), por meio
de um discurso e prática calcados na qualidade e certificação, e amplie sua
participação no mercado internacional de cafés industrializados, alguns
sacrifícios serão necessários.
Naturalmente, isso impactará em processo de exclusão de produtores
também, deixando a cafeicultura familiar numa situação mais complicada
do que a atual. Principalmente agora, quando o quarto comprador do
café nacional, o Japão, define barreiras técnicas tão acirradas em relação
à presença de agrotóxicos e cerca mais de outras 750 substâncias.
A questão que fica é se a cafeicultura brasileira está disposta a «cor-
tar na própria carne», em prol da sua completa inserção no contexto in-
ternacional, como plataforma de exportação não apenas de grãos verdes,
mas também de café solúvel e torrado e moído. Qual o preço a ser pago
pelo agronegócio para que essa transição aconteça plenamente, uma vez
que, os tempos dos subsídios, ao que parece, já ficaram para trás?
Coisas para os donos das canetas pensarem.
60
16Um olhar sobre o agronegócio
Publicado em 18 de setembro de 2006,
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas.
Os movimentos de produtores rurais ocorridos este ano, coordenados
por bancadas políticas do legislativo federal e estaduais, Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), federações estaduais, sindicatos e
associações, se por um lado significaram uma demonstração de força do
campo, por outro, expôs a estarrecedora fragilidade que afeta o setor
agrícola nacional.
É certo que o agronegócio ainda tem peso determinante na política
externa brasileira, por meio de sua contribuição para os sucessivos
superávits da balança comercial do país. Embora os produtos com maior
valor agregado também tenham um peso determinante para o sucesso dos
negócios internacionais brasileiros, é certo que, no momento, em função
do processo de negociação dos subsídios agrícolas, no foro da Organização
Mundial do Comércio (OMC), verifica-se a tendência de mudança da face
do setor produtivo, daqueles mercados que têm no campo o esteio da sua
economia, como no caso do Brasil.
Sabe-se que parte do Plano Real, um dos mais longos planos de es-
tabilização econômica do país e, porque não, bem-sucedida experiência,
é um lastro verde e tem um pé na agricultura familiar, quando se trata de
hortaliças. Acredito que, em função disso, o governo
federal venha anunciando investimentos para esse segmento da ati-
vidade agrícola nacional.
PROBLEMAS Contudo, olhando para o todo, observa- se problemas
sérios, que tendem a comprometer o bom desempenho do agronegócio
nacional no curto prazo, especialmente relacionado com o processo de
liberalização do comércio internacional no contexto dos produtos
agrícolas. Ainda que o crescimento econômico e populacional no Brasil e
61
no mundo possa ser vegetativo, é certo que urge que o governo do
Brasil, país que tem uma das cargas
Tributárias mais pesadas no mundo, invista na sua parte estrutural,
garantindo a criação de vantagens competitivas.
Essas vantagens somente poderão ser criadas por meio da redução
do impacto do custo da inexistência de modais de transporte e armazena-
mento eficientes e compatíveis com os índices de produtividade alcançadas
pelos produtores em suas propriedades, combinados com sistemas de de-
fesa sanitária mais consistentes, que evitem transtornos para o comércio
exterior brasileiro, como o recente episódio da febre aftosa.
CELEIRO Somente por meioda governança institucional, coordenada ini-
cialmente pelo Estado, que tem de oferecer à sociedade brasileira contra-
partidas importantes na parte de investimentos, no caso estruturais, é que
o processo de agregação de valor, realizado por meio de programas de
certificação e rastreabilidade, realmente valerá a pena, economicamente
falando. Nesse contexto, a relação custo/receitas e tornará mais favorável
tanto para o produtor quanto para os demais elos à frente das cadeias
produtivas, consolidando o tão almejado processo de agregação de valor
aos produtos brasileiros, especialmente voltados para o mercado interna-
cional.
Brasil, celeiro domundo, já diziam os antigos. Pensemos nisso.
62
17Obsessão pela qualidade
Publicado em 20 de setembro de 2006
no Coffee Break, o Portal do Agronegócio café.
Muito mais do que a paixão pelo café, tanto como cultura, quanto
como opção de carreira profissional, cada vez mais, a obsessão pela qua-
lidade se torna via única e regra magna para aqueles que almejam o su-
cesso no contexto do agronegócio café nacional. Superam-se, assim, as
regras de poder, a política cafeeira, o arrangement das instituições, em
função da urgente necessidade particular ou setorial, de se curvar como
súdito frente ao consumidor, cada vez mais informado e, por conseguinte,
mais exigente.
Nesse quesito em particular, a construção de uma reputação sólida
se torna imperativa. O primeiro passo nessa (re) construção é voltar-se
única e exclusivamente para o mercado, esquivando-se dos jogos de inte-
resse que permeiam a cadeia produtiva, os quais podem ser considerados
“paroquiais”, parafraseando aqui Max Weber. De acordo com o Reputa-
tion Institute, consideram-se contribuintes para a construção de uma re-
putação sólida ante colaboradores e stakeholders, (I) a liderança impressa
no setor de atuação; (II) o exercício da cidadania; (III) a capacidade de go-
vernança organizacional e institucional; (IV) os valores norteadores das
ações empresariais e individuais; (V) sustentabilidade gerencial — liquidez
financeira e capacidade de pagamento; (VI) a estrutura dos produtos e
serviços oferecidos em nível corporativo e pessoal; e (VII) o lócus de atuação
e a performance. Esses elementos, além de corroborarem para a criação
de um novo universo da cultura organizacional, conduzem à aquisição de
códigos de conduta que, por conseguinte, conduzem à busca e à incorpo-
ração da qualidade, como fator único de sobrevivência em um mercado
competitivo.
No contexto da cafeicultura, muito se fala de qualidade. Mas é pre-
ciso ponderar sobre qual qualidade estamos falando. A construção da
63
verdadeira qualidade passa necessariamente por uma profunda revisão da
cultura corporativa e, conseqüentemente, arrebatamento de colaborado-
res, no seu íntimo, através da persuasão e de sua incorporação no cotidia-
no deste indivíduo. Não basta falar sobre, é preciso incorporar o discurso
nos detalhes e nas ações. Isso é fundamental para que seja realmente
possível vender ao consumidor a verdade. E verdade, acima de tudo, con-
duz à construção da credibilidade.
Um café realmente construído sob a égide da qualidade é oriundo
de uma história complexa, que envolve mentes, habilidades e capacidades
humanas e relacionais convergentes para a implementação de procedimen-
tos e práticas, que geram as diferenças imprescindíveis para a construção
do delicado tear, que é o café especial servido na xícara do consumidor.
Vejamos: com a recente eleição do café gourmet como produto do
ano, reforça-se a importância do investimento em rastreabilidade e certifi-
cação dos processos de forma que, gradativamente, o padrão de consumo
nacional se consolide num novo patamar cultural, onde seja factível para
o consumidor comum falar sobre cafés, tal como se fala sobre vinhos. Eis
aí o campo da sofisticação que se deve laborar, a fim de incorporar na
praxe diária do consumo, a sedução e o prazer do inebriante hábito de
sorver uma xícara de café, produzida sob a égide da paixão pela excelência
e sob a paixão pela paixão.
Mesmo ante das exigências de mercado, é interessante ponderar que
um café elaborado com paixão é diferente. Não tem gosto de McDonalds:
mesma cara, mesmo padrão, ainda que isso signifique produção de ali-
mentos seguros. O padrão é a garantia de que o consumidor irá sempre
repetir a mesma experiência, contudo, se a intenção é criar especialistas
no assunto, é interessante ponderar sobre os domínios da paixão, que leva
à expertise, à obsessão pela qualidade e à diferenciação sutil.
Se não houver esse cuidado, talvez o ritual do consumo se banalize,
ainda que as cafeterias estejam cada vez mais sofisticadas, o barismo ga-
nhe mais espaço como atividade profissional e o negócio de cafés especiais
ganhe projeção junto aos consumidores. Não basta um discurso de marke-
ting, é preciso encantar por meio da mágica que é a interpretação dos
segredos inerentes a cada xícarade café. Confesso, em particular, que em
sete anos de envolvimento com o mercado do café, somente uma marca
me proporcionou isso.
Não sei se é a marca do produto industrializado, se era a safra do
64
produto, ou se era o momento feliz que vivia. Mas é certo que eu nunca
fui capaz de esquecer o sabor achocolatado, levemente frutado, com al-
gumas notas muitíssimo suaves de amêndoas que aquele café tinha. Provei
de um café mágico, mirífico, como aquele que encantou Kaldi, nas mon-
tanhas Abissínias. E olha que não era ganhador de concurso de qualidade
nem tampouco vinha em umaembalagem sofisticada. Na verdade, era um
café com alma e assinatura de autor apaixonado. E imprimir isso na xícara
doconsumidor é que são elas.
Reflito que a minha satisfação, quanto consumidora, seja conseqüên-
cia de um árduo trabalho de bastidores, onde a sinergia da equipe se
converte em um soneto afinadíssimo, onde a qualidade é o regente e as
partituras, uma mistura sutil e intensa dos anseios do consumidor com a
obsessão de fazer e oferecer o que há de melhor. Nesse sentido, a certifi-
cação e a rastreabilidade deixam de ter um cunho meramente capitalista
voltados à criação de vantagens competitivas e comparativas e a atendi-
mento das exigências do mercado. Assumindo, assim, espaço no mundo
corporativo, como cuidados oferecidos a uma obra de arte pelo artista
apaixonado pelo
seu trabalho. Nesse contexto de sucesso, então, sem dúvida, a rique-
za é uma consequência do prazer. Que se lance mão de todos os ferramen-
tais existentes para a construção da qualidade dentro do contexto da ca-
deia agroindustrial do café, mas que, jamais emfunção disso, perca-se a
alma.
Há de se pensar na poesia então, aquela onde se torna permissiva a
torra individualizada de grãos com favas diferentes, a produção da mescla
posteriormente, o descanso suave dos grãos para o desprendimento dos
gases carbônicos, a regulagem do moinho, a dança das mãos do barista,
os cuidados com a xícara e com a temperatura da água, a apreciação da
suavidade do creme descendo por aquelas paredes brancas, a se “emul-
sionarem” no fundo dela em forma de turbilhão e formarem aquela “na-
ta” tom amendoado, que suavemente impregna o paladar com uma silen-
ciosa assinatura de arte de seu artista. Algo como sorver Portinari
transformado em café. Que o marketing, então, corrobore para o desen-
volvimento da sensibilidade dos consumidores para que o estado da arte
cafeeira seja percebido e amado em profundidade.
65
18A energia que vem da agricultura
Publicado em 30 de outubro de 2006
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
A redução dos impactos da ação humana na natureza, no último
quarto do século 20, contribuiu de modo decisivo para o início do proces-
so de desenvolvimento de tecnologias, que tornassem possível o uso de
fontes de energias limpas e renováveis.
Essa preocupação foi acirrada principalmente pela instabilidade polí-
tica nas principais regiões produtoras de petróleo do planeta registradas
nos últimos anos, que comprometem em particular a oferta do produto ao
mercado consumidor, a preços atrativos. O caso mais recente e emblemá-
tico que se pode ressaltar é o caso Brasil X Bolívia, na questão da naciona-
lização da subsidiária da Petrobras instalada em território boliviano.
Além disso, dados da Associação Brasileira do Gás Natural Veicular
(2005) indicam que as reservas de energia fóssil, petróleo e gás natural,
têm duração finita de 43 e 68 anos, respectivamente, em relação à eleva-
ção do consumo no planeta. Esse fator, combinado com a expansão de-
mográfica mundial, e conseguinte crescimento da frota veicular, fortaleceu
as discussões em torno da redução de emissão de gases poluentes na at-
mosfera, a intensificação do efeito estufa, conduzindo assim à chancela
do Protocolo de Kyoto, do qual várias nações, inclusive o Brasil, se torna-
ram signatárias.
Nesse documento, prevê-se, a redução de emissão de poluentes na
atmosfera, via a preservação ambiental e o respectivo desenvolvimento e
uso de energias renováveis. A partir do Protocolo de Kyoto, o governo
brasileiro passou a discutir a inclusão de outras fontes de energia em sua
matriz energética, formada anteriormente, essencialmente por petróleo e
energia hidroelétrica e de biomassa, conforme se observa na tabela.
66
Composicao da Matriz Energética (Em %)
Fonte Mundo Brasil
Petróleo 35,3 43,1
Carvão Mineral 23,2 6
Gás Mineral 21,1 7,5
Biomassa Tradicional 9,5 8,5
Nuclear 6,5 1,8
Hidroelétrica 2,2 14
Biomassa Moderna 1,7 23
Outras renováveis 0,5 0,1
Fontes: Instituto de Economia Agrícola; Ministério de Minas e Energia e Ministério da Agricultura, 2005.
O agronegócio, nesse contexto, passou a ter um papel chave no
processo de posicionamento do Brasil no chamado Mercado de Créditos
de Carbono e produção de energia verde,conhecida como agroenergia.
Pode-se dizer que essa nova atividade legitimamente coloca o país na
dianteira do processo de inovação e fornecimento de uma nova modalida-
de energética mundial, imprescindível para o processo de desenvolvimen-
to e sobrevivência das economias e da própria humanidade.
Essas alternativas nascem fundamentalmente de produtos conheci-
dos da pauta de produção nacional, como, a cana-de-açúcar e o milho
(etanol) e várias oleríferas, como a soja, a mamona, o dendê, o babaçu, a
palma forrageira, o amendoim e o girassol (biodiesel).
A discussão sobre o desenvolvimento de cadeias produtivas, voltadas
à indústria da agroenergia, tornou-se estratégica no nível do governo fe-
deral, por meio do estabelecimento do Plano Nacional de Agronergia e as
Diretrizes de Política de Agroenergia, para os o período de 2006 a 2011,
via criação de uma ação interministerial, envolvendo os Ministérios da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Ciência e Tecnologia (MCT),
Minas e Energia (MME) e Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
Essa chancela estatal, causou impacto também na mudança do nome da
antiga Secretaria de Produção e Comercialização ligada ao Mapa, que
atualmente passou a ser denominada de Secretaria de Produção e Agroe-
nergia, demonstrando o real interesse do governo brasileiro em apoiar
este mercado, fomentando, especialmente pela agricultura familiar (no
67
caso de produtos voltados para a produção de biodiesel, como mamona,
palma forrageira e dendê).
Preliminarmente, é possível verificar que o produtor deve se preparar
para esse novo ambiente, que certamente oferece inúmeras outras verten-
tes de agregação de valor ao seu produto. É claro que ainda estamos
diante de um mercado em fase de regulamentação e organização, dada a
sua complexidade: várias são as cadeias produtivas que contribuem para a
produção de energia renovável (biodiesel e etanol). Contudo, estrategica-
mente, é interessante observar a movimentação do mercado, uma vez que
nesse século, estamos diante do processo de bifurcação da atividade de
produção agrícola, visando o atendimento tanto da área de alimentação,
altamente demandante de elevados níveis de qualidade, rastreabilidade e
certificação, quanto da área de produção de combustíveis, altamente de-
mandante de qualidade e escala.
Lidar com a mudança vai requerer uma revisão de valores e análise
estratégica do mercado. É o que concluímos nesse momento.
68
19Política do café sem o leite
Publicado em 25 de janeiro de 2007
no Coffee Break, o Portal do Agronegócio Café
Café-com-leite, além de ser a bebida preferida das crianças em idade
escolar, também já foi título de um período importante da política brasilei-
ra, onde o recém Estado Republicano Brasileiro forjava-se a partir da inter-
calação no posto presidencial de cidadãos natos em Minas Gerais e São
Paulo. E nesse florescer político que culminou com o período Modernista
Brasileiro, a economia cafeeira foi se consolidando como magna atora do
desenvolvimento econômico social, que atravessou todo o século passado
e permeou no século XXI.
Essa mesma história, que ao longo do tempo foi se tornando um
pouco ofuscada pela diversificação da pauta agropecuária nacional, con-
duziu a cafeicultura brasileira ao atual momento, onde se depara com uma
importante discussão que pode mudar a compreensão sobre a atual estru-
tura administrativa de parte dessa cadeia produtiva devido à globalização
e à liberalização da economia: a questão do drawback.
Precedendo a discussão sobre a temática, é preciso ponderar sobre
uma questão capital que diz respeito à opção estratégica que a governan-
ça institucional do agronegócio café fará no sentido do delineamento da
interface da cafeicultura brasileira com o mundo, que é “como o agrone-
gócio café brasileiro quer ser conhecido”: Como maior país produtor?
Como maior país consumidor? Como maior exportador de solúvel? Como
maior exportador de café torrado em grão e ou moído (T&M)? Como maior
exportador de know-how? Como um país de muitas origens de café e
muitos sabores? Afirma-se que a cafeicultura brasileira tem vocação para
liderar em todos esses segmentos, contudo, é certo que, para que tal lide-
rança mundial seja alcançada, sacrifícios serão imprescindíveis.
Não considerando aqui a máquina política brasileira, que engessa o
desenvolvimento econômico do país, é correto afirmar que, para que o
69
drawback seja utilizado como insumo estratégico para a alavancagem do
market share brasileiro no mercado global de cafés industrializados, solú-
veis ou T&M, o agronegócio café brasileiro terá de cortar na própria carne,
à montante e à jusante da porteira. Por exemplo: baixa capacidade de in-
vestimento, incompetência à jusante e à montante da porteira, falta de
profissionalismo, baixa competitividade, inexistência de vantagens compa-
rativas e competitivas não são aspectos tolerados em nenhum país do
mundo que tem obtido sucesso nas suas práticas comerciais em nível glo-
bal. Isso vale para a cafeicultura nacional com ou sem drawback.
É preciso ponderar que o anseio e a convergência de esforços da
cadeia produtiva, nos últimos 16 anos, rumo ao desenvolvimento do mer-
cado consumidor de cafés diferenciados contribuiu, sobremaneira, para a
atração de redes mundiais, como a Starbucks para o mercado nacional. E
é aí que, talvez, more o perigo: o deslumbre com a possibilidade de existir
uma Starbucks em cada cidade do país, impactando positivamente na
elevação do consumo per capita de café no mercado interno, talvez tenha
levado os agentes a não perceberem que a rede, tal como o McDonald’s,
tem um portfólio padrão mundial de produtos a oferecer.
O Brasil, por enquanto, não tem como religião dominante o hindu-
ísmo, que conduziu a maior rede mundial de fast-food a mudar o cardápio,
como fez na Índia, oferecendo hambúrguer de carne de ovelha. Regras são
regras e estas somente são quebradas se o mercado consumidor exigir. Se
isso não fosse verdade, a Cafeera, cafeteria de propriedade do grupo Ipa-
nema Coffees e que é fornecedora de grãos da Stabucks, teria se multipli-
cado pelo nosso território dada a sua concepção de negócio. Mas, como
todos aqueles envolvidos no agronegócio sabem, a estratégia de expansão
da companhia brasileira foi suspensa em detrimento de contrato com
a multinacional.
Isso permite concluir que, se a caneta em Brasília não colaborar, a
importação de grãos dar-se-á por vontade do consumidor brasileiro, bem
informado e cosmopolita, que conhece a ampla carta de cafés da rede
mundial (a Starbucks), oferecida em outros rincões do mundo. Qualquer
pessoa que leu “Dedique-se de Coração”, ama a marca.
Se a cafeicultura brasileira não está pronta para o drawback, porque
ela então estaria pronta para participar da comunidade que subscreve o
Código Comum para a Comunidade Cafeeira? Se ela (a cafeicultura) está
pronta para participar de um programa global de sustentabilidade da ca-
70
feicultura mundial, tem que estar pronta, também, para concorrer com
produtores de qualquer parte do mundo.
Trazer cafés de outras partes do mundo, agregar valor com a indus-
trialização e reexportar esse produto significa criar vantagens competitivas
no país, tanto em termos de redução de custos, em função da possibilida-
de de aquisição de matérias-primas de qualquer parte do mundo, quanto
em termos de atender os desejos de consumo de consumidores de qual-
quer país, inclusive o nosso. Não é a busca pela similaridade com o mer-
cado de vinhos que o agronegócio sempre almejou? Do ponto de vista de
quem compra, não tem nada de mais: a pluralidade de aromas e sabores
faz parte do mundo gastronômico. A questão muda de figura quando se
acessa a arena da política internacional.
A introdução de uma barreira técnica, como, nesse caso, uma bar-
reira fitossanitária, é um trunfo importante no que tange à demonstração
de poder de barganha na mesa de negociação com outros países, que têm
interesse em estabelecer relações comerciais com o nosso mercado. No
caso do café, todos os países produtores, incluindo o Brasil, são subdesen-
volvidos. Então, a negociação não gera benesse alguma, exceto se ela
impactar de alguma maneira na forma de aquisição de cafés no mercado
spot por parte da indústria e dos traders.
Clientes de qualquer parte do mundo e do Brasil, poderão, caso o
drawback seja instituído, adquirir cafés também de qualquer parte do
mundo, inclusive brasileiro, por meio de empresas sediadas em nosso ter-
ritório, desde que entendam que tal modelo de comércio é competitivo e
lucrativo para eles mesmos. Se o produtor local, nessas condições, tiver
capacidade de oferta no preço estabelecido pelo mercado, vende. Se não,
perde dinheiro. Barreira técnica é importante para se evitar a entrada de
pragas e doenças não existentes nos cafezais nacionais, contudo, a preo-
cupação a ser discutida, no momento, são as estruturas de contrato a se-
rem utilizados em um novo contexto do mercado que, praticamente, está
à porta.
Com a Starbucks, mais o marketing do café, mais a crescente dispo-
nibilização de informações sobre o produto, o consumidor, o local de pro-
dução e a nacionalidade serão apenas detalhes importantes no design das
preferências pessoais em relação àquele velho companheiro do leite, em
nossas cotidianas refeições matinais: o amado cafezinho.
71
20Importação de café torrado no Brasil
Publicado em 19 de fevereiro de 2007
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Importar matéria-prima de outros países, industrializá-la aqui e reexportá-
-la, devidamente transformada em produtos com maior valor agregado, com a
marca nacional na embalagem. Aparentemente, essa deveria ser uma prática
corrente para um país que se diz em processo de desenvolvimento e em franco
processo de inserção no comércio internacional em quaisquer setores produtivos
instalados em território nacional. Contudo, nos negócios do café, tal perspecti-
va é distinta dos demais setores em franco processo de expansão, como os de
base tecnológica.
Na cafeicultura, reza, fundamentalmente, a discussão político-ideo-
lógica, que celebra o pacto pela preservação do produtor nacional e a
respectiva cadeia de valor que incorpora a indústria e os canais de distri-
buição do café processado.
A princípio, tal reserva de mercado contribuiria sobremaneira para a
preservação do poderio do setor produtivo, impactando positivamente
para a geração de empregos e renda, tanto de empreendedores como dos
colaboradores envolvidos na atividade. Ao mesmo tempo, serviria como
moeda em mesas de negociação internacional, relacionadas, por exemplo,
a questão das barreiras técnicas e tarifárias.
Mas tais premissas, na prática, têm sido colocadas à prova pela impor-
tação de café torrado realizada pelo Brasil. Ao que parece, a cafeicultura
nacional vive o seu primeiro paradoxo oriundo da política uníssona de inves-
timento na elevação da qualidade e respectiva difusão de conhecimentos
relacionados à culturado café aos consumidores nacionais.
Optou-se pela supremacia do consumidor, pós Instituto Brasileiro do
Café. E é certo, que consumidores bem informados, querem mais. E que-
72
rer mais significa, do ponto de vista do consumidor romper barreiras, ato
muito mais fácil em tempos de internet e do cartão de crédito.
Se importar café verde para reexportação de café industrializado é
um tabu, importar café torrado, mesmo com grãos produzidos em territó-
rio nacional, ao que parece, não é. Aparentemente, há um problema de
juízo de valor inserido no léxico de discussão da cafeicultura brasileira. É
exatamente isso que demonstra o crescimento das importações de café
torrado na balança comercial da cafeicultura ao longo dos últimos 10 anos,
nas categorias classificadas como “não descafeinado” e “descafeinado”,
conforme se pode observar no quadro.
Somente entre 2005 e 2006, verifica-se que houve um incremento
de 39,12% na importação de cafés torrados, não descafeinados e de 21%
na importação de cafés torrados, descafeinados. Nesse mesmo período, as
exportações de cafés torrados brasileiros sofreram um incremento de
29,97% para a categoria torrado, não descafeinado e uma retração de
10,85% para a categoria torrado, descafeinado. Embora, comparativamen-
te a balança comercial do café torrado ainda esteja favorável ao Brasil, é
certo que o desenvolvimento do mercado interno estimula, sem dúvida, a
vinda de produtos oriundos de indústrias situadas em diversos países, com
ou sem tradição cafeeira, oferecendo ao mercado nacional, uma oportu-
nidade ímpar de competir internacionalmente, localmente.
Importações Brasileiras de café torrado (1996-2006)
NÃO-DESCAFEINADO
Período US$ Peso Líquido (Kg)
1996 176.730 60.905
1997 646.280 59.685
1998 860.965 70.905
1999 1.227.134 92.470
2000 1.327.989 101.767
2001 1.533.285 111.120
2002 1.536.530 123.942
2003 822.175 92.582
2004 1.013.431 103.385
2005 978.272 83.815
2006 1.324.193 116.609
73
DESCAFEINADO
Período US$ Peso Líquido (Kg)
1996 863 51
1997 9.590 692
1998 25.709 1.532
1999 48.508 2.951
2000 58.989 5.176
2001 90.962 6.943
2002 69.167 5.669
2003 80.235 9.468
2004 75.284 7.972
2005 60.422 4.570
2006 76.774 5.785
Os números relacionados à importação de café torrado, sem dúvida,
colocam em xeque a defesa de que o Brasil está apto a atender “paladares
do menos exigente ao mais sofisticado”. Ao que parece o drawback (ope-
rações de importação de insumos agropecuários exclusivamente destinados
a produzir para a exportação) já é realidade do ponto de vista do consu-
midor brasileiro: já é possível comprar cafés, mesmo de origem nacional,
com rótulo estrangeiro no varejo nacional. E essa prática atualmente não
se restringe à Illy, primeira marca a aportar por aqui.
74
21Sustentabilidade e negócios do café
Publicado em 25 de julho de 2007
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Considerado um conceito sistêmico, que envolve as vertentes social,
ecológica, econômica, espacial, cultural e político-institucional, a susten-
tabilidade constitui-se em abrangente olhar introduzido na pauta de nossa
sociedade, por meio da Agenda 21. Essa modernidade ética garante prio-
ritariamente a condição de sobrevivência do homem no planeta, pautando-
-se na evolução do comportamento humano, que valorize a “solidariedade
da atual civilização com as futuras gerações”.
Com os efeitos do aquecimento global, enfatizados por meio de
estudos do Banco Mundial, abordando os impactos do clima sobre a eco-
nomia mundial, a questão da sustentabilidade ganhou mais força, princi-
palmente em importantes segmentos agroindustriais como o do café.
Minas Gerais, por exemplo, tem na cafeicultura um importante aliado es-
tratégico para a alavancagem de sua economia: o café por si só responde
por 30% das exportações de produtos de base agroindustrial do estado.
Além disso, o produto assume importante papel no âmbito cultural, uma
vez que se apresenta como um dos ícones da mineiridade: café é indisso-
ciável do processo de construção da imagem da boa hospitalidade do
mineiro, uma vez que, mesmo no recanto mais humilde, ele assume valor
de abraço.
Preservar a cafeicultura de Minas significa resguardar a sobrevivência
de milhares de pessoas, que economicamente dependem dessa atividade,
dentro e fora de nossas fronteiras. Mediante investimentos em pesquisas
relacionadas à arborização de cafezais, desenvolvimento de novas varieda-
des mais adaptadas a altas temperaturas e respectivas técnicas de manejo
de lavouras, certificação de propriedades cafeeiras e inteligência comercial,
verifica-se a estruturação de políticas públicas sustentáveis voltadas aos
negócios do café em Minas. Vários incrementos de base tecnológica visam
75
ao fomento da produtividade e da qualidade para o consumidor do mer-
cado interno, bem como da geração de competitividade internacional dos
negóciosdo café, agregando valor e gerando renda para todos os elos da
cadeia, especialmente o cafeicultor:
1. Novas variedades se refletem positivamente na elevação da resis-
tência do cafeeiro às doenças e pragas, períodos prolongados de
seca e, respectivamente, aumento da produtividade por hectare e
do nível de teor de açúcar do fruto, equilibrando o binômio lucro/
custo de produção. Esses processos de melhoramento genético,
sem dúvida, conduzem a processos de melhoria nos procedimen-
tos adotados no cultivo, na colheita e na pós-colheita.
2. A arborização, além de proporcionar uma nova atividade econô-
mica para os produtores nas áreas de produção de madeira e co-
mercialização de créditos de carbono, favorece a criação de mi-
croclimas mais agradáveis ao cafeeiro, como conseqüência da
redução dos níveis de insolação sobre a rubiácea. Além de impac-
tar positivamente na redução do efeito estufa, a arborização tem
todas as condições para contribuir diretamente também para a
construção do marketing verde para o café.
3. A certificação, além de ser uma demanda irreversível e crescente
do mercado nacional e internacional, é um importante mecanis-
mo de agregação de valor e criação de vantagens competitivas,
dada a sua positiva influência nos processos de preservação do
meio ambiente, construção do respeito à dignidade humana e na
elevação da oferta de produtos rastreados.
4. No âmbito da inteligência comercial, o ganho de intimidade com
uma plataforma de dados anteriormente dispersa, mas atualmen-
te concentrada num único ambiente, como o que já vem sendo
consolidado no foro do Centro de Inteligência do Café, torna-se
um importante aliado para a consolidação da ação diplomático-
-comercial do Brasil junto a mercados internacionais. Essa profis-
sionalização favorecerá, no médio prazo, a consolidação do racio-
cínio estratégico, ofensivo e objetivo na postura brasileira diante
do mercado internacional.
76
O estado atende uma urgência ao voltar seu olhar para as questões
relativas à preservação da sustentabilidade da cafeicultura, por meio da ino-
vação e do aporte tecnológico. Para conduzir esse desejo de inovar, é indis-
pensável preparar o ser humano envolvido no processo, com propostas
permanentes de capacitação. Um instrumento elementar são os três Centros
de Excelência do Café, instalados no Sul de Minas, Cerrado e Zona da Mata.
Os centros têm como missão a difusão de conhecimentos relacionados à
cadeia produtiva, valorizando os diversos processos ligados à produção de
um café de qualidade, dentro do sistema do “grão à xícara”.
Com esses mecanismos constantes de incremento da liderança que
já detém, Minas busca solidificar sua tradicional vanguarda nos negócios
do café, calcada na promoção da qualidade e da geração de riquezas.
77
22Política Internacional e Cafeicultura
Publicado em 28 de agosto de 2007
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Os prognósticos mais pessimistas afirmam que o grande gargalo da
cafeicultura brasileira nos próximos 100 anos está relacionado às mudanças
climáticas do planeta. Contudo, creio que o gargalo, ou melhor, os garga-
los, para o agronegócio café, nas próximas duas décadas, centram-se em
três aspectos determinantes: as condições macroeconômicas brasileiras, a
intensificação dos acordos multilaterais e a emergência do continente afri-
cano como fronteira agrícola no médio prazo, impulsionada por investi-
mento asiático.
É visível que no atendimento a conceitos como sustentabilidade,
rastreabilidade e segurança do alimento, os membros do agronegócio café
brasileiro estão à frente, em razão das exigências do mercado internacional.
A convergência com o Codex Alimentarius em todo o seu aparato legal
relacionado à saúde e à agricultura e respectiva capacidade de inovação
na criação de sistemas de certificação de fronteira, como o Programa de
Qualidade do Café da Associação Brasileira da Indústria de Café (PQC Abic)
e a Indicação Geográfica Café do Cerrado, consolidam a percepção de que
vocacionados estamos para a produção da qualidade tecnicamente e mer-
cadologicamente adequadas.
O país atualmente é uma das nações selecionadas pela Organização
Internacional do Café (OIC) para testar a metodologia do Código Comum
para a Comunidade Cafeeira (4C): 500 mil sacas já foram colhidas nesta
safra sob a égide desse procedimento. Contudo, essa sólida construção
pode não ser suficiente frente a questões que não dependem de segmen-
tos empresariais nacionais: dependem fundamentalmente da vontade do
Estado, que delibera e coordena de maneira soberana, o modus vivendi do
cidadão e dos empreendimentos. E o Estado, nesse sentido, tem demons-
78
trado total ingerência na defesa dos interesses dos segmentos economica-
mente ativos: a começar pela falta de infraestrutura dos aeroportos nacio-
nais e a malha viária depauperada, observa-se na política cambial uma de
nossas inúmeras vulnerabilidades.
Ao mesmo tempo, a falta de pressa dos segmentos públicos é desa-
lentadora e desestimulante, quando percebida da perspectiva profissional.
Não há choque de gestão visível e praticado, capaz de preparar, pelo me-
nos as bases do agronegócio café, para uma massiva abertura de mercado.
Falo aqui de pequenos e médios produtores e industriais, com limite de
capitais de giro e investimento principalmente. Se a Área de Livre Comércio
das Américas tivesse saído do papel cinco anos atrás, certamente, não mais
compraríamos café processado por indústrias nacionais, presas a defasa-
gem do aparato legal que coordena o país e da burocracia que engessa a
possibilidadede uso de mecanismos que ampliem a agressividade empre-
sarial, tal como o drawback hoje. Compraríamos grandes volumes de café
canadense e estadunidense e quiçá, mexicano e colombiano, que há mui-
to já aproveitam a vocação natural do continente americano em produzir
cafés de altíssima qualidade, inclusive do Brasil. Mas se ela, a Alca, conso-
lidar-se, por exemplo, num espaço de duas décadas, a contar de hoje,
certamente nem matéria-prima brasileira será possível consumir por aqui.
Mesmo que o mercado brasileiro torne-se líder mundial no consumo per
capita/ano, importar será um procedimento atrativo para o varejo e os
segmentos cervejeiro, de pastifícios e tecelagem têm muito a nos contar
sobre suas experiências ao longo dos anos 1990.
Das 1,2 mil torrefações brasileiras atualmente em funcionamento,
somente10 têm perfil para competição internacional e somente uma, de
capital nacional, está entre os 10 maiores empreendimentos torrefadores
do mundo. Ressalta-se que entre esse grupo de 10 empresas, duas orga-
nizações são multinacionais. Isso quer dizer que abertura de mercado para
esse segmento é letal, porque em 10 anos, num ambiente de alta compe-
tição, mantidas as condições econômicas de hoje, não mais que 10 torre-
fações nacionais têm condições de sobreviver. Como conseqüência, perece
a produção de café que depende do bom funcionamento do segmento
torrefador brasileiro para sobreviver, considerando que o perfil predomi-
nante de produtores são pequenos e médios, uma parcela significativa
deles não está organizada em cooperativas; portanto não têm volume
79
para a exportação e o mercado interno responde atualmente pelo proces-
samento e consumo de 51% da produção nacional de café.
Com o crescimento geométrico da população asiática, especialmen-
te a chinesa e indiana, empresários dessas economias emergentes têm
adquirido as baratas e férteis terras existentes em todo o continente afri-
cano, para a produção de alimentos. Considerando que possuímos (a)
condições climáticas similares, (b) que tanto o arábica quanto oconillon são
originários daquele continente, (c) que a produção de cafés com irrigação
começa a atingir o seu ápice dentro de no máximo quatro anos depois do
plantio e (d) que a África possui mão-obra barata e abundante, finalmen-
te, depois de quase três séculos de liderança, o Brasil pode realmente estar
diante de um gigante adormecido na produção de café, capaz de levá-lo
a bancarrota pela superação de suas vantagens competitivas e comparati-
vas.
Esses são prognósticos bastante alarmantes, mas factíveis, principal-
mente depois da decodificação do genoma do café e o domínio das téc-
nicas de melhoria genética dos cafeeiros, consolidada por gênios brasileiros
no último século 20. Finalizando, é válido lembrar que com a ciência e com
capital abundante, a juros baratos, tudo se faz. Ressalta-se também que
no que tange à tradição oriental, a superação dos melhores é uma regra
historicamente construída. E a história é uma relatora implacável: basta
lembrar que a cafeicultura no cerrado mineiro existe hoje por que um dia
caiu uma geada negra no Oeste paranaense em 1975. Conduzir o rumo
da escrita, portanto, é uma atribuição presente de todos.
80
23Cafés especiais: vai um europeu aí?
Publicado em 11 de fevereiro de 2008
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
A expansão geográfica da fronteira da União Européia (UE) para o
lado oriental, formalizada em 22 de dezembro de 2007, região onde estão
concentradas plantas industriais de algumas das principais marcas mundiais
de café, pode, em breve, contribuir para aceleração da modificação gra-
dativa do perfil das prateleiras nos supermercados brasileiros. Aparente-
mente tímidos, os números da participação européia nas gôndolas brasi-
leiras, se comparados isoladamente ao consumo registrado de cafés
especiais no Brasil em 2007, estimados em 1,5 milhões de sacas, podem
corresponder a 22,47 edições do Concurso Nacional ABIC de Qualidade
do Café, pois sua quarta edição negociou 4,2 toneladas do produto. Se os
industrializados importados, observando apenas os dados do ano passado,
respondem por 11,07% do mercado de especiais brasileiros, a UE repre-
senta 60,25%dele.
Se comparados ao volume total do consumo nacional a participação
da UE é tímida, também é certo que a presença européia aumenta grada-
tivamente, sem qualquer tipo de salvaguarda comercial. Os países europeus
têm papel determinante no equilíbrio da balança comercial brasileira,
quando se configura como mercado alvo para os cafés in natura. Em2006,
foram exportadas 14.546.383 sacas de 60 kg e no ano passa-
do,13.405.635, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio. Ainda que o ano passado tenha registrado retração
de 0,92% em relação a 2006 na exportação para a Europa, esse mercado
mantém a liderança como comprador. Contudo, na construção das rela-
ções de comércio entre Brasil e UE no agronegócio do café, verifica a
criação de um paradoxo importante na agregação de valor, que envolve o
velho dilema da exportação da matéria-prima e importação do produto
acabado.
81
O Brasil desponta há alguns anos como importante mercado mundial
no consumo per capita.
Afinal, ocupa a vice-liderança, atrás dos Estados Unidos. Essa alavan-
cagem do consumo, registrada ao longo das décadas de 1990 e de 2000,
se fundamenta num conjunto de aportes em marketing que custaram ao
setor alguns milhões de dólares, conjugado com investimento em incre-
mento técnico e pesquisa, que custaram alguns milhões de reais, e princi-
palmente tempo (bem intangível não-recuperável). Abrir os flancos, a prin-
cípio, para a valorização da pluralidade do consumo no país envolvendo
importados na pauta, no médio prazo, portanto, pode se configurar num
Cavalo de Tróia: depois do filme produzido pelo IFA National Livestock
Committee, da Irlanda, para depauperar a imagem da pecuária brasileira,
percebe-se que a UE é uma shakespeariana caixinha de surpresas na área
comercial.
O recente caso do segmento pecuário brasileiro, nesse sentido, tem
muito a ensinar. Depois da crise da vaca louca, que gerou a desconfiança
do consumidor europeu em relação à carne local, o produto do Brasil foi
estratégico para a manutenção do consumo naqueles países, em razão do
sistema de engordados bovinos nacionais, fundamentado numa dieta ve-
getariana.
O Brasil se tornou o principal fornecedor de carnes para a UE, tendo
atendido demandas importantes quanto à rastreabilidade e certificação de
forma prioritária, sem gozar dos tais subsídios agrícolas que fazem toda a
diferença para a competitividade da agricultura dos países desenvolvidos.
Essas demandas de subsídios, combinadas com um perfil preservacionista
arraigado ao modelo europeu, recentemente, impuseram barreiras ao seg-
mento pecuário. Esses subsídios, ao que parece, em pleno ápice da crise
econômica americana, tendem a ruir, gradativamente, com a retomada de
negociações da Rodada de Doha.
Voltando ao setor de café, observa-se que a vantagem estratégica do
torrado nacional centra na proximidade da produção à indústria e ao con-
sumidor (nesta ordem). Contudo, ante a inexistência de barreiras no Brasil,
a franquia à importação poderá vir a ser otimizada com a capitação de
recursos abaixo custo pela indústria internacional, que certamente interes-
sa pela detenção de espaços cativos no coração e no paladar do consumi-
dor brasileiro. A diferença é que esse café estrangeiro, aqui negociado, é
elaborado com grandes proporções de grãos nacionais, exportados para
82
aquele mercado, do qual, sem dúvida, o produtor nacional não pode se
dar ao luxo de abrir mão, em razão da rentabilidade mensurada em dóla-
res. O problema é que o mundo está começando a dizer que, se o Brasil
não se inserir de fato no mercado internacional de café, ficará de fora.
Crescem as produções de países africanos e sul-americanos, com capaci-
dade similar a nossa e com custos mais atrativos. Empresas como a Star-
bucks, tradicional cliente do grupo brasileiro Ipanema Coffes, já iniciam a
trajetória de modificação das origens dos grãos que compõem suas mes-
clas, com a implantação de lavouras no Leste africano.
Isso significa que, se nada for feito, como no Brasil não há barreiras
ao torrado importado, veremos de fato, uma verdadeira revolução no con-
sumo por aqui. É o que já ocorre no setor de têxteis, brinquedos e infor-
mática. Tal ambiente competitivo para a indústria de café nacional alicerça
a concentração de empresas em razão da competição global que se insta-
la dentro de uma realidade local, ainda em processo de alinhamento com
a lógica internacional de gestão de produtos industrializados: demanda de
alta qualidade por matérias-primas diferenciadas, tecnologia, qualidade,
marketing, gestão profissional, certificação, plantas industriais e fornece-
dores e desvinculação do preço do produto industrializado da sazonalida-
de de preço da matéria-prima.
83
24A ALADI e os negócios do café
Publicado em 04de março de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Amo Mercedes Sosa, porque ela sintetiza, por meio de sua alma fe-
minina e sua voz andina, a utopia de uma América Latina unida, sem
fronteiras. Nesta região continental, onde o Brasil se embrica, estão os
melhores portfólios de cafés do planeta, sendo que nesta terra tão bem
retratada em Macunaíma por Oswald de Andrade e pintada por Tarsila de
Amaral e Cândido Portinari, estão reunidos o quarto parque industrial de
café do planeta, o segundo mercado consumidor per capita mundial e o
primeiro parque cafeeiro do mundo, em termos de extensão e de produ-
tividade.
Cogitei interromper a redação relacionada ao café, por inúmeros
dissabores, mas em qual setor encontraria histórias e fatos tão similares
aos textos provocantes de Sidney Sheldon do que na cafeicultura? Relatá-
-los, utilizando as delícias da Flor do Lácio, torna-se um ato irrefutável. À
cada nova notícia, uma possibilidade de deleite e ao mesmo tempo de
assombro, que retrata dramaturgicamente, a beleza da odisséia homérica,
que é a história secular da cafeicultura brasileira: remeto-me aqui ao último
ato, que é o registro de “contrabando” de café orgânico peruano que
aterrissou no Rio de Janeiro na última semana. 250 sacas apreendidas.
Fiquei me imaginando no lugar do empreendedor que arriscou a trazer
essa primeira partida e que foi denunciado. Uma ação de comércio, com
cheiro de contravenção, embora se tratando de alimento, não narcótico.
Mas o similar tratamento dado ao caso, ganha afrescos pitorescos, literá-
rios, embora remeta-se a um movimento preocupante de protecionismo.
Sinceramente, é hora do país, ou melhor, o setor cafeeiro brasileiro, refle-
tir sobre o aproveitamento de potencialidades aromáticas dos países vizi-
nhos, que já participam da Associação Latino-americana de Integração, a
84
ALADI. Porque não? Gosto deponderar que ante a falta de vento, é preci-
so remar para se atingir metas audaciosas. Os braços doem, a coluna re-
clama, o barco torna-se desconfortável, mas o ideal está ali, a frente, a nos
chamar e superar as dores, torna-se um desafio pessoal. E o ideal cafeeiro
brasileiro é a hegemonia em todos os segmentos da cadeia, desde o mo-
mento de paixão de Madame D’Orvilliers e Francisco de Mello Palheta, que
viabilizou tudo o que somos.
Um bloco produtor/exportador forte é muito melhor do que um mer-
cado consumidor invadido por produto importado, com grãos origem ma-
de in África e ou made in Vietña, processado na Europa e vendido no
Brasil, principalmente no formato sachê (vale ressaltar que em 27 de feve-
reiro, foi fundada a Associação Brasileira de Cafés em Sachê, o que já
acena que o mercado de cafés importados está em franca expansão no
país, já que o país ainda não domina a tecnologia do sachê). Porque não
aproveitarmos os arábicas produzidos nas Américas do Sul e Central, que
já fazem tanto sucesso lá fora, desde a década de 1930 e unificarmos
forças, para assumirmos a liderança mundial, na exportação de blends,
com valor agregado pela industrialização? Muita gente não aprecia meus
pontos de vista em decorrência de minha perspectiva industrial, mas eu
sou uma assídua defensora da embalagem do café torrado, que é a única
capaz de ostentar o “Made in Brazil”. Não importa a origem. Importa a
qualidade do produto final e muito mais, o rótulo da embalagem. A ga-
rantia de que o produto foi processado em território brasileiro, foi expor-
tado para qualquer canto do mundo e principalmente, disponibilizado na
gôndola do supermercado estrangeiro do jeitinho que saiu daqui, é o que
de fato importa.
Porque não café marca Juan Valdez, made in Brazil? Ou Rainbow
Coffee, made in Brazil? Sou apaixonada pelo meu país e acredito que
vender a nossa marca, usando as especificidades dos outros, é uma dávida
a mais em nosso portfólio. Acredito que o produtor brasileiro, mesmo com
as dificuldades impostas pelas limitações financeiras, tem muito a ganhar
com a operação, porque a grande base dos cafés industrializados, em
qualquer lugar do mundo, é o café brasileiro. O lastro do mercado interno
já existe, sendo responsável pelo processamento de 49%da produção na-
cional. O mercado internacional para os grãos verdes, ainda está cativo.
Essa fatia, que responde por cerca de 51% do que é produzido no país,
por hora, ninguém tirará, porque demora para se formar novas lavouras
85
em regiões não tradicionais,em decorrência da tecnologia que se torna
necessária desenvolver. Vender mais localmente (dentro do território na-
cional), ainda que não seja em dólar ou em euro, portanto, pode se uma
ótima alternativa de fortalecimento da cadeia, tanto com a ampliação do
consumo no mercado externo, quanto das exportações de café.
As notas florais, frutadas, amendoadas, achocolatas que porventura
não possam ser produzidas em nossas lavouras, podem vir desses países
irmãos, latinos, ajudando a atingir o apíce do blend e ao mesmo tempo,
seduzir irrefutavelmente os lábios, os paladares, os corações e as almas de
todos os consumidores.
Evidentemente, a barreira sanitária aos cafés verdes é uma questão
a ser dirimida, mas que poderia progredir muito, aproveitando os acordos
multilaterais já existentes no foro da ALADI. Ao Brasil não falta a expertise
para isso e nem infraestrutura, no que tange aos cuidados relativo à sani-
dade desses grãos estrangeiros. E aos países que produzem café no conti-
nente Americano, também não. À princípio, poder-se-ia estabelecer um
sistema de padronização para a construção de um mercado comum, onde
aspectos relacionados à qualidade técnica fossem levados em considera-
ção, bem como o regime de cotas de importação e exportação de café
verde e de café torrado pudesse ser habilmente estabelecido. Talvez a
resposta para dirimir a aquestão esteja no Código Comum para a Comu-
nidade Cafeeira. A necessidade é apenas de formatar o arrangement. Se-
ria revolucionária a possibilidade de comercializar mundo afora cafés bra-
sileiros, com toques suaves de grãos mexicanos, peruanos, colombianos,
equatorianos e venezuelanos. Nada tão excepcional, tão saboroso, tão
latino, tão sensual, quanto essa mistura, aromática, cheia de salsa, rumba
e samba. Basta regulamentar. Porque tal mistura é coisa de Olimpíada, de
civilização cosmopolita, que ama o risco, empreende e se apetece com o
novo. Coisa de um povo vibrante, multicultural.
86
25Abate humanizado e biocombustíveis
Publicado em 24 de março de 2008
no Caderno Agropecuário, do Jornal O Estado de Minas.
O sebo de boi, tradicionalmente usado pelo segmento de produtos
de limpeza como partede suas matérias-primas, agora ganhou mais um
nobre papel, como matéria-prima na produção de biocombustíveis. No
Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
somente em 2007 foram abatidos 23 milhões de animais, o que equivale
a uma alta de 11,3% em relação a 2006. Ainda que o embargo da União
Européia ao produto brasileiro tenha causado danos à comercialização de
carnes, o processo industrial mantém sua competitividade.
