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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS - RJ
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A GESTÃO DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO COMPLEXA: UMA AVALIAÇÃO DA 58 CONFERÊNCIA MINISTERIAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO -OMC, EM CANCÚN, MÉXICO
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA
BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E
DE EMPRESAS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU
DE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ANA TEREZA SCHLAEPFER SPINOLA
Rio de Janeiro / 2004
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A GESTÃO DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO COMPLEXA: UMA AVALIAÇÃO DA 5° CONFERÊNCIA MINISTERIAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO - OMC, EM CANCÚN -MEXICO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR
ANA TEREZA SCHLAEPFER SPINOLA
APROVADA EM PELA COMISSÃO EXAMINADORA
Doutor em Gestão de Risco, da Informação e da Decisão
/ Prof. Alexandre Linhares Doutor em Pesquisa Operacional
~~-~
~~ ~ P:MariO Cesar Rodrigye~/yidal Doutor em Engenharia Ergonômica
Anna Maris, Aurélio Wander, Déborah Zouain, Joarez de Oliveira, José
Guilherme Heráclito Lima, Josélio, Marilia, Yann Duzert, Chris, Alê e
Léo, professores da EBAPE, colegas do mestrado.
À vocês que me estimularam e auxiliaram, muito obrigada.
111
Pretende-se no presente trabalho avaliar a gestão do processo de negociação complexa
da 5a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio em Cancún,
ocorrida entre os dias 10 e 14 de setembro de 2003, no México, apontando os
problemas e questões que resultaram no colapso de um possível acordo. O futuro da
OMC é incerto e mudanças traumáticas sofridas por muitos países que vivem sob as
regras da OMC indicam que alguma coisa na OMC terá que mudar, principalmente nos
processos de negociação complexa, de forma que a integridade da organização não seja
comprometida. Buscou-se respostas na análise e avaliação da gestão do processo de
negociação, estudando e pesquisando os conceitos de barganha posicional, detalhando
o processo de negociação baseado em princípios, explorando em profundidade o estado
da arte para gestão de conversas difíceis. Dissecando a questão dos conflitos e das
coalizões, mostrando a dificuldade existente na resolução de disputas públicas e no uso
de instrumentos para quebrar o impasse nas negociações buscou-se estabelecer o
instrumental teórico que possibilitasse aprofundar o diagnóstico da situação atual na
OMe. Como recomendação explorou-se a avaliação de conflitos, com base na eficiência
- teoria dos jogos-, justiça e na eqüidade, a melhor forma de negociação baseada em
princípios, de gestão de público demandante, no diálogo dos multistakeholders, a
importância das conversas informais paralelas, o ambiente da complexidade e a visão
ampla que proporciona o enfoque do funcionamento de sistemas decisórios
autopoiéticos.
Palavras-chave: autopoiese, avaliação de conflito, complexidade, conhecimento comum,
criação de consenso, impasse, mediação, racionalidade limitada, teoria dos jogos,
equilíbrio de Nash.
IV
The present paper has the proposal to assess the management process of complex
negotiation of the 5th OMC that took place at Cancun from September 10th until the 14th,
2003. This thesis points out the problems and questions that resulted on the collapse of a
possible agreement, it also suggest proposal to solve these issues.
The future of OMC is uncertain and traumatic changes suffered by many countries that live
under the rules of OMC shows that something at OMC will have to change, principally on
the process of complex negotiation, such as the integrity of the organization to avoid having
to compromise and being damaged.
There were searches for answers on the analysis and assessment of the negotiation process,
studying and researching the bargain positional concepts, giving full details on the
negotiation process based on principIes, exploring profusely the state of art for the
management of difficult conversation. This thesis also tackles the sources of conflicts and
the building of coalitions such as the G20, showing the difficulty existing in the resolution
of public disputes and in the use of instruments to break the impasses. We also defined
theoretical instrumental, which allowed the diagnostic ofthe actual situation at OMe.
It was recommend to explore the valuation of conflicts, based on justice and equitant, the
best form of negotiation by principIes, of management demanding public, on the multi
stakeholder dialogue and the importance of informal parallel conversation. The environment
of complexity and the extensive vision that it provides to adjust the functioning of
autopoietics systems.
Key words : autopoiesis, conflict valuation, complexity, common knowledge, consensus
building, impasse, mediation, bounded rationality, games theory, Nash equilibrium
v
Quadro 1: Antecedentes dos conflitos nas relaçãoes comerciais ............................... 18
Quadro 2: Principais questões dos países industrializados........ .............................. 22
Quadro 3: Principais questões dos países em desenvolvimento.............................. 22
Quadro 4: Principais questões relativas ao TRlPS treaty ....................................... .23
Quadro 5: Principais questões relativas ao tratamento especial e acesso ao
mercado .................................................................................... 24
Quadro 6: Zona de Acordo PossíveL .............................................................. 29
Quadro 7: Impasse atual nas negociações: países industrializados x países em
desenvolvimento ........................................................................... 33
Quadro 8: Estágios do processo de negociação baseado em princípios ......................... 34
Quadro 9: Processo de construção do consenso ................................................... 37
Quadro 10: Posição polarizada - sem acordo ........................................................ 37
Quadro 11: Posição polarizada - com possibilidade de acordo ................................ 38
Quadro 12: Jogos não-cooperativos. Equilíbrio de Nash .......................................... 61
Quadro 13: Impasse das negociações ............................................................ 68
Quadro 14: Articulação da gestão do conhecimento para facilitar o consenso ............ 79
Quadro 15: Mapa do conflito: causas e intervenções .......................................... 81
Quadro 16: Etapas do processo de construção e testagem de hipóteses para a resolução de
conflitos ............................................................................... 82
Quadro 17: Possíveis resultados de uma disputa ................................................... 84
Quadro 18: Possíveis resultados de uma disputa (representação gráfica) ................... 85
Quadro 19: Características estratégicas utilizadas para a resolução de disputas ........... 86
Quadro 20: Estratégias de abordagem ............................................................... 87
Quadro 21: Múltiplos papéis em um jogo de negócios ........................................ 93
Quadro 22: Múltiplos papéis do Brasil e dos EUA - o caso da soja ....................... 94
VI
Introdução ......................................................................................... .. 1
I Antecedentes do Comércio Internacional ................................................... 7
1.1 A questão agrícola .............................................................................. l O
11 Diagnóstico da Situação Atual ............................................................... 13
11.1 Organização Mundial do Comércio - OMC ................................................ 13
11.2 Antecedentes das Relações Comerciais ..................................................... 16
11.3 A 5a Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio - OMC ............. 19
lIA Principais temas de discussões da 5a Reunião Ministerial da OMC ..................... .20
IIA.I Acordos de negociação na área agrícola ................................................ 20
IIA.2 Acordos relacionados a aspectos comerciais dos direitos de propriedade
intelectual (TRlPS) e saúde pública .......................................................... 22
IIA.3 Tratamentos preferencial e especial para os países em desenvolvimento ...... 23
IlAA Ampliação do poder da OMC através de acordos de investimentos ........... .24
11.5 O Fracasso da 5a Reunião Ministerial da OMC ...................................... 25
111 Processos de Negociação . ................................................................... 28
III.I Barganha Posicional. ........................................................................ 30
III.2 Processo de Negociação baseada em Princípios ........................................ 33
111.3 Gestão de Conversas Difíceis ............................................................ .. AO
IIL3.1 Conciliação ............................................................................ 43
IIL3.2 Facilitação e Mediação ........................................................... . A5
III.3.3 Mediadores nas Relações Internacionais ...................................... . A7
III.3A Barreiras para a Resolução de Conflitos ...................................... ... A8
III.3.5 Princípios para Ultrapassar Impasses (barreiras) nas Negociações ......... A9
1II.3.6 Culpa e as Conversações Difíceis ................................................. 52
VII
m.4 Coalizões e Conflitos ....................................................................... 54
111.4.1 Teoria da Cooperação ............................................................... 57
111.4.2 Jogos não-cooperativos ............................................................ 58
m.4.3 Teoria dos Jogos .................................................................... 59
111.5 Resolução de Disputas Públicas ........................................................... 63
m.5.1 Pré-negociação ..................................................................... 63
111.5.2 Negociação ......................................................................... 68
m.5.3 Implementação ou Pós-negociação .............................................. 69
111.6 Instrumentos para Quebrar o Impasse .................................................... 70
m.6.1 Abordagem dos Ganhos Mútuos ................................................. 70
m.6.2 Inventando Opções para Ganhos Mútuos ....................................... 71
111.6.3 Colaboração ........................................................................ 72
m.6.4 Modelo para Viabilizar a Negociação de Conflitos Intratáveis .............. 73
111.7 Mídia .......................................................................................... 74
m.7.1 A Mídia em um Fórum de Construção de Consenso ............................ 75
m.7.2 Regras Básicas a serem Estabelecidas ........................................... 76
IV Recomendações .............................................................................. 78
IV.l Avaliação de Conflito ....................................................................... 78
IV.l 1 Possíveis Resultados de Disputas ................................................. 83
IV.1.2 Justiça - Eqüidade - Repartição Justa ............................................ 87
IV.2 Sistema de Solução de Controvérsias ..................................................... 89
IV.3 Negociação baseada em Princípios ....................................................... 91
IV.4 Co-opetition . ................................................................................ 93
IV.5 Gestão de Público Demandante ............................................................ 96
IV.6 Multistakeholders Dialogue - MSD ..................................................... 98
IV.6.1 Objetivos do MSD ................................................................ I00
IV 7 Conversas Informais Paralelas ........................................................... 102
IV.8 O Ambiente da CompIexidade .............................................................................. l 05
IV.9 Sistemas Autopoiéticos ........................................................................................ 110
V Conclusão ................................................................................................................ 114
Bibliografia .................................................................................................................. 120
VIlI
"We are told that trade can provide a ladder to a
better life and de/iver us from the poverty and
despair ... . Sadly, the reality of the international
trading system today does not match the rhetoric ".
Koji Annan, Secretary General United Nations
A Gestão do Processo de Negociação Complexa : Uma avaliação da 5a Conferência
Ministerial da Organização Mundial do Comércio - OMC, em Cancún, México.
Introdução
Nas negociações, a complexidade do processo para se alcançar o consenso perpassa pelo
mistério presente na forma dos seres humanos fazerem escolhas e responderem ao risco.
Segundo Bernstein, "escolher a alternativa que julgamos nos trará o maior retorno tende a
ser a decisão mais arriscada, pois poderemos provocar a defesa mais forte dos jogadores
que perderão com o nosso sucesso. Assim, geralmente aceitamos alternativas de meio
termo, que podem exigir que façamos o melhor de uma barganha ruim" [Bernstein: 1997,
p.232].
As escolhas e decisões dos indivíduos não correspondem às ações isoladas e sim dependem
das decisões e ações dos outros indivíduos com os quais interagem I. Em um ambiente de
negociação multipartite, como o das Reuniões Ministeriais da Organização Mundial do
Comércio, a formulação da teoria dos jogos provê uma representação formal e uma solução
racional única para o problema da escolha estratégica na qual um certo número de pessoas
encontra-se envolvido. Segundo Hardim, a teoria dos jogos é a melhor representação da
interação estratégica que se caracteriza pela importância das ações coletivas sobre uma ação
individual. Nas decisões não se tem como saber se a alternativa escolhida foi boa ou ruim
até se conhecer o resultado final que, por sua vez, irá depender das escolhas dos outros com
quem interagimos. Uma escolha feita tem apenas o poder de restringir o conjunto de
resultados possíveis [ Hadim in Lessa: 1998].
I "As escolhas e decisões dos indivíduos em sociedade são freqüentemente decisões "coletivas ", no sentido de que os
resultados de suas ações isoladas são reconhecidamente dependentes de decisões e ações de outros indivíduos com os
quais eles interagem. Este tipo de interação pode ser teoricamente representado como interação estratégica e modelado
como umjogo". (Lessa :1998, p.l)
"Sempre que o resultado de uma ação de um indivíduo depende das ações dos outros com
quem se interage na mesma medida em que depende de suas próprias ações, suas
atividades demonstram um componente estratégico e, logo, se adequam à definição de von
Neumann-Morgenstern (1944) de umjogo"[Bicchieri: 1993, p.8].
Toda essa complexidade de comportamento, em uma visão mais ampla, faz parte das
negociações multilaterais, e mais ainda daquelas que envolvem diferentes povos com
diversas culturas. A negociação, em um mundo globalizado, deve levar em consideração os
aspectos culturais, associados ao comportamento daqueles que estão envolvidos no
processo. Nos negócios, padrões de procedimentos ou o modo de ser de cada povo devem
ser observados sob pena de se instalar um clima de rejeição, de animosidade e de
impossibilidade.
A linguagem, os processos mentais, as percepções, os estilos de comunicação e as
personalidades são constituídos por um emaranhado de cultura, gênero e dinâmicas sociais.
A cultura é um amálgama das tendências mais preponderantes em um grupo do que em
outro - a maneira de pensar e comportar-se das pessoas. A cultura não prevê o
comportamento nem as escolhas de ninguém. Com freqüência atribuem-se rupturas ou
dificuldades na negociação a diferenças culturais ou de gênero, quando podem não ser essas
as causas do problema. Culturas diversas às vezes chegam à mesa de negociações com
premissas diferentes, que não são explicitadas e podem criar obstáculos para um consenso.
Michael Watkins descreve que as crenças profundas e freqüentemente não ditas que
permeiam e sustentam os sistemas sociais são como o ar que todos respiram mas nunca
vêem [Watkins: 2000].
Na arena internacional as negociações são intrinsecamente posicionais. Neste caso, os
negociadores são freqüentemente instruídos pelos seus governantes a não improvisar nem
explorar novas opções, mesmo que possam trazer maiores benefícios para ambas as partes.
Sair da posição de negociação posicional implicaria em uma maior liberdade para os
negociadores e em uma melhor preparação prévia, de forma a permitir maior autonomia na
negociação.
2
A demanda por novos instrumentos de negociação deveu-se à recente globalização do
mundo, no qual as fronteiras entre cultura e mercado tomaram-se mais frágeis, e à
velocidade das mudanças impulsionadas pelo avanço tecnológico. A intensificação das
negociações de propósitos, propostas e idéias fizeram-se necessárias. A vida média dos
produtos, das idéias, das soluções propostas para situações e eventos da vida diária
encurtou tomando tudo isso rapidamente desatualizado. Desta forma, novos métodos para
resolução de conflitos e de negociação se fazem necessários para que possam acompanhar o
dinamismo dos tempos atuais, permitindo flexibilidade para articular culturas além de
velocidade na resolução de problemas [Almeida: 2002].
Pretende-se no presente trabalho avaliar a gestão do processo de negociação complexa da
53 Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio em Cancún, ocorrida entre
os dias 10 e 14 de setembro de 2003, no México, apontando os problemas e questões que
resultaram no colapso de um possível acordo. Patricia Hewitt, delegada da Inglaterra,
declarou ao final da Conferência que se houve falha isso se tornará um desastre para a
economia mundiat2. No mesmo momento, Pascal Lamy, representante da União Européia
anunciava à imprensa que todos poderiam ter ganhado, mas todos perderam.3
Passadas algumas semanas da Conferência Ministerial de Cancún, a OMC retornou às suas
atividades, iniciando as consultas sobre os temas substantivos da Rodada para que se
pudesse explorar as possibilidades de um acordo nas áreas mais sensíveis - agricultura,
temas de Cingapura, NAMA - Non-agricultural market access - e algodão. O Presidente
do Conselho Geral da OMC iniciou as gestões pelo tema da agricultura.
Para a Reunião Ministerial de Cancún, os EUA e a UE firmaram um grande acordo que
espelhava a relação de seus interesses, não deixando espaço para acomodar os interesses dos
demais países. Se por um lado o resultado foi negativo, por outro lado criou condições para
que, por iniciativa do Brasil aceita pela Índia, África do Sul, Argentina e China, se formasse
2 Patricia Hewitt, representante da UK, em uma entrevista à BBC Radio 4 na manhã de 15 de setembro de 2003, não percebendo a gravidade da situação declarou: "also highlighted just a partial reaction, implying that everyone were ready to make a concession, and that it was totally surprising and unfathomable as to why the poor countries could not agree". Nota: não são palavras exatas, mas correspondem ao conteúdo interpretado por Anup Shah (2003) ao analisar suas declarações. 3 Pascal Lamy, delegado da União Européia, declarou: "I do not want to beat about the bush: Cancun have failed ...... We would ali have gained. We allloose" in Anup Shah (2003).
3
uma inédita e poderosa coligação de países em desenvolvimento - denominada G-20 para
fazer frente aos países desenvolvidos, principalmente aos EUA e à UE.
o futuro da OMC é incerto. As mudanças traumáticas sofridas por muitos países que vivem
sob as regras da OMC nos últimos nove anos significam que alguma coisa na OMC terá que
mudar. A pergunta que se coloca é: o que acontecerá com a Rodada de Doha e, por extensão
com a OMC? Do lado negativo, está a perspectiva de que o impasse em Cancún possa ter
revelado a fragilidade sistêmica da organização, a inconsistência do processo decisório
adotado e a obsolescência do modelo da dinâmica das negociações. Será que os países
poderosos, que ditaram as regras da OMC no passado, irão se adaptar à alguma mudança?
Aqueles que pedem mudanças em leis que prejudicam seus interesses nacionais deixarão de
pertencer à OMC, caso as mudanças requeridas não ocorram ? Qual o processo de
negociação que deverá ser adotado a fim de evitar que as negociações voltem a enfatizar as
relações bilaterais e regionais, por oposição a processos globais ? O desafio que se tem à
frente é impedir que se reproduza o nível de ambição do mandato de Doha, para não
comprometer a integridade da organização.
As respostas para estas questões serão buscadas na análise e avaliação da gestão do
processo de negociação utilizado na 53 Conferência Ministerial da OMC, em Cancún. Para
esta análise, buscou-se amparo na literatura ampla que estabelece a conceituação teórica,
explorada em detalhes no capítulo III.
Estudando e pesquisando os conceitos de barganha posicional, detalhando o processo de
negociação baseado em princípios, explorando em profundidade o estado da arte para gestão
de conversas difíceis, dissecando a questão dos conflitos e das coalizões, mostrando a
dificuldade existente na resolução de disputas públicas e no uso de instrumentos para
quebrar o impasse nas negociações buscou-se estabelecer o instrumental teórico que
possibilitasse aprofundar o diagnóstico da situação atual na OMe.
Este diagnóstico abrangeu a explanação do processo histórico de constituição da OMC, a
descrição detalhada das principais discussões levadas a efeito na 53 Reunião Ministerial de
Cancún e a identificação dos erros e desacertos que provocaram o fracasso desse importante
fórum internacional.
4
A compreensão e clareza do diagnóstico da situação e da atuação da OMC, conforme
descrito no capítulo 11, foram facilitadas pelo detalhamento dos antecedentes do comércio
internacional, explicados em detalhe, com o auxílio dos autores clássicos, no capítulo I.
Algumas recomendações foram necessárias, antes que se chegasse à conclusão, para mostrar
quais os parâmetros para avaliação de conflitos, com base na justiça e na eqüidade, qual o
sistema a ser utilizado na solução de controvérsias, qual a melhor forma de negociação
baseada em princípios e como se deve proceder na gestão de público demandante e no
diálogo dos multistakeholders.
Destaca-se também no capítulo IV, quando se mostram as recomendações cabíveis, a
importância das conversas informais paralelas, o ambiente da complexidade e a visão
ampla que proporciona o enfoque do funcionamento dos sistemas autopoiéticos.
o trabalho científico é uma forma de ampliar o conhecimento atendendo a algumas
características que o distingue dos demais trabalhos literários: a coerência, a profundidade
da pesquisa, a possibilidade de refutação e o rigor metodológico que protege o pesquisador
de erros, precipitações e conclusões de cunho pessoal. A metodologia compreende o
conjunto de regras capazes de fornecer segurança e fidedignidade à pesquisa científica na
consecução de seus objetivos em relação à obtenção do conhecimento.
