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Fundamentação teórica para valoração de benefícios econômicos e sociais de unidades de conservação

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Fundamentação teórica para

valoração de benefícios

econômicos e sociais de unidades

de conservação

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Conteúdo

1. Serviços ambientais ....................................................................................... 2

2. Valoração ambiental ...................................................................................... 14

2.1 Métodos de valoração .................................................................. 16

2.2 Análise crítica da valoração .......................................................... 31

3. Referências Bibliográficas............................................................................... 33

* Este documento complementar fundamenta o conceito de serviços ambientais e de

valoração ambiental considerado no “Roteiro para valoração de benefícios econômicos

e sociais de unidades de conservação”, conforme as principais referências adotadas na

literatura científica. O Roteiro encontra-se disponível diretamente no link

http://www.fundacaogrupoboticario.org.br/pt/StaticFiles/Valoração/Roteiro_para_valo

racao_de_beneficios_UC.pdf ou no caminho www.fundacaogrupoboticario.org.br »

home » Imprensa » Material de Apoio.

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1. Serviços ambientais

O conceito de Serviço Ambiental está intrinsecamente ligado ao de Valoração

Ambiental. A atribuição de um valor monetário a algum recurso ambiental só é

possível se este gerar, de alguma forma, uma mudança de bem-estar para a

população. Em outras palavras, pela teoria econômica, algo somente possui valor

se proporcionar ao ser humano algum tipo de satisfação (“utilidade”), ainda que

seja intangível ou não necessária para a sua sobrevivência. Dessa forma, cria-se

um elo entre o elemento físico (“recurso”) e o benefício social (“serviço”) que pode

ser obtido pela sua utilização. Por exemplo, a existência de cardumes pesqueiros

(recurso) possibilita a pesca para consumo humano (serviço). Do mesmo modo, a

beleza cênica de uma área de natureza preservada é outra forma de serviço, ainda

que seu consumo (apreciação da vista) não implique em nenhuma perda para o

recurso, e não tenha sido cobrado nenhum preço para tal. A valoração ambiental

busca, então, expressar em unidades monetárias (ou outro numerário) a

importância desse serviço para a sociedade, independente da existência ou não de

um preço de mercado.

A primeira vez que a expressão “serviço” foi utilizada para representar funções

ambientais para o amplo público foi em um relatório intitulado Estudos dos

Problemas Ambientais Críticos (SCEP, 1970 apud DALY, 1997). Nesse documento

foram listados os seguintes “serviços ambientais” ameaçados:

Controle de pragas;

Polinização;

Pesca;

Regulação climática;

Retenção do sedimento;

Controle de enchentes;

Ciclagem de matéria; e

Composição da atmosfera.

Nos anos que seguiram esse conceito passou a ser mais utilizado e foram sendo

acrescentados novos serviços (tais como o de biblioteca gênica: ver HOLDREN &

EHRLICH, 1974). Na última década, serviços ambientais (ou ecossistêmicos) têm

sido largamente empregados, tendo sido adotados como a base conceitual para a

análise do Millenium Ecosystem Assessment – Ecosystems and Human Well-being

(MEA, 2005), a referência mais citada sobre o assunto. Nesse documento é definido

que:

“Serviços ambientais são os benefícios obtidos dos

ecossistemas pelas pessoas. Entre esses estão serviços de

provisão, como alimentos, água potável, madeira, e fibra;

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serviços de regulação que afetam o clima, inundações,

doenças, resíduos e qualidade da água; serviços culturais

que fornecem benefícios recreativos, estéticos e espirituais; e

serviços de suporte como formação do solo, fotossíntese e

reciclagem de nutrientes. A espécie humana, enquanto

protegida contra mudanças no meio ambiente através de

cultura e tecnologia, é fundamentalmente dependente do

fluxo de serviços ambientais (MEA, 2005)1”.

Contudo, o entendimento sobre esse conceito não é homogêneo. Alguns

consideram que serviços ambientais somente poderiam ser obtidos a partir de

elementos naturais enquanto outros incluem elementos culturais ou uma

combinação de ambos. Além disso, na literatura econômica relacionada, algumas

vezes diferencia-se o termo “bem” (tal como comida e madeira) e “serviço” (tal

como saúde e beleza cênica) (WALLACE, 2007). Tal procedimento segue a tradição

de classificar como “bens” os produtos tangíveis e como “serviços” os intangíveis.

Há, contudo, uma série de situações nas quais é bastante difícil estabelecer tal

distinção, e a classificação como bem ou serviço acaba dependente da interpretação

individual do analista. 2

A classificação dos serviços é ainda mais diversa e algumas vezes pouco delimitada.

A divisão empregada algumas vezes mistura processos (meios) para atingir os

serviços e os serviços em si (fim) dentro de uma mesma categoria de classificação

(COSTANZA et al., 1997; De GROOT, 2002; MEA, 2005; WALLACE, 2007). A seguir

será apresentado um resumo dos principais elementos presentes em cada um

desses estudos.

1 Tradução própria.

2 Outra forma de diferenciar “bens” e “serviços” é que os últimos são necessariamente

consumidos no ato de sua produção – ou seja, produção e consumo são simultâneos –

enquanto que os bens são produzidos anteriormente ao seu consumo. Na prática, contudo,

há situações de difícil caracterização, como é o caso de softwares e outros produtos que

possuem características híbridas. Na literatura sobre serviços ambientais, a diferenciação

entre bens e serviços usualmente é omitida, assumindo-se implicitamente que uma das

propriedades dos serviços ambientais é a de prover bens para a satisfação humana. Note

que a classificação apresentada acima – serviços são consumidos no ato da produção – é de

aplicação questionável para recursos naturais na medida em que não são fruto de processos

produtivos, mas ativos não produzidos. A literatura sobre contabilidade ambiental (“PIB

verde”) discute essa questão, mas não incorporou ainda o conceito de serviços ambientais.

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De Groot (2002)

Esse artigo tem como finalidade descrever os serviços ecossistêmicos e

detalhar os métodos utilizados na valoração desses serviços. É feita uma

análise acerca de cada tipo de valor: ecológico, sociocultural e econômico.

Tendo em vista que grande parte das informações sobre os valores de bens

e serviços ecológicos aparece com dados incompatíveis com as tabelas de

análise e que cada autor classifica esses serviços de uma forma, esse

estudo apresenta um quadro padronizado para a avaliação global das

funções ecossistêmicas de bens e serviços. Em resposta a esse desafio, o

documento mostra um quadro conceitual e a tipologia para a descrição,

classificação e valorização das funções ecossistêmicas de bens e serviços

de forma clara e coerente. Foi feita uma classificação para a maior gama

possível de 23 funções ecossistêmicas que fornecem um número ainda

maior de bens e serviços. Na segunda parte do artigo, uma lista de

verificação e uma matriz são apresentadas, ligando essas funções do

ecossistema aos principais métodos ecológicos, socioculturais e econômicos

de valoração.

O estudo tenta fornecer uma abrangente e coerente visão global de todas

as funções, bens e serviços fornecidos pelos ecossistemas naturais e

seminaturais, assim como descreve suas ligações com métodos de

avaliação disponíveis. São apontadas algumas importantes questões

teóricas e empíricas que precisam ser resolvidas:

Primeiramente, os serviços e funções ecológicas podem sobrepor-se,

levando à possibilidade de “dupla contagem” econômica. Por exemplo, as

funções reguladoras de gases (e serviços associados) têm influência sobre

o clima e podem, portanto, ser avaliadas separadamente, ou como uma

parte integrante do serviço de regulação climática. Problemas semelhantes

podem ocorrer quando se trata dos serviços de “prevenção de distúrbios”

(disturbance prevention) e “regulação da água”: uma enxurrada excessiva

pode causar inundações e, consequentemente, maiores perturbações. Por

isso, a interconexão de determinadas funções ecológicas e serviços ligados

aos ecossistemas associados torna necessário o desenvolvimento de

modelos dinâmicos que levem em conta as interdependências entre as

funções ecossistêmicas, serviços e valores.

Em segundo lugar, ao combinar a tipologia proposta contra os melhores

métodos de avaliação, demonstrou-se que, para todos os tipos de funções

ecossistêmicas é possível, em princípio, chegar a uma estimativa

monetária das preferências humanas sobre a disponibilidade e manutenção

dos respectivos serviços ecossistêmicos. No entanto, embora vários

métodos de valoração possam ser utilizados lado a lado, faz-se necessário

elaborar uma lista identificando e ordenando os métodos de valoração mais

e menos adequados para cada tipo de serviço ambiental, a fim de evitar

dupla contagem de dados e de melhorar a sua comparabilidade.

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Wallace (2007)

Partindo do princípio de que os valores ecossistêmicos não estão bem

contabilizados nas decisões relativas a recursos naturais, o estudo tem

como objetivo caracterizar e classificar os serviços ambientais, assim como

definir as questões-chave relativas aos processos, funções e serviços

ecossistêmicos. É uma tentativa de esclarecer definições e desenvolver um

sistema de classificação dos serviços ecossistêmicos que possam ser

utilizados para avaliar alternativas biológicas e outras utilizações de

recursos naturais de forma que as decisões maximizem a probabilidade de

que o bem-estar humano seja mantido no longo prazo. Nesse contexto, o

conceito de serviços ecossistêmicos oferece uma importante oportunidade

para desenvolver um quadro favorável à utilização racional da

biodiversidade e de outros recursos naturais disponíveis.

Uma característica da análise desse estudo é a de diferenciar os termos

‘bem’ (como comida e madeira) e ‘serviço’ (como beleza cênica). Dessa

forma, os produtos tangíveis proporcionados pela natureza são

considerados como ‘bens’ e os intangíveis são classificados como ‘serviços’.

Além disso, a divisão empregada na classificação dos serviços algumas

vezes mistura processos (meios) para atingir os serviços e os serviços em

si (fins) dentro de uma mesma categoria de classificação.