O Brasil é um dos poucos países que oferece o chamado “abate
humanizado” dos animais, o que é considerado um dos importantes dife-
renciais para a participação do país no mercado mundial de carnes, além
do boi verde, que só existe por aqui. Em fevereiro, os Estados Unidos foram
obrigados pelo Departamento Americano de Agricultura (USDA) a realiza-
rem um recall de 65 milhões de toneladas de carne, em razão dos maus
tratos concedidos aos animais dentro dos frigoríficos. Embora toda essa
carne já tivesse sido consumida pelos americanos, é certo que observa-se
aí um diferencial de competitividade importante para o produto brasileiro,
já que o abate humanizado diz respeito a um conjunto de técnicas que
garantem o bem-estar do animal desde o seu embarque até a sua sangria,
no frigorífico. Essa prática é corrente em frigoríficos sérios, certificados, de
atuação global, por se tratar de respeito a tratados internacionais e uma
exigência de boa parte dos países compradores.
Embora a maioria dos consumidores prefira não conhecer o processo
entre o boi no pasto e o bife no prato, a prática da humanização do abate
é importante não apenas para a redução da dor do animal na hora da
sangria, já que o trauma craniano causado pela pistola de ar comprimido
insensibiliza o animal imediatamente, mas também para a melhoria da
87
qualidade da carne e, respectivamente, atendimento a tratados interna-
cionais sobre os direitos dos animais, como a Declaração Universal do Di-
reito dos Animais (Unesco, 1978). De acordo como seu artigo 3º, fica
claro que “se for necessário matar um animal, ele deve ser morto instan-
taneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia”.
Ao atender tal direito, preserva-se no âmbito dos negócios interna-
cionais, parcelas de mercado importantes, inclusive para o segmento de
biocombustíveis, já que a minimização do sofrimento animal é um fator de
decisão na hora da comprados consumidores estrangeiros. O sebo de boi
e outras gorduras de origem animal têm vantagens interessantes quando
se trata de produção de biocombustíveis. Quando sem contaminações
(graxaria composta de restosdo abate), o sebo, em razão de suas cadeias
carbônicas melhor definidas, tem melhor desempenho no hidrolisador e
no catalisador, conferindo ganhos de escala no processo de produção.
Essa técnica italiana, trazida para o Brasil por meio de importação de know-
-how industrial, promete ajudar o país a aproveitar o potencial de produção
de 350 milhões de litros de biodiesel de sebo/ano, para um produto que
já conta com o aval da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A princípio, em razão de uma barreira tecnológica (o biodiesel de
sebo precipita gordura a uma temperatura de 5 graus negativos), a sua
distribuição deve se restringir ao mercado nacional, mas acena de qualquer
forma, a possibilidade de liderança do país no mercado global da agroe-
nergia, em razão da pluralidade de matérias-primas disponíveis por aqui.
Basta, nesse caso, a boa diplomacia empresarial no fechamento dos acor-
dos de comércio, combinada com um aporte estatal nas áreas de tecnologia
e infraestrutura que viabilizem a competitividade na distribuição na distri-
buição global.
88
26Uma breve ideia sobre a federalização
do Centro de Inteligência do Café
Publicado em 28 de março de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Recebi a recomendação de um querido amigo para que lesse “Men-
sagem a Garcia”. Deleitei-me com a beleza e profundidade de uma refle-
xão centenária, que em muito converge com as tempestades de nosso
tempo. Este texto discorre sobre a construção do herói, que vence a guer-
ra solitariamente, sem nada perguntar. Apenas entrega a carta, usando
com todo o seu empenho, a Garcia. Falemos, então, das conquistas da
cafeicultura, mas esplendorosas e cálidas à alma.
Após a criação do Conselho Deliberativo de Política Cafeeira, o
CDPC, pode-se afirmar, categoricamente, que o Centro de Inteligência do
Café (CIC), é o maior marco político de coordenação do agronegócio café
ocorrido desde a extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC).
O CIC deveria e tem tudo para ser o IPEA da cafeicultura e em razão
disso, tem papel estratégico na produção de estatísticas, estudos e infor-
mações diferenciadas para facilitar a tomada de decisão de membros dos
setores públicos e privado. Anda precisando, de injeção de concreto nas
estruturas e nos alicerces mal fundados, por falta de ação gerencial eficien-
te, principalmente do setor, signatário em peso do projeto. Filosoficamen-
te, sua inspiração remete aos princípios da economia do bem-estar e da
democracia com liberdade, propostos por Amarthia Sean e Robert Putnan
respectivamente. O CIC é uma chancela brasileira ao ideal de democracia
na difusão da informação: detém em decorrência disso, uma beleza única
quanto elemento de inspiração da inteligência humana e condiz com a
beleza da alma do cafeicultor e sua relação de amor para com Ceres, a
Agricultura.
Em razão disso, passo, ora em diante, a ser defensora da idéia de sua
89
federalização, no sentido de favorecer a sua conversão em autarquia fede-
ral, ligada ao Ministério da Agricultura e patrocinada com fundos de ma-
nutenção garantidos pelos recursos do Funcafé.
A idéia é convergente uma vez que os mesmos grupos que coorde-
nam o CDPC fazem parte dos Conselhos Técnico e Consultivo do CIC, o
que manteria a coerência e sinergia nas tomadas de decisão entre um e
outro. O Estado tem que assumir para si o estratégico, o legado de infor-
mação, sem terceirização de nenhum processo: o mercado cafeeiro é com-
petitivo e globalizado. E a informação, o diferencial estratégico de subsis-
tência mercadológica.
Nada contra o Governo de Minas, que atualmente gere o CIC deforma
eficiente dentro de suas possibilidades, mas é perceptívelque o projeto pre-
cisa garantir isonomia a-territorial para o seu funcionamento, já que a cul-
tura política cafeeira brasileira tem um arrangement aristocraticamente di-
ferenciado. Creio que o primeiro benefício dessa concessão mineira ao país,
seria a dissolução do problema da estatística da safra, seguido da questão
do planejamento estratégico da cafeicultura brasileira, único instrumento
gerencial, capaz de resolver a médio prazo a questão do endividamento, que
infelizmente compromete ¼ (um quarto) da arrecadação obtida com a ven-
da das safra de café brasileira, além de preparar a cafeicultura nacional,
para os vindouros desafios do primeiro quarto de século XXI.
É uma sugestão que faço, para corroborar para que o CIC saia do
ostracismo e entregue sua carta a Garcia.
90
27O potencial do café conillon
para a produção de etanol celulósico
Publicado em 01 de abril de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café.
O café conillon merece toda a minha deferência porque foi a primei-
ra variedade de café que conheci, devidamente cinceroneada pelo meu
ilustre amigo Sidney Lui e o Dr. Wilson Veneziano, da Embrapa Rondônia,
nos pequenos cafezais de Juína, estado de Mato Grosso. Esse, portanto, é
um artigo escrito especialmente para o amigo cafeicultor de café conillon,
normalmente lembrado, quando o preço do café arábica está ruim ou
quando o Vietña tem um desempenho de vendas de café melhor na Euro-
pa ou quando a indústria de solúvel brasileira discute drawback.
Resolvi adotar uma vertente diferente, para fugir da velha polêmica
se o café conillon serve ou não para fazer blends com café arábica, optan-
do pela conversação sobre a aplicação da produção dessa modalidade de
café na indústria de agroenergia. Sem dúvida, a variedade de café mais
adaptável à um cenário de aquecimento global e escassez de água é o
conillon. Tanto é verdade, que a Fundação Procafé vem, desde 2004 de-
senvolvendo estudos sobre o desenvolvimento de variedades de café ará-
bica mais resistentes à seca, utilizando genes de robusta. Um desses resul-
tados é a varietal Siriema. O robusta também detém mais óleo que o café
arábica, conforme pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Minas
Gerais, no que tange ao desenvolvimento de Biodiesel de Café.
Percebo, ante os meus recentes estudos na área de agroenergia, uma
vocação do café robusta na produção de etanol celulósico. O etanol celu-
lósico é a vertente de produção que converte qualquer tipo de material,
detentor de moléculas de carbono, em combustível. Seria perfeito em ter-
mos de agregação de valor, já que o mundo hoje corre desesperadamente
91
atrás de alternativas energéticas que possibilitem desvincular a civilização
humana da dependência dos combustíveis fósseis.
Evidentemente, que a tese que ora apresento, demanda pesquisas a
serem desenvolvidas por engenheiros químicos para a comprovação cien-
tífica dessa modalidade de produção, mas como profissional da área de
Ciências Sociais (Administração), cabe-me chamar atenção quanto às pos-
sibilidades de mercado. Somente na semana passada, o Brasil recebeu
pelo menos quatro missões internacionais interessadas na tecnologia e no
etanol brasileiro propriamente dito: Estados Unidos, México, Namíbia, Bél-
gica. Além disso, o país há cerca de 15 dias recebeu a Secretária de Estado
americana Condoleezza Rice, que referendou a importância do etanol bra-
sileiro. Semanas antes da visita, o próprio Presidente George W. Bush,
durante seu discurso na Wirec 2008, evento realizado em Washignton,
chamou atenção do mundo ao elogiar o programa de biocombustíveis
brasileiro, especialmente o oriundo das sementes de babaçú, que atual-
mente abastecem aviões.
Será que o robusta não se prestaria como matéria-prima de primeira
linha para atendimento de uma vertente de mercado de altíssimo valor
agregado?
A cafeicultura de robusta é predominantemente realizada em pro-
priedades familiares e por natureza tem condições de oferecer etanol fair
trade, tanto para o mercado brasileiro, quanto para o mercado externo. A
Embrapa Café nesse sentido, deveria abrir campo de pesquisa para o de-
senvolvimento dessa nova aplicação do café, certamente infinitamente
mais interessante do ponto de vista econômico. No caso do milho, nos
Estados Unidos, ainda como desabastecimento da indústria de alimentos,
isso significou uma elevação de até cinco vezes o valor da saca de milho
naquele mercado. Como rentabilidade é o anseio mais caro do cafeicultor,
eis aí uma proposta de resposta à tal demanda.
92
28O papel do aparato legal na cafeicultura.
Publicado em 10 de abril de 2008
na Revista Calfeicultura, Portal do Agronegócio Café.
Não importa se percolado em coador de pano posto em mancebo,
filtro de papelou extraído através em uma máquina de espresso: o café faz
parte do hábito de 96% da população brasileira, conforme apontam os
últimos estudos realizados pela InterScience, confirmando uma tendência
historicamente construída ao longo detrês séculos de História. O Café, tal
como acontece com o vinho na França, é a bebida nacional do Brasil, a que
fala mais alto ao coração, por representar um ato de socialização, de cari-
nho, de receptividade. Vai bem com queijinho, pão-de-queijo, sozinho,
quente ou gelado... só seus ácidos clorogênicos e a cafeína são capazes de
favorecer o alvorecer da mente e ao mesmo tempo, funcionalmente, ga-
rantir a saúde humana, naturalmente.
A relação do consumidor nacional com o café, portanto, é quase que
passional, embora, há de se ponderar que o elemento sofisticação, ao
longo dos últimos dez anos, venha compondo um novo mosaico compor-
tamental desse consumidor até então desconhecedor das delícias encon-
tradas apenas nas especialidades. Com a introdução do espresso e a prá-
tica de consumo da bebida fora do lar, percebe-se que gradativamente o
brasileiro tem se deleitado com um volume de nuances agradabilísimas
antes desconhecidas, por meio de uma pluralização da oferta de cafés
especiais de origem nacional ou importada. Se outrora não havia alterna-
tiva ao padrão dos cafés tradicionais com notas fenólicas desagradáveis,
oriundas de matérias-primas de baixa qualidade, atualmente, o mercado
tem valorizado os chamados cafés superiores e gourmets, detentores de
notas florais, frutadas, amendoadas, amadeiradas, achocolatas, apimen-
tadas e exóticas. Há opções para consumo e um volume cada vez um
número maior de consumidores aptos a pagar por essa experiência: en-
quanto o mercado de cafés tradicionais cresce à ordem de 4% ao ano, o
93
segmento de cafés especiais cresce à 20% ao ano. O café, tido agora como
um “bem de experiência”, traz a tona uma necessidade urgente que é a
adequação do aparato legal a este novo momento. Sobre tal temática,
centra-se o futuro da cafeicultura brasileira.
Legislar antes de qualquer coisa, exprime um ato de vontade do Es-
tado para a comunidade que o cerca, já que nela, a boa vontade estatal,
centra-se a aurora do desenvolvimento e competitividade econômica do
país e o bem-estar respectivo de seus cidadãos. Evidentemente, que tal
expressão institucional atemporal do Estado, depende de uma conjugação
de interesses que partem da boa coordenação setorial. Nesta delicada re-
lação, a balança pende negativamente para este último elemento, a cadeia,
em decorrência da pluralidade de linhas de interesses dos agentes institu-
cionais que no final das contas, atrasam processos e geram retrocessos
importantes no ideal de conversão do Brasil numa plataforma mundial de
cafés (verdes, torrados, solúveis e respectivos subprodutos – balas, cappuc-
cinos, etc.).
Num modelo de Estado voltado para resultados, é visível a busca
pelo acerto, já que quando se trata de gestão pública, o beneficiado dire-
to pelo resultado da proposição legal é a própria comunidade. Tal ambien-
te tornou-se factível em decorrência da introdução de um dinâmico ele-
mento na gestão pública, as câmaras setoriais. Ressalta-se que elas
funcionam foro que envolve atores do setor público e privado, responsáveis
pela oferta de subsídios aos tomadores de decisão na área pública (Secre-
tários de Estado, Governadores, Ministros), sendo os representantes do
segmento privado são indicados pelos seus próprios segmentos, aumen-
tando a legitimidade das câmaras.
Voltando ao futuro da cafeicultura, é visível que o primeiro grande
passo, comparando o agronegócio café à uma grande orquestra sinfônica,
é fazer com que todos os agentes atuem com sinergia, seguindo a batuta
do Maestro Mercado Globalizado. Embora a partitura seja a mesma para
todos os músicos, o resultado do esforço musical do segmento no Brasil
mostra-se destoado de outros países, com visão mercadológica diferencia-
da. A Colômbia, por exemplo, entendeu as regras do jogo global na déca-
da de 1940. Países centro-americanos como a Guatemala, El Salvador,
Costa Rica, também decifraram as notas musicais no mesmo período. Pa-
íses sul-americanos como Equador, Peru, Bolívia e Venezuela, estão trei-
nando seus músicos, para produzirem os sons harmoniosos que o Maestro
94
Mercado Globalizado quer ouvir, para muito breve. E nós, que sons pro-
duziremos? Heave Metal ou Bossa Nova?
Fazer parte de uma grande orquestra exige que o país faça opções,
para produzir Leis condizentes com as suas necessidades. A primeira delas
é definir o objeto do futuro planejamento estratégico do setor que espero
que saia em breve: o café verde, o café industrializado ou favorecer a
consolidação de uma plataforma global de cafés, por meio da ênfase na
distribuição. Esta escolha é muito importante. Explico. Optar pelo objeto
“Café Verde”, diz respeito à focar toda a estratégia brasileira na produção
e comercialização dos melhores cafés especiais do mundo, certificados,
rastreados, com vistas a elevar o market-share mundial de 23% para a
histórica marca de 60%. Significa o ousado estabelecimento de alianças
estratégicas com as maiores torrefações mundiais, garantindo percentuais
expressivos de café brasileiro no blend produzidos por elas, com reconhe-
cimento de origem. Significa abrir o mercado brasileiro para a concorrência
global na área da industrialização, apoiada na massificação das casas de
café em território nacional. Significa apostar na desindustrialização do se-
tor do café no Brasil e viabilizar a substituição do café torrado por aqui por
café torrado em torrefações estrangeiras ou quiçá, a cooptação das em-
presas estrangeiras pelas brasileiras, tal como no caso da Santa Clara em
relação à Strauss-Elite. Neste modelo, far-se-ia necessária a intensificação
dos contratos especializados entre produtores e industriais, que privilegias-
se prêmios por qualidade e até mesmo antecipações, como acontece nos
segmentos de granjas, fumo e grãos em geral.
Optar pelo objeto “Café Torrado”, por sua vez, refere-se ao foco na
estratégia de industrialização e distribuição do café industrializado no Bra-
sil e no mundo, dando continuidade ao trabalho que o segmento industrial
de café brasileiro já vem desenvolvendo. A opção pelo objeto “plataforma
mundial de cafés” exigiria uma modificação do olhar sobre o agronegócio
café no país, fazendo da palavra globalização uma postura. O Brasil ao
longo de trezentos anos atuou como singular fornecedor de matéria-prima
para as principais indústrias do mundo e alimentando o prazer de milhões
de consumidores, para os quais, ressalta-se, a origem brasileira manteve-se
desconhecida. Ao mesmo tempo, em parte do século XX, o país consolidou
sua vice-liderança no consumo per capita de cafés, bem como uma tradi-
ção em pesquisa, desenvolvimento de tecnologia, inovação em termos de
programas de certificação. Esta opção, minha favorita, diz respeito à aqui-
95
sição de plantas industriais de café em mercados estratégicos, combinada
com a criação de um mercado comum de cafés no continente americano.
Ao passo que a ampliação da presença da indústria de café brasileira
se consolidaria no mundo, o Brasil, aproveitando das vantagens competivas
regionais, maximizaria sua capacidade instalada, aumentando o consumo
per capita nacional com a oferta de cafés diferenciados, exóticos e ao
mesmo tempo, sua competitividade global, no segmento exportação com
valor agregado: venda de blends de cafés in natura prontos Made in Brasil,
cafés torrados ao gosto do freguês, entre outros.
Neste item, pode-se citar a experiência da Colômbia com a instalação
das Casas Juan Valdez, ao redor do mundo e os trabalhos de marcas con-
sagradas como IllyCafé, Lavazza e Segafredo Zanetti.
De posse da opção estratégica, o ato de legislar torna-se mais fácil,
porque haverá clareza quanto aos desejos setoriais de forma a criar condi-
ções da cafeicultura nacional manter sua competitividade nos médios e
longos prazos. O fundamento do planejamento é a redução do tempo
investido em discussões que inferem negativamente na competitividade
setorial.
Creio que o mundo muito em breve dará à cafeicultura brasileira uma
resposta letal, vinda do continente africano. Atualmente, a cafeicultura
brasileira tem competitividade interna, não externa. E produzir um café tão
bom quanto o brasileiro no território africano é mais factível do que se
imagina. Mercadologicamente, o grão africano tem melhor aceitação nos
grandes mercados consumidores em decorrência do seu apelo exótico e
social do que o nacional. De posse de um substituto à altura, a troca de
fornecedores será natural. Esse fato já é visível no caso do café conillon. A
presença do grão vietnamita em blends das principais marcas mundiais é
crescente, enquanto o de origem brasileira mal dá conta do mercado na-
cional. Observa-se que a Kraft Foods recentemente anunciou a construção
de uma fábrica de café solúvel na Rússia. Certamente mirando o fornece-
dor de café verde asiático e respectivamente, o consumidor do maior mer-
cado mundial dessa modalidade de café industrializado e as fronteiras
russas com a União Européia.
A mudança de fornecedor, confere ao Brasil um novo desafio: por
aqui, a importação de café industrializado não se constitui um problema
do ponto de vista alfandegário, embora o seja do ponto de vista sanitário.
Se o custo de produção internacional cair, certamente, o mercado brasilei-
96
ro é alvo do produto estrangeiro, dado o volume per capita do consumo,
em ascensão, o perfil jovem da população e a sua respectiva tendência de
crescimento populacional, além da taxa de câmbio favorável. A indústria
nacional torna-se refém, uma vez que nesse cenário, terá que corroborar
para a sobrevivência dos produtores nacionais (terá que absorver 100% da
oferta), sem a perspectiva do mercado externo para se capitalizar, e ainda
concorrer com a agressividade das indústrias internacionais, com todas as
suas facilidades decaptação de recursos no mercado externo, a juros mais
baratos. Em suma: um cenário perfeito para a bancarrota perfeita da ca-
feicultura nacional.
Legislar bem hoje, portanto, é uma garantia oferecida pelo Estado
para o sucesso das ações vindouras do setor nos médios e longos prazos.
Evidentemente parte desse sucesso depende das diretrizes apontadas pelos
atores que compõem as câmaras setoriais do café nos Estados e do Con-
selho Deliberativo de Política Cafeeira.
Contudo, ao Estado cabe agir com a ousadia empreendedora. Nesse
sentido, o Itamaraty poderia viabilizar acordos no foro da Aladi e da OEA,
favorecendo a criação de um mercado comum do café. Ora, o Brasil, de-
pois dos Estados Unidos e Canadá, é o país que detém o maior número de
torrefações do Continente Americano. Praticamente, mais de 60% do ca-
fé produzido no mundo sai desta mesma porção continental. Então, qual
o impedimento de se legislar à respeito, escancarando as nossas fronteiras
para cafés latino-americanos? Já existe um programa de certificação glo-
balmente aceito, chancelado no foro da Organização Internacional do
Café, que é o Código Comum da Comunidade Cafeeira, do qual o Brasil
inclusive é signatário. Portanto, não haveriam dificuldades no que tange à
formatação dos acordos bilaterais e ou multilaterais entre os países produ-
tores, relativo ao comércio de cafés no bloco. Além disso, tal ato fortale-
ceria a imagem do Brasil como líder regional com um ato pró-ativo, inte-
grador, diplomático e pacificador, uma vez que o estímulo à cafeicultura
tem sido visto como arma contra a ação das guerrilhas financiadas pelo
narcotráfico, que atuam principalmente na América do Sul (Farcs).
Em termos de mercado interno, a ação supra demandaria o fomento
à aparatos legais que favorecessem a ampliação da produção de cafés
especiais, seja com a redução de encargos tributários, seja com a inclusão
de cafés em áreas estratégicas como na merenda escolar e órgãos públicos,
97
especialmente aqueles ligados à promoção comercial e padrão mínimo de
qualidade do café das cestas básicas.
Tal abertura seria o primeiro passo para a consolidação do país como
plataforma mundial de cafés, garantindo a origem Made in Brasil na em-
balagem e pluralidade sustentável e rastreada das mesclas internacionali-
zadas.
98
29O que tem no tanque seu moço?
Babaçu, my darling!
Publicado em 21 de abril de 2008
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Depois do pronunciamentodo presidente americano George W. Bush
realizado durante o Wirec 2008, evento sobre energias sustentáveis reali-
zado em Washington este ano, mais um produto nativo do Brasil ganhou
o cenário internacional: o coquinho de babaçu. Bush, durante o evento
citou o babaçu por duas vezes consecutivas, entusiasmado com o poder
de uma frutinha tão pequena, mas apta a produzir um biocombustível tão
poderoso erefinado em termos de qualidade, capaz de levantar um Boeing
do solo. Isso mesmo: o óleo do babaçu virou combustível de primeira linha
no contexto da indústria aeronáutica. Esse anúncio, que chancelou a polí-
tica nacional de agroenergia aos olhos do mundo, culminou numa série de
eventos importantes para o país: a recente visita de Condoleezza Rice ao
Brasil, referendando o discurso de Bush em solo brasileiro, a inclusão do
Brasil como candidato ao G-8, no contexto do discurso do candidato à
presidência dos Estados Unidos, o senador Mc-Cainn, e a liberação de
recursosde R$ 9 bilhões para a promoção comercial do etanol brasileiro no
mercado internacional.
Embora seja a cana-de-açúcar a principal vedete do segmento de
agroenergia, este artigo versa sobre o babaçu, em razão de sua aplicação
no setor aeronáutico e o apelo fair trade que o produto tem, em razão das
oportunidades de trabalho que gera e sua respectiva relação sustentável
com a natureza (especialmente no âmbito dos biomas Floresta Amazônica
e Mata Atlântica).
O babaçu, de acordo com o Dicionário Houaiss é uma planta nativa
das faixas de transição de Floresta Amazônica, sendo encontrado em toda
a região Norte e Nordeste do Brasil, especialmente na região da Mata
99
Atlântica baiana e também na Bolívia, Guiana e Suriname. Trata-se de uma
palmeira capaz de atingir até 20 metros de altura, tendo inúmeras aplica-
ções: desde a construção de casas (caule para as paredes e folhas para o
teto), passando pelo artesanato (elaborado com as folhas amareladas e
longas da palmeira), produção de óleos e gorduras, tanto para consumo
humano quanto para usos industriais. Suas cascas tem sido usadas também
na indústria moveleira e como carvão pelas famílias que vivem de seu ex-
trativismo.
Extrai-se ainda palmito, além de servir como ração para criações e
adubo. É uma planta de ampla utilização pelas populações rurais amazô-
nicas e nordestinas com várias aplicações, portanto. Sua capacidade de
produção é de até dois mil coquinhos numa única carga, sendo uma gran-
de demandante de mão-de-obra nos seus estágios iniciais de produção,
especialmente no que tange à sustentação da agricultura familiar. No caso
dos biocombustíveis sua aplicação interessa, em razão da sua capacidade
de geração de óleo, que na extração garante 60% de aproveitamento da
amêndoa madura.
Como se trata de planta de fácil reprodução, a expansão das lavouras
tem se concentrado especialmente no Maranhão. Somente em 2006, de
acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
publicados em 11 de dezembro de 2007, o estado respondeu por 94,2%
da produção (117,1 mil toneladas/total país), num contexto de R$ 102,2
milhões de receitas obtidas por meio da venda da amêndoa do babaçu.
Portanto, verifica-se que para a economia maranhense, o babaçu tem pa-
pel estratégico, já que responde por 300 mil postos de trabalho (quebra-
deiras) e movimenta a economia de pelo menos 10 municípios: Vargem
Grande, Pedreiras, Poção de Pedras, Bacabal, Chapadinha, Codó, Bom
Lugar, São Luiz Gonzaga do Maranhão, Cajari e Coroatá. Evidentemente,
que se trata de uma produção que envolve pessoas com baixo grau de
escolaridade e situadas em regiões economicamente desfavorecidas, o que
aumenta a importância do babaçu como recurso agregador de valor e
qualidadede vida para as famílias envolvidas com esta cadeia produtiva. A
inserção da prática do cooperativismo no escopo da cultura local, combi-
nada com treinamento para profissionalização, assume papel relevante,
dado que a organização é um caminho importante para a melhor distri-
buiçãode renda. Nesse sentido, o trabalho atualmente desenvolvido pela
Rede Baiana de Bicombustíveis, na região de Ilhéus, pode ser emblemático,
100
já que a pesquisa lá envolvida fundamenta-se sobre os fundamentos da
inclusão social. Sem essa preocupação, surge, ante a possibilidade de am-
pliação da demanda da indústria aeronáutica mundial, a emersão de uma
série de problemas sociais, que podem incluir inclusive uso de mão-de-obra
infantil e depredação do meio ambiente, o que não é bom nem para as
pessoas envolvidas na coleta do coco, nem para o país. O ideal mesmo é
biocombustível de babaçu fairtrade, rastreado, para a gente ter gosto de
cantar, toda vez que estivermos a aterrisar, cheios de saudades de casa, um
trechinho do Samba do Avião, de Jobim... Eparrê/Aroeira beira demar/
Canôa Salve Deus e Tiago e Humaitá/ Eta, costão de pedrados home brabo
do mar/Eh,Xangô, vê se me ajuda a chegar...
Oxalá ao Babaçu e ao meu Brasil...Oxalá à agricultura, musa dessas
sustentáveis, diplomáticas e boníssimas revoluções...
101
30Atratividade do Mercado Brasileiro de Café
Publicado em 02 de maio de 2008
na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café
Desde a década de 1970, o Brasil, no que tange aos negócios do
café, tem gradativamente transicionado seu mercado para um pujante
processo de internacionalização. Principiando pela alemã Melitta, primeira
estrangeira a acessar o território nacional, o país assistiu em seguida, na
década de 1990, a aquisição do tradicionalíssimo grupo União pela ame-
ricana Sara Lee. Ao mesmo tempo, a italiana Illycafe introduzia o conceito
de cafés espressos no coração de um setor, acostumado à negociar cafés
para a percolação sem preocupação expressiva com a qualidade, o que sem
dúvida, revolucionou o modelo de comercialização e distribuição de cafés
com alto valor agregado, bem como a respectiva forma de consumo: a
dose.
Em meados da ainda década de 1990, as marcas Strauss-Elite (israe-
lense) e Segafredo Zanetti (italiana), adquiriram respectivamente as marcas
Três Corações (readquirida no início da década de 2000 pela brasileira
Santa Clara) e Itambé. Por fim, nos últimos quatro anos, assiste-se a che-
gada da americana Starbucks, a italiana Espressamente (da Illycafé), a su-
íça Nespresso e a italiana Lavazza, que no dia 21 de abril de 2008, arrema-
tou a Café Terra Brasil.
Mas porque tantas estrangeiras por aqui? A resposta está situada em
três aspectos fundamentais: perfil do crescimento demográfico nacional,
crescimento econômico, tradição no consumo de café por parte do brasi-
leiro. Com uma população estimada em 186 milhões de pessoas, uma
taxa de natalidade média de 21,2 pessoas por mil habitantes e respectiva
esperança de vida estimada em 68 anos em média (IBGE, 2008), cresci-
mento econômico estimado para 2008 em 4,8% (Banco Central, 2008), o
que permite acreditar no crescimento da renda per capita nacional, seguin-
102
do os mesmos parâmetros de 2007 (4%), além da projeção de expansão
do consumo de café calculada em 74 litros/per capita (5,53Kg), o mercado
brasileiro converteu-se num oásis, especialmente no que tange ao consu-
mo fora do lar. O Brasil, é o quinto mercado mundial para o setor de ali-
mentos e ao contrário dos mercados europeus, possui elasticidade para
expansão da demanda.
De acordo com dados da Interscience, cerca de 36% dos brasileiros
atualmente consomem café fora de casa, dado este que converge direta-
mente com o modelo de internacionalização adotado por grandes marcas
internacionais, que preferem o investimento no Brasil restrito à instalação
de canais de distribuição de marca própria, concentrados na Região Cen-
tro-Sul principalmente.
Neste modelo de expansão internacional no mercado brasileiro, as
indústrias internacionais mantêm sua resiliência frente à possibilidade de
processamento de grãos de diversos países produtores ao redor do mundo
mantendo suas plantas industriais em seus países de origem, já que a
prática de importação de café de outras origens para o Brasil ainda não foi
regulamentada em termos de exigências sanitárias específicas. Além disso,
não assumem custos de instalação de plantas em território nacional, o que
reduz veementemente os custos de acesso ao mercado, já que o Brasil não
possui barreiras técnicas ou tributárias para a importação de cafés indus-
trializados.
O único pormenor dessa questão é a fuga de capital, uma vez que
tanto os dólares oriundos da agregação de valor pela industrialização quan-
to a possibilidade de criação de postos de trabalho, ficam no exterior e não
no Brasil. De qualquer forma, é certo que a concorrência em relação às
marcas brasileiras passa a se concentrar num nicho de consumo apto a
remunerar em média até seis vezes a mais o preço da xícara com café. E o
consumidor não é fiel, quando se trata do emprego do seu erário na cons-
trução de uma experiência que une prazer, sofisticação e pluralidade gas-
tronômica. Um exemplo clássico dessa afirmação foi o frenesi que o café
javanês Kopi Luwak causou recentemente em São Paulo: a experiência
envolvia o consumo de uma xícara de café processado no aparelho diges-
tivo de um gato nativo da Ilha de Java, cujo custo unitário era de R$
100,00. Esse produto, tido como o mais raro, exótico e saboroso do mun-
do cafeeiro, custa a bagatela de R$ 2.000,00 o quilo. A média de preços
do café gourmet nacional oscila entre R$ 20,00 e R$ 120,00 o quilograma.
103
Se o mercado brasileiro acena que está pronto para absorver esse
tipo novidade, é certo também que o segmento industrial nacional deve
organizar-se para uma concorrência forte, financiada com taxas de juros
internacionais muito baixas, que pode acirrar a concentração do mercado
nacional, já que o perfil do setor industrial de café nacional situa-se pre-
dominantemente nas pequenas e médias torrefações, embora as 20 maio-
res plantas do país processem mais de 65% de todo o café comercializado
em território nacional.
Os programas de certificação atualmente adotados pelo setor no
país, com ênfase em qualidade e sustentabilidade, acenam um preparo
para este ambiente, que fundamenta sua ação no processo de reformula-
ção da cultura de consumo por parte do consumidor nacional. O café
nesse sentido, continua a ser o luxo do simples, mas inspirando-me em
Voltaire, deve ser capaz de persuadir, a ponto de gerar grandes paixões, a
ponto do consumidor considerá-lo mais saboroso que mil beijos.
104
31Um beijo, um queijo, biocombustíveis
Publicado em 12 de maio de 2008
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Os alimentos, de forma geral, são uma dádiva tão especial que des-pertaram em mim a necessidadede dissertar a respeito da relação do ro-mance com a agricultura. É há uma ligação passional entre a beleza poé-tica do amor e a arte de produzir riquezas, a partir do labor da terra. Ante o embate meio shakespeariano entre o ser ou não ser agricultura de ener-gia e ou de alimentos, o mundo uníssonamente impõem sua tese, consu-mada por meio da mídia ao longo das últimas semanas: o temor da fome coletiva. Para conferir certa leveza à dramacidade da trama, principia-se tal reflexão tomando o leitor pelo intelecto, conduzindo-o à arena da delica-deza impressa em momentos de felicidade onírica: Como a crise interna-cional de alimentos poderá impactar naquele flerte típico do interior das Minas Gerais, no qual ante a porta da igreja, em noite enluarada, o moço compra pipoca para moça e lança um primeiro olhar acanhado, oferecen-do a candura da inocência e premiando poetas e poetisas com a dádiva do amor?
Eros e Psiquê não conheceram a pipoquinha nossa de cada dia, mas é certo que como divindades gregas, conheciam a importância da agricul-tura para o desenvolvimento nacional. Os gregos, sem dúvida, eram exí-mios promotores de festivais de culto à Deméter (Ceres para os romanos), deusa mitológica da agricultura, em agradecimento às colheitas fartas, pois a fome é e sempre foi uma mácula que mancha a existência humana há milênios, assim como as guerras e genocídios que se perpetuaram ao lon-go da história. A falta do alimento era tida como uma hecatombe, que expressava a ira dos deuses contra os mortais.
É certo que quem tem fome não pode esperar. Nada mais digno para um ser humano do que o acesso a um bem elementar para a sobre-vivência: um prato de comida de qualidade, bem preparado, diariamente, pelo menos. É o justo, o sacro. Contudo, não é justo que essa mazela que
105
o fusca a história humana, seja tomada como o “bode expiatório” para coibir o desenvolvimento nacional, em decorrência de interesses nacionais muito mesquinhos, como aconteceu no caso do questionamento à produ-ção de biocombustíveis.
De acordo com estudos da organização não-governamental WWF (2008), o fundamento da produção de alimentos centra-se na eficiência do uso das áreas agricultáveis: entre 1965 e 2008, a relação de área agri-cultável saiu de 1,3 hectare para 0,7 hectare per capita/mundo, sem que houvesse perdas da capacidade de atendimento da oferta média de calo-rias diárias necessárias a um ser humano, que também em média saiu de 2.400 kcal para 3.000 kcal per capita/mundo, para o mesmo período.
Ocorre que, considerando esses dados da WWF, que considera os 3 bilhões de habitantes do planeta, é visível que a disparidade na distribuição de renda, os próprios índices de desenvolvimento de importantes países e os inabaláveis subsídios agrícolas distribuídos “a rodo” nos países desen-volvidos (especialmente Estados Unidos e União Européia) e as altas acu-muladas do petróleo nos últimos anos criaram um ambiente temerário em relação à falta de oferta de comida. Há uma crise real de alimentos ou um arranjo diplomático na União Européia
para desmantelar a concorrência (o acordo bilateral do Brasil e Esta-dos Unidos, que ia de vento em popa), afim de favorecer o seu programa interno de biocombustíveis, francamente subsidiado?
Porque o primeiro alerta aconteceu na Alemanha somente este ano, se já era uma crise anunciada? Será que, com a elevação do seu grau de investimento, o Brasil está apto a jogar tão bem quanto os europeus no comércio internacional?
A culpa é do milho mesmo ou há algo mais? Será que quadruplicar a produção de milho no Brasil não seria positivo para atender a demanda mundial? Eis algumas questões interessantes, para a reflexão coletiva, pa-ra as quais eu também busco respostas. Voltando à pipoca do romance, é válido ressaltar que ela poderá sofrer um incremento de preços sim. Pro-duzir alimento sestá mais caro, em razão dos custos de produção agrícolas: desde o milho até o óleo para seu preparo. O essencial aqui é a manuten-ção da tradição poética dos enamorados combinada com a franca expan-
são da produtividade de nossos campos. Inovação, tecnologia e sustenta-
bilidade são as palavras de ordem nesse processo, que, sem dúvida,
colocará o Brasil entre os chamados países de primeiro mundo.
106
32Café: minha paixão nacional
Publicado em 25 de maio de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Inspirada ao som de Villa-Lobos, Trem caipira e o Uirapuru, expresso
ora diante, minha homenagem a uma benelevolência de Deus para com a
humanidade. O café, a bebida ocidental do peace-to-peace. Não é idola-
tria, apenas o relato sobre uma paixão particular.
No último dia 24 de maio, comemorou-se no Brasil, o Dia Nacional
do Café. Pessoalmente, não poderia deixá-lo passar sem congratular-me
com a beleza de um setor pujante, que demonstra ao mundo, a essência
da alma brasileira, por meio do trabalho silencioso, mas desenvolvimentis-
ta.
O café não é uma mera commodity, mas sim uma chancela diplomá-
tica que inspira a paz entre os povos, entre as pessoas. Sela amizades,
amores, relações de vida toda.
É como se naquele momento delicado, de invasão da intimidade com
a terra, a semente e o cafeicultor, fizessem um trato atemporal de paixão
e suntuosa construção de riqueza. “Cuida de mim com deferência, que
cuidarei de ti mais a frente”. Então a ruptura da terra, revela a delicadeza
e o tempo, juntamente com a essência da sabedoria divina, consolida por
meio das raízes e radicelas, o tratado da fidelidade. Então as flores, alvas,
perfumadas, levemente cítricas, desabrocham, afirmando que ao Criador
tudo é possível. Nem mesmo a geada ou a seca é capaz de deter a efusão
contagiante que invade corações ao se percorrer uma lavoura em flor. É a
poesia do céu, escrita no livro da vida, dedicada em plenitude ao humano.
As pétalas falecem, para iniciar outra magia: a da frutificação. Sinal da
maturação gradativa, a multiplicação da tecnologia da natureza acontece,
dia após dia, até que, como num delicado momento de capricho, o
amarelo e o vermelho invadem aquela paisagem verdejante. “Oi, me colhe
e prove do que lhe prometi”. O canto da derriça então, invade,
107
unissonamente, aquelas arenas. Panos brancos são estendidos sob as saias.
Coleta-se tudo e para o lavador se segue. Bóias, cerejas e passas são
harmoniosamente segmentados pela água e tal densidade dos grãos. E a
dança nos terreiros, sol após sol, acontece elegantemente, até que, no
final, obtém o coco ou o café em pergaminho. Então o sisal caprichoso
abraça aquilo tudo e o grão, interiorano, vai ganhando ar cosmopolita,
para cumprir sua promessa inesquecível, que aconteceu no momento do
plantio. O produtor, então tem o seu suado ganho atestado e os negócios
acontecem, seja nas cooperativas, ou nas tradings. De repente, alguns ir-
mãos embarcam em navios e outros, seguem por aqui mesmo, e de repen-
te, sob o calor do fogo, liberam o aroma sedutor do café caramelizado,
achocolatado, torrado. Moídos ou inteiros, vão tomando destinos diferen-
tes. Uns tornar-se-ão experiências tradicionais, via percolação. Outros,
provarão da tecnologia e serão comprimidos por meio da aplicação de Leis
da Física, nas tais cafeterias. Uns outros, ainda mais sortudos, viram arte e
ou pegam avião, para conhecer novas fronteiras, com valor agregado. De
qualquer forma, imbricam-se lábios adentro do consumidor apaixonado.
E ambos, tornam-se um.
Dizem que isso tudo é o legado do romance do café. E a magia da-
paixão acontece quando, ao saborear a primeira, inconscientemente, se
pede bis. Por isso, o café é o símbolo da mais vibrante da vida, pois con-
grega em si, toda a emoção e prazer, e enche o coração de alegria, de uma
alegria simples, pacífica, mas profundamente contagiante. Pode-se dizer
que o mercado não está bom, que o preço poderia estar melhor, que falta
financiamento, mas no fundo, há uma hipnose coletiva, que nem Freud e
Jung explicam, que e faz uma diferença enorme, quando se trata da sim-
biose do trabalho, consolidado por centenas de mãos e o prazer, percebi-
do no último gole.
Por isso mesmo, ela assume o papel de promotora do peace-to-pea-
ce. O café é a bebida símbolo do networking e da própria democracia. O
café não é racista e não avalia ninguém por status, raça, crença ou condi-
ção financeira. É o doce luxo do simples. Do simples, do simplório, do
humilde, do magnata. É pura diplomacia, pura expressão de sedução sem
exercício de poder. Por isso combina tanto com a pluralidade brasileira.
Embora africano, abrasileirou-se, assumindo lócus insubstituível na culiná-
ria, na vida, na essência de um povo, que está em franca fase de conquis-
ta de um lugar ao sol no mundo.
108
Ao amigo café, minhas doces homenagens. Ou melhor, minhas doces
homenagens para quem faz toda a cadeia agroindustrial do café acontecer,
com trabalho, com ou sem CDPC (sinceramente, vamos deixar de lado
essa parte, porque ela é complicada e ofusca a beleza do texto).
Feliz Dia do Café, todos os dias!!!!!
109
3330 anos de constituinte, 29 sem IBC, 17
com CDPC: Reflexões sobre a cafeicultura e uma moça querida chamada democracia
Publicado em 29 de maio de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
No dia 05 de outubro de 1988, estava em frente à televisão da sala
da minha tia, assistindo um senhor, chamado Ulisses Guimarães, declarar
“Está proclamada a constituição federativa do Brasil”...Até então, na mi-
nha escola primária, ainda hasteávamos a Bandeira Nacional e cantávamos
o Hino Nacional todos os dias.
Depois que entendi aquele momento, durante a aula de moral e cí-
vica, ficou mais fácil amar a tal democracia e a liberdade de expressão. São
dois elementos tão lindos, porque se durante mais de três décadas a capa-
cidade criativa do cidadão brasileiro ficou submissa às armas, a partir de
então, não precisaria mais ter medo de desenhar ou escrever as minhas
poesias. Daí eu me aventurei lendo o Rui Barbosa, Euclídes da Cunha, até
que 1996, eu ganhei um manual do Instituto Brasileiro do Café, editado
em 1986. Parei de ler romance, para compreender sobre um negócio im-
portante da História do Brasil e que de repente, me virou pelo avesso. Dei
adeus à Machado e à Alencar, para dar voz ativa a um certo Palheta, nada
similar ao Capitão Rodrigo, de Veríssimo, mas que era um feio charmoso
que convenceu uma dama européia a dar-lhe um presente que mudou a
história do Brasil: o café, instituição cosmopolita, política, negociadora,
amante.
Citando Ulisses Guimarães mais uma vez, é possível observar acon-
vergência das benesses do café para alma humana, assim como a política
de qualidade.»... Política não se faz com ódio, pois não é função hepática.
É filha da consciência, irmã do caráter, hóspede do coração. Eventualmen-
te, pode até ser açoitada pela mesma cólera com que Jesus Cristo, o polí-
110
tico da Paz e da Justiça, expulsou os vendilhões do Templo. Nunca com a
raiva dos invejosos, maledicentes, frustrados ou ressentidos. Sejamos fiéis
ao evangelho de Santo Agostinho: ódio ao pecado, amor ao pecador.
Quem não se interessa pela política, não se interessa pela vida...» Café é
saúde, logo, é vida também. Portanto, política e café convergem com
maestria.
O CDPC deve dispor-se à interagir com idéias, ainda que contunden-
tes, contrárias ao interior dos corações daqueles que dele fazem parte
oficialmente. O Conselho deveria promover o debate e interação, utilizan-
do as benesses da tecnologia, pois o Conselho é o ombudsman do setor,
é quem faz a mediação entre os anseios do segmento produtivo com o
Estado.
Essa abertura é fundamental, quando se trata de definição de uma
agenda estratégica. Acompanho os debates no Peabirus e se aquele é o
modelo máximo de democracia aceito pelas lideranças do agronegócio
café brasileiro, é certo que caminhamos realmente à bancarrota estratégica,
porque é um sistema vigiado e que não aceita debates fortes, que no es-
tágio de brainstorming são fundamentais.
Poder-se-ia lançar mão da consulta pública, mas efetivamente, qual
a garantia de que as contribuições, por menores que sejam, estão sendo
lidas? É complicado, quando se sabe que no interior da instituição cafeei-
ra, prevalece jogos de interesses, nada democráticos. Participar é impor-
tante. Mas todos sabemos que embora tenha ocorrido o impeachement
do ex Presidente Fernando Collor de Mello e que a população tenha ido
às ruas, quem o derrubou foi o congresso nacional, movido por interesses
particulares e porque o voto foi aberto. Será que na cafeicultura o jogo um
dia será diferente?
Essa é uma questão fundamental, quando se pondera sobre as con-
versações sobre a diplomacia cafeeira. Normalmente, vai-se à Londres,
transferir know-how, que no futuro, ferirá de morte o coração da cafeicul-
tura nacional e ninguém fala sobre o assunto, porque participar da OIC,
que é financiada com recurso brasileiro (vide o Portal da Transparência),
significa status e empoderamento. Será que no fundo, isso é bom para o
Brasil? Quem acompanhou o noticiário, percebeu que a Organização In-
ternacional do Café recomendou ao Brasil a intensificação da transferência
de tecnologia de produção de café para a África. Para os bons entendedo-
res de mercado internacional, o café, produzido em qualquer região da
111
África, é tido como produto exótico e tem preferência de acesso ao mer-
cado europeu. Além disso, é uma das únicas regiões do mundo capaz de
competir em pé de igualdade com o Brasil na produção agrícola, com
grandes diferenciais competitivos: o custo de financiamento e respectiva-
mente, a
proximidade com os grandes mercados consumidores e o apelo social
dos produtos “Made in Continente Africano”.
O produtor brasileiro de café ficará assistindo de braços cruzadosos
líderes do setor cafeeiro negociar em de bandeja a tecnologia construída
aqui, com capital nacional, sem que essa transferência tenha passado por
uma análise criteriosa de risco? Qualquer empresa faria isso, porque o agro-
negócio café não pode fazer?A questão é reinvidicar a participação, dentro
do que está previsto da atual Carta Constitucional, verdadeiro esteio da
democracia. A operacionalização disso, depende apenas de vontade de
quem coordena. A cafeicultura brasileira não pode mais aceitar para si, como
verdade, aquele ditado “em terra de cego, quem tem um olho, é rei”.
112
34Uma releitura da política do pão e circo
e do assassinato de Sócrates no contexto da política cafeeira brasileira
Publicado em 29 de junho de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
A vantagem do exercício da docência é a constante interface com a
pesquisa. Eis que outro dia, navegando pelo You Tube, descobri algumas
pérolas da propaganda brasileira, como por exemplo, as da década de
1950, quando a Coca-Cola começava a se propagar como hábito alimen-
tar no Brasil. “Isto faz um bem”. Este era o slogan da Coca-Cola, quando
do início do processo de posicionamento da marca junto ao consumidor
brasileiro. Mais tarde, ficou comprovado que de bem mesmo, só o prazer
do hábito de consumo de um produto sintético, inspirado na coleira, ár-
vore africana. Por incrível que pareça, é daquele continente que vem o
café também. E por incrível que pareça também, o slogan atual da cafei-
cultura é quase “isso faz um bem”. Bem faz, é bom mesmo, em excesso
não faz mal e não existe substituto à altura quando se trata de acompa-
nhante para o pão-de-queijo nosso de cada dia. Mas o que incomoda é a
ênfase num discurso que se presta para mascarar as ineficiências dos bas-
tidores.
Cabe uma crítica importante aqui: a relação da ênfase exarcebada
no discurso da qualidade com a chamada política do pão-e-circo. A busca
pelo belo, pelo sabor delicioso e inesquecível é algo fascinante, mas é
certo que Narciso morreu afogado por apaixonar e pelo seu próprio refle-
xo no lago translúcido, em noite enluarada. Para quem não conhece mui-
to de história mundial, a política do pão-e-circo, foi uma prática utilizada
pelos imperadores romanos,
na tentativa de desviar a atenção dos famintos cidadãos de Roma
com a oferta de festivais de gladiação promovidos nos coliseus e a distri-
113
buição de alimentos, para que estes não emergissem contra o governo,
promovendo revoluções e guerras. E o no que tem se transformado a ca-
feicultura, senão num espetáculo? Leio jornais todos os dias e o que vejo,
é essa ênfase importante, mas excessiva sobre a questão da qualidade do
café, a beleza do barismo, café latte que deslocam os olhares das pessoas
das coisas fundamentais: a qualidade das políticas públicas voltadas ao
agronegócio como um todo.
