ge - o capuchinho vermelho - versão cénica

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O Capuchinho Vermelho (conto) Texto Dramático - Versão Cénica 1 1ª Sequência (Mãe e Capuchinho Vermelho encontram-se em palco.) Narrador: Era uma vez uma rapariga chamada Capuchinho Vermelho, que vivia com a mãe perto de um grande bosque. Eram ambas mulheres muito informadas e intelectuais, com valores feministas muito marcados. Mãe: Capuchinho Vermelho podes ir a casa da tua avó? Tenho frutas frescas e água mineral que gostava que lhe fosses entregar. Não porque seja trabalho de mulher, mas como sabes é um ato muito generoso que fomenta um sentimento de comunidade! Capuchinho Vermelho: Posso sim, mãe! Eu também me preocupo com a avó. Um ato de generosidade nunca fez mal a ninguém, por isso vou à casa da avozinha entregar estas belas frutas. Mas a avó está doente? Mãe: Não, antes pelo contrário! Ela está de perfeita saúde física e mental, inteiramente capaz de cuidar de si, como adulta madura que é! (Capuchinho Vermelho sai de casa. Leva o saco no braço.) 2ª Sequência Narrador: Muitos achavam aquele bosque um lugar perigoso e de mau presságio, pelo que nunca lá punham os pés. Capuchinho Vermelho tinha, porém, tal confiança na sua sexualidade a desabrochar que não se deixava intimidar por tão óbvia imagética freudiana. O lobo vivia no bosque, uma vez que era considerado por muitos um ser desprezado da sociedade. (Capuchinho Vermelho encontra o lobo.) Lobo: Olá Menina! Onde vais tão cedo? Capuchinho Vermelho: Vou a casa da minha avó. Lobo: Não querendo ser intrometido, o que levas dentro do cesto? Capuchinho Vermelho: São uns alimentos saudáveis para a minha avó, que é evidentemente capaz de tomar conta de si própria, como adulta madura que é. Eu e a minha mãe gostamos tanto dela que decidimos fazer-lhe uma surpresa! (Ironicamente diz o lobo.) Lobo: Fazer-lhe uma surpresa? Mas que bem! É bom saber que a tua avozinha ainda é capaz de tomar conta de si própria. Isso mostra o quanto

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1ª Sequência Lobo: Fazer-lhe uma surpresa? Mas que bem! É bom saber que a tua avozinha ainda é capaz de tomar conta de si própria. Isso mostra o quanto (Mãe e Capuchinho Vermelho encontram-se em palco.) (Capuchinho Vermelho sai de casa. Leva o saco no braço.) (Capuchinho Vermelho encontra o lobo.) (Ironicamente diz o lobo.) O Capuchinho Vermelho (conto) Texto Dramático - Versão Cénica 1

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O Capuchinho Vermelho (conto) Texto Dramático - Versão Cénica

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1ª Sequência (Mãe e Capuchinho Vermelho encontram-se em palco.) Narrador: Era uma vez uma rapariga chamada Capuchinho Vermelho, que vivia com a mãe perto de um grande bosque. Eram ambas mulheres muito informadas e intelectuais, com valores feministas muito marcados. Mãe: Capuchinho Vermelho podes ir a casa da tua avó? Tenho frutas frescas e água mineral que gostava que lhe fosses entregar. Não porque seja trabalho de mulher, mas como sabes é um ato muito generoso que fomenta um sentimento de comunidade! Capuchinho Vermelho: Posso sim, mãe! Eu também me preocupo com a avó. Um ato de generosidade nunca fez mal a ninguém, por isso vou à casa da avozinha entregar estas belas frutas. Mas a avó está doente? Mãe: Não, antes pelo contrário! Ela está de perfeita saúde física e mental, inteiramente capaz de cuidar de si, como adulta madura que é! (Capuchinho Vermelho sai de casa. Leva o saco no braço.) 2ª Sequência Narrador: Muitos achavam aquele bosque um lugar perigoso e de mau presságio, pelo que nunca lá punham os pés. Capuchinho Vermelho tinha, porém, tal confiança na sua sexualidade a desabrochar que não se deixava intimidar por tão óbvia imagética freudiana. O lobo vivia no bosque, uma vez que era considerado por muitos um ser desprezado da sociedade. (Capuchinho Vermelho encontra o lobo.) Lobo: Olá Menina! Onde vais tão cedo? Capuchinho Vermelho: Vou a casa da minha avó. Lobo: Não querendo ser intrometido, o que levas dentro do cesto? Capuchinho Vermelho: São uns alimentos saudáveis para a minha avó, que é evidentemente capaz de tomar conta de si própria, como adulta madura que é. Eu e a minha mãe gostamos tanto dela que decidimos fazer-lhe uma surpresa! (Ironicamente diz o lobo.) Lobo: Fazer-lhe uma surpresa? Mas que bem! É bom saber que a tua avozinha ainda é capaz de tomar conta de si própria. Isso mostra o quanto