O sistema de classificação relaciona explicitamente valores com os serviços

e processos ecossistêmicos e com ecossistemas naturais e socioculturais

ativos. Esses valores descrevem aspectos importantes do bem-estar

humano e, portanto, devem prestar assistência às pessoas acusadas de

comunicar a importância dos recursos naturais. Isso é particularmente

importante nas decisões que envolvem a biodiversidade, nas quais os

valores muitas vezes não estão claramente indicados e acabam

concorrendo fracamente quando há ocorrência de trade-offs.

A classificação dos serviços foi deliberadamente concebida para permitir

que decisões relativas a recursos naturais e culturais fossem integradas no

mesmo processo decisório. A obtenção de êxito na tomada de decisão

inclui identificação e envolvimento daqueles que deveriam estar

representados no processo de avaliação, assim como incorporação de

medidas de viabilidade de gestão e de avaliações de risco.

Após esclarecer as definições e discutir os componentes básicos de uma

tipologia eficaz, esse trabalho desenvolve uma classificação dos serviços

ambientais que fornece um quadro para a tomada de decisões na gestão

dos recursos naturais. No entanto, ainda são necessários mais trabalhos

para resolver questões particulares, tais como a classificação dos serviços

socioculturais. O artigo ressalta que apesar de a ciência poder contribuir

para decisões eficazes por classificar claramente os serviços e descrever as

suas ligações aos processos, as decisões finais relativas à biodiversidade e

outros recursos naturais devem ser do tipo político-sociais e embutidas

dentro de um determinado contexto cultural.

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MEA (2005)

Esse estudo contribui com uma base de conhecimentos para melhorar

decisões, oferecendo capacidade para analisar e fornecendo informações

que possam tornar tais decisões mais bem fundamentadas. Assim, é

apresentada uma abordagem conceitual e metodológica usada para avaliar

opções que permitam aumentar a contribuição dos ecossistemas para o

bem-estar humano.

Tal abordagem fornece uma base apropriada para que os governos, o setor

privado e as comunidades possam incluir os ecossistemas e os serviços

ambientais nos seus planos e atividades. Segundo o artigo, embora a

espécie humana esteja protegida das ações imediatas do meio ambiente

por meio da cultura e da tecnologia, ela está em última instância

totalmente dependente do funcionamento dos serviços ecossistêmicos.

Assim sendo, o documento constitui-se em uma resposta à necessidade de

mapear a saúde do planeta por meio de uma avaliação abrangente dos

maiores ecossistemas mundiais.

Realizou-se uma avaliação integrada das consequências de mudanças nos

ecossistemas para os seres humanos, a fim de analisar as opções

disponíveis para melhorar a conservação do meio ambiente e a sua

contribuição para as necessidades humanas.

A estrutura desenvolvida pelo estudo oferece aos tomadores de decisões

um mecanismo para:

1. Identificar opções que permitam atingir da melhor forma as metas

fundamentais de desenvolvimento humano e sustentabilidade;

2. Compreender melhor os compromissos (“trade-offs”) envolvidos

entre os vários setores e partes interessadas nas decisões

referentes ao meio ambiente; e

3. Alinhar as opções de resposta com o nível de administração em

que estas podem ser mais efetivas.

Tendo em vista que os serviços ambientais são os benefícios que as

pessoas adquirem do ecossistema, os quais são descritos no estudo como

serviços de produção, de regulação, de suporte e serviços culturais, as

possíveis mudanças na oferta desses serviços afetam o bem-estar humano

de diversas formas. Portanto, o artigo tem como objetivo analisar essas

variações de bem-estar causadas pela alteração dos serviços

ecossistêmicos. A atenção é focalizada nas relações entre os serviços

ambientais e o bem-estar humano, trabalhando com todos os tipos de

ecossistemas e com análises em escalas global, regional e local.

Costanza et al. (1997)

Desenvolver indicadores significativos de serviços ecossistêmicos quando

não temos um mercado para eles é um exercício necessário e razoável, na

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medida em que o bem-estar humano depende da melhora ou piora desses

serviços. Como citado no documento, podemos ter mais casas, mas se isso

significa que temos menos árvores e menos florestas viáveis, algo está

seriamente errado com um sistema de contabilidade que só acrescenta

casas e presume que esta é uma medida completa da mudança de bem-

estar. Também é necessário abordar a questão de qual é a 'escala' ou o

tamanho ótimo da economia em relação ao sistema ecológico de apoio à

vida.

Para abordar tais questões deve haver capacidade de comparar

diretamente o valor dos serviços ecossistêmicos perdidos com o valor de

outros serviços econômicos adquiridos, algo que os outros métodos para

avaliar a importância dos serviços ecossistêmicos não podem fazer.

O propósito desse exercício de valoração global é simplesmente o de iniciar

o exercício de medir o valor total dos serviços ligados aos ecossistemas.

Os serviços dos sistemas ecológicos e o estoque de produção de capital

natural são críticos para o funcionamento do sistema de apoio da Terra.

Eles contribuem para o bem-estar humano, direta ou indiretamente, e,

portanto, representam parte do valor econômico total (VET) do planeta. Foi

realizada uma estimativa do atual valor econômico de 17 serviços

ecossistêmicos para 16 biomas, com base em estudos publicados e alguns

cálculos originais. Esse estudo torna absolutamente claro que os serviços

ecossistêmicos fornecem uma importante parcela da contribuição total para

o bem-estar humano e do planeta. Dessa forma, é preciso começar a dar

ao capital natural que produz esses serviços um peso adequado nos

processos de tomada de decisões. Caso não seja dada a devida atenção

aos serviços e bens fornecidos pelos ecossistemas e aos possíveis danos

ambientais que podem reduzi-los, o bem-estar humano no presente e no

futuro pode sofrer drasticamente.

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Tabela 1: Diferentes classificações de serviços ambientais.

De Groot Constanza et al. Wallace MEA

Divisão Serviços Divisão Serviços Divisão Serviços Divisão Serviços

Serviços de Provisão

Alimentos

Não divide

Regulação de gases

Serviços de Provisão

Alimentos

Serviços de Provisão

Alimentos

Matérias-primas Regulação climática Fibra Fibra

Recursos genéticos Prevenção de distúrbios Recursos genéticos Recursos genéticos

Recursos medicinais Regulação da água

Bioquímicos, medicinas naturais,

etc

Bioquímicos, medicinas naturais, produtos

farmacêuticos

Recursos

ornamentais Fornecimento de água

Recursos ornamentais Água doce

Serviços de Regulação

Regulação de gases Controle de erosão e

retenção de sedimentos Água doce

Serviços de Regulação

Regulação da qualidade do ar

Regulação climática Formação do solo

Serviços de Regulação

Regulação da qualidade do ar

Regulação climática

Prevenção de distúrbios

Reciclagem de nutrientes

Regulação climática Regulação da água

Regulação da água Tratamento de resíduos Regulação da água Regulação da erosão

Fornecimento de água

Polinização

Regulação da erosão Purificação da água e

tratamento de resíduos

Retenção do solo Controle biológico Regulação de doenças Regulação de doenças

Formação do solo Refúgio Regulação de pragas Regulação de pragas

Regulação de nutrientes

Produção de alimentos

Polinização Polinização

Tratamento de resíduos

Matérias-primas

Serviços Culturais

Diversidade cultural Regulação dos riscos naturais

Polinização Recursos genéticos

Valores espirituais e religiosos

Serviços Culturais

Valores espirituais e religiosos

Controle biológico Recreação

Recreação e ecoturismo

Valores estéticos

Serviços Culturais

Informação estética Cultura Valores estéticos Recreação e ecoturismo

Recreação Sistemas de

conhecimento

Informação cultural e artística

Valores educacionais

Informação histórica e espiritual

Serviços de Suporte

Formação do solo

Ciência e educação Fotossíntese

Serviços de Suporte

Refúgio Produção primária

Berçário natural Reciclagem de

nutrientes

Reciclagem da água

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A utilização do termo serviços ambientais, mais comum, como sinônimo para

serviços ecossistêmicos é algumas vezes debatida por duas razões principais.

Primeiramente por que o termo ecossistêmico está mais próximo do conceito

desenvolvido pelo Millenium Ecosystem Assessment, que em nenhum momento se

refere a serviços ambientais (em inglês seria: environmental services). O outro

motivo está ligado ao fato de se tentar evitar confusão com o conceito de bens e

serviços ambientais utilizado pela Organização Mundial do Comércio, que não tem

nenhuma relação com os serviços providos pelos ecossistemas, referindo-se, por

exemplo, a filtros de ar e serviços de consultoria em temas de recursos naturais

(MADRIGAL & ALPIZAR, 2008).

De fato, serviço ambiental é somente uma representação mais atraente do conceito

de externalidade positiva prestada pelo meio ambiente, já bastante arraigada na

literatura de economia ambiental. Porém, devido a sua ampla aceitação, a

utilização desse conceito é bastante útil como ferramenta de linguagem, tornando

mais clara a relação entre a alteração do ambiente natural e a desutilidade social

gerada.

Descrição dos serviços

A seguir segue uma breve descrição dos serviços ambientais que serão avaliados

neste trabalho (listados na Tabela 2 abaixo). Utilizaram-se o MEA (2005) e o De

GROOT (2002) como ponto de partida para a divisão e definição dos serviços,

complementando-os com o ponto de vista de WALLACE (2007) e, em alguns casos,

adaptando-os de acordo com as especificidades do presente relatório.

Tabela 2: Serviços ambientais afetados pelas atividades do setor petróleo em estudo.

Serviços Ambientais

Alimentos e fibras

Recursos agroflorestais

Pesca

Qualidade do ar

Recursos genéticos e bioquímicos

Qualidade da água e tratamento de resíduos

Abastecimento

Regulação climática

Turismo e recreação

Beleza cênica

A escolha dos serviços a serem analisados foi baseada na descrição das

consequências ambientais dos impactos causados pelas atividades em estudo,

apresentada na literatura consultada.