O recente caso do vidro no café do Secretário de Segurança do Esta-
do do Rio de Janeiro assustou-me, pois vi ali uma releitura do assassinato
de Sócrates: a cicuta assumiu a contemporaneidade e transformou-se em
vidro, dado à conta-gotas. Não há porque tratar este assunto como isola-
do. Ele é um acinte ao trabalho de pelo menos 10 milhões de pessoas, que
em pleno século XXI tornou-se inadimissível, em decorrência da tecnologia
disponível e o tamanho do orçamento do Funcafé, que só serve atualmen-
te para renegociação de dívidas. Quando é que o setor se proporá a varrer
do mapa a marginalidade? Quando é que o café será tratado como ali-
mento e questão de saúde pública no Ministério da Saúde? Esse regula-
mento do café torrado que não sai é uma agonia interminável. Quando é
que isso ficará pronto e o Ministério da Agricultura transferirá a fiscalização
dos cafés industrializados para a fiscalização estadual? A prorrogação da
consulta pública sobre a regulamentação do café torrado só demonstra
que há um excesso de burocracia, para uma questão que se arrrasta há
anos no Ministério da Agricultura. Mesmo que digam o movimento tem
pretensões democráticas, é desalentador ver as prorrogações para satisfa-
zer o exercício político, meramente político, que numa hora dessas, corro-
borará para o óbito de alguém. Não sou a dona da verdade, confesso-me
cansada de sempre bater de frente, clicando sobre a ponta da mesma faca.
Mas sou uma brasileira indignada e que viveu intensamente este setor por
14 anos e eu não poderia ficar calada, sendo que eu vivo numa democra-
cia, que me permite expor pelo menos a minha indignação com o descaso
com a cafeicultura e com um dos mais fortes ícones nacionais, o café.
Exponho que se o CDPC fosse realmente interessado em dirimir os proble-
mas do setor, todos os aportes legais necessários até o momento já esta-
riam negociados e prontos. Falta é articulação, vontade, motivação, lide-
rança, vontade de tratar o setor público com o ritmo de privado, senso de
construtivismo e visão de que tudo é um empréstimo feito dos nossos
netos ou bisnetos, com valores éticos e morais a serem remunerados com
114
altas taxas de juros à futuro. Não venham me dizer que o tempo do gover-
no é outro. O tempo é de quem paga e coleta a carga tributária mais
densa do mundo e que ao invés de resolver as coisas em tempo real, oti-
mizando o trabalho, a política cafeeira se perde no glamour, nos jantares,
nas reverências, no turismo à Londres que poderia ser resolvido, aplicando-
-se o princípio da economicidade, por meio de teleconferência. E o que
vejo é a morosidade posta para atender vaidades, em detrimento dos in-
teresses dos milhões que não tem acesso à Brasília e ficam na expectativa
de se restringir a ganhar, apenas o próximo concurso de qualidade (ressal-
ta-se que o custo da certificação de propriedades de café ainda continua
inacessível para a maioria, tornando o sonho de conquistar o prêmio, um
doce sonho solitário, não subsidiado. É válido observar que ainda tem
muito cafeicultor secando café em terreiro de terra ou sobre lona, e que
sem dúvida, precisariam de uma mãozinha do Estado, para resolver um
probleminha básico de pós-colheita).
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35A Starbucks, a Rodada de Doha
e os Combustíveis
Publicado em 07 de julho de 2008 na CBM Agroenergia
O recente fechamento de 600 unidades da rede Starbucks nos Esta-
dos Unidos e a respectiva retomada dos negócios por parte de Howard
Schultz, acenam, mais do que uma necessidade de reposicionamento de
uma multinacional em relação a competitividade impressa no boom de
cafeterias naquele mercado. O ato faz com que se reflita sobre os bastido-
res do crescimento geométrico que permitiram que uma companhia atin-
gisse em menos de oito anos 10.000 pontos de venda somente em terri-
tório norte-americano. Mais do que uma febre por consumo de um café
saboroso, verifica-se aí a expressão do modo de vida americano fundamen-
tado sobre o consumismo, que também se reflete em outros setores, como
os relacionados com a matriz energética. Ao lado de China e Índia, que
consomem respectativamente cerca de 6,7 milhões e 2,8 milhões de barris
de petróleo ao dia, com projeção de expansão de crescimento anual de
100% e 50% respectivamente em decorrência da explosão populacional,
os Estados Unidos continuam a ser o principal mercado consumidor mun-
dial, com cerca de 21 milhões de barris ao dia e uma perspectiva de cres-
cimento de consumo sustentado de 15% ao ano. A diferença entre os
asiáticos e os americanos centra-se na questão de que o consumo destes
últimos é restrita à menos de 5% da população mundial, enquantos os
primeiros (China e Índia) comportam mais de 1/3 da humanidade.
Para uma economia fomentada no consumo exarcebado e que não
é signatária de Protocolos como os de Kyoto e de Bali, a recente escalada
de preços dos barris do petróleo (atualmente na casa dos US$ 146/barril),
combustível este que responde por praticamente 35% da matriz energé-
tica americana (gás 22,90% e carvão mineral 22,30%) e a movimentação
da frota de 214 milhões de veículos (automóveis e caminhões), colocou
116
em xeque a capacidade do país em sobreviver ante um blackout de forne-
cimento. Na verdade, ela “abalou as estruturas”. Mais do que convencer
a OPEP quanto a desvincilhar-se da sua estrutura cartelizada em prol da
promoção da equalização de preços em nível mundial por meio do aumen-
to da oferta do “ouro negro”, a busca pela sustentabilidade, por meio da
produção de combustíveis renováveis cujo movimento teve início por lá há
cerca de uma década, começou a ganhar força. Na IIlynois de Barack Oba-
ma, o milho começou gradativamente a migrar da mesa para o tanque dos
automóveis. E o que era exceção, nos últimos anos, tornou-se regra, a tal
ponto da Organização das Nações Unidas colocarem em xeque a questão
dos biocombustíveis, intitulando-o “crime contra a humanidade”.
Mas que crime seria esse?
A fome é uma amálgama sobre a construção histórica da humanida-
de e que como flagelo, deve ser combatido a qualquer tempo. Contudo,
a questão das altas dos preços dos alimentos, especialmente daqueles
oriundos do milho, acabaram colocando em alerta toda a sociedade global.
O milho, assim como o arroz, é estratégico na pauta de alimentação hu-
mana. É certo que o aquecimento global é um fator dilapidador do equi-
líbrio climático e um exímio causador de secas, como a que atingiu o
Brasil nos últimos anos e comprometeu safras de produtos como o feijão,
hoje tidos como um dos vilões da inflação. É certo também que o chinês
está comendo mais, em decorrência da inserção da China na economia de
mercado, assim como o próprio brasileiro está comendo mais, em decor-
rência de programas sociais inclusivos, como o bolsa família, que permiti-
ram que cerca de 30 milhões de excluídos pudessem acessar a mesa. Há
uma crise de alimentos e estes são um dos motivos que forçam inclusive,
a indústria de alimentos norte-americana solicitar em bloco ao presidente
George W. Bush a suspensão do programa de biocombustíveis naquele
país. Recentemente, 138 indústrias assinaram um manifesto fazendo tal
pedido. Apesar do temário, entretanto, não se pode afirmar que o ônus
concentra-se na questão da busca de uma alternativa menos agressiva ao
meio ambiente e que gere e ou elimine a emissão de gases estufa.
O crime, portanto, tem nome e não está no campo. Está na mesa de
diplomatas e se chama subsídio agrícola. Eis o verdadeiro vilão que usa os
biocombustíveis, especialmente o etanol brasileiro e mais especialmente
ainda a Amazônia Brasileira como bodes expiatórios. Apesar do Brasil as-
sinalar no Plano Agrícola e Pecuário 2008/2009 a expansão da fronteira
117
agrícola brasileira sobre áreas de pastagens recuperadas, a Rodada de Do-
ha - rodada de negociação criada em 2001, durante uma conferência da
Organização Mundial do Comércio realizada no Qatar, para discutir a der-
rubada de barreiras comerciais, inclusive subsídios agrícolas - ainda se ar-
rasta causando efeitos funestos. Somente a União Européia coloca todos
os anos em sua agricultura cerca US$ 50 bilhões ao ano, na forma de
subsídios. Esta estrutura cria uma zona de conforto muito complexa, já que
sem a possibilidade competir dentro de regras de mercado profissionais,
que exigem gestão de custos e busca por resultados, como acontece no
caso brasileiro, países como os Estados Unidos e a própria União Européia
passam a restringir cada vez mais os seus mercados, visando proteger sua
agricultura, muitas vezes ineficiente.
Lições como o caso da bovinocultura e do algodão são muito fortes
no que tange à mitigação da competitividade que estes importantes mer-
cados consumidores assumem frente ao emergente processo de constru-
ção das atividades globais de comércio de países em desenvolvimento. Em
decorrência disso, no caso do etanol e demais biocombustíveis, a busca da
certificação e respectiva prática da rastreabilidade será a alternativa mais
eficiente para a performance do “made in Brazil” em mercados exigentes.
Mais ou menos como no caso dos cafezinhos do Schultz...
118
36Barismo na realidade brasileira
Publicado em 23 de julho de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Glamour é uma palavra que combina muito bem com gastronomia.
Especialmente, a alta gastronomia. Na busca pela equiparação do café ao
vinho, algumas inovações emergiram, como por exemplo, a profissão de
barista, italiana invenção, mas que vem ganhando espaço nas sofisticadas
casas de café situadas no país.
Espresso bem extraído, com aquela combinação mágica dos 4 M
(miscela, moinho, máquina e mão do barista). Bebidas à base de café,
equiparadas à obras de arte, dentro de um frenesi de jovens cosmopolitas
que no auge de suas criações intelectuais, tornam-se capazes de imprimi-
-la num microcosmo de uma xícara ou copo. Sedução, envolvimento, ma-
rketing no ponto de venda, glamour, gastronomia, num elo que finaliza
com chave de ouro o trabalho de uma cadeia formada por 10 milhões de
pessoas. O Barista deveria ser eleito o Presidente da República da Cafeicul-
tura Brasileira. Ele é o cara. Mas não é. Ele é apenas uma expressão da
leitura mecanicista em pleno século XXI, dentro de uma engrenagem, o
agronegócio café, que não exitará em substituí-lo por uma máquina, tão
logo seja possível, para reduzir custos trabalhistas. E quem é o barista no
Brasil, atualmente? Com exceção aos nomes que aparecem na linha de
frente, propagando atividade, os jovens brasileiros, de média e baixa renda,
desesperados pelo seu primeiro emprego.
Como profissional da área de Ciências Socias sou obrigada a ques-
tionar a longevidade dessa atividade que só exige perfeição nos tempos e
movimentos e alguma habilidade para desenhar usando calda de choco-
late sobre leite vaporizado. Recentemente os japoneses criaram um robô
barman que atende com perfeição. Isso significa que dentre em breve
criarão um barista robô também, com um banco de dados vasto disposto
119
na sua memória, capaz de personalizar a xícara de espresso e cappuccino,
com a fotografia digital da gente mesmo, dentro de apenas 30 segundos.
Antecedendo a profissão em si, em termos de desenvoltura técnica,
deveria haver o reconhecimento legal da carreira, mas enfocando a cafe-
ologia. Um sommelier jamais será substituído por uma máquina. É esta
arte que o Brasil, como maior produtor de café do mundo deveria apoiar.
Não precisamos que os nossos garotos e garotas sejam treinados para
limpar bem o balcão, mas sim envolver o consumidor com uma gama de
conhecimentos que supera as limitações de uma máquina, e que realmen-
te reflita sofisticação e desenvolvimentismo.
Os campeonatos são bonitos, geram vencedores, mas no fundo, é
tudo inócuo, sem um sentido que traga modificações reais para os rumos
da história do desenvolvimento do Brasil. É trágico quando vejo jovens
trocando suas carreiras de nível superior por um trabalho que dentre em
breve será desmerecido, que equivale às linhas de montagem das indústrias
automobilísticas suecas, no modelo de produção em série média. Isso é o
desespero gerado por problemas macroeconômicos aparentemente sem
solução, que obriga as pessoas a fazerem qualquer coisa para sobreviver.
O Brasil precisa desenvolver o empreendedorismo, para garantir emprega-
bilidade combinada com business intelligence: os próprios regulamentos
dos concursos de baristas são limitadores, quando exigem que os concor-
rentes sejam empregados com carteira assinada, o que torna os concursos
bons somente para os donos das cafeterias e para as torrefadoras. Será
que não está na hora de começar a pensar diferente? Porque o barista
ganhador do nacional não pode ganhar um curso de administração com-
pleto em Harvard e um emprego garantido no Ministério da Agricultura,
no Departamento do Café, quando retornar, ao invés de um troféu dou-
rado e a foto publicada em algumas revistas especializadas do setor, que
passa e pode ser comparado ao frenesi momentâneo docarnaval?
Sinceramente, inteligência comercial é um insumo que na cafeicultu-
ra, compete com a escassez de fertilizantes. Os custos de ambos, na pla-
nilha final do agronegócio, geram impactos negativos semelhantes. Mas
cafeicultura ainda contribui com 6,3%do volume total dos resultados da
Balança Comercial Nacional. Há alguns anos atrás, era 60%.
120
37Construção da sustentabilidade do café pela embalagem verde
Publicado em 31 de julho de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
No que diz respeito à sustentabilidade aplicada ao café, nada subs-
titui o pacotinho de papel, é, daqueles que só é possível adquirir quando
se compra café moído na hora. Contudo, apesar da nostalgia impressas
nas mesmas, em pleno século XXI, não se pode dispensar termos como
tecnologia e inovação, nas discussões sobre desenvolvimento de produtos
sustentáveis.
As embalagens de café atualmente são feitas de poliester ou polieti-
leno, de duas ou três camadas, com um revestimento de alumínio na face
interna mais a impressão com tintas coloridas, na sua face externa (a par-
te que enxergamos na gôndola do supermercado). Essa estrutura, em ter-
mos de visagismo, ainda depende da quantidade de soldas (três, cinco ou
sete soldas), que definem os seus formatos comerciais (single all à vácuo,
double all à vácuo, valvulada, almofada, pouch cinco soldas, stand up
pouch).Existem ainda as embalagens cartonadas e as embalagens em lata.
Com exceção a estas duas últimas, as demais, tem estreita relação com o
mercado de petróleo, em decorrência de um de seus subprodutos, a nafta
petroquímica, que dá origem aos plásticos que conhecemos.
A nafta petroquímica é um derivado do petróleo, com faixa de des-
tilação próxima à da gasolina e tem como principal característica sua liqui-
dez incolor. Desse líquido, são obtidos produtos como o eteno, propeno,
butadieno e correntes aromáticas. Do eteno e do propeno, se extraem os
plásticos. Isso é muito interessante para a compreensão da relação direta
das altas
do preço do petróleo sobre a planilha de custos da indústria de café
nacional, já que boa parte do petróleo leve, que gera esse derivado, é
121
importado. O Brasil é autosuficiente em petróleo pesado, mais utilizado na
produção de óleo combustível.
É importante salientar a partir daí que, considerando que o petróleo
é um combustível fóssil não renovável, querendo ou não, verifica-se que a
indústria de café acaba indiretamente corroborando para o aquecimento
global, o que, sem dúvidas, coloca em xeque o seu programa de certifica-
ção de cafés sustentáveis. A embalagem atualmente utilizada, não é bio-
degradável e muito menos reciclável, especialmente no que tange à cober-
tura interna de alumínio que é imprescindível para a preservação das
características organolépticas do café e minimizar ao máximo, a sua
oxidação. Neste último quesito, ainda não há tecnologia disponível, o que
abre um precedente importante para pesquisas específicas no processo de
reaproveitamento do alumínio do interior das embalagens do café, já que
esse metal é reaproveitável e possui ciclo de vida infinito. Contudo, no que
tange às coberturas plásticas, uma novidade oriunda da cadeia agroindus-
trial da cana-de-açúcar, já foi desenvolvida. O polietileno verde, que é uma
tecnologia 100% nacional, desenvolvida pela Braskem.
O polietileno verde é o resultado de uma composição com 90% de
eteno e 10% de buteno, gases obtidos a partir do processamento da cana-
-de-açúcar, no caso, do etanol. Embora ele seja 30% mais caro que os
convencionais, o produto da Braskem é o único do mundo, feito com
matérias-primas 100% renováveis. Daí eu fiquei pensando no que seria
produzir um café realmente 100% sustentável. Na minha concepção ago-
ra, seria um café que respeita as pessoas (os trabalhadores e não usa mão-
-de-obra infantil), gera desenvolvimento econômico e não gera impactos
ambientais em nenhum dos elos existentes na cadeia produtiva (incluindo
a experiência de consumo em casa). Se toda a cadeia de valor do café for
sustentável, inclusive a embalagem, o marketing disso no mercado inter-
nacional, para a promoção do café brasileiro, é infinito. Café “Made in
Brazil” realmente sustentável... viajei... Tem tudo haver conosco, com a
nossa criatividade, com a pluralidade cultural e racial do brasileiro.
Porque a indústria de café não acordou para esse detalhe fundamen-
tal? É para deixar qualquer país do mundo mortinho de inveja da gente,
mesmo. O marketing de produto é feito de detalhes, especialmente quan-
do esses detalhes refletem uma Responsabilidade Social Corporativa fun-
damentada em tecnologia e protocolos de certificação realmente interes-
122
sados em unificar a dimensão econômica com a construção de
relacionamento com a humanidade estendido ao longo do tempo.
Fica a idéia, que é muito melhor do que o velho discurso sobre a alta
do preço do cafezinho, fundamentada nas altas do preço da embalagem
oriunda do petróleo.
123
37Cafeólogos: os caçadores de raridades
Publicado em 06 de agostode 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Se a qualidade do café do Brasil está melhorando, ninguém tem
dúvida disso. Além do barista, profissional responsável pela promoção do
consumo de cafés, por meio da difusão da arte do expresso, bebidas ge-
ladas e design de cartas de cafés, outro profissional começa a despontar,
como uma evolução natural dos tradicionais degustadores de café: o ca-
feólogo.
A cafeologia quanto atividade profissional é um desdobramento do
movimento de mercado que tem sido feito em prol do desenvolvimento
do mercado de cafés especiais em todo o mundo. Muito mais do que uma
ciência, ela é a arte de interpretar cafés raros, aromáticos, diferenciados.
Grandes cafés são como grandes vinhos, produzidos em condições
edafoclimáticas e ou modos de produção que oferecem a eles per-
sonalidade distinta e superior aos chamados cafés diferenciados, por serem
provenientes das chamadas terroirs d’ appellation. O novo vocábulo, já
inserido no dicionário francês Larousse, foi apresentado pela primeira vez
em Paris aos segmentos de alta gastronomia e hotelaria, em 11 de abril de
2002, pela Dra. Glória Montenegro, atual diretora da Associação de Cafe-
ologia Conhecedores do Café ou Cafeoteca de Paris. Atualmente, no Bra-
sil, só existem dois profissionais que se intitulam cafeólogos, mas na ver-
dade, tal como a profissão de barista, esta nova profissão decorrente da
evolução rumo à qualidade, impressa no contexto do agronegócio café,
ainda é um evento novo, que demanda regulamentação, para adquirir uma
face economicamente marcante. Contudo, já é possível descrever alguns
aspectos interessantes dessa carreira, que conjuga o barismo, a classifica-
ção e degustação e uma ampla bagagem cultural.
O cafeólogo assemelha-se a quatro profissões que lidam diretamen-
124
te com aromas: o enólogo, o perfumista, o aromista e o oleólogo, que são
os profissionais especializados na arte da “leitura e desenvolvimento” de
vinhos, perfumes, aromas e azeites, conforme pode-se observar no Quadro
1, que versa sobre as categorias profissionais.
Quadro 1: Categorias profissionais
Enólogo
Atua em atividades ligadas à fabricação de produtos ali-mentares e bebidas, mais especificamente, vinivitinicultura. Realizam análises sensoriais em derivados de uvas e vinhos para avaliar sua qualidade e suas características. Sua função também lhe permite coordenar atividades de viticultura, re-comendando variedades de uvas, sistemas de condução e espaçamento de vinhedos, práticas de cultivo e tratamento de videiras e analisando índices de maturação de uvas para estabelecer prazos para colheita.
Perfumista e aromista
Atuam em atividades ligadas à fabricação de produtos quí-micos. Suas atividades incluem a avaliação do perfil sensorial e a estabilidade de aromas e fragrâncias, após sua aplicação em produtos. Pesquisam e testam novos ingredientes para formulações de aromas e fragrâncias, obtidos através de rea-ções químicas, biológicas e enzimáticas. Tanto elabora pro-cedimentos para a produção de novos aromas e fragrâncias quanto identificam causas de falhas em aromas, fragrâncias e bases.
Oleólogo
Atua em atividades relacionadas à produção e seleção de óleos e azeites, sendo responsáveis pela análise sensorial, controle de qualidade, tal como acontece no segmento de vinivitinicultura.
Cafeólogo
Tem na cafeicultura a mesma função do enólogo, sendo uma evolução da atividade de desgustador de café, combinada com a arte do barismo. A diferença do cafeólogo para o de-gustador é a expertise do primeiro na arte da apreciação de cafés finos e raros, provenientes de denominações de origem ou regiões sui generis.
Fonte: Senai (2006); Prato Feito (2006); Associação de Cafeologia Conhecedores do Café (2006).
Tal como os demais profissionais, cabe ao cafeológo o domínio dos
aromas que compõem a roda de aromas do café, composta por 36 aromas
básicos, o sistema de classificação internacional, que atualmente segue o
padrão da SCAA e SCAE, que vai de zero a 100, conhecimentos sobre
125
torra e respectivamente, técnicas de preparo da mesa para degustação dos
cafés raros e exóticos, conhecimentos sobre sistemas de produção, colhei-
ta e pós-colheita, bem como a arte do barismo e especialmente.
Fundamentalmente, o trabalho do cafeólogo demanda a combinação
de habilidades físicas (visuais, gustativas e olfativas), na tentativa de iden-
tificar nuances que fazem de determinado café, um produto exclusivo. Por
exemplo, no Brasil, pode-se considerar a exclusividade da acidez cítrica
presente nos cafés produzidos na região da Alta Mogiana (SP) e no Cerra-
do Mineiro (MG), que é a primeira Denominação de Origem do país. Essa
peculiaridade, faz com que, independente do ponto de venda, qualquer
consumidor, ao experimentar cafés dessas regiões, possam identificar sen-
sorialmente sua procedência, em função da característica indelével do pro-
duto servido na xícara.
O diferencial dessa carreira em relação ao barismo, conforme expus no
meu artigo “Barismo na Realidade Brasileira” é a sua longevidade frente à
evolução tecnológica e sofisticação em termos profissionais, principalmente
em termos de remuneração para quem optar em seguir essa carreira.
Infelizmente, as médias salariais divulgadas por algumas entidades
que propagam o barismo, não são condizentes com a realidade. Como
acreditar que um barista em média pode ganhar R$ 1.500,00, dado este
divulgado por instituições ligadas ao agronegócio café, quando mediante
pesquisa junto ao Banco Nacional de Empregos (BNE) e as principais em-
presas de recolocação do país, a média nacional é de R$ 749,00? Nos úl-
timos três anos, tenho militado na área de gestão de pessoas e o que mais
se ouve é a questão da relação custo/qualidade da mão-de-obra.
Na maioria dos casos, conforme pesquisa que também realizei junto
às agências de recolocação on-line, o perfil preferido para o exercício do
cargo de barista é nível médio, com experiência até 02 anos, com salários
oscilando entre 01 e 02 salários mínimos. É válido ressaltar que boa parte
das cafeterias não tem faturamento superior a R$ 100.000,00, o que equi-
vale uma venda mensal de 3.333 quilogramas de café, por mês (equiva-
lente à 466.620 xícaras de espresso vendidas, considerando aqui que um
quilo de café produza 140 xicaras da bebida, usando 7 gramas de pó).
Na ponta do lápis, pode-se se dizer que um barista custa à empresa
aproximadamente 225 xícaras de café espresso, se estas forem remunera-
das a R$ 6,00 cada uma. Se a xícara de espresso custar R$ 3,50, são ne-
cessárias 386 xícaras de café vendidas. Esses valores levam em considera-
126
ção os impactos dos encargos trabalhistas, que por sinal, são os grandes
responsáveis pela gradativa substituição dos profissionais de nível superior
que estão militando nessas funções por profissionais de nível médio, pelo
menos. Infelizmente, nem todo o empresário coloca a qualidade antes do
bolso, mesmo porque o último é que de fato financia o primeiro.
Daí, minha ênfase no investimento na carreira de cafeólogo, em de-
corrência de um conjunto de atributos que a profissão reúne, impossíveis
de serem menosprezados ao longo do tempo, mesmo com ampla oferta
de mão-de-obra especializada.
127
38Heráclito e o dilema da insegurança alimentar
Publicado em 18 de agostode 2008
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
A navegação pelas águas da História remete necessariamente à revi-
sitação da civilização grega e em especial, o pensamento de alguns impor-
tantes filósofos, como Aristóteles, Platão, Sócrates e até mesmo Heráclito.
Este, conhecido como pai da dialética jônica, desafia o homem/a
mulher contemporânea a refletirem sobre a essencialidade e a acidentali-
dade dos elementos que compõem o ciclo da vida. O rio, sempre será o
rio, essa é a essência, contudo, o movimento ao longo do percurso, o
acidental, somente está lá, porque favorece a mudança, que desnuda o
futuro.
Não assumindo aqui às vezes de filósofa, esse tão contemporâneo
raciocínio importa, quando se pondera sobre um elemento fundamental
para a preservação da vida humana que é a saciedade do corpo por meio
do alimento. Como transcender a desigualdade alimentar que afeta mais
de 850 milhões de seres humanos em todo o planeta, se talvez estamos
diante de um cataclisma acelerado, que é o aquecimento global? Será que
a natureza é realmente a madrasta da tragédia ou é a própria mão do
homem que coordena as regras do capitalismo? Recentemente, comecei
a ponderar sobre isso, principalmente quando observo a construção histó-
rica da mais relevante rodada de negociação que envolve a agricultura, a
famosa Rodada Doha, que este ano completa seu sétimo aniversário.
Atualmente, a rodada assumiu o posto deessencial, quando na ver-
dade, deveria ser tratada como uma acidentalidade no curso do rio cha-
mado “Agronegócio Brasileiro”. O mar, chamado mercado, está logo mais
ali à frente, mas alguns desfiladeiros precisam ser enfrentados com requin-
tes de elegância e supremacia empresarial. Atualmente, garimpamos o
128
represamento como alternativa de acordo diplomático, envolvendo a ten-
tativa de criação de pontes entre países emergentes e países desenvolvidos,
na expectativade alocarmos mais euros e dólares para o mercado nacional,
por meio da quebra dos subsídios agrícolas. “Quebrem os subsídios agrí-
colas, que quebramos o protecionismo à indústria nacional”: essa é a bar-
ganha em processo de design, que não é boa, em termos de acordo. Johan
Galtung (professor e fundador do Instituto de Pesquisas da Paz, em Oslo)
expõem muito bem que acordo é estratégia de pobre, que não tem capa-
cidade de ver além do conflito nem tampouco o transcende.
Enquanto o Brasil não transcende essa arena, insistindo em conferir
valores acidentais à rodada, esquece-se do essencial investimento em in-
teligência comercial e na construção de uma marca internacional que con-
ferirão a longevidade comercial anseada pelos milhões de membros que
compõem o agronegócio nacional, os europeus transcendem liberando 1
bilhão de euros para investimentos no futuro grande concorrente brasilei-
ro na área agrícola, o continente africano. E por que as cartas estão lança-
das dessa maneira? Porque a segurança alimentar é essencial para eles. É
uma essencialidade historicamente construída. A acidentalidade na seleção
da origem para a aquisição de produtos de base alimentar não importa.
Essencial é a disponibilidade da oferta para sustentar a dieta e uma políti-
ca de preços
compatíveis com a realidade deles. Em suma: o rio de lá chegará ao
mar de qualquer forma. Com ou sem aquisição de produtos brasileiros.
Não há temeridade em relação à África, quanto vislumbrante possível
futuro celeiro de alimentos do mundo. A maioria dos famintos do planeta
estão lá e uma agricultura pujante seria uma mudança magnífica em ter-
mos de restauração da dignidade humana daquelas pessoas devassadas
pela pobreza absoluta, infernal. Contudo, é preciso olhar a agricultura
nacional com os olhos do marketing e a dinâmica da estratégia, de forma
puramente empresarial, em nível de governo brasileiro.
O Brasil ainda não dispõe de uma marca capaz de conduzir um con-
sumidor de qualquer parte do mundo a dizer: “quero made in Brazil”. Não
somos sinônimos de nada, exceto à pecha de destruidores da Floresta
Amazônica. Pessoalmente, acredito única e exclusivamente naquele dife-
rencial competitivo frente às vantagens comparativas dos outros. O marke-
ting de marca, conjugado com toda a excelência até então construída
dentro da fronteira agrícola brasileira é o elemento de sedução que nos
129
falta. Em suma, a conquista do consumidor estrangeiro, que, no final das
contas remunera o esforço do produtor nacional, com dólares, euros, yens,
yuans, é o único caminho. Os desafios, inclusive orçamentários, são muitos,
mas o mar está logo mais ali à frente.
130
39Do bairrismo ao drawback: um registro
sobre uma mudança de paradigmas no coração da cafeicultura mineira
Publicado em 21 de agostode 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Amanhã, será lançado no município de Lavras, mais especificamente
na Universidade Federal de Lavras, o plano de negócios do Pólo de Exce-
lência do Café. Este projeto, desenvolvido numa ação bipartite entre as
Secretarias de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Ciência, Tecnolo-
gia e Inovação, prometem dinamizar o agronegócio café mineiro, colocan-
do Minas Gerais numa posição de vanguarda e liderança ao longo de todos
os elos que compõem esta cadeia produtiva no Estado, que já detém a li-
derança brasileira na exportação.
Bom, mas este artigo não é exatamente sobre o Pólo de Excelência
do Café. Mas sim sobre uma fala do atual gerente do Pólo de Excelência
do Café, o engenheiro agrônomo Ednaldo José Abrahão, publicada hoje
no caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas, que transcrevo a
seguir: “De acordo com o gerente executivo do Pólo de Excelência do
Café, Edinaldo José Abrahão, não basta a Minas liderar a produção de
café, é preciso agregar valor ao produto utilizando a ciência, a tecnologia
e a inovação. (...) No aspecto de agregação de valor, a formação de blends,
que é a combinação de grãos de diferentes regiões produtoras é uma
necessidade. “O mundo não toma café puro, por isso precisamos importar
grãos de outras regiões produtoras para fazer o que a Alemanha faz”,
argumentou o gerente executivo do pólo.” (Fonte: Café ganha Plano, Ca-
derno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas, 18 de agosto de 2008).
Neste trecho supra, registra-se uma das maiores modificações de
paradigma da política cafeeira mineira, pois ela é uma expressão de mu-
dança profunda no coração da cultura da Emater-MG, no que tange ao
131
café: a aceitação do drawback. Para quem vivenciou a política cafeeira
mineira como tive oportunidade, isso é um salto importantíssimo, porque
a Emater-MG, no seu braço da cafeicultura sempre foi contra até a produ-
ção de cafés blendados com robusta capixaba e rondoniense. A tese era
do café 100% arábica, passando a largo da idéia da importação de cafés.
E o drawback era o que faltava para que o agronegócio café se tornasse
uma plataforma global de cafés que algo que defendi desde a primeira
linha que escrevi sobre o agronegócio café. Finalmente: a tese da compe-
titividade vence, devidamente chancelada pelo coração cafeicultor da
Emater-MG, Ednaldo Abrahão, que no momento atua como gerente do
Pólo de Excelência do Café, sediado na UFLA, que diga-se de passagem,
sempre comungou com o discurso ematerista. É certo que muitos poderão
dizer que um homem ou uma instituição podem mudar de idéia, mas tal
declaração é um divisor de águas, que coloca a indústria de café na dian-
teira, com ou sem prejuízo a produção de café realizada dentro das fron-
teiras mineiras.
Aos cafeicultores, sejam de pequeno, médio e grande porte, somen-
te posso recomendar a certificação para manutenção dos seus negócios
no médio prazo e desejar boa sorte na sua real inserção no mercado inter-
nacional.
132
40The attraction of the Brazilian coffee market
Publicado em 25 de agostode 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Since the 1970s, the Brazilian coffee market has been experiencing
vigorous internationalization. The process was initiated by the German
Melitta, the first foreign firm to enter the domestic market, followed by
the purchase of the traditional União group by the American Sara Lee in
the 1990s. In the meantime, the Italian Illycafe was spreading the espresso
concept in a market used to trading percolator coffees with minimal con-
cern for quality – which undoubtedly revolutionized the commercialization
and distribution of coffees with high value added, as well as the way they
were consumed: in doses. Still in the 1990s, Strauss-Elite (Israeli) and
Segafredo Zanetti (Italian) acquired the Três Corações and Itambé brands,
respectively (though the former was reacquired by the Brazilian Santa Clara
soon after 2000). Finally, the last four year shave witnessed the arrival of
the American Starbucks, the Italian Espressamente (which belongs to Illy-
cafe), the Swiss Nespresso and the Italian Lavazza, which purchased Café
Terra Brasil on the 21st of April of 2008.
But why so much foreign interest in Brazil? The answer is essentially
threefold: the economic growth of the country, the profile of its population
growth and its tradition as a coffee consuming nation.
With an estimated population of 186 million, an average birth rateof
21.2 per thousand in habitants, an average life expectancy of 68years
(IBGE, 2008) and an estimated 4.8% growth rate for 2008 (Banco Central,
2008) – thus making it acceptable to project a growth of per capita income
similar to that observed in 2007 (4%),as well as an expansion of per cap-
ita coffee consumption equal to74 liters (5.53 kg) – the Brazilian market
has become an oasis,mainly with regard to consumption outside the home.
In fact, for the food sector, Brazil is the fifth largest market in the world,
and contrary to European markets, has sufficient elasticity to cope with the
133
rising demand. According to data from InterScience, approximately 36%
of the Brazilian population consumes coffee outside the home. This infor-
mation directly converges with the mode of internationalization adopted
by the leading world enterprises, which generally limit their investments in
Brazil to opening distribution channels for their own brands, mainly in the
Center-South region.
By adhering to this model to expand into the Brazilian market, the
large international firms remain highly resilient, given the possibility of their
processing beans from around the world at plants in their home countries
and subsequently exporting the industrialized products to Brazil, where
coffee of foreign origin is not yet subject to specific sanitary requirements.
In addition, they need not assume the cost of installing plants in the coun-
try, for Brazil has neither technical or tax barriers to the importation of
industrialized coffees. Taken together, these factors dramatically reduce the
cost of gaining access to the domestic market. From the standpoint of
Brazil, the drawback of the scheme refers to capital flight, considering that
both the dollars derived from industrial value added and the possibility of
creating new job posts remain abroad and not in Brazil.
At any rate, it is evident is that the international brands compete with
Brazilian brands for a consumer niche where the price of a cup of coffee
is up to six times more than in other segments. Inaddition, the consumer
is far from faithful, including to his wallet, when it comes to having an
experience that joins pleasure, sophistication and gastronomic multiplicity.
A classic example is therecent frenzy in São Paulo for the Javanese Kopi
Luwak: the “experience” involved drinking a cup of coffee processed in
the intestinal tract of a cat native to the Island of Java (cost per cup: R$
100). The product, held to be the rarest, the most exotic andthe most sa-
vory in the world of coffee, costs a trifling R$ 2 per kg. In contrast, the
prices of domestic gourmet coffees range from R$ 20 to R$ 120 per kg.
It is also clear that, if the Brazilian market is truly ready to absorb such
novelties, the domestic coffee industry should reorganize so as to prepare
itself to face strong competition financed at extremely low international
interest rates; for despite the fact that the 20 largest plants in the country
now process over 65% of the coffee sold on the domestic market, the
profile of the sector still greatly depends on small and medium-sized plants.
The certification programs currently in operation in the country, with their
emphasis on quality and sustainability, indicate that the sector is indeed
134
adapting to the new environment, chiefly by making efforts to reshape the
domestic consumer culture. In this sense, although coffee continues to be
a simple luxury, it should be capable – as Voltaire might have said – of
creating great passions, to the point of the consumer regarding it as more
delightful than athousand kisses.
135
41Quando o santo de casa pode fazer milagre
Publicado em 15 de outubro de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Embora a expansão do consumo fora do lar venha crescendo em todo
o mundo, nunca aquele consumo feito na cozinha de casa, no caso brasilei-
ro, foi economicamente tão importante. Há uma crise mundial lá fora, que
compromete veementemente a oferta de crédito em nível internacional,
gerando como conseqüência direta, a falta de capital de giro, fundamental
para o bom funcionamento de qualquer tipo de empreendimento, especial-
mente ligado à sistemas agroindustriais. Contudo, no Brasil, o café é produ-
to de cesta básica e faz parte do hábito alimentar de 96% da população
nacional, fazendo do nosso país o segundo maior mercado consumidor per
capita do mundo. Isso implica na descoberta de um monte de coisas boas,
ainda que em momentos de turbulência. Vamos ao gráfico.
Evolução do Consumo Interno de Café no Brasil
(milh
ões
de
saca
s)
Ano - período: novembro - outubro
Fonte: ABIC, 2008
Por meio da análise do gráfico “Evolução do Consumo Interno de
Café no Brasil”, é possível verificar que mesmo em momentos de crises
136
internacionais graves (indicadas com a seta azul), como as que ocorreram
em 1994 (Crise do México), 1997 (Crise da Ásia), 1998 (Crise Russa) e 2000
(Crise Argentina), o consumo per capita de café no Brasil não caiu, mesmo
sem a ausência de investimentos em marketing institucional sobre o pro-
duto no referido período.
Pessoalmente, não considero que haja uma crise idêntica à crise de
1929, que historicamente, representa um trauma profundo na história da
cafeicultura brasileira. O cenário é outro e atualmente, dispõe-se em mãos
de um lastro chamado de mercado interno.
Não haverá queima de café e muito menos quebra de bolsa, mesmo
porque temos atualmente a BMF/Bovespa que é a 5ª bolsa de mercadorias
do mundo e não estamos mais vivendo em 1933. O desaquecimento que
ora é percebido é decorrente da retração da ação dos investidores: todos
estão com medo, mas é preciso ter confiança, porque o problema da ca-
feicultura brasileira não é recente. Há muito o setor está imerso em dívidas,
mas pessoalmente acredito em vendas como mecanismo de sustentação
de uma parte significativa do setor no mercado nacional. E ante a instabi-
lidade, torna-se “normal” a volta da aposta na estocagem do produto e a
apreensão dos produtores, criando um problema de acesso à matéria-
-prima também para o mercado interno.
Fora a estocagem, que revela uma estratégia defensiva, há a possibi-
lidade do segmento também lidar com a questão da redução da produção
para a safra 2008/2009. Essa retração, esperada inclusive em âmbito mun-
dial, conforme anunciado pela Organização Internacional do Café na últi-
ma semana, é decorrente de uma combinação de fatores de longo prazo,
como por exemplo, a relação escassez de oferta de fertilizantes e a insta-
bilidade do câmbio, que se tornou mais intensa com efeitos radioativos da
crise norte-americana, que acabou impactando negativamente sobre pra-
ticamente todas as economias mundiais.
Contudo, o cenário acena para esse tradicional segmento produtivo
nacional, a importância quanto à fundamentação de lastro de consumo
no mercado interno, como estratégia de sobrevivência frente à turbulências
internacionais. Seria importante, que além do adiantamento da liberação
dos recursos do Funcafé, os leilões da CONAB fossem intensificados, de
modo a favorecer o escoamento inclusive de uma parte do café para ex-
portação, no mercado nacional. Evidentemente, cairiam os preços do pro-
duto nas gôndolas dos supermercados, mas o subsídio estatal é fundamen-
137
tal nessas horas, para garantir um mínimo de capital de giro ao setor,
conferindo-lhe, assim, fôlego. Funciona bem no caso do frango, pode
funcionar também no caso do café.
Evidentemente, que tal sugestão depende de análise individual em
cada planta industrial, pois a analista aqui, desconhece a planilha de custos
de todas as 1240 torrefações brasileiras, 08 indústrias de solubilização e
2.500 casas de café que existem no país. Mas o que se pretende aqui é
demonstrar que a estratégia da “força tarefa” pode funcionar bem e aliviar
os impactos da crise pelo menos um pouquinho, intensificando a ação das
forças de vendas de cada tipo de processador atualmente sediado no país
e quem sabe, ampliando o investimento em marketing institucional e in-
dividual sobre o café e marcas respectivamente. Marketing em momentos
de crise sempre é uma boa salvaguarda, desde que planejado sabiamente.
Esse fator, o marketing, tem um papel crucial no comportamento de
consumo. Há realmente uma necessidade de se investir em marketing
junto ao mercado interno, mas sem bailarina e adaptação de tico-tico no
fubá, no “ritmo do Brasil”. É preciso comunicação direta, falando com a
dona de casa, sem muita sofisticação, mas com um som que não saia da
cabeça. Embora o setor queira se sofisticar é preciso ter em mente que
quem toma café em volume no Brasil são as classes C/D/E, que têm na
bebida uma parte estratégica da sua alimentação e que não vêem na be-
bida um supérfluo. Dos 17 milhões de sacas processadas e
comercializadas no Brasil, somente 3 milhões são consumidas pelas
classes A/B. Para o consumo de 15 milhões de sacas, pasmém, não há
necessidade de máquinas de espresso, nem certificação, nem de glamour:
basta carinho, sentimento de amizade, uma colher, um coador e uma
garrafa térmica para receber o símbolo do Brasil na sua forma fluída e
aromática,
persuadindo em seguida inúmeros paladares, com o selo da amizade,
da receptividade, que são características tão brasileiras.
No caso do mercado externo, o segmento realmente terá de aguar-
dar até que o câmbio se estabilize e volte a converter o Brasil numa boa
praça para negociação global. Até lá, vender em reais é uma alternativa
importante, pelo menos em partes, porque a exportação tem característi-
cas distintas em termos de negociação. Contudo, deve-se observar que a
idéia de desenvolver o national brand do café brasileiro torna-se cada vez
mais veemente.
138
42Água, o alicerce da cafeicultura
Publicado em 29 de outubro de 2008
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Há relação entre ursos polares em processo de extinção e a água
usada para cultivar, lavar o coco ou descascar a fruta, resfriar o café no
torrador com vapor, e no preparo do cafezinho, espresso ou qualquer
bebida a base de café? Ao que parece sim e muito. Ante a mais longa
estiagem já vista em todo território nacional, castigando as veredas brasi-
leiras com períodos superiores a 60 dias sem precipitações, eis que os
agentes da cadeia agroindustrial do café deparam-se com o seu mais im-
portante desafio: a adequação do seus modos de produção ao crescimen-
to da demanda em relação à oferta da cada vez mais escassa de água
doce.
O Brasil, em pouco mais de 17 anos, consolidou-se como a fronteira
da qualidade: houve o boom dos cafés especiais, os baristas surgiram e até
a Starbucks (rede americana de cafeterias) acabou chegando aqui. A mú-
sica “qualidade”é uníssona e tem se desdobrado em programas de certi-
ficação, comoo recém-implantado Código Comumpara a Comunidade
Cafeeira(4C), que está chegando no Brasil, digamos, a toque de caixa.
Todos falam de sustentabilidade, os programas de certificação têm na sus-
tentabilidade seu mais forte princípio, contudo, a água, que é a chave de
tudo, só aparece na pauta quando a seca sobre as lavouras
cafeeiras brasileiras causa frisson na Bolsa de Nova York (ICE USA).
Falar sobre escassez de água, requera revisão de conceitos dos quais
o mercado brasileiro não está disposto a abrir mão. Como por exemplo,
parar de produzir café para se especializar em produção de água. Daqui a
pouco a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) criará um contrato para a
água, a exemplo do que já vem criando para os créditos de carbono. Em
breve, se continuarmos como estamos, ela será mais valiosa do que o
139
petróleo ou o etanol. Com bases contratuais, nos obrigamos à eficiência,
em razão do custo do desperdício.
Neste verão, o Ártico, pela primeira vez na sua história, foi “brinda-
do” por temperaturas que bateram a casa de 22 graus positivos. As pro-
jeções indicam que, até 2060, não exista mais gelo sobre o Oceano Ártico,
e a elevação do nível do mar deixe de ser medida em milímetros, como é
comumente feito, para ser em metros. Na China, especialistas já apontam
um colapso de falta d’água para daqui a menos de cinco anos, obrigando
parte da população a consumir água de reuso tratada, proveniente de
esgotos.
No caso do café, o impacto do aquecimento global e da falta de água
podem ser sentidos no curto prazo. A falta de chuvas durante o período
da florada e firmamento dos “chumbinhos”, causou uma modificação do
comportamento de investidores na ICE USA, criando uma nova perspecti-
vapara o chamado “Mercado de Clima”. Para quem acompanha as cota-
ções de perto, pôde perceber que a volatilidade foi mais intensa agora
durante o período de seca que assola as lavouras cafeeiras brasileiras, do
que no período tradicional de inverno, quando as possibilidades de geada
criavam cenários altistas extramente remotos (safra 2006/2007).
O déficit hídrico computado pela Fundação Procafé, situada em Var-
ginha foi de 511,5mm (dados relativos a setembro, mensuração no solo
– Estação Experimental em Varginha), considerada uma marca recorde.
Observa-se que mesmo os economistas e analistas de mercado estão ten-
do de rever os seus conceitos fundamentalistas, porque o ambiente mudou
e tem tudo para se agravar no campo ao longo dos anos. Se faltar água,
nem
irrigação será possível, apesar dos investimentos da Embrapa no de-
senvolvimento de variedades climaticamente adaptadas a regiões tradicio-
nalmente fundadas sobre históricos de déficits hídricos severos.
Com a seca, as estatísticas de elevação de consumo no Brasil podem
naufragar por uma única razão: o câmbio. Infelizmente nessas horas, o
fator ambiental não pesa tanto: o negócio são as planilhas financeiras
mesmo, o bolso. E a falta de água nesse sentido, só agrava a questão,
comprimindo a oferta ante a crescente demanda mundial de café. No fim,
quem dará as cartas será o mercado comprador, que terá de fazer esforços
adicionais para satisfazer seus consumidores tradicionais. Estamos a cami-
nho da liderança mundial, com meta
140
estabelecida, segundo os entendidos no assunto, para 2010. Vere-
mos se São Pedro, o mercado internacional, a Fazenda e o Banco Central
deixam... A meta é boa, mas quando se fala de estratégia, algumas variá-
veis incontroláveis podem surpreender e frustrar a emoção dos torcedores.
141
43Cafeicultura: há idéias melhores
que a moratória
Publicado em 03 de novembro de 2008
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Não é possível estabelecer uma crítica à postura dos Sindicatos de
Minas Gerais que anunciaram ontem, a moratória de suas dívidas. Este
grupo representa o elo fraco do agronegócio café, que por paixão, insiste
em manter-se na atividade, ainda que assumindo para si, a realidade da
inviabilidade financeira. Infelizmente, a cafeicultura brasileira não se pro-
fissionalizou tanto assim, a fim de melhor aproveitar as benesses do Novo
Código Civil, como a recuperação judicial, mas eu acredito que toda a
crise nos obriga à mudança para melhor. É uma regra da vida: somente são
diamantes aqueles pedaços de carvão que resistiram à forte pressão im-
postas pelas placas tectônicas que formam nosso planeta.
A cafeicultura está na UTI há muito tempo. A crise americana somen-
te a acentuou. Por isso mesmo, a idéia da moratória é completamente
arriscada, por implicar no futuro próximo, no
comprometimento da reputação do setor. A razão é simples: além
das instituições bancárias que repassam os recursos liberados pelo Gover-
no Federal, quem financia a produção são as empresas de insumos e de-
fensivos agrícolas, que negociam CPR com os produtores.