Considerando a grande variedade de problemas e aspectos relacionados à negociação, a
pesquisa realizada para elaboração deste trabalho concentrou-se nos aspectos macros dos
processos de negociação, ainda que se utilizassem conceitos aplicáveis, observando as
devidas proporções, nos processos de negociação internos às organizações empresariais. O
tema escolhido focalizou a gestão do processo de negociação em nível internacional, entre
Estados soberanos e organizações de alcance planetário.
Para a classificação da pesquisa, tomou-se como base a taxonomia apresentada por
Vergara, que a classifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios
[Vergara:2004].
5
Quanto aos fins, trata-se de uma pesquisa descritiva, pois expõe as características e os
processos utilizados na Conferência Internacional do Comércio e a estrutura e
funcionamento do organismo internacional (OMC) encarregado de conduzir os trabalhos.
Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa eminentemente bibliográfica e documental.
Bibliográfica pela realização de um estudo sistemático de textos de autores credenciados e
reconhecidos como referência sobre o tema, proporcionando a fundamentação teórico
metodológica do trabalho. Documental pela coleta de informações realizada em
documentação oficial da OMC.
Utilizou-se também como fonte de dados e informação atualizada, em função da dinâmica
inerente ao próprio tema, o noticiário da mídia impressa e de revistas técnicas.
6
I. Antecedentes do Comércio Internacional
A Organização Mundial do Comércio é uma instituição global que opera com base em um
sistema de regras comerciais. Desempenha inúmeras funções dentre as quais destacam-se a
busca pela liberalização do comércio e a manutenção de um fórum no qual os governos
podem negociar acordos e resolver disputas comerciais.
As questões sobre as disputas comerciais não surgiram recentemente. Os autores clássicos já
as discutiam buscando regulá-las e encontrar formas de melhor encaminhar os desencontros
que interesses conflitantes pudessem provocar.
O percurso do pensamento econômico, que se inicia em Platão na busca da justiça, procurou
definir os princípios da vida em sociedade e ensinar que o funcionamento da economia não
pode ser determinado por decreto. A organização econômica da sociedade era entendida
como um sub-produto do modo de funcionamento da vida na cidade. Platão definiu um
regime que muito se assemelha à ideologia comunista: cada família receberia um pedaço de
terra idêntico, inalienável e transmissível a um único herdeiro; não se poderia entesourar
nem ouro nem prata pois esses metais estavam reservados para as trocas com o exterior;
caso ocorressem desigualdades, a despeito dos mecanismos de proteção, estabelecer-se-ia
um imposto para corrigi-las; os cidadãos eram agricultores, em sua maioria, e aqueles que
não estivessem vinculados à agricultura só poderiam exercer uma especialidade. A
economia não era auto-suficiente e, para Platão, as transações de importação e exportação
dependeriam de uma autorização, de forma a facilitar o controle. No que se refere à
produção interna, as colheitas seriam estocadas e divididas em 12 partes, uma para cada
mês do ano, e cada um desses doze avos, seriam sub-divididos em três: uma parte para os
cidadãos, outra para os escravos e a terceira para os estrangeiros, sendo assim trocados por
outros produtos. Os estrangeiros, por sua vez, também poderiam vender seus produtos para
os nativos. Platão não se preocupava em controlar a produção dos bens, mas em controlar a
distribuição, como uma forma de evitar distorções nos princípios igualitários estabelecidos.
Ele tinha claramente a idéia de que o funcionamento da economia produzia,
mecanicamente, as desigualdades e, se estas não fossem corrigidas a tempo, poderiam
pesar negativamente sobre a sociedade [Minc:2004].
7
Mais tarde, Aristóteles defendeu a idéia que o trabalho produtivo deveria ser confiado aos
escravos, enquanto o comércio e as atividades financeiras deveriam ser atribuições dos
habitantes da cidade. As trocas não eram condenadas e eram inerentes à multiplicidade das
necessidades e à especialização dos produtores; a aparição da moeda facilitou em muito as
relações de trocas entre produtores de diferentes regiões. Aristóteles definiu o comércio
como sendo uma necessidade para que um país pudesse importar os produtos que não
conseguisse produzir e exportar o excedente da sua própria produção. Diferentemente de
Platão, Aristóteles não acreditava em igualdade perfeita, pois oferecer a mesma quantidade
de capital igualmente para todos é injusto na medida em que as pessoas são diferentes entre
si. Deve-se oferecer vantagens para aqueles que merecem. Essa idéia era denominada
igualdade proporcional, que é a chave da justiça distributiva. Quanto à justiça comutativa,
ela deve ser imposta dentro dos contratos ou das trocas [Minc:2004].
Os teólogos medievais voltaram suas reflexões econômicas para estabelecer uma filosofia
do risco, que constituiu o ponto de partida do capitalismo. Para Robert de Courçon, cada
comprador/vendedor deve desejar participar dos lucros, mostrar que participa dos riscos e
defender-se de tudo que afeta as compras e as vendas [Minc:2004]. A máxima de Colbert,
na França de 1600, foi defender a idéia de produzir, exportar, enriquecer, entesourar e
dominar, por meio da criação de indústrias, mesmo as de luxo. Com base em suas idéias,
estabeleceu-se um sistema de proteção da alfândega, organizou-se os produtores e
comerciantes em corporações, verificou-se os entraves fiscais nocivos à população,
restituiu-se à França o transporte marítimo de seus produtos, buscando-se desenvolver as
colônias vinculando-as comercialmente à França [Minc:2004].
Duas revoluções da época moderna promoveram amplas transformações nos planos
econômico, social, político e ideológico: a Revolução Industrial, na Grã Bretanha, e a
Revolução Francesa. A Revolução Industrial permitiu, por meio de máquinas movidas a
vapor, uma produção em larga escala. A ampliação da produtividade deveu-se ao
aperfeiçoamento de instrumentos mecânicos de produção que substituíram a habilidade e
destreza do artesão. Dessa forma, a produção fabril ultrapassou a capacidade de demanda
interna pelos produtos, abrindo um grande espaço para as exportações desse excedente. A
Revolução Francesa trouxe o liberalismo como uma força política real. A liberdade política
e a igualdade jurídica tinham conquistado a intelectual idade européia e americana.
8
A oportunidade de acesso ao restrito grupo dos economistas franceses, liderados por
François Quesnay, permitiu a Adam Smith conhecer profundamente o pensamento
fisiocrático, pensamento esse que teria grande influência sobre os aspectos teóricos
fundamentais de seu famoso livro A Riqueza das Nações, publicado em 1776. Essa obra,
que constitui o clássico da economia política, apresenta a teoria do crescimento econômico
baseada no conceito de que a riqueza ou o bem-estar das nações é identificada com o seu
produto anual per capita e não mais pela quantidade de riqueza (ouro e prata) entesourada.
A obra apresenta uma discussão a respeito da propensão inata do homem à troca e do
processo de crescimento econômico.
Francis Hutcheson, professor de Adam Smith, em seu trabalho intitulado System of Moral
Philosophy, discorre no capítulo " Os valores dos bens no comércio e a natureza da
moeda" sobre a necessidade para o comércio, que os bens sejam avaliados e que os valores
dos bens sejam determinados pela procura e pela dificuldade em adquiri-los. Ainda
segundo o autor: "A moeda sempre tem o valor de uma mercadoria no comércio, como
outros bens; e isso, em proporção à raridade do metal, pois se trata de procura universaf' 4
[Smith: 1983, p.22]. Adam Smith, à luz de seu professor, indica que o dinheiro enviado
para o exterior "trará para dentro do país alimentos, roupa e moradia" e "quanto maiores
forem as mercadorias importadas, tanto maior será a opulência do país" [Smith: 1983
p.22]. A fim de garantir uma balança comercial favorável, a Grã-Bretanha impôs restrições
ao comércio com a França, atitude compreendida por Adam Smith como "normas e leis
altamente prejudiciais" [Smith: 1983 pp.7-11]. Por fim, com relação ao comércio entre
países, Adam Smith entende que: "Todo o comércio efetuado entre países quaisquer deve
trazer vantagens para ambos. O verdadeiro objetivo do comércio é trocar as nossas
próprias mercadorias por outras que acreditamos serem mais convenientes para nós.
Quando duas pessoas comercializam entre si, sem dúvida isso é jeito para que os dois
aufiram vantagem ... Exatamente o mesmo ocorre entre duas nações quaisquer. Os bens que
os comerciantes ingleses querem importar da França certamente valem mais para eles, do
que aquilo que dão em troca" [Smith: 1983, p.204].
4 "Os valores devem ser medidos com base em algum padrão comum. e que deve ser algo desejado por todos. de sorte que todos estejam dispostos a aceitá-lo na troca. Para assegurá-lo. o padrão deve ser algo divisível sem perda e portátil. além de durável. O ouro e a prata melhor atendem aos mencionados requisitos" ( HUTCHESON, F. System of a Moral Philosophy, v I, p.288-289 in Adam Smith. A Riqueza das Nações. São Paulo: 1983, p. 22)
9
David Ricardo, outro representante da escola clássica de economia política, formulou, a
partir da leitura de A Riqueza das Nações, a teoria do valor, da repartição da renda, do
comércio internacional e do sistema monetários. Na sua formulação da Teoria Quantitativa
da Moeda, Ricardo estabeleceu as regras do 'padrão ouro', ao demonstrar que, em
condições de liberdade de comércio internacional, se todos os países utilizarem moeda
plenamente conversível, o volume de moeda se distribuirá entre eles de tal modo que em
cada um o nível de preços será praticamente constante (referido ao metal). O padrão-ouro,
proposto por Ricardo, foi adotado no século XVIII pela maioria dos países capitalistas e
vigorou no século XX até a Segunda Grande Guerra. Sobre esse padrão montou-se um
sistema internacional de pagamentos que funcionava 'automaticamente', sem a interferência
deliberada de qualquer autoridade pública [ Singer in Ricardo: 1983].
1.1 A questão agrícola
Durante os períodos das guerras, no final do século XVIII, a agricultura da Grã-Bretanha
voltava-se para abastecer o mercado interno, diante das dificuldades de transporte e da
nascente industrialização, o que acarretou uma ampliação na população urbana que
necessitava ser alimentada pela limitada capacidade produtiva da agricultura inglesa. Uma
vez restabelecida a paz, países que dispunham de grandes extensões de terras
agriculturáveis, com grande capacidade produtiva, passaram a oferecer à Grã Bretanha sua
produção a preços comparativamente menores. A queda nos preços mobilizou os
agricultores que passaram a exigir uma proteção contra a concorrência do produto
estrangeiro, o que resultou na Corn Law que proibia a importação de trigo, se o seu preço
fosse abaixo de um certo limite. Ricardo se opunha a essa restrição porque entendia que o
favorecimento da liberdade de comércio e dos lucros dos capitalistas seria a única fonte de
acumulação de capital. A manutenção da Corn Law proporcionava um alto custo de vida e
ia de encontro aos interesses industriais. Ao impedir a importação de cereais a preços mais
baixos, a Grã-Bretanha limitava a exportação de bens industriais, principalmente para os
países que só poderiam pagar pelo sistema de trocas com produtos agrícolas.
5 A obra utilizada Princípios de Economia Política e Tributação (1983) de David Ricardo foi traduzida do Livro On the Principies of Polítical Economy and Taxation. Editado por Piero Sraffa, com a colaboração de M.H.Dobb. in: The Works and Correspondence of David Ricardo. Cambridge, At the University Press for the Royal Economic Society, 1970. v.l (Reimpressão da 18 edição, 1951 )
10
Assim, se por um lado existiam restrições à entrada de produtos agrícolas mais baratos, o
que atualmente gera a discussão sobre o acesso a mercados, tinham-se, por outro lado, os
prêmios à exportação que proporcionavam uma redução do preço dos produtos exportados,
tomando-os mais competitivos no mercado internacional. Esta é a discussão atual a respeito
dos subsídios.
Ricardo, em sua obra, no capítulo intitulado 'Prêmios às exportações e proibição das
importações', afirma que "o efeito de um prêmio às exportações de trigo não consiste, em
última análise, em aumentar ou reduzir o preço no mercado interno, mas em reduzi-lo para
o consumidor estrangeiro - na totalidade do montante do prêmio, se o preço do trigo no
mercado externo já não fosse iriferior ao do mercado interno - ou em menor grau, se o
preço interno estivesse acima do preço no mercado externo" [Ricardo: 1983 p.20S]'"
Smith, no Livro Quatro de A Riqueza das Nações, explica os efeitos maléficos do
mercantilismo em uma época em que a riqueza de um país era avaliada pelo volume de ouro
e prata entesourado. Para os países que não dispunham de minas de ouro e prata, a única
forma para acumular riqueza era por meio da exportação de bens e serviços, a qual, em
excesso, comprometia os níveis de oferta internos provocando um aumento de preços. Por
outro lado, dever-se-ia reduzir a importação de bens e serviços uma vez que representava
saída de metais preciosos e, conseqüentemente, redução na riqueza das nações. Para inibir a
saída de divisas, mecanismos restritivos à importação eram utilizados, desde altas taxas
alfandegárias até proibições absolutas.
Por outro lado, as exportações eram estimuladas algumas vezes por mecanismos de
drawback, outras vezes por subsídios e por tratados comerciais vantajosos ou ainda pela
expansão e exploração de colônias em países distantes [Ricardo: 1983].6
Pode-se depreender que a questão dos prêmios à exportação não é uma discussão recente,
mas vem sendo polemizada desde as Guerras Franco-Inglesas, no período 1793 a 181S, e
constitui o principal foco de tensão nas negociações atuais da OMe. A S3 Reunião
6 Say supõe que a vantagem dos fabricantes nacionais é mais do que temporária. "Um Governo que proíbe totalmente a importação de certos artigos estrangeiros estabelece um monopólio em favor daqueles que produzem tais mercadorias internamente contra aqueles que a consomem. Em outras palavras, como os fabricantes nacionais que as produzem têm exclusividade do privilégio de vendê-las, podem aumentar o preço
11
Ministerial da OMC, em Cancún, foi abruptamente encerrada devido ao impasse ocorrido
com a questão agrícola, mais especificamente no que se refere aos subsídios agrícolas à
exportação, recebidos por produtores europeus e americanos. Esses subsídios proporcionam
significativas restrições à colocação dos produtos agrícolas dos países em desenvolvimento
no mercado mundial. As próximas reuniões deverão contemplar nas suas agendas não só a
questão dos subsídios agrícolas como também as de acesso ao mercado.
além do natural, e como os consumidores nacionais não podem obtê-Ias de outra fonte, são obrigados a adquiri-Ias a um preço mais elevado"[.Jean-Baptiste Say, v.I, p.201 in Ricardo: 1983, p.213].
12
11. Diagnóstico da Situação Atual
11.1 Organização Mundial do Comércio - OMC
Ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos dirigiram uma série de reuniões e
conferências que tinham por objetivo discutir a reconstrução das estruturas políticas e
econômicas internacionais. A principal dessas reuniões aconteceu em Bretton Woods, onde
foram constituídas as organizações que seriam os pilares da hegemonia capitalista: o Fundo
Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial - BIRD e a Organização Internacional do
Comércio - Ole. A criação da OIC, definida ao final de uma Conferência das Nações
Unidas sobre o Comércio e o Emprego realizada em Havana no ano de 1947, jamais ocorreu
por diversos motivos, dentre eles o veto dos Estados Unidos. Assim, o capítulo sobre o
comércio da Carta de Havana foi transformado, com alguns acréscimos, no Acordo Geral de
Tarifas e Comércio - GA TI. O GA TI foi utilizado como um protocolo provisório,
tornando-se definitivo a partir de janeiro de 1948, tendo como objetivo regular as tarifas e
as barreiras não-tarifárias ao comércio, com regras aplicadas exclusivamente quando
consistentes com a legislação em vigor nos países membros [Organização Mundial do
Comércio: 2002].
A Rodada do Uruguai de Negociações Multilaterais na Área de Comércio deu continuidade
ao processo de redução de barreiras ao comércio, concluído após sete rodadas iniciais de
negociações. As mais significativas realizações foram a adoção de novas normas
reguladoras para a comercialização de produtos agrícolas, o estabelecimento de
instrumentos de controle sobre o uso de medidas sanitárias e fitosanitárias, e um novo
acordo sobre um diferente processo para a resolução de disputas comerciais? Terminada em
1994, a Rodada do Uruguai foi a última de um conjunto de oito rodadas de negociações
multilaterais realizadas pelo GA TI, que levou à sua reformulação e deu origem à criação
da OMC. A OMC é uma instituição internacional responsável tanto pelo monitoramento da
implementação pelos estados dos seus acordos constitutivos8, quanto pelo julgamento de
7 Relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos sobre agricultura e comércio internacional, "AgricuIture and the WTO"divulgado em dezembro de 1998, in Revista Eletrônica da USIA, VoI. 4, N° 2, Maio de 1999 - http:jusil1f().state,g\):-:Ll!:~Ll1.1t~Ü~i1ç'-,~jÍl59í)jiicp!ii0.5.2~lLh!Ll}, em 27022004
8 Os acordos constitutivos da OMC são as regras que orientam todo o comércio internacional, que devem ser seguidas e implementadas pelos governos e setores produtivos de cada país-membro. Os principais acordos são: Acordo Constitutivo da OMC, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT- General Agreement on
13
disputas entre países com relação a esses acordos. Além disso, também é responsável por
organizar as rodadas de negociações entre países-membros.
A OMC foi constituída como o centro do sistema multilateral de comércio que estabelece
os principais direitos e obrigações aos quais os países membros devem obedecer para
comercializarem bens e serviços entre si, oferecendo um mecanismo para a solução de
disputas surgidas na aplicação desses princípios9.
A OMC é um fórum no qual os governos discutem as disputas comerciais, negociando
acordos com base em um sistema de regras, que têm por objetivos a elevação dos níveis de
vida, o pleno emprego, o aumento do volume de poupança e demanda efetiva, a expansão
da produção e do comércio de bens e serviços, a proteção do meio ambiente, o uso ótimo
dos recursos naturais em níveis sustentáveis e a necessidade de realizar esforços positivos
para assegurar uma participação mais efetiva dos países em desenvolvimento no comércio
internacional. As regras substantivas da OMC priorizam sistematicamente o comércio sobre
todos os outros valores e objetivos, sendo os países membros obrigados a adaptar suas
leis, regulamentos e procedimentos administrativos a essas regras. Políticas e leis nacionais
que violem as regras da OMC devem ser eliminadas para que os países membros não
venham a sofrer sanções comerciais [ INESC: 2003].
A autoridade máxima da OMC é a Conferência Ministerial, formada por representantes de
todos os seus 148 membros, que se reúne pelo menos a cada dois anos, sendo que desde sua
criação já ocorreram cinco reuniões - Cingapura (Dez 1996), Genebra (Mai 1998), Seattle
(Dez 1999), Doha (Nov 2001) e Cancún (Set 2003). Abaixo dela, há o Conselho Geral,
TarifJs and Trade), Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS - General Agreement on Trade in Services), Acordos sobre aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs -Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) e o Entendimento sobre Regras e Procedimentos de Solução de Controvérsias (DSU - Dispute Settlement Understanding). Há ainda acordos sobre agricultura, barreiras técnicas (TBT - Agreement of Technical Barriers to Trade ), medidas sanitárias e fitosanitárias (SPS - Agreement on the Application of Sanitary and Phitisanitary Measures), têxteis e confecções, investimentos (TRIMs - Trade-Related Investiments Measures), subsídios (SCM - Agreement on Subsidies and Countervailling Measures), anti-dumping (ADFP - Agreement on Anti-dumping Practices) e salvaguardas.