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Alimentos e fibras3

Alimentos são obtidos de sistemas manuseados como agricultura, pecuária, e

aquicultura, mas também de fontes silvestres, incluindo água fresca, pesca,

colheita de plantas silvestres e a caça. A madeira pode ser colhida nas florestas e

plantações e usada para diversas finalidades como na construção civil, fabrico,

combustível, entre outros usos. Florestas, culturas agrícolas e estrume servem

como fonte de energia da biomassa. Uma grande variedade de colheitas e pecuária

é utilizada na produção de fibra. Algodão, linho, cânhamo e juta geralmente são

produzidos de sistemas agrícolas, enquanto sisal é produzido a partir de folhas de

palma Agave. Seda é produzida por bichos-da-seda alimentados com folhas de

amoreira, e lã é produzida por ovinos, caprinos, alpaca, entre outros animais (MEA,

2005). É possível obter diversos produtos não madeireiros das florestas nativas e,

no caso da Amazônia, pode-se ressaltar as frutas (açaí, camu-camu, cupuaçu e

guaraná); os óleos vegetais (andiroba, babaçu, babosa, buriti, dendê, murumuru e

patuá); os óleos essenciais (copaíba, pau-rosa, cipó-d’alho e sacaca); os corantes

(abuta, açafrão e urucum); e as plantas medicinais (chicória, erva-de-jararaca,

jaborandi, marupazinho e unha-de-gato).

Para dar mais especificidade a esse serviço ambiental, tornando mais clara a

relação causal com os impactos apresentados anteriormente, ele foi dividido em

dois “subserviços”.

Recursos agro-glorestais: Obtidos de ecossistemas terrestres.

Pesca: Obtidos de ecossistemas aquáticos

Qualidade do ar

A vida na Terra existe dentro de uma estreita faixa de equilíbrio químico na

atmosfera e nos oceanos, e qualquer alteração nesse equilíbrio pode ter impactos

positivos ou negativos tanto em processos naturais como em processos sociais e

econômicos. A composição química da atmosfera (e dos oceanos) é mantida por

processos biogeoquímicos que, por sua vez, são influenciados por muitos

componentes bióticos e abióticos dos ecossistemas naturais. Exemplos importantes

são a influência da biota natural nos processos que regulam o equilíbrio entre CO2 e

O2, mantêm a camada de ozônio (O3), e regulam níveis de SOx. Os serviços

principais providos pela regulação de gases são a manutenção de um ar limpo e

respirável, e a prevenção de doenças (como enfermidades respiratórias e câncer de

pele), isto é, a manutenção geral de um planeta habitável (De GROOT, 2002).

Recursos genéticos e bioquímicos

Muitos dos recursos bióticos que antes eram coletados na natureza agora são

obtidos a partir de plantas cultivadas e animais domesticados. Entretanto,

importantes colheitas não podem manter estatuto comercial sem o suporte

genético de seus parentes silvestres. Para manter a produtividade – ou para mudar

e melhorar certas características como sabor, resistência a pragas e doenças, e

3 A nomenclatura desse serviço segue a utiliza por MEA (2005), food and fiber, porém seria

mais preciso denominá-la “alimentos e matéria-prima”.

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adaptação a determinadas condições ambientais – a aplicação regular de material

genético de seus parentes silvestres e ancestrais primitivos (semi) domesticados

continua essencial. Essas aplicações podem variar de reprodução simples cruzada

entre variedades cultivadas e selvagens de espécies importantes, até complicadas

manipulações de recursos genéticos, por meio da pesquisa biotecnológica e da

engenharia genética (OLDFIELD, 1984 apud De GROOT, 2002). Os recursos

genéticos e bioquímicos para fins comerciais podem ser aproveitados por meio da

avaliação e exploração sistemática da diversidade biológica de um determinado

local. A bioprospecção é utilizada por diversas indústrias, como a indústria

farmacêutica, botânica, de cosméticos, horticultura, entre outras. A preservação

dos recursos genéticos garante a existência de linhagens de espécies com

diferentes utilidades para o homem.

Qualidade da água e tratamento de resíduos4

Num alcance limitado, os sistemas naturais são capazes de armazenar e reciclar

certas quantidades de resíduos humanos orgânicos e inorgânicos por meio da

diluição, assimilação e recomposição química. As florestas, por exemplo, filtram

partículas de poeira do ar, e as zonas úmidas e outros ecossistemas aquáticos

podem tratar relativamente grandes quantidades de resíduos orgânicos das

atividades humanas agindo como plantas purificadoras de água “sem custos”.

Ecossistemas podem ajudar a filtrar e decompor resíduos de organismos

introduzidos em águas continentais, costais e marinhas, e podem assimilar e

desintoxicar componentes por meio de processos do solo e subsolo (MEA, 2005; De

GROOT, 2002).

Abastecimento

Essa função do ecossistema se refere à filtragem, retenção e armazenamento de

água em, principalmente, riachos, lagos e aquíferos. A função de filtragem é feita

majoritariamente pela cobertura vegetal e (solo) biota. A retenção e a capacidade

de armazenamento dependem da topografia e subsuperfície características do

ecossistema envolvido. A função de abastecimento de água também depende do

papel dos ecossistemas no ciclo hidrológico, mas focando primeiramente na

capacidade de armazenamento em vez do fluxo de água por meio do sistema.

Serviços ambientais associados com o abastecimento de água são relacionados ao

uso destrutivo da água (pelas famílias, agricultura e indústria) (De GROOT, 2002).

Regulação climática

Tempo e clima locais são determinados pela complexa interação de padrões de

circulação regional e global com a topografia local, vegetação, albedo, bem como a

configuração de, por exemplo, lagos, rios e baías. Devido às propriedades estufa de

alguns gases atmosféricos, a regulação de gases também desempenha um papel

importante nessa função, mas propriedades de reflexão de ecossistemas são

igualmente importantes na determinação das condições meteorológicas e climáticas

em diferentes escalas. Os serviços prestados por essa função referem-se à

manutenção de um clima favorável, tanto em escalas local e global, que por sua

4 Referenciado em inglês como “Water purification and waste treatment”.

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vez, são importantes para, entre outros, a saúde humana, produtividade de

colheitas, lazer e atividades culturais (De GROOT, 2002).

Turismo e recreação

Ecossistemas naturais são importantes como lugares de descanso, relaxamento,

refresco e recreação. Por meio das qualidades estéticas e variedades quase

ilimitadas de paisagens, o ambiente natural fornece diversas oportunidades para

atividades recreativas, tais como caminhadas, passeios, acampamentos, pescaria,

natação e o estudo da natureza. Como a procura de lazer em áreas naturais não

para de crescer, a tendência é de que o ecoturismo continuará a aumentar no

futuro (De GROOT, 2002).

Beleza cênica

Muitos desfrutam de paisagens proporcionadas por áreas naturais, por exemplo,

existe uma preferência em viver em ambientes esteticamente agradáveis.

Informação estética pode ter uma grande importância econômica, como por meio

da influência sobre os preços de imóveis: casas perto de parques nacionais ou com

uma bela vista para o mar são geralmente muito mais valorizadas do que casas

semelhantes em áreas menos favorecidas (De GROOT, 2002; COSTANZA et al.,

1997).

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Serviços impactados

A Tabela 3 apresenta os serviços ambientais afetados. Essa associação foi feita

baseada na avaliação de Estudos de Impactos Ambientais (EIAs) dos

empreendimentos em estudo e na literatura consultada.

Tabela 3: Serviços analisados por tipo e etapa do empreendimento.

Atividade Etapa da atividade

Impactos Serviços ambientais afetados

Plataforma

Perfuração

Alteração da comunidade bentônica

Recurso genético

Degradação da qualidade da água

Qualidade da água

Implantação

Alteração na paisagem Beleza cênica, turismo

Morte de organismos

bentônicos Recurso genético

Alteração da biota marinha Recurso genético, pesca

Introdução de espécies exóticas

Recurso genético, pesca

Pressão sobre a infraestrutura

Tratamento de resíduos

Operação

Alteração da qualidade da

água

Recurso genético, qualidade da

água, turismo

Pressão sobre a infraestrutura

Tratamento de resíduos

Alteração da qualidade do ar

Qualidade do ar, regulação climática

Interferência sobre a pesca devido à zona de

exclusão

Pesca

Desmobilização Alteração da biota marinha Recurso genético, pesca

Dutos offshore

Implantação

Perturbação física do leito

marinho Recurso genético

Interferência com a pesca

devido à presença física dos dutos

Pesca

Dutos Terrestres

Implantação

Alteração na paisagem Beleza cênica, turismo

Supressão vegetal Recursos florestais, regulação climática, recurso genético,

qualidade do ar

Interferência sobre a fauna terrestre

Recurso genético

Refino

Implantação

Alteração na paisagem Beleza cênica

Supressão vegetal Recursos florestais, regulação

climática, recurso genético

Interferência sobre a fauna terrestre e aquática

Recurso genético

Operação

Alteração da qualidade do ar

Qualidade do ar

Uso da água Abastecimento

Alteração da qualidade da

água Qualidade da água

Interferência sobre a fauna terrestre e aquática

Recurso genético, turismo, qualidade da água

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2. Valoração ambiental

O valor econômico dos recursos naturais é derivado dos seus atributos, fluxos de

bens e serviços ambientais, que geram satisfação aos indivíduos por meio do

consumo e/ou devido à própria existência do recurso ambiental. Normalmente, o

serviço ambiental derivado de um recurso natural não apresenta preço de mercado

definido, sendo necessária a utilização de técnicas específicas para estimá-lo. Em

outras palavras, o valor dos serviços ambientais corresponde à utilidade gerada por

todos os seus atributos, relacionados ou não ao seu uso, para a sociedade. Assim, é

comum na literatura desagregar o valor econômico do serviço ambiental em valor

de uso e valor de não uso. Os valores de uso podem ser ainda subdivididos em

valores de uso direto (VUD), valor de uso indireto (VUI) e valor de opção (VO).