Moratória, portanto, não é a melhor solução, porque este ato atinge
de morte a reputação do setor, de forma muito grave. Se houver morató-
ria agora, ano que vem as coisas tentem a se complicar, com a total retra-
ção do crédito, oriunda do clima de desconfiança instalado. Quem não
confia, não empresta e não vende a prazo. É preciso lançar mão de estra-
tégias de negociação, mesmo que isso envolva entrega de produto agora
como garantia real do negócio. No curtíssimo prazo, com a retração de
recursos financeiros especialmente de terceiros, não dá para fazer muita
142
coisa, exceto esperar e negociar a dívida com sabedoria. Como disse re-
centemente o presidente francês que também é presidente da União Eu-
ropéia, Nicolas Sarkozy, há algo pior do que a crise econômica: o aqueci-
mento global. O primeiro é reversível, o segundo não.
Embora eu desconheça o teor da Agenda Estratégica da Cafeicultu-
ra, chancelado no último dia 30 de outubro pelo CDPC, sem consulta
pública, gostaria de oferecer algumas idéias para minimizar nos próximos
24 meses os efeitos da crise econômica que o mundo todo atualmente
atravessa que gera no momento, uma acentuação do cenário pessimista
do agronegócio. Ao mesmo tempo, as idéias se tratam de proposições
positivas e inovativas, que podem conduzir o agronegócio café brasileiro
a um novo patamar.
1. Safra Zero subsidiada. – Como 2009 será um ano de baixa biena-
lidade, o governo brasileiro poderia subsidiar até 50% das lavou-
ras cafeeiras brasileiras, que adotarem sistema de podas severas
este ano, visando a redução de custos e ao mesmo tempo,retração
da oferta de café no mercado.
2. Incubação gerencial de propriedades cafeeiras de pequeno e mé-
dio porte - Em parceria com o SEBRAE, SENAI, cursos de adminis-
tração e governos federal e estadual, promover a incubação das
propriedades cafeeiras de pequeno e médio porte, para que estas
atinjam a excelência na gestão de seus custos, num prazo de cin-
co anos.
3. Vinculação da liberação de financiamento oriundos do FUNCAFÉ
para o setor à apresentação de um plano de negócios, com pres-
tação de contas trimestrais às instituições financeiras. O planeja-
mento é a alma de qualquer negócio e sempre oferece âncoras
para os piores momentos de crise. Por meio da obrigatoriedade
junto ao agente financeiro, seria uma questão de tempo até que
todos os cafeicultores que buscam financiamento, conhecerem a
fundo sua planilha de custos. Ao mesmo tempo, haveria um in-
cremento vasto na sabedoria dos tomadores de decisão das pro-
priedades rurais.
4. Programa de estímulo à indústria para modificação do sistema de
compra de café, em nível nacional – promover a integração das
indústrias com os produtores, para que estas corroborem com a
143
aquisição antecipada da produção do café, nos moldes que já são
utilizados nas indústrias do fumo, avicultura e suinocultura.
5. Certificação, certificação, certificação.
As outras medidas que já vem sendo tomadas como a formação de
estoques reguladores (procedimento que nunca deveria ter acabado, por
se tratar uma regra de garantia para a segurança alimentar), assim como
as liberações de recursos para financiamento são formas de minimização
dos impactos da crise no curto prazo, mas também precisam ser readequa-
das ao novo ambiente global, por se tratarem de estratégias antigas, que
a cada ano, perdem sua vitalidade.
144
44País tem suporte e resistência
Publicado em 03 de novembro de 2008
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Em meio a qualquer crise, todo mundo opina tentando compreender
o que aconteceu, pois o raciocínio conjugado à prática corrobora para a
alavancagem necessária para a superação da fase aguda de um tipo de
sismo que sempre anuncia o desmoronamento do sistema capitalista. Mais
uma vez, infelizmente, o mundo depara-se com os ‘tremores’ que colocam
em xeque a compreensão sobre tal sistema econômico: a crise americana,
epicentro do atual abalo econômico global.
A metáfora com o terremoto tem lá seus motivos: na natureza, os
abalos sísmicos, mensurados pela Escala Richter, têm um papel importan-
te na movimentação das placas tectônicas, permitindo o surgimento, por
exemplo, de novos relevos na crosta terrestre, como novas cadeias de
montanhas. Considerando Wall Street o epicentro do atual sismo econô-
mico que assola o mundo e ao mesmo tempo expõe as mazelas da econo-
mia americana, torna-se possível perguntar se tal decadência permitirá a
emersão de novas lideranças econômicas globais, oriundas do bloco dos
chamados emergentes. O Brasil teria em meio a tal sismo, a sua
grande chance de se firmar como economia de primeiro quilate?
Essa pergunta é inquietante, mas é certo que ao longo de toda a
história, nunca o país esteve em condições tão favoráveis para consolidar
sua posição em meio a uma crise do tamanho da que está acontecendo.
Pode ser até um excesso de otimismo, mas nas crises anteriores o país
ainda não dispunha de reservas petrolíferas como as que foram recente-
mente descobertas, capazes de gerar divisas de grande vulto. Ao mesmo
tempo, a participação do agronegócio no mercado internacional não era
tão intensa como o é agora, especialmente em mercados como a China e
a Rússia ou ainda a União Européia, que vez ou outra nos sanciona. Sem
dúvida, há uma escassez de crédito no mercado interno, reflexo do que
145
ocorre em todo o mercado internacional, o que pode comprometer a cur-
to prazo o desempenho das empresas nacionais.
Será que este não se trata do primeiro grande teste da nossa econo-
mia em um contexto que pode vir a se tornar favorável para o país? Veja-
mos o cenário: recessão americana atingindo o mercado europeu e parte
do mercado asiático, assinalando a retração de crédito e consequentemen-
te, criando campo para impactos futuros próximos sobre a oferta global
de alimentos. Rodada de Doha enfraquecida, mas em suave processo de
retomada. Ao mesmo tempo, retração da oferta de petróleo em nível glo-
bal, combinada com a pressão imposta pela própria natureza, por meio do
aquecimento global. Brasil pela primeira vez atravessando uma crise sem
realização de empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional e com
alinhamento político favorável junto aos países do chamado G-77.
Como genuína brasileira, acredito que ante tal cenário, temos supor-
te para agüentar condições de acirramento do ambiente de mercado. É
preciso que o governo, após garantir a estabilidade na fase aguda da crise,
com as oscilações malucas da fuga de capital e das cotações do dólar,
utilize o ambiente para acertar acordos bilaterais com o máximo de nações
que puder. Essa praxe de comércio independe do sucesso de acordos mul-
tilaterais, como o caso da Rodada de Doha, que depende de um ajuste
mais intenso entre interesses nacionais.
Questões de investimento de médio e longo prazo à parte, tal crise
abre precedente importante para o Congresso brasileiro finalizar a reforma
tributária para favorecer a competitividade de nossas empresas, ato que
depende exclusivamente de vontade política. Ao mesmo tempo, é neces-
sário reverter tal captação tributária em favor do incremento das condições
de vida dos cidadãos que aqui residem, otimizando o consumo e ao mes-
mo tempo o acesso a serviços essenciais (saúde, educação, estradas),com
nível de qualidade de vida mais alto.
Já está passando da hora do Brasil ser tratado com a responsabilida-
de necessária, porque ele, assim como nós, está pedindo para crescer de
forma estruturada. Basta apostar na eficiência na gestão pública, na trans-
parência, no bem-estar do povo, na ética, para que somente as coisas
boas comecem a acontecer.
É preciso observar com carinho o caso dos Emirados Árabes, um dos
grandes produtores de petróleo mundial, que já está preparando sua eco-
nomia para um futuro próximo, onde o ouro negro não mais fará parte de
146
sua pauta de exportações. É preciso apreciar o cuidado da Índia, no que-
sito formação de pessoas ao longo dos últimos anos, que hoje a converte
numa das nações do Bric que mais crescem. O Brasil também pode, porque
tem praticamente 1/3 de toda a água doce do planeta, tem milhões de
hectares para agriculturar, sem comprometer a Floresta Amazônica, além
de ter um povo vibrante e brilhante, que faz toda a diferença, sempre.
147
45Mama África, fonte de alimentos
Publicado em 08 de dezembro de 2008
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Johan Galtung, Prêmio Nobel da Paz e experiente mediador, tem um
trabalho valoroso voltado à transcendência e à transformação de conflitos
em paz, no sistema ganha-ganha. Os conflitos, segundo o autor, são pro-
fundamente sérios para todos os envolvidos, não importando o tamanho
deles. Neste sentido, a questão da segurança alimentar apresenta-se como
um tema relevante, uma vez que, o desequilíbrio nesse campo, coloca em
xeque não apenas a estabilidade dos países, mas também os destinos da
própria humanidade.
A temática escassez de alimentos colocou o mundo em polvorosa
desde o início deste ano com a explosão da produção de biocombustíveis
à base de milho, que elevou os preços dos alimentos e ganhou contornos
mais intensos, com a desestruturação da economia americana, que ime-
diatamente, gerou um efeito cascata. Tal situação é agravada pela evolução
gradativa do aquecimento global. Na busca da mitigação do problema
eminente do desabastecimento das mesas de suas populações, algumas
nações têm enxergado na África uma opção para incremento da produção
mundial de alimentos. Mas de qual África tanto se fala? Um continente
tão plural, inquieto e íngreme seria capaz de oferecer tais respostas ao
planeta e ao mesmo tempo, resguardar a sua própria população, com
oferta de desenvolvimento e minimização das disparidades sociais? Talvez
não o seu todo, mas uma parte do seu coração, situada na chamada faixa
Subsahariana.
Essa região é formada, de acordo com o Banco Mundial (2008) por
47 países, entre eles Mauritânia, Cabo Verde, Senegal, Guiné Bissau, Serra
Leoa, Costa do Marfim, Gana, Burkina, Nigéria, Congo, São Tomé e Prín-
cipe, Gabão, Sudão, Ethiópia, Somália, Uganda, Quênia, Angola, Zimbá-
148
bue, Namíbia, Malaui, Botswana, África do Sul, Moçambique e Madagas-
car. Esses países, com características semelhantes à da região do cerrado
brasileiro, já têm recebido grandes volumes de recursos internacionais, por
meio da privatização de suas terras. Países como a China tem estimulado
seus empreendedores a promoverem inversões no continente africano pa-
ra garantir alimentos exclusivamente ao povo chinês, em franca expansão
demográfica. Ao mesmo tempo, a União Européia neste mesmo ano anun-
ciou investimento de 1 bilhão de euros, para projetos ligados à agricultura
naquela região.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agri-
cultura e Alimentação (FAO), dos 850 milhões de pessoas com desnutrição
crônica, 200 milhões vivem na África Subsahariana, sendo que destes,
cerca de 50% vivem com menos de US$ 1 por dia. Isso significa que o
mero interesse na realização de inversões nos países que compõem a re-
gião pode não ser suficiente para mitigar a pobreza. Pelo contrário, podem
intensificar as diferenças. Nesse sentido, há um trabalho interessante de-
senvolvido há algum tempo pela Aliança Internacional de Cooperativas, na
tentativa de promover a interação entre as pessoas das comunidades, a
fim de que elas alavanquem processos de crescimento sustentado por meio
da prática do cooperativismo. Evidentemente que a sustentabilidade é uma
palavra de ordem neste ambiente, marcado por séculos de exploração,
guerras, sangue. Muito sangue. Para uma análise suave em torno do tema
competitividade, é possível a apropriação do olhar do indiano Pankaj Ghe-
mawat, da Harvard Business School. Ele afirma que aproximidade cultural,
oriunda de uma relação colônia e metrópole, pode incrementar o comércio
internacional entre as nações envolvidas em até 300%. Evidentemente que
tal proximidade abre espaço para a construção de um marketing de pro-
duto atrativo aos olhos dos consumidores dos países desenvolvidos, que
são os produtos exóticos. O fairtrade vem depois. Um bom exemplo é o
caso do Jacu Coffee, café processado pelo animal e reprocessado pelos
humanos que fazem bom uso da combinação demanda de mercado e
senso de oportunidade.
Por outro lado, pode-se incorporar ao léxico competitivo, o argumen-
to consolidado do Departamento Americano de Agricultura (Usda), em
torno dos fatores que contribuem para elevação dos preços dos alimentos.
Entre os principais motivos, estão o crescimento da população, a expansão
econômica (desconsiderando-se a atual crise) e o incremento do consumo
149
per capita de alimentos. Além disso, a Usda cita como fatores a retração
da produção global de alimentos, a disparada dos preços do petróleo, o
crescimento do mercado de biocombustíveis, o declínio dos estoques cons-
tantes de alimentos, a desvalorização do dólar, as políticas globais de ex-
portação, as adversidades climáticas, os custos de produção dos produto-
res, como os demais fatores que podem colaborar para a escassez de
alimentos.
A combinação dessas duas perspectivas – comércio internacional e
variáveis mercadológicas – acaba por redundar num tema fundamental
que é a finalização da Rodada de Doha, que, desde a última reunião do
G-20, realizada em Washington, tornou-se a pérola rara, fundamental pa-
ra consolidar a jóia da segurança alimentar.
Sem isso, Johan Galtung certamente terá muito trabalho, porque a
fome é um desafio historicamente consolidado e letal para qualquer nação,
rica ou pobre. Em decorrência dela, que coloca em xeque as necessidades
mais básicas do homem, a civilidade perece. E o conflito não é bom, à
medida que rouba a beleza da vida. Então, a agricultura é uma senhora
valorosa que não pode de modo algum, ser relegada às estatísticas. Já
dizia Abraham Lincolm: que perecessem as cidades, mas não que não
perecessem os campos, pois as cidades ressurgiriam daqueles. Que os pa-
íses que compõem a África Subsahariana se convertam em grandes par-
ceiros para os países latino-americanos e especialmente o Brasil, para a
construção de um mundo melhor.
150
46Algumas coisas sobre importação
de café no Brasil
Publicado em 11 de fevereiro de 2009
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Há uma comunidade no Orkut da qual participo, a “O Barista”. Por-
ventura acessando-a hoje, 06 de fevereiro de 2009, percebi que havia uma
efervescente discussão sobre a degustação de cafés africanos que está
sendo organizada pela renomada barista Isabela Raposeiras, para um gru-
po seleto de pessoas. A peculiar discussão que lá ocorria, levou-me a pro-
duzir a presente reflexão, pautada em uma das minhas especialidades, a
construção da competitividade industrial internacional no âmago do agro-
negócio café brasileiro.
É preciso expor que há muito tempo a indústria de café brasileira tem
dado um jeitinho para fazer com que a importação de cafés se torne uma
realidade no país. Para quem pelo menos leu o Jornal do Café, fica muito
fácil voltar um pouco ao início da década em que vivemos, para rememo-
rar a assinatura do Protocolo ABIC e Pão de Açúcar, que iniciou o bem-
-sucedido projeto na área de cafés desta importante rede varejista nacional,
o Pacafés. Além do referido projeto inovar na área de cafés especiais, ele
também introduziu a importação de grãos de forma muito mais intensiva.
Lembro-me de uma visita à rede acompanhada do diretor de Relações
Institucionais do Pão de Açúcar e da consultora do projeto, Eliana Relvas,
a algumas lojas de café da rede. A presença de cafés de algumas partes do
mundo chamou-me a atenção já naquela época, por acenar a presença de
uma prova real de uma mudança de paradigma no agronegócio.
Acompanho a estatística de importação de cafés torrados todos os
anos e de lá para cá, as altas atingiram um volume de 7,48% ao ano em
termos de crescimento, calculada a média aritmética simples. Evidentemen-
te que tais números são otimizados por um câmbio favorável e um merca-
151
do consumidor mais receptivo, como se pode observar nos dados alusivos
à 2007 e 2008, onde a relação entre o importado total em 2007 e o im-
portado total em 2008, atingiu uma alta de 30,83%, conforme pode-se
observar na tabela “Importação Brasileira de Café Industrializado – Mundo
– 1996 -2008” abaixo.
Importação brasileira de café industrializado – Mundo – 1996 - 2008
Ano
Total
em
US$
Total
Peso
líq.
Kg
Evolução
anual
em %
Não
DescafeinadoDescafeinado Solúvel
US$
Peso
líq.
Kg
US$
Peso
líq.
Kg
US$
Peso
líq.
Kg
1996 290.510 78.519 — 176.730 60.905 863 51 112.917 17.563
1997 821.915 81.680 3,9% 646.280 59.685 9.500 692 166.045 21.303
1998 1.080.444 105.740 22,75% 860.965 70.905 25.709 1.532 193.770 33.303
1999 1.276.048 95.561 -10,65% 1.227.134 92.470 48.508 2.951 406 140
2000 1.407.252 108.812 12,17% 1.327.989 101.767 58.989 5.176 20.274 1.869
2001 1.637.945 121.175 10,20% 1.533.285 111.120 90.962 6.943 13.698 3.112
2002 1.639.964 140.931 14,01% 1.536.530 123.942 69.167 5.669 34.267 11.320
2003 926.128 129.162 -9,11% 822.175 92.582 80.235 9.468 23.718 27.112
2004 1.114.197 115.239 -12,00% 1.013.431 103.385 75.284 7.972 25.482 3.882
2005 1.077.990 96.685 -19,31% 978.272 83.815 60.422 4.570 39.296 8.200
2006 1.471.598 128.016 24,55% 1.324.193 116.609 76.774 5.785 70.631 5.622
2007 2.221.843 175.180 26.92% 1.972.539 155.150 133.989 10.899 160.315 9.131
2008 7.754.494 253.279 30,83% 6.872.202 230.658 789.226 14.052 93.066 8.569
*com base no Sistema Alice Web do MDIC
Se a marca Illycafé foi a pioneira em meados dos anos 1990, ela,
atualmente, passou a ser apenas mais uma das marcas estrangeiras a po-
voarem as gôndolas das lojas do varejo em bairros de luxo situadas nas
principais capitais do país. Deve-se citar ainda, o famoso trabalho realizado
pelo Centro de Inteligência do Café, que promoveu um estudo sobre a
temática, discorrendo sobre os prós e contras da importação. Recentemen-
te, este ganhou um reforço, com os estudos mensais sobre os concorrentes
brasileiros, divulgados mensalmente pelo Governo Mineiro, estado que
ainda é o maior produtor de cafés do país. A finalidade, ao que parece,é
preparar o país em relação à concorrência global, que parece
gradativamente irreversível, conforme é percebido na tabela acima.
152
Outro fato importante para tal arquitetura, diz respeito à chegada da
Starbucks no país. A rede ao desembarcar por aqui, incrementou o coro
industrial sobre a necessidade de abrir fronteiras para a importação de cafés
de todo o mundo, de forma que a agregação de valor pela industrialização
se desse por aqui mesmo. O mesmo vale para a marca Nespresso. Esse coro
ampliou-se durante um jantar em Roma realizado no final do ano passado,
onde o presidente da IllyCafè, Andrea Illy expôs tal temática ao próprio
presidente da República brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva. Atualmente, as
malas dos baristas ao que parece, tem sido o último recurso, para pressionar
o Governo, utilizando, sabiamente, o paladar do consumidor. Já diziam as
nossas avós que “marido bom, se prende pelo estômago”.
É bem verdade que as notas da importação de cafés são suaves, até
mesmo amendoadas e aveludadas, quando se trata da valorização da plu-
ralidade que converge com a diversidade que nos faz um povo único.
Contudo, os interesses do país se sobrepõem aos interesses individuais. Eu
aprendi isso vivendo a cafeicultura. O indivíduo nunca tem razão, nem
tampouco a verdade, tem vazão frente aos interesses do Estado, que é
atemporal, imortal. Então, a importação vista institucionalmente, sem um
aparato legal compatível, torna-se um risco aos interesses públicos. E é
sobre este aspecto que gostaria de chamar a atenção aqui: a necessidade
do aparato legal. Inicialmente, é preciso compreender qual é o interesse
do Estado neste campo?
Considerando-o como um sítio do conservadorismo, com tempos de
execução muito peculiares, percebe-se que a questão centra-se apenas
sobre os alicerces da vontade política. Afirmo que a questão é política
porque há vários estudos já realizados comprovando que economicamen-
te, o café industrializado comercializado no mercado internacional é mais
rentável para o país, aumentando o seu desempenho em termos de
balança comercial. Chega a ser até 20 vezes mais vantajoso para as divisas
nacionais. Desta maneira, resta dizer que para que o país se converta numa
real plataforma competitiva em cafés, a exemplo do modelo alemão, será
necessário fazer algumas opções estratégicas no âmbito político. Neste
sentido, a condição sine qua non é a construção de marcos regulatórios,
que acenem para os brasileiros e para o mundo, que o Brasil é por nature-
za um Estado de Direito. Portanto, nada de malas funcionando como mini-
-conteineres para a promoção de comércio internacional de cafés estran-
geiros em território nacional, especialmente quando se tratar de cafés crus.
153
Um marco regulatório excelente para tal campo envolve visão regio-
nal e permeia relações diplomáticas. Isso implica, por exemplo, na retoma-
da de esforço diplomático na construção de acordos bilaterais e quiçá
multilaterais entre países que compõem, por exemplo, a Organização dos
Estados Americanos, a ALADI e o MERCOSUL. Este processo fomenta a
construção de acordos sanitários e tarifários de forma mais consistente, de
modo que o acesso dos grãos estrangeiros em território nacional dê-se de
forma legalmente adequada e numa linha do tempo, que fomente o equi-
líbrio de energias entre produtores nacionais e externos. Seria como criar
uma Área de Livre Comércio para Cafés, usando como primeiro parâmetro,
a própria América Latina. A proximidade geográfica, sem dúvida, pode-se
prestar como importante oportunidade experiencial em termos técnicos e
científicos, já que o acesso de cafés estrangeiros em território nacional
pressupõe pelo menos, harmonização das normas sanitárias.
Concomitante a tal passo, está o estabelecimento de sistemas de
proteção para os empreendedores do mercado interno, em momentos em
que o ambiente internacional esteja mais competitivo que o nacional. Na
União Européia e mais especificamente na França, tal condição faz parte
do jogo de valorização dos empreendimentos nacionais, que geram em-
pregos e renda dentro do território. Uma mera liberalização de fronteiras
no caso da cafeicultura brasileira, despida deste tipo de sensibilidade, po-
de conduzir a uma bancarrota mercadológica equivalente ao que ocorreu
no país, nos anos 1990, ante a liberalização do mercado ao acesso estran-
geiro. E na cafeicultura, de modo geral, o Brasil tem muito mais a perder
do que a ganhar.
Esse aspecto envolve, por exemplo, sanções para o acesso à mercado,
por meio da construção de barreiras técnicas. Evidentemente, que tais
barreiras poderiam pressupor a obrigatoriedade das marcas e grãos in na-
tura estrangeiros a deterem um certificado de qualidade nacional. Embora
eu e a Associação Brasileira da Indústria de Café tenhamos passado por
um doloroso e traumático processo de divórcio, gosto de pensar na idéia
de que o Programa de Qualidade do Café pode ser esta resposta para
obrigar o mercado internacional que pretende aportar por aqui, a se ade-
quar a uma norma privada nacional, valorizando o princípio diplomático
da reciprocidade.
Não dá para ser hipócrita frente a algo tão bom. É um programa
maduro, genuinamente nacional e que tem condições para se tornar um
154
mini Eurepgap do Café Industrializado no Brasil. Não foi a toa que por
exemplo, enquanto estava redigindo a legislação mineira para aquisição
de cafés industrializados pelo Poder Executivo, que o programa foi incor-
porado de pronto ao aparato legal oficial. Sou da linha que é preciso
premiar a prata da casa, a inteligência nacional, para se almejar qualquer
tipo de desenvolvimento que mantenha princípios cívicos e priorizem os
interesses nacionais.
Logo, é possível verificar que se a vontade política não convergir com
a vontade econômica, abre-se espaço para a ilegalidade, fazendo com que
um simples hábito de consumo de uma xícara de café importado por aqui,
possa se configurar num ato de lesa-pátria. O que não é legal, não é moral,
mas sim uma prática socialmente tolerável, invisível aos olhos do Estado.
Pessoalmente, acredito que o Brasil não precisa de mais exemplos, ainda
que mínimos, de ingerência estatal, fundados sobre o tamanho e a moro-
sidade da máquina.
O que eu quero dizer com tudo isso é que se o padrão de consumo
está mudando por meio da evolução do nível de exigência sensorial no
mercado interno, se há uma possibilidade real de incremento dos negócios
industriais nacionais no mercado internacional com a prerrogativa de pro-
videnciar qualquer mescla de grãos, o marco regulatório é a última fron-
teira a ser conquistada, pois o Estado é o único que não pode dormir em
berço esplêndido: ele responde pela defesa de interesses coletivos, como
disse. A regulação, portanto, é uma apólice de seguro valiosíssima.
155
47O que a Le Creseut pode ensinar
ao negócio do café brasileiro
Publicado em 19 de março de 2009
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Tradicional marca francesa voltada ao sofisticado segmento de alta
gastronomia, com amplo reconhecimento global, as panelas Le Creseut,
confeccionadas a partir de ferro fundido esmaltado, sugiram em 1925 na
pequena cidade de Franois-Le-Grand, situada a duas horas de Paris.
As panelas que atualmente são exportadas para cerca de 70 países
e cujo faturamento atinge cifras superiores à € 200 milhões ao ano, tem
parte da sua matéria-prima, o ferro, importado do Brasil.
Qualquer similaridade desta panela que pode custar o equivalente ao
preço de uma geladeira sofisticada com o café in natura brasileiro, não é
uma mera coincidência. Ao iniciarmos esta reflexão, torna-se capital assi-
nalar que a atividade empresarial embora independente, depende de cer-
tas linhas estratégicas estabelecidas em nível de Estado. A empresa deten-
tora da marca Le Creseut assinala, por exemplo, que parte do grande
faturamento obtido por ela, é decorrente do Made in France, fruto de ação
estratégica internacional da França.
Comparando esta situação com o agronegócio café no Brasil, fica
evidente que são os problemas seculares que o setor carrega que o con-
duzem a um patamar de disputa de energias. Após a elaboração da Agen-
da Estratégica do Café, certas ações não deveriam acontecer. Infelizmente,
no meu ponto de vista, a Marcha do Café só acenou a incapacidade do
Conselho Deliberativo de Política Cafeeira em resolver de forma cabal o
problema do setor, aproveitando a proximidade com o Governo Federal.
Questões fundamentais como a elaboração de uma ação de marke-
ting que se revertesse em aumento da participação de mercado do café
brasileiro com origem reconhecida não acontecem na envergadura em que
156
deveriam, porque a confusão é a principal patrocinadora da commodity
sem rosto, que faz a alegria das grandes torrefações internacionais.
Até quando este será o retrato setorial?
Um setor que não é lembrado na pauta brasileira para a Rodada de
Doha, deveria repensar a sua relevância para o país. Na verdade, o agro-
negócio café vive de história e está perdendo espaço para setores como o
do Etanol, que tem um setor que age de forma articulada e empresarial,
com visão global, com um amplo compromisso com a sobrevivência da
humanidade. Enquanto eles estão reunidos com o herdeiro do trono inglês
para discutir pautas de interesse nacional no contexto externo, a cafeicul-
tura brasileira vaia o presidente da república brasileiro que fortaleceu o
dispositivo que sustenta os índices de consumo de café no país atualmen-
te: o Bolsa Família. Foram só 30 milhões de pessoas que puderam começar
a beber um gole de café todos os dias e que sem dúvida foram determi-
nantes para a elevação dos índices de consumo per capita nacional. Não
defendendo ninguém aqui, mas esse é o perfil comportamental da cafei-
cultura há muito tempo e que precisa ser repensado. O atual, definitiva-
mente, não funciona.
Pessoalmente, os métodos de manifesto deveriam ser mais contun-
dentes e sofisticados. Por exemplo, um manifesto de verdade seria um ato
público no Supremo Tribunal Federal onde todos os senadores e deputados
federais e estaduais, dos Estados onde se produz café no país, assinariam
um termo de compromisso público, lavrado em cartório, aceitando traba-
lhar por um salário mínimo por um ano que fosse, sem qualquer tipo de
regalia, para doarem o dinheiro da economia orçamentária para a agricul-
tura brasileira. Este seria um ato pelo país, sem precedentes, já que mais
de 50% do superávit da Balança Comercial Brasileira é decorrente do es-
forço que vem da agricultura. Seria um ato respeitoso para com as pesso-
as que geram emprego e renda para o país: produtores, industriais, expor-
tadores, que de sol a sol, fazem o país acontecer. Ao mesmo tempo, seria
uma aposta inquestionável no sucesso do Brasil e nos cidadãos que aqui
vivem. Porque não começar este ato maximizando a proatividade da Fren-
te Parlamentar da Cafeicultura? Seria fantástico e mostraria a real força do
setor, gerando comoção.
Por outro lado, verificam-se as alternativas de promoção do café do
Brasil no mercado externo. Creio que a última iniciativa, apesar de discre-
ta, é importante. A inserção da frase “Os melhores cafés do mundo”, nas
157
embalagens de industrializados é algo importante e inteligente e que re-
mete ao sucesso equivalente da Le Creseut. O problema, neste caso, diz
respeito à construção de canais de distribuição, de forma institucional. Um
país que consegue vender projetos na Organização Internacional do Café,
como o Brasil faz, deveria conseguir persuadir também, usando toda a sua
expertise diplomática, setores de comércio, por meio do uso dos cabedais
que já construiu na área de certificação de qualidade. Falta algo neste
sentido na composição da Agenda Estratégica do Café. E isso seria mais
profissional, considerando o que o Governo Brasileiro já faz na área de
Captação de Investimento Estrangeiro no sistema de Venture Capital. Seria
um aproveitamento de know-how e da estrutura do país, que está presen-
te em mais de 90 países com representações diplomáticas que lá estão
exatamente para isso.
Infelizmente, eu não acredito nos números das exportações de tor-
rado e moído apresentados pelas instituições que trabalham com o produ-
to, porque tenho certeza de que são frutos de negociações individuais
realizadas por industriais que estão quebrando a cabeça para acessarem,
praticamente sozinhas, o mercado externo. Isso acontece, porque faltam
os canais que deveriam ser um esforço de negociações natas em embaixa-
das e o país continua a dispor de uma ênfase no mercado interno, que é
o seu sustentáculo. Contudo, a base interna atual já oferece os cabedais
para vôos mais altos. A plataforma interna já está consolidada. Inicialmen-
te, creio que caberia a adoção de práticas de governança corporativa na
gestão dos recursos no foro do CDPC, para que as ações de âmbito inter-
nacional se tornassem mais estratégicas.
Por exemplo, por quatro anos consecutivos o governo Brasileiro pa-
trocina a presença do café brasileiro no Japão. Qual foi o resultado efetivo
em vendas considerando o aporte de investimento até então realizado?
Não há um relatório sequer, divulgado no site do Ministério da Agricultura
dizendo quantos quilos de café foram vendidos, usando erário público. O
que há são relatórios de viagens disponibilizados no Portal da Transparên-
cia do Governo Federal, informando as diárias dos representantes do MA-
PA a tais empreitadas. Acredito que estes números seriam importantes
para fortalecer o negócio e ao mesmo tempo verificar se a estratégia uti-
lizada está condizente com os resultados esperados. A Anacafé quando
acessou o mercado japonês, criou um produto e o disponibilizou em
450.000 vending machines, estrategicamente posicionadas no país. Isso
158
são números palpáveis e que colocam o produtor guatemalteca em alerta
para a competição externa. Porque o Brasil não tem este tipo de posição
objetiva? Um Made in Brazil, dissociado, infelizmente, não quer dizer mui-
ta coisa, portanto.
Muitos ao lerem este texto poderão dizer: é fácil escrever. Pessoal-
mente, me antecipando à esta reflexão, posso dizer, de cadeira, que com
o Estado em mãos, é fácil fazer.
Porque não é feito? A resposta remete à um poema de Gregório de
Mattos Guerra, poeta arcadista, inconfidente. “É a vaidade, Fábio...”
159
48A crise econômica e a agricultura
Publicado em 13 de abril de 2009
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Denominada por alguns como uma releitura de Bretton Woods, a
reunião do G-20, realizada em Londres, além de oferecer importantes di-
recionamentos para a economia global, também trouxe alguns ajustes
relevantes para as discussões em torno do protecionismo no comércio
global.
Pauta prioritária dos países em desenvolvimento, com destaque para
aqueles ligados ao G-7, a questão do protecionismo tem mensurado com
régua titânica a paciência dos negociadores, que desde a primeira reunião
em Doha, no Catar, em 2001, tem se esmerado no sentido de encontrar
um equalizador, especialmente no campo dos subsídios agrícolas. Essa
reunião consolidou esforço dos membros da Organização Mundial do Co-
mércio (OMC), nato em 1999 e que foi ratificado apenas em 2000, como
Artigo 20 do Acordo Agrícola da OMC. Após encontros sucessivos realiza-
dos em Cancún (2003), Genebra (2004), Paris (2005), Hong Kong (2005),
Postdam (2007) e novamente em Genebra (2008), tudo indicava que as
negociações em torno da Rodada de Doha haviam atingido sua falência.
Entretanto, ao que parece, a crise econômica tornou-se um vetor de
oportunidade. Um dos resultados obtidos na reunião do G-20, encerrada
em 2 de abril, foi a ratificação do compromisso de que as 20 maiores na-
ções do mundo não lançarão mão de qualquer tipo de incremento das
suas regras protecionistas até o final de 2010. “Assumimos hoje o com-
promisso de fazer o que for necessário para: (...) promover o comércio
global e os investimentos e rejeitar o protecionismo, para apoiar a prospe-
ridade, e construir uma recuperação sustentável. (...) Reafirmamos o com-
promisso assumido em Washington: de abstermos de levantar novas bar-
reiras ao investimento ou ao comércio de bens e serviços, que impõem
160
novas restrições à exportação. (…) Além disso, vamos corrigir prontamen-
te quaisquer medidas. Assumimos esse compromisso até o fim de 2010”,
diz um dos trechos do comunicado do G20, publicado em 2 abril.
De modo geral, essa perspectiva de médio prazo, um pouco mais de
um ano e oito meses, oferece alguns elementos importantes para o alinha-
var das estratégias que far-se-ão necessárias para a manutenção da com-
petitividade da agricultura brasileira num futuro próximo.
É importante elaborarmos uma pequena análise de cenário, utilizando
alguns fatos recentes. Inicialmente, pode-se citar o pacote de apoio ao
setor agrícola brasileiro aprovado em 31 de março pela Câmara dos
Deputados, que consiste na conversão da Medida Provisória 455 em lei,
autorizando a concessão de subsídios às taxas de juros das linhas definan-
ciamento de capital de giro para agroindústrias, cooperativas e indústrias
de máquinas e equipamentos agrícolas.
Em seguida, o corte significativo de 48%, no orçamento do Ministé-
rio da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), publicado no Diário
Oficial da União, em 30 de março, conforme Decreto 6.808. Há ainda as
questões relacionadas ao endividamento, ao aquecimento global e à ins-
tabilidade cambial, considerando-se aqui a retração do crédito para as
exportações brasileiras, além, evidentemente, da consulta pública que a
Comissão Européia de Agricultura vem realizando para o aprimoramento
de sua política de qualidade. O referendo será divulgado em 27 de maio,
devendo entrar em vigor em 2010. Este último item, em particular, é pre-
ocupante e converge com a benesse do G20 em não se movimentar, em
termos de suas barreiras comerciais, até 2010. Ainda que a China, a Rússia,
a Índia e parte dos países do Oriente Médio tenham passado a fazer parte
dos mercados-alvo para os produtos brasileiros, a União Européia é um
mercado fundamental para o Brasil. Paga em euro e é um mercado-vitrine.
Logo, o corte no orçamento do Mapa, de R$ 1,06 bilhão, não veio em boa
hora.
Certamente, a defesa sanitária no médio prazo sofrerá, abrindo assim
um precedente para um revival da experiência da suspensão das
exportações,como ocorreu no caso da carne, em 2008. Sem recursos apli-
cados na hora certa, a celebrada competitividade do agronegócio brasilei-
ro virará uma mera vantagem comparativa ou pior ainda, uma desvanta-
gem competitiva. Isso sem dúvida seria extremamente depreciativo para o
país e inadequado do ponto de vista comercial, frente aos indicadores
161
globais que atualmente fazem do Brasil um importante player. É preciso
pensar e repensar as estratégias e a infraestrutura, para colher os frutos
desejados mais à frente, no momento certo.
Que os compromissos das lideranças do G20 sejam um recado obje-
tivo às autoridades nacionais de que é preciso acelerar o fortalecimento da
agricultura nacional, de forma a prepará-la para competir com toda a
força, a partir do momento que a última assinatura dos países que com-
põem o quadro da OMC, for colhida no acordo de Doha.
162
49A relação do Decreto Lei nº 399
e a inclusão do café na merenda escolar
Publicado em 21 de abril de 2009
na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café
Desde a sua introdução no país, o café tem importante papel na
composição da dieta do cidadão brasileiro. Tal importância está historica-
mente expressa em uma das importantes obras do artista holandês Debret,
que com suas marcadas pinceladas retratou a venda de café torrado pelas
escravas em plena rua da então capital imperial, a cidade do Rio de Janei-
ro.
Após praticamente financiar uma parte do Segundo Império e aces-
sar a República, o café, entranhado no hábito de consumo do brasileiro,
ganha espaço nos primeiros estudos do país para a composição do Salário
Mínimo Nacional, criado através da Lei n°185 de 14 de janeiro de 1936 e
regulamentado através do Decreto Lei n° 399 de 1938, durante o Governo
Getúlio Vargas. Durante o processo de fixação do Salário Mínimo Nacional,
diversas Comissões do Salário Mínimo, realizaram estudos regionais, a fim
de identificar a remuneração mínima necessária à ser oferecida “ao traba-
lhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capaz de
satisfazer, em determinada época, na região do país, as suas necessidades
normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte” (D L
n° 399, art. 2°), definindo ao mesmo tempo, a Ração Essencial Mínima que
um trabalhador adulto precisaria ingerir ao longo de um mês de trabalho.
A TABELA 1 abaixo, foi extraída do site do DIEESE (1993).
Tabela 1: Tabela de Provisões mínimas estipuladas pelo Decreto Lei n° 399
163
FALTOU TABELA
A análise da Tabela 1 acena que o café tem um papel estratégico
como alimento básico, o que reforça a tese de que o mercado interno
ainda é um grande filão para a cadeia agroindustrial cafeeira e ao mesmo
tempo, chancela a idéia de que o problema da modificação dos parâmetros
de consumo de café, não está concentrado nos estratos populacionais
economicamente desfavorecidos. Na verdade, para tais estratos, a quali-
dade técnica do café é uma externalidade positiva adicional, desde que ela
não implique em elevação do custo da cesta básica mensal da família.
Das atuais 18 milhões de sacas consumidas no país, verifica-se que
cerca de 15 milhões são consumidas na forma de mesclas tradicionais, que
fomentam o crescimento vegetativo do setor na ordem de 4,5% ao ano.
Isso demonstra que mesmo com a ascensão do mercado de cafés especiais,
estruturados sobre um perfil de cafés industrializados importados e cafés
diferenciados, o grande filão comercial, centra-se no café de todo dia,
percolado pelas manhãs, nas cozinhas de 96% das residências brasileiras.
Logo, é importante afirmar que a base de sustentação da economia
brasileira é o consumidor que tem no café um produto estratégico da sua
dieta. Dessa maneira, não existem
consumidores melhores ou piores. À luz desta perspectiva, há a
necessidade de se repensar algumas políticas, dentre elas, a da inclusão do
café na merenda escolar.
Sem ferir vaidades, acredito que é importante salientar a necessidade
de repensar o marco estratégico setorial, posicionando o café como bebi-
da nacional por excelência, sem desprestígio social. O café é por natureza
uma bebida democrática e inclusiva, o que me leva a construir a presente
reflexão sobre a necessidade de fazer da inclusão do café na merenda
escolar, apenas uma força motriz para o acesso ao conhecimento, elemen-
to imprescindível para o desenvolvimento de pessoas e respectivamente,
do país.
Junto do café na merenda, poderiam ir bibliotecas equipadas com
equipamentos de informática, não é mesmo?
Infelizmente, o que prevalece é a mentalidade getulista, da ração
mínima diária, onde o pobre deve ficar grato por um cadinho de comida
e pela sua eterna condição de pedinte. A última campanha do Ministério
164
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, apresentou o Super Café para
um público que não sobe morro e nem toma ônibus de madrugada para
trabalhar, o que de fato é uma pena, porque a elitização do consumo
pode roubar do cidadão brasileiro uma marca cultural, que imprime hos-
pitalidade e simplicidade.
Adélia Prado expõe que o bonito mesmo, é o ordinário cotidiano.
Não há nada de mais profundo, artístico, nutrido de beleza, do que a
simplicidade que ele imprime em nossas retinas. É como a chuva sobre a
lavoura de café. Não tem explicação científica, mais é bonito de se ver. Só
que a simplicidade, quando se trata de política, não pode vir despida de
possibilidades que contribuam para a construção da dignidade humana. É
preciso oferecer o pão e também o ofício. Cadê o livro?
Neste sentido, há uma necessidade de se rever o programa, prestes
a ser adotado por vários estados brasileiros, no sentido de que ele, ao ser
introduzido na alimentação, também gere diferenciais para avida das pes-
soas.
Poder-se-ia inserir na pauta, o conceito de Responsabilidade Social
Corporativa. Evidentemente, que há de se respeitar a vertente econômica,
que certamente está sendo levada a cabo. Se isso não fosse verdade, não
existiriam razões para as negociações em torno
da inclusão do café na merenda escolar na rede pública de educação
do país. Não há alguma filosofia nisso. Há uma heresia contra qual qual-
quer marxista arrancaria os cabelos. Até o momento a lógica é o da neces-
sidade de treinamento o paladar do filho do trabalhador assalariado, com
a sua ração diária de café, certamente oriunda de grãos riados/rio, para
que o setor no Brasil, num futuro próximo, não vá à bancarrota por falta
de clientela.
Urge romper tal princípio, fazendo com que o projeto se torne inclu-
sivo e um vetor de sustentabilidade. Por exemplo, cada escola beneficiada
com o programa, poderia ganhar uma biblioteca equipada com computa-
dores ou ainda, cursos profissionalizantes. Café com cultura combina e
abre um precedente importante para o crescimento intelectual individual
e maximiza as nossas possibilidades quanto país.
Creio ser interessante citar Darcy Ribeiro, para reforçar tal importân-
cia. “O fracasso brasileiro na educação – nossa incapacidade de criar uma
boa escola pública generalizável a todos, funcionando com um mínimo de
eficácia – é paralelo à nossa incapacidade de organizar a economia para
165
que todos trabalhem e comam. Só falta acrescentar ou concluir, que esta
incapacidade é, também, uma capacidade”. (Darcy Ribeiro, em Educação
no Brasil)
Gerar mudanças na vida das pessoas para melhor deveria ser um
compromisso pessoal de cada brasileiro, interessado em colocar o Brasil no
primeiro mundo e não em níveis de países subdesenvolvidos, como vários
países africanos e asiáticos. Se estivéssemos naquele patamar, certamente,
não aceitaríamos o termo ração num aparato legal voltado à alimentação
humana financiada com o salário mínimo, por mais histórico que ela seja.
Isso faz com que o ato de tomar café na escola, conjugado com princípios
de Responsabilidade Social Corporativa, possa ser um passaporte para a
construção da dignidade humana. É nesta vertente na qual eu acredito. A
da dignidade humana.
166
50Um voto pelo equilíbrio financeiro
do setor cafeeiro
Publicado em 29 de maio de 2009
na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café
A leitura do noticiário recente relacionado à política cafeeira brasilei-
ra remeteu-me à minha primeira aula do curso de Introdução à Enologia.
Não sou uma grande enófila, mas aprecio bons vinhos. Fazem bem para
alma e para o humor, além de conterem em si, uma arte expressa por meio
de um legado cultural que invade os nossos sentidos com uma explosão
complexa de aromas e sabores.
Degustando um vinho da região do Vale do São Francisco, senti os
taninos travando minhas papilas gustativas. Era um vinho jovem, de uma
marca renomada nacional, mas um vinho extremamente aromático. Foi
então que o enólogo que nos apresentava os prazeres dionisíacos expôs:
“-Trata-se de um vinho promissor, mas como podem perceber, está dema-
siadamente tânico. Mas notem, são taninos bons, que ora nervosos, devem
se acalmar ao longo do processo de maturação da bebida”.
Pois bem, cabe-me introduzir esta experiência no âmbito da reflexão
sobre a maturação da política cafeeira brasileira. Com trezentos anos de
idade, ainda estamos em plena efervescênciados taninos, como se esta
senhora ainda fosse uma adolescente. O vigor é louvável, mas nada como
a ponderação proporcionada pela maturidade, para se atingir os objetivos
coletivos de uma formamais racional.
Isso significa uma reflexão profunda em torno dos objetivos dos po-
líticos, que evidentemente, no curto e médio prazo, nada temhaver com
os problemas endêmicos da cafeicultura brasileira e dasua respectiva ges-
tão política.
Neste sentido, é salutar uma ruptura de paradigmas que confira ao
cenário político cafeeiro um novo tecido comportamental, onde a compe-
167
titividade do café brasileiro seja o foco principal e não um coadjuvante sem
valor. Inicialmente, é preciso apostar na descoberta de um modelo de ges-
tão corporativa para o setor, pautada pelo equilíbrio financeiro. Desde a
época de Dom Pedro I, o café sofre do mal do endividamento. Creio que
chegou o momento de lutar pela auforia, adotando procedimentos sérios
de recuperação financeira. Quem será o eleito que assinará a Lei Áurea em
prol da rentabilidade e do sucesso financeiro do setor cafeeiro brasileiro?
Inicialmente, creio que é preciso ter em mente que endividamentono
âmbito da gestão pública se resolve com oferta de instrumentos para a
construção de cultura de gestão financeira, transparência, coragem, racio-
nalidade e informação. Talvez minha voz ecoe de forma uníssona, mas
parto da perspectiva que o problema do endividamento não é um proble-
ma de todos os produtores de café. Não seria algo possível do ponto de
vista empresarial. Em meio à turbulência da gestão temerária, há muita
gestão profissional, caso contrário, o agronegócio café brasileiro não exis-
tiria.
Partindo dessa perspectiva, fica mais factível avaliar a prática da ges-
tão para resultados para o setor de café, a qual já é marca registrada dos
governos Paulista e Mineiro no âmbito da gestão da coisa pública. Logo,
se há endividados, quem são? O governo atualmente possui uma lista com
o nome de cada um? Se tiver, emerge a possibilidade da construção de
políticas voltadas à oferta de suporte gerencial customizado.
O Estado tem a obrigação de resolver o problema do endividamento,
mas de forma cabal, atuando de forma na raiz da questão, seja via a cria-
ção de alternativas gerenciais, viabilizadas por meio do uso intensivo de
infraestruturas como as do SEBRAE e do SENAI, seja por meio do perdão
da dívida, como fez com a dívida externa de vários países africanos, que
deviam ao país. A dívida não pode ser mais o mantra do café. É preciso
urgentemente calar este canto, porque ele não é auspicioso.
É válido ressaltar que o perdão da dívida até seria positivo, mas não
garantiria a consolidação da cultura da gestão profissional no coração dos
168
empreendedores do café. O governo como o principal credor do setor tem
condições de evocar a Recuperação Judicial em
massa, para viabilizar uma saída traumática, mas definitiva, diga-se,
respaldada pelo Novo Código Civil.
Como é de amplo conhecimento de todos, o mundo simplesmente
não nos espera. Sem ativos circulantes na mão, a corrida é cada dia mais
desleal e letal. Fica aí minha reflexão, na expectativa de que algo de novo
aconteça.
169
51Diplomacia corporativa no agronegócio
Publicado em 22 de junho de 2009
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
A necessidade de permutar produtos e serviços sempre esteve pre-
sente no cotidiano da história humana. Como tempo, esse processo de
troca, antes limitado somente às microrregiões, passou a ganhar contornos
mais sofisticados, com atravessia de fronteiras nacionais, por meio do uso
de caravanas por terra e caravelas pelo mar. Contudo, o modelo de
internacionalização que conhecemos é bastante recente, por meio
do estabelecimento do Acordo Geral sobre TarifaseComércio (Gatt), firma-
do em 1947. Esse acordo exerceu seu papel ao longo de praticamente
todo o século 20, até 1993, quando sua ação quanto norma de regula-
mentação tarifária foi interrompida durante a Rodada do Uruguai.
Em janeiro de 1995, entretanto, foi incorporada ao corpo de regula-
mentos da recém criada Organização Mundial do Comércio (OMC). Evi-
dentemente, quando se pensa em OMC no âmbito de sistemas
agroindustriais, vem à mente a Rodada de Doha naturalmente, a imagem
dos diplomatas, que respondem pela execução da política externa deline-
ada pelo Estado (país) que representam, pela captação de informações e
pela construção de relacionamentos importantes do ponto de vista do
interesse nacional.