9 São os seguintes princípios fundamentais dos acordos que regem a sua implementação e o próprio comportamento da OMC : (i) proteção à produção nacional somente por meio de tarifas, na medida em que outros tipos de proteção, como quotas de importação, são pouco transparentes e dificultam as negociações para liberalização; (ii) redução e consolidação das tarifas, em que, nas sucessivas rodadas de negociação, os países devem esforçar-se para reduzir as suas tarifas até um patamar negociado, não podendo elevá-Ias sem justificativas; (iii) nação mais favorecida (MFN - Most Favored Nation), em que o que cada país concede a outro deve ser estendido aos demais; e (iv) tratamento nacional, que determina que um produto importado não possa ser tratado de forma diferente de um nacional (por meio de impostos mais elevados, por exemplo).
14
responsável pela direção geral da OMC, podendo inclusive reunir-se como órgão de solução
de disputas entre países, como comitê de negociações comerciais e como órgão de revisão
das políticas comerciais de cada país. Abaixo desses, há os conselhos de comércio de bens,
serviços e propriedade intelectual, além de diversos comitês e grupos de trabalho
especializados, divididos em assuntos como agricultura e meio ambiente. A OMC tem sido
utilizada para estabelecer uma extensa série de políticas relativas ao comércio, aos
investimentos e às desregulamentações que exacerbam a desigualdade entre os países
industrializados e os países em desenvolvimento. O sistema da OMC possui um alcance
quase universal, englobando mais de 97% dos intercâmbios comerciais mundiais.
A OMC tem por função administrar e aplicar os acordos comerciais multilaterais (acordos
que devem ser cumpridos por todos) e plurilaterais (com validade apenas para os membros
que concordaram com a sua adoção) que, em conjunto, configuram o novo sistema de
comércio; servir de foro para as negociações multilaterais; administrar o entendimento
relativo às normas e procedimentos que regulam as soluções de controvérsias; supervisionar
as políticas comerciais nacionais; e cooperar com as demais instituições internacionais que
participam da fomentação de políticas econômicas em nível mundial - FMI, BIRD e
organismos conexos.
Existe uma grande discórdia entre os países signatários sobre o que deve ser incluído na
futura agenda da OMe. Em Cancún, ocorreu uma séria crise de legitimidade da instituição
com o colapso da Reunião Ministerial, causado pela resistência dos Estados Unidos (EUA)
e da União Européia (UE) aos pedidos da maioria dos países signatários da organização que
reivindicavam regras comerciais globais mais justas. Após o fracasso da Conferência,
ocorreu uma reunião em Genebra para avaliação e, ao invés de se analisar o modelo de
globalização e a estrutura da OMC, os interesses corporativos e de seus governos-clientes
tentaram justificar o fracasso colocando a culpa em tudo e em todos: na maioria dos países
membros que defendeu interesses nacionais na OMC, no diplomata mexicano que defendeu
a cúpula, na sociedade civil global e até nos movimentos sociais.
Atualmente a OMC está trabalhando sob pressão de expectativas dos seus 148 membros que
desejam sua legitimidade como organização. A OMC toma suas decisões por consenso,
alcançado quando não existe qualquer objeção à proposta apresentada. A base de todo o
trabalho na OMC é a conversa entre as partes e, qualquer resultado que se consiga obter é
15
conseqüência de uma negociação. Os princípios básicos de funcionamento do sistema
multilateral fundamentam-se na não-discriminação entre os membros da organização
[Organização Mundial do Comércio: 2002]. Supostamente, os países em desenvolvimento
teriam parcialmente preservado o seu direito histórico a um tratamento especial e
diferenciado (Parte IV - GA TI) que possibilitasse atingir o desenvolvimento econômico.
Na prática da resolução de conflitos da OMC, observa-se que esse tratamento está sendo
negado. Por exemplo, na área do Acordo da Propriedade Intelectual relacionada ao
Comércio - TRIP's, o caso de litígio mais conhecido é o confronto entre o Brasil - Embraer
e o Canadá - Bombardier, relacionado ao comércio de aeronaves; ou outro exemplo ocorre
com relação às restrições às importações impostas pela Índia e contestadas pelos EUA. O
Brasil e a Índia descobriram que suas concessões na Rodada do Uruguai tornaram-se
conflitos comerciais com os EUA, e que devido ao tamanho de seus mercados estes países
tornaram-se alvo das investigações americanas.
A OMC possui um banco de dados dos acordos e negociações já assinados por todas as
nações que mantém relações comerciais. Esses documentos constituem o conjunto das
regras legais básicas para o comércio internacional e servem para auxiliar os produtores de
bens e serviços, assim como os exportadores e importadores, a conduzir seus negócios, para
dar suporte aos governos oferecendo transparência para as negociações.
11. 2 Antecedentes das Relações Comerciais
A Rodada do Uruguai de negociações multilaterais na área de comércio deu continuidade ao
processo de redução de barreiraslOao comércio iniciado em rodadas anteriores. As mais
significativas realizações dessas negociações foram: a adoção de novas normas a respeito da
política de comércio de produtos agrícolas; o estabelecimento de instrumentos de controle
no uso de medidas sanitárias e fitosanitárias (SPS); e um acordo sobre um novo processo
multilateral de Resolução de Disputas, sendo que este último deu origem à criação da OMe.
[Relatório Agriculture and the WTO: 1998]
10 Entende-se como barreiras não-tarifárias ao comercIO, quaisquer normas e regulamentos técnicos estabelecidos pelo governo, bem como normas sanitárias e fitosanitárias (aplicáveis a espécies vegetais importadas) que, na prática, impeçam a importação de certos produtos. Pode, também, tornar mais dificeis os procedimentos ou impor quotas de importação, por país ou por produto. Essas barreiras têm sido utilizadas por muitos países como instrumento protecionista para dificultar as exportações de outros países.
16
A nova política de comércio agrícola definida na Rodada do Uruguai, não só convertia todas
as barreiras não-tarifárias ao comércio agrícola em barreiras tarifárias como também se
preocupava em reduzi-las. Como as tarifas eram excessivas para determinados produtos,
ficou estabelecido um sistema de quotas segundo o qual se aplica uma tarifa mais baixa
sobre os produtos importados, dentro de uma determinada quota, permitindo que seja
imposta uma tarifa mais elevada sobre a quantidade que excede esse limite, de forma a
assegurar a manutenção de níveis históricos de comércio e a criação de algumas novas
oportunidades. Ficou acordado, também, que os países que utilizavam subsídios!! à
exportação reduziriam o valor e o volume das suas exportações subsidiadas, no decorrer de
um período de implementação especificado. [Relatório Agriculture and the WTO: 1998]
Até o momento, as questões agrícolas e a manutenção da relação de dependência dos países
em desenvolvimento em relação aos países industrializados constituem um "calcanhar de
Aquiles" nas relações entre esses dois grupos. Os países industrializados estão com sua
capacidade produtiva no setor agrícola cada vez mais limitada. Os EUA não conseguirão
ampliar sua produção porque a tecnologia existente já foi incorporada e não há mais
fronteiras para plantar. A UE já está com suas áreas agrícolas completamente exploradas.
Por outro lado, os países em desenvolvimento estão em uma posição de vantagem em
relação aos países industrializados. O Brasil, que possui a maior reserva de terras
agriculturáveis ainda disponíveis do planeta, ocupa uma posição privilegiada no curto prazo
pois a Índia, Canadá e Rússia que possuem grandes extensões de terra, enfrentam limitações
geográficas e climáticas para ampliar a produção. A China tem uma grande área
agriculturável, porém enfrenta duas barreiras: possui 20% da população mundial para
alimentar e necessita de investimento para preparar o solo para produzir. O potencial
brasileiro equivale a agregar uma área agrícola igual à dos EUA, que atualmente ocupa 140
milhões de hectares, com a vantagem de poder exportar grande quantidade de produtos
agrícolas uma vez que o seu consumo interno (175 milhões de habitantes) é inferior ao dos
EUA que possui 290 milhões de habitantes [Revista Veja: 3/3/2004].
Na OMC, as regras referentes ao comércio internacional de alimentos e a política agrícola
doméstica dos países membros são definidas pela AoA - Agreement on Agriculture. Essas
11 Subsídios são beneficios concedidos pelo governo a determinados setores, por meio da transferência de recursos, isenção de tributos ou aquisição de bens a preços não comerciais. Nem todos os subsídios são condenados, mas somente aqueles que injustamente prejudicam produtores competitivos e diminuem a eficiência da produção global, como os direcionados ao aumento das exportações ou ao consumo de bens nacionais em relação aos importados.
17
regras aceleram a concentração rápida do agribusiness, diminuindo a capacidade dos países
pobres de manter a soberania e a segurança alimentar por meio da agricultura. Como na
OMC as regras são definidas por pressão dos países mais ricos e poderosos, não interessa a
esses membros discutir o ítem da agricultura nas reuniões e fóruns internacionais. Os países
industrializados poderosos insistem em discutir novos temas conhecidos como os temas de
Cingapura: política de competição, compras governamentais, investimento e facilitação de
comércio.
Pode-se dividir os conflitos nas relações comerciais na OMC em antes e depois de Cancún,
conforme é possível avaliar a partir do Quadro I a seguir:
Quadro 1 : Antecedentes dos conflitos nas relações comerciais
Questões Agrícolas - pré - Cancún
EUA x UE
D . Conflitos no setor agrícola- barreiras tarifárias e subsídios.
1990/93 . Conflito minorado para permitir alcançar uma legislação internacional, em matéria de comércio, funcional aos interesses dos EUA, UE e Japão.
Questões Agrícolas - pós - Cancún
EUA x Países em Desenvolvimento
• Condenação como ilegais dos subsídios às exportações dos países em desenvolvimento.
• Legalização dos subsídios praticados pelos países industrializados (agrícolas, P&D, auxílios regionais e auxílios para a resolução de problemas ambientais).
Questões Comerciais - pré - Cancún
EUA x
D . Exigência de reciprocidade.
Países em Desenvolvimento
D . Aumento das obrigações nas relações comerciais.
. Perda do direito legal ao tratamento especial e diferenciado para atingir o desenvolvimento econômico.
Questões Comerciais - pós - Cancún
Países Industrializados
• Abertura acelerada nas áreas de interesse: tecnologia da informação, propriedade intelectual, serviços e eliminação das medidas restritivas aos investimentos diretos.
x
Países em Desenvolvimento
• . Abertura lenta e limitada nas áreas de interesse exclusivo: vestuário, têxtil, calçados e produtos tropicais.
• Legislação protecionista dos processos antidumping e anti-subsídios tornada oficial na OMe.
18
Os conflitos no setor agrícola inicialmente eram de natureza tarifária - barreiras e subsídios
entre os EUA e a UE. No período 1990/93, este conflito foi minorado dando lugar a
negociações sobre uma legislação internacional de comércio que fosse funcional aos
interesses dos países industrializados - EUA, UE e Japão. Já se percebia, então, um domínio
dos países industrializados na OMC. Os EUA passaram a exigir uma reciprocidade dos
países em desenvolvimento, enquanto estes perdiam o direito legal ao tratamento especial e
diferenciado para atingir o desenvolvimento econômico.
Pós-Cancún, na área agrícola, os países industrializados condenaram, como ilegais, os
subsídios concedidos às exportações pelos países em desenvolvimento enquanto
legalizavam os subsídios por eles praticados. Por outro lado, esses países industrializados
forçavam a inclusão dos temas de Cingapura como prioritários aos temas agrícolas.
11. 3 A 5a Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio - OMC
A 5a Reunião Ministerial da OMC, realizada em Cancún, aberta em 10 de setembro pelo
Presidente do México Vicente Fox, presidida pelo Secretário das Relações Exteriores do
México Luis Ernesto Derbez, com a participação do Diretor Geral da OMC Supachai
Panitchpakdi, do Presidente do Conselho Geral e Embaixador do Uruguai para a OMC
Carlos Pérez dei Castillo, do Secretário Geral da UNCT AD Rubens Ricupero, constituiu
mais uma etapa importante do programa da Rodada de Doha para o desenvolvimento dos
países pobres.
A pauta de negociações de comércio internacional incluía a avaliação do progresso das
promessas feitas em Doha, em 200 I, com relação às novas liberalizações comerciais entre
os países industrializados - ricos, do hemisfério norte, e os países em desenvolvimento -
pobres, do hemisfério sul. As principais questões em pauta eram: (i) acordos de negociação
na área agrícola; (i i) acordos relacionados a aspectos comerciais dos direitos de propriedade
intelectual (TRIPS treaty - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights) e saúde pública; (iii) tratamento preferencial e especial para os países em
desenvolvimento; e, (iv) ampliação do poder da OMC através de acordos de investimentos.
19
o encerramento da Conferência Ministerial, ao final do quinto dia de deliberações,
anunciado pelo presidente da Conferência Luis Derbez, sem qualquer Declaração de
Encerramento substantiva a respeito do encontro, fez com que a Conferência parecesse mais
com um enclave medieval. Segundo o representante da União Européia, Pascal Lamy, a
razão pelo qual o consenso não foi alcançado deveu-se à organização medieval da OMC
I2[Shah:2003].
Nesse encontro era esperado que os países industrializados promovessem substanciais
concessões considerando medidas protecionistas e de acesso de mercado, principalmente no
setor agrícola, que pudessem favorecer os países em desenvolvimento. Por outro lado, os
países industrializados esperavam que essa rodada de negociações constituísse um grande
passo ao encontro da liberalização do mercado global e um sinal de crescimento para a
estagnada economia global.
11. 4 Principais temas de discussões da sa Reunião Ministerial da Organização
Mundial do Comércio - OMC
Durante a realização da 5a Reunião Ministerial da OMC, as principais discussões giraram
em torno dos acordos de negociação na área agrícola; dos acordos relacionados a aspectos
comerciais dos direitos de propriedade intelectual e saúde pública; do tratamento
preferencial e especial para os países em desenvolvimento; e da ampliação do poder da
OMC através de acordos de investimentos.
11.4.1 Acordos de negociação na área agrícola
A agricultura é o assunto mais polêmico das negociações. O comércio internacional dos
produtos agrícolas e produtos alimentícios é regulado pelo Acordo sobre a Agricultura
(AoA), um dos principais acordos constitutivos da OMe. Esse acordo, que cobre as áreas de
acesso ao mercado e os subsídios à produção doméstica e à exportação de produtos
agrícolas, tem como objetivo reduzir o protecionismo e a proteção aos mercados agrícolas
impedindo distorções no comércio e garantindo o acesso a esses mercados. Neste acordo,
12 Pascal Lamy, representante da União Européia justifica, dessa forma, não se ter alcançado o consenso: "Despite the commitment ofmany able people, the WTO remains a medieval organization".[Shah, 2003, p.7]
FUNDAÇAO CETULlO VARCAS BIBLIOTECA MAmO UENRlQUE SIMONSEN
20
estabelecido a partir de negociações entre os EUA e a UE, aceito pelos outros membros da
OMC num pacote de outras pequenas concessões, os EUA e a UE ficaram praticamente
isentos da redução de subsídios enquanto os países em desenvolvimento, que não tinham
subsídios, foram proibidos de utilizá-los. Por outro lado, os países industrializados e os
países em desenvolvimento estão divididos em sub-grupos que têm diferentes interesses
sobre a mesma questão. Os Exportadores Agrícolas do Cairns Group demandam uma
redução de tarifas; o Like-minded Group demanda uma proteção aos pequenos fazendeiros
que foram afetados pela importação de produtos mais baratos sugerindo uma aplicação de
tarifas de importação para os produtos essenciais; La Via Campesina - Aliança Global de
Pequenos Fazendeiros, com base no conceito de soberania dos alimentos, demanda que a
agricultura deixe de integrar o sistema da OMe. Do outro lado, os EUA demandam uma
maciça redução nas tarifas de comércio, ao mesmo tempo que preservam os subsídios para a
produção doméstica; a UE, o Japão, a Suíça, a Noruega e a Coréia do Sul desenvolvem o
conceito de agricultura multi-funcional que tem por objetivo promover subsídios nas áreas
de bem-estar animal, conservação da paisagem e desenvolvimento rural. Após um longo
período de estagnação, a aliança EUA-UE trouxe uma nova dinâmica ao processo de
negociação com a Farm Bill que torna as negociações praticamente inviáveis a médio prazo.
Sob a liderança do Brasil, um grupo de 17 países, dentre eles os integrantes do Cairns
Group, a Índia e a China, submeteram uma proposta alternativa, pois o AoA impôs regras
que aceleram a concentração rápida do agribusiness e diminuem a habilidade de países
pobres de manter a soberania e a segurança alimentar através da agricultura de subsistência.
Um dos principais problemas seria substituir as barreiras tarifárias e comerciais por
barreitas fito sanitárias que promoveriam restrições às exportações dos países em
desenvolvimento para os países industrializados baseadas nos acordos de Sanitary and
Phytosanitary Standards - SPS (Padrões Sanitários e Fitossanitários). Esses acordos criam
restrições às políticas governamentais relacionadas à segurança alimentar (pesticidas,
inspeção, contaminação e rotulagem) e saúde animal e vegetal (pestes e doenças
importadas). As regras da SPS tendem para o lado do comércio, protegendo o fluxo de bens
a qualquer custo.
21
Quadro 2 : Principais questões dos países industrializados
EUA
. Demandam uma maciça redução nas tari fas de comércio, ao
mesmo tempo que preservam os subsídios para a
produção doméstica.
UE
. Ignora a segurança de alimentos/ abordagem
de soberania e a demanda por regras
especiais para produtos estratégicos.
UE + Japão + Suíça + Noruega -t Coréia do Sul
. Promovem o conceito de agricultura multi-funcional
que tem por objetivo conceder subsídios nas áreas de bemestar animal, conservação da paisagem e desenvolvimento
rural.
Quadro 3 : Principais questões dos países em desenvolvimento
"Cairns Group"
.Demandam uma redução
de tarifas.
"Like-minded Group"
. Demandam uma proteção aos pequenos fazendeiros que foram
afetados por importação de produtos mais baratos sugerindo uma aplicação de tarifas de importação
para os produtos essenciais.
"La Via Campesina"
. Demandam que a agricul tura saia do sistema da OMC
utilizando como base o conceito de soberania dos
alimentos.
11.4.2 Acordos relacionados a aspectos comerciais dos direitos de propriedade
intelectual (TRIPS treaty - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights) e saúde pública
Essa é uma questão também polêmica. Em Doha, os países em desenvolvimento
conseguiram um acordo no qual, a despeito da proteção de patentes definida no TRlPS
treaty, seria permitido produzir medicamentos genéricos mais baratos, desde que fossem
22
para atender a doenças básicas, para uso interno e sem orientação para a exportação. A
Declaração Ministerial de Doha confirma que seria dado o direito ao Estado de proteger a
saúde do cidadão e habilitaria acesso à produção de remédios com licenças compulsórias. A
questão permaneceu aberta para Cancún uma vez que não ficou definido como proceder,
caso um país não tivesse capacidade tecnológica, nem produtiva, para produzir um
medicamento genérico e, também, para definição das doenças que poderiam estar cobertas
com essa Declaração. A indústria farmacêutica, nos países em desenvolvimento, concordou
em utilizar o relaxamento da proteção de patentes somente para propostas humanitárias e
não para conquistar mercados. As regras do TRIPS causaram um conflito internacional
sobre os direitos dos países em desenvolvimento de emitir licenças compulsórias para
medicamentos essenciais.