O valor de uso direto corresponde à utilização/consumo atual e direta do recurso

ambiental, como por exemplo, extração mineral ou pesca. Dessa forma, há clara

identificação dos beneficiados pelos serviços ambientais. O valor de uso indireto,

por sua vez, ocorre quando o benefício gerado pelo recurso ambiental é derivado de

funções ecossistêmicas do mesmo, tais como a estabilidade climática decorrente da

preservação florestal, isto é, uma forma indireta de beneficiar-se por meio do

recurso natural. Ou seja, apesar de o recurso natural não ser utilizado/consumido

diretamente, ele proporciona benefícios indiretos para a sociedade, de forma difusa.

Por fim, o valor de opção reflete a atribuição de valores diretos e indiretos ao

recurso, e sua manutenção para utilização futura: opção pelo uso futuro ao invés

da exploração presente. O valor de opção também pode ser entendido como

valores de uso direto e indireto que, embora não sejam observados hoje, têm

potencial para serem percebidos no futuro. Ou seja, apesar dos recursos naturais

não serem utilizados /consumidos diretamente ou indiretamente no presente, pode

ser que no futuro eles possam vir a ser utilizados/consumidos de forma direta e/ou

indireta. Um exemplo prático pode ser o caso da biodiversidade da Amazônia. Um

dos possíveis valores de opção da biodiversidade pode ser considerado como a

possibilidade de serem desenvolvidos remédios, utilizando como insumo pesquisas

feitas na Amazônia e recursos naturais da região. Assim, entende-se que no futuro

aquela região pode ser importante para utilização/consumo direto e indireto, por

mais que no presente não ser utilizada dessa forma.

Alguns autores diferenciam o valor de quase opção como os serviços ambientais

que poderão ser gerados no futuro com um conhecimento que hoje ainda não está

disponível e, portanto, só poderá ser obtido no futuro. No exemplo anterior, o valor

de opção dos recursos genéticos presentes na biodiversidade refere-se ao potencial

de desenvolvimento de novos produtos e processos com base no conhecimento

atual, enquanto que o valor de quase opção refere-se ao potencial futuro com

novas tecnologias que ainda serão desenvolvidas.

O valor de não uso equivale ao valor de existência (VE) e “deriva-se de uma

posição moral, cultural, ética, ou altruísta em relação aos direitos de existência […]

de riquezas naturais, mesmo que estas não representem uso atual ou futuro para o

indivíduo”. (SEROA DA MOTTA, 1998, p.12). Trata-se, portanto, do valor que é

atribuído à preservação, pura e simplesmente, de algum tipo de recurso

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independente de qualquer expectativa de benefício, direto ou indireto, no presente

ou no futuro.

O Quadro 1, abaixo, apresenta essa taxonomia.

Quadro 1: Taxonomia dos valores econômicos ambientais.

Valor econômico dos recursos ambientais

Valor de uso Valor de não uso

Valor de uso

direto

Valor de uso

indireto

Valor de

opção Valor de existência

Recursos

diretamente

consumíveis

Benefícios das

funções

ecossistêmicas

Valores

diretos e

indiretos

futuros

Valor do conhecimento

da continuidade da

existência

Fonte: Pearce (1994)

Essa divisão dos valores de uso e de não uso de um recurso natural é fundamental

para aplicação das técnicas de valoração, pois permite a identificação e

classificação dos diversos valores do recurso ambiental e o desenvolvimento de

meios para captá-los.

Isso não quer dizer, porém, que os métodos de valoração sejam capazes de

estimar todas as parcelas do valor do recurso. Em termos práticos, são valorados

os serviços ambientais mais relevantes, por isso os resultados obtidos subestimam

o valor total do mesmo.

Existem duas abordagens na literatura para realizar a valoração econômica de bens

ou serviços ambientais, diferenciadas quanto à utilização dos recursos naturais

pelos indivíduos:

Os métodos baseados em preferências reveladas, nos quais o indivíduo

revela suas preferências por meio da compra de certos bens de mercado

associados ao uso ou consumo do bem ambiental. Quando esse bem é

utilizado para atividades recreativas, como parques, praias e lagos, gera um

fluxo de serviços mensuráveis para os indivíduos. Cada visita ao lugar de

recreação envolve uma transação implícita, utilização dos serviços

recreativos do parque, praia, lago, etc.

Os métodos baseados em preferência declarada: os indivíduos declaram

as suas preferências em questionários simulando mercados hipotéticos

(método de valoração contingente) ou jogos estruturados (escolha de

experimentos), caracterizando os métodos de preferência declarada. Esses

métodos referem-se a estudos baseados em pesquisa de campo nos quais

são elaboradas perguntas sobre situações hipotéticas que visam captar

informações sobre as preferências ou valores dos entrevistados. Dessa

forma, as preferências individuais são declaradas e não reveladas

indiretamente de uma transação efetiva.

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A seguir serão apresentadas algumas técnicas de valoração dos recursos naturais.

2.1 Métodos de valoração

Valorar significa estimar a variação do bem-estar das pessoas devido a mudanças

na quantidade ou qualidade de bens e serviços ambientais, seja na apropriação

para uso ou não. Imputar valor aos recursos ambientais se traduz, portanto, na

melhor forma de calcular o valor em unidades monetárias das perdas ou ganhos da

sociedade diante da variação do recurso. Isso pode ser feito por meio das técnicas

de valoração, de modo a diferenciar cada projeto e objetivo do estudo para a

análise técnica da valoração adequada.

A escolha do método depende do objetivo da valoração, das hipóteses

consideradas, da disponibilidade de dados e do conhecimento científico a respeito

da dinâmica ecológica do objeto em questão, ou seja, do recurso natural analisado.

Sendo assim, estimar valores nem sempre representa a captação do valor

intrínseco do recurso, pois existem problemas práticos que podem afetar nessa

relação, fazendo com que o preço do recurso ambiental não reflita verdadeiramente

o valor da totalidade dos recursos usados.

As duas abordagens de valoração, por preferência revelada ou declarada, de acordo

com as suas hipóteses, estimam os valores econômicos dos recursos naturais. No

entanto, os métodos de valoração por preferência revelada captam apenas os

valores de uso diretos e indiretos do recurso ambiental para a geração do fluxo de

produção de um recurso privado. Os valores de opção e existência não podem ser

capturados por esses métodos, pois transações efetuadas em mercados não

revelam tais valores. Dessa forma, esses métodos subestimam o valor econômico

do recurso ambiental.

Os métodos de valoração por preferências reveladas são ideais para recursos

ambientais que são importantes insumos da produção. Alterações na sua

disponibilidade afetam o nível de produto da economia significativamente

(FREEMAN III, 2003; SEROA DA MOTTA, 1998). Métodos de valoração por

preferências reveladas também são usados quando existem mercados de produtos

cuja demanda é influenciada pela disponibilidade ou qualidade do recurso.

Por outro lado, os métodos de valoração por preferência declarada possibilitam a

estimação de todas as parcelas que compõem o valor econômico de um recurso

ambiental, mas exigem grande esforço de pesquisa de campo, desenvolvimento de

questionários e conhecimento de técnicas econométricas capazes de estimar a

função de demanda e as variações de bem-estar corretamente.

É interessante ressaltar a diferenciação entre métodos de função de produção, e

métodos de função de demanda. Apesar de essa classificação estar em desuso,

ainda é apresentada em alguns importantes manuais. A função de produção

estima o quanto varia a receita líquida de atividades econômicas que dependem de

um insumo ambiental, revelando o excedente do produtor. Nessa função, estão

incluídos as técnicas de custo evitado (MCE) e método de dose-resposta ou da

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produtividade marginal (MDR ou MPMg). Já a função demanda mensura o valor

dos recursos ambientais consumidos diretamente pelos indivíduos, revelando sua

disposição a pagar (DAP), por meio do excedente do consumidor. Tal função é

descrita pelos métodos de preços hedônicos (MPH), método do custo de viagem

(MCV) e método da valoração contingente (MVC).

Quadro 2: Métodos para valoração de bens e serviços das florestas tropicais

Valor de uso Valor de não uso

(1) Valor de uso direto (2) Valor de uso

indireto

(3) Valor de

opção

(4) Valor de

existência

- Produtos madeireiros

(madeira,

combustível)

- Produtos não

madeireiros

(alimentos,

medicamentos,

utensílios, material

genético)

- Usos educacionais,

recreacionais e

culturais

- Proteção dos

corpos d'água

- Redução da

poluição do ar

- Sequestro de

carbono

- Regulação

microclimática

- Usos futuros

associados a

(1) e (2)

- Biodiversidade

- Valores culturais

Possíveis abordagens para a valoração

- Custo de viagem.

- MVC.

- Preços hedônicos

- Produtividade

marginal

- Custo de

oportunidade

- Custo de reposição

- Custos evitados

- Gastos defensivos

- Produtividade

marginal

- Custos de

reposição -

MVC

- MVC - MVC

Fonte: BISHOP et alii (1992).

Método da Produção Sacrificada/ Método da Produtividade Marginal 2.1.1

(MPM)

Caso uma indústria resolva aumentar o nível de emissão de efluentes na água, isso

provavelmente afetará a qualidade do corpo hídrico receptor. Como consequência,

poderá haver diminuição da quantidade de peixes e outros componentes da cadeia

alimentar aquática, reduzindo a produção do setor pesqueiro. O MPM objetiva

estimar o valor monetário da variação dos atributos ambientais (no caso, da

modificação da qualidade da água) por meio do cálculo da redução da atividade

produtiva associada (no exemplo, pelos danos causados pela poluição de

empreendimentos, afetando a qualidade destes recursos ambientais).

Muitas vezes, essas estimativas são obtidas por meio de funções dose-resposta,

que estabelecem correlações entre estatísticas entre a variação em um parâmetro

ambiental que reflete a mudança na qualidade do meio (dose) e o consequente

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efeito sobre a variável utilizada para medir o impacto sobre a produção ou bem-

estar humano (resposta). Assim, esse método busca estimar quanto que uma

variação no estoque (quantidade) ou no fluxo (qualidade) do recurso ambiental

causa de impacto, medido em unidades físicas, na produção de um bem ou serviço

que possui preços de mercado. No exemplo acima, a “dose” é a variação na

qualidade da água ocasionada pelo despejo do efluente, e a “resposta” refere-se à

modificação na produção pesqueira, em toneladas, causada pelo incremento de

poluição. Para obter o valor monetário do dano, multiplica-se a quantidade de

produção pesqueira sacrificada pelo aumento da poluição pelo preço médio

esperado do produto pesqueiro.