Contudo, é visível também a presença do diplomata corporativo,
tema deste artigo, que também tem participado ativamente dos processos
de defesa dos interesses nacionais, por meio da ação de instituições e or-
ganizações privadas e ou estatais das quais estão à frente. Gilberto Sarfa-
ti (2007), especialista em relações internacionais, denomina diplomata
corporativo como o funcionário de qualquer corporação que opera no
âmbito do mercado externo e que é designado para desenhar e gerenciar
a ação internacional do empreendimento, que pode ser compreendida aqui
170
como sua política externa. Esses profissionais, normalmente formados nas
áreas de direito, administração e relações internacionais têm uma função
peculiar frente à arena corporativa global, cada vez mais caracterizada
pelos processos de investimento externo direto, abertura de capital em
bolsa de valores e globalização das políticas externas corporativas das cha-
madas multinacionais e ou transnacionais.
Nesse processo, o diplomata corporativo tem papel crucial na cons-
trução de relacionamentos com diversos stackeholders, pessoas influencia-
das pelas ações de uma organização, como governos, organizações não
governamentais, instituições e ou organizações relacionadas ao comércio,
consumidores, além de se coletar informações e cuidar da carteira de clien-
tes, fortalecendo as vantagens competitivas e comparativas do negócio. O
foco, portanto, é corroborar para a consolidação da liderança global da
empresa, levando-se em consideração os anseios dos acionistas e investi-
dores expressos normalmente e em seu planejamento estratégico.
No caso de cadeias agroindustriais, especialmente as brasileiras, ao
que parece, a demanda por esse profissional é efervescente tanto quanto
a emergência e oposicionamento do Brasil como líder mundial na produção
de alimentos e biocombustíveis no mundo. Este cenário que é uma vocação
natural do país, sem dúvida, demandará maior arrojo dos empreendimen-
tos nacionais no que tange aos processos de expansão de fronteiras.
Esses processos dar-se-ão por meio do incremento da participação
individual de marcas no contexto externo, da realização de investimento
direto no exterior na construção de plantas em outros países e até mesmo,
abertura de capital em bolsas de valores, de modo a facilitar aquisições,
fusões e consolidação de holdings. Um bom exemplo da conquista grada-
tiva da maturidade internacional pode ser encontrado em uma série de
empresas de capital nacional que atualmente atuam como transnacionais,
a exemplo da Cutrale (citricultura), da JBS Friboi (carnebovina), da Brasil
Foods (fusão da Sadia e Perdigão, frango de corte e suinocultura), da
Branco Peres (cafeterias e café), da Petrobras (biodiesel e etanol de cana-
-de-açúcar), da Embrapa (tecnologia na produção de alimentos), da André
Maggi (sojicultura), da Cosan (açúcar e etanol). Essas companhias que
atuam com parâmetros globais, têm políticas externas corporativas próprias
e atuam segundo seus objetivos empresariais, neste caso, sempre rumo à
liderança global em seus segmentos agroindustriais de atuação.
Pode-se citar ainda as instituições privadas ligadas ao agronegócio
171
brasileiro. Talvez o exemplo mais relevante de todos, por reunir todo o
mainstream das principais instituições ligadas ao agronegócio brasileiro,
seja o Conselho Superior do Agronegócio (Cosag) da Federação das Indús-
trias do Estado de São Paulo (Fiesp). Pode-se citar ainda como exemplos
bem-sucedidos, a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), a Asso-
ciação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abi-
pecs), a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), a Associação
Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), a Associação Brasilei-
ra da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), entre outras.
Observa-se aí, que embora o Estado tenha seu tempo próprio (muitas
vezes extremamente moroso e pautado no princípio da atemporalidade [as
pessoas passam, mas ele, como uma rocha, permanece]), a iniciativa pri-
vada tem um ritmo mais frenético e com ampla capacidade de acelerar os
processos de ação além fronteiras. E o diplomata corporativo tem tudo
haver com essa dinâmica empresarial realizada no presente e no tempo de
uma a duas gerações.
172
52Uma nota sobre a abertura
de capital da Café Toko
Publicado em 21 de julho de 2009
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Dependendo da perspectiva, a proposição constitucional de que os
interesses coletivos devem prevalecer sobre os individuais tem lá sua rele-
vância. Então, estou pedindo licença para dissertar sobre um assunto pri-
vado, que modifica o olhar sobre um negócio secular do país, no caso, o
agronegócio café, assunto de domínio público.
O que as Leis 10.406/2002, 6.404/76, 11.638/2007 têm haver com
a realidade do agronegócio café atualmente? Além oferecerem diretrizes
genéricas para os empreendimentos sediados em território nacional, a par-
tir de agora, assumem importante papel no âmbito do agronegócio café,
a partir do momento em que o primeiro grupo de base industrial do país
ligado à cadeia produtiva supracitada abre o seu capital e se consolida
através de uma holding.
Após o recorde de certificações internacionais obtidos pela CAFÉ
BOM DIA, a consolidação da criação de uma join venture, no ano de 2006,
entre a CAFÉ SANTA CLARA e a STRAUSS-ELITE, pode-se se afirmar que a
abertura de capital da CAFÉ TOKO, doravante GRUPO TOKO, dada na
forma de uma holding, é um divisor de águas que coloca o agronegócio
café ante o movimento de tabuleiro que faltava: o abertura do processo
de consolidação da plataforma industrial de café no país com visão global.
Parece que as distâncias entre as plataformas brasileira e alemã estão
começando a se esmaecer, embora existam ainda muitos quesitos a serem
cumpridos pelo nosso país, no que tange à consolidação da competitivi-
dade nacional.
Falta por exemplo, a consolidação do passo da regulamentação do
drawback de café, portanto, para valorizar a eficiência e a eficácia de um
173
modo gerencial, fundado num modelo 100% nacional, que faz do país um
grande mercado consumidor, a ponto de se tornar “a bola da vez”, no que
tange à captação de investimentos internacionais, especialmente na aqui-
sição de plantas industriais (como no caso da Lavazza), quanto na solidifi-
cação de players globais no segmento de serviços (como no caso da Star-
bucks).
É certo que os movimentos empresariais percebidos nos últimos três
anos nos segmentos industrial e de serviços podem e devem ser tomados
como fatos relevantes, porque se hoje é possível atestar que o país atingirá
em breve a meta de 21 milhões de sacas consumidas ano, somente em
território nacional, tal êxito se deve integralmente à tomadas de decisão
dadas no seio da iniciativa privada.
O mesmo êxito, acredito, deve ser alcançado em breve na área de
exportação de café industrializado brasileiro. É válido enaltecer aqui a ini-
ciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em torno
da imersão dos diplomatas brasileiros em temas relacionados às cadeias
agroindustriais brasileiras.
A abertura de capital assinalada pela CAFÉ TOKO na última semana,
finalizando, areja com ventos inovadores um agronegócio que tem perdido
a sua vitalidade, ao longo dos anos, em razão das desgastantes disputas
políticas, que ano após ano, comprometem o sucesso de uma atividade
tão enaltecedora e apaixonante.
Finalmente, o setor industrial acessa um ambiente (a BMF/Bovespa)
onde as exigências gerenciais são levadas à fronteira da excelência. De
fato, a presença do café no rol de empreendimentos atuantes no mercado
de capitais imprime o ritmo vibrante da economia brasileira, no cafezinho
certificado nosso de cada dia.
174
52A ética coordena?
Publicado em 28 de julho de 2009
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Escrever sobre qualidade do café, considerando o atual (melhor, tra-
dicional) cenário político da cafeicultura brasileira tornou-se uma ameni-
dade primordial, para quem almeja galgar sucesso profissional com mais
facilidade. É como o canto doce e ao mesmo tempo ingrato da cotovia que
desperta Romeu, após amar Julieta, noite adentro pela primeira vez, acom-
panhando a aurora.
O fácil, nem sempre é o melhor... Na obra de Shakespeare, o estra-
tagema utilizado pelos interlocutores culminou na morte trágica de dois
apaixonados em fuga da idiossincrasia. Então, optando pelas pedras de
Drummond, as pedras: a denúncia do Ministério Público Eleitoral contra o
Conselho Nacional do Café (CNC) e da Associação Brasileira da Indústria
de Café (ABIC).
Digamos que para amenizar as arestas dificilmente suavizadas face
ao escândalo, que nem mesmo a lógica política de Max Weber é capaz de
explicar a engenharia política da cafeicultura brasileira... Se Maquiavel co-
ordena, fundado no princípio de que os meios justificam os fins, a reputa-
ção setorial, portanto, não importa, sendo relegada a último plano. Ambas
as notícias nos obrigam a impetrar tristeza em nossos olhares, com vistas
a conduzir à cafeicultura brasileira a uma reflexão sisuda frente a questões
que colocam em xeque os interesses coletivos, no caso a reputação do
setor, que representa o Brasil como seu embaixador, em praticamente to-
dos os países, há pelo menos três séculos.
É preciso rever conceitos e ponderar que a construção de vitórias
fundadas na ética são infinitamente melhores. E o Brasil tem franca possi-
bilidade de galgar esta modalidade de vitória lícita. Somente para que se
possa perceber tal afirmação, na prática, elaborei um check-list de coisas
boas, para refletirmos sobre a real condição de construirmos uma cafeicul-
175
tura competitiva, líder global da tecnologia ao consumidor, sem a necessi-
dade de remoção do brilho do nosso diamante, o agronegócio café, com
a lama de escândalos.
Observem a relação:
1. Site Oficial dos Cafés do Brasil;
2. Super Café;
3. Inclusão do café na Merenda Escolar;
4. Protocolo de Projeto de Lei que Regulamenta a profissão de Baris-
ta no Brasil;
5. Ação Internacional para os cafés Industrializado realizada pela
APEXBrasil;
6. Coffee Club Network;
7. Cup of Excellence, promovidopela BSCA;
8. Programas de certificação voluntários de terceira parte – ABIC e
BSCA;
9. Participação do Brasil no World BaristaChampionship (Campeo-
nato Mundial de Barismo).
Em meio a tantas turbulências na política cafeeira brasileira, é inte-
ressante observar que a gestão profissional tem condições de coordenar o
agronegócio café, sem haver a necessidade de criar interfaces com a imo-
ralidade. Gestão profissional pressupõem isonomia, transparência e com-
portamento ético. Talvez muitos digam “ah, a doação foi um deslize e isso
não vai dar em nada. O jurídico resolve”. Mas no popular, pegar uma
Caneta Bic sem pedir emprestado é um desvio de conduta tão grave quan-
to o assalto ao Trem Pagador. Valores distintos, morre menos gente, mas
os princípios dos atos são idênticos, o que não é bom.
Logo, a reflexão sobre tais atos publicados nas últimas semanas é
fundamental, para que os ajustes sejam realizados na conduta, de forma
que a ética coordene, portanto.
176
53A língua e a competividade agroindustrial
Publicado em 19 de outubro de 2009
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
A língua portuguesa é o único idioma oficial falado nos cinco conti-
nentes do mundo. De acordo com o linguista Domingos Paschoal Cegalla,
cerca de 200 milhões de pessoas têm no idioma seu veículo de excelência
“no processo de transmissão de conhecimento humano e [respectivamen-
te] a base do patrimônio cultural de um povo”. O idioma, que tem no
Brasil seu principal representante, em razão especialmente do tamanho da
sua população, forma, com mais sete países, a Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), também denominados de lusófonos. São mem-
bros da CPLP, conforme Cegalla: Portugal (incluídos os Açores e a Ilha da
Madeira), Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe e Timor Leste. Além desses membros da comunidade,
existem vários territórios que no passado foram possessões lusitanas ou
ex-colônias têm o idioma como língua corrente: Diu, Damão e Goa, na
Índia, e em Macau, na China. Aproximidade idiomática entre tais membros
deve se afunilar com o novo acordo ortográfico e se afunilarão também as
relações internacionais entre os povos natos nesses territórios em decor-
rência da equalização linguística.
A princípio, não há relação alguma entre a qualidade do idioma que
falamos e a competitividade do agronegócio brasileiro, uma vez que a
língua inglesa é soberana: ela é tida inclusive como idioma oficial de ne-
gócios, e o seu domínio, uma necessidade global. O desafio deste artigo,
portanto, é instigar os corações daqueles que respondem pela construção
de políticas vocacionadas ao agronegócio com a impressão de um toque
elegante de cultura sobre possibilidades versáteis para o desenvolvimento
de estratégias de inteligência comercial.
Pankaj Ghemawat, professor da Harvard Business Schooll (EUA), pro-
pôs em 2001 um importante modelo para análise do processo de interna-
177
cionalização, o qual foi denominado de Método Cage. Nesse método, o
autor enumerou quatro tipos de distâncias fundamentais: a cultural, a
administrativa, a geográfica e a econômica.
Cada uma delas, segundo a característica da pauta exportável, em
maior ou menor intensidade, corrobora para o desempenho da participa-
ção dos países no cenário internacional. Contudo, a barreira cultural, ao
que parece, tem apelo significativo nesse processo. Como é possível ob-
servar na tabela 1, o relacionamento entre colonizador e colonizado (a
exemplo da relação histórica entre diversos países colonizados por Portu-
gal) pode incrementar a pauta exportadora em até 900%. O idioma, por
si só, significa um incremento potencial de até 200%.
Tabela 1: Mensuração do impacto da distância
Modalidade da distânciaImpacto no comércio internacional (em %)
Nível de investimento: GDP* per capita (1% crescimento)
+0,7%
Tamanho da economia: GDP* (1% de crescimento) +0,8%
Distância física (1% de crescimento) -1,1%
Tamanho físico (1% de crescimento) -0,2%
Acesso ao oceano +50%
Fronteiras comuns +80%
Língua comum +200%
Bloco econômico regional comum +330%
Relacionamento colonizador-colonizado +900%
Colonizador comum +190%
Política comum +300%
Sistema econômico comum +340%
*GDP: Tamanho e renda do mercado Fonte: Ghemawatt (2001) apud Jeffrey Frankel and Andrew Rose, 2000.
Nesse sentido, a proximidade idiomática pode favorecer significati-
vamente os negócios relacionados à internacionalização de produtos bra-
sileiros de base agroindustrial, porque a língua é a primeira grande barrei-
ra cultural a ser rompida em qualquer atividade internacional. Tal condição
pressupõe a massificação da cultura nacional junto a mercados-alvo im-
portantes.
178
Além da inclusão do idioma na pauta educacional em países que têm
acordos internacionais com o Brasil, a divulgação de todas as modalidades
de expressão cultural brasileiras no mundo é fundamental para que o pro-
cesso de incremento da pauta comercial do país seja exponencialmente
ampliada. O mundo precisa ler Guimarães Rosa, Machado, Drummond e
provar dos ritmos, cores, artes e da pluralidade gastronômica nacional, no
idioma nativo, de forma mais intensiva e permanente, pois é a cultura que
criará a efetiva paixão pelo made in Brazil, que faz toda a diferença para a
economia nacional. Parece utópico, mas não é impossível, considerando
que o Brasil tem embaixadas em pelo menos 131 países e que a contribui-
ção do agronegócio para o êxito do superávit da balança comercial do
país é uma condição essencial.
Ressalta-se, entretanto, que tal prospecção não retira a responsabili-
dade do Estado no âmbito do estabelecimento de acordos comerciais in-
teligentes entre países com potencial de consumo dos produtos nacionais.
Eles são indispensáveis, especialmente após o fracasso das negociações em
torno da Rodada de Doha. Evidentemente que o Brasil, antes vanguarda
na condução desse arranjo institucional global, acabou na retaguarda em
decorrência do fracasso daquele. O Chile tem mais acordos bilaterais e
multilaterais do que o nosso país, o que explica em parte suas interessan-
tes taxas de crescimento econômico.
Logo, a celeridade nas negociações será fundamental para o êxito
dos negócios internacionais brasileiros no médio prazo, uma vez que o
cenário global na produção de alimentos gradativamente tem mudado sua
posição geográfica. A região subsaariana da África está muito mais próxi-
ma de grandes mercados consumidores do que nós.
179
54Uma dor que não espera
Publicado em 25 de janeiro de 2010
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
Em tempos da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudan-
ças Climáticas (CIP-15), realizada em dezembro de 2009, na cidade de
Copenhague (Dinamarca), é preciso discutir a mazela que conduz ao de-
sequilíbrio ambiental: a fome.
Para quem tem fome, no seu estado crônico, não há razões muito
fortes e consistentes para respeitar o meio ambiente e nem tampouco se
preocupar como o aquecimento global. A dor da fome não espera e mata,
frente aos anseios de longa data de nações de todo o mundo, que buscam
medidas para reduzir gases e o efeito estufa na atmosfera, no médio prazo.
Todo dia, 1,020 bilhão de seres humanos, ou seja, um sexto da hu-
manidade dorme com fome, conforme dados do ano passado da Organi-
zação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Deste
total, 53 milhões de pessoas vivem na América Latina e Caribe, sendo que
o Índice Global de Fome elaborado pela FAO (dados de 2009) aponta o
Brasil com 5% da sua população nessa condição. São números que cres-
cem numa velocidade muito mais rápida do que a elevação da temperatu-
ra do planeta.
A questão ambiental é uma pauta relevante e que depende de um
esforço coletivo dos governos, porque se a temperatura do planeta aumen-
tar demais, a raça humana, assim como todo o resto, estará comprometi-
da. Contudo, é preciso compreender que na dinâmica das relações inter-
nacionais, o que importa é a sobrevivência do Estado, portanto, no
curtíssimo prazo, a questão do meio ambiente não passará de um foro
diplomático, que demanda articulação institucional e muito esforço de
negociação para a construção de um consenso.
A cúpula de Copenhague (COP-15) falhou, infelizmente, sinal de que
180
as costuras em prol da mitigação do efeito estufa podem demorar tanto
quanto as negociações da Rodada de Doha ou ainda, poderão não sair do
papel.
O Brasil, desde que sediou a ECO-92, já vem cumprindo o seu dever
de casa na área ambiental: temos uma das melhores legislações do mun-
do nesse campo e, de forma gradativa, ampliamos o cumprimento da
Agenda 21.
Nesse sentido, pode-se dizer que o país tem condições, no curtíssimo
prazo, de zelar pelo atendimento das necessidades básicas de seus cida-
dãos, cumprindo o disposto na Constituição Federal.
Os 5% da população brasileira que dormem com fome diariamente
representam 9,195 milhões de cidadãos, que não têm acesso a um prato
de comida, ao menos, por dia. Isso é desesperador, considerando-se que
o Brasil detém a maior capacidade de produção de alimentos no mundo.
Enquanto essa vergonhosa mazela fizer parte do nosso cotidiano, o
meio ambiente estará em xeque, porque a sustentabilidade ambiental não
se faz sem levar em conta o bem-estar humano.
Sustentabilidade, de acordo com a Organização das Nações Unidas
(ONU) é um conceito sistêmico que reúne as vertentes econômica, social,
ambiental, cultural e político-institucional. Logo, se uma delas estiver fra-
gilizada, o conceito inexiste, na prática. A fome é uma decorrência da
fragilidade das vertentes econômica e social e que gera na sua retaguarda
a prostituição, especialmente a infantil, o tráfico de drogas, de armas, de
seres humanos e de animais, a depredação ambiental e conflitos armados.
Quem não tem acesso a alimentos, todos os dias, não tem dignidade,
nem tampouco “cabeça” para imaginar se as calotas polares da Antártica
vão derreter, se preocupar com quantas espécies de pinguins serão extintas
ou quantos países vão desaparecer por causa da elevação do nível do mar.
Quem tem fome, todo dia, caminha em doses homeopáticas para os bra-
ços da morte. Este é um retrato triste que o Brasil precisava parar de pintar
na sua história cotidiana, porque compromete qualquer ideal de desenvol-
vimento no médio e longo prazos. Acabar com a fome em nosso território
é fundamental para o crescimento do país e para o maior comprometimen-
to da nossa nação com as questões do meio ambiente. É uma condição
sine qua non. É preciso, finalizando, ponderarmos sobre um modelo de
desenvolvimento que privilegie a liberdade e que garanta o atendimento
181
real dos dispositivos constitucionais, entre eles, e, sobretudo,o acesso co-
tidiano à alimentos.
Dizendo um não em caráter sumário a fome, o país poderia respirar
a real liberdade proporcionada pela sustentabilidade, que faz de cada ho-
mem, mulher e criança, seres mais dignos e felizes. Quem está saciado,
tem energia para o trabalho e para a geração de riquezas e prosperidade.
Provaríamos da real democracia, já que todos os cidadãos do país poderiam
ser realmente chamados de cidadãos. Esta deveria ser a ambição do Esta-
do Brasileiro a partir da nova década que chega.
182
55Agriculture, je t’aime
Publicado em 29 de março de 2010
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
O investimento em marketing tornou-se uma tendência mundial pa-
ra a valorização de imagem e ou formação de opinião. No segmento
agroindustrial, essa estratégia de comunicação institucional tem sido fran-
camente usada, em razão de se tratar de um instrumento para tornar mais
visível a importância do setor. Um bom exemplo é a campanha Agricultu-
re, je t’ aime, coordenada pela Comissão Europeia para a Agricultura e
Desenvolvimento Rural.
Este artigo reflete sobre a campanha, porque ela também tem muito
a dizer aos agricultores brasileiros, em particular. Agriculture, je t’aime é
uma ode à valorização dos agricultores europeus e ao caso de amor que a
União Europeia mantém com eles, na forma dos bilionários subsídios co-
merciais, conhecidos como subsídios agrícolas. Oferecidos pelos países
desenvolvidos aos seus produtores, são um dos principais entraves à cons-
trução um acordo sobre as novas regras do comércio global, no âmago da
Organização Mundial do Comércio –OMC. E a campanha Agriculture, je
t’aime representa um forte aceno da União Europeia (UE) a seus produto-
res de que eles permanecerão na atividade e que não existe uma real dis-
posição de construir as tais novas regras de comércio global neste campo
(o agrícola).
Fundada no princípio de manutenção da autonomia sobre a segu-
rança alimentar, esta prática, corrente desde o fim da Segunda Guerra
Mundial (Século 20) e inserida no Plano Agrícola Comum (PAC), diz respei-
to ao incentivo que o Estado oferece a seus agricultores por produto ex-
portado ou produzido, criando uma competitividade artificial, se compa-
radas agricultura subsidiada e aquela que não conta com tais benefícios.
Ao mesmo tempo, funciona como uma política de fixação do homem e da
mulher no campo.
183
Ocorre que tal prática, de acordo com dados da OXFAM International
tem sido responsável pela desarticulação da agricultura de países subde-
senvolvidos e em desenvolvimento, já que o dumping corrobora direta-
mente para a perda de competitividade global dos produtos destes últimos
frente aos produzidos em territórios como o europeu, o americano, o ja-
ponês, entre outros.
No caso da UE, esses subsídios contribuem para a absorção de 49%
dos custos dos produtores inseridos neste mercado comum, ante os orça-
mentos bilionários que podem atingir cifras acima dos 40 bilhões de euros.
O desenvolvimento de estratégias comerciais, ao que parece, no cur-
to prazo, é o único mecanismo de ruptura para com esta competição
desleal da qual a agricultura de países como o Brasil podem lançar mão.
Além da certificação de produtos e processos, que têm forte influência
sobre a transposição das barreiras comerciais que normalmente são atre-
ladas à oferta de subsídios agrícolas, visando a proteção de mercados, a
construção de acordos bilaterais e multilaterais tem se mostrado um recur-
so valioso.
Há, também, uma necessidade de investimentos em marketing de
imagem da pauta agrícola brasileira que somente tem ocorrido lá fora, de
maneira pontual e setorial. Esta, sem dúvida, deve vir atrelada a outro
conjunto de investimentos que passam pela infraestrutura – modais de
transporte mais eficientes e sistema de armazenamento que permita a
comercialização de safras de forma planejada –, financiamento de máqui-
nas e equipamentos e
apoio do Estado às agriculturas de escala e familiar. Esses dois segmen-
tos têm papéis cruciais na busca estabilidade econômica, na manutenção de
superávits dos últimos anos registrados por nossa balança comercial e na
presença nacional em diferentes nichos de consumo em todo o mundo.
Talvez a campanha Agriculture je t’aime tenha incomodado tanto,
porque há muito tempo o Brasil vem recitando nos ouvidos da agricultura
brasileira o Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes, regado ao som
de Amor Vagabundo, de João Bosco e Vinícius, fazendo deste amor uma
cotidiana emoção nelson-rodrigueana.
184
56Café Brasileiro na ICE Exchange:
um indicador de internacionalização
Publicado em 10 de maio de 2010
na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café
Margareth Woods tem uma visão muito arrojada em torno da inter-
nacionalização de negócios. Para ela, “aprender a fazer negócios é como
aprender a tocar instrumentos: demanda talento, trabalho duro e muita
prática. No caso de negócios internacionais, demanda talento adicional,
mais trabalho duro e muita sorte. Além disso, é preciso dominar idiomas
e preparar-se para a realização de viagens e até mesmo morar no exterior”
(p. 09). Iria um pouco além: a internacionalização de negócios depende
também de harmonização dos contratos entre os países, os parceiros ins-
titucionais de negócios.
A leitura do noticiário hoje me trouxe uma notícia feliz: a possibilida-
dede reconhecimento do café brasileiro como origem no Contrato “C” na
ICE Exchange. Uma consulta pública foi aberta para que todo o mundo
possa opinar a respeito. A sugestão pode ser enviada até o dia 15 de junho
de 2010, para [email protected], em língua inglesa.
Para quem ainda não é fluente no idioma do Tio Sam, mas quer
participar deste momento importante para o agronegócio café, sugiro que
não deixe de participar. Escreva as suas idéias em bom português e peça
ajuda a quem sabe. Qualquer coisa, ligue para o Ministério da Agricultura
e peça ajuda para elaboração da versão do seu texto. Como cidadãos
brasileiros, devemos mostrar total interesse por nossa marca.
O importante é participar, rompendo inclusive a barreira idiomática.
Só não vale o uso de tradutores de idiomas, porque os americanos têm
dificuldade de compreender textos produzidos em tradutores instantâneos.
Acertemos nos verbos e nas concordâncias e demonstremos o nosso inte-
resse, falando bem o idioma deles, para defendermos o que é nosso.
185
Ao mesmo tempo, vale outra sugestão. Ante a notícia, gostaria de
sugerir ao DECAF e a BMF/Bovespa que criassem uma cartilha de Boas
Práticas de Comercialização de Café que pudesse ser disponibilizada aos
cafeicultores em caráter emergencial. Uma inclusão na bolsa nova-iorquina
mudará tudo e a grande maioria dos produtores rurais não sabe o que é
hedge, muito menos movimento de candle. A difusão de informação, con-
siderada a possibilidade de aumento do nível de coordenação da cadeia
produtiva, em nível global, obriga em caráter urgente, que o mercado in-
terno se prepare.
O primeiro passo requer uma maior integração entre os produtores.
Um modelo que vem sendo difundido pelo Ministério da Agricultura, Pe-
cuária e Abastecimento e que é bastante interessante é o modelo de con-
domínios. Estes podem ser uma alternativa para os produtores que não
querem se inserir em cooperativas.
O segundo passo, tangencia a própria indústria de café, especialmen-
te a de pequeno e médio porte, que deve se preparar para o aumento da
concorrência. Talvez, tal como já vem acontecendo no âmbito das empre-
sas de eletrodomésticos de médio porte, seja a hora de começar a pensar
em fusões e aquisições.
O terceiro passo, diz respeito ao próprio setor exportador, que deve
se preparar em termos logísticos para desenvolver a importação de cafés.
Pessoalmente, considero a inclusão do café no contrato nova-iorquino uma
grande oportunidade de inclusão do café industrializado brasileiro no mer-
cado global de uma forma mais agressiva. Com a inclusão no contrato,
será possível o industrial brasileiro negociar suas matérias-primas a futuro,
utilizando um parâmetro global, negociado em moeda estrangeira (dólares
americanos).
Este é um avanço importante, já que os padrões de análise sensorial,
ainda que não reconhecidos pelo Estado Brasileiro, estão unificados (me-
todologia SCAA).
Do ponto de vista teórico, a inclusão do café brasileiro como origem
na pauta do Contrato “C” oferece especificidade ao nosso ativo mais caro
e ao mesmo tempo, abre espaço para a harmonização contratual com a
5ª maior bolsa de mercadorias do mundo, que é a nossa. Esta experiência
já está se estruturando no caso do etanol, que abarca também as bolsas
européias.
Voltando à Margareth Woods, pode-se dizer que tal inclusão abre
186
também espaço para a realização mais intensiva de investimento direto
estrangeiro no país. Isso é muito interessante para o setor produtivo, já que
o Brasil é o maior fornecedor de suprimento da indústria de café mundial
(grãos de café in natura). Poderia sim, haver alguns problemas no segmen-
to industrial nacional, mas de acordo com a própria entidade que repre-
senta o setor, a expectativa é que até 2020, somente 100 companhias
coordenem todo o mercado nacional. Ou seja, numa guerra de gigantes
pelo consumidor de café torrado, a “sangria será no próprio braço”.
Este movimento também é relevante, considerada a possibilidade de
aumento das áreas plantadas em áreas exóticas. O Brasil possui parcerias
comerciais com a maioria dos países em desenvolvimento do globo, os
quais, na sua grande maioria, também são grandes produtores de café.
Uma alavancagem do segmento industrial evitaria o aumento da importa-
ção de café industrializado pelo Brasil, que nos últimos anos, de acordo
com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,
não sofreu redução.
187
57Voltemos ao IBC
Publicado em 24 de maio de 2010
na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café
Que o Krugman não me leia: mas eu ouvi dizer que a solução para a
descomoditização do café brasileiro está na regulação da oferta e da de-
manda do produto, a partir de estoques regulados pela iniciativa privada
e pelo governo. A culpa dos desmandos da cafeicultura agora é do Pinda-
ck, tadinho. Porque não pensar também em ressuscitar o Instituto Brasilei-
ro do Café, já que o discurso rechaçado de ontem foi restaurado, a ponto
da Lei da Oferta e Demanda ser apresentada como a grande solução do
setor? Já estou vendo os discursos: “este ato governamental, de grande
relevância, restaura a estima do cafeicultor e a importância da cafeicultura
como grande dama do agronegócio nacional”. “Por favor, esqueçam tudo
sobre qualidade e certificação, o negócio agora é a Lei da Oferta e da
Demanda: qualidade nunca mais, quantidade sim”. “Viva o IBC, gente!!!”.
“Rumo à retomada aos 60% do mercado global”.
Se eu estivesse na Alemanha, eu amaria esta idéia. Lá não se planta
café mesmo. Lá só se importa, torra, reexporta verde, exporta torrado, nas
modalidades torrado em grão e solúvel. Tudo da forma mais competente
e profissional possível. Mas estou no Brasil e eu tenho que discordar desta
nova tese do mercado (A Lei da Oferta e Demanda aplicada aos estoques
brasileiros), porque um discurso desse, pronunciado pelos lábios de quem
quer que seja, é impraticável. Explico. Quando se defende a Lei da Oferta
e Demanda, como parâmetro para o reconhecimento do café brasileiro
como origem no cenário internacional, é preciso inicialmente levar em
consideração o período histórico onde se vive (século XXI) e sobre a qual
tipo de plataforma estamos nos referindo (no caso a de produção), para
se então perceber que esta estratégia de poder sobre o mercado não fun-
ciona mais.
188
Considerada a predominância nos negócios, fundados na comercia-
lização do café verde, referimo-nos à plataforma de produção que é per-
feitamente substituível. Não nos referimos a uma plataforma industrial
pujante, que controla o mercado global e mais de 50% do
consumo mundial. O Brasil precisa compreender que o avanço na
aquisição de terras realizada por meio de investimento direto estrangeiro,
em regiões como o Leste Africano, pode sim modificar a geografia cafeei-
ra global. Basta lançar mão de recursos humanos qualificados e técnicas
de agricultura de precisão, para esta revolução acontecer. Não será a ICE
Exchange que oferecerá a salvaguarda setorial: a negociação de café lá é
crucial, aliás, a negociação desta inclusão se arrasta desde o final do sécu-
lo XIX, quando a NYBOT foi criada e que ao que parece, será conquistada
somente agora, em 2010. Ela criará um parâmetro internacional de preços.
Contudo, não garante contratos com clientes.
Particularmente, estou esperando para ver o que os Adidos Agrícolas,
recentemente selecionados no corpo técnico do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, vão oferecer neste campo. Na minha humilde
opinião, deveriam ter sido captados dentro do Ministério do Desenvolvi-
mento, Indústria e Comércio, por razões óbvias. Comércio não é produção.
Neste sentido, pondero que o problema da descomoditização do
café brasileiro não será resolvido com a retomada do espírito do IBC, que
historicamente foi importante, mas não procede: é um problema de forta-
lecimento de canais de distribuição. Regulação de Oferta e Demanda hoje
em dia, além de ser um método antiquado, não é compatível com os rit-
mos do mercado internacional. Se eu fosse exportadora neste caso, sim-
plesmente criaria novas rotas de comércio, para não ficar dependente do
“grande produtor”: particularmente, quem pensou nesta infeliz idéia de
regulação da oferta e demanda, deveria estudar história do comércio, pa-
ra entender, que um dia, antes das Antilhas, o Brasil na mão dos holande-
ses, também era um grande produtor de açúcar... É assim que o mercado
responde a critérios decontrole insensatos. Tenho para mim que este reco-
nhecimento deorigem na ICE Exchange não sairá de graça para o mercado
brasileiro.
Sou a favor da montagem de uma equipe de vendas internacional e
organização de estoques brasileiros de café in natura, em locais estratégi-
cos. Investiria em pronta entrega do grão. Porque não temos um estoque
189
em Bremen e na Antuérpia, onde estão concentradas mais de 70% das
torrefações alemãs?
Quem tem programa próprio de certificação de café com protocolo
alinhado com os principais protocolos globais, pode mais. Que alguém
repense a estratégia ou que a cafeicultura se cale para sempre.
190
58O mar e a importação de café
Publicado em 30 de maio de 2010
na Revista Cafeicultura, o Portal do Agronegócio Café
Já faz algum tempo que li uma declaração de Aécio Neves, onde ele
lastimava a ausência do litoral em Minas Gerais. De acordo com ele, “o mar chora por não banhar as terras mineiras”. Ante isso, milhares de mi-neiros todos os anos rumam às praias capixabas, fluminenses e paulistas, para aplacar esta dor de cotovelo imposta pela geopolítica. Nem tudo é perfeito, mas o pão-de-queijo é nosso... Êh, marzão...
Pois é, com esta dose de bom humor, gostaria de dissertar sobre um assunto que já é corrente nas minhas reflexões há alguns anos: aconsoli-dação da plataforma industrial no Brasil. A constituição de um novo Grupo de Trabalho, formado no âmago da CAMEX – Câmara de Comércio Exte-rior, para mais uma vez consolidar estratégias para a competitividade in-dustrial, me leva a crer que o mar está para Minas, assim como a importa-ção de café para a cafeicultura brasileira.
Embora o país tenha na última semana celebrado um marco impor-tante, que foi a publicação da Instrução Normativa nº 16, de 24/05/2010, que trata do Regulamento Técnico do Café Torrado em Grão e para o Café Torrado e Moído, é preciso verificar que a inexistência de uma políti-ca industrial genuína para o setor cafeeiro, conduz à imposição de limites às possibilidades de agregação de valor ao café nacional e, por conseguin-te, à competitividade internacional do produto brasileiro. O que existem são políticas agrícolas, onde a indústria de café é um mero coadjuvante da estratégia de agregação de renda ao produtor. Se a visão fosse distinta dessa realidade, a importação de café, após dezenas de estudos realizados mostrando a viabilidade e os impactos favoráveis para a economia do país, já teria saído da gaveta e se convertido em Lei.
Isso fica extremamente claro quando se pondera que os pontos de investimento do Estado, fica concentrado na promoção do consumo com
191
ênfase no mercado interno, controle de qualidade do café, preço e finan-ciamento da produção. A proteção à indústria de café, assim como a ex-portação de café industrializado não o é. Se fosse, os números das impor-tações de torrado estrangeiro não estariam disparando e a importação de café, ainda que restrita aos membros da ALADI, da qual o Brasil faz parte, liberada.
E o Estado não está errado, porque constitucionalmente os interesses públicos devem se sobrepor aos interesses individuais. E o interesse aqui ao qual me refiro é ao interesse público do segmento cafeeiro que gera maior número de empregos e gera maior distribuição de renda.
Ante isso, como fica a tal criação da plataforma industrial?
Há quatro anos estou trabalhando num modelo matemático que final-mente poderá ser facilitar a compreensão dos elementos que consolidam as bases para a contabilização da competitividade industrial do café. Mas dá para adiantar que o principal elemento a ser adotado é o incentivo a con-versação das companhias torrefadoras e de solubilização mais rentáveis de capital nacional, em transnacionais. Explico minha posição numa única frase: café verde raramente sofre interposição de barreiras tarifárias e a transna-cionalização, é um recurso de redução de resistência a produtos em merca-dos consumidores estratégicos. Importação de café para o Brasil não é viável. Transnacionalização de companhias torrefadoras brasileiras sim.
Primeiramente, é preciso considerar que melhor do que ter o café brasileiro negociado na ICE Exchange, seria ter ações de companhias de café brasileiras negociadas na ICE Exchange. Depois, melhor do que expor-tar café verde para transnacionais estrangeiras situadas em mercados con-sumidores estratégicos, é a exportação de café verde para transnacionais brasileiras situadas em mercados consumidores estratégicos.
Se o Brasil investisse numa política dessas, jamais voltaria a enfrentar painéis na OMC ou teria problemas em relação a barreiras tarifárias, que para o caso do industrializado, muitas vezes chega a ser exorbitante. Mui-tos podem dizer que tal ação exportaria empregos. Considerando a tecno-logia industrial de hoje, onde tudo se resolve num botão, eu diria que o número de empregos exportados seriam mínimos, perto do que o país
pode ganhar em termos de remessas de divisas e presença brasileira no
mercado mundial. É por isso que Guarapari e Cabo Frio são as duas
principais praias de Minas.
192
59Agronegócio e narcotráfico
Publicado em 07 de junho de 2010
no Caderno Agropecuário do Jornal O Estado de Minas
A crise de alimentos no mundo e seus respectivos impactos na eco-
nomia em razão da alta dos preços é tema frequente nos meios de comu-
nicação. Lê-se, também, sobre a fome que assola um volume crescente de
países situados essencialmente na África, na Ásia e na América Latina.
Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimen-
tação (FAO) indicam que a massa de famintos atinge 1/6 da humanidade.
Esta situação, além de fomentar o desespero diário em busca da sobrevi-
vência, leva homens, mulheres e crianças a se submeterem a inúmeras
formas de violência, que incluem a cooptação de pessoas pelo crime orga-
nizado, como no caso do narcotráfico.
Uma das principais vítimas nesse campo são os agricultores (homens,
mulheres, jovens e crianças), aliciados ou escravizados para atendimento
dos interesses desse mercado ilegal e bilionário. De acordo com Paul Goo-
tenberg (2005), o comércio de drogas ilícitas gera entre US$ 300 e 500
bilhões anualmente. O vulto econômico deste negócio alia-se à crescente
pressão da demanda mundial, impulsionada por cerca de 250 milhões de
pessoas– conforme estatísticas da ONU relativas ao ano passado -, as quais
imprimem o ritmo do aumento da produção ilegal, concentrada em países
em desenvolvimento na África, na Ásia e na América Latina.
Esse temerário crescimento redundou na Declaração Política e no
Plano de Ação de Cooperação Internacional para Controle das Drogas,
chancelada por 130 países em 2009 e que pretende reduzir a dependência
das drogas; combater o negócio ilícito; controlar elementos químicos rela-
cionados à produção de entorpecentes; erradicar, por meio de cooperação
internacional, ocultivo ilícito e ao mesmo tempo, fomentar o desenvolvi-
mento sustentável; combater a lavagem de dinheiro e aumentar a coope-
ração judicial.
193
O tratado, infelizmente, acena para uma guerra que o mundo está
perdendo. O World Drug Report 2009 aponta que embora se tenha regis-
trado uma redução das áreas plantadas, em decorrência do combate rea-
lizado por instituições especializadas em repressão ao narcotráfico, não
houve um impacto significativo sobre a oferta de entorpecentes, já que a
produtividade por hectare tem aumentado de forma desproporcional, com-
parada ao avanço da repressão.
No caso da papoula (Papaverrhoeas), matéria-prima para a produção
de ópio, verifica-se que a área plantada ficou na casa dos 187 mil hectares,
distribuídos entre os principais produtores: Afeganistão, República Demo-
crática do Laos e Miamar, submissos aos interesses de grupos terroristas,
como os Talibãs. No caso da coca (Erythroxyloncoca), a área plantada nos
principais países produtores – Bolívia, Peru e Colômbia – permaneceu em
175 mil hectares, comandada por grupos guerrilheiros.
Esses três países, em particular, chamam a atenção por conta dos
seus laços históricos com a produção de coca voltada anteriormente ao
atendimento de parâmetros culturais pré-colombianos. A cultura “facilita”
a produção de coca e papoula com “alto padrão de qualidade”. É claro
que a adesão do elo produtor a esta cadeia produtiva bilionária e ilegal não
se dá de forma pacífica. O caso da Colômbia, em particular, permite clare-
za nessa percepção. A ação das guerrilhas, como a Força Armada Revolu-
cionária da Colômbia e o Exército de Libertação Nacional, fundada sem
movimentos campesinos contra o governo colombiano na primeira meta-
de do século 20, no período intitulado “La Violência”, é a principal peça
deste perigoso quebra-cabeça.
Léon Valência, em publicação de 2005, citando Nazih Richani obser-
va que a situação colombiana é dramática, considerando que “um milhão
de agricultores, pequenos camponeses
e trabalhadores agrícolas” têm na produção de entorpecentes um
meio integral ou parcial de sobrevivência. Esta dependência fica mais evi-
dente quando o autor explica que naquele país, o rendimento da coca
pode se equiparar ao do café,em termos econômicos.
“Por uma boa qualidade, o traficante paga, em média, US$ 1 mil por
um quilo de pasta de coca. Depois de comprar suas provisões e pagar seus
trabalhadores, o agricultor pode tirar para si cerca de US$ 325”. Esse valor
pode explicar os motivos pelos quais a produção tem aumentado, embora
a análise não deva se restringir à vertente econômica. O medo aliado à
194
pobreza dilacerante, à fragilidade das democracias e do próprio Estado são
outros elementos que também devem ser colocados na balança.
Mais de 3,6 milhões de produtores rurais colombianos, 90% dos que
foram expulsos de suas terras, engrossaram, sobremaneira, a geração de
bolsões de pobreza nos centros urbanos, provocada pela expansão da
violência desde o início dos anos 1980. Muitos, fugindo de tal situação,
atravessaram ilegalmente a fronteira de países como o Brasil. Mais de 7 mil
pessoas são mantidas, hoje, como reféns das guerrilhas, sendo que mais
de 50 mil já perderam suas vidas por não concordarem com as políticas
das guerrilhas.
Essa rota de violência coloca o país no topo do ranking mundial das
vítimas de minas terrestres: mais de 10 mil pessoas, na maioria, produtores
rurais, foram atingidas por estes artefatos paramilitares, os quais, quando
não matam, deixam sequelas terríveis pelo resto da vida. Esses dados indi-
cam que os impactos do narcotráfico sobre a agricultura são temerários,
podendo contribuir de forma decisiva para a insegurança alimentar.
195
60Da privatização da marca
Cafés do Brasil: uma reflexão
Publicado em 30 de junho de 2010
na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café
Em tempos de Copa do Mundo, os brasileiros lembram que são bra-
sileiros e todas as formas de viculação das coisas que mais amamos às
cores da Bandeira Brasileira, são atos muito bem quistos pela comunidade
de modo geral. O artigo da jornalista da Embrapa, relembrando a Copa de
1982, onde os Cafés do Brasil foram um dos patrocinadores do evento foi
muito simpático e me levou a escrever este aqui, alusivo a legalidade do
registro da Marca Cafés do Brasil, que a princípio é um Ativo Imobilizado
da União, por um ente privado no Instituto Nacional de Propriedade Inte-
lectual e Industrial, o INPI.
Não vou dedicar meus escritos aqui à entidade privada que também
mantém sob sua “guarda” o Centro de Inteligência do Café, Ativo Imobi-
lizado de propriedade do Estado de Minas Gerais, dedicarei sim estas linhas
a discutir sobre o aparato legal que tangencia a questão. Para tal, além de
consultas ao site do INPI, Portal do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (base do Sislegis e da legislação alusiva ao Agronegócio
Café) e ao Portal da Transparência, lanço mão aqui do disposto na Cons-
tituição Federal (mais especificamente, das matérias alusivas ao Direito
Administrativo), na Lei nº 6.404/1976, na Lei
nº. 9.279/1996 e na Lei nº 11.638/2007 e da Portaria nº 184/2008,
do Ministério da Fazenda.
A quem couber, segue a minha pergunta: considerando que a marca
Cafés do Brasil é um bem incorpóreo da União, há no âmbito do aparato
legal brasileiro, algum recurso que autorize um ente privado, sem prévia
imposição de ato administrativo publicado no Diário Oficial da União, a
lançar mão deste referido bem e registrá-lo junto ao INPI, transformando-
196
-o num bem incorpóreo particular? O ato de registro realizado pela enti-
dade privada em relação a este imobilizado historicamente público e que
foi transferido pela Lei nº 8.029/1990 para a União, é legal?
Observando o art. 12, da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, fica
claro que o conjunto de bens imóveis do patrimônio das autarquias (no
caso, o Instituto Brasileiro do Café), não sendo absorvidos pelas entidades
que as absorvessem ou as sucedessem, deveriam ser incorporados ao pa-
trimônio da União. Conjugando o disposto no art. 179 da Lei nº 6.404/1976
com o art. 5º da Lei nº 9.279/1996, verifica-se que os ativos imobilizados,
classificados como bens corpóreos e incorpóreos, envolvem a propriedade
intelectual e marca, classificados como ativos intangíveis, pela Lei nº
11.638/2007.
Assim sendo, é importante refletir sobre este registro realizado pelo
ente privado, criada pelo Departamento Nacional do Café, nos anos 1950,
para identificar o café produzido no Brasil. Nas atuais condições, não é
possível deixar de se ponderar na possibilidade do ente privado cobrar
royalties sobre o uso da marca num futuro próximo. Algum agente já
calculou o Goodwill da marca Cafés do Brasil hoje, para comparar ao seu
valor, após sua vinculação a ICE Exchange?
Na matéria que li, produzida por um técnico da Embrapa Café, está
expresso que a entidade privada autoriza o uso da marca, desde que todos
os membros relacionados ao agronegócio café brasileiro, sigam os padrões
dispostos no Manual do Uso de Marca por ela produzido.Transcrevo abai-
xo o texto de CAMPOS (2010):
“Hoje a \”Cafés do Brasil\”, registrada como marca no ano 2000 no
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela [entidade privada],
é utilizada para identificar em todo o mundo os cafés de origem brasileira.
O logotipo \”Cafés do Brasil\” pode ser utilizado, segundo a [entidade
privada], pelo Governo Brasileiro, empresários e exportadores em seus pro-
dutos, contanto que sua aplicação siga as instruções contidas no \”Manu-
al de uso da marca\”. Este manual estabelece as corretas aplicações da
marca, conhecida como \”raminho do café\” e a \”logotipia\”, ou seja, o
desenho da letra no qual a letra s, em vermelho, representa os diversos
tipos de café que são produzidos no país. O uso correto da marca cria
identidade para os cafés brasileiros e contribui para o fortalecimento da
imagem da cafeicultura brasileira no Brasil e no exterior”.
Observando o disposto na Portaria nº 184/2008, as demonstrações
197
contábeis públicas devem estar alinhadas com a legislação internacional,
que redundou na publicação da Lei nº 11.638/2007, que modernizou a Lei
nº 6.404/1976, o que torna a evidenciação dos ativos intangíveis, como a
marca Cafés do Brasil, na contabilidade pública da União, uma obrigato-
riedade.
Assim sendo, o registro da marca pela entidade privada não tem
validade jurídica, já que inexistem, atos administrativos que tenham trans-
ferido a ela a autorização do uso do bem público, para exploração comer-
cial. Ainda que a entidade privada leve a cabo o “pacta sunt servanda” no
momento, decorrente de algum acordo realizado informalmente em 2000,
é preciso que a comunidade cafeeira brasileira leve a cabo também que no
mundo jurídico, o “rebus sic stantibus”, também é uma possibilidade.
198
61Café Conillon: o ‘boi de piranha’
da cafeicultura
Publicado em 12 de julho de 2010
na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café
Há dez anos faço análise do mercado do café e a história é sempre a
mesma: quando falta arábica no mercado, por causa da bienalidade baixa,
e o custo de produção da indústria de café sobe, o café conillon vira vedete.