Quadro 4 : Principais questões relativas ao TRIPS treaty
TRIPS treaty -Agreement on Trade-Related Aspects olIntellectual Property Rights
Países em Desenvolvimento
Seria permitido produzir medicamentos mais baratos, para atender a doenças básicas, para uso interno e sem orientação para a exportação.
. Restringir o licenciamento para a
produção de remédios.
(Doha)
. Não ficou definido:
- como proceder caso um país não tenha capacidade tecnológica nem produtiva
para produzir um medicamento genérico e,
- a relação das doenças que estariam cobertas por essa definição.
11.4.3 Tratamento preferencial e especial para os países em desenvolvimento
Os tratados da OMC contemplam a possibilidade de que os países em desenvolvimento
tenham um tratamento preferencial e especial para contrabalançar diferenças econômicas
entre os países industrializados e os países em desenvolvimento. De acordo com os termos
da Rodada de Doha, todas essas regras deverão ser revistas com o objetivo de corrigir os
impactos negativos de uma política de desenvolvimento, seguida de rodadas de negociações
23
comerciais. Os países em desenvolvimento estão demandando acesso aos mercadosI3,
redução nas tarifas de comércio para produtos estratégicos, assim como uma revisão nos
acordos do TRlPS. Os países industrializados não estão interessados em fazer qualquer
concessão e estão atrasando as negociações.
Quadro 5 : Principais questões relativas ao tratamento especial e acesso ao mercado
Tratamento Especial e Acesso ao Mercado
~ses Industrializados ~
. Não estão interessados em fazer qualquer concessão e
estão atrasando as negociações.
C::ses em Desenvolvimento~
. Demandam acesso aos mercados, redução nas tarifas de comércio para
produtos estratégicos, revisão nos acordos do TRIPS.
11.4.4 Ampliação do poder da OMC através de acordos de investimentos
Os países industrializados aceleraram suas agendas para Cancún forçando discussões das
questões de Cingapura, quais sejam: investimentos, política de competitividade,
transparência nas ações do governo e facilitação do comércio. Os EUA e o Japão
articularam-se para iniciar a rodada das negociações em Cancún pelos acordos multilaterais
de investimento. O que interessa aos investidores é obter um melhor acesso aos mercados
do hemisfério sul e obter uma melhor proteção aos seus direitos de propriedade, enquanto os
deveres dos investidores com relação aos aspectos sociais, econômicos e de meio ambiente
não deverão ser determinados na estrutura do acordo de Cancún. As principais discussões
entre os diversos países membros podem ser resumidas da seguinte forma:
- Países Industrializados: forçam a discussão sobre investimentos diretos, política de
competitividade, transparência nas ações do Governo e facilitação do comércio; adiam
discussão sobre questões agrícolas; e, exercem forte pressão sobre os países em
desenvolvimento para mantê-los em posição de submissão.
13 Negociar acesso a mercados significa debater como os mercados domésticos para bens industriais e agrícolas são abertos. Em acesso a mercados também incluem-se temas como: regras de origem, barreiras técnicas ao comércio, procedimentos aduaneiros e outros.
24
- Japão e UE: articulam-se para iniciar as negociações pelos acordos multilaterais de
investimento.
- Países em desenvolvimento, China, Índia, Venezuela, Malásia, Países não Desenvolvidos
14 e África : só discutirão as questões de Cingapura depois de resolvidas as questões
agrícolas.
11.5 O Fracasso da 58 Reunião Ministerial da OMC
A proposta principal da 53 Reunião Ministerial da OMC, em Cancún, era promover o
desenvolvimento dos países mais carentes. Os países membros não alcançaram qualquer
acordo nesse sentido.
Eram, de fato, muitas e poderosas as circunstâncias que conspiravam contra o êxito de
Cancún: as ambigüidades do mandato negociador; a pressão política dos países
desenvolvidos; certos interesses domésticos; o tempo alongado das negociações; as
coalizões que variam de geometria em função dos diferentes temas da mesa; em suma, um
processo em que todos os fatores interagem intensamente e que, dada a regra do consenso,
são capazes de assumir a qualquer momento proporções inesperadas. Na origem do impasse
a que se chegou, têm-se as insuficiências do processo preparatório e o fato de as
deliberações ministeriais partirem de uma base pouco apropriada, um projeto de texto com
um víeis em favor do entendimento EUA e UE e de certa opacidade em relação às
demandas dos países em desenvolvimento [Carta de Genebra, Ano 2, N° 7, out 2003].
Esperava-se que de um lado os países industrializados promovessem substanciais
concessões de abertura e extinção das barreiras tarifárias e não-tarifárias ao setor agrícola e,
do outro lado, que os países em desenvolvimento discutissem, uma vez definidas as
questões agrícolas, a pauta dos temas de Cingapura.
Os EUA, representados por Robert Zoellick, deram mais atenção ao fato de que as Nações
Unidas tinham uma multifacetada agenda comercial, que cerca de 14 negociações regionais
ou bilaterais estavam prontas para serem iniciadas e que outros países haviam expressado,
em Cancún, seus desejos de iniciar uma negociação comercial com os EUA.
25
Em uma outra posição, Pascal Lamy, representante da UE, deu maior atenção à estrutura
multilateral da OMC e às prioridades de Doha para a política comercial da UE. Ele
denunciou - repetindo o que já havia dito após a Reunião de Seattle - a natureza medieval
das operações da OMC e a inadequação de sua estrutura e de seus procedimentos
[Monchau:2003] .
o G-20, grupo formado pelos países em desenvolvimento, chegou a Cancún com uma clara
e ativa postura negociadora. Nas palavras do embaixador brasileiro em Genebra - Luiz
Felipe Seixas Corrêa, os países do G-20 " ... buscaram, sem êxito, incentivar os EUA e a UE
para que se demovessem da posição extremamente rígida, em que se colocaram ao deixar
entrever publicamente (e indicar privadamente) que o cerne de sua posição na agricultura
era inegociávef' [Carta de Genebra, Ano 2, N° 7, out 2003, p.2]. O G-20 decidiu, em
conjunto, não participar das negociações a menos que os temas de Cingapura, definidos na
agenda para o início das discussões, fossem colocados em discussão, depois de se ter
alcançado um consenso a respeito das questões agrícolas.
Na Conferência Ministerial de Cancún, em 2003, mais de 80 países estavam unidos contra a
inclusão dos temas de Cingapura. O texto ministerial de Doha exigia que a decisão de
iniciar ou não novas negociações fosse condicionada pelo consenso crítico. A postura
intransigente dos europeus, coreanos e de outros países exigindo que as demandas dos
países em desenvolvimento fossem ignoradas e que os novos temas fossem considerados,
levou ao colapso a 5a Reunião Ministerial de Cancún. A mídia denominou a Conferência
como o "Fracasso de Cancún"[ INESC:2003].
A UE manteve suas demandas em nível elevado por um longo período. A insistência em
formulações maximalistas para os temas de Cingapura, levadas a ferro e fogo durante o
processo preparatório em Genebra, se estenderam até o final da Conferência. Os EUA, por
sua vez, até um determinado momento estavam mais empenhados do que a UE em
promover a negociação agrícola. Por outro lado, os EUA tinham capacidade para manter os
subsídios em um longo prazo e assim preferiram, da mesma forma que Pascal Lamy, não
negociar a ceder [Carta de Genebra, Ano 2, N° 7, out 2003].
14 Países não desenvolvidos, em inglês Least Development Countries - LD 's
26
Era esperado, portanto, que Cancún se constituísse em uma oportunidade para a re
estruturação do AoA - Agreement on Agriculture, uma vez que os subsídios domésticos da
UE e dos EUA devastaram o setor agrícola em todo o mundo. Os EUA e a UE gastam, por
ano, mais de US$ 300 bilhões para subsidiar sua agricultura. Os 25.000 fazendeiros
americanos de algodão recebem cerca de US$ 3,9 bilhões por ano, o que corresponde a
cerca de US$ 150.000 por fazendeiro. Os subsídios para a produção de açúcar alcançaram,
US$ 6,35 bilhões por ano, enquanto o valor mundial anual do comércio para esse ítem é da
ordem de US$ 11,6 bilhões15• Esses subsídios fizeram com que os preços desses produtos
no mercado ficassem menores do que os custos de produção e desta forma devastassem a
produção agrícola dos países mais pobres. A importância da agricultura na composição da
renda desses países é significativa, estando cerca de 80% da sua força de trabalho alocada
na agricultura contra 4% nos países industrializados.
O fracasso de Cancún não foi bem-vindo deixando muito claro a intransigência dos países
industrializados.
O lado positivo dessa Conferência Ministerial foi a enorme solidariedade e apoio entre os
países em desenvolvimento. Eles demonstraram que agora têm um papel significativo e
determinante na arena do comércio multilateral. A Conferência Ministerial de Cancún
deixou claro que as velhas táticas de negociação dos países industrializados não são mais
adequadas para a nova dinâmica das negociações do comércio intemacional. 16 [ Bassel:
2004].
15 !:llin~,~i_~',.\',.\~DlªrxisLcomiQloQi!litJ!tion'C;UKl!ILlillll.fJ.U.Ll11dx. html. Brooks, Mick (2003). Cancun fiasco reveals real nature of WTO. 16 [ http://www.uswa.ca/eng/newsletter6/cancun.htm. Bassett, Michael (Canadian Councilfor International Co-operation ). Cancun: Wealthy Countries Still Willing to End Poverty [fev.2004].
27
IH . Processos de Negociação
o conflito está presente em todos os relacionamentos humanos e em todas as sociedades. As
disputas acontecem entre pessoas de uma mesma família, vizinhos, grupos religiosos e
esportistas, organizações e governo, cidadãos, dentre outros. Devido ao alto custo fisico,
emocional e financeiro que resulta de uma situação conflituosa, os indivíduos têm buscado
maneiras de resolver suas discordâncias e diferenças de pontos de vista. Ao buscar
administrar e resolver as diferenças tem-se procurado estabelecer procedimentos que
atendam aos interesses das partes envolvidas, minimizando o desgaste e os gastos
desnecessários.
Negociação é a possibilidade de se fazer algo melhor por meio de uma ação conjunta; por
outro lado, não deverá ser surpresa caso as ações de não-negociação provem ser o meio
superior de realizar algo [Sebenius e Lax: 1987].
A negociação é ainda o modo mais eficiente de conseguir algo que se deseja. Negocia-se
quando existem alternativas a serem escolhidas e essas alternativas envolvem a própria
pessoa ou a terceiros. Para ambos os lados, as diversas alternativas apresentam interesses
comuns e interesses conflitantes, significando a complexidade das relações.
Deborah Kolb e Judith Williams comentam: a "resistência é uma parte natural do processo
informal de negociação. De modo geral, só daremos a devida atenção a um problema
quando acreditarmos em duas coisas: a outra parte possui algo desejável e nossos próprios
objetivos só serão atingidos se oferecermos algo em troca. A disposição para negociar é,
portanto, uma confissão de necessidade mútua" [Kolb e William:200 1 in Watkins:2004,
p.65].
Qualquer negociação deve ter uma estrutura básica fundamentada no conhecimento das
seguintes questões: qual a alternativa à negociação; qual o limite mínimo para um acordo
negociado; até que ponto cada parte está disposta a ser flexível; e, quais as concessões que
as partes estão dispostas a fazer. Para a definição desses fatores utilizam-se os seguintes
conceitos : BA TNA - Best Alternative to a Negotiation Agreement ou MAANA - Melhor
28
Alternativa à Negociação de um Acordo; Preço de Reserva; e, ZOPA - Zone oi Possibles
Agreements ou ZAP - Zona de Acordo Possível. l?
A MAANA corresponde a alternativa que será adotada caso não se alcance um acordo na
negociação. Esta alternativa é definida antes do início de qualquer negociação para permitir
ao negociador uma posição vantajosa em relação à outra parte, na medida em que ele
conhece e dispõe de uma referência, tanto para avaliação das propostas decorrentes do
processo como para poder dizer não a uma proposta desfavorável. Preço de Reserva é o
limite máximo possível de concessões a serem aceitas em um acordo. Esse limite é definido
levando-se em consideração a quantificação de outros elementos que interessem a parte e
pelos quais ela se disporia a pagar. ZAP é o conjunto de alternativas possíveis, para ambas
as partes, definidas por limites superiores e inferiores, dentro das quais pode-se chegar a
um consenso que satisfaça ambas as partes. Esses limites são definidos pelo Preço de
Reserva de cada parte. As partes não alcançarão resultados enquanto existir a região ZAP
[Mnookin, Peppet e Tolumelo:2000].
Quadro 6: Zona de Acordo Possível
• Alternativa A:
! ... ZAP
~! ------- ------------------
Preço de Reserva Preço de Reserva do vendedor do comprador
• Alternativa B: MAANA
Segundo Sebenius e Lax, as alternativas podem ser tão variáveis quanto as situações
negociadas que circunscrevem. Podem ser corretas e ter um único atributo, como nas
competições por preços de insumos para um produto idêntico; podem ser contingenciais e
multi-atributos, como levar a questão a uma decisão judicial ao invés de aceitar um acordo,
o que pode envolver incerteza, ansiedade, despesas com taxas legais e custo do tempo
dispendido, dentre outros; e podem também variar ao longo do tempo a partir de novas
17 Max Bazerman descreve a MAANA como sendo "one piece of advice that negotiation experts commonly offer is very simple: before you enter into any important negotiation. you should consider what you will do if no agreement is reached". Extraído do artigo Is there help for the Big Ticket Buyer , publicado na Harvard Business Review, em 17 set 2001.
29
informações, interpretações, movimentos competitivos ou oportunidades [Sebenius e Lax:
1987].
Nas negociações multipartidárias e organizacionais, a alternativa de um dos lados pode ser
um conjunto de acordos a ser alcançado por uma potencial coalizão dos adversários.
Ameaças inequívocas para alterar a posição de não-acordo são comumente utilizadas por
uma das partes, como pode ser observado pela posição dos países industrializados nas cinco
Conferências Ministeriais da OMC, quando tentaram impedir que fossem levadas à
discussão as questões agrícolas como é o desejo e a necessidade dos países em
desenvolvimento e forçaram uma agenda para discussões das questões que atendessem aos
seus interesses como os temas de Cingapura. Neste caso, além de buscar acordos, as partes
envolvidas se utilizam, freqüentemente, de negociações formais para fazer propaganda,
reunir inteligências, influenciar terceiros ou outras audiências, manter contato, desviar a
atenção dos outros jogadores sobre algo ou sobre a comunicação de algum assunto, e assim
por diante [Sebenius e Lax: 1987].
Conforme Sebenius e Lax teorizam, a determinação dos países desenvolvidos de influenciar
agendas e a irredutibilidade das posições assumidas provocam falhas nos acordos
constituídos por relações ruins e benefícios perdidos, dificultando, desta forma, as
possibilidades de conciliação [Sebenius e Lax : 1987].
IH. 1 Barganha Posicional
Apesar do fórum da OMC privilegiar o consenso nas negociações, os países industrializados
negociam privilegiando posições e não princípios. O modelo de barganha posicional é
aquele em que as partes competem pela distribuição de uma soma fixa de valor, ou seja, um
lado ganha à custa do outro [Watkins: 2004]. Este modelo compreende posições polarizadas
- afável ou áspera, em que o estilo afável enfatiza a importância de construir e manter o
relacionamento, e o estilo áspero acarreta o elevado ônus de tentar obter concessões e de
fazer ameaças, apesar de levar vantagem ao negociar duro, principalmente quando o
opositor for afável. O forte, em geral, domina o fraco em uma negociação.
Relacionamento e reputação significam pouco nesse modelo: os negociadores não estão
dispostos a trocar valor no acordo por valor no seu relacionamento com o outro lado. A
30
informação desempenha um papel importante nesse tipo de negociação. Quanto menos uma
parte souber a respeito das fraquezas e das reais preferências da outra parte, e quanto mais
perceber o seu poder de barganha, em melhor posição de negociação ela estará. A primeira
oferta poderá constituir-se em uma âncora psicológica capaz de definir a amplitude da
negociação. Ancoragem é uma tentativa de definir um ponto de referência em torno do qual
as negociações aconteçam. Por outro lado, é vantajoso informar à outra parte que se dispõe
de boas alternativas (MAANA), não apresentadas à mesa, caso a negociação não chegue a
termo [Watkins: 2004]. Max Bazerman e Margareth Neale acreditam que as posições
iniciais afetam a percepção dos dois lados quanto aos resultados possíveis [Bazerman e
Neale:1992 in Watkins :2004].
Joseph Stiglitz, em entrevista que antecedeu ao encontro de Cancún, demonstrou
preocupação com relação as chances de se alcançar um sistema mais justo de comercializar
globalmente e com a ameaça de retorno aos métodos antigos de negociações secretas e
negociações inflexíveis dentre outras. 18
Segundo Fisher et ai, a" ... forma mais comum de negociação, ... , depende de se assumir
sucessivamente - e depois, abandonar - uma seqüência de posições" [Fisher et ai: 1994].
Quando se discutem posições, dá-se menos atenção ao atendimento dos interesses
subjacentes das partes, enrigecendo-se posições, o que dificulta o estabelecimento de um
acordo. Prosseguindo, os autores explicam que "quando os negociadores discutem
posições, tendem a fechar-se nelas. Quanto mais você esclarece sua posição e a defende
dos ataques, mais se compromete com ela. Quanto mais procura convencer o outro lado da
impossibilidade de modificar sua posição inicial, mais dificil se torna fazê-Io"[Fisher et
al:1994, p.22].
Assim, a barganha posicional, segundo os autores, " .. . converte-se numa disputa de
vontades. Cada um dos lados tenta, através de mera força de vontade, forçar o outro a
alterar sua posição. A raiva e o ressentimento são resultados freqüentes quando um dos
lados percebe-se curvando à rígida vontade do outro, enquanto seus próprios interesses
18 Joseph Stiglitz, em entrevista aojomal The Guardian em 15 agosto de 2003, que antecedeu ao encontro de Cancún, afirmou: "One would have thought that the developing countries would lookforward to the meeting as a chance to achieve a fairer global trading system. Instead, many fear Ihat what has happened in the past wil/ happen again: secret negotiations, arm twisting, and the display of brute economic power by the US and Europe aimed at ensuring that the interests ofthe rich are protected".
31
legítimos são postos de lado. Assim, a barganha posicional tensiona e, por vezes destrói o
relacionamento entre as partes."[Fisher et ai : 1994, p.24].
Em Cancún, os países industrializados gostariam de discutir novas questões que pudessem
beneficiá-los, como os temas de Cingapura, mais especificamente os investimentos,
enquanto os países em desenvolvimento desejavam fechar as questões sobre a agricultura,
especialmente sobre o impacto dos subsídios concedidos nos EUA e na UE aos seus setores
agrícolas. O acordo não foi alcançado porque enquanto não se esgotasse a pauta do setor
agrícola, os países em desenvolvimento não passariam para a pauta seguinte. Foi observado,
por essa atitude, que os países em desenvolvimento estão pensando e, conseqüentemente,
atuando em bloco, em uma atitude até então inédita face aos países industrializados.
Segundo Shah, a partir de uma perspectiva histórica, Cancún é mais uma vez um exemplo
da posição dos países ricos em absorver a riqueza dos países mais pobres. Por outro lado,
Georges Monbiot, em seu artigo no The Guardian de 16 de setembro de 2003, entitulado A
threat to the rich 19, reconheceu que os países em desenvolvimento perceberam que podem
constituir uma ameaça aos países industrializados, quando fazem alianças entre si para
negociar [Shah: 2003].