O método da produtividade marginal é aplicável quando o recurso ambiental

analisado é fator de produção ou insumo na produção de um bem ou serviço

comercializado em mercado, relacionando assim o dano físico observado com

diferentes níveis de qualidade do recurso ambiental. É extremamente comum para

o cálculo de danos ocasionados por acidentes ambientais que prejudicam a

capacidade produtiva de terceiros, como no caso de vazamentos de óleo que

acabam impedindo a produção pesqueira ou a atividade turística.

O método pode ser também empregado para estimar valores de opção, desde que

se reconheça que o dano ambiental estudado acabou afetando uma eventual

atividade produtiva futura, ainda não estabelecida, mas com probabilidade

significativa de ocorrer. Por exemplo, a destruição de uma floresta nativa pode

acarretar em perdas de atividades futuras de ecoturismo que ainda não haviam se

estabelecido na região, mas que provavelmente iriam se estabelecer (ou seja, a

destruição da floresta eliminou a opção do ecoturismo no futuro). Contudo, para

que essa estimativa seja viável, é preciso estabelecer a probabilidade de que

efetivamente ocorra a atividade cuja produção futura será prejudicada.

Porém, como todos os demais métodos, a técnica da produtividade marginal possui

limitações em função da complexa mensuração de alguns danos. A dificuldade

provém do fato de que muitas vezes a dinâmica ecossistêmica não é totalmente

conhecida: a relação dose-resposta, por exemplo, pode representar difícil

entendimento e relativa complexidade devido ao resgate de variáveis pouco

conhecidas. Apesar de ser um método que requer poucos recursos financeiros na

sua implementação, necessita de dados que geralmente não estão disponíveis. Por

fim, limita-se a estimar apenas valores de uso diretos e, eventualmente indiretos

ou de opção, diretamente relacionados à produção, não podendo ser utilizado para

casos nos quais o dano refere-se à qualidade de vida. Tampouco pode ser utilizado

para estimar valores de existência. Logo, subestima o valor econômico total do

impacto ambiental a ser estudado.

Método do Custo de Reposição 2.1.2

Este método consiste em estimar o custo de restaurar ou repor um recurso

ambiental danificado, objetivando restabelecer a qualidade ou quantidade do

recurso inicialmente existente, isto é, antes dele ser danificado. Esse método usa o

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custo de reposição como uma aproximação da variação da medida de bem-estar

relacionada ao recurso ambiental.

Exemplos da utilização desse método podem variar bastante, a exemplo dos gastos

incorridos na adubação para manter a produtividade agrícola constante, como

forma de compensar um processo erosivo, ou custos de reflorestamento em áreas

desmatadas para garantir a manutenção do fluxo de serviços ambientais antes

gerados pela floresta perdida. Também pode ser empregado para os casos em que

gastos com medicamentos ou internação hospitalar são necessários para recuperar

a saúde de indivíduos afetados pela poluição do meio.

Um aspecto positivo do método de custos de reposição é sua relativa facilidade de

cálculo, pois concentra-se em gastos que possuem preços de mercados definidos,

que podem ser utilizados como base da valoração. Contudo, esse procedimento é

criticável na medida em que não estima o valor total do dano, mas o custo de

reparar as consequências negativas que são passíveis de medidas mitigadoras.

Além disso, dificilmente se consegue estabelecer as condições ecossistêmicas

originais. Por exemplo, se o valor do dano de um vazamento de óleo é estimado

apenas pelo custo da limpeza após o acidente, ignora-se o dano causado pelo

“desconforto” (interrupção de funções ecossistêmicas) durante o período no qual o

meio ficou contaminado.

Também está se assumindo que os danos são plenamente reversíveis, e o meio

pode retornar ao seu estado original sem que nenhum dano irreversível tenha sido

causado pelo vazamento. No caso de estimar o dano ambiental pela poluição pelo

custo de tratamento das pessoas afetadas, como forma de reposição da saúde, está

se ignorando o desconforto causado pela doença e também está se assumindo que

a saúde pode ser restabelecida plenamente, sem nenhum impacto posterior ao

bem-estar do paciente. Por fim, assim como os demais métodos baseados em

preferências reveladas, não pode ser utilizado para estimar valores de existência.

Método do Custo Evitado (MCE) 2.1.3

A ideia central deste método é analisar situações em que o custo incorrido para se

evitar um dano ambiental é adotado como forma de estimar o valor desse dano. Ou

seja, não se trata de uma valoração direta do dano ambiental em si mesmo, mas

do quanto se deve gastar para, dado um distúrbio ambiental, que o recurso

ambiental se mantenha inalterado, tanto em qualidade, quanto em quantidade.

Por exemplo, suponha que um determinado corpo hídrico sofreu contaminação. O

MCE estima o valor da contaminação pelo quanto os agentes sociais têm que gastar

para evitar a contaminação, como no caso de trazer água de outros corpos hídricos

ou adquirir água engarrafada.

O MCE é relativamente fácil de calcular, pois é baseado em custos que podem ser

estimados com preços de mercado. Contudo, a interpretação de seu valor é

problemática, pois suas estimativas não se baseiam no valor associado a mudanças

na qualidade ou quantidade do atributo ambiental, mas sim ao custo de se evitar,

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repor, ou restaurar um serviço ambiental danificado, medido como benefício. Isso

significa que em grande parte dos casos as estimativas obtidas com o MCE tendem

a subestimar o real valor do dano ambiental, pois não incorporam informação sobre

as consequências dos bens ou serviços ambientais. Outra fragilidade do MCE é que

assume a priori a hipótese de que o custo de se evitar o dano é necessariamente

superior ao custo do dano em si mesmo. Além disso, como nos métodos antes

apresentados, esse método só capta o valor de uso direto do recurso natural, e não

capta o valor de opção nem o valor de existência.

Uma forma interessante de uso deste método é em exercícios de análise custo-

benefício, quando se confronta o valor do dano ambiental, estimado em si mesmo

por alguma das técnicas analisadas anteriormente (produtividade marginal, custo

de reposição, etc.) com a estimativa de evitar o dano, por meio do MCE. Nesse

caso, pode-se definir se a política de evitar é dano é socialmente ótima ou não.

Tendo em vista que o presente roteiro trata da valoração de impactos não

mitigáveis, essa técnica não é aplicável em nenhum caso. Caso o dano ambiental

causado pela atividade fosse passível de ser evitado, o empreendedor seria

obrigado legalmente a tomar as medidas necessárias para tal.

Método dos Preços Hedônicos (MPH) ou do Preço da Propriedade 2.1.4

(MPP)

Este método é frequentemente encontrado na literatura relacionando danos (ou

benefícios) ambientais aos preços de propriedades que são diretamente afetadas.

Diferentes imóveis com características semelhantes podem ter distintos preços de

mercado em função de seus atributos ambientais, de modo a torná-los mais ou

menos valiosos. Nesse sentido, o valor das propriedades varia de acordo com as

variáveis ambientais que afetam seus preços. Calcula-se então a estimativa de

quanto um indivíduo aceitaria pagar, ou seja, qual a sua disposição a pagar por

morar em locais com diferentes dotações dos atributos ambientais: tais como

morar em imóveis longe de aeroportos, devido ao barulho, ou perto de praias e

vistas privilegiadas, beneficiado pelas belezas cênicas.

Estima-se a função hedônica de preço analisando as variáveis explicativas que

são representativas para determinar o preço do local em um intervalo de tempo. A

função hedônica irá mensurar a disposição a pagar (DAP) do consumidor.

Entretanto, é válido ressaltar que algumas variáveis não descrevem a melhor

representação do preço da propriedade, o que faz com seja importante para o

estudo utilizar somente as melhores variáveis qualitativas para o preço.

Algumas limitações interferem nesse método. A utilização de indicadores de

propriedades próximas a áreas de risco (favelas, tráfico de drogas e perigo de

desabamento) mostra que muitas vezes não é possível captar o valor absoluto do

impacto: morar próximo a zonas de risco. Porém, consegue-se estimar o

diferencial entre locais com menor risco e locais com maior risco. Esse problema

está ligado ao fato de que em alguns casos há omissão de variáveis, além de poder

ocorrer a correlação entre elas, dificultando a identificação de segmentos

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estratégicos, afetando a estimativa da função hedônica. Por fim, por tratar-se de

método baseado em preferências reveladas, não pode estabelecer estimativas para

valores de não uso.

Método do Custo de Viagem (MCV) 2.1.5

Este método baseia-se na função demanda de famílias e indivíduos por lugares de

valor ambiental, estimando-se os custos incorridos para chegar até o local. Esses

custos são representados tanto pelos gastos de deslocamento das famílias, até

despesas gerais com os preparativos da viagem. A ideia central dessa técnica é

estabelecer a relação entre o benefício proporcionado pela viagem, compensado

pelos custos gerados nela. Isto é, as famílias analisam se os gastos incorridos

durante todo o processo feito, desde a preparação até o final do deslocamento

foram compensados pelo benefício (o prazer) de ter visitado os sítios ambientais. A

melhoria do bem-estar em quase todos os casos é observada. Porém, como nem

sempre o objetivo principal da viagem é se deslocar para as localidades que

apresentam valor ambiental, a estimativa dos custos de viagem esbarra no

problema de multipropósito: indivíduos podem ter diferentes propósitos para uma

mesma viagem, e a divisão dos gastos teria grandes chances de não refletir o real

valor dos custos de deslocamento para os sítios naturais.

Por exemplo: Um turista brasileiro resolve viajar para o Pantanal Mato-grossense.