Dei o nome de ‘boi de piranha’ a este artigo, porque este é o nome
dado ao boi que é sacrificado pelos boiadeiros, quando precisam fazer
atravessia de rios cheios de piranhas (peixe carnívoro que povoa algumas
bacias hidrográficas brasileiras) no Pantanal Mato-grossense. Eles pegam
o boi mais fraco, com menos valor agregado, sangram o boi e jogam no
rio, abaixo. Os boiadeiros esperam que o cardume ataque o boi. Enquanto
as piranhas comem o boi vivo, os demais animais, sadios, atravessam tran-
qüilos e seguem para as novas pastagens, onde ganham mais valor agre-
gado. Enquanto o preço da saca do arábica está na estratosfera, o conillon
quebra o galho, atendendo as necessidades do mercado, por ter um preço
historicamente mais baixo.
Não existe política de valorização do café conillon: existe sim, política
deformação de preço de café industrializado, para não gerar impactos
assustadores para os consumidores. Com a alta estimada de 12% no pre-
ço do café, que ainda é tratado como produto da cesta básica do brasilei-
ro, há um risco eminente da meta de 21 milhões de sacas consumidas ano
não serem atingidas nos prazos projetados. Isso me permite a dizer que a
idéia de produção de café conillon de altíssima qualidade é apenas um
subterfúrgio para aumentar a rentabilidade industrial, aumentando a par-
ticipação deste grão nos blends em até 40%, que é uma tendência global.
Um aumento dessa natureza não seria ruim, desde que politicamente, o
processo de compra tivesse continuidade, independente das condições do
199
mercado de café arábica. A história comprova que esta necessária conti-
nuidade não existe, porque o que coordena a ação de compra industrial é
o preço da saca de café, combinada com o padrão de qualidade mínimo
aceitável para a composição de qualquer blend. Não há nada alusivo a
qualidade nisso: apenas matemática e gestão financeira. O produtor de
café conillon é o primeiro a sofrer quando a produção o preço da saca do
café arábica atinge patamares aceitáveis mercadologicamente e o Governo
Brasileiro investe em estoques reguladores. Quando a saca do arábica vol-
tar a ficar barata, ninguém vai se lembra de que o conillon existe, exceto
a indústria de café solúvel, que historicamente é o principal cliente deste
grão em nosso território.
O café conillon ainda é a base estratégica para a formação do blend
do café tradicional que é vendido no Brasil. Mais de 90% do café indus-
trializado vendido no Brasil é tradicional e ele precisa ficar entre os limites
superiores e inferiores de preços para que os consumidores brasileiros não
o substitua por chá mate. Em microeconomia, o chá é considerado o pro-
duto substituto do café.
O uso é relevante, porque o grão de robusta (ou conillon) impacta no
aumento de sólidos solúveis na mescla, além de ampliar a cremosidade do
café espresso: ele possui mais óleo por grão do que o arábica e em razão
disso, o espresso produz mais creme. Ao mesmo tempo, como sua bebida
é neutra, ele equilibra os defeitos do arábica e confere maior corpo a be-
bida. Trabalhei um tempo com classificação e degustação de café e os
resultados com o uso de robusta sempre foram fantásticos. Apesar de
todas as suas características nobres, o conillon somente é lembrado nos
momentos de crise e é para este ponto que quero chamar a atenção.
Para que o mercado de conillon se firme de forma consistente, o
primeiro passo seria a revitalização do contrato futuro de café conillon na
BMF/BOVESPA, vinculada a estratégia de criação maciça de Indicações Ge-
ográficas. Estes dois itens permitiriam a criação de linhas exclusivas de
cafés industrializados 100% conillon. Depois é preciso investir num pro-
grama de educação para consumo exclusivo para esta modalidade de café.
A idéia historicamente defendida não é a do “um país, muitos sabores”?
Não é exatamente isso que o S adicional presente na marca Cafés do Bra-
sil quer dizer? Observem que até mesmo o Super Café é um grão de ará-
bica. Ele tinha de ter um irmãozinho, levemente alongado, como um grão
de robusta é.
200
Se não for assim, eu não acredito em política de valorização do Café
Conillon no Brasil. Ano que vem a bienalidade do arábica estará em alta e
a minha tese será comprovada. Estamos acompanhando... Espero estar
errada, sinceramente.
201
62Comentários sobre o negócio
dos micro-lotes de cafés
Publicado em 12 de julho de 2010
na Revista Cafeicultura, O Portal do Agronegócio Café
O setor cafeeiro tem umas oscilações interessantes: de uma semana
para outra, submergiu o assunto drawback e emergiu o tema micro-lotes
de cafés especiais e a adição de robusta no espresso. Bom, hoje escreverei
sobre os micro-lotes, que foi pauta de uma entrevista que cedia o Coffee
Break em 2004. A tendência está se confirmando seis anos depois. Na
época, eu disse que o café um dia seria vendido como chá: em caixinhas
lindas, onde as varietais estariam estampadas nos pacotinhos, prontos pa-
ra o preparo e consumo. Hoje já existem as cápsulas, o que me permite
dizer que em breve, o pacotinho de café deve se concretizar em algum
laboratório da área de Engenharia. Naquela época, não havia me embebi-
do ainda nas águas das políticas públicas, mas hoje, como já as provei, é
possível lapidar o raciocínio com mais de meia década de vida.
Inicialmente, o micro-lote não deve ser tomado como uma política
pública para a construção do mercado de cafés especiais do país. Ele é um
mero recurso de marketing. E um recurso de marketing extremamente
pontual. Para elucidar a questão, remeto-me a uma fala do Secretário de
Agricultura do Estado de Minas Gerais, Gilman Viana Rodrigues, que ao
discorrer sobre o Concurso Estadual de Qualidade do Café Mineiro, dizia
que antes de criar os micro-lotes, era preciso certificar todo mundo. Minas
Gerais hoje possui um dos programas de certificação pública de proprie-
dades cafeeiras que deveria ser adotado em nível nacional, porque esta é
uma necessidade estratégica e que deve ser financiada com os recursos do
FUNCAFÉ. Do ponto de vista de política pública, o micro-lote, é perfumaria,
assim como a semelhança com as caixinhas de chá. Seria um item de lapi-
dação um diamante que ainda, apesar dos seus mais de trezentos anos de
202
história, ainda encontra-se em estado praticamente bruto. Acredito que
em cinco ou dez anos, quando os grandes países consumidores já tiverem
construído outros canais de fornecimento de cafés para seu mercado, que
o Brasil, mantidas as condições atuais, enfrente um embargo branco tão
duro como o que enfrentou o mercado de carnes recentemente. O embar-
go foi tão letal que simplesmente quase deixou o Brasil sem indústria fri-
gorífica.
Certificação é sinônimo de defesa sanitária. Um país como o Brasil,
que tem na agricultura uma das suas mais relevantes bases econômicas,
tem como obrigação, cuidar deste assunto primeiro. É uma questão de
segurança nacional, à medida que a ausência de defesa sanitária consis-
tente impede que o país assuma o controle global do negócio de alimen-
tos, que é a nossa atual vantagem competitiva. Os micro-lotes são recursos
de marketing que devem ser tratados dessa maneira. Não podem ser tra-
duzidos como parâmetro de qualidade, porque são cafés produzidos es-
pecialmente para concurso. Nada mais, pois podem não sintetizar o todo
de uma propriedade. Eles têm de se distinguir do composto cafés especiais
e tornarem-se uma vírgula dentro de um nicho, chamados de grand crus
de terroir. Por isso são produtos exclusivos para leilão e consumo especia-
líssimo, nada mais.
203
63Sobre a Café Damasco
Publicado em 24 de novembro de 2010 no Portal Administradores
Vez e outra ainda dou uma espiadela para ver as novidades no mer-
cado cafeeiro. A novidade, depois da IN nº 16/2010 do MAPA, é a aquisi-
ção da Café Damasco pela Sara Lee. Pessoalmente este assunto não é uma
novidade. Nem a compra, nem o cenário. Em tempos de investimento em
qualidade, sobreviverá quem tiver um caixa mais bem administrado. É o
fluxo de caixa que fará toda a diferença, pois é ele o único que poderá
financiar toda a tecnologia necessária para torrar o café tecnicamente
perfeito e ser envasado em embalagens com design arrojado. É o caixa que
financiará a competitividade e as estratégias de marketing e distribuição.
Isso independe de política, depende, aliás, de capacidade de gestão.
Creio que aí está o viés que fará toda a diferença para o cenário in-
dustrial brasileiro que anda um tanto de salto alto, talvez, pela concentra-
ção do volume de vendas de café nas mãos dos dez maiores empreendi-
mentos do país. 72,90% do café torrado no Brasil é produzido por dez
empresas. Ou seja, isso acena que os demais 27,10% podem ser degluti-
dos pela competição que, em minha opinião, ficou mais injusta com a
impetração da IN nº 16/2010 do MAPA. De um lado, ela estimula a quali-
dade do café para o consumidor, mas de outro, não cria as condições de
fomento financeiro para a sobrevivência do micro e pequeno torrefador
que certamente, no curto prazo, entrará em rota de colisão e extinção.
Digo isso com base no meu olhar de consumidora: por exemplo, as
gôndolas de café da cidade onde atualmente moro que fica a 780 km de
Cuiabá, estão mais coloridas e eu não preciso mais comprar café especial
pela internet, porque já há indústrias que entenderam que aqui também
há consumidores interessados em saborear um café diferente. Há uma
única máquina de café espresso na cidade, mas o café é excelente, porque
evidentemente alguém fica na cola. Toma-se até cappuccino italiano, com
204
leite espumado e cacau em pó, que não fica devendo para nenhuma boa
cafeteria. O que isso significa? Que indústrias locais estão tendo que se
esforçar mais para conseguir matérias-primas de melhor qualidade, para
tentarem sobreviver. Passear num supermercado, quando se tem noção de
mercado é uma aula prática de autofagia. O pequeno a cada dia diminui
o seu preço, mas ao mesmo tempo, investe em tecnologia, para ver se o
consumidor continua acreditando no seu produto e marca. Mas quem não
é adepto às novidades?
Olhando tal questão, é possível compreender o volume de demissões
realizado pela Sara Lee ao assumir a Café Damasco: trata-se de estratégia
de redução de custos. Em indústria, depois do café, a mão-de-obra é o
item que mais impacta nos custos. Quem pode pagar por um torrador com
capacidade de 500 kg/hora, não precisa de muita gente dentro da planta
industrial. Basta uma ou duas para apertar os botões, que demandam
conhecimento em língua inglesa e informática.
Creio que a tendência é aumentar esta modalidade de prática.
205
64Sobre a alta do preço do cafezinho
Publicado em 27 de março de 2011 no Portal Administradores
A Organização Internacional do Café (OIC) projetou para 2010/2011
uma safra de 133,7 milhões de sacas, o que significa um incremento de
8,3% em relação ao ano anterior. Para o mesmo período, a organização
prevê para o Brasil uma safra de 48 milhões de sacas. O consumo mundial,
ainda de acordo com ela, é de 132, 5 milhões de sacas, enquanto o Brasil
respondeu por 19 milhões de sacas. O estoque mundial para esta safra é de
13 milhões de sacas, embora ele signifique uma retração na ordem de 33%
em relação ao estoque mundial na safra passada, de acordo com a OIC.
Isso significa que ainda há uma margem de segurança de 14,2 mi-
lhões de sacas no mundo. É importante ressaltar que neste ano, a cafei-
cultura brasileira está no seu período de baixa bienalidade, o que significa
que ano que vem, a natureza pode oferecer o conforto que o mercado
procura. Dependerá das condições climáticas e dos tratos culturais realiza-
dos em campo. Levando-se em consideração a Lei da Oferta e da Deman-
da e o estoque remanescente, será que está faltando café mesmo? Será
esta a grande causa da alta do preço do cafezinho no país? Essas são duas
questões sobre as quais qualquer agente ligado ao agronegócio café no
Brasil deve ponderar, mas levando em consideração o perfil do seu seg-
mento de atuação. Ou seja, a planilha de custos do cafeicultor não é a
mesma planilha de custos do industrial do café ou do dono da cafeteria.
A indústria de café é dependente também dos preços do petróleo, já
que ele afeta o custo de distribuição (gasolina) e também o preço da to-
nelada da embalagem, já que o polietileno e o poliéster presentes nos in-
vólucros são subprodutos extraídos dessa commodity. Houve também uma
alta no preço do alumínio, que também compõe este insumo importante.
Até que se descubra uma tecnologia melhor, este é um dado não dispen-
sável em análise técnica. Além disso, conta com a questão do custo da
206
mão-de-obra, relacionada ao aumento do salário mínimo. Estes itens, de
modo geral, respondem por 25% a 30% da planilha de custos da indústria.
O café, embora responda por 60% da planilha, gerou impactos fortes na
indústria, porque comumente esta não trabalha com estoque físico de
matéria-prima nem tampouco pratica hedge para travar preço. Com os
ataques especulativos observados nas últimas semanas ao café na ICE Ex-
change e que refletiram na BMF/Bovespa, a alta do preço do café para o
consumidor era uma tendência natural.
No caso do produtor de café, houve altas nos insumos que são utili-
zados para fertilização e outros tratos culturais, como defensivos agrícolas,
além do próprio custo com a mão-de-obra, que deverá se maximizar, com
a proximidade da safra. Ele também sofreu os impactos das altas dos pre-
ços dos combustíveis registrados nas últimas semanas. No caso das cafe-
teriais, o principal centro de custo também está no custo da mão-de-obra,
considerando que um quilo de café bem extraído pode gerar entre 120 e
160 doses de 50 ml. Aos cafeicultores, é importante ressaltar que o que
de fato importa na observação dessas informações, é o entendimento que
na verdade, o aumento da área cultivada deve ser ponderado com muita
cautela. Pode-se falar em renovação do parque cafeeiro, o que é favorável,
ponderando-se sobre o aumento da produtividade por hectare plantado.
Mesmo que o Brasil atinja 21 milhões de sacas consumidas até o ano de
2012, o que de fato importará é a qualidade do produto final. Discorrer
sobre qualidade parece redundante, mas esta é uma via sustentável, fren-
te ao comportamento do mercado consumidor num horizonte de dez anos.
207
65 Coisas para se pensar no Dia Internacional do Café
Publicado em 14 de abril de 2011 no Portal Administradores
Como todos sabem no dia 14 de abril se comemora o Dia Interna-
cional do Café e no dia 25 de maio, o Dia Nacional do Café. Estava nave-
gando pelos canais de notícias especializados e em razão da data, li so-
mente notícias boas, especialmente centradas na defesa apaixonada da
qualidade do café.
Será que realmente o setor agroindustrial do café tem algo a come-
morar?
Creio que as conquistas atualmente comemoradas não são conquis-
tas, mas sim decorrências da conjuntura econômica na qual o país e o
mundo vivem. É, porque o crescimento entre 4,5% e 5% do consumo ao
ano é um dado de crescimento vegetativo, decorrente do acesso de par-
celas expressivas de consumidores brasileiros, cerca de 30 milhões de pes-
soas, que antes não podiam apreciar o cafezinho todos os dias. Seja num
ambiente com fusão e aquisições ou de falência ou de extinção de toda a
plataforma industrial do país, não afetará de modo algum o ritmo do
crescimento do consumo. Isso é tão certo quanto a permanência do café
industrializado como produto de cesta básica no Brasil. Esta permanência,
garante que o cafezinho nosso de cada dia seja parte do composto das
estratégias de defesa da Segurança Alimentar do país. Logo, a importação
de produto industrializado, que não possui restrição nenhuma, torna-se
uma instância de interesse público, de interesse nacional. O importante é
não faltar o café nas mesas, não importa de onde ele seja.
Isso é uma possibilidade que pode acontecer, se o setor do café não
fizer igual ao pessoal da soja, que hoje, 14 de abril, está em Cuiabá, dis-
cutindo o planejamento da safra brasileira de soja, para que o processo se
dê de forma articulada entre todos os Estados produtores. Ou ainda, avan-
208
çando, começar a participar de eventos essenciais como o que foi promo-
vido pelo Instituto de Química e a Embrapa Café na Universidade Federal
do Rio de Janeiro, nos dias 11 e 12 de abril. O evento, que foi um show e
não contou com a presença de nenhum industrial no auditório e nenhuma
liderança política cafeeira, discutiu tecnologia industrial de café com repre-
sentantes de importantes centros de pesquisa especializados em café da
Alemanha, que todo mundo do setor está careca de saber que é o grande
ícone da Exportação e Reexportação de café em qualquer modalidade:
verde, torrado ou solúvel.
Recentemente, o Dr. Celso Vegro, publicou um artigo que ele intitu-
lou de «Leite Derramado» e que me fez rever alguns conceitos. Lá, o autor
apontava os números da exportação de café industrializado e defendia,
mais uma vez, a importação de café, que ainda não aconteceu, «em razão
da miopia dos líderes da lavoura». Sempre escrevi a favor da importação
do café, mas depois do que ouvi sobre a estrutura de construção da IN
16/2010, sou obrigada por bom senso, a voltar atrás no meu discurso
apaixonado e concordar com o pessoal que está, prudentemente, com os
dois pés atrás. A miopia pode ser interpretada como medo.
E o medo é uma característica de quem não planeja e nem sabe qual
o rumo que o trem está tomando. É praticamente dizer que os rumos estão
na mão de Deus e os resultados, são dependentes da sorte. Os dias 14/04
e 25/05 deveriam ser utilizados para reuniões em todo o Brasil, para dis-
cutir anualmente, o planejamento do agronegócio café. Hoje, esta possi-
bilidade está bastante facilitada, em razão da tecnologia. Porque não se
copiar o ótimo exemplo do segmento sojicultor?
Não basta colocar a marca «Cafés do Brasil» na Fórmula Indy para
dizer que o Brasil no contexto da sua economia cafeeira vai bem ou ainda,
externar que a qualidade do grão é tudo. A IN 16/2010 é uma prova de
que faltam elementos cruciais para a competitividade do agronegócio ca-
fé brasileiro: mais laboratórios oficiais, por exemplo, ou ainda, mão-de-
-obra qualificada. Fica aí a reflexão.
209
66Cafeicultura, governança pública
e a IN 16/2010
Publicado em 16 de abril de 2011 no Portal Administradores
Acabei de ler a matéria muito bem redigida da jornalista Fátima Cos-
ta, para a Revista Isto É Dinheiro Rural, intitulada “Café de gringo, para
brasileiro beber”, discorrendo sobre a IN 16/2010. Em razão dele, segue o
meu artigo, que oferece algumas reflexões importantes sobre criação de
valor público e governança e a IN 16/2010.
José Mathias-Pereira (2010, p. xviii-xix), ao discorrer sobre criação de
valor público e governança, ilumina sua reflexão à partir das contribuições
oferecidas por Mark Moore na obra intitulada «Criando valor público:
gestão estratégica no governo», publicada pela Havard University Press em
2002. Moore explica que « não basta afirmar que os gerentes públicos
criam resultados que têm valor, eles precisam ser capazes de mostrar que
os resultados conseguidos valem o preço pago por eles (...). Só então os
gerentes podem ter certeza de que o valor público foi criado».
Mathias-Pereira explica a partir dessa contribuição proveniente do
pensamento de Moore, que o fundamento para esta criação de valor é
a qualidade do processo político, dado especialmente, pelos processos
legislativos. Mathias-Pereira explica que o processo legislativo é a base
da democracia e que é ele quem define o que vale e o que não vale ser
otimizado com o erário público, conforme é possível observar na referên-
cia que ele faz ao pensamento de Moore «aos que valorizam a política
como meio de criar uma vontade coletiva, e que veem a política demo-
crática como a melhor resposta que temos para o problema de reconciliar
interesses individuais e coletivos, quase não surpreende que o processo
político seja permitido determinar o que vale apena produzir com os re-
cursos públicos. Nenhum outro procedimento corresponderia aos princí-
pios da democracia».
210
Em minha opinião, a IN 16/2010, assim como qualquer outra legis-
lação que proteja o cidadão brasileiro de picaretagem, especialmente na
área de alimentação, que toca a segurança do alimento, vale a pena. A
questão a observar aqui, do ponto de vista de gestão pública, é se a norma
agrega ou não valor para o processo político, se ela é capaz ou não defen-
der adequadamente os interesses individuais e coletivos. A atual questão
da IN 16/2010, em particular, é esta.
A Instrução Normativa nº 16 foi publicada na edição 98 do Diário
Oficial da União, em 24 de maio de 2010, tornando-se, a partir desta
data, o Regulamento Técnico para o Café Torrado em grão e para o Café
Torrado e Moído produzido e comercializado no território brasileiro.
O texto do regulamento apresenta todas as perspectivas necessárias
para a consolidação de uma ação de defesa não apenas dos interesses dos
agentes da cadeia produtiva do café nacional, mas também dos consumi-
dores brasileiros, que hoje somam mais de 96% da população do Brasil. O
café, como todos sabem é um produto tradicional na mesa do brasileiro
há séculos, sendo uma das pautas da cesta básica no país.
Em relação ao aparato legal, nada a declara. Em relação à situação
da estrutura de execução da norma, tudo a declarar. A publicação da
norma antes do planejamento adequado de infraestrutura de laboratórios,
contratação e treinamento da equipe responsável pela execução técnica
das exigências previstas no documento, só acenam que os processos polí-
ticos da cafeicultura brasileira continuam doentes.
Qual o defeito da IN 16/2010? Acreditem, ela só tem um defeito
capital, que vale por todos os defeitos possíveis e imagináveis quando se
desenha uma norma pública. O ponto rítico que coloca a IN 16/2010 em
xeque é o fato de só haver um único laboratório credenciado para o servi-
ço. Este é um laboratório privado. Este laboratório é o que presta serviços
para a indústria de café de Minas Gerais há mais de dez anos. Um dos
técnicos responsáveis pela microscopia também é funcionário da entidade
patronal que representa a indústria de café no Estado. Por mais que a
Administração Pública atualmente funde suas ações nas parcerias público-
-privadas, há certas coisas que, por bom senso, não deveriam ser delegadas
ao setor privado: o poder de polícia, por exemplo.
Vamos supor que uma indústria de café qualquer, em uma ou mais
marcas, ultrapasse os limites permitidos de umidade e resíduos e seja «pe-
ga» durante os ensaios de microscopia do laboratório credenciado pelo
211
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Vamos supor que
esta uma ou mais marcas, seja de um dos diretores da associação que re-
presenta a indústria de café no país e que este mesmo diretor faça parte
do CDPC e que apóie os Programas Cafés do Brasil ou Café e Saúde com
financiamento. O MAPA atuará a indústria nos rigores da norma? Descul-
pe-me, mas serei como Tomé: eu só acredito vendo e se a Polícia Federal
for acompanhando a fiscalizaçãoo para fechar a indústria e o diretor for
preso, por ferir com seu ato de adulteração, o art. 5º da Constituição Fe-
deral Brasileira.
Definativamente, o Brasil não precisa de uma versão pública do pro-
grama do selo de pureza. Ele já existe e cumpre bem o seu papel. O país
precisa, sim, de legislação e fiscalização realizada pelas mãos do Estado,
utilizando a estrutura do Estado, para garatir isenção de seus processos.
Só isso.
Esta é a questão a ser discutida.
Se este gargalo não for resolvido ontem, temo em informar que a IN
16/2010, morreu. Enquanto o Brasil não resolve os seus gargalos legais
dentro de casa, ficará muito difícil falar de drawback de café. Não dá para
falar sobre criação de plataforma industrial de café industrializado.
Não dá para pensar em investimento pesado em exportação de café
industrializado, porque se não houver regulação séria no país, o Brasil
automaticamente abre precedente para qualquer país do mundo criar bar-
reiras técnicas para a entrada de nossos produtos em seus mercados. Para
criar valor público, a cafeicultura precisa planejar e executar do início para
o fim e não do meio para o início.
A matéria publicada na Isto É Dinheiro Rural, contendo declarações
de lideranças, é uma mostra de que o setor colocou mais uma vez os car-
ros nas frentes dos bois.
212
67Substituição do Brasil como fornecedor global de café
Publicado em 18 de abril de 2011 no Portal Administradores
No mundo, atualmente, são 72 os países produtores de café, incluin-
do-se aí o Brasil, até o momento, maior produtor mundial do grão. Mas a
estatística aponta que tal perspectiva pode mudar.
Os interessantes dados apresentados pela Revista Veja, através da
matéria “Brasil começa a provar ao mundo o valor do seu café”, conduzi-
ram-me a confirmação de uma tese que venho defendendo a algum tem-
po e que explicitei no artigo “O Agronegócio Café em 2020: uma refle-
xão”, publicado em 20 de janeiro de 2010, no site Revista Cafeicultura.
Após a leitura e análise dos dados da matéria, surgiu a pergunta:
dependendo da posição que o Brasil assumir em relação ao perfil da sua
plataforma agroindustrial do café, é possível substituí-lo como principal
fornecedor de matéria-prima global nos próximos dez anos?
Inicio o meu raciocínio com um caso que estudei durante o meu
mestrado. Não citarei o nome dela aqui, mas trata-se de uma das maiores
cooperativas de café do país. Ao discorrer sobre a indústria torrefadora
dela que foi criada justamente com o objetivo de agregar valor pela indus-
trialização aos grãos especialíssimos de seus cooperados e a exportação
desses produtos com alto valor agregado, ela lidou com um problema
sério: a pressão de seus compradores, que a fez recuar num projeto arro-
jado de industrialização e exportação de café industrializado, em detrimen-
to da manutenção do seu já rentável negócio de comercialização interna-
cional de café verde. Ou era uma coisa ou outra.
Após a análise dos dados da Veja, que confirmam minha linha de
pesquisa, é visível que a substituição do Brasil não é um problema para os
grandes mercados consumidores, em particular em razão do crescimento
213
do investimento direto estrangeiro na região do Leste Africano, através de
aquisição de terras para a produção de alimentos. Isso pode acontecer
face ao investimento denso na consolidação de uma plataforma exporta-
dora de café industrializado. Se estivermos almejando uma fatia no mer-
cado internacional de torrado na ordem de 30%, é preciso criar as condi-
ções no Brasil, para que os impactos na produção cafeeira brasileira não
sejam sentidos e a indústria nacional de fato, possa absorver o ônus das
modificações que os grandes compradores de café in natura do Brasil, irão
nos submeter.
Está na hora do Brasil realizar opções estratégicas para o seu negócio
do café. Sem trepidar, é possível afirmar que se o Brasil optar pela agrega-
ção de valor via o café torrado, terá de investir muito pesado, para arcar
com a substituição do café brasileiro, pelo produzido no Leste Africano. As
lavouras lá são incipientes, mas quem trabalha com café sabe que num
espaço de três anos, este horizonte é facilmente modificável: basta inves-
timento privado, tecnologia e gente para isso acontecer rapidamente.
Aquela região do planeta possui condições edafoclimáticas muito similares
às brasileiras, com o diferencial de realmente oferecer ao mundo o apelo
Fair Trade. É importante acender a luz amarela, pois em razão dessas con-
dições, a produção de cafés com características muito similares àquelas
alcançadas na região do Cerrado Mineiro e o Oeste Baiano, não é algo
impossível de acontecer. Se o mundo adquire o nosso café em razão do
corpo, lá eles podem, com adoção das mesmas tecnologias e práticas
agrícolas brasileiras, produzirem exatamente o que o mercado internacio-
nal quer, a um custo de produção bem inferior ao nosso.
Uma situação como essa pode acontecer em menos de cinco anos,
se o mercado internacional entender que o nosso produto deixou de ser
interessante e a nossa concorrência no mercado de industrializados passou
a incomodar.
Creio que é o momento do Brasil parar e decidir sobre qual caminho
adotar para o seu negócio. Não podemos abraçar a máxima do “quem não
sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. Ou o Brasil investe pesado
em verde ou investe pesado em torrado. Definitivamente, pelo tanto que
já estudei sobre competitividade internacional de plataformas nacionais,
não será possível fazer as duas coisas concomitantemente.
214
Reitero: se não houver um investimento sério em planejamento para
o negócio do café do Brasil, a cafeicultura brasileira terá que se curvar à
história, ao abraçar, com grande pesar, o reencontro do café com suas
origens. Mas este é um assunto para o Ministro da Agricultura e o Diretor
do Departamento Nacional do Café, à luz da influência dos ácidos cloro-
gênicos.
215
68IN 16/2010 e os princípios constitucionais
da Administração Pública
Publicado em 24 de abril de 2011 no Portal Administradores
O desenvolvimento de aparatos legais para o fomento da defesa da
qualidade do café no Brasil sempre foi um elemento defendido por todos
os agentes que compõem sua cadeia produtiva. Esse propósito, tornou-se
real quando da publicação da Instrução Normativa nº 16, de 24 de maio
de 2010, que foi recebida com grande alegria pelo segmento. Ela trata do
Regulamento Técnico para o Café Torrado em Grão e Café Torrado e Mo-
ído, “considerando os requisitos de identidade e qualidade, a amostragem,
o modo de apresentação e marcação ou rotulagem, nos aspectos referen-
tes à classificação do produto” (MAPA, 2010). A classificação, de acordo
com a referida instrução, deve ser realizada em razão da sua identificação
(aspectos físicos – se torrado em grão ou moído, teor de umidade máximo
de 5% e percentual de impurezas de até 1%, identificados por meio de
análise de microscopia) e pela qualidade (qualidade global da bebida, ob-
tida por meioda prova de xícara).
O texto legal, possui em seu texto, todas as condições e fundamen-
tos, para garantir ao cidadão brasileiro consuma, de fato, um produto de
qualidade, amparado pela ação do Estado brasileiro, que desde a data da
publicação da norma, tomou para si a responsabilidade de executar ade-
quadamente a defesa da matéria.
O artigo aqui, presta-se a refletir sobre os gargalos que tem impedi-
do que a vanguarda da cafeicultura, impressa no texto desta norma em
vigor, de fato o seja. A postergação da execução da norma, fere um im-
portante princípio da Administração Pública, previsto no art. 37 da Cons-
tituição Federal brasileira, em razão da Emenda Constitucional nº 19, de
04 de junho de 1998, que é o princípio da Eficiência. Fere, em razão disso,
outro princípio, que é o da Segurança Jurídica.
216
Aprovada em 2010, a IN 16, que é estratégica para a transição da
cafeicultura brasileira para um patamar de competitividade mais arrojado,
possui problemas operacionais que colocam em xeque sua execução: a
primeira delas, ligada ao credenciamento de laboratórios (atualmente so-
mente um está autorizado, para atender as mais de 1.200 indústrias do
país, que processam 19 milhões de sacas de café) e o segundo, o treina-
mento de técnicos do Ministério da Agricultura, prorrogado para 2013, de
acordo informações do Departamento de Qualidade Vegetal, divulgadas
em 23 de fevereiro de 2010. Hoje, não existem fiscais treinados no Minis-
tério da Agricultura aptos a executar a norma que trata de café industria-
lizado, embora a norma já esteja em vigor.
O princípio da eficiência, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro
(2007), diz respeito a um dos deveres da Administração Pública, que tan-
gencia tanto o modo de atuação do agente público (do qual, segundo a
autora, «se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições”) e
ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública
(“com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação
do serviço público”).
Este princípio preceitua que os serviços públicos, no caso aqui os
alusivos ao cumprimento da normativa em questão, sejam oferecidos ade-
quadamente ao cidadão, a fim de salvaguardar os interesses públicos, sem
ultrapassar, evidentemente, os limites previstos em lei. Se este o princípio
constitucional da Administração Pública tivesse sido levado a cabo no pro-
cesso de planejamento, certamente, a infraestrutura necessária já estaria
à disposição da cafeicultura brasileira, criando conforto e não o desconfor-
to que ora submete o cidadão, que face da lei, à insegurança jurídica.
É válido ressaltar que o caráter normativo de um determinado
aparato legal não pode ser reinterpretado, face à preservação da seguran-
ça jurídica, que é outro princípio constitucional que corrobora com o prin-
cípio da eficiência. Vale citar novamente o texto de Di Pietro (2007): «o
princípio se justifica pelo fato de ser comum, mas na esfera administrativa,
haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a
conseqüente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando si-
tuações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior.
Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera in-
segurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua atua-
ção será passível de contestação pela própria Administração Pública.”
217
Embora o café não gere problemas graves de saúde pública, como o
que acontece no caso dos produtos alimentícios de alta perecibilidade, a
IN 16/2010 acena que o hábito de colocar o “carro na frente dos bois” na
gestão dos negócios públicos da cafeicultura brasileira, mais uma vez, co-
loca em xeque a vitalidade de um setor ao longo desse século, que num
momento passado, foi estratégico para a construção deste nosso país.
O ideal era revogar a norma e republicá-la quando a casa (no caso a
infraestrutura) estiver toda organizada para que a lei, hoje no papel, possa
ser executada.
218
69O verbo tentar e sua relação
com a política cafeeira
Publicado em 25 de abril de 2011 no Portal Administradores
O vocábulo tentar, que tomou parte do noticiário especializado em
agronegócios na última semana, em razão da Feira da SCAA que se reali-
zará em Houston, na língua portuguesa, é classificado como verbo transi-
tivo, que diz respeito ao emprego de meios para alcançar o que se deseja
ou empreende, bem como diligência, tratar de conseguir, intento, atração
e sedução. Diz respeito também à experiência, ensaio.
Pessoalmente, considero a tentativa, um passaporte para a mediocri-
dade. Remete à tentativa e erro e fundamentalmente, ao insucesso. Logo,
este artigo aqui é uma reflexão fundada na minha percepção, consolidada
ao longo da minha breve vida.
O verbo tentar me remete a uma passagem na minha vida: eu me
lembro como se fosse hoje odia em que li meu nome na listagem de apro-
vados no vestibular em administração da UFMT. Eu passei em segundo
lugar geral e corri para casa para contar para todos. Daí meu pai, na sua
santa ignorância, de homem com quarta série e com 30 anos de Amazô-
nia, me disse: “Você não fez mais que sua obrigação. Você devia ter pas-
sado em primeiro, porque na vida, não há espaço para o segundo coloca-
do”. Eu lembro que eu chorei a tarde toda, mas de posse da experiência
de vida que acumulo hoje, posso dizer que a fala dele era uma expressão
de realidade que naquele momento eu não compreendi. No mundo, não
há espaço para o segundo colocado: ele sempre recebe a prata, pelo con-
solo de ter perdido a partida.
Cada vez que eu tento, eu perco e me torno mediana. Quem tenta,
adquire percentuais de acertos e muitíssimos erros, que acabam, como
consequência, eliminando os bons resultados. Ao invés de conjugar no
cotidiano o verbo tentar, portanto, é melhor conjugar o verbo asserverar,
219
que diz respeito a afirmar, assegurar, certificar, declarar. Este verbo remete
ao adjetivo assertividade, que diz respeito a fazer bem feito da primeira
vez. É um adjetivo que anda casado com o planejamento e a gestão de
qualidade, por se tratar de um indicador de minimização do retrabalho.
Quem trabalha com café sabe que na lavoura, não dá para tentar. Se
o cafeicultor erra em qualquer parte do processo, a qualidade do produto,
que é uma decorrência do esforço de um ano de trabalho e que gera o
prêmio financeiro pelo investimento de tempo, escorre tranquilamente
entre os dedos e vira uma perspectiva para a safra seguinte. Se todos os
cafeicultores brasileiros tentassem, apenas, o Brasil não teria condições de
afirmar que é o maior produtor e o segundo maior consumidor.
Mas porque é que na política cafeeira, apenas se tenta? Esta é uma
curiosidade que me aflige. Eu não gosto desse discurso, porque ele me
remete ao sentimento de que se está se fazendo algo, para cumprir tabe-
la. A IN 16/2010 é um exemplo clássico do espírito da tentativa que coor-
dena as ações do setor. É como o Centro de Inteligência do Café, a Agen-
da Estratégica do Café, o Conselho Deliberativo de Política Cafeeira, entre
outros que não me vem à memória. Os programas que não tentaram, mas
foram assertivos, como o Café & Saúde e o Genoma do Café, foram inter-
nacionalmente bem recebidos e difundidos, ressaltando a capacidade do
setor.
Com mais de 300 anos de tradição, não é possível afirmar mais que
a política cafeeira do país está em fase de aprendizagem, sendo tal pata-
mar um reflexo do que acontece no cotidiano setorial. Há algo errado,
porque a cafeicultura não tem mais espaço de tempo para tentar. Ou ela
faz ou não faz. E este fazer deve-se dar assertivamente, porque é necessá-
rio otimizar recursos e espíritos (refiro-me aqui às motivações das pessoas).
Espero que ao final da feira, na qual o Brasil está tentando recuperar
sua imagem no cenário internacional, o Estado Brasileiro consiga ao menos
acenar ao setor que o recurso investido, na ordem de R$ 1 milhão, se
converteu no aumento de vendas de café, em pelo menos 0,001%. Vale
a pena consultar o Portal da Transparência do Governo Federal para saber
quanto desse capital foi gasto em passagens e hospedagens.
Alusivo à questão do reconhecimento da marca dos Cafés do Brasil,
deixo impresso aqui um exemplo interessante que está sendo desenvolvido
no mercado americano, não consumidor de água de coco. Madonna
resolveu investir no produto, que passou a consumir em razão do seu affair
220
com Jesus Luz. Ela montou uma empresa nos Estados Unidos que compra
água de coco de uma empresa do setor situada no Nordeste. Como o
consumidor americano não tem o hábito de consumo, ela está distribuin-
do o produto gratuitamente aos jovens americanos nas portas das escolas.
Já está fazendo isso há um ano e além de criar o consumo, divulga o
Brasil.
Gisele Bündchen mora em Nova York, em Manhattan. Se não rolar,
creio que o Sérgio Mendes com o Black Eyes Peas seria outra opção de
valorização de marca, embalada pela obra de Tom Jobim. Ou ainda, numa
visão mais divertida de valorização dos Cafés do Brasil, calharia bem o
desembolso de recurso para o licenciamento da marca do desenho Rio,
para vender café e o Brasil no mercado americano. Creio que ficaria boni-
tinho o Incrível Café batendo um papo em inglês com as ararinhas.
221
70Bastidores do café nosso de cada dia
Publicado em 03 de maio de 2011 no Portal Administradores
O mundo realmente vive de hiatos e histerias. Na sexta-feira, come-
morou o casamento real britânico e hoje, segunda-feira, a morte do ho-
mem conhecido como o mais importante representante do terrorismo. O
primeiro chancelou uma continuidade e não impactou em nada as nego-
ciações nas bolsas de mercadorias; tocou apenas os corações com amor e
esperança. O segundo fato, por sua vez, além de colocar em xeque a po-
lítica internacional, proporcionou reflexos muito fortes e positivos nas bol-
sas de valores de todo mundo.
Os papéis do contrato “Coffee C” atingiram suas maiores cotações
dos últimos 34 anos. O contrato com vencimento em Maio de 2011 ter-
minou o pregão sendo cotado à US$ 304,25 a saca, registrando alta de
1,610% em relação ao pregão de sexta-feira. A alta registrada entre a
abertura e o final do pregão, entretanto, foi de 520 pontos, com negocia-
ção de 4 contratos. Já o contrato com vencimento previsto para Ju-
lho/2001, encerrou o pregão com alta de 1,865%, com a saca sendo ne-
gociada a US$ 305,55, alta entre a abertura e o final do pregão de 525
pontos, com 7.779 contratos negociados.
Paralelo ao desempenho do papel do café verifica-se que o preço do
papel do contrato “Brent Oil Crude”. O contrato com vencimento em
Junho de 2011, registrou queda de 1,04% em relação ao pregão de sexta-
-feira, sendo que o barril terminou cotado a US$ 123,83. Foram negocia-
dos 21.984 contratos. O contrato para vencimento em Julho/2011 também
registrou queda na ordem de 1,01%, sendo que o barril terminou o pregão
sendo cotado a US$ 123,59. Para este vencimento, foram negociados
4.896 contratos.
O café e o Petróleo são os dois contratos mais negociados no mundo.
Observa-se que o movimento de negociação no caso do Coffee C é distin-
222
to do Brent Oil Crude, em razão do primeiro registrar movimento de mão comprada, enquanto o segundo registra mão vendida. O que isso significa?
Enquanto no caso do petróleo observa-se uma histeria em função da morte de Osama Bin Laden em razão desta “gerar estabilidade”, apesar do conflito da Líbia, que é um dos importantes membros da OPEP conti-nuar, o caso do café acena um conjunto de fatores, que envolvem (a) elevação da demanda em detrimento da oferta do café em grão, (b) im-pactos das chuvas na produção colombiana; (c) registro de baixas tempe-raturas no Brasil, em razão da frente fria que esfriou os termômetros bra-sileiros no último final de semana.
Evidentemente que o caso do petróleo pode sofrer mutações ao lon-go da semana, já que os conflitos armados continuam. Ou seja, há possi-bilidade do preço do barril voltar a subir, assim que os ânimos dos investi-dores se acalmarem. A economia americana ainda encontra-se em meio a uma turbulência e o conflito na Líbia está longe de terminar.
No caso do café, analisando os contratos com vencimentos em 2012, 2013 e 2014, verifica-se que a perspectiva é outra. O que demonstra que em breve, países produtores terão de criar mecanismos para reduzir o impacto da mão compradora, através da elevação da oferta de grãos para o mundo, conforme é possível observar nos dados abaixo (sequência: tipo
de contrato, mês devencimento do contrato, preço da saca, ajuste diário):
Contrato “C” [KC]Mês de
vencimento
Preço da saca
em US$Ajuste diário
KC
May 11 304.55 5.20
JUL 11 305.10 5.25
SEP11 307.80 5.30
DEC11 310.30 5.50
MAR12 310.40 7.55
JUL12 305.75 7.40
SEP12 299.75 6.90
DEC12 290.85 6.00
MAR13 283.45 3.30
JUL13 281.10 3.30
SEP13 278.20 3.30
DEC13 278.20 3.30
MAR14 278.20 3.30
223
Uma das pautas que tenho discutido é a questão do planejamento.
Evidentemente que as cotações altas são significativamente atrativas para
quem produz o grão. Os dados da ICE Exchange acenam que o cenário
para os próximos dois anos, pelo menos, é positivo para os produtores,
mantida as condições atuais de mercado.
Contudo, o cenário de cotações altistas, por outro lado, pode gerar
uma desarticulação de estratégias de elevação de consumo no mercado
interno brasileiro.
Como é de amplo conhecimento, o mercado interno do Brasil, apesar
da expansão do consumo de cafés especiais, estimado em 3 milhões de
sacas, ainda é um grande consumidor de cafés tradicionais. Esta modali-
dade de café, que ainda responde por 16 milhões das sacas comercializa-
das no país, é atrelada a cesta básica, o que pode gerar uma retração de
consumo nos próximos dois anos, em razão da alta dos preços do produto,
que serão certamente repassados ao consumidor.
Ainda que no momento a vedete da promoção do consumo no mer-
cado interno seja a monodose e o consumo desta modalidade em casa, é
certo que pelos parâmetros de renda e estilo, tal apelo mercadológico não
deve superar a casa dos 27% da população brasileira, o que equivale total
de 51.094 milhões de pessoas ou 11.882 milhões de lares (considerando
a população consumidora de café no país é de 96% sobre 190.775 milhões
de habitantes e o tamanho médio da família brasileira, de acordo com o
IBGE é de 4,3 pessoas). Considerando o consumo per capita de 4,81kg/
ano, verifica-se que se houver êxito na estratégia de promoção da mono-
dose, dentro desta parcela da população que possui renda, o teto de con-
sumo seria de 245.762.14 Kg ou 4,096milhões de sacas.
Somando tal consumo com as sacas de cafés especiais já consumidas
em cafeterias ou no coador, teríamos então um universo de 7,096 milhões
de sacas de café especial sendo consumidas no Brasil.
Isso acena que ainda restariam 11,904 milhões de sacas consumidas
no mercado interno na categoria tradicional ou cafezinho coado, que são
consumidos anualmente por 132.050 milhões de habitantes no Brasil. O
dado acena que o volume consumido neste sentido é significativamente
grande, de forma que a não observação dos parâmetros econômicos, em
especial aqueles relacionados à renda e à inflação, podem impactar nega-
tivamente no volume do consumo per capita anual nos próximos anos, em
razão da população apostar na estratégia de substituição de produto.
224
O que fazer ante tal cenário, que ainda pode se agravar frente a in-
tempéries climáticas (variável não controlável) e uma queda da cotação do
dólar (variável controlável, ma que gera vantagem competitiva em termos
de comércio internacional)? Haverá café o suficiente para atender o mer-
cado interno? Indo além, haverá café especial o suficiente disponível no
Brasil para atender sua clientela cativa?
Pessoalmente, observando os números, creio que a indústria de café
brasileira irá passar aperto, porque o cafeicultor, a cada dia, fica mais cau-
teloso. Isso permite afirmar que não são as histerias globais que estão
coordenando o pensamento da lavoura, mas sim os números, cada dia
mais cruéis, para quem tem na estratégia “mão para boca” uma condição
sine qua non para sobreviver.
Algo a se pensar.
225
71Especulação no mercado cafeeiro
Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores
A prudência é uma qualidade que desde os trabalhos de Baltazar
Grácian, similariza-se à maturidade do espírito. Ela, em particular, ensina
ao ser humano juntamente com o seu parceiro tempo, a ver além das si-
tuações, especialmente números, como os que as cotações do café têm
acenado ao longo das últimas semanas.
O efeito assemelha-se a um tobogã, que do ponto de vista comercial
não é nada divertido. Somente hoje, no contrato com vencimento em
Julho de 2011, foram negociados 15.501 contratos, sendo que a análise
gráfica indica modificação da mão de comprada para vendida. Isso gerou
a desvalorização do contrato na ordem de 3,99% em relação ao pregão
do dia anterior, ou seja, se em 03 de maio a cotação final foi de US$
306,15 para a saca de 60 kg, a cotação final do dia 04 de maio, foi de US$
294,40, o que significou perda de US$ 11,14 por saca. Dentro do pregão
de hoje, a desvalorização acumulada foi de 1.165 pontos.
Mas como lidar com o cenário de curtíssimo prazo, que mantém a
tradicional instabilidade que faz do mercado cafeeiro um dínamo tão inte-
ressante?
Primeiramente, pautando-se pelo princípio da prudência, é importan-
te avaliar as motivações que conduziram à retração do papel em menos de
24 horas.
Se por um lado há a redução das distâncias entre a oferta e a deman-
da global de café, levemente realçadas pelas incertezas em torno da safra
colombiana de grãos, o comportamento do mercado hoje está mais para
um reflexo das tradicionais realizações dos investidores. Nesta quarta-feira,
após boatos de problemas derivados de intempéries climáticas no Brasil
próximo ao período de safra, aguardados, mas evidentemente não confir-
mados pelos termômetros em franca ascensão, verificou-se uma debanda-
226
da especulativa, o que pode ser considerado normal. Este movimento é
tradicional, independente da condição da oferta e da demanda, cabendo
ao produtor, observar o melhor momento para negociar o seu produto.
É claro que neste momento, é prudente acrescentar, as incertezas em
torno da política externa americana, já que praticamente todas as commo-
dities negociadas no mercado americano registraram queda nesta data.
Observando a pauta em discussão no Financial Times, principal veí-
culos de notícias econômicas dos Estados Unidos, observa-se a incerteza
do mundo frente à confirmação da morte de Osama Bin Laden. Apesar da
Casa Branca tê-lo feito em rede nacional, nenhuma evidência cabal foi
oferecida ao mundo de que a «caçada» realmente findou.
Os Estados Unidos, que é o maior mercado consumidor per capita de
café do mundo, vem registrando problemas em sua economia há signifi-
cativo tempo, o que colocou em xeque a
aprovação do governo de Barack Obama, que após o anúncio dos
cortes bilionários no orçamento do país, envolvendo inclusive áreas estra-
tégicas, ocasionou perdas expressivas de popularidade e espaço no Con-
gresso Americano.
227
72Carta ao bom-senso cafeeiro mineiro
Publicado em 04 de maio de 2011 no Portal Administradores
Um dos projetos mais irritantes do setor cafeeiro mineiro é o chama-
do Bureau do Café, que é um remake do projeto do Centro de Inteligência
do Café (CIC). Mas eu tenho esperança, que com a beatificação do Papa
João Paulo II, o juízo volte a fazer parte da percepção dos líderes da cafei-
cultura mineira do cotidiano do setor.
O projeto é irritante, porque é uma chancela a ingerência do erário
público, o que contradiz o princípio da gestão para resultados que colocou
o Estado de Minas Gerais entre as referências no país na governança da
coisa pública. Minas Gerais, ou melhor, a cúpula da cafeicultura mineira
insiste em captar mais recursos para financiar um site e um escritório com
equipe especializada para a geração de dados estatísticos. Por lógica de
planejamento, o ideal e o sensato, é a abertura de concurso público, para
a contratação de profissionais para composição de equipe da Fundação
João Pinheiro, se for o caso, para que a instituição, que representa a van-
guarda mineira no que diz respeito a Minas Gerais, possa suprir a necessi-
dade do setor cafeeiro do Estado.