O encontro de Cancún segUIu o mesmo padrão dos anteriores nos quais prevaleceu o
processo de decisão não-democrático, utilizando a tática da queda-de-braço de maior poder
dos países industrializados sobre os países em desenvolvimento. Segundo Monbiot, nesse
encontro Lamy elaborou uma proposta às nações pobres e às nações em desenvolvimento
cuja aceitação seria impossível [Monbiot:2003].
O quadro 7 apresenta, de forma esquemática, o impasse atual das negociações entre países
em desenvolvimento e desenvolvidos.
19 George Monbiot comenta que: "the stance ofthe poor countries was a threat to the rich, which, historically has been enough reasonfor the powerfu! to attempt to do whatever they can ensure they remain injluentia!". Em seguida, Monbiot refere-se ao trabalho Leviatã de Thomas Hobbes (1651) comentando: "the nasty and brutish behavior ofthe powerfu! ensures that the lives ofthe poor remains short" [ Jornal The Guardian, 16 set 2003].
32
Como não é aconselhável em situações de negociações complexas posicionar-se de forma
polarizada, o modelo de negociação baseada em princípios apresenta-se como uma
alternativa mais indicada nas negociações multilaterais ao modelo de barganha posicional.
Quadro 7 : Impasse atual nas negociações: países industrializados x países em
desenvolvimento
IMPASSE
Países industrializados X Cses em desenvolvime~
. Desejam priorizar a discussão . Não discutirão a pauta de sobre investimentos que os investimentos enquanto não se chegar beneficiará a curto prazo. a um acordo sobre as questões
agrícolas.
FORMA DE NEGOCIAÇÃO: BARGANHA POSICIONAL
Os países industrializados e os países em desenvolvimento mantém-se em suas posições, de forma polarizada, desejando impor, um ao outro, a sua posição como sendo a melhor.
111.2 Processo de Negociação baseada em Princípios
Em um processo de negociação baseada em princípios, também denominado integrativo, as
partes competem para dividir o valor mas, ao mesmo tempo, cooperam entre si para obter o
máximo de benefícios, conjugando seus interesses no fechamento de um acordo. Nesse
caso, todos devem fazer concessões para conseguir os resultados que mais valorizam,
abrindo mão de outros não fundamentais. Esse processo se desenvolve em quatro estágios:
preparação, criação de valor, distribuição de valores e acompanhamento. Cada um desses
estágios tem uma dinâmica própria e trabalha com os sete elementos da negociação, a saber:
relacionamento, comunicação, interesses, opções, legitimidade, alternativas e
compromissos. Estes elementos de negociação são utilizados em uma dinâmica que
perpassa a exploração de alternativas para construir e distribuir valor [Mnookin, Peppet e
Tolumelo: 2000].
33
Quadro 8: Estágios do processo de negociação baseado em princípios
PREPARANDO
Deixe claro as suas atribuições CRIANDO VALOR e defina sua equipe
Estime seu melhor MAANA Explore os interesses de
assim como o dos outros DISTRIBUINDO VALORES participantes
ambos os lados
Aperfeiçoe o seu MAANA Suspenda a critica
Comporte-se de maneira que CONTINUANDO (se possivel) crie confiança
Discuta padrões e critérios Entre em acordo para o
Identifique seus interesses Crie sem compromisso monitoramento das decisões para "dividir o bolo"
adotadas
Veja quais são os interesses Gere altemativas que Use a neutralidade para
Facilite a sustentação dos dos outros "façam o bolo aumentar"
sugerir possiveis formas de compromissos
distribuição
Prepare sugestões de Alinhe os incentivos e controles alternativas de ganhos mútuos Use a neutralidade para organizacionais
melhorar a situação Projete acordos próximos Continue trabalhando para
que se reforcem melhorar o relacionamento
Use a neutralidade para
Fonte: Yann Duzert - FGV 2004 resolver desacordos
Watkins entende que para o negociador, preparar-se significa compreender sua própria
posição e seus interesses, a posição e os interesses da outra parte ou partes, o que está em
jogo e as soluções alternativas [Watkins:2004].
• Preparação
A etapa de preparação envolve inicialmente a definição da equipe e a escolha do líder
(negociador); a identificação das questões; o mapeamento das questões envolvidas; a
realização de um estudo sobre os interesses, informações e posições das outras partes; o
estudo sobre os interesses - da sua parte -, em contemplar as oportunidades para a criação
de valor; o conhecimento da sua MAANA e a sua melhoria, se for possível; e o
estabelecimento de uma meta ambiciosa porém realista. Para a construção do
relacionamento, deve-se compreender que, " .. certos interesses intangíveis podem ser
importantes de alguma forma nas negociações. As partes podem ter interesse em se sentir
compreendidas e tratadas com justiça" [Mnookin, Peppet e Tolumelo: 2000].
A definição da MAANA de cada parte deve ser feita antes de qualquer definição sem a qual
estará em posição desvantajosa, podendo, sem essa referência, rejeitar uma boa oferta, por
vezes muito melhor que as demais opções, por excesso de otimismo; ou aceitar uma
34
proposta ruim, menos favorável do que a que poderiam obter de outro modo caso não
alcançasse um acordo [Watkins:2004]. Uma MAANA forte permitirá que uma parte
negocie condições mais favoráveis e, por outro lado, uma MAANA fraca poderá deixar a
parte mais vulnerável, pois qualquer proposta poderá ser mais atraente do que a alternativa
que se tem, e desta forma, a outra parte, percebendo a fragilidade, pressionaria para uma
melhor negociação para ela.
No caso de Cancún, o processo que se estabeleceu foi posicional. No processo de
negociação por princípios, a MAANA do grupo de países em desenvolvimento foi não
negociar os temas de Cingapura, concentrando esforços nas questões agrícolas, enquanto os
países desenvolvidos menosprezaram a capacidade de integração dos países em
desenvolvimento, se fixando na estratégia posicional somente para negociar as questões de
Cingapura.
Uma MAANA fraca pode ser superada se uma parte reforçar o jogo buscando melhorar a
MAANA e/ou descobrindo a MAANA da outra parte e/ou enfraquecendo a MAANA da
outra parte. Em uma situação de blefe, uma parte deixa a outra parte saber o que pode ser
feito. Quando a MAANA não está clara, os negociadores devem buscar elementos que
permitam conhecer as preocupações mais gerais das partes, o tipo de negócio, os relatórios
anuais, a estrutura corporativa, outros acordos e metas de forma que se obtenham mais
informações que melhorem as posições de negociação. Segundo Watkins, enfraquecer a
MAANA do outro lado significa fortalecer a sua posição relativa [Watkins: 2004].
A preparação envolve também a definição de uma agenda. Esta não deve ser muito extensa
sob pena de desmoralizar as partes comprometidas quando não for cumprida. As questões
agendadas para o início dos trabalhos não deverão ser polêmicas, frias ou contundentes,
para que não produzam danos nem uma oposição forte ao que está sendo discutido
[Susskind e Cruikshank: 1996]. A agenda de Cancún sofreu grande influência dos países
industrializados para as suas questões - temas de Cingapura, relegando para um segundo
plano as questões agrícolas que, conforme definido na reunião anterior, seriam objeto de
discussão no início da pauta.
35
• Criação de Valor
Por definição, a criação de valor ocorre quando, em uma negociação, ambas as partes
acreditam que os resultados alcançados as deixarão, ao final, melhores do que ficariam caso
não houvesse acordo. Em um senso mais estrito, qualquer resultado negociado, se melhor
do que a alternativa de fora da negociação, diz-se que criou valor [Mnookin, Pepper e
Tolumelo:2000].
o estágio de criação de valor só acontece depois de se entender o que seria um bom
resultado do ponto de vista de uma das partes e do ponto de vista das outras partes, quando
então poder-se-á identificar as áreas de intercessão, consenso e oportunidades para trocas
mais favoráveis. Caso exista qualquer incerteza sobre os interesses, os recursos e as
capacidades da outra parte, não será possível identificar as oportunidades de criação de
valor, daí a necessidade de um encontro entre as partes, para que se possa obter mais e
novos subsídios que permitam maximizar a avaliação e identificar as oportunidades de
criação de valor [Mnookin, Peppet e Tolumelo: 2000]. Segundo David Lax e James
Sebenius, os negociadores deverão concentrar suas energias no aumento do tamanho do
bolo, realizando trocas - criação de valor - que consistem em melhorar as posições
mediante o intercâmbio de valores que disponham. A criação de valor por meio de trocas
ocorre no contexto das negociações integrativas; em geral, cada parte obtém algo de seu
interesse em troca de algo a que dá importância muito menor [Watkins: 2004]. Nesse
processo, contrário ao processo de negociação por barganha, para se alcançar resultados,
será necessário compartilhar informações significativas sobre as respectivas situações, a fim
de encontrar oportunidades de benefícios mútuos. O compartilhamento de informações
compreende: explicar por que se deseja fechar o negócio; falar sobre os reais interesses ou
restrições empresariais; revelar e explicar as preferências entre assuntos e opções; analisar e
revelar eventuais capacidades que interessem à outra parte e que poderiam fazer parte do
acordo; e, utilizar o conhecimento adquirido para buscar opções criativas que atendam, ao
máximo, o interesse de ambos os lados [Watkins: 2004].
Utilizar a alternativa de não-acordo limita o conjunto de resultados negociados. Em todas as
etapas do processo, a percepção das diferentes alternativas é crítica para o posicionamento
das partes, e o processo vai se desenvolvendo por meio de concessões e não-concessões e
36
sucessivos pequenos ganhos que vão sendo obtidos, posição à posição, até o momento em
que não é mais possível se obter ganhos adicionais. Desconhece-se em que momento o
acordo acontecerá. Exemplificando, no quadro 9, tem-se dois negociadores - A e B com
três possibilidades de ganhos cada um. O ponto (0,0) representa o estágio inicial da
negociação em que cada uma das partes buscará negociar, para si, um ganho. Na posição
(6,0) o ganho de 6 para o negociador B representa um não ganho para o negociador A, e na
posição (0,6) é o inverso, significando um jogo de soma-zero. Ao longo das negociações,
ocorrem concessões de ambas as partes que representam ganhos de valor até o ponto ótimo
(3,3), denominado Equilíbrio de Nash, a partir do qual não é mais possível obter ganhos
adicionais. Esse ponto ótimo não representa a maximização dos desejos de cada uma das
partes que seria representada pela posição (0,6) para o negociador B e (6,0) para o
negociador A, entretanto representa o melhor resultado conjunto possível. Nesse caso, cada
uma das partes perde três pontos mas, em relação a não ganhar nada ( posição de não
acordo) , foi possível para ambas as partes ganhar três pontos.
Quadro 9: Processo de construção do consenso
Negociador A
6 .. 3
2
2 3
Melhor resultado possível
.... ~ 6 Negociador B
No caso das negociações multilaterais da Rodada de Doha, em Cancún, no âmbito da
OMC, a única alternativa possível de negociação dos países industrializados com relação à
questão agrícola era, indiscutivelmente, a manutenção do subsídio aos produtores europeus
e americanos e a discussão sobre os temas de Cingapura. Da parte dos países em
desenvolvimento, a única alternativa era a extinção dos subsídios. As posições das partes
eram polarizadas com interesses divergentes.
nenhum
subsídio
Países em desenvolvimento
Quadro 10: Posição polarizada - sem acordo
] [ todos
subsídios
Países Industrializados
37
Em março de 2004, depois de suspensas as negociações agrícolas na reunião de Cancún,
realizada em setembro de 2003, durante uma reunião do Comitê de Agricultura em Genebra,
ocorreu uma mudança na posição dos países industrializados, iniciada pelos EUA, dispostos
a definir o compromisso de fixar uma data para que os subsídios aos produtores agrícolas
deixassem de existir. De acordo com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso
Amorim: "o G-20 está absolutamente fortalecido" [Jornal O Globo: 30/0312004, p.26].
Diante do impasse nas negociações com a Alca - um elemento que altera o cenário das
negociações que diz respeito às negociações dos EUA, Canadá e México com o Brasil - a
UE aproveitou a oportunidade para dar sinais de que irá melhorar sua proposta na área
agrícola, aceitando estabelecer compensações aos significativos subsídios concedidos à
agricultura na Europa. A estratégia dos europeus é estender aos demais países do Mercosul
benefícios que não quer estender aos demais países em desenvolvimento, além de
promover, por meio desta "aliança" um incentivo para que o Mercosul deixe de ser um
opositor na Rodada da OMC [Jornal O Globo: 10/04/2004].
Quadro 11: Posição polarizada - com possibilidade de acordo
nenhum
subsídio
Países em desenvolvimento
[ ZPA
] todos
subsídios
Países Industrializados
A região da ZPA - Zona de Possíveis Acordos, tende a diminuir ao longo das negociações
até que se alcance uma única posição que seja boa para ambas as partes. As alternativas
podem ser tão variadas quanto as situações que as circunscrevem. Em uma negociação
multipartite, as alternativas de um dos lados podem ser um conjunto de acordos que serão
alcançados por potenciais coalizões da outra parte [Lax e Sebenius: 2000].
Administrar a tensão entre criar e distribuir valor pressupõe que já tenha sido detenninado o
ponto limite para deixar a negociação. "Negociação não é um jogo estático" [Mnookin,
Peppet e Tolumelo: 2000, p.l8]. O conhecimento da MAANA pennitirá, ao invés de excluir
peremptoriamente a solução que não corresponda ao seu interesse mínimo, que se obtenha
um real poder na negociação, pois representa uma medida que possui a vantagem de ser
suficientemente flexível para pennitir a exploração de soluções imaginativas.
38
Mnookin define quatro fontes possíveis de criação de valor: diferenças entre as partes,
similaridades não competitivas, economias de escala e redução nos custos de transação. As
diferenças entre as partes são as mais importantes e eficientes fontes de criação de valor,
pois provocam a criatividade na busca de alternativas que permitam a ampliação do leque
de opções. Segundo o autor, essas diferenças podem ser analisadas sob a ótica dos recursos,
da valoração relativa, das previsões, da tolerância ao risco e dos ajustes no tempo
[Mnookin, Peppet e Tolumelo: 2000].
Segundo Mnookin et ai, ''para muitos, a distribuição de valor - em oposição à criação - é
a essência da negociação" [Mnookin, Peppet e Tolumelo: 2000, p.l8]. É necessário que as
partes se comportem de forma a criar confiança para propor e discutir padrões e critérios
para uma ótima divisão do todo, em posição de neutralidade. Caso haja interesse em se
explorar outras oportunidades que não só o valor, tem-se então, para essas novas
oportunidades, uma possibilidade de criação de valor.
Na maioria das negociações, cada uma das partes dispõe de diferentes conjuntos de
informações com diferenças nas quantidades e qualidades dessas informações. A essas
diferenças denomina-se assimetria de informações. A questão estratégica é que nenhum
negociador conhece o quanto poderá exigir da outra parte. Os negociadores raramente
revelam os seus valores de reserva e também são relutantes em conversar a respeito dos
seus MAANA's.
Um negociador que livremente disponibiliza suas informações sobre seus interesses e
preferências poderá não obter a mesma reciprocidade da outra parte. Por outro lado, a
criação ficará prejudicada caso não exponham, para a outra parte, as suas informações. Esse
é o primeiro núcleo de tensão nas negociações - denominado Dilema do Negociador - que
consiste na dicotomia entre a necessidade de revelar informações que criem valor versus
revelar informações, oferecendo argumentos e elementos à outra parte que podem
prejudicar a distribuição de valor. A pergunta que melhor representa o Dilema do
Negociador deve ser assim formulada: qual o limite da oferta de informações à outra parte?
A resposta pode ser encontrada na compreensão do conceito de co-opetição.
Em resumo, quando um negociador observa de forma míope as questões distributivas e não
divide qualquer informação, perderá oportunidades de criar valor. A essência da
39
distribuição de valor é a busca em cada um dos negociadores dos modelos de percepção que
possuem (elemento subjetivo), a fim de facilitar as suas ações em relação aos demais
participantes. Nessa avaliação, deverão ser consideradas as prováveis reações e percebidos
os limites da negociação. Os negociadores empregam uma variedade de táticas para
influenciar a percepção da outra parte - algumas podem ser confusas e outras desonestas.
Segundo a experiência de Mnookin, quando as questões de distribuição estão aparentes,
habilidades são mais do que necessárias para a resolução de problemas [Mnookin, Peppet e
Tolumelo:2000].
As normas poderão auxiliar no entendimento das partes. Normas e procedimentos sobre
Solução de Controvérsias podem, freqüentemente, resgatar negociações que tenham
chegado a um impasse, de forma simples, não sendo necessário fazer uso de complicadas
alternativas de solução de conflitos, que tomariam uma parcela significativa de recursos e
de tempo. Alguns acreditam que com cooperação, o todo cresce ampliando-se de tal forma
que as questões de distribuição desaparecem [Mnookin, Peppet e Tolumelo:2000].
111.3 Gestão de Conversas Difíceis
Em processos de negociação, algumas dificuldades de posicionamento podem ocorrer,
entretanto podem ter seu rumo corrigido. Max Bazerman e Margareth Neale mencionam o
"exagero irracional" como um erro cometido por negociadores quando se envolvem em
negociações difíceis e competitivas. Em sua definição, exagero irracional é "insistir em um
curso de ação previamente escolhido além do que seria recomendado por uma análise
racional" [Bazerman e Neale: 1992, p.10 in Watkins:2004, p.123]. Watkins destaca a
"percepção tendenciosa" como um fenômeno psicológico que faz com que as pessoas
percebam o mundo por um viés a seu próprio favor ou coerente com seus próprios pontos de
vista. Os bons negociadores sabem como ficar de fora de uma situação e encará-la com
objetividade, sendo capazes de compreender a maneira de pensar dos outros envolvidos,
bem como seus pontos de vista tendenciosos [Watkins: 2004]. Acordos também são difíceis
de serem alcançados quando uma ou mais partes têm expectativas que não podem ser
atendidas - o que elimina qualquer zona de acordo possível, denominada "expectativa
irracional". Excesso de confiança também inviabiliza acordos, pois pode levar a
superestimar as próprias vantagens e menosprezar as vantagens das outras partes,
impedindo ou dificultando o reconhecimento de perigos e oportunidades, sendo reforçado
40
por um outro erro, conhecido como pensamento grupal (groupthink) ou conhecimento
comum.
Um outro comportamento (groupthink) pode levar ao "erro irracional", definido pelo
psicólogo Irving Janus como a "maneira de pensar exibida pelas pessoas quando
profundamente envolvidas num grupo coeso, quando a ânsia dos membros por
unanimidade se sobrepõe à sua motivação para fazer uma avaliação realista de cursos
alternativos de ação" [Janus: 1982, p.9 in Watkins:2004, p.131]. Quando ocorre o
descontrole emocional, a raiva passa a dominar a negociação e assim, as partes deixam de se
concentrar na lógica e em seus interesses racionais; seu objetivo passa a ser o de provocar
danos ao outro lado, mesmo quando isso for prejudicial também a si próprias.
Por outro lado, na busca de soluções determinadas para situações estratégicas, considera-se
que o suposto do conhecimento comum é a condição de conhecimento relevante. Considera
se como conhecimento comum um evento que é conhecido pelas pessoas, quando todas
sabem disso, e todas sabem que todas sabem disso, e assim por diante. Um outro sentido
para conhecimento comum foi elaborado pelo filósofo David Lewis que concluiu ser
racional para os indivíduos a adesão às convenções, sendo essas determinantes da
coordenação social. Essa compreensão leva a duas questões: a primeira é que a origem
arbitrária das convenções pode produzir bons equilíbrios - que resultarão em cooperação
efetiva, ou maus equilíbrios - que resultarão em prejuízo generalizado; a outra refere-se à
garantia de que crenças e disposições das pessoas são de conhecimento comum
[Lessa: 1998].