Ele planejou ficar um tempo lá e durante esse mesmo tempo visitar a fronteira do

Paraguai para comprar produtos mais baratos. Qual o gasto efetivo de combustível

somente para a locomoção ao Pantanal?

Em sua operacionalização, calcula-se a curva de demanda por visitas a sítios

naturais a partir da função de gastos com viagens, restringindo à valoração

características peculiares aos locais. Isso é feito por meio de questionário,

identificando as características socioambientais que o individuo atribui ao local e a

sua viagem. O objetivo é obter valores sob períodos de tempo, para na

mensuração, fazer o uso de procedimentos econométricos.

O método do custo de viagem limita-se em algumas instâncias por só estimar o

valor de uso, excluindo o valor de opção e o valor de existência. Isso cria uma

lacuna para a questão do custo de oportunidade do tempo. Tanto a relação de

tempo perdido de trabalho com o tempo gasto na visitação quanto as horas que o

indivíduo despende em um local podendo estar em outro refletem o custo relativo

por não estar trabalhando, sendo menos produtivo. Essas relações descrevem uma

importante análise desse método, pois o custo de oportunidade de estar em um

local, e não em outro mais ou menos produtivo, reflete um preço implícito, o preço

sombra.

Como nos demais casos anteriores, de métodos baseado em preferências

reveladas, o MCV não pode ser empregado para estimar valores de não uso.

Concluindo, as principais limitações são:

Multipropósito;

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Identificar o habitat do indivíduo: residente no local, ou viajante;

A estimativa dos custos de distância;

Valoração do tempo; e

Não consideração de valores de não uso.

Método da Valoração Contingente (MVC) 2.1.6

O método de valoração contingente (MVC) procura mensurar diretamente a

variação do bem-estar dos indivíduos decorrente de uma variação quantitativa ou

qualitativa dos bens ambientais. Para tal, identifica quanto os indivíduos estariam

dispostos a pagar para obter uma melhoria de bem-estar.

Para estimar o impacto do nível de bem-estar dos indivíduos, o MVC realiza uma

pesquisa na qual é perguntado aos entrevistados as suas preferências em mercados

hipotéticos, permitindo aos analistas estimarem diretamente demandas (funções de

utilidade) para bens e serviços não negociados nos mercados. Em geral, a pesquisa

extrai os valores da disposição a pagar (DAP) ou disposição a aceitar (DAA) de uma

amostra de indivíduos aos quais são pedidos para imaginar que existe um mercado

em que possam comprar bens e serviços avaliados. Os indivíduos declaram a sua

DAP máxima por uma mudança na provisão de bens e serviços, ou a sua mínima

compensação DAA se a mudança não ocorrer. Também são obtidas características

socioeconômicas dos entrevistados como gênero, idade, renda, educação e

informações demográficas. Se for possível demonstrar que as preferências dos

indivíduos não são aleatórias, mas variam sistematicamente e são condicionadas a

algumas características socioeconômicas e demográficas observadas, então

informações da população podem ser utilizadas para prever a DAP agregada por

bens e serviços avaliados. Uma vez definido o objeto de valoração e a parcela do

valor econômico a ser medido, seguem as outras etapas para aplicação do Método

de Valoração Contingente (MVC), conforme PEARCE & TURNER (1990), SEROA DA

MOTTA (1998) e FREEMAN III (2003).

Primeiramente, cabe decidir a medida de valoração. DAP – referente a um

pagamento para medir uma variação positiva de disponibilidade do recurso – ou da

DAA – compensação por uma variação negativa. A DAA é muitas vezes superior a

DAP quando o indivíduo, frente a uma possível redução da disponibilidade do

recurso, acha que não conseguirá substituir tal recurso por outros bens e serviços

privados a sua disposição. A literatura prioriza a DAP como uma mensuração

conservadora, mas não descarta o uso da DAA em casos específicos em que se

pretende analisar compensações.

As formas das perguntas acerca da DAP nos questionários consagradas na literatura

são:

i) A forma aberta ou lances livres (“open-ended”) é quando a pergunta da

DAP é feita sem restrições como: “Quanto você estaria disposto a pagar?”.

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Essa forma de perguntar produz uma variável contínua de lances e o valor

estimado da DAP pode ser estimado pela sua média. Essa foi a forma

pioneira do MVC, mas tem sido abandonada em favor de outras formas

abertas nas quais alguns valores iniciais são sugeridos e, dependendo da

resposta, esses valores são alterados até serem aceitos pelo entrevistado.

ii) Na forma de referendo ou escolha dicotômica, o questionário apresenta

a seguinte pergunta: “Você estaria disposto a pagar R$X?”. Essa quantia X é

sistematicamente modificada ao longo da amostra para avaliar a frequência

das respostas dadas frente a diferentes níveis de lances. Por fim, a forma de

referendo com acompanhamento é uma versão mais sofisticada da escolha

dicotômica. De acordo com a resposta dada à pergunta inicial, é acrescida

uma segunda pergunta iterativa. O problema dessa forma é que ela

apresenta uma tendência a induzir respostas na medida em que o

entrevistado pode se sentir obrigado a aceitar os valores estabelecidos como

verdadeiros, apesar de não coincidirem com as suas expectativas. Por

exemplo, ao não aceitar o valor inicial, os respondentes podem sentir-se

obrigados a aceitar os valores subsequentes provocando o viés de

obediência. Ou os respondentes podem negar os valores subsequentes por

admitir que o primeiro valor fosse o correto gerando o viés do ponto de

partida. Mais recentemente, tem-se utilizado o método do cartão de

pagamento no qual é apresentado ao respondente um cartão com diversos

valores e o respondente marca até qual valor máximo ele estaria disposto a

pagar pelo bem em questão.

A próxima etapa consiste em definir o instrumento de pagamento com que a DAP

será realizada. Eles podem ser via: impostos, taxas, tarifas, alíquotas diferenciadas,

compensações financeiras, dentre outros. Salienta-se que o veículo de pagamento a

ser utilizado no MVC deve ser o mais neutro possível com maior credibilidade de

ocorrer e ser respeitado.

A forma da entrevista deve ser capaz de introduzir o questionário de maneira

impessoal e compreensível. Idealmente devem ser feitas pesquisas domiciliares

em vez de pesquisas por telefone ou correio.

Por fim, sempre que possível recomenda-se fazer pesquisas pilotos antes da

pesquisa final para testar o questionário desenvolvido. A grande vantagem do MVC,

em relação a qualquer outro método de valoração, é que ele pode ser aplicado em

um conjunto mais amplo de bens ambientais, pois estima diretamente as medidas

de DAP e DAA, além de ser o único método com potencial de captar o valor de

existência do recurso ambiental.

No entanto, o problema central da valoração contingente é fazer com que o cenário

seja suficientemente compreensível, claro e significativo para os entrevistados que

precisam entender as mudanças nas características dos bens e serviços os quais

estão sendo pedidos para serem valorados. O mecanismo de fornecimento dos bens

também deve parecer plausível a fim de evitar ceticismo se os bens e serviços

serão fornecidos, ou se as mudanças nas características ocorrerão.

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Os principais vieses e seus efeitos estão localizados nos quadro abaixo:

Quadro 3: Tipologia dos efeitos dos vieses potenciais no método de valoração contingente

1) Incentivos para deturpar respostas

Nessa classe, os vieses ocorrem quando os entrevistados deturpam a sua

verdadeira DAP.

A - Viés estratégico: Quando o entrevistado declara uma DAP diferente da sua

DAP verdadeira (condicional a informação percebida) em uma tentativa de

influenciar a provisão do bem e/ou o nível de pagamento do respondente pelo

bem.

B - Viés do entrevistado e do entrevistador: Quando o entrevistado declara uma

DAP diferente da verdadeira na tentativa de compelir com as expectativas do

entrevistador.

2) Sugestão/insinuação de valores inferidos

Esses vieses ocorrem quando os respondentes tratam os elementos do mercado

contingente de forma a prover o valor “correto” para os bens.

A - Viés do ponto inicial ou ancoramento: A sugestão de um ponto inicial nos

questionários pode influenciar o lance final.

B - Viés da distância: Quando o método de elucidação apresenta as DAP

conjuntas que influenciam a DAP individual.

C - Viés da subaditividade: Quando a descrição do bem apresenta informações

sobre as suas relações com outros produtos públicos ou privados que influenciam

a DAP declarada.

D - Viés da obediência ou caridade: Quando o fato de estar sendo entrevistado

ou alguma ferramenta do instrumento sugere ao respondente que o atributo tem

valor e induz uma mensuração incorreta da DAP.

3) Falta de especificação no questionário

Os vieses dessa categoria ocorrem quando o questionário apresenta problemas

na sua formulação. Exceto em A, nos tópicos seguintes pressupõe-se que o

cenário pretendido está correto e que os erros ocorridos são porque os

respondentes não entenderam o cenário da mesma forma que os entrevistadores

imaginaram.

A - Viés da especificação teórica: Quando o cenário proposto pelos

entrevistadores é incorreto em termos da teoria econômica ou de elementos

políticos.

B - Viés da especificação dos atributos: Quando os bens percebidos pelos

entrevistados e que estão sendo valorados difere dos bens previstos.

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i Simbólico: Quando o respondente valora uma entidade simbólica em vez do

bem esperado.

ii Problema da parte-todo: Quando o respondente avalia um atributo maior ou

menor do que a intencional. Surge pela dificuldade de distinguir o bem específico

de um conjunto mais amplo de bens.

iii Métrico: Quando o entrevistado valora um atributo numa métrica diferente

da pretendida pelo entrevistador.

iv Probabilidade de provisão: Quando o respondente valora um bem o qual a

probabilidade de provisão entendida difere da pretendida.