Dois estatísticos são suficientes para o atendimento de toda deman-
da cotidiana relacionada à pauta do café e eventualmente, se necessário
for, no caso de pesquisas mais complexas, a contratação de institutos,
mediante promoção de licitação de âmbito nacional, para a execução dos
processos.
Defendo esta linha, porque a produção de informação estratégica
não pode ser relegada a terceiros, porque abre o precedente para a ação
especulatória e a interferência e o uso político doserviço, que deve ter
total isenção neste sentido, para que a ação de inteligência não seja sujei-
ta aos óbices decorrentes dos interesses políticos, normalmente pessoais.
É importante ressaltar que o projeto anterior, o CIC, teve sua
228
longevidade comprometida, em razão da terceirização, fundada no esta-
belecimento de contratos entre o Governo Mineiro e a Universidade Fede-
ral de Lavras. Isso gerou um dispêndio de R$ 160.000,00 anuais aos cofres
mineiros desde sua criação, recursos esses que se esvaíram, considerando
que a desativação do trabalho ocorreu em 07/07/2009. É válido ressaltar
que o projeto teve seu lançamento em Julho de 2005 e considerando
quatro anos de duração, consumiu nada mais, nada menos, do que
R$640.000,00.
Evidentemente que tal cifra aos olhos de muitos pode se tratar de
um recurso pequeno, mas se o mesmo recurso tivesse sido aplicado dentro
da própria estrutura que já existe no Estado, certamente os resultados
teriam sido diferentes, com o efetivo cumprimento do papel da área de
inteligência especializada em café para com o setor cafeeiro mineiro. Cer-
tamente o projeto não teria sido comprometido, pela descontinuidade
decorrente dos cortes orçamentários. Isso significa que a adoção da FJP é
estratégica para o êxito da gestão pública dos negócios do café em Minas
Gerais. É o mais prudente e inteligente em termos de gestão. Que a FJP
seja a opção ajuizada da política cafeeira de Minas, estado que aprecia a
vanguarda e continuidade de tudo o que faz, em razão do valor dado à
tradição que faz toda a diferença. É a opção na qual eu voto por ser a mais
transparente e a mais adequada às necessidades do agronegócio café mi-
neiro.
229
73Nota sobre o Bureau do Café
Publicado em 13 de setembro de 2010
na Revista Cafeicultura, Portal do Agronegócio Café
Gestão de custos e foco em resultados é um objetivo tanto dosetor
privado quanto do setor público. Neste sentido, a criação do Bureau do
Café, no foro do Pólo de Excelência do Café significa um investimento
desnecessário. Quando estava na Assessoria Especialdo Café da Secretaria
de Estado de Agricultura de Minas Gerais, preparava a transição do então
Centro de Inteligência do Café para a base da Fundação João Pinheiro (FJP),
consagradamente especializada em estatísticas e dados econômicos sobre
o Estado de Minas Gerais. Não tive tempo de fazer este procedimento
importante, em razão dos “arranjos políticos” que exigem que técnicos
tenham como credencial ser parente de cafeicultor.
O governo mineiro sem dúvida, não precisa desembolsar nada além
do que já investe no quadro de profissionais e estrutura da FJP, para pres-
tar todos os serviços necessários à cafeicultura mineira no campo da pro-
dução de informações especializadas.
Basta instituir um departamento dentro da Fundação para o fomen-
to do serviço de inteligência que o setor efetivamente precisa para a ma-
nutenção da sua competitividade.
A transição dos serviços de estatística da cafeicultura para a Fundação
João Pinheiro significa otimização de recursos públicos, com inteligência.
Apesar de toda a expertise da Universidade Federal de Lavras, em termos
de gestão pública, a transferência de recursos públicos através de serviços
terceirizados é uma gordura que deve ser extirpada e aplicada em outras
questões essenciais, como no caso, assistência técnica.
230
74Os homens alfa, a IN 16/2010 e a gôndola do supermercado
Publicado em 12 de maio de 2011, no Portal Administradores
Uma das obras mais esclarecedores que li recentemente foi o livro “O
que os homens não contam sobre negócios para as mulheres: revelando
os segredos dos homens de negócios bem sucedidos”,de Christopher Flett.
O capítulo 4, intitulado “Coisas que motivam os homens nos negócios”,
é um tratado relevante que discorre sobre aspectos comportamentais do
que o autor denomina de “Homens Alfa”.
De acordo com o autor, “os alfas usam basicamente um processo de
três estágios para decidir sevão ou não fazer negócios juntos, que envolve
visibilidade, credibilidade e lucratividade. Podemos usar esse processo com
simplicidade com cada um porque os homens têm entre si um código de
honra. Um alfa não sai com a ex de um amigo. Não [fala] mal da família
de outro Alfa. Quando oferece a palavra a outro Alfa, assume uma obri-
gação. Não quebra promessas com os outros. Existe um nível básico de
respeito entre eles” (p. 70). Além desses três estágios, o autor expõem
outras facetas do comportamento do Homem Alfa, nato em suas insegu-
ranças: (a) quando homens travam guerras entre si a animosidade tem uma
expectativa de vida de 12 meses; (b) apoia-se os homens, mesmo que eles
estejam mal; (c) vale-se para a sociedade o quanto se ganha; (d) o ego é o
segredo do sucesso do homem alfa e também seu calcanhar de Aquiles;
(e) ele prefere sobressair-se a encaixar-se; (f) prefere assumir a frente de
tudo, mas não necessariamente fazer o trabalho; (g) ataca por baixo sem
ser detectado; (h) odeia críticas e ataca se alguém questiona a sua reputa-
ção; (i) ou é idêntico ao seu pai ou completamente diferente; (j) está mais
concentrado no objetivo do que no processo (p. 71-89).
Evidentemente que estes aspectos, não são ensinados nas escolas de
231
negócio, onde normalmente as mulheres estudam o que torna esta obra
significativamente esclarecedora, na interpretação de situações cotidianas.
Por exemplo, uma mera ida ao supermercado hoje e uma observação
sistemática da gôndola de café industrializado, pode comprovar em 100%
a eficácia desta teoria. Até mesmo quem diz que o outro não atuará mais
no mercado cafeeiro, tem seus dias inglórios. Na verdade, o massacre
mercadológico é algo dialético, já que expõe as mazelas e abre preceden-
tes importantes para questionamento da eficácia institucional. A ação de
um alfa contra outro alfa é sintetizada pelas demonstrações contábeis,
decorrente da perda sistemática de cm² em áreas estratégicas de comércio.
A compressão, sem dúvida, após um massacre sistemático de 12 meses
consecutivos, normalmente, na área de negócios, redunda em assinatura
de contrato de vendas de empreendimentos, de forma que o alfa ganhador
oferece um prêmio de cinco a dez anos de exclusão do mercado ao alfa
perdedor, contratualmente assegurado.
A análise da gôndola, portanto, demonstra que a obra sobre a qual
discorro é capital para compreensão do ambiente de negócios, especial-
mente o do competitivo e autofágico mercado de café industrializado.
Se hoje é possível escolher-se café pela marca e não pela empresa (a
fusão oferece este tipo de inovação ao ambiente de negócios) nas grandes
redes, verifica-se que tal condição situacional abre um precedente sobre o
desprestígio de alguns elementos normativos recém-adotados pelo Estado
brasileiro, como no caso da IN 16/2010. Explico.
A padronização industrial gera também padronização de produtos
e, por conseguinte, oferece ao consumidor horizontes na área de segu-
rança do alimento. Raramente grandes fornecedores, com fluxos de cai-
xa rentáveis, têm desvios de qualidade em seus produtos ou serviços
oferecidos. Na verdade, o que existe é um investimento sistemático na
seleção de fornecedores, gerenciamento de suas operações e produção,
de forma que os consumidores sempre tenham em mãos o melhor, a
preços competitivos.
Com os indicadores de concentração de mercado, que no caso do
mercado do café estápraticamente concentrado na mão de 04 compa-
nhias, que respondem por 75% do mercado brasileiro, a IN 16/2010, per-
de sua razão de ser. Não há porque se legislar sobre controle de qualidade
para uma parcela de 25% de mercado, que tem longevidade questionável.
A reversão de posicionamento institucional que se tem assistido é tardia e
232
infelizmente, não atende tempestivamente uma tendência de mercado que
já vinha se confirmando há pelo menos 15 anos.
A norma, portanto, perde seu caráter de salvaguarda mercadológica
e ao mesmo tempo, chancela um gradativo processo de enfraquecimento
e extinção institucional que deve se confirmar no mais tardar, em uma
década. Certamente, esta última, deixará de ser uma primeira escolha no
âmbito consultivo do Estado, entre outros.
233
75De quem é a culpa do Brasil
importar café industrializado (T&M)?
Publicado em 16 de maio de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Thomas Hobbes certa vez escreveu que o “homem é o lobo do pró-
prio homem”. Parafraseando, em função do tema deste artigo, pode-se
se afirmar que “a indústria de café é o lobo da própria indústria de café”.
Antes de refletir sobre o segmento de café torrado em grão e ou
moído (T&M), é importante ressaltar que o Brasil é um grande exportador
de café industrializado: não se pode deixar de lado a indústria de café
solúvel, que promove a exportação de café com valor agregado pela in-
dustrialização desde a década de 1940. O Brasil, observando estes dois
segmentos, o de torrefação e o de solubilização, já é, há muito tempo, um
dos grandes exportadores de café industrializado no mundo. É por isso que
ao contrário do que acontece no segmento de torrado, o solúvel brasileiro,
vez ou outra, tem que entrar pesado na defesa de interesses das indústrias
brasileiras, por meio da impetração de painéis na OMC. Talvez este seg-
mento industrial não apareça tanto, porque ele é extremamente concen-
trado, mas mantém seu papel estratégico, especialmente para quem pro-
duz conillon em território brasileiro.
A questão que talvez venha incomodando um bocadinho é o
crescimento da importação de café torrado em grão e ou moído, que no
primeiro quadrimestre de 2011, respondeu pelo montante de US$ 12 mi-
lhões. De acordo com a SECEX, isso significa um incremento de 233% da
pauta em relação ao mesmo período em 2010, o que é expressivo, pois o
volume exportado de café pelo Brasil não anda na mesma velocidade. O
volume de exportações brasileiras neste mesmo período foi de US$ 6,4
milhões.
Como o texto tem no seu título a pergunta que coordena esta refle-
234
xão, vamos encontrar o culpado agora. A culpa é do slogan “O Brasil tem
de ensinar o brasileiro a beber café”. A notícia ruim para a indústria brasi-
leira de café é que ao que parece, em razão dos números inquestionáveis
das importações, é que o processo não vai parar. Em 19 de fevereiro de
2007, eu publiquei no Jornal O Estado de Minas, no Caderno Agropecuá-
rio, tratando sobre este assunto. Recordo-me que na época, quando a
importação não ultrapassava US$ 1,5 milhão, teve gente que me escreveu
dizendo que eu era visionária e que a importação fazia parte de uma es-
tratégia de promoção de consumo, já que o café é igual ao vinho. Este
processo, depois da entrada da Illy, ganhou mais força ainda, através do
projeto desenvolvido pela ABIC junto com a rede Pão-de-Açúcar, denomi-
nado Pacafés.
Pode-se se chamar a estratégia hoje de tiro no pé?
Pessoalmente, acredito que não, porque a competição é positiva pa-
ra o desenvolvimento da competitividade industrial. O problema do país
não é de mercado, mas de algumas limitações políticas, decorrentes do
posicionamento do Estado e de crenças ultrapassadas de alguns elos do
setor, no caso, a própria indústria de café torrado em grão e moído, que
pensa que é agroindústria. Ministério errado, política errada, resultado da
Balança Comercial mais temerário ainda. Café é uma especiaria semelhan-
te ao vinho e se não fosse este raciocínio, certamente, o país não assistiria
o espetáculo da qualidade que hoje assiste que é decorrência de uma
vontade setorial nacionalmente consolidada.
Quem introduziu no Brasil a discussão sobre a qualidade, foi um in-
dustrial italiano, Ernesto Illy. Os brasileiros, não perderam tempo e come-
çaram a promoção desse processo em São Paulo. Começou a discussão em
torno da produção do cereja descascado, do desmucilamento, da norma-
tização para garantir padrão mínimo de qualidade. Daí devagarzinho, aqui-
lo que era uma tendência paulista, começou a ganhar força em Minas
Gerais, em particular na região do Cerrado Mineiro, que rapidamente re-
estruturou sinergicamente os produtores cooperados, criando o CACCER,
onde o marketing de origem tinha o seu maior representante. O Estado de
Minas Gerais ao perceber o êxito na experiência, em 1996, iniciou o pro-
cesso do Certiminas, que ganhou expressividade durante a gestão de Cé-
lio Gomes Floriani, então diretor do Instituto Mineiro de Agropecuária.
Logo, importantes estados produtores como Paraná, Espírito Santo e Bahia,
passaram a desenvolver programas estatais voltados ao assunto. Em 2002,
235
a APEX-Brasil entrou no jogo e começou em parceria com o Sindicato da
Indústria de Café do Estado de São Paulo, o processo de promoção da
exportação de café industrializado (modalidade torrado & moído), que
acabou se tornando nacional. Programas de certificação privados nacionais
e internacionais de terceira parte começaram a ganhar força no cenário
nacional e o consumidor brasileiro começou a tomar um café que antes só
podia ser consumido além-fronteira. As cafeterias emergiram e a profissão
de barista migrou da Europa para o Brasil.
É a qualidade do café brasileiro, que sem dúvida, ainda mantém o
Brasil na dianteira e que garante que o país seja o segundo maior mercado
consumidor do mundo. No que tange aos interesses do segmento produ-
tor e exportador, portanto, tudo vai bem. A importação neste sentido é
uma consequência de posicionamento de multinacionais que preferem
investir em estratégias de canal diferenciadas, como a criação de lojas
próprias, as cafeterias ou boutiques. Esta não é só uma tendência da Nes-
presso. Antes dela, Illy, Lavazza, Segafreddo Zanetti, Delta e Starbucks já
ditavam um estilo de consumo de café. Historicamente, viajando lá atrás
ainda, pode-se dizer que o fenômeno do consumo de café fora de casa,
em cafeterias, vem desde o Cairo, no século XIV. O Egito foi o primeiro
lugar do mundo a consumir café proveniente do Iêmen.
A questão a se observar aí, é que as condições do mercado nacional
para indústrias, continuam fazendo com que o investimento direto estran-
geiro seja mais vantajoso dessa forma, do que por meio de implantação de
plantas industriais perto do suprimento de café verde brasileiro. Acredito que
a questão do controle de qualidade dos produtos conjugado com as fron-
teiras livres para o comérciointernacional sejam os principais motivos.
Como mudar esta questão no Brasil?
Creio que a indústria de café brasileira perdeu sua grande oportuni-
dade de barganhar aparatos legais que contribuíssem para a sua compe-
titividade, durante a gestão do Governo Lula. O segmento era o que deti-
nha a maior proximidade com a presidência da República, em razão do
então vice-presidente da república, José de Alencar (in memorian). Há a
necessidade da importação de café verde, sim. Mas há uma necessidade
muito maior que é o investimento na expatriação de companhias nacionais,
com subsídios do BNDES.
No curto prazo, é o que se deve fazer. Aproveitar o MERCOSUL nes-
te sentido pode ser uma alternativa, especialmente em tempos de discus-
236
são de Sistemas de Preferências Comerciais na União Européia, que pro-
metem colocar o Brasil e a China fora do tabuleiro das exportações de
produtos com alto valor agregado. A participação brasileira no mercado
de café industrializado com tal aprovação de barreiras e a retração da
economia americana, só tende a despencar ainda mais.
A solução então é a importação de café in natura ou o aumento de
produção, portanto?
Pessoalmente, considero que hoje, com as condições de infraestru-
tura e fiscalização que o país tem, dada a dimensão da cultura cafeeira no
território, é sensato produzir mais, sob a pena de retração expressiva nos
preços da saca produzida pelo cafeicultor, do que autorizar a importação.
A IN 16/2010 infelizmente é um exemplo de que o Brasil, na área de
café, não está preparado para dar um passo tão importante, que é a aber-
tura de suas fronteiras para a entrada de café verde. O preço desta inefi-
ciência na infraestrutura é assistir, por enquanto, o desequilíbrio da Balan-
ça Comercial.
Este olhar certamente desagradará alguns segmentos, mas ele é cau-
teloso. Uma abertura de mercado dessa natureza exige: (a) construção de
laboratórios especializados em regiões portuárias e fronteiriças; (b) creden-
ciamento de laboratórios no território nacional; (c) contratação de pessoal
através de concurso público (fiscais sanitários); (d) treinamento de profis-
sionais do Ministério da Agricultura, Receita Federal, Polícia Federal, Força
Nacional e Exército para atuação em portos e fronteiras nacionais (como
todos sabem, a Bolívia, o Peru, a Colômbia e o Equador são produtores e
com tal ação, evitar-se-ia a entrada de café esquentado dentro das fron-
teiras nacionais. Isso também evitaria a entrada de outras mercadorias não
desejadas também, como entorpecentes); (e) dotação orçamentária; (f)
aparato legal regulando a questão (item mais fácil e barato de se fazer);
(g) consolidação de procedimentos burocráticos para o controle (rastrea-
mento de produtos on-line); (h) nenhuma gaveta por perto (para evitar
engavetamento da norma, evidentemente). Este último item o problema
mais sério que inviabiliza a competitividade no país, atualmente.
No caso do aumento da produção do café, basta realizar projeções
estatísticas entre oferta e demanda no prazo de 10 anos, selecionar a es-
pécie (se arábica ou conillon) e as variedades mais resistentes a impactos
climáticos como a seca e definir a área a ser implantada em cada região
produtora do país. Este processo é mais fácil, porque o investimento é
237
menor e transfere a responsabilidade do Estado para o produtor e não
gera impactos orçamentários expressivos, exceto no campo do financia-
mento do plantio, colheita e endividamento. O que já é trivial na gestão
política do agronegócio café brasileiro: modelo de governança política
ceteris paribus, portanto. Voltando a Thomas Hobbes, percebe-se que a
indústria de café paga e deverá pagar, para continuar a viver em comuni-
dade, sob os limites do contrato social historicamente estabelecido. O sal-
do a descoberto da Balança é apenas um sintoma claro disso.
238
76Da segmentação dos dogmas de fé ao pragmatismo político na cafeicultura
Publicado em 22 de junho de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Após a leitura de matérias sobre a participação do vice-governador
mineiro, Alberto Pinto Coelho, durante a última edição da Expocafé, con-
fesso que fiquei muito interessada em conhecer mais sobre “Nossa Senho-
ra dos Cafés do Brasil”.
Eu sou devota de Nossa Senhora e resolvi saber mais e até comprei
o livro que conta o legado da devoção do Brasil.
A autora sugere inclusive a criação de uma ecorreligião, que valorize
a devoção a uma planta, muito importante para o país. Entrei até na loja
virtual, que vende itens alusivos à imagem.
Há de se respeitar os ritos e os dogmas do catolicismo, muito mais
profundos e que tocam profundamente a fé, o sentimento, o espírito, em
detrimento de pontual interesse de mobilização política ou ação mercado-
lógica.
Por uma questão constitucional, o Brasil garante a liberdade de culto,
assim como garante a liberdade de expressão, entre tantas outras liberda-
des, atestadas no art. 5º da Carta Magna. Logo, se o setor cafeeiro eleger
uma rocha e começar a rezar para ela, ninguém irá contestar, desde que
feito com um mínimo de dignidade e não fundamente discursos políticos
que tradicionalmente não levam a lugar algum.
Sugiro que se o setor de fato pretende levar a cabo tal devoção, es-
pecializada em café, que ele tome o cuidado de contratar um teólogo
marianista e um advogado especialista em Direito Canônico, para funda-
mentar o culto de hiperdúlia, que diz respeito ao tributo que se faz à
“Santíssima Virgem Maria, em nome da sua dignidade de Mãe de Deus e
239
por suas excelsas virtudes” (Quirós, 2011). Isso é sinônimo de respeito. De
rigoroso respeito.
Este cuidado é fundamental, inicialmente em razão do respeito ao
disposto nos artigos 1186 a 1990 do Código Canônico, aprovado em 25
de janeiro de 1983, durante o 5º ano do Pontificado do Papa João Paulo
II. Por exemplo, estão vendendo água benta, sendo que esta se trata de
uma dádiva, de uma relíquia dada ao povo pelo Pai, via as mãos daqueles
providos do dom sacerdotal. Além disso, tal cuidado é crucial, para a va-
lorização dada de forma adequada de um dogma da Igreja Católica, valo-
rizada em vários documentos eclesiásticos, dentre eles, a Carta Encíclica
Supremi Apostolatus Officio de Sua Santidade o Papa Leão XIII, que versa
sobre a importância de Maria para o catolicismo e ressalta a incontestável
relevância do Rosário Mariano, como um mecanismo “instituído contra os
heresiarcas e contra o serpear das heresias”, tratando-se de um importan-
te ícone no processo de fomento da fé católica. Como se pode cultuar
Nossa Senhora, sem o rosário?
Pessoalmente, considero que o setor cafeeiro deveria reduzir o tama-
nho do seu salto e voltar-se um pouco à realidade, voltando-se de fato à
tradição. Não fará mal; aliás, permitirá que as mãos de Deus continuem a
abençoar a todos com safras cada vez melhores. Escrevo tudo isso porque
noto que as lideranças políticas do setor, que definitivamente estão a cada
dia corroborando para a sua bancarrota, não tem noção de limite. É pre-
ciso separar as coisas, a política, da fé. O Estado e os representantes do
Estado devem ser laicos. O culto a Nossa Senhora deve ser reservado, não
mote de palanque, porque se trata de uma heresia sem precedente e
acena que apesar do país estar no século XXI, as bases fundamentais da
política cafeeira em nada evoluiu. Algo que é digno da nossa indignação.
Uma política laica age dentro dos rigores da lei e busca sempre o melhor
para o seu povo e ela não tenta ser carismática, tocando a fé dos cidadãos,
até mesmo porque o país vive em franco processo de ascensão da diversi-
dade de culto religioso. Uma política laica trabalha para frente e não fica
reinventando a roda, como relançando todos os anos Frentes Parlamenta-
res do Café.
Uma política laica reage, quando Ministros do Supremo Tribunal Fe-
deral comparam o café à maconha, para argumentar a favor da Marcha
da Maconha. Uma política laica é rápida frente à execução de projetos
fundamentais, como a IN 16/2010 e discute sem medo, programas sistê-
240
micos de geração de competitividade para o país, investindo pesado em
programas de certificação públicos, salvando suas pequenas e médias in-
dústrias de café e valorizando a comercialização de café com valor agre-
gado pela industrialização. A política laica vende “made in Brazil” e valo-
riza a presença desta frase em suas embalagens em qualquer canto do
mundo.
O político inserido nesta lógica de Estado valoriza a razão e não
move a emoção, porque por natureza, é um apreciador de resultados,
coisa que o setor cafeeiro não vê há muito tempo. Ele não se magoa quan-
do é pouco citado em discursos, porque sabe da sua relevância e se preo-
cupa em buscar alternativas inteligentes para dar os resultados necessários,
a fim de que a visibilidade setorial alcançada no terceiro quarto do século
XX seja retomada, quando internacionalmente, café e Brasil eram pratica-
mente sinônimos. O político do Estado laico, portanto, não vive de passa-
do: ele pára, planeja o presente e mira o futuro com os olhos de águia.
Isso não significa que ele abra mão em intimidade, de pedir as bênçãos
espirituais, a fim de que iluminado pela sabedoria divina, ele consiga rea-
lizar um trabalho que beneficie somente e tão somente, a sociedade que
nele confia.
241
77O risco e a competitividade internacional
do café industrializado
Publicado em 27 de junho de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Tornei-me uma apaixonada pela Administração Pública e por tudo o
que está relacionado à política e ao Estado, a partir do instante que com-
preendi que o desenvolvimento, a competitividade setorial, a qualidade de
vida de um povo e a dignidade das pessoas dependem de bons marcos
regulatórios e de bons gestores, capazes de implantá-las.
O artigo da Dra. Sylvia Saes e do Pesquisador Bruno Varela Miranda
merecem um comentário afirmativo neste sentido. De fato, é preciso au-
mentar a exportação de café torrado e moído. Isso é tão inquestionável
quanto à necessidade do plano de safra no país e a presença ostensiva do
Brasil nos fóruns de negociação agrícola dados no foro da OMC.
Ocorre que há uma distância evidente entre os esforços do Estado e
Institucional e o esforçoempresarial, que precisa ser reduzido, a fim de que
o objetivo, que é o incremento da exportação de café brasileiro, na moda-
lidade torrado e moído, ganhe incremento e torne-se item representativo
na Balança Comercial Brasileira.
A distância à qual me refiro pode ser resumida numa única palavra:
risco.Como o Brasil é um país democrático, a partir da Constituição Fede-
ral de 1988, a presença de conselhos público-privados na estrutura do
Estado tornou-se um elemento importante, no campo do apoio da toma-
da de decisão estratégica das ações da União. Um exemplo neste sentido
é o Conselho Deliberativo de Política Cafeeira – CDPC, sobre o qual, já faz
um bom tempo, não se ouve falar. Conselhos como este têm a função de
dizer ao Estado quais são as prioridades do setor e quais as diretrizes es-
tratégicas que a administração pública deve adotar, a fim de atender com
eficiência, os anseios apresentados.
242
No campo da exportação de café torrado e moído, é visível que o
segmento não aposta no risco de se tornar a maior plataforma de café no
mundo. Há interesses envolvidos, não apenas do ponto de vista do merca-
do interno, como por exemplo, a alegação de problemas fitossanitários,
mas também de cunho econômico, como a possibilidade de quebras de
contratos de exportaçãode café in natura. O sentimento observado na
gestão, neste campo, é o de cautela. O alinhamento dos olhares institu-
cionais é que ditará para onde o setor irá.
Quando se avança para a esfera dos marcos regulatórios, ainda den-
tro do âmago do Estado, observa-se os problemas com a burocracia ou a
falta de acuidade com a busca da eficiência. Um exemplo importante e que
certamente pode influenciar a questão da exportação do café, é a IN
16/2010. Se tudo correr bem, em 2013 ela se tornará um marco efetivo.
Cito este documento em razão de sua relevância para o desenho de estra-
tégias de internacionalização, por se tratar de instrumento facilmente har-
monizável com normas de mercados compradores importantes, como o
Europeu, que possui exigências técnicas elevadíssimas em relação a outros
mercados consumidores.
Na arena do esforço empresarial, o setor cafeeiro, na contramão de
outras cadeias produtivas brasileiras, tem registrado um incremento sig-
nificativo de Investimento Direto Estrangeiro, através de fusões e aquisi-
ções. Entretanto, é certo que cabe ao setor inverter a mão, adotando
procedimentos já bem-sucedidos em outros segmentos, por meio da aqui-
sição de plantas industriais em mercados considerados estratégicos para
o segmento.
Este, considerado um horizonte de cinco anos, certamente é o cami-
nho mais curto para otimizar as exportações de café brasileiro torrado e
moído. Assumir riscos neste campo depende de planejamento estratégico
e apoio do BNDES, apoio este já adotado por outros segmentos, ressalta-
-se. Não se trata de exportação de empregos ou do adiamento do projeto
de alavancagem das exportações de café torrado e moído a partir de solo
brasileiro, mas do aumento da presença de uma indústria importante em
território estrangeiro, erguendo a bandeira brasileira.
No campo das importações, a questão depende apenas de ajustes no
marco regulatório, através de impetração de barreiras técnica e tarifária.
Um modelo para a configuração de uma reserva do mercado nacional
seria o estudo do sistema da Cota Hilton, que define quanto de cortes
243
nobres de carnes brasileiras podem entrar nos Estados Unidos. Países de-
senvolvidos, por natureza, defendem suas indústrias nacionais, adotando
procedimentos desta natureza. Algo para se pensar por aqui tanto quanto
na promoção internacional do café brasileiro além-fronteira.
244
78Novos fatores de impacto
no mercado interno de café
Publicado em 29 de junho de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Frente à eminente fusão do Grupo Pão de Açúcar com o Carrefour,
ampliando a concentração do varejo brasileiro e a respectiva presença do
Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no mercado interno, resta estabelecer
uma análise sobre os desafios que a indústria de café terá pela frente, nos
âmbitos institucional e comercial.
A eleição da ABIC trouxe vários fatos novos: o primeiro e o mais
grave na minha percepção foi a drástica participação da indústria de café
mineira na composição da chapa para a diretoria, que vai na contramão
histórica da composição de diretoria da instituição. A segunda, sem dúvida,
grave também e que possui tom de guerra comercial, é a saída da Sara Lee
e do Café Três Corações, as duas maiores companhias do segmento torre-
fador nacional do quadro da instituição.
A ausência da indústria mineira é um sintoma muito sério de mor-
tandade de companhias e falta de diálogo, num mercado que comporta o
segundo parque torrefador do país e que certamente responde por 25%
do quadro de associados da ABIC. Apesar do diretor anterior não ter apre-
sentado à comunidade cafeeira um balanço dos seus dois mandatos, o que
se fazia necessário, frente aos impactos que este período de governança
trouxe para o setor, é certo que a ausência de sua marca do mercado da
capital e a má qualidade virtual na apresentação institucional dos dois
sindicatos de indústria de café que ainda dirige indica que a indústria de
café mineira está na UTI e que definitivamente, assistirá nos próximos anos,
uma mortandade drástica do seu parque torrefador. Mais do que a neces-
sidade de articulação institucional interna, o Estado de Minas Gerais, ao
245
contrário do vizinho, Estado de São Paulo, não possui políticas consistentes
para oferecer suporte à sua indústria.
Enquanto deputados mineiros vão à China, a indústria torrefadora
mineira falece em meio a um silêncio ensurdecedor e que tende a piorar,
em razão das pressões que se desenham em relação à concorrência e às
pressões que devem se intensificar, vigorosamente, do varejo. Ao passo
desta questão, é visível que a saída de dois gigantes do quadro da ABIC
coloca em xeque os programas da instituição. Há muito tempo discorro
sobre o fato do consumidor preferir preço. Hoje, nesta análise, incluo a
questão da fidelidade de marca. Se as duas maiores companhias se desli-
garam do único ponto de conversação forte da indústria de café brasileira,
o segmento associado precisa se associar, porque as duas, sozinhas, pos-
suem orçamento suficiente para direcionar o mercado consumidor para
onde desejarem, sem qualquer preocupação em relação ao rumo institu-
cional que o setor adotará. Hoje, a cada vinte embalagens de café dispo-
níveis numa gôndola de supermercado mineira, em média, pelo menos 15
são de uma das duas marcas, o que mostra que o Selo ABIC, apesar de ser
importante na percepção do consumidor, não impacta mais na decisão de
consumo de produto. Numa possível guerra de marketing contra marke-
ting, vencerá quem possuir o orçamento maior. Pessoalmente, considero
que as duas levam e tem capacidade financeira suficiente para produzir
um efeito dentro do mercado interno de café, que pode no médio prazo,
corroborar para a extinção da mais tradicional representante indústria tor-
refadora nacional, por falta de associados.
Na última semana, o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Co-
mércio, Fernando Pimentel, foi entrevistado pelo programa Conta-Corren-
te, da Globo News, e durante sua fala ficou explícito o interesse da defesa
da indústria nacional. Considerando que há participação da indústria de
café na Confederação Nacional da Indústria e nas Federações de Indústria
em todos os Estados da federação, é chegado o momento do setor real-
mente parar e virar-se para o Governo Federal e exigir políticas de Estado
específicas.
Um setor que responde por mais de 19 milhões de sacas processadas,
não pode ser deixado ao léu. Ele é estratégico para a sobrevivência e a
lucratividade de toda a cadeia produtiva, especialmente, a produção, que
tem no mercado interno, certamente, um bom porto seguro.
246
79Coalizão política e café
Publicado em 06 de julho 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
O Fórum do Café merece uma análise bastante acurada do ponto de
vista político, em razão do desenho que este, a partir desta data, 05 de
julho de 2011, recebeu do Governo do Estado de Minas Gerais.
De antemão, é um trabalho de coalizão política, que envolverá mais
de 400 municípios produtores mineiros, além de instituições tradicionais
no âmbito da discussão de atividades vocacionadas ao agronegócio café
no Estado. Remete-me a um modelo de ouvidoria com ares de assembléia
de cooperativas, o que oferece uma grande proximidade do cotidiano da
lavoura com o gabinete do Governador, Antônio Anastásia. No âmbito da
política cafeeira estadual, ao que parece, trata-se de prática inovadora. Em
razão desse formato, ela também se torna uma prática de altíssimo risco
político caso os parceiros, responsáveis pela gestão do canal de comunica-
ção com as bases, sejam mal escolhidos, o que pode ocasionar perda de
energia tal, que sacrifique alguma perspectiva relacionada à reeleição. A
aplicação do conceito de clusters, para a coordenação desse modelo de
governança pública, pode ser útil.
Evidentemente, que no âmbito do Fórum, algumas arestas necessi-
tarão ser aparadas. Creio que a mais relevante, embora o representante da
indústria de café de Minas se fizesse presente durante o evento, esteja
relacionado à questão do setor industrial mineiro. Interessante foi ver Do-
rothéa Werneck caminhando para a mesa do café, praticamente desacom-
panhada, enquanto da diretoria da indústria descia a rampa.
Sinceramente, calharia bem à indústria mineira divulgar quanto de
café torrado a mais e quantas indústrias mineiras de café deixarão de fe-
char suas portas, depois que a representação institucional do setor, passou
a incentivar as últimas ações do Estado, tais como o Pólo de Excelência do
Café.
247
Caso não haja interesse pessoal na pauta atual [novas indústrias pa-
ra Minas], evidentemente que o setor deveria ter se mobilizado antes do
evento e dissuadido o Governador da idéia de captar novos empreendi-
mentos industriais para o Estado em detrimento de criação de políticas de
desenvolvimento industrial, que valorizassem o parque torrefador já exis-
tente. A idéia de captar novas indústrias de café para Minas Gerais, no
segmento de torrado em grão e ou moído e solúvel, ao que parece, é um
movimento que gera visibilidade política, mas que na prática, sacrifica o
trabalho de quem já vem batalhando no cotidiano, para manter seu negó-
cio em funcionamento e gerar renda e manter empregos de mineiros,
dentro desse segmento da cadeia agroindustrial do café.
É importante salientar que o estudo produzido pelo INDI em 2005,
que é o documento que fomenta este argumento do Estado de captar
novas indústrias de café para território mineiro, não se aplica mais a reali-
dade de mercado, cada dia mais concentrado, com níveis de autofagia
surpreendentes. Neste campo, o Fórum do Café, já nasce dando um tiro
no pé, no caso, nos pés dos industriais de café mineiros. Rever esta pers-
pectiva, ao que parece, portanto, é crucial e saudável.
248
80Convênios institucionais e cafeicultura
Publicado em 12 de julho 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Comumente, verificam-se algumas dúvidas entre cafeicultores sobre
a compreensão da dinâmica de funcionamento dos convênios institucio-
nais. A título de exemplo, tem-se a dúvida da cafeicultora Maria das Graças
Douglas, que tem sua propriedade na cidade de Raul Soares, externada
através de uma rede social brasileira. O pertinente questionamento dessa
senhora e que me chamou a atenção, diz respeito ao fato dela ainda não
estar recebendo ágio de preço em seu café, que é certificado pelo Progra-
ma Voluntário de Certificação de Propriedades do Estado de Minas Gerais,
o CERTICAFÉ. Segundo ela, a ABIC – Associação Brasileira da Indústria de
Café não tem feito o seu papel.
A primeira coisa que cabe compartilhar sobre a questão, é a compre-
ensão de que os acordos institucionais público-privados, na verdade, pres-
tam-se apenas para duas coisas: (a) articulação política e (b) estímulo para
o desenvolvimento econômico e social, em razão das portas para negócios
que cria. Os convênios, portanto, são atos políticos que imprimem a visão
de quem está com a caneta na mão, em relação a uma perspectiva de
desenvolvimento. Trata-se de uma estratégia de governança estatal, com
apoio formal das instituições setoriais envolvidas.
Tudo o que extrapola esta ferramenta de gestão pública, torna-se
assunto de iniciativa privada, não de Estado. Ao Estado cabe apenas, a
criação das condições de investimento e desenvolvimento, podendo ou
não envolver o segmento privado, para quem ficam os custos e os benefí-
cios. Comumente, isso se dá através do estabelecimento de aparatos le-
gais. Ou seja, a adoção das benesses decorrentes destes acordos institu-
cionais, que redundam em leis, por sua vez, depende do interesse da
iniciativa privada, que se funda no planejamento estratégico de cada em-
presa, porque tradicionalmente cada ação demanda investimento finan-
249
ceiro, gerando custos e gastos. Isso vale para produtores, vale para indús-
trias, vale para serviços.
Logo, um acordo firmado entre a ABIC e o Estado de Minas Gerais,
como aquele que a cafeicultora expõe em sua dúvida, abre portas para
negócios, mas não necessariamente obriga as companhias torrefadoras e
de solubilização a adquirirem o produto certificado pelo sistema e tampou-
co, a utilizarem o selo que representa o programa, em suas embalagens.
Ainda assim, o investimento em certificação, é líquido e certo, inde-
pendentemente das condições de mercado no curto e no médio prazos. E
isso vale para toda a cadeia de custódia do agronegócio café brasileiro,
não importando o porte do empreendimento rural, industrial ou comercial.
Observando a questão da certificação em si, levando-se em conside-
ração a tendência de expansão do consumo de cafés especiais no país e a
dinâmica do mercado cafeeiro global num horizonte de uma década, a
adesão a programas de certificação torna-se um imprescindível estratage-
ma para a aquisição de competitividade, com oferta de vantagens compe-
titivas ao mercado. Vantagem competitiva diz respeito a uma ou mais ca-
racterísticas de negócios que não podem ser facilmente copiadas pelos
concorrentes, enquanto à competitividade, um estágio do negócio que lhe
permite competir entre os melhores no ambiente de mercado.
Quem está certificado, já está globalmente inserido.
Mas se houver o interesse em certificação e houver também uma
perspectiva de retorno de investimento limitada, tipo safra subsequente à
recepção da certificação?
Antes de certificar, é preciso planejar, porque se faz necessário com-
preender que dependendo do programa de certificação adotado, a renta-
bilidade almejada pode não ser imediata. A certificação no meu entendi-
mento deve ser decorrente da maturidade do negócio, ou seja, um
investimento realizado quando a companhia ou a propriedade já é econo-
micamente sustentável. O apontamento relevante neste caso é utilizar o
bom-senso, estudar o mercado e planejar: a certificação deve ser uma
benesse, não uma dor de cabeça, pois ela deve ser tratada, como disse,
como um investimento empresarial para a geração de uma vantagem com-
petitiva do negócio.
Como o CERTICAFÉ é um programa público, o importante é que o
setor, dado o andamento do processo, consolide-o como um benefício
250
apolítico e que tenha plena continuidade, independentemente de transi-
ções de governo.
Digamos que se trata de uma precaução recheada de mineiridade. E
desconfiança em relação a um terreno tão instável quanto o terreno polí-
tico é uma medida de exímio bom-senso.
Atualmente no território mineiro, os ventos estão favoráveis, apesar
das massas polares que estão trazendo leves geadas para a maior região
produtora de café do país, o Sul de Minas. O evento no Palácio Tiradentes,
no último dia 05, imprime tal tônica, dado que agora é o Governador e o
Vice Governador do Estado de Minas Gerais, que coordenarão o Fórum da
Cadeia Agroindustrial do Café. Ou seja, o céu é de brigadeiro e todos os lí-
deres estão dentro de um único Embraer, buscando pousar na bem-aventu-
rada meta da sustentabilidade da cadeia produtiva. Pela primeira vez, em
anos, os cafeicultores de Minas estão sobre a mesa do chefe do governo
mineiro, sendo assunto efetivamente de prioridade. Em gestões anteriores,
a cafeicultura já tinha sido alçada a Projeto Estruturador do Estado, mas não
dentro das mesmas condições atuais. Aos selecionados para representarem
o setor no Fórum, fica a responsabilidade de assumirem a função, sem pen-
sarem na quantidade de paraquedas disponíveis dentro da máquina, que
porventura, no futuro próximo, possam ser requeridos para salvaguardar
interesses políticos individuais. A oportunidade é tão única, que envolve um
risco político extraordinário, do governador, logicamente. É certo que no
Estado onde o 21 de Abril é comemorado com tanta pompa, o sacrifício
individual em benefício da coletividade torna-se coisa corriqueira.
Algo para se refletir.
251
81Nota sobre o Sou Agro e o Efeito China
Publicado em 19 de julho 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
A campanha “SOU AGRO”, lançada pela Associação Brasileira de
Marketing Rural e Agribusiness traz um alerta bastante sutil para o agro-
negócio café. O setor, desta vez, foi salvo pelo café-da-manhã, que é um
substantivo mais popular para o desjejum ou a primeira refeição do dia.
Não se trata de falha no roteiro estrelado por Giovanna Antonelle, porque
na fala da mídia, estão presentes apenas os segmentos patrocinadores do
projeto: leites e derivados, soja, algodão, celulose, etanol, suco de laranja.
Frio, último artigo publicado na Folha de São Paulo pelo Dr. Roberto
Rodrigues, talvez nos conduza pela mão a um ambiente onde o cafeicultor
e quem trabalha com café só se lembre de proteger tudo o que é mais
relevante, quando mais nada há a se fazer. Quando a morte já tomou
conta e tudo o que era amado já se foi.
Até quando a política cafeeira brasileira será a geada que acaba com
as expectativas e os sonhos das pessoas e com as possibilidades reais de
construir uma plataforma competitiva para este setor tradicional da eco-
nomia brasileira?
SOU AGRO e FRIO, me fizeram pensar profundamente sobre muitas
coisas. Talvez, porque a geada mais forte que o setor enfrenta não seja a
climática, mas seja a ausência efetiva de projetos de longo prazo, que
conduzam o país a patamares de competitividade tais, que não dilacere
um contribuinte importante para a pauta econômica da pequena e média
agricultura. O café é um grande gerador de renda e emprego, em qualquer
parte do país. E não se ponderar sobre a cafeicultura, a partir desta pers-
pectiva, que exige mudanças profundas na forma de governança e na
mente das lideranças, dentro de pouco tempo, será tido como crime de
lesa-pátria, porque a caneta de alguns define a trajetórias de milhões. É o
252
único setor agroindustrial do país, com fundo financeiro próprio, o que
gera muita mágoa quando se percebe que por ingerência política, o setor
não está participando de uma campanha de marketing estratégica e rele-
vante como esta que está em curso.
Notem que se no âmbito de uma campanha publicitária de R$ 15
milhões de reais, o setor cafeeiro inteiro não pode entrar com 10% deste
valor, é sinal que algo está errado. Muito errado. Este é o sinal que está na
hora das boas e velhas lideranças aposentarem as chuteiras ou melhorem
os graus dos seus óculos, porque a falta de visão é indigesta demais, para
quem insiste em bater no peito que no Brasil está o melhor café do mundo.
Esta falta de atenção, por sua vez, conduz-me a ponderar sobre
outra questão que está em voga no setor, que é o ressurgimento das dis-
cussões em torno do Efeito China no âmbito da economia cafeeira. Uma
viagem que merece reflexões, do ponto de vista técnico. É necessário
cautela e pés no chão em relação a tal questão, especialmente no que diz
respeito a produtores situados na Região Centro-Sul do país, em particular
no caso de Minas Gerais, onde este assunto está quentíssimo na esfera
política.
Explico.
Estou em Rondônia agora, estado que ocupa a segunda posição no
ranking nacional da produção de Café Conillon e que fica na divisa com
países produtores de café arábica importantes, como a Bolívia, o Peru e o
Equador e muito mais perto da Colômbia e da Venezuela, país para o qual
a EMBRAPA CAFÉ está vendendo tecnologia. Rondônia também fica ao
lado do Acre, estado brasileiro, onde começa a rodovia Transoceânica, que
passa pelo Peru e chega ao Oceano Pacífico.
Pensando na lógica chinesa de se fazer negócio, advinha com quem
os chineses negociarão para comprar todo o café necessário para atender
o seu mercado emergente e que é demandante cada vez mais de cafés
especiais?
Tenho plena convicção que o Conillon Sustentável de Mato Grosso,
Rondônia e do Acre ficará uma delícia com os arábicas bolivianos, perua-
nos, equatorianos, colombianos e venezuelanos, cultivados em altitude,
em terras vulcânicas, colhidos a dedo e secos em terreiros suspensos. Será
um café com apelo Fair Trade fantástico, que irá retirar a competitividade
de parcelas importantes de mercado da produção brasileira.
Se eu fosse chinesa, certamente era este o café que gostaria de
253
comprar: ele será ótimo do ponto de vista sensorial e muito mais barato,
em razão da logística.
Logo, um investimento do setor na campanha do SOU AGRO, que é
voltada para a valorização de diversas cadeias produtivas no contexto do
mercado interno, seria uma ótima idéia. Isso permeia também o encontro
do consenso político em torno da chamada política industrial, tema de um
próximo documento.
254
82Sobre a essencial política cafeeira – Parte I
Publicado em 19 de agosto 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Aguardei nos últimos dias, o manifesto setorial em torno da carta
encaminhada pela presidenta Dilma Rousseff ao recém-eleito Diretor Exe-
cutivo da Organização Internacional do Café, Robério Silva, por ocasião de
sua eleição e que está publicada em bom português no site da organiza-
ção. Assim como também aguardei manifestos sobre as propostas que ele
apresentou, quando da sua candidatura. Como ninguém o fez, estou aqui
aproveitando a oportunidade, para compartilhar minhas impressões sobre
todas as coisas boas e relevantes que li.
Para tal, estabeleço aqui uma análise reflexiva sobre os apontamentos
da Presidenta da República Federativa do Brasil e a proposta de trabalho
submetida pelo então candidato, Robério Silva, à apreciação do Conselho
da Organização Internacional do Café. O texto será publicado em duas
partes, em razão da necessidade de atender o padrão editorial e ao mesmo
tempo, permitir ao leitor a degustação das ideias aqui dispostas.
Análise da carta enviada pela Presidência da República à Robério Silva:
A eleição por aclamação do Sr. Robério Silva foi decorrência de ampla
articulação diplomática brasileira junto ao corpo aos membros da Organi-
zação, o que permitiu que já de pronto, Silva garantisse a posição com um
apoio de pelo menos 80% dos membros da instituição (países produtores
e consumidores).
O apoio da Presidenta da República, expresso por meio de sua carta,
é extremamente significativo, não apenas por ser a Chefe de Estado do
Brasil, que é o maior produtor e exportador de café do mundo, mas tam-
bém por ser a terceira mulher mais influente do planeta, de acordo com a
Revista Forbes (EUA).
255
Após os cumprimentos ao diretor recém-eleito, ela externa a relevân-
cia da eleição para a estratégia de fortalecimento da imagem do Brasil no
cenário mundial. Ao mesmo tempo, reforça a participação do Governo
Brasileiro na reaquisição de um posto estratégico para a cafeicultura do
país, “após interregno de 11 anos” (ROUSSEFF, 2011).
Este manifesto merece atenção especial, porque o café ainda conti-
nua sendo a nossa marca registrada lá fora, embora se trate de produto in
natura, que remete a uma imagem de plantation. Contudo, ao externar o
fortalecimento da imagem brasileira e a participação do Governo Brasilei-
ro na reaquisição do posto, o texto externa uma maturidade relevante dos
empreendimentos conduzidos pela diplomacia brasileira. A conquista de
espaços políticos em todas as arenas é o primeiro passo para a conquista
de espaços de mercado.
Talvez a Rodada de Doha tenha contribuído para este processo. Du-
rante muito tempo, o país apostou numa via da multilateralidade, que
inviabilizou a expansão dos negócios brasileiros, especialmente aqueles
relacionados à pauta agroindustrial. Com o fim das empreitadas em torno
da Rodada, o vigor foi direcionado para a ação bilateral. Pode-se dizer que
a OIC então, é uma arena interessante para o país, em virtude de viabilizar
caminhos para negócios bem-sucedidos, além de fomentar alinhamentos
de interesses, que gerem benefícios econômicos, sociais e ambientais entre
parceiros.
Já no terceiro parágrafo da carta, a Presidenta da República expõem
suas impressões sobre o papel da OIC para os aspectos sociais e econômi-
cos tanto para o país, quanto para outros países produtores e consumido-
res no mundo. Transcrevo-o a seguir:
“Em um momento de turbulência econômica e financeira mundial,
a Organização, junto com outras entidades internacionais, terá papel im-
portante para introduzir racionalidade e justiça nas relações comerciais
globais, hoje fortemente ameaçadas pelo protecionismo. Aproveitemos,
por outro lado, as oportunidades para melhor posicionar os cafeicultores
em um mercado internacional que se expande pela emergência de novos
países produtores e se verticaliza graças à sofisticação do consumo”
(ROUSSEFF, 2011).