Dupuy sugere que um dos sentidos possíveis para conhecimento comum corresponde ao
melhor uso que se pode fazer desse conhecimento comum na Teoria dos Jogos. Trata-se da
idéia de que os jogadores conhecem a Teoria dos Jogos e tomam suas decisões de acordo
com o que a teoria prescreve para o jogo em que estão envolvidos. Na versão clássica da
teoria, as decisões dos atores são tidas como independentes umas das outras e os atores são
presumivelmente possuidores de informação completa. Na visão moderna, as decisões são
de tal forma independentes que configuram uma situação de incerteza generalizada [Dupuy
in Lessa: 1998].
41
No fórum da OMe, os interesses conflituosos manifestam-se entre os países
industrializados e em desenvolvimento quando esses últimos reclamam que estão perdendo
o tratamento preferencial (p.e. tarifas e proteção de patentes) e demandam maior espaço
para acomodar as suas prioridades para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os países
industrializados argumentam com as suas necessidades para proteção às suas indústrias (p.e.
agrícolas, têxteis e aço) justificando a utilização de tarifas altas. Por outro lado, têm-se
políticas ambientais, políticas de proteção ao consumidor e de desenvolvimento,
organizações não-governamentais e uniões de comércio insistindo em afirmar que as regras
da OMe não estão atendendo aos objetivos sociais, ambientais, dos consumidores e de
desenvolvimento. São muitos os interesses divergentes que se deparam com um grande
grupo de lobistas transitando entre os vários interesses tratados na OMe [Unmüssig: 2004].
Segundo Moore, "todas as sociedades, comunidades, organizações e relacionamentos
inter pessoais experimentam conflitos em um ou outro movimento do processo diário de
interação. O conflito não é necessariamente ruim, anormal ou disfuncional, é um fato da
vida. O conflito e as disputas existem quando as pessoas estão envolvidas na competição
para atingir objetivos que sejam percebidos - ou de fato, incompatíveis" [Moore: 1998,
p.5].
A disputa tem uma dinâmica negativa e um custo muito alto quando inflinge dano físico ou
psicológico a um oponente e, uma dinâmica positiva quando é produtiva e conduz a um
crescimento para todas as partes. Para que uma disputa tenha uma dinâmica positiva será
necessário que os participantes tenham capacidade de criar procedimentos eficientes para a
resolução de problemas de forma cooperativa, colocando de lado a desconfiança e a
animosidade enquanto trabalham juntos na busca da solução do conflito, criando e
distribuindo valores, explorando as oportunidades e opções que possam satisfazer, pelo
menos parcialmente, aos interesses de todas as partes [Moore: 1998].
De acordo com Goleman, os indivíduos possuem aflições mentais tais como apego ou
ansiedade, raiva - hostilidade e ódio, arrogância, ignorância, ilusão, dúvida e opiniões
aflitivas que interferem, significativamente, sobre o curso das negociações, produzindo uma
dinâmica negativa com prejuízo para ambas as partes [Goleman:2004].
42
Ainda o autor associa alguns sentimentos às aflições mentais conforme se pode observar na
relação seguinte:
A raiva está associada à: ira, ressentimento, rancor, inveja, ciúme e crueldade.
O apego está associado a : avareza, auto-estima em excesso, empolgação,
ocultação dos próprios defeitos e apatia.
A ignorância está associada a : fé cega, indolência espiritual, negligência e falta
de atenção introspectiva.
A ignorância e o apego estão relacionados à: presunção, logro, despudor, falta de
consideração pelo próximo, falta de escrúpulos e aturdimento.
A reversão da dinâmica negativa para uma dinâmica positiva é possível com o cultivo do
equilíbrio emocional. Por emoção entende-se um estado mental que tem um forte
componente sensível. Cabe ao negociador se permitir racionalmente avaliar o desenrolar das
negociações, de forma a fazer o contraponto com uma emoção impulsiva originária dessas
situações, que inibe o controle das emoções destrutivas. Esse controle pode ser
proporcionado pela meditação - percepção de coisas sutis, pela intuição e mente alerta - no
conceito de Goleman - que possue um cognitivismo forte e, na atitude "Pare e Pense ,,20
definida por William Ury.
As tensões que existem entre os diferentes interesses que se quer perseguir são trabalhadas
pelos indivíduos e produzem uma grande diversidade de estilos de comportamento. Em uma
negociação, principalmente quando se está diante de uma disputa acirrada, os sentimentos
podem ser mais importantes que as palavras. As partes, muitas vezes, estão mais preparadas
para uma batalha do que para se debruçar, juntas, sobre uma questão comum [Fisher, Ury e
Patton: 1994]. O grande desafio na negociação para a resolução de problemas é reconhecer
e administrar a tensão. Esta não pode ser resolvida, só pode ser administrada [Mnookin,
Peppet e Tulumello :2000].
111.3.1 Conciliação
"A conciliação é essencialmente uma tática psicológica aplicada que visa corrigir as
percepções, reduzir medos irracionais e melhorar a comunicação a tal ponto que permita a
20 A expressão utilizada por William Ury é "stop and go to the balcony".
43
ocorrência de uma discussão razoável e, na verdade, possibilita a negociação
racionaf'(Curle: 1971 in Moore: 1998, p.145). A conciliação pode ser alcançada por
intermédio de um mediador que minimiza o conflito desnecessário e constroe um
relacionamento psicológico positivo entre as partes.
Moore entende que existem cinco problemas que criam uma dinâmica psicológica negativa
nas negociações: emoções fortes; percepções erradas ou estereótipos empregados por uma
ou mais partes em relação à outra ou sobre as questões em disputa; problemas de
legitimidade; falta de confiança; e comunicação deficiente [Moore: 1998].
No início das negociações, as pessoas freqüentemente se sentem zangadas, magoadas,
frustradas, desconfiadas, alienadas, desesperançadas, ressentidas, traídas, temerosas ou
resignadas em relação às condições insatisfatórias. Essas emoções deverão ser minimizadas
e amenizadas antes de qualquer negociação, sob pena de mais tarde bloquearem um acordo
ou inibirem a formação de relacionamentos mais positivos. Em sua maioria, os conflitos
envolvem mais sentimentos negativos. As emoções são reações fisiológicas e psicológicas
complexas a estímulos externos e podem se manifestar em alterações neuro-musculares,
cardiovasculares, respiratórias, hormonais e em outras alterações corporais. Deixar
expressar uma emoção forte pode fazer parte de uma estratégia quando: uma parte necessita
de uma liberação fisiológica das emoções reprimidas pois está sendo incapaz de se
concentrar nas questões essenciais da negociação; uma parte necessita demonstrar à outra
parte suas emoções como um dos elementos de um movimento educacional; a expressão
direta das emoções é culturalmente esperada e aceitável. Caberá ao mediador, familiariza-se
com as técnicas psicológicas para ajudar as partes a lidarem com suas emoções, de forma a
poderem negociar as questões específicas que estão disputando [Moore: 1998].
Os indivíduos estão em conflito muitas vezes, em função da natureza do conflito, outras
vezes pela própria natureza do ser humano quando incapaz de desenvolver um processo de
negociação de forma efetiva, de lidar com as barreiras psicológicas e de participar com
soluções integrativas. Quando as partes encontram-se em um forte desentendimento e as
dificuldades enunciadas anteriormente atingem limites que inviabilizam o desenvolvimento
das negociações, tem-se um processo de negociação (gestão de conversas difíceis) em que o
papel de uma terceira pessoa - mediador - é fundamental para o processo de negociação.
As pessoas entram em um processo de negociação conscientes de que os riscos são grandes,
44
sentindo-se ameaçadas. O medo gera a raiva que por sua vez pode gerar o medo. As
emoções de um lado podem gerar emoções no outro, podendo levar rapidamente a
negociação a um impasse ou ao fim [Fisher, Ury e Patton: 1994].
A construção de consenso é um processo que busca um acordo unânime entre as partes.
Envolve um esforço para conciliar os interesses de todos os stakeholders . O consenso é
alcançado quando cada um concorda que poderá conviver com o que foi proposto depois
de todo o esforço da negociação. O consenso requer que se defina uma proposta depois de
ouvido, com cuidado, tudo o que já foi dito [Susskind: 1999].
111.3.2 Facilitação e Mediação
Na Reunião Ministerial de Cancún, o Presidente Derbez anunciou o convite a cinco
ministros para atuarem como facilitadores ajudando-o nas negociações nos diversos temas,
tais como : agricultura, acesso aos mercados não-agrícolas, de desenvolvimento, de
Cingapura e outros. Os facilitadores eram pessoas com habilidade para gerenciar encontros
e conversas entre partes em litígio, devendo trabalhar com grupos individuais e delegações
e, mais tarde, reportar-se ao Presidente Derbez. Como nas Conferências Ministeriais
anteriores, esses encontros informais ocorriam enquanto o plenário formal continuava com
as exposições gerais dos Ministros.
Nesta ocasião foram escolhidos os seguintes facilitadores:
Agricultura: George Yeo Yong-Bom , Ministro da Indústria e do Comércio de
Cingapura;
Acesso ao mercado de produtos não-agrícolas: Henry Tang Ying-yen, Secretário de
Finanças de Hong-Kong, China;
Temas de desenvolvimento: Mukhisa Kituyi, Ministro da Indústria e Comércio do
Quênia;
Temas de Cingapura: Pierre Pettigrew, Ministro do Comércio Internacional do
Canadá; e,
Outros temas: Clement Rohee, Ministro do Comércio Exterior e da Cooperação
Internacional da Guiana.
45
Os facilitadores fazem o seu trabalho na mesa de negociação, com as partes frente-a-frente,
enquanto os mediadores são chamados para trabalhar com as partes fora do ambiente da
disputa, antes ou depois de cada rodada, e com um grande número de situações conflituosas.
Em Cancún, o trabalho dos facilitadores foi assessorar o presidente para tentar alcançar o
consenso e assumir grupos de trabalhos abertos a todos os membros, por tema.
Moore entende o mediador como sendo a pessoa que "ajuda as partes principais a
chegarem de forma voluntária a um acordo mutuamente aceitável das questões em
disputa". O autor acrescenta que a "mediação é um processo voluntário em que os
participantes devem estar dispostos a aceitar a ajuda do interventor se sua função for
ajudá-los a lidar com suas diferenças - ou resolvê-las" [Moore: 1998, pp.22-23].
O mediador não pode fechar os olhos para atitudes desonestas, acordos que não poderão ser
implementados ou violação das regras. Antes das partes se colocarem frente-a-frente, os
mediadores têm um importante papel na seleção dos participantes mais representativos,
devendo auxiliá-los na definição da agenda e na determinação de regras sob as quais
deverão atuar, desde que estejam em uma posição absolutamente neutra.
Uma das importantes habilidades do mediador é a capacidade de observar e interpretar as
situações que se desenrolam, de analisar os interesses, compreender conflitos e explorar as
relações de poder de tal forma que as situações possam ser colocadas dentro de medidas de
controle [Morgan: 1996].
Uma vez iniciado o processo, os mediadores assistirão as partes nos seus esforços em gerar
soluções criativas dentro das diferenças. Durante as discussões ou negociações, o mediador,
como não está envolvido diretamente na disputa, poderá assessorar os participantes
observando e entendendo de forma mais racional a questão, servindo de porta-voz do
processo, se a mídia estiver acompanhando as negociações. Finalmente, o mediador poderá
ser chamado para monitorar a implementação dos acordos e reunir as partes, para rever o
progresso ou avaliar as falhas ou violações ocorridas [Susskind: 1999].
Em uma perspectiva de conciliação, existem desafios para o mediador como a relutância
entre as partes para saírem de suas posições iniciais.
46
111.3.3 Mediadores nas Relações Internacionais
No livro Minimizing Agency Costs In Two Levei Games, Kalypso Nicolai"dis traz a questão
de um agente representar múltiplos constituintes. Ela argumenta que o ótimo mandato
do ''jogo de dois níveis" envolve um balanço da eficiência externa (buscando o melhor
acordo que puder do lado oposto) com um equilíbrio interno (buscando um acordo que
seja justo para todos os principais envolvidos) [Mnookin e Susskind: 1999].
Nicolai"dis aplica essa teoria para as negociações comerciais na União Européia e nos
Estados Unidos e busca explicar a diferença dos mandatos dos negociadores da União
Européia e dos Estados Unidos, os problemas engendrados por estes mandatos e o
desenvolvimento dos mesmos ao longo do tempo. Ela distingue três estágios de negociações
para os mediadores - antes, durante e após os encontros, - e sugere três interesses para os
principais negociadores: quanto de flexibilidade deve ser dado ao agente para que ele possa
ir à negociação; quanto de autonomia deve ser dado ao agente durante as negociações;
quanto de autoridade, necessária para ratificação, deve ser dada ao agente depois que a
negociação for consumada.
Na diplomacia internacional, os mediadores encontram desafios eSpeCIaIS pOIS
freqüentemente representam partes amorfas (p.e. Estado-nação) ou um conjunto de partes
ativas (p.e. Presidência, o Departamento de Estado ou grupos de comércio doméstico). Os
mandatos das partes podem mudar rapidamente levando-as a usar múltiplos mediadores,
simultaneamente, para cumprir suas agendas. A diplomacia internacional também envolve
papéis conflituosos.
Em Challenges for International Diplomatic Agents, Eillen Fabbit argumenta que para
produzir uma melhor diplomacia, na prática, essas complexidades da negociação
internacional deverão ser encaminhadas de forma mais efetiva. Assim, quando diferentes
mensagens estão sendo enviadas por múltiplas partes usando múltiplos mediadores, será
impossível alcançar um acordo externo enquanto esses constituintes estiverem negociando
um acordo interno sobre como conduzir a negociação externa [Mnookin e Susskind: 1999].
47
111.3.4 Barreiras para Resolução de Conflitos
Arrow et ai em seu livro Barriers to Conjlit Resolution, analisam a entrada de um agente
nas negociações entre as partes a fim de facilitar a eliminação das barreiras. Os autores
sugerem três categorias de barreiras para a resolução de conflitos : barreiras táticas e
estratégicas; barreiras psicológicas; e barreiras organizacionais, estruturais e institucionais
[Arrow et ai: 1995].
Constitue barreira tática e estratégica, a tensão central na negociação que ocorre entre a
criação de valor e a reclamação do valor. É muito comum que os negociadores deixem de
lado as suas possibilidades de acordo para concentrarem esforços, principalmente, nas
táticas e no processo de negociação em si mesmo. Em todos os estágios da negociação, as
percepções das alternativas são críticas para a definição do comportamento das partes. Uma
negociação tática que tem um único objetivo é prejudicial para a outra parte [Sebenius e
Lax: 1987]. As barreiras psicológicas ocorrem quando cada indivíduo assimila as
informações de forma diversa a do outro. Em uma negociação, devido as diferenças sociais,
econômicas e principalmente culturais, as partes tendem a ver o mundo, de acordo com as
suas posições e convicções [Arrow et ai: 1995]. A sinceridade e a confiabilidade são as
pedras angulares da confiança. Negociar com alguém indigno de confiança obriga a parte a
recorrer à alternativas ou a restringir os acordos feitos, tornando-os mais restritos ou
limitados. A esses acordos denominam-se acordos inseguros. Com relação às barreiras
organizacionais, estruturais e institucionais, muito freqüentemente as regras, estruturas,
condições ou sistemas organizacionais impostos por outros serão condições pesadas nas
barganhas descentralizadas. Alterando as regras ou a estrutura entre as partes, a ocorrência
de outras negociações pode alterar as alternativas de não-acordos dessas negociações e
também seus resultados [Lax e Sebenius, 1987].
Nas negociações de Cancún, os países industrializados voltaram-se apenas, e
exclusivamente, para os seus interesses, convenientemente esquecendo-se de agendas
anteriormente firmadas, forçando a discussão a respeito dos temas de Cingapura pois
atendiam aos seus interesses específicos. Por outro lado, dado o poderio econômico desses
países, houve uma tentativa de exercer pressão sobre os países em desenvolvimento com
relação a não discussão sobre as questões agrícolas. Pela primeira vez, a despeito da pressão
exercida, os países do G-21 firmaram uma posição para fazer prevalecer a agenda da
48
discussão sobre os subsídios agrícolas. Na "queda de braço", já que nenhuma das partes
recuou, houve a ruptura representada pela interrupção repentina da Reunião Ministerial.
Cerca de seis meses após a Reunião de Cancún, EUA, UE e Japão concordaram em
negociar uma data para eliminar os subsídios às exportações agrícolas. Este avanço foi
obtido em Genebra, durante a reunião do Comitê de Agricultura, quando os EUA
procederam a uma mudança de posição, anunciando que admitiriam rever esses subsídios
desde que os europeus também flexibilizassem suas posições. Essa flexibilização foi
acontecendo gradativamente de parte a parte, entre EUA, Japão e UE. De acordo com o
embaixador brasileiro Clodoaldo Hugueney, principal negociador do Brasil na OMC, o
acordo agrícola deve ser fechado o mais rapidamente possível devido às eleições nos EUA e
Japão, no segundo semestre de 2004 e possíveis mudanças no comissariado da UE. As
negociações estão sendo lideradas pelo G-20, e esse grupo está completamente fortalecido,
não com uma posição de interlocutor indispensável mas como um fator de aglutinação.
As partes, com visões influenciadas sobre o que é justo ou o que é eqüitativo para si e
apenas para si, podem constituir barreiras para a resolução de conflitos [Bazerman e Neale
in Arrow : 1995 in Cohen: 1972].
111.3.5 Princípios para Ultrapassar Impasses (barreiras) nas Negociações
De acordo com Watkins, sete princípios representam uma visão ampla da forma como os
negociadores, que lidam com situações extremamente [J ifíceis e adversas, operam.
Princípio I : Os negociadores determinam a estrutura de suas negociações.
Esses negociadores não vêem as situações de negociação de forma pré-ordenada ou fixa.
Eles compreendem que não poderão ficar à mercê das reações dos seus interlocutores e que
deverão estabelecer suas áreas de atuação. Trabalham para moldar a estrutura básica de uma
negociação, envolvendo as pessoas certas, controlando os assuntos da agenda, criando
ligações que sustentem seu poder de barganha, e trocando o fluxo do processo ao longo do
tempo. Eles entendem que as ações que acontecem fora da mesa de negociação são tão
importantes quanto aquelas que ocorrem na mesa.
49
Especificamente, negociadores habilidosos reconhecem que os resultados são fortemente
influenciados pelos contatos desenvolvidos, anteriores à negociação, ainda que, mesmo
depois de iniciadas as negociações, eles continuem a definir a estrutura da agenda e a
estabelecer a mobilização de eventos [Watkins: 2001].
Princípio 2 : Os negociadores organizam para aprender.
Negociadores habilidosos aprendem fazendo a preparação necessária para negociar:
diagnosticam as principais características da situação; familiarizam-se com a história, com o
contexto e com as memórias das negociações anteriores; investigam os antecedentes, perfil
e reputação dos participantes do outro lado. Reconhecem que a preparação convencional
tem limitações.
Negociadores habilidosos concentram-se na continuidade do aprendizado ao longo da
negociação, percebendo as reações e tipos de respostas, enquanto testam hipóteses fazendo
perguntas e colocando ofertas sobre a mesa. Em suma, é a parte do processo em que são
trabalhadas a cognição, as percepções, o compartilhamento de informações e a busca
conjunta de dados.
Negociadores habilidosos prestam atenção na administração da equipe no processo de
aprendizado, estabelecendo claramente os papéis e responsabilidades para observação e
análise, e dedicando parcela de tempo substancial entre as sessões de negociação para
integração e troca de informações sobre percepções / intuições (insights).
Princípio 3 : Os negociadores são mestres no desenho do processo.