C - Viés da informação: Quando a qualidade da informação dada nos cenários

dos mercados hipotéticos afeta a resposta recebida.

i Veículo de pagamento: Quando o veículo de pagamento é mal especificado

ou é compreendido de forma incorreta.

ii Direitos de propriedade: Quando há divergência entre as percepções de

direito de propriedade.

iii Restrição orçamentária: Quando há divergência entre a restrição

orçamentária entendida e a prevista.

iv Elucidação das questões: Quando as perguntas são mal explicadas gerando

problemas de compreensão valores revelados da DAP errôneos.

v Contexto do instrumento: Quando o contexto pretendido não é percebido

de forma correta.

vi Ordem das questões: Quando a ordem das perguntas, que não deveria

afetar o resultado, enviesa a DAP declarada.

Fonte: ORTIZ (2005) apud MAC-KNIGHT (2008)

Áreas de Fronteira: Conjoint Analysis e Escolhas Experimentais 2.1.7

A difusão do método de valoração contingente suscitou uma série de críticas aos

procedimentos usualmente adotados e resultados obtidos. Entre tais críticas,

destaca-se a dúvida acerca da habilidade do respondente expressar diretamente

em termos monetários a utilidade (importância) que atribui ao recurso natural

estudado.

O termo “conjoint analysis” é empregado para métodos alternativos de valoração a

partir de preferências declaradas, distintos ao MVC. Segundo KERRY SMITH (1997),

o termo se refere a uma gama de métodos baseados em avaliações individuais

construídas por amostra de respondentes, para conjuntos específicos de

alternativas com vários atributos de cada uma. O objetivo é medir a utilidade de

atributos que não recebem preços de mercado, a partir da valoração marginal da

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26

disposição a pagar por variações desses atributos, implícitas nos preços de

atributos que possuem preços de mercado.

Alguns autores incluem o método das escolhas experimentais como subcaso de

conjoint analysis, visto que o último é mais abrangente e inclui outras

possibilidades, como ranqueamento contigente (em vez de apresentar perguntas

sobre valores monetários, os respondentes apenas ordenam quais as são suas

ordens preferidas de opções), e métodos que dispensam a função de utilidade

aleatória. Essa visão também sugerida ao longo deste roteiro, mas a ênfase será

concentrada no Método de Escolhas Experimentais, que é o mais utilizado na área

de valoração de recursos ambientais.

Duas diferenças importantes desses métodos para o MVC são a de que (i)

referências específicas são dadas ao respondente, que deve optar por um dos

cenários, e não pela resposta direta de um valor monetário, e (ii) utiliza-se um

modelo de relação de equivalência entre distintas situações, a fim de como o

respondente julga a indiferença entre os possíveis cenários. Por exemplo, um

respondente é perguntado se prefere viver em uma comunidade com maior risco de

acidente de automóvel e baixa contaminação do ar (risco menor de desenvolver

doença respiratória), comparada com a opção em viver em outras condições de

risco. A partir disso, pede-se ao respondente para ranquear as opções e, por meio

de questionário, ajusta-se alguma variável pré-selecionada (por exemplo, renda)

até que o respondente considere que ambas as situações lhes são indiferentes em

termos de utilidade.

Diferentemente da valoração contingente, a estimativa não é baseada na inferência

de valor por meio de pergunta direta (“quanto está disposto a pagar, ou a receber

compensação, por ...?”) mas a partir da estimação indireta do valor de atributos

específicos que compõem o bem ou serviço em questão por meio da valoração de

diferentes opções que são dadas ao entrevistado. No caso do Método das Escolhas

Experimentais, a forma mais usual é apresentar ao entrevistado opções alternativas

de consumo, sendo que em cada alternativa, características diferenciadas são

contrastadas, incluindo o preço.

Ao ranquear as alternativas a partir de sua percepção do que lhe é mais

conveniente, o entrevistado está revelando suas preferências por um conjunto de

tributos, e associando a um preço de mercado. Variando a “quantidade” da

característica, pode-se inferir a variação marginal da utilidade atribuída à

característica em questão. Por exemplo, um entrevistado que vote pela opção 1

está relatando que atribui bastante utilidade à característica 1, pois paga um preço

maior do que nas demais opções. A partir da análise os resultados das entrevistas,

identificando-se as variáveis pertinentes que afetam a escolha (renda, educação,

local de origem do entrevistado, etc.), pode-se estimar uma função de demanda do

atributo (“característica”) em questão.

Seguindo os preceitos da teoria microeconômica, a premissa é que o entrevistado

irá ranquear as diferentes opções a partir da percepção de qual irá lhe gerar mais

utilidade. Contudo, diferentemente da teoria tradicional de utilidade, que considera

as preferências por um bem homogêneo, essa abordagem segue a Teoria de

Utilidade desenvolvida por LANCASTER (1966) na qual se argumenta que as

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preferências se dão pelos diferentes atributos que um bem oferece, e não pelo bem

em si mesmo. Como LANCASTER (1966, p. 134) descreve, um bem não gera

utilidade per se, mas a partir de suas características. Em geral, bens possuem mais

de uma característica relevante, e uma mesma característica é partilhada por

diversos bens. Por outro lado, bens consumidos conjuntamente podem ter

características diferentes dos mesmos bens quando consumidos separadamente.

Assim, ao avaliar o conjunto de opções, pode-se estimar a variação na utilidade

ocasionada pela mudança em um determinado atributo, ainda que esse atributo

não tenha preço de mercado.

Isso permite um tratamento diferenciado em relação ao método de valoração

contingente (MVC) por dois aspectos. Primeiramente, no caso do MVC busca-se

estimar o valor social de um atributo ambiental supondo que, hipoteticamente,

exista um mercado para o atributo em si mesmo, tratado de forma singular. Já nos

métodos de experimentos de escolha, não se apresenta ao entrevistado a suposição

de criação desse mercado hipotético, mas busca-se identificar a disposição a pagar

pela variação do atributo que está sendo estudado a partir de escolhas entre

alternativas hipotéticas. Em segundo plano, o regulador poderá considerar a

restrição orçamentária do entrevistado em cada alternativa, sem precisar que o

próprio indivíduo associe a variação da utilidade ao valor hipotético do serviço em

questão.

Dessa forma, embora seja também baseado em preferências relatadas, os

experimentos de escolha evitam a “estranheza” causada por perguntas que, além

de estar fora da realidade do entrevistado (suposição de mercados que não

existem), evita o comportamento de protesto (uma parte considerável da

população reage de forma negativa à suposição de que haja cobrança monetária

por um bem público).

Assim, por meio de “escolhas experimentais” (choice experiments), pode-se obter

valores monetários para o recurso por meio de preferências declaradas, mas sem

diretamente questionar esses valores de forma nominal. De forma resumida, são

oferecidas opções ao respondente para que escolha uma entre diversas opções de

atributos ou características que, acredita-se, influenciam o processo de escolha. Um

valor monetário é incluído como um desses atributos, de modo a que se possa

estimar implicitamente como o respondente relaciona a variação de atributos

ambientais não monetizados com contrapartidas monetárias (ALPIZAR, 2001). A

Tabela 4 apresenta um exemplo hipotético de como o respondente escolhe entre

níveis diferentes de atributos.

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Tabela 4: Exemplo de cartão com opções de escolha para exercício de choice

experiment

Parque A Parque B

Facilidades para o

visitante

Centro de visitantes Escritório de informações

Extensão de trilhas

acessíveis ao visitante

2 km 10 km

Condição das trilhas Trilhas rústicas Trilhas cobertas com

pedras

Valor da entrada US$ 8 US$ 10

Qual das duas opções você prefere para um passeio de um dia?

Parque A ( )

Parque B ( ) Fonte: ALPIZAR (2001)

É interessante notar que o trabalho de LANCASTER (1966) sobre condicionantes do

comportamento do consumidor também dá base ao método de preços hedônicos.

Em síntese, a abordagem da Teoria do Valor Utilidade de Lancaster assume que o

que gera utilidade ao consumidor não é o consumo dos bens, per se, mas sim as

características desses bens. Como a maioria dos bens possui mais de uma

característica, e essas características são compartidas por mais de um bem, então

bens em combinação podem possuir características diferentes daquelas que seriam

observadas quando os bens são analisados separadamente (LANCASTER, 1966, p.

134). Dessa forma, pode-se relacionar variáveis de escolha discreta (como a

existência ou não do atributo ambiental que se deseja examinar) com variáveis

contínuas, incluindo preços.

Como modelos de preferência declarada podem apresentar problemas de

inconsistência por causa da dificuldade de observar variáveis que podem interferir

nas respostas, como características dos respondentes ou atributos das alternativas

que não foram incluídos no modelo determinístico, é utilizada uma abordagem de

função de utilidade aleatória, que incorpora ao modelo determinístico da função

utilidade um componente aleatório (McFADDEN, 1974). A especificação exata do

modelo econométrico vai depender de como os elementos aleatórios afetam a

função utilidade, o que significa especificar a forma exata da função utilidade e a

distribuição de probabilidade do erro (ALPIZAR et al., 2001).

Uma vez definido o modelo teórico, o desenho do experimento pode ser efetuado

por meio das seguintes etapas: (i) definição dos atributos, níveis de atributos e

customização, (ii) desenho do experimento, (iii) contexto experimental e

desenvolvimento do questionário e (iv) escolha da amostra e da estratégia de

amostragem.

Percebe-se que o método de escolhas experimentais partilha uma série de

características e problemas com o método de valoração contingente quando

aplicado para valores binários. Entre esses problemas está a dificuldade de obter

respostas não viesadas dos respondentes. O desafio é fazer os respondentes

entenderem que suas respostas, em vez de revelar preferências, são “votos” em

favor ou contra determinada ação, e que a resposta dada acaba influenciando uma

agenda real de tomada de decisões. Esse é o mesmo problema de viés estratégico

discutido para o método de valoração contingente. Porém, há uma clara vantagem

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para o método de escolhas experimentais: como vários atributos são apresentados

simultaneamente ao respondente (e não apenas um, como no caso do MVC), o

risco de comportamento estratégico é reduzido porque o respondente tem menos

clareza acerca de como irão variar todos os atributos colocados em cada opção,

situação na qual está pouco familiarizado.