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O Capuchinho Vermelho (conto) Texto Dramático - Versão Cénica

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vocês mulheres são vigorosas! Mas sabes, minha querida, não é nada seguro para uma menina como tu andar sozinha pelo meio destes bosques! Capuchinho Vermelho: Considero extremamente ofensiva a tua observação sexista! Mas vou ignorá-la tendo em conta a tua tradicional condição de pária da sociedade, cujo trauma te levou a criar uma mundividência própria, perfeitamente válida. E agora, se me dás licença, tenho de prosseguir o meu caminho. Adeus! (Capuchinho Vermelho começa a andar. O lobo fica enraivecido.) (Ironicamente sussurra o lobo.) Lobo: Esta cândida criatura nem suspeitou de nada!

(Música e dança - Oh Lobo Mau) Narrador: O lobo, cuja condição de excluído da sociedade o isentara da obediência escravizante ao raciocínio linear de tipo ocidental, conhecia um atalho para casa da avozinha. (O Lobo dirige-se para a casa da avozinha.) 3ª Sequência

(Música e dança – Sou uma Bomba) (O lobo entra na casa cautelosamente). (O lobo come a avozinha. Coloca a touca e enfia-se na cama). 4ª Sequência (Capuchinho Vermelho bate à porta.) (Lobo imita a voz da avó) Lobo: Quem é? Capuchinho Vermelho: Sou eu, a Capuchinho Vermelho! Lobo: Entra minha querida, a avó está a descansar no quarto. Capuchinho Vermelho: Avozinha trouxe-lhe umas coisinhas para comer, sem gorduras nem sal, em homenagem ao seu papel de matriarca sábia e criadora. (Com voz sumida diz o lobo.) Lobo: Chega-te cá, netinha, para eu te ver.

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Capuchinho Vermelho: Ah, é verdade! Já me esquecia de que a avozinha é opticamente tão limitada como um morcego. Mas, avozinha, que grandes olhos tem! Lobo: Já muito viram e muito perdoaram! Capuchinho Vermelho: E que grande nariz tem! Em termos relativos, claro, e, de qualquer modo, atraente, à sua maneira. Lobo: Já muito cheirou e muito perdoou, minha querida! Capuchinho Vermelho: E que grandes dentes tem! Lobo: Sinto-me muito feliz por ser quem sou e o que sou. (O lobo salta da cama, agarra a Capuchinho Vermelho e tenta comê-la. Capuchinho Vermelho grita.) Capuchinho Vermelho: Não estou assustada com a tua aparente tendência para o travestismo, lobo! Mas estou horrorizada com a tua invasão ao meu espaço pessoal! (Capuchinho Vermelho horrorizada grita e começa a brigar com o lobo.) 5ª Sequência (O lenhador, passeia perto da casa. Ouve os gritos e entra na casa. Este tenta intervir, e levanta o seu machado. O Capuchinho Vermelho e o lobo param de brigar.) Lenhador: Ei ei ei! O que se passa aqui?! Capuchinho Vermelho: Nada que lhe diga respeito! Que pensa o cavalheiro que está a fazer? (O lenhador faz um ar espantando e tenta responder, mas não lhe ocorre nenhuma palavra.) Capuchinho Vermelho: Entrar aqui como um homem de Neandertal, deixando que a sua arma pense em si! Machista! Especista! Como se atreve a presumir que mulheres e lobos sejam incapazes de resolver os seus problemas sem a ajuda de um homem? (A avozinha salta de dentro da boca do lobo. Agarra no machado do lenhador e corta-lhe a cabeça. O lenhador fica deitado no chão, morto.)

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6ª Sequência (O lobo, a avozinha e o Capuchinho Vermelho juntam-se a conversar, dando alguns abraços.) Narrador: Passado o mau bocado, Capuchinho Vermelho, a avozinha e o lobo sentiram-se unidos por uma certa comunhão de propósitos. Decidiram, por isso, fundar uma família alternativa baseada no respeito mútuo e na cooperação e viveram juntos e felizes no bosque para sempre.

(Música e dança - Nós Somos Família)