Controlar o processo produz um controle também sobre os resultados. Negociadores hábeis
avaliam o impacto que o processo tem sobre a percepção, os interesses e as alternativas dos
"adversários" ou daqueles que eles representam, e também sobre os seus parceiros. Esses
negociadores também sabem que cada negociação, uma com cada um dos membros do
grupo, está associada às diferentes questões do grupo. Eles estão informados sobre os
benefícios potenciais e os custos de terem um canal secreto. Eles sabem que os detalhes, o
tempo, o timming, o formato e o tamanho da negociação podem fazer diferença [Watkins:
2001].
50
Princípio 4 : Os negociadores favorecem acordos quando possível e empregam a força
quando necessário.
Os negociadores compreendem a delicada interface entre a negociação e o poder coercitivo.
Os grandes negociadores são hábeis em utilizar ameaças implícitas e explícitas. Eles
reconhecem a necessidade de ameaças para terem credibilidade, pois o uso da força é muito
grande.
Negociadores experientes reconhecem também que seus "oponentes" provavelmente vêem
qualquer acordo alcançado por meio do poder coercitivo como ilegítimo, e sentem-se livres
para violar os termos [Watkins: 2001].
Princípio 5 : Os negociadores antecipam e administram o conflito.
Os negociadores, para conseguir avanços significativos, administram os conflitos entre si e
com os outros lados. Freqüentemente, negociadores, ou quem eles representam, estão
fechados nos relacionamentos com os adversários quando as negociações começam, e a
experiência do conflito passado pode muito bem distorcer suas percepções.
Parafraseando Fisher, os negociadores intermediam suas próprias disputas. Eles são hábeis
em diagnosticar potenciais fontes de conflitos. Eles reconhecem o potencial para o
pensamento do soma-zero, das mútuas percepções de vulnerabilidade, da história de
desconfiança e injúria que foi transformada em percepções, e de confusões culturais. Um
não acordo é preferível a um mau acordo [Watkins: 2001].
Princípio 6 : Os negociadores constroem o momento em direção ao acordo.
Negociadores não procedem de forma calma do início até o final da negociação. Eles
alternam movimentos de ação com movimentos de inação até o acordo ser alcançado ou
quando ocorrer um não acerto. Os tomadores de decisão fazem escolhas duras (como fazer
uma concessão desfavorável) somente quando faltam alternativas atraentes ou quando não
existe nada mais a fazer. Enquanto os oponentes acreditam que o custo de ação não supera
os potenciais benefícios da inação, eles não estão prontos para agir [Watkins: 2001].
51
Princípio 7 : Os negociadores trabalham pelo meio.
Grandes líderes são geralmente grandes negociadores, mas o reverso também pode ser
verdadeiro. As ações dos hábeis negociadores têm um grande impacto sobre o resultado de
negociações complexas. Nas negociações entre grupos, negociações externas e tomadas de
decisão internas fazem com que os grupos invariavelmente interajam. A forma de fazerem
isso leva a um desfecho bom ou ruim.
Os representantes devem trabalhar internamente para configurar seus mandatos, negociar
instruções, e vender os acordos resultantes aos constituintes. Ao mesmo tempo, eles deverão
construir credibilidade e trabalho produtivo de relacionamento enquanto avançam nos
interesses de ambos os lados.
Os negociadores prestam atenção no processo de tomada de decisão do outro lado, e usam
as suas percepções para definir os próprios passos, algumas vezes ajudando os oponentes a
concluir os acordos[Watkins: 2001].
111.3.6 Culpa e as Conversações Dificeis.
Fundamentalmente, utilizando a abordagem da culpa em uma negociação, tem-se
conversações mais difíceis do que utilizando a compreensão presente no sistema de
colaboração, que promove maior facilidade na conversação com a perspectiva de que a
mesma seja mais produtiva [Patton: 1992].
A culpa é uma importante questão em muitas conversações difíceis. A tendência do ser
humano é simplificar as questões entre o que é certo e o que é errado. A simplificação entre
o absolutamente certo ou o absolutamente errado não constituiria uma questão que surge
dada a complexidade existente nas diversas gradações entre as posições polarizadas, tais
como entre o certo e o errado, o bom e o mau, o verdadeiro e o falso, dentre várias. Querer
apontar o erro e o imputar a uma das partes, traz a questão da culpa. Imputar a culpa a uma
das partes é querer manter a discussão ao invés de resolvê-Ia. O foco na culpa é uma má
idéia pois inibe a habilidade de se aprender o que realmente está causando problemas e o
52
que pode ser feito para corrigí-Ios. A culpa é freqüentemente irrelevante e injusta.
Entretanto, também é muito difícil sair da posição de culpa sem que se compreenda o que é
a culpa, o que motiva um indivíduo a culpar o outro e como se consegue buscar algo melhor
em conversações difíceis [Patton: 1992]. Em situações que apresentam uma clara indicação
de culpa, existe um custo associado que é a punição. Quanto maior a possibilidade de
punição - legal ou qualquer outra, conhecer a verdade sobre o que ocorreu é mais difícil.
As pessoas são menos abertas, menos disponíveis e menos propensas a pedir desculpas
quando existe a possibilidade de uma punição. Essas atitudes não constituem uma ação que
agregue valor, sendo atitudes de divisão e de inibição que mascaram situações. A atitude de
compreensão dos erros tem a força de agregar valor [Patton: 1992].
o indivíduo quando se sente culpado, fala defensivamente, com grande emoção, com
interrupções, tomando-se mais abrupto, aumentando o distanciamento das outras pessoas.
Desta forma, a comunicação entre as partes toma-se desgastada e os erros se multiplicam.
Essas atitudes podem promover uma ampliação do problema ao contrário das atitudes de
compreensão que somam valor às possibilidades de resultados [Patton: 1992].
Os países industrializados desejam culpar os países em desenvolvimento pelo fracasso das
negociações em Cancún. Mais uma vez os países industrializados se utilizaram de
estratégias para fazer prevalecer seus interesses. Pressionaram para a discussão dos temas de
C ingapura , sem antes ter buscado um consenso sobre as questões agrícolas; os EUA,
buscando dividir para "reinar", atuavam em paralelo tentando fechar acordos bilaterais com
países menores, acordos esses em que definia as regras do jogo e, em troca, oferecia acordos
de comércio livre, fora da OMC, com o Chile e com Cingapura . Essas atitudes provocaram
ao invés de culpa, indiferença e agressividade por parte dos países em desenvolvimento,
uma união entre esses países para fazerem frente à pressão dos países industrializados.
George Monbiot, do jornal The Guardian, observou que os países em desenvolvimento,
após 20 anos, estão começando a se unir e a se mover como um único corpo. Desta forma,
se os EUA indicarem um percurso de ameaças ou pressões terão muito a perder21. Em
Cancún, as nações mais fracas se levantaram contra os mais poderosos negociadores do
mundo e não quebraram. As nações em desenvolvimento, caso se mantenham unidas,
podem começar a constituir-se uma ameaça para os países industrializados.
21 Monbiot observou que" .. . something e/se is now beginning to shake itself awake. The deve/oping countries, for the first time in some 20 years, are beginning to unite and to move as a body".[ Shah:2003].
53
IH.4 Coalizões e Conflitos
o conceito de política, desde a época de Aristóteles, demonstra que, quando há divergência
de interesses, a sociedade deverá oferecer meios para permitir que os indivíduos reconciliem
suas diferenças com o auxílio da consulta e da negociação [Morgan: 1996] . Aristóteles,
defendia a utilização da política como meio para reconciliar a unidade da pólis grega
(cidade-estado), uma vez que a pólis era um "agregado de muitos membros".
As negociações empresariais e profissionais envolvem várias partes - são multipartites -
diferindo das negociações bilaterais pela possibilidade dos grupos que venham a formar.
Essas alianças assim constituídas, fortalecem individualmente cada uma das partes em um
todo que passa a reunir a força necessária para impor suas propostas preferidas ou, no
mínimo, para barrar aquelas que consideram inaceitáveis [Watkins:2004].
Existem dois tipos de coalizão: uma coalizão natural, de aliados que compartilham uma
vasta gama de interesses comuns e uma coalizão com vistas à uma só questão, na qual as
partes divergem em uma série de assuntos mas, geralmente, movidas por razões diferentes,
unem-se em apoio, ou em reação, a uma questão específica.
o desafio da negociação multipartite é gerir as coalizões, dividindo seus membros ou
mantendo-os unidos, de acordo com os interesses de cada um. Romper uma coalizão natural
de aliados é muito difícil, entretanto uma coalizão centrada em um único interesse e
formada por partes, que em outras circunstâncias permaneceriam dissociadas, é muito mais
vulnerável [Watkins:2004]. Em Cancún, pela primeira vez, os países em desenvolvimento
liderados pela Índia, China e Brasil mostraram aos países industrializados e ao mundo a sua
força com a coesão.
Ao entrar em uma negociação conflituosa é necessário que se tenha um profundo
conhecimento da questão a ser discutida, que se tenha mapeado todas as alternativas com
seus possíveis resultados e que se tenha definido a MAANA. Estrategicamente, os
negociadores não revelam seus valores de reserva (limite da ZPA) e, muito menos, a sua
MAANA. A questão estratégica é a busca do conhecimento sobre quanto se poderá forçar
uma posição de negociação em relação à outra parte [Mnookin, Peppet e Tulumello: 2000].
54
Sob a ótica da política pode-se ver as organizações como redes de pessoas independentes,
com interesses divergentes que se juntam, em função da oportunidade. As organizações são
compostas de coalizões e a construção da coalizão é uma dimensão importante na vida
organizacional [Morgan: 1992].
As coalizões surgem quando grupos de indivíduos ficam juntos para cooperar sobre
assuntos específicos, ou então para propor valores específicos e ideologias. As coalizões
devem alcançar algum tipo de equilíbrio entre recompensas e contribuições necessárias à
sustentação da afiliação. Em uma organização como a OMC, que agrega muitos membros
com bases democráticas, quando submetida a um ambiente turbulento, deverão ser
desenvolvidos mecanismos de gestão, de caráter orgânico, que permitam conciliar de modo
adequado as inconsistências e as contradições com as quais se deve conviver [
Chanlat: 1996]. A OMC deve, portanto, desempenhar um papel integrador por meio de
formas participativas de decisão em que todos, conjuntamente, contribuam efetivamente
para o processo administrativo, sem distinção entre seus membros, sejam eles países
industrializados ou países em desenvolvimento.
Na OMC, empresas defendem interesses de seus acionistas, o governo faz-se representar
defendendo os interesses do Estado e dos cidadãos, as ONG's manifestam-se em prol dos
interesses da sociedade civil, mostrando, cada grupo, objetivos e preferências divergentes,
ou seja, tem-se uma situação de conflito com múltiplos objetivos e interesses.
Como em qualquer organização, a OMC também sofre com os conflitos e jogos de poder
que ocupam o centro das atenções, além de promoverem o desvio da atenção, de forma
proposital ou não, das reais necessidades e prioridades de seus membros das agendas.
Martin Khor, diretor da Third World Network, afirma que a razão mais profunda do
fracasso das negociações na OMC, em Cancún, foi a falta de transparência e o sistema anti
democrático de preparação da agenda. Ele observa ainda que o sistema de tomada de
decisão na OMC deve ser reformado de forma que seja mais transparente e democrático,
para que os países em desenvolvimento possam participar com mais eficiência,
especialmente na proposta da agenda [Shah:2003].
55
Entende-se por interesses, um conjunto complexo de pré-disposições que envolvem
objetivos, valores, desejos, expectativas e outras orientações que podem levar as pessoas a
agirem em diferentes direções. Caso um indivíduo (ou um Estado) se feche nos seus
interesses, não perceberá o "outro" e quando o fizer o interpretará como um intruso. Essa
posição é frágil, uma vez que esse sentimento leva o indivíduo (ou o Estado) a se precaver
de ataques ou a "armar" defesas para sustentar ou melhorar sua posição. Cada indivíduo (ou
Estado) reage e se comporta de forma diferente face às pressões, geralmente mais políticas
do que técnicas, existentes em um processo de negociação.
Em uma análise estrutural de um conflito, cada parte agirá não apenas segundo suas
predisposições e suas previsões relativas ao desenvolvimento do conflito, mas também de
acordo com a situação na qual se produz o conflito - forças em jogo nas negociações do
conflito. Entende-se por predisposição, neste caso, a um conjunto dos traços e habilidades
pessoais suscetíveis de influenciar o comportamento das partes em uma determinada
situação. Por outro lado, as previsões quanto ao desenvolvimento do conflito correspondem
à avaliação cognitiva da sua posição estratégica e a estimativa do comportamento da outra
parte [Chanlat:1996].
Um outro parâmetro para a avaliação do conflito é a pressão a que são submetidas as partes.
A tomada de decisão do representante de um grupo, em um conflito, resulta de um processo
semelhante ao que ele deve desenvolver com os membros do seu grupo.
Em uma negociação, existe um conjunto de forças em jogo influenciando a discussão sobre
o objeto que está no centro da questão, que é desejável às duas ou mais partes e para o qual
o comportamento de uma das partes pode ser a frustração da outra parte. [Chanlat: 1996].
Um dos principais trunfos nas negociações de um conflito está ligado ao controle de
recursos escassos, controle este que provoca um choque de interesse entre as partes
determinando a tomada de posições divergentes entre os diversos protagonistas.
A negociação possível emergirá do conflito quando uma das partes impuser suas
prioridades à outra ou quando elas definirem diversas "questões de princípios" sobre as
quais permaneçam inflexíveis. O estudo de uma situação de conflito deve necessariamente
levar em consideração a análise do conjunto de regras, normas e métodos que exercem uma
56
coerção sobre as partes e que pré-detenninam seu comportamento sem deixar de considerar
a função da cultura como elemento detenninante nos conflitos humanos [Chanlat: 1996].
Uma organização, muitas vezes, deve aceitar soluções satisfatórias, e não ótimas, para os
problemas usando a negociação e a transigência, que se tornam mais importantes do que a
racionalidade técnica [Morgan: 1996]. Pode-se perceber, então, nesta transigência, o peso da
racionalidade cultural, social e política nas decisões tomadas e no resultado da negociação.
o conflito aparece sempre que os interesses colidem. O conflito pode ser pessoal,
interpessoal ou entre grupos rivais e coalizões. Sua origem reside em algum tipo de
divergência de interesses percebidos ou reais. Pode ser construído dentro das estruturas
organizacionais, nos papéis, nas atitudes e nos estereótipos, ou surgir em função de recursos
escassos [Morgan: 1996]. Algumas vezes o conflito é bastante explícito e aberto para que
todos vejam ou pode ser oculto por razões sobre as quais nem mesmo os participantes têm
consciência. Segundo o sociólogo escocês, Tom Burns, "na maioria das organizações
modernas ... sistemas de competição e de colaboração coexistem simultaneamente" [Burns
in Morgan: 1996, p.160]. Essas competições podem estar encobertas, gerando um conflito
não explícito, e portanto, mais difícil de ser negociado.
111.4.1 Teoria da Cooperação
A Teoria da Cooperação, desenvolvida por Axelrod, demonstra que os indivíduos,
motivados por interesses próprios, cooperam sem a presença de uma autoridade central que
os force a isso. Este fenômeno pode ser observado nas situações em que a busca da
otimização dos interesses individuais de uma das partes conduz a um resultado sub-ótimo
para todas as partes. Por outro lado, um clima de cooperação e confiança se estabelece
quanto mais vezes as partes se encontram. Quando os encontros são limitados e escassos, as
partes tendem a não cooperar com receio de que a outra parte traia. Segundo Axelrod, a
justiça de uma transação é garantida não pela ameaça da lei, mas pela antecipação de
transações mutuamente gratificantes no futuro [Axelrod: 1984].
Ao contrário do que ocorre com os jogos de soma-zero, a Teoria da Cooperação demonstra
que o indivíduo está mais preocupado em promover o interesse mútuo do que em explorar
a fraqueza do adversário. Axelrod mostra que a cooperação baseada na reciprocidade pode
57
surgir dentro de um ambiente competitivo, a partir de um pequeno grupo de indivíduos que
estejam prontos para retribuir a cooperação e que se relacionem entre si. Para que haja a
cooperação, não há necessidade de que os indivíduos sejam racionais ou comunicativos, que
sejam amigos ou confiáveis entre si e nem mesmo que haja uma autoridade central. Uma
vez que há reciprocidade, a punição pela oposição reestabelece o equilíbrio das relações,
mas é importante que a retaliação seja imediata, sob pena de ser mal interpretada caso tarde
e, se não for relacionada a uma atitude anterior, perder o valor de punição passando a ser
provocação [Axelrod: 1984].
Axelrod avalia que a base da cooperação não é realmente a confiança, mas a durabilidade
das relações. Entende o autor que quando as condições são propícias, os indivíduos podem
vir a cooperar através de um aprendizado, via tentativa e erro, das possibilidades de
recompensas mútuas; por meio da imitação de outros indivíduos bem sucedidos; ou mesmo
via um processo de seleção cego dos comportamentos mais viáveis [Axelrod: 1984].
111.4.2 Jogos não-cooperativos
o modelo de jogos não-cooperativos baseia-se em uma estrutura de preferências distintas.
Em princípio, um equilíbrio em tais jogos refletiria o tipo de coordenação em que os
indivíduos seriam capazes de engendrar sem recorrer a sanções externas, de um lado, e sem
abdicar de sua racionalidade, de outro. Na realidade, a estrutura de preferências, implícita
nos jogos não-cooperativos, representa uma situação na qual as pessoas estão prontas a
cooperar com as outras apenas na medida em que a cooperação não conflitar com sua
racionalidade individual (maximizadora de utilidade); o equilíbrio representaria a
compatibilização dos planos e das decisões dos indivíduos, a qual resultaria, por sua vez, de
esforços consistentes de maximização de utilidade por parte dos indivíduos tomados
isoladamente [Lessa: 1998].
Os jogos não-cooperativos enfatizam o aspecto de compatibilização dos planos e decisões
de agentes racionais e, portanto, da possibilidade de um equilíbrio emergir, ao invés da
possibilidade de cooperação. Um conceito clássico utilizado na solução dos jogos não
cooperativos é o Equilíbrio de Nash [Lessa: 1998].
58
111. 4.3 Teoria dos Jogos
A Teoria dos Jogos analisa o processo de decisão estratégica e procura determinar,
matemática e logicamente, as atitudes que os jogadores devem tomar para assegurar os
melhores resultados para si próprios, dentre um elenco de jogos.
Para deduzir as estratégias ótimas quanto ao comportamento dos diversos jogadores, a
Teoria dos Jogos analisa os seguintes aspectos: as conseqüências das diversas estratégias
possíveis; as possíveis alianças entre jogadores; o grau de compromisso e o contato entre
eles; e a quantidade de vezes que o jogo pode se repetir. A lógica utilizada pode ser
demonstrada da seguinte forma: indivíduos A e B estão jogando um jogo; a definição da
estratégia de A dependerá da sua predição sobre qual será a estratégia de B; ao mesmo
tempo, a definição da estratégia de B dependerá da sua predição sobre qual será a estratégia
de A [Binmore:1992].
A primeira aplicação investigada por von Neumann e Morgenstern - os pais da Teoria dos
Jogos, foi a de um jogo com estratégica não cooperativa. Este problema, estritamente
competitivo ou de soma-zero, caracteriza-se pelos interesses diametralmente opostos dos
jogadores, ou seja, a vantagem para um jogador sempre se equilibra exatamente por uma
perda correspondente para o outro jogador. Esta aplicação requer que cada jogador conheça
perfeitamente as regras do que pode e do que não pode fazer durante o jogo, para que
busque, cada um, uma estratégia ótima. O compromisso de grupo é impossível, não existem
acordos forçados. Nesses jogos apenas um Equilíbrio de Nash representará um resultado
estável. Isto ocorre porque apenas o Equilíbrio de Nash será uma situação na qual a
estratégia de cada jogador é a melhor resposta à estratégia do outro jogador, de forma que
nenhum jogador terá incentivo para mudar para uma outra estratégia [Harsanyi: 1997).