Por essas características, o método de escolhas experimentais vem sendo utilizado

em valoração ambiental, notadamente em situações referentes à valoração de

paisagens e áreas protegidas. O trabalho pioneiro é ADAMOWICZ et al. (1994), que

aplicou o método para avaliar as preferências de visitantes por cenários alternativos

em rios na Província de Alberta, Canadá. No questionário, os autores combinaram

perguntas sobre os tipos de rio (águas paradas ou correntes) com outros atributos

considerados relevantes para a visitação, como terreno, tamanho dos peixes e

qualidade da água. O preço foi aproximado pelo custo de distância de viagem –

refletindo base teórica comum ao método de custo de viagem – e foram

apresentadas 16 opções aos respondentes, que deveriam dizer se iriam ou não

efetuar a viagem sob aquelas circunstâncias. Os resultados mostraram que

atributos como qualidade da água e captura de peixes são significativos na escolha

da viagem, e o excedente do consumidor, por viagem, foi estimado entre CDN

$8.06 e $4.33. Esses resultados foram validados por estudo de preferências

reveladas (MCV) para os mesmos locais e atributos.

HEARNE & BÉRNABE (2009) apresentam um conjunto de aplicações para a América

Central, a partir de orientações de pós-graduação relacionadas ao Centro

Agronómico Tropical de Investigación y Enseñanza (CATIE), da Costa Rica, onde se

concentra o maior conjunto de pesquisa nessa área na América Latina. No caso de

áreas protegidas, procura-se estimar os benefícios gerados pela paisagem por meio

dos diversos elementos naturais que ela possui. Supõe-se que a qualidade

paisagística aporta à função de utilidade benefícios advindos de atributos

ambientais. Para estimar o custo ou benefício social, após examinar a interação

entre os elementos da área que caracterizam a paisagem, deve-se identificar quais

variáveis ambientais sofreram modificações. A principal conclusão de HEARNE &

BÉRNABE (2009) é que as pesquisas são dificultadas devido à estratificação de

renda e do nível educacional, pois vieses podem surgir caso a população

entrevistada tenha dificuldades em considerar as propostas hipotéticas.

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Tabela 5: Estudos de Escolhas Experimentais sobre Tópicos Ambientais na América

Central

Autor e Data Tipo Tópico

DeSHAZOFERMO

(2002)

Artigo em Jornal

Acadêmico

Preferências de Ecoturismo na Costa

Rica e Guatemala

HEARNE & SALINAS

(2002)

Artigo em Jornal

Acadêmico

Gestão de Áreas Protegidas e

Preferências de Ecoturismo na Costa

Rica

ALPIZAR & CARLSSON

(2003)

Artigo em Jornal

Acadêmico

Opções para Transporte Urbano na

Costa Rica

HEARNE & SANTOS

(2005)

Artigo em Jornal

Acadêmico

Gestão de Áreas Protegidas e

Preferências de Ecoturismo na

Guatemala

BIENABE & HEARNE

(2006)

Artigo em Jornal

Acadêmico

Pagamento por Serviços Ambientais

Del CID RAMIREZ

(2001)

Tese de Mestrado Preferências de Ecoturismo em

Honduras

OTAROLA GUERRERO

(2001)

Tese de Mestrado Gestão Florestal na Costa Rica

TALAVERA AGUILAR

(2002)

Tese de Mestrado Gestão Florestal em Honduras

SHOKA (2006) Tese de Mestrado Preferências de Ecoturismo na

Guatemala

Fonte: HEARNE & BÉRNABE (2009)

Outra aplicação dos métodos experimentais é na área de saúde. A aplicação do

método na área de saúde permite definir a política – pública e/ou privada – do

serviço de saúde mais eficiente, considerando as diferentes formas de oferta de

serviços, para maximizar o bem-estar da população. O estudo de SCULPHER et al.

(2004) questiona sobre a preferência dos pacientes por clínicas específicas para

tratamento de câncer permitindo reduzir o tempo de espera e propondo diferentes

possibilidades de serviços. Os atributos que determinam os benefícios marginais

constituem entre outros, no tempo de espera, na tecnologia utilizada, no tipo de

tratamento e na qualidade da equipe médica.

Também há muito uso desse tipo de técnicas nos campos de pesquisa de mercado

(marketing). Os trabalhos pioneiros de GREEN & SRINIVASAN (1978) e GREENE et

al. (1981) exploraram a possibilidade de estatisticamente inferior o valor que um

atributo isolado representa na escolha final do consumidor que se encontra diante

de distintas opções de produtos com diversos atributos diferentes. O objetivo nesse

campo é estimar o valor implícito de alterações no produto em termos de receita ou

poder de mercado, que se reverte em lucro privado para a empresa inovadora.

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Distanciam-se, portanto, da valoração econômica de recursos ambientais, cujo

objetivo é inferir o valor social (e não privado) de externalidades em bens ou

serviços públicos e semipúblicos.

2.2 Análise crítica da valoração

Como se pode apurar da diversidade de métodos apresentados na seção anterior,

não existe um caminho único para atribuir valores aos benefícios ou custos que não

são captados pelo mercado. Entretanto, é importante ressaltar que os métodos de

valoração econômica ambiental muitas vezes mensuram variáveis distintas.

Enquanto, por exemplo, o Método de Valoração Contingente (MVC) é capaz, do

ponto de vista teórico, de mensurar valores de uso e não uso, o Método do Custo

de Viagem (MCV), capta apenas os valores de uso. Se as estimativas resultantes do

uso desses métodos divergem, deve-se questionar a comparação de resultados

obtidos com diferentes métodos se entendidos fora do contexto específico no qual

cada um foi formulado: o MVC busca medir a DAP total que os indivíduos estão

dispostos a pagar pela preservação de um parque com belos atributos de

recreação, enquanto o MCV busca medir o quanto que os indivíduos efetivamente

pagaram para usufruir da recreação no parque. São, portanto, coisas distintas, do

mesmo modo que o preço que pagamos para adquirir uma determinada mercadoria

difere do valor que estamos dispostos a pagar ao mesmo bem (refletindo a

utilidade ou satisfação que essa mercadoria nos traz): no primeiro caso (preço da

mercadoria), o valor tende a ser único, determinado pelas condições de mercado,

enquanto que no segundo caso, cada um de nós pode apresentar um valor (DAP)

bastante diferenciado para a mesma coisa.

Por exemplo, o preço do pescado em um supermercado é o mesmo para todos os

compradores, mas alguns consumidores iriam comprar o produto mesmo se fosse

mais caro, revelando que a satisfação ao consumir peixe mais que compensa o

custo monetário de sua aquisição. Por outro lado, os clientes que não compram o

pescado ao preço estipulado estão revelando que o valor (DAP) do pescado para

eles não compensa o preço que está sendo cobrado. Porém, isso não significa que

para todos eles a DAP seja zero: alguns comprariam pescado se o preço fosse mais

baixo, enquanto que outros não consumiriam pescado mesmo se fosse gratuito. Ou

seja, embora o preço do pescado seja único, o valor (utilidade) atribuído por cada

consumidor é singular.

Outra questão relevante é que a disposição a pagar de qualquer indivíduo é

definida também em função do orçamento que cada um dispõe para gastar. Assim,

atribuir um valor social aos bens e serviços a partir das preferências dos indivíduos

- expressas pela disposição a pagar destes - implica aceitar uma ponderação das

preferências individuais pela distribuição de renda. Como o poder de compra dos

indivíduos afeta a disposição a pagar por bens e serviços no mercado de recursos

monetários, ele também afeta as preferências de consumo dos mesmos. No

entanto, dizer que a distribuição de renda corrente é uma forma aceitável de

ponderar as preferências individuais significa aceitar que a alocação de recursos já

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se encontra em um nível ótimo, o que contrasta com o objetivo do exercício de

valoração, que é justamente mostrar que a alocação corrente de recursos é

subótima porque desconsidera as externalidades.

Esse problema é tanto maior quanto maior for a dimensão do projeto/evento a ser

valorado. Se o projeto é de pequena escala, pode-se aceitar com relativa

tranquilidade que as consequências de uma eventual incorporação das

externalidades, medidas pelo exercício de valoração, terão pouco impacto no resto

da economia. Contudo, se o projeto/evento for de grande porte, a correção de suas

externalidades deveria alterar o próprio sistema de preços no qual a valoração é

baseada. Ou seja, a “régua” com que se mede a externalidade (sistema de preços)

deveria mudar sempre que cada externalidade é incorporada, mas se a régua

mudou, o valor da externalidade que foi utilizado para “mudar a régua” deveria

também ter mudado, criando um problema de circularidade. Por essa razão,

estudos que pretendem avaliar os custos econômicos de grandes problemas

ambientais, como o aquecimento global ou o valor de “todos os serviços

ecossistêmicos da Terra”, devem ser vistos com profunda desconfiança. Na prática,

apesar de algumas importantes exceções, a valoração segue a regra do “quanto

menor, melhor”.

Outra crítica comumente vista na literatura de valoração está ligada ao mercado de

bens não transacionáveis no mercado. Tal resistência apoia-se na ideia de que a

troca no mercado de recursos monetários por bens revela as preferências de

consumo dos indivíduos, mas não haveria consistência nas medidas de disposição a

pagar extraídas de mercados hipotéticos construídos para bens não transacionados

no mercado. O objeto desta crítica é o Método de Valoração Contingente (MVC),

que utiliza mercados hipotéticos como forma de estimar o valor de não uso do bem

ou serviço ambiental.

A dificuldade de se construir um conceito único de valor que dê suporte aos

exercícios empíricos de valoração é tema constante nos fóruns ecológicos (ver, por

exemplo, YOUNG e FAUSTO, 1997). Essa tentativa esbarra na multiplicidade de

significados que o valor pode assumir em pesquisas interdisciplinares em função de

sua subjetividade. Ou seja, se não for apresentado de forma clara qual o objetivo

da valoração, o que está sendo valorado, e os resultados encontrados, a

interpretação das estimativas poderá ser poderá ser bastante prejudicada.

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33

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