O café é um dos produtos econômicos com maior impacto social, em
razão da sua convergência com a realidade da pequena propriedade. No
mundo e também aqui no Brasil, este é um negócio essencialmente fami-
256
liar. Ao propor a introdução da “racionalidade e da justiça nas relações
comerciais globais”, a presidenta acerta na mosca, por se tratar de uma
urgência a ser tangenciada, num setor onde o valor do trabalho (do café
pronto para a venda) é medido pela intenção e disponibilidade de infor-
mação no mercado. Criar mecanismos que fomentem qualidade de vida
para quem é a base de um negócio global que perde em volume financei-
ro apenas para a cadeia produtiva do petróleo, sem dúvida, é um dos
grandes desafios a serem superados pela OIC nos próximos anos.
Mesmo com a adoção do Código Comum para a Comunidade Ca-
feeira, as ações da Organização não avançaram muito na consolidação de
um mercado mais justo, mais democrático, talvez porque a base esteja
muito distante de Londres e das cafeterias fair trade europeias, que ditam
moda, inclusive no Brasil. Pautando-me aqui no pensamento de Amarthia
Sen, é possível afirmar que a cafeicultura tem plenas condições de corro-
borar para a quebra do ciclo de pobreza que usurpa a liberdade e a digni-
dade das pessoas.
Ao mesmo tempo, tem-se o recado da presidenta para o Brasil, que
não deixa de ser também uma preocupação sobre a necessidade dos ca-
feicultores brasileiros se preparem para a nova conjuntura mundial do mer-
cado cafeeiro. Nesse cenário delineado por ela, encontram-se os novos
entrantes e a sofisticação do consumo de café.
A possibilidade da China utilizar seu know-how na produção de chás
para a produção de cafés talvez não seja tão preocupante quanto a trans-
ferência de tecnologia de produção cafeeira colombiana para lá. Os cria-
dores de Juan Valdez, sem dúvida, continuam sempre dois ou mais passos
a frente dos brasileiros, que ainda estão decidindo como vender melhor o
seu café: se com qualidade sem industrialização ou se com qualidade com
industrialização.
A ideia da retaguarda para o maior produtor de café, que ultimamen-
te tem perdido quase 1% de participação ao ano no mercado internacio-
nal, desde a década de 1960, é simplesmente, desesperadora. A inquieta-
ção da presidenta, neste sentido, é a da busca de alternativas que viabilizem
a reconquista da posição de vanguarda e a sustentabilidade dos agentes
envolvidos na cadeia produtiva, em particular, os cafeicultores.
No próximo artigo, discorrerei sobre a proposta de Robério Silva,
fundada no princípio de desenvolvimento com sustentabilidade, que ao
que parece, oferece vazão aos sentimentos propostos pela presidenta.
257
83Sobre a essencial política cafeeira – Parte II
Publicado em 26 de outubro de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
No artigo anterior, discorri sobre a carta da Presidenta Dilma Rousse-
ff endereçada ao recém eleito diretor executivo da Organização Interna-
cional do Café – OIC, Robério Silva. Na segunda parte dessa reflexão,
disserto sobre a plataforma de trabalho do diretor.
Através do documento ICC 107-01 da OIC, é possível conhecer a
proposta submetida por Silva ao Conselho da Organização.
As palavras-chave que norteiam toda a proposta são: desenvolvimen-
to e sustentabilidade. A proposta de Silva é fundada no Plano de Ação
Estratégica para a Organização Internacional do Café (documento ICC
105-19), no qual estão definidas as prioridades da instituição. O escopo da
proposta de Silva ao fundar-se no Plano de Ação, visa a “to promote coo-
peration between Members in order to streng then the global coffee sec-
tor on the basis of the three pillars of sustainability: economic, social and
environmental” [promoção da cooperação entre os membros, a fim de
fortalecer o agronegócio café mundial, com base nos três pilares da sus-
tentabilidade: as vertentes econômica, a social e a ambiental] (tradução
nossa) (ICO, 2011).
Estes três pilares foram introduzidos no léxico da Organização Inter-
nacional do Café através da adoção do Código Comum para a Comuni-
dade Cafeeira, que é um protocolo global que diz respeito à produção de
cafés de qualidade, mantidas as condições do apelo fair trade. O Brasil é
um dos primeiros signatários, considerado o bloco de produtores, e a Coo-
xupé, a primeira a possuir cafés certificados por este selo, que tem sua
fundação na Alemanha.
De todas as três vertentes, evidentemente, a econômica é a mais
relevante, em razão do papel social da cafeicultura em todas as partes do
258
mundo, em particular em regiões paupérrimas como a de alguns países
produtores situados no continente africano e no asiático.
Após a apresentação desse escopo, o candidato explica o seu con-
ceito de sustentabilidade: “In relation to sustaintability, it is clear to the
Candidate that the ICO should discuss the subject with aview to enabling
the needs of all stakeholders involved in the coffee chain to be met. Pro-
ducers need to have remunerative prices in order to cope with Market
demand, traders to facilitate logistics and supply in the sector, the industry
needs profits to invest in the growth of demand, and consumers should
not be exposed to price fluctuations that lead them to change their con-
sumption habits and switch to other beverages. Certified coffees, which
currently account for only 8% of the total volume, are likely to increase
their share of the market in view of the predicted growth indemand for
these coffees. The discussion of sustainability, which is of great value to
all ICO Members, should take into account the risks associated with non‐
tariff barriers and cost increases for producers, as well as the possible
advantages to be gained from quality improvements and premiums.” [Em
relação à sustentabilidade, é claro para o candidato que a OIC deverá
discutir o assunto com vistas à permitir que as necessidades de todas as
partes envolvidas na cadeia do café sejam atendidas. Produtores precisam
ter preços compensadores, a fim de lidarem com que o mercado deman-
da e os comerciantes, para facilitarem a logística e fornecimento no setor;
a indústria precisa de lucros para investir no crescimento da demanda e
os consumidores não devem ser expostos à flutuações de preços que os
levem a mudar seus hábitos de consumo, a ponto de mudarem para ou-
tras bebidas. Os cafés certificados, que atualmente respondem por apenas
8% do volume total, são susceptíveis ao aumento de sua fatia do merca-
do tendo em vista o crescimento previsto da demanda por esses cafés. A
discussão sobre sustentabilidade, que é de grande valor para todos os
membros da OIC, deve levar em conta os riscos associados a barreiras
não-tarifárias e o aumento do custo para os produtores, bem como as
possíveis vantagens a serem obtidas melhorias de qualidade e prêmios]
(tradução nossa) (ICO, 2011).
Este parágrafo, em particular, revela um conjunto de situações rele-
vantes para a compreensão do leitor.
A primeira delas diz respeito ao entendimento de que todas as ações
passarão necessariamente pelo crivo do Conselho da OIC, formado por
259
países produtores e consumidores. Esta informação extingue a ideia de que
Silva resolverá os problemas políticos da cafeicultura brasileira, já que sua
função será a de dirigir um organismo global, com franco interesse em
otimização do consumo em mercados emergentes, como aqueles situados
na Ásia (leia-se China).
A segunda informação relevante, diz respeito à sustentabilidade eco-
nômica, garantindo preços competitivos para todos os elos da cadeia, fun-
dando a estratégia no nicho de cafés certificados. Esta é uma questão que
também desmitifica a ideia de que com o Brasil à frente da OIC, os preços
ficarão estáveis. Nunca na história da cafeicultura no mundo, desde que a
Bolsa de Nova Iorque foi fundada no final do Século XIX, os preços do
café foram estáveis. A cafeicultura é um papel negociado em bolsa e logo,
em razão disso, susceptível a interferências dos interesses dos investidores,
que necessariamente podem não ser produtores de café. O mundo é dos
fundos. E a quem não assistiu no cinema as duas versões de Wall Street,
recomenda-se que se assista.
Quanto à mudança dos consumidores para outras bebidas, tudo de-
penderá da qualidade do café comercializada nos principais mercados
consumidores, como é o caso do Brasil, onde tudo depende do preço da
matéria-prima (pelo menos até o momento). A inovação anda tão em
voga, que esta analista acredita que já no ano que vem surja um café
sintético, tipo pílula, em blisters com até 12 unidades, que a gente possa
diluir em água fria e tomar um café espresso perfeito, quentinho, com
direito à creme espumado e uma pitada canela. A indústria das pílulas
certamente será a substituta inovadora da indústria de café, porque todo
brasileiro, assim, poderá carregar sua indústria de café e sua cafeteria na
bolsa, sem se preocupar com o aumento da PIS/COFINS ou como porte da
companhia, ou ainda, o mais relevante, com o selo disponível na embala-
gem. O sintético poderá ser tabelado e distribuído gratuitamente em far-
mácias populares, democratizando o acesso de todos os nichos da nossa
sociedade aos cafés de qualidade. Isso solucionará a dificuldade em relação
à atual possibilidade de oscilação de preços. Legalmente para que isso
aconteça, bastará uma Instrução Normativa da ANVISA e outra do Inmetro
e tudo estará resolvido, pela perspectiva da simplificação schumperteriana.
A ideia é tão boa que ela dispensa inclusive o Ministério da Agricultura, o
que seria um marco inovador na história do país também e também outras
entidades.
260
Tecnologia é tudo.
A parte dessa questão, verifica-se ainda naquele parágrafo extraído
do documento da OIC que háuma preocupação sobre os ‹riscos associados
a barreiras não-tarifárias e o aumento do custo para os produtores». Esta
sem dúvida é uma questão preocupante e que qualquer membro do mer-
cado deve ficar atento, por se tratar de uma decorrência do círculo virtu-
oso do consumo. Aumenta-se o consumo pelo fomento das variáveis que
corroboram para o seu comportamento de compra, ampliam-se as vendas,
na sequência a concorrência e por fim, a elevação dos parâmetros dos
produtos ofertados ao mercado, para que novas necessidades de consumo
surjam e a concorrências e perpetue. Apesar da diplomacia brasileira ter
vencido a batalha na OIC, existe o rescaldo da Rodada de Doha, onde
questões relacionadas às barreiras tarifárias e não-tarifárias deveriam ter
sido dirimidas e não foram. Fica a dúvida se o Brasil cairá na máxima da
negociação das pautas multilaterais nas questões do café, em razão da
direção da OIC, quando na verdade, após Doha, o mundo todo está apos-
tando na estratégia da bilateralidade.
A proposta apresentada por Robério Silva apresenta ainda 22 itens
que sua gestão, sobre os quais discorro sucintamente (ICO, 2011):
1. Converter a Organização Internacional do Café num ponto de
convergência para discussão dos assuntos do setor;
2. Ampliar a base de associados à OIC, a partir da sensibilização de
países não membros;
3. Investimento na eficiência da Organização, por meio do reposicio-
namento da sua estrutura organizacional;
4. Saneamento financeiro da OIC, por meio da redução de gastos;
5. Análise de alternativas de locação para a OIC, que deverá ser
apresentada ao Conselho pelo Diretor Geral, no espaço de até
seis meses;
6. Produção de materiais para venda, como o Coffee Yearbook;
7. Adoção de política do papel zero, por meio da digitalização de
impressos e outros documentos da Organização;
8. Possibilidade dos Comitês permanentes da OIC se reunirem em
momentos distintos às reuniões do Conselho da Organização. Os
261
comitês permanentes são: Finanças e Administração, Promoção e
Desenvolvimento de Mercados, Projetos e Estatísticas;
9. O comitê de Promoção e Desenvolvimento de Mercados iniciará
discussões para o estabelecimento de estratégias de promoção
do consumo e para o desenvolvimento do mercado, em particular
o chinês. Investir-se-á na promoção do consumo em mercados
internos, segundo interesse dos grupos de interesse de cada país
que se habilitarem;
10. Organização de seminários, atendendo temas de interesse dos
membros da OIC;
11. Operacionalização do Fórum Consultivo de Finanças do Setor
Cafeeiro, aproveitando as experiências do Funcafé;
12. Desde que haja interesse dos membros, a OIC poderá promover
estratégias de disseminação de informações sobre o desenvolvi-
mento da sustentabilidade ao longo da cadeia produtiva do
café, com vistas à promoção do desenvolvimento de atividades
cafeeiras, para o incremento da qualidade e do valor agregado
do produto;
13. Valorização das discussões sobre o café certificado;
14. Continuidade do relacionamento entre a OIC e o Fundo Comum
para Commodities;
15. Fortalecimento do Conselho Consultivo do Setor Privado, com
vistas a viabilizar discussões que fomentem a promoção, a remo-
ção de obstáculos para o comércio e o consumo e outras barrei-
ras, além de propor políticas de interesse para a cadeia produtiva
do café;
16. Produção da cooperação entre as agências de pesquisa situadas
nos países produtores, ajudando em particular a aquisição da
sustentabilidade na produção e a visão balanceada da distribui-
ção geográfica e dos custos de produção do café, buscando va-
riedades capazes de oferecer qualidade técnica, superar os im-
passes com pragas e doenças, além de serem mais resistentes
em relação às questões climáticas;
17. Fortalecimento das pequenas comunidades produtoras de café,
262
através do estímulo àconstituição de instituições sólidas (coope-
rativas?);
18. Fortalecer a emissão do Certificado de Origem;
19. Criar um Programa para Jovens Profissionais do Café, visando a
formação de profissionais para ingresso em carreiras na OIC;
20. Estabelecer relacionamentos com instituições de educação supe-
rior em países produtores e consumidores, com vistas a implan-
tar cursos sobre Economia Cafeeira Global;
21. Criar, na base da OIC, um Catálogo Global de Participantes do
Agronegócio Café, envolvendo produtores, exportadores, nego-
ciadores, torrefadores e prestadores de serviços por país;
22. Preparar materiais periódicos sobre cafés especiais de cada país
produtor, firmas exportadoras, indústrias e outros segmentos
envolvidos no mercado, apontando inclusive indicadores econô-
micos.
Avaliando as propostas de Silva, verifica-se que o ponto-chave da
estratégia é a aproximação da OIC com seu público, através de serviços,
que demonstrem uma organização preocupada com asustentabilidade do
setor e ao mesmo tempo, com a criação de uma forte rede de relaciona-
mentos.
263
84Cenários globais, governança do Estado
Brasileiro, agronegócio e cafeicultura – Parte I
Publicado em 31 de agosto de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Aproveitando o verão na Região Amazônica Brasileira, resolvi à luz
da madrugada, navegar pelas águas virtuais, visitando as páginas dos prin-
cipais canais de notícias voltados ao agronegócio café brasileiro. De novi-
dade, o artigo de Sylvia Saes e Bruno Varella no Café Point, tecendo suas
preocupações a respeito da expansão da agricultura em Moçambique e o
plantio de café na China, o aniversário de 12 anos da Embrapa e a entre-
vista do Diretor de Operações e Comercialização de Café da Cooxupé
para o Mercado Interno, Lúcio Dias, analisando o mercado e questionando
os números do consumo de café no mercado interno. Os dois últimos,
publicados no Coffee Break.
Estas três informações geraram a necessidade de compor este pre-
sente texto, dado o alinhamento que possuem com um volume expressivo
de meus trabalhos, em particular o artigo ‘O agronegócio café em 2020:
uma percepção’, publicado em 20 de janeiro de 2010, no site Revista
Cafeicultura, resultante de estudos que venho realizando desde 2009, e
que trata da expansão da agricultura empresarial, no Continente Africano.
Neste século, onde a população do planeta já ultrapassou 7 bilhões
de habitantes e com projeções demográficas até 2050 estimadas na ordem
de 10 bilhões de pessoas, a compra de terras nas regiões produtivas afri-
canas, similares ao Cerrado Brasileiro, fomentada através de investimento
direto estrangeiro, com vistas à produção de alimentos em escala industrial,
tornou-se uma realidade consolidada. Evidentemente, que tal expansão,
inicialmente, deve causar certo torpor, entretanto, a questão, quando ava-
liada do ponto de estratégias nacionais, depende de posicionamento e
profissionalização da governança dos negócios de Estado.
264
Neste artigo, que será dividido em duas partes, aplico tal percepção
aos negócios do café, já que este segmento não pode ser comparado com
quaisquer outros, em razão de suas especificidades. Nesta Parte I que o
leitor lê nesse instante, discorre-se sobre as temáticas da profissionalização
da governança política e abre-se a discussão sobre recursos de posiciona-
mento, dando-se atenção para seus dois primeiros aspectos. Na Parte II,
que será publicada dentro de alguns dias, discorre-se sobre os dois últimos
aspectos do posicionamento, oferecendo mais uma vez, algumas constru-
ções críticas sobre as escolhas estratégicas do país e ainda, apresenta-se
um estudo de cenário para a cafeicultura brasileira, considerando-se um
ambiente onde a saca de café, tipo 6, padrão contrato BMF/Bovespa, atin-
ja o patamar de R$ 1.000,00 e se sustente por seis meses consecutivos.
No campo da profissionalização da gestão, cabe, sem dúvida, uma
revisão do modelo de gestão da empresa familiar ‘Cafés do Brasil’. A fase
da transferência hereditária da política cafeeira acabou há um bom tempo;
somente o Brasil não percebeu. A adoção da via da profissionalização
geraria externalidades positivas, especialmente por se tratar de modelo
despido de paixões ou partidarismos. Neste modelo gerencial, prevalece-
riam os interesses da nação em relação ao mercado internacional.
Há de se lembrar de que para se ser melhor, muitas vezes, é neces-
sário cortar na própria carne. A opção pela plataforma industrial e a ênfa-
se na exportação de café industrializado, envolve tal questão. Se o Brasil
não o fizer, os concorrentes, sejam eles emergentes ou tradicionais, farão
num curto espaço de tempo. E considerado tal pressão global, assistiríamos
na cafeicultura o mesmo caos já assistido em outros setores econômicos
brasileiros, como o calçadista e o de brinquedos.
Pessoalmente não considero que o problema seja a China. O proble-
ma é a dificuldade de se definir uma política de gestão dos negócios do
café no Brasil que seja duradoura, gere resultados econômicos efetivos,
agregue valor ao esforço ao trabalho dos milhões de profissionais inseridos
na cadeia produtiva e principalmente, aumente a participação do café
brasileiro no mercado internacional, nas categorias in natura e industriali-
zado (torrado em grão e ou moído e solúvel). O restante é perfumaria.
No campo do posicionamento, tem-se como regra de ouro a valori-
zação da diferenciação quanto recurso para sobrevivência no mercado. A
valorização da National Brand e os valores agregados inerentes à marca
devem ser, sempre, o fio condutor do processo de consolidação de políticas
265
públicas vocacionadas à agricultura e mais ainda, no caso da cafeicultura,
neste século no qual já se assistem aceleradas modificações de cenários.
Se a cafeicultura brasileira teme a China, é porque sabe que seu café não
possui uma reputação forte junto aos seus stackholders a ponto de colocar
o café brasileiro acima de quaisquer tipos de ameaças externas. Se há
medo, é porque não existe imagem consolidada no mercado, que supere
a esfera da commodity, do tudo igual.
Entretanto, o posicionamento estatal não depende somente dessa
questão. Abordo aqui quatro outros contribuintes que importam quando
do delineamento da forma de gestão dos interesses de um Estado e que
são prerrogativas para o delineamento do Mapa Estratégico do Agronegó-
cio Café, em particular:
• Adoção de política internacional protecionista;
• Celeridade na modernização legislativa;
• Política industrial agressiva e protecionista;
• Sistema de Informação Estatísticos para o Café.
Disserto sobre cada uma dessas vertentes a seguir:
Adoção de política internacional protecionista: quando se fala de
agricultura, a primeira imagem que me vem à mente é a do bem-estar das
pessoas, felizes, sentadas à mesa. Este é o benefício do trabalho de bilhões
de produtores rurais existentes em todo o planeta. Ter a fome e a sede
saciados é uma das prerrogativas mais relevantes para a dignificação do
ser humano, mas que atualmente, para muitos, tem se tornado uma situ-
ação cada vez mais distante.
Dentro dessa perspectiva, ao que parece, a conduta do país está
consonante com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, já que a
difusão da tecnologia agrícola privilegia a vida, a dignidade. Entretanto,
ela coloca em xeque algumas questões, porque esse entendimento que é
ideológico e cristão, permeia fundamentalmente a competitividade nacio-
nal e o modus operandi da economia de uma sociedade como um todo,
que no caso, é a nossa. Logo, ainda que com o apelo humanitário urgen-
te inserido na pauta, economicamente, argumenta-se que a exportação de
conhecimento de produção agrícola em escala para um país onde as terras
produtivas estão praticamente nas mãos de grandes mercados consumi-
dores, atua no reverso das expectativas ideológicas e fraternas do Estado
266
brasileiro, que em suas atitudes, não deixa de externar o modo de ser do
povo que ele representa.
Isso porque esta questão tangencia as dificuldades do próprio país
dirimir suas próprias questões, efetivamente. Um país que tem a maior
agricultura do mundo e que ainda têm brasileiros passando fome contém
em si um paradoxo intolerável. Entende-se ante tal situação real e próxima,
que há muito que se fazer internamente, antes da superação das frontei-
ras.
A parte de tal entendimento, tem-se também que a engenharia eco-
nômica da sociedade onde vivemos depende, fundamentalmente, de di-
nheiro para o ingresso no mercado de consumo. A produção agrícola em
escala comumente é vendida para quem pode pagar pelo resultado dela.
No final do ano passado, o The New York Times publicou uma matéria
extensa sobre a privatização de terras naquele país e no Sudão, assim como
das nascentes de águas. Os nativos estavam sendo expulsos das áreas
produtivas e submetidos a mais pobreza ainda. Certamente, a transferên-
cia de tecnologia agrícola brasileira não atingirá os estratos da população
que seriam mais favorecidos com tal transferência de know-how. E este
viés é indesejável, porque afeta a dinâmica econômicado Brasil.
Dessa forma, a adoção de uma política agrícola protecionista seria a
via mais interessante para o Brasil, já que no momento, a tecnologia, o
conhecimento acumulado no país no ramo da produção de alimentos é
uma forte moeda de negociação para que o Brasil alcance seus objetivos
no campo das negociações agrícolas internacionais, via a quebra de bar-
reiras às exportações nacionais. Há de se considerar que com a retenção
do conhecimento na área agrícola, em oito anos, o Brasil não obteve quais-
quer resultados nas negociações da OMC (Rodada de Doha), não é difícil
dimensionar que sem tais prerrogativas negociais, os avanços sejam ainda
mais nulos e ineficazes. Para ressaltar tal defesa, encerro este item com
dois exemplos, colhidos na história: o caso da Borracha da Amazônia que
foi parar na Ásia no início do século XX e a Revolução Angolana, de 1975,
à época de sua independência de Portugal. No primeiro caso houve biopi-
rataria, é certo, mas também houve a chancela do Governo Brasileiro para
a troca de experiências entre as ‘nações amigas’. No segundo caso, em
detrimento da Independência Angolana, brasileiros que possuíam investi-
mentos em Angola, foram expropriados de seus investimentos naquele
267
território, até então de domínio português. O que não é muito difícil de
acontecer em outros países daquele complexo continente.
Remetendo-me aqui à questão da China, há se de levar em conside-
ração a Revolução Cultural Chinesa e o pensamento do Partido Comunis-
ta Chinês. A produção de café na China, subsidiada com tecnologia de
produção colombiana, tem forte relação com a cultural política de autos-
suficiência e de valorização dos produtos nacionais, em detrimento dos
importados. Esta é uma questão que não pode ser esquecida.
Celeridade na modernização legislativa: Mantendo uma relação com
a questão anterior, é visívelque a morosidade em tomadas de decisão na
área da regulação no país é um fiel da balançasignificativo. Vis-à-vis tem-se
a questão do Código Florestal.
Fato é que após a intensificação das negociações desse documento
no Congresso Brasileiro, conduzido pelo então Deputado Federal Aldo
Rabelo, a motivação para a expansão agrícola além-fronteira passou a ser
tomada como um recurso negocial de ameaça contra a demora na apro-
vação de texto tido como estratégico para a competitividade do agrone-
gócio brasileiro. Após a superação da esfera da Câmara, a discussão con-
tinua no Senado, de onde partirá após sua aprovação para a sanção
presidencial, dentro de período de tempo não estimado.
A morosidade no desenho de aparatos legais sem dúvida, na atuali-
dade, é o principal entrave para a alavancagem da competitividade brasi-
leira. Sua celeridade, por conseguinte, iria de encontro comos objetivos
nacionais, fundados na ampliação exponencial da capacidade empresarial
brasileira, que apesar das condições atuais, já faz do país a 7ª economia
do mundo e ao mesmo tempo, corroboraria para geração efetiva de mais
empregos e renda.
Encerra-se esta primeira Parte, rememorando o caso da IN 16/2010.
Até a Parte II.
268
85A ABIC e a defesa dos pequenos
Publicado em 12 de setembro de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
Antes de iniciar os meus comentários sobre o novo discurso ABIC, eu
tenho que cumprimentar os conselhos de Administração da Sara Lee Bra-
sil e do Grupo Três Corações: a saída da ABIC assinala uma ruptura impor-
tante e histórica que preconiza a implantação do que se denomina de
Plataforma Industrial de Café, onde é a indústria torna-se o capitão do
canal.
Ao saírem da caverna de Platão, estas duas indústrias deixaram de
assumir para si o TEOREMA DE TOSTINES, que valoriza a indecisão quanto
parâmetro do comportamento organizacional, inspirada pensamento ha-
mletiano, decorrente da obra de William Shakespeare. O TEOREMA DE
TOSTINES diz respeito ao modelo onde uma organização assume a condi-
ção de último biscoito Tostines do pacote, que até hoje não descobriu se
é mais fresquinho por que é mais gostoso ou se é mais gostoso por que é
mais fresquinho; o que se trata de dúvida eterna e que pode colocar o
Estado de Direito em risco ou ainda a estabilidade institucional, porque
impacta diretamente nas capacidades de prospecção e de planejamento.
Inquietudes humanas e organizacionais à parte, é certo que o muro da
indecisão começa a ruir e a equiparação com a Alemanha, apesar de ainda
distante, começa a ganhar forma.
Há oito anos que escrevo defendendo esta tese de que lugar de in-
dústria de café é no
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Ao migrarem
para a ABIA – Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, estas duas
indústrias brasileiras decorrentes de investimento direto estrangeiro, rom-
peram o paradigma e incutiram na prática este modelo de plataforma que
é o ideal do ponto de vista de competitividade global.
Consolidar uma plataforma industrial de café vocacionada para o
269
mundo, deveria, há muito tempo, ser a meta zero (a meta perfeita – prin-
cípio de Administração de Produção e Operações) do setor. Mas não foi
em razão de perspectivas gerenciais bairristas, fundadas no relacionamen-
to estrito com o mercado local. Foram estas opções que tornaram o mer-
cado brasileiro tão atrativo, a ponto de indústrias de café tradicionais, si-
tuadas em mercados com perfil demográfico em franco processo de
envelhecimento tem buscado, cada vez mais, a sua inserção no mercado
nacional. Não é a toa que o volume de fusões e aquisições têm se intensi-
ficado nos últimos anos. Talvez a questão da PIS/COFINS seja um vetor que
impulsione o entendimento de que a indústria de café precise modificar
sua relação com o agronegócio café. O problema não é somente de foro
tributário, porque ações de redução da alíquota da PIS/COFINS à zero sobre
as Receitas Tributadas (Faturamento), no caso de produtos alimentícios,
comumente são concedidas se o Estado entende que o setor está em
franco processo de desaceleração ou se há um risco de desabastecimento
de produto de primeira necessidade que compõem a cesta básica.
O café fortuitamente foi inserido na Cesta Básica, desde a criação da
Metodologia do DIEESE, que é contemporânea do Governo Getúlio Vargas.
Como o Brasil é o maior produtor de café e é o segundo mercado consu-
midor, dá para suspender as exportações do produto, perfeitamente, se a
oferta no mercado interno for ameaçada por desabastecimento decorren-
te de quebras de safra. Logo, eu pondero que não há necessidade, pelo
menos agora, de isentar a indústria de café desses dois tributos fundamen-
tais para a seguridade social. Para isso também não se faz necessária a
CONAB. Basta uma Medida Provisória com entrada em vigor imediata.
A questão da PIS/COFINS trata-se de uma medida emergencial para
a geração de capacidade de competição no curtíssimo prazo. Entretanto,
a leitura histórica de discursos, remete-me mais à perpetuação de uma
briga de egos entre a ABIC e as duas maiores torrefações do país e que
mexe unicamente na esfera do azedo e silencioso ciúme de homem. O
Governo Brasileiro acabou ficando no meio, para decidir qual dos lados
vencerá. Se a balança pesar para a primeira, vence a maioria, que continu-
ará assentada na falta de políticas para a manutenção sustentável de sua
competitividade e que no médio prazo, conduzirá o setor a bancarrota de
novo e ao comodismo. Se a balança pesar para as duas torrefações, vence
o modelo da vantagem competitiva sustentável, que combina, sem dúvida,
270
com a aspiração brasileira de ser uma das cinco grandes economias global
até o final desta década.
O que o setor industrial de café precisa na verdade, é de política in-
dustrial. Política de indústria, construída por órgãos de indústria, que per-
mita uma longevidade e que garanta os recursos necessários para que
qualquer indústria, não importa o porte, possa vencer vendendo diferen-
ciais ao mercado. Resumindo a situação do setor, pode-se dizer que ele se
trata de um setor sem poder de barganha nem com fornecedores de
matéria-prima, nem com fornecedores de insumos (embalagens) e nem
clientes. E sem poder de barganha, não se chega a lugar algum, ou melhor,
chega-se, desde que se pague o preço, no caso, os enxovais dos supermer-
cados ou o recálculo do valor do markup para dentro.
A mortalidade de empresas, mesmo com a oferta de incentivos fis-
cais, continuará a ser recorrente, porque mais do que as fusões e aquisi-
ções, os dilemas da produção continuarão a impactar sobre o fluxo de
caixa das empresas. Pode-se chamar tal questão de “Efeito das mudanças
climáticas sobre o caixa”.
Fica a pergunta se a ABIC, caso ganhe a questão da PIS/COFINS,
continuará investindo no discurso de valorização das pequenas torrefações.
Pessoalmente, creio que não, porque simplesmente este discurso não com-
bina.
271
86Ferdinand Lassalle e a sua relação com
a CF-88 e a Previsão de Safra de Café no Brasil
Publicado em 01 de novembro de 2011,
no Coffee Break, Portal de Notícias do Café
O presente artigo realiza uma interlocução entre o pensamento de
Ferdinand Lassalle, um dos principais expoentes da corrente sociológica
que compõem a Teoria Geral da Constituição, alguns princípios previstos
na Constituição Federal de 1988 e o velho gargalo, a previsão de safra da
cafeicultura brasileira.
A liberdade de expressão é um direito constitucional e eu, em parti-
cular, sempre a defendi o âmbito do agronegócio café. A crítica, a difusão
da informação, a formação de opinião são elementos cruciais para o bom
entendimento de um insumo dinâmico, intangível, que move a economia
cafeeira brasileira e mundial. Refiro-me à informação. A informação distri-
buída com qualidade gera benefícios sociais incalculáveis e somente ela, a
informação, fomenta a democracia e o processo de desenvolvimento da
sociedade em todos os seus setores. Trata-se de um patrimônio inestimável,
porque é uma decorrência do exercício da inteligência e exprime o cuidado
que um país tem em relação à produção de conhecimento.
Nos últimos dias, muitas críticas despidas de fundamentos técnicos
têm sido veiculadas nos principais meios de comunicação especializados
em café no país. Questiono como os Sacolés Coffees, ou a aferição da
alcunha de palhaço ao cafeicultor brasileiro ou a criação fictícia da marca
de café espresso da CONAB contribuem efetivamente para a formação de
opinião dos agentes do agronegócio café brasileiro, no âmbito do estabe-
lecimento de estratégias de comercialização. A chacota pública expõe a
mazela que há muito o setor cafeeiro brasileiro imprime em seu legado.
Torna-se, portanto, um desserviço. E isso é muito ruim. Resolvi neste sen-
tido, imergir no pensamento de Ferdinand Lassalle, um dos mais impor-
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tantes expoentes da corrente sociológica da Teoria Geral da Constituição,
para desenvolver o meu raciocínio.
Em ‘O que é uma constituição?’, Ferdinand Lassalle estabelece ampla
discussão sobre a essência da Constituição, que para ele diz respeito ‘à
fonte primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucionais’ (LAS-
SALLE, 1933).
Para ele, a Constituição diz respeito ao que existe de mais sagrado,
por se tratar de ‘uma lei fundamental da nação’ (IDEM, IBIDEM). Para que
tal lei seja considerada fundamental, ela precisa assumir seu papel de fun-
damento, da qual emanarão outras e seja estritamente necessária. Ela, na
visão do autor, diz respeito à ‘uma força ativa que faz, por exigência da
necessidade, que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no
país sejam o que realmente são [...] que a obrigue a ser necessariamente,
até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo?’
(IDEM, IBIDEM).
A lei fundamental, de acordo com Lassalle, pode ser modificada em
razão da soma dos fatores reais de poder. ‘Os fatores reais do poder que
regulam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que infor-
ma todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em apreço, determi-
nando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são’
(IDEM, IBIDEM).
Um exemplo desses fatores reais de poder são as instituições tal como
os agentes dos setores econômicos, como aqueles existentes no agrone-
gócio café.
As contribuições de Lassalle (1933) permitem que se estabeleça uma
interlocução com os fundamentos da Carta Magna de 1988 e a principal
fragilidade técnica do agronegócio café
brasileiro: a ausência de informações fidedignas. A pauta de discus-
são, partindo da CF-1988, centrar-se-á no inciso I do artigo 1º, que trata
da soberania; nos incisos II e III do artigo 3º, que tratam da garantia do
desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e da marginalização
e redução das desigualdades sociais e regionais; nos inciso I e IX do artigo
4º, que tratam da independência nacional e da cooperação entre os povos
para o progresso da humanidade; e por último, no inciso XV do artigo 21,
que externa que é competência da UNIÃO organizar e manter os serviços
oficiais de estatística [...] de âmbito nacional.
Como expus no início deste texto, a informação é um insumo estra-
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tégico para a boa condução dos negócios relacionados ao agronegócio
café. Ela não apenas define o comportamento das resultantes da Lei da
Oferta e da Demanda, como definem movimentos do capital em bolsas
de mercadorias e por fim, o valor a ser pago pelo consumidor pela sua
xícara de café. Digamos que economicamente, a informação ultimamen-
te tem mais valor do que os meios de produção, porque é ela que
alimenta a especulação e a volatilidade das cotações nos mercados
futuros, que acabam impactando no mercado spot.
Assim sendo, é relevante observarmos que os fatores reais de poder
que atuam no agronegócio café brasileiro, não têm sido eficientes no que
tange à preservação dos fundamentos constitucionais, no âmbito da ca-
feicultura brasileira, porque não tem sido capazes de organizar uma es-
trutura eficiente e eficaz de serviços de inteligência e informação, não
cumprindo o que está previsto no inciso XV do artigo 21 da CF-88. São
os fatores reais de poder que devem intervir sobre a União, para que o
dispositivo constitucional previsto nesse inciso seja cumprido rigorosa-
mente.
Enquanto não o fazem, os fatores reais de poder que compõem o
agronegócio café brasileiro, dos quais emana a força ativa que fomenta
as leis fundamentais, (a) impede-se que o país goze efetivamente de sua
soberania, já que ele passa a ser refém de outros fatores de poder exter-
nos ao território – antes a USDA, agora os traders globais; (b) engessa-se
o fomento do desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e
da marginalização através da redução das desigualdades sociais, dado
que a informação garante a agregação de valor ao café ao longo de todos
os elos da cadeia produtiva, ampliando a atratividade econômica do setor
e a distribuição de renda; (c) inviabiliza-se a independência nacional no
âmbito da informação (o Brasil tornou-se refém das informações de fon-
tes estrangeiras) e respectivamente, a cooperação entre os povos e o
progresso da humanidade. Sem o atendimento desses dois princípios
constitucionais, o país perde sua condição de contribuinte relevante para
o desenvolvimento de estatísticas globais consistentes, pela ausência de
assertividade. Pela falta de estatísticas, o país, que é o maior produtor de
café do mundo, acaba por contribuir para o empobrecimento e a retração
de desenvolvimento mundial, porque sem informação fidedigna, o de-
senvolvimento é desenfreado.
Como modificar a engenharia que assistimos e que expõe ano após
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ano, o Brasil ao ridículo? Como oferecer gerar previsões oficiais confiáveis
e preferencialmente, inquestionáveis, que sejam capazes de atender os
princípios previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988, aqui cita-
dos?
São com estas inquietações, dirigidas aos representantes dos fatores
reais de poder, que finalizo esta reflexão.
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87Algumas coisas sobre artes e o planejamento
estratégico da cafeicultura
Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores
Quando se desembarca no Aeroporto Internacional de Brasília torna-
-se possível a apreciação dos famosos azulejos de Athos Bulcão, um dos
ilustres discípulos de Cândido Portinari.
A obra do artista centra-se na combinação de figuras geométricas,
cores e clareza ímpares, as quais tornam o trabalho de Bulcão um conjun-
to de fácil assimilação. Talvez em função dessa simplicidade, sua arte com-
plemente tão bem os trabalhos de consagrados artistas plásticos, urbanis-
tas e arquitetos, como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Burle Max. Esta
harmônica articulação pode ser percebida em vários locais interessantes da
capital federal, do Itamaraty ao Mercado das Flores.
Sob certos aspectos, pode-se dizer que os azulejos de Bulcão asse-
melham-se com os cafés brasileiros: ambos são democráticos, cosmopoli-
tas, capazes de se adaptarem a todos os lugares, serem degustados por
todos os tipos de públicos, únicos. Os pormenores, ou melhor, as diferen-
ças entre eles, centram-se no fato dos segundos não serem geométricos,
nem coloridos e nem lúcidos. De modo geral, estes, apesar de sua com-
provada qualidade, não estão inseridos num conjunto arquitetônico ino-
vador, que permita que os azulejos se encaixem com a harmonia necessá-
ria às paredes do mercado, a ponto de serem aclamados como Patrimônios
Históricos da Humanidade. A razão de tal desalinhamento, sem dúvida,
concentra-se na má qualidade do rejunte, a política.
O dia 15 de fevereiro de 2012 promete ser um marco para a cafei-
cultura brasileira, já que um novo planejamento estratégico setorial emer-
girá da caixa preta coasiana, o CDPC (Conselho Deliberativo de Política
Cafeeira).
Brasília é uma cidade que mantém em suas bases históricas a ousa-
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dia, a criatividade, a ruptura de paradigmas e a simplicidade. É fato que
para que a capital federal fosse construída em tempo recorde, além de
milhares de braços, a capacidade dos líderes juntarem-se às bases, para
ouvi-las e motivá-las foi preponderante. Durante a sua construção, Jusce-
lino Kubitschek e os ilustres artistas que já citei, almoçavam e jantavam
todos os dias com os ‘candangos’ (imortalizados por Villa Lobos), a fim de
conhecerem de perto os problemas, solucioná-los imediatamente e ao
mesmo tempo, manterem o grande grupo de trabalhadores coeso e mo-
tivado.
Desde 1890, o planejamento estratégico da cafeicultura é realizado
à portas fechadas e as resultantes dessa metodologia não permitiram re-
sultados duradouros em nível global, como se observa em casos como o
colombiano, o jamaicano, o costa-riquenho e alguns outros europeus e
norte-americanos.
Apesar de Brasília dispor de um conjunto arquitetônico ímpar, dota-
do de dezenas de espaços adornados pela genialidade de Bulcão, talvez o
sensato fosse deixar de lado pelo menos uma vez o conforto do ar condi-
cionado, em prol da aquisição de olhares, sentimentos e emoções diferen-
tes, decorrentes de uma profunda articulação com as bases (produção,
indústria e comércio), gerando assim, um documento legitimado por mi-
lhares de mãos.
É sabido que a arte sempre pode ser reinterpretada, uma vez que ela
depende exclusivamente do currículo oculto de quem a vê. Este currículo
depende, diga-se, da vivência e da dinâmica interação com a cultura.
Ressalta-se que tal afirmação vale tanto para a obra de Bulcão, como para
a política cafeeira.
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88Novos cenários, velhas questões
Publicado em 15 de fevereiro de 2012, no Portal Administradores
Li na última semana quatro livros muito interessantes: ‘A Parisiense:
o guia de estilo de Ines de la Fressange com Sophie Gachet’, ‘A arte da
persuasão’, de Tonia Reiman, ‘A Cabala do Dinheiro’, de Nilton Bonder e,
evidentemente, a nova da saga do lendário Greg Heffley, em Diário de um
Banana – Casa dos Horrores.
Estes livros têm muito a dizer para o agronegócio café, em particular,
no campo dos serviços de inteligência comercial. É necessário manter a
mente com o frescor dos 12 anos de idade, pois a vida torna-se mais di-
vertida e o cérebro relaxa, ampliando a capacidade criativa, mas é certo
que para a busca do sustento e da prosperidade, é necessário investir em
tradição.
O relatório do Bureau do Café ficou meiguinho. A tentativa de prever
o futuro do consumo de café coado é fascinante, jovial, mas no curto
prazo vai contra o bom senso do mundo dos negócios que está tocando
silenciosamente o cerne do mercado de café brasileiro: a importação de
café industrializado em cápsulas. Esta sim é a terceira onda: a onda tecno-
lógica do mercado global que pode matar todo um segmento importante,
no caso, a indústria de café brasileira. Só no Brasil estimula-se a exportação
de matéria-prima e a importação de produto acabado com altíssimo valor
agregado, em detrimento do seu setor industrial. É um contra-senso revol-
tante.
Compartilho tal inquietação porque durante o cumprimento de uma
atividade de negócios em Belo Horizonte recentemente, tomei Nespresso
a menos de 2.000 metros da sede do governo do maior estado produtor
de café do mundo servido no meu café da manhã, no hotel em que me
hospedara. Minas Gerais é o segundo mercado industrial de café do país.
Ressalto que estava praticamente ao lado de uma obra de Oscar Niemayer
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onde está o centro de poder do governo de um Estado que produz mais
café que a Colômbia, saboreando café mineiro processado e embalado de
forma incontestavelmente maravilhosa na Suíça, devidamente extraído
num equipamento primorosamente fabricado na Alemanha ou na Itália.
Um bom paradoxo matinal, que me remeteu a um trecho da música de
Milton Nascimento: “eu sou do mundo, mas sou Minas Gerais”...
Não espero que este meu artigo estimule discussões sobre taxação
do café industrializado, porque certamente este será o discurso de reação
a questão que apresento ou ainda uma campanha contra a oferta de café
importado em território mineiro, o que somente denotaria um bairrismo
tolo e pontual. Discutir café coado é tentar dizer ao mundo, que bebe
café espresso desde o final do século XIX, que somente o jeito brasileiro
de se beber café é o mais adequado é no mínimo, atentar contra a possi-
bilidade de desenvolvimento tecnológico de um país que produz todas as
matérias-primas necessárias para o desenvolvimento de qualquer máquina
qu existe no planeta. A negação dos fatos é um comportamento jungnia-
no que em nada corrobora para o estabelecimento de ações estrategica-
mente planejadas junto a mercado.
Em razão disso, espero que o artigo estimule a consolidação de um
planejamento estratégico sério, elaborado por uma consultoria especiali-
zada no assunto. Provocações técnicas sofisticadas devem ser respondidas
em alto nível, com técnica. Se estivesse no governo, ousaria e contrataria
uma consultoria japonesa com recursos oriundos de estado que serão dis-
ponibilizados ‘a fundo perdido’: notem que um país que passa pelo seu
segundo desastre nuclear na sua história em menos de um século, sendo
este último ocasionado por um tsunami, e que tem a coragem, após ins-
talação de comissão de inquérito, de afirmar que o problema foi decorren-
te de falha humana, tem no mínimo muita coisa a ensinar. Esta seriedade
é que falta no agronegócio café. Se o Brasil assumisse o comportamento
japonês em relação ao agronegócio café, a Europa já estaria ‘pedindo
água’ há muito tempo: mesmo sendo arrasados pela natureza, eles con-
seguem resultados fenomenais em termos de qualidade, que deveriam ser
incorporados na praxe gerencial de uma cadeia produtiva que ajudou a
construir um país, no caso, o nosso.
Assim sendo, é correto afirmar que além de modernização do apa-
rato legal, cabe investimento em tecnologia para os segmentos industrial
e de serviços, devidamente munidos de design. A combinação dessas duas
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vertentes, tecnologia e design geram efetivamente vantagens competitivas
sustentáveis. A máquina, as cápsulas, a embalagem que contém as cápsu-
las: eis sim os diferenciais, que fazem daqueles blends de cafés que sempre
existiram no mundo, únicos e exclusivos.
As pessoas que podem pagar querem tecnologia e design. Até quem
não pode, quer tecnologia e design. Não é a toa que o fenômeno Senseo
tem se tornado objeto de consumo de tantas pessoas, assim como as
máquinas de café espresso tem se tornado tão acessíveis. Notem que até
mesmo as máquinas de café elétricas estão com design mais sofisticado,
para contribuírem com a decoração da cozinha. Até mesmo o papel para
percolação está com cara nova: além de ecológico, possui furinhos para
garantir a melhor extração das qualidades organolépticas do café.
Se não dá para importar matérias-primas de outros países, o país
deveria apostar em tecnologia. Que tal embalagem para café brasileiro
feita de poliéster ecológico, produzido a partir de cana-de-açúcar? Indús-
trias movidas à Etanol ou à Biodiesel? Financiar a fundo perdido a renova-
ção do parque industrial brasileiro, com o que há de melhor de tecnologia
disponível no mundo? Isso certamente não daria para copiar em nenhuma
parte do mundo e deixaria o café brasileiro mais com jeito brasileiro, crian-
do exclusividade.
Por fim é importante ressaltar que as terceiras ondas precisam, obri-
gatoriamente, serem estatisticamente medidas, pois no campo da inteli-
gência comercial, são os números (das pesquisas quantitativas) que con-
duzem a outros números (os das finanças). Homens e mulheres de negócio
leem números em relatórios técnicos concisos. Notem que o mundo en-
xerga a beleza de forma cartesiana: Grãos tecnicamente adequados, tor-
rados de acordo com a escala de Agtron, moídos em granulometria ade-
quada e submetidos à pressão atmosférica correta e água em
temperatura correta, comumente geram cafés espressos perfeitos.
A variável subjetiva, dizem os especialistas, concentra-se apenas na
mão do barista. Há de se convir que nada mais bonito que um café espres-
so cremoso, fumegante, em branca xícara, adornada com um chocolatinho
de menta. Tem o seu lugar.
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Sobre a autora
Mara Luiza Gonçalves Freitas é coordenadora e docente do curso de bacharelado em Administração da Faculdade Porto Velho, que detém cer-tificação de qualidade da Fundação Getulio Vargas e do Programa de Pós--Graduação da Fundação Getulio Vargas Pós-ADM, na disciplina Jogos de Negócios. Exerce a função de gerente executiva da Junior Achievement Rondônia, organização não-governamental criada nos Estados Unidos em 1909. A ênfase dessa organização é difusão de conhecimentos na área de economia e negócios. Está presente em 127 países e que no Brasil, desde 1983, em todos os estados da federação. Atua também como Revista Sustentabilidade Organizacional - RSO, periódico eletrônico da Faculdade Porto Velho e parecerista da RECADAM – Revista Eletrônica de Ciências Administrativas, RGO - Revista de Gestão Organizacional.
Possui curso técnico em contabilidade pela Escola Estadual de I e II Graus ‘Dr. Guilherme Freitas de Abreu Lima (1994), bacharel em adminis-tração pela Universidade Federal de Mato Grosso (1999), especialista em Cafeicultura Empresarial (2002) e mestre em administração pela Universi-dade Federal de Lavras (2006). Possui cinco anos de experiência na área de docência de ensino superior (graduação) e três anos de experiência na docência em cursos de especialização (latu sensu), tendo atuado em diver-sas instituições como Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná - CEUJI--ULBRA, Faculdades do Vale do Juruena- AJES, Centro Universitário de Gurupi – UNIRG (TO), Universidade de Cuiabá – UNIC (MT) e Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (MT).
Na área executiva, atuou como Assessora Especial do Café da Secre-taria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais durante a gestão Gilman Viana Rodrigues. Foi Secretária Executiva do Sin-dicato da Indústria de Café do Estado de Minas Gerais durante a gestão Simbrair de Deus Duarte e membro do CERTICAFÉ MINAS GERAIS, duran-te a gestão Célio Gomes Floriani.