Uma outra aplicação refere-se aos jogos cooperativos ou de coalizão nos quais os acordos
entre jogadores são estritamente exigíveis. Qualquer combinação de estratégia será estável,
mesmo que não seja em Equilíbrio Nash, desde que os jogadores tenham chegado a um
acordo sobre como continuar utilizando aquela combinação particular de estratégias, uma
vez que tal acordo será, agora, um acordo exigível. O comportamento de grupo permite que
se comprometam com estratégias específicas [Harsanyi: 1997).
59
lohn Nash introduziu a distinção entre os jogos não cooperativos e os cooperativos,
ampliando a teoria para admitir jogos interdependentes que refletissem mais fielmente o
mundo real. Essa interdependência, característica dos jogos de estratégia, é demonstrada
quando em um jogo o resultado para um determinado jogador depende do que todos os
outros jogadores decidem fazer e vice-versa. Os jogadores fazem suas jogadas em
seqüência, observando sempre as jogadas dos oponentes. O princípio é olhar para diante e
raciocinar para trás, ou seja, avaliar quais serão as possíveis jogadas seguintes, uma vez
tendo acumulado experiência com as jogadas anteriores, de forma a fazer a melhor escolha
do momento.
Uma aplicação da Teoria de von Neumann e Morgenstein de aceitação do risco e das
utilidades é a Teoria da Barganha de Nash [Nash:1950b,1950]. Um dos maiores problemas
enfrentados pelas pessoas em barganhas é decidir se devem insistir em ganhos relativamente
altos, ainda que isso envolva o risco de estar impossibilitado de obter qualquer acordo com
o outro lado, ou se devem aceitar um ganho relativamente baixo, de forma a reduzir o risco.
A Teoria da Barganha de Nash busca mostrar como os ganhos, de acordo com os jogadores,
dependerão de seus ganhos de conflitos e de suas funções de utilidade. Entende-se como
ganho de acordo de um dado jogador o ganho de utilidade que ele obteria se chegasse a um
acordo com o outro jogador. Por ganho de conflito, Harsanyi designa o ganho de utilidade
que o jogador obteria em uma situação de conflito, isto é, no caso de não poder chegar a
qualquer acordo com o outro jogador. A importância da Teoria da Barganha de Nash reside
no fato de que ela mostra como essas conclusões podem ser derivadas de uma conceituação
clara e consistente do comportamento racional [Harsanyi:1997].
Dixit e Nalebuff avaliam que "em contraste com a cadeia de raciocínio linear dos jogos
seqüenciais, um jogo com lances simultâneos envolve círculo lógico" [Dixit e Nalebuff:
1991, p.12]. Esses lances simultâneos fazem com que os jogadores fiquem atentos às
jogadas dos outros jogadores, devendo cada um se colocar no lugar de todos para tentar
avaliar o resultado.
O Equilíbrio de Nash caracteriza-se como um perfil de estratégias que representam a melhor
resposta ao que os agentes consideram como certo que os outros, que com eles interagem,
irão fazer; em particular, eles consideram que agentes racionais não utilizarão estratégias
dominadas. Essa crença está baseada na idéia que a racionalidade dos jogadores, que indica
60
o comportamento maximizado de utilidade como o comportamento racional, bem como o
conhecimento comum desta condição indica que os jogadores, em uma interação
estratégica, sabem que são racionais, que isso é conhecido e assim por diante [Lessa: 1998].
Como estratégia, entende-se um tipo de comportamento que um jogador pode utilizar no
jogo. Para melhor exemplificar, considerou-se um jogo simples com dois jogadores no qual
cada jogador tem apenas duas estratégias diferentes, as estratégias 1 e 2, conforme
demonstrado na matriz representada no quadro 12.
Quadro 12 : Jogos não-cooperativos - Equilíbrio de Nash
Jogador B
Estratégias BI B2
AI (3,3 ) (0,4 )
A2 (4,0 ) (2,2 ) I Equilíbrio de Nash
As duas diferentes estratégias compreendem a possibilidade de escolha entre dois tipos de
comportamento. Como ganho, entende-se a quantidade de valor (utilidade) que se recebe
como resultado de um jogo.
Em cada célula representada no quadro 12, o primeiro número representa o ganho do
jogador A, enquanto o segundo número representa o ganho do jogador B. Por exemplo, o
par (0,4) significa que o jogador A ao utilizar a estratégia AI teve um ganho de O (zero) e o
jogador B ao utilizar a estratégia B2 teve um ganho de 4.
Caso o Jogador B escolhesse a estratégia BI , a melhor resposta do Jogador A seria A2,
porque o ganho seria de 4. Se o Jogador B escolhesse a estratégia B2 , a melhor resposta do
Jogador A seria novamente a estratégia A2. Assim, o par estratégico (A2 , B2),
correspondendo à célula inferior direita, é o único par cujas duas estratégias A2 e B2 são,
mutuamente, as melhores respostas uma à outra. A tal combinação denomina-se Equilíbrio
de Nash. Nessa situação de equilíbrio nenhum dos parceiros terá qualquer incentivo para
alterar sua estratégia, que já será a melhor resposta à estratégia do outro jogador.
61
o cenário da OMC pode ser considerado um ambiente de jogo pois atende as seguintes
premissas: (i) há regras formais e informais para atuação; (ii) existe um resultado definido
representado pelas soluções dadas a cada tema em questão; (iii) o resultado para cada país
membro depende não só da própria estratégia como também da estratégia dos outros países
membros; e, (iv) as questões do comércio internacional podem ser alocadas em diferentes
categorias apresentando soluções distintas de acordo com a sua classificação.
Nash, em seu trabalho sobre jogos não-cooperativos, afirmou que existem situações na
economia e na política internacional nas quais, efetivamente, um grupo de interesse poderá
estar envolvido em um jogo não cooperativo sem, muitas vezes, ter consciência disso; a não
consciência da participação promove, de fato, a não cooperação. Atualmente, pode-se
esperar somente um conjunto de equilíbrio aproximado, desde que a informação, sua
utilização e a estabilidade da sua freqüência média, sejam imperfeitas [Nash: 1950].
o poder é o meio através do qual conflitos de interesses são, afinal, resolvidos. O poder
influencia a determinação de quem consegue o quê, quando e como. O cientista político
Robert Dahl, sugere que o poder envolve habilidade para conseguir que outra pessoa faça
alguma coisa que, de outra forma, não seria feita, sendo essa, portanto, a essência do poder
que afeta consideravelmente qualquer processo de negociação [Dahl: 1957].
No âmbito da OMC, a atuação político-organizacional facilita a construção e a manutenção
de alianças e redes informais, incorporando, sempre que possível, a ajuda e influência de
todos aqueles que tenham interesse no campo no qual operam. Alianças e coalizões não são
construídas, necessariamente, em torno de interesses idênticos; ao contrário, o requisito é
que exista uma base para alguma troca de benefícios mútuos. As coalizões bem sucedidas
envolvem a consciência da existência de inimigos potenciais contra os quais se exigirão
habilidades para descobrir formas de negociar uma não ajuda no presente, com um discurso
de promessas no futuro. O criador da coalizão reconhece que o sucesso da sua construção é
a dependência mútua e a troca [Morgan: 1996].
John Rawls utiliza a Teoria Contratual como ponto de partida para alcançar o aumento da
igualdade, através de princípios universais de justiça distributiva. Rawls adota um conceito
básico de justiça, reconhecendo a existência de um conflito de interesses e a necessidade de
62
se buscar um consenso quanto aos princípios que deverão nortear a associação humana22 e
para o qual tenta encontrar um consenso na idéia de justice as fairness [Rawls in
Melo:200 1]. Atento à sociedade como um todo e avesso à teses individualistas, Rawls é um
defensor da liberdade, mas em igualdade de circunstâncias. Daí uma das peças
fundamentais do seu pensamento ser a noção da justiça com eqüidade, expressa na opção
por uma distribuição igual dos rendimentos, através dos impostos.
111.5 Resolução de Disputas Públicas
As Conferências Ministeriais constituem-se em um fórum em que são negociadas questões
de interesse público. O processo de negociação dessas questões é denominado, para fins de
análise, de Resolução de Disputas Públicas.
As disputas públicas são negociações difíceis de serem gerenciadas, pOIS são muitos e
diversos os interesses para uma mesma questão e, desta forma, tomam-se mais complexas
na medida em que a quantidade de parceiros é ampliada. Cada parte tem uma ótica de
avaliação sobre uma questão que pode apresentar tanto pontos coincidentes quanto pontos
totalmente divergentes e/ou uma combinação desses. Em uma disputa que possui uma única
questão e múltiplos interesses, o processo de negociação desenvolve-se por meio da
construção de consenso. Segundo Susskind, o processo de construção de consenso
compreende três fases : pré-negociação; negociação; e, implementação e pós-negociação
[Susskind: 1987].
111.5 1 Pré-negociação
A fase de pré-negociação é crucial para um melhor desenvolvimento dos trabalhos e
corresponde à etapa de planejamento. Quanto melhor for o planejamento, mais eficiente
será o resultado a ser alcançado. Essa etapa compreende a definição da questão, a escolha
dos representantes, a definição do protocolo e da agenda, bem como o relacionamento com
a mídia para a divulgação da realização do evento. Tem-se nas disputas públicas alguns
grupos voltados para as conseqüências de uma política particular, outros preocupados com
22 There is a conflict of interests since persons are not indifJerent as to how the greater benefits produced by their collaboration is distributes (. . .) Men disagree about which principIes should define the basic terms of their associations. (RawIs: 1971, p.5)
63
as repercussões sobre o ambiente externo, mais especificamente com os impactos sobre a
sociedade, e outros voltados para uma decisão sobre a alocação de recursos. É possível que
haja um esforço conjunto, anterior, para evitar o conflito. Os stakeholders - grupos de
relacionamento que incluem empregados, clientes, fornecedores, credores e outros que
possuem vínculo econômico de interesses com a empresa - só deverão entrar no conflito
depois que ele se instale, mesmo porque, para muitos grupos, a tomada de consciência da
situação só ocorre com a explosão do conflito.
O conteúdo das negociações varia com relação ao grau de especificidade ou de definição
conceitual dos tópicos em discussão. Na OMC, atualmente, têm-se de um lado os EUA e a
UE defendendo o subsídio à exportação de produtos agrícolas, e do outro lado os países em
desenvolvimento - 0-22 que desejam a redução do subsídio e acesso aos mercados para
seus produtos agrícolas. A OMC pode definir os limites da discussão na questão e a forma
de fazer com que suas opiniões e interesses sejam respeitados por aqueles que estão no
poder e que, em última análise, decidirão a questão. Os EUA e a UE, que se opõem à
redução dos subsídios, estão forçando não discutir a questão e passar para outras discussões
relacionadas aos temas de Cingapura (investimentos). Se um representante de cada grupo
for solicitado a identificar qual deverá ser o contexto e a extensão das negociações, cada um
responderá de maneira diferente. Alguns conflitos começam com um desacordo sobre um
determinado ponto e depois passam da questão específica para um nível mais geral de
disputa, enquanto outros começam com tópicos muito gerais de desacordo e, pouco a pouco,
tomam-se mais específicos [ Moore: 1998]. Uma disputa pode ser classificada como
consensual (baseada nos interesses) e divergente (baseada nos valores) [Aubert: 1963 in
Moore: 1998].
Nos conflitos de interesse, existe um consenso entre as partes sobre a competição para o
resultado final desejado ou em que existem interesses divergentes significantes, para
facilitar a implantação de um processo de negociação que possa minimizar as perdas para
ambos os lados. Os conflitos divergentes são baseados em diferenças de valores e
concentram-se em questões como culpa, crenças, fatos que devem ser considerados como
válidos, princípios que devem guiar aqueles que tomam decisões, dentre outros. Essas
disputas são extremamente difíceis de resolver.
64
Cada parte chega ao conflito com uma visão individual e subjetiva das questões que estão
em disputa e da base do conflito [Berger e Luckmann: 1967 in Moore: 1998]. Watzlawick
assim descreve o comportamento do indivíduo: "Vamos lembrar: Nunca lidamos com a
realidade em si, mas com imagens da realidade - ou seja, com interpretações. Embora o
número de interpretações, potencialmente, possíveis seja muito grande, nossa imagem de
mundo em geral nos pennite enxergar apenas uma perspectiva - e por isso esta uma parece
ser a única possível, razoável e permitida. Além disso, esta única interpretação também
sugere apenas uma solução possível, razoável e permitida" [Watzlawick: 1978, p.l19].
Lorenzi e Riley assim definiram as etapas a serem observadas pelos stakeholders para
identificação dos papéis desempenhados pelas partes que possibilitam uma melhor
preparação para as negociações:
identificar os papéis que a sua parte desempenha no processo;
identificar os papéis que as outras partes estão desempenhando no processo,
sendo cuidadoso no reconhecimento dos múltiplos papéis;
identificar qual o papel que está sendo desempenhado, por quem está se
comunicando com aquele que possui múltiplos papéis; e,
monitorar o processo para perceber quando ocorrem alterações nos papéis
[Lorenzi e Riley: 2000].
Em uma negociação de grande porte, a escolha dos representantes é extremamente delicada,
para não dizer crucial, e deve ser pautada por flexibilidade e abertura. Existe uma
preocupação com a identificação e a seleção apropriada de todos os representantes dos
grupos de stakeholders. As negociações produtivas só terão início quando os grupos já
estiverem representados e após a escolha de um representante com legitimidade, ou seja,
com poder a ele atribuído para falar pelo grupo.
Na 5a Conferência Ministerial da OMC, de setembro de 2003, esperava-se ao menos que
houvesse a definição de acordos básicos, dada a grande participação que promoveu.
Compareceram 148 ministros dos países membros e 1.578 representantes de 795 ONG's,
um recorde para a história da OMC [Van der Veen:2003]. O Cambodja e o Nepal, que não
participavam da OMC, tomaram-se membros em Cancún. Além desses representantes,
compareceram cerca de 3.000 jornalistas e 5.000 delegados dos países membros. A UE se
pronuncia como um membro único nas negociações de matéria de política comercial. A
65
Comissão Européia, representada por Pascal Lamy, negociou em Cancún representando
todos os seus países-membros dentro do estrito respeito ao mandato definido por esses
países-membros e sob seu controle permanente.
Com relação ao fracasso das negociações, avaliando a adequação da estrutura e dos
procedimentos, Pascal Lamy declarou à midia que os procedimentos e regras da OMC não
suportaram o peso da tarefa. Não existe forma de se estruturar e dirigir discussões entre os
146 participantes diretos de forma a alcançar um consenso.
É desejada uma representação que possua credibilidade para cada coalizão, com um líder e
um porta-voz definidos, a fim de que aconteçam conversas informais ao longo das
negociações. Os processos ad hoc têm, algumas vezes, que adotar uma elaborada seleção
de procedimentos para superar a reduzida representatividade, quando comparados com o
processo convencional. [Susskind e Cruikshank: 1996]. O tamanho do grupo, na prática,
acaba sendo definido pelo próprio grupo, com a ressalva de que qualquer stakeholder
previsto será convidado para unir-se ao processo, tão logo suas ausências tornem-se óbvias.
Os negociadores precisam ter certeza que os representantes têm autoridade para defender
os interesses do grupo.
A grande quantidade de representantes em Cancún dificultou as negociações e gerou um
impasse. Há que se definir para a agenda, quais os representantes relevantes para cada
assunto e, dessa forma, determinar um número máximo de participações, destacando dentro
de cada grupo, quem será o porta-voz e aquele que terá o poder de voto.
Convém ressaltar que nem todos os participantes se envolvem da mesma forma no processo
de resolução da disputa. Aqueles mais diretamente afetados participam, desde o início, mais
intensamente do que aqueles que são menos afetados. Com a continuidade do processo, a
composição do grupo de participantes pode mudar e o grupo que acredita que seus
interesses não estão realmente em jogo deve partir.
No desenvolvimento de negociações para a resolução de disputas públicas de grandes
dimensões e repercussão, com a participação de stakeholders, autoridades do setor público e
população, é necessário estabelecer um protocolo (regras básicas), por escrito, definindo
uma linguagem única que constituirá a base para a decisão do grupo, de forma a alcançar
66
uma autonomia do sistema. As preocupações referem-se: ao local e freqüência das reuniões;
a distribuição dos participantes em mesas e a localização de cada um, função dos grupos de
trabalho e das afinidades; a definição do registro e da documentação referentes ao
desenvolvimento dos trabalhos; o relacionamento com a imprensa e as informações para a
mídia; e, a participação ativa ou não dos observadores.
Em algumas instâncias, quando as disputas são complexas e há numerosas partes
envolvidas, um sub-comitê, com pelo menos um membro de cada um dos principais grupos
de interesse, pode desempenhar um papel chave no estabelecimento de um conjunto de
propostas para o protocolo, as quais, na sua totalidade, podem ser implementadas no futuro.
Haja visto que, em Cancún, o Presidente da Conferência - Ministro Derbez, no início dos
trabalhos, havia definido facilitadores para os diferentes temas e, diante do impasse na
questão do algodão, nomeou, no segundo dia, o Presidente da OMC como facilitador desse
tema.
Os protocolos devem ser desenvolvidos sempre a cada negociação. Para tanto, não se deve
estabelecer um conjunto rígido de regras básicas que possam servir para qualquer evento
[Susskind e Cruikshank: 1996].
Em Cancún, a agenda foi definida por pressão dos países industrializados que ocuparam
maior espaço na agenda, forçando inclusive a discussão dos temas de Cingapura, em
detrimento da agenda pré-definida em Doha, com relação às questões agrícolas. O quadro
13 apresenta, de forma sintética, o impasse das negociações da 5a Reunião Ministerial.
67
Quadro 13: Impasse das negociações
IMPASSE Países Industrializados ~ses em Desenvolvime~
- Possuem um maior espaço na - Discutem a forma atribulada, a falta de agenda do encontro; regras democráticas e de transparência no
processo de organização do evento; - Alto poder de negociação; - Discutem os gaps de justiça, participação
igualitária e princípios democráticos; - Determinam os assuntos para - Possuem menor espaço nas agendas; discussão, rejeitando questões - Insistem que devem ser tratados
agrícolas e impondo os tratados de diferentemente e preferencialmente sob as investimentos e competição regras da OMC;
(questões de Cingapura). - Demandam maior espaço para acomodar suas prioridades de desenvolvimento, no que é possível fazer dentro das normas da
OMC;e, - Possuem baixo poder de negociação.
Convém assinalar que, enquanto as negociações estiverem em curso, nenhum participante
falará diretamente à mídia sobre o conteúdo das mesmas, exceto por meio de um
comunicado conjunto à imprensa. Nesses comunicados, somente os líderes se apresentam
para responder às questões [Susskind e Cruikshank: 1996].
111.5.2 Negociação
A segunda fase do processo de construção de consenso é a fase de negociação. Essa fase
trata do processo de busca conjunta de informações e da confiabilidade dessas informações,
da etapa relativa a criação de opções para ganhos mútuos, da produção de acordos escritos e
da ratificação dos resultados alcançados. É fundamental que os dados sejam absolutamente
neutros de forma a não induzir a quaisquer conclusões que não tenham sido consensuadas
entre as partes.
Uma vez estabelecida uma agenda, as partes devem se engajar em um processo de busca
conjunta de fatos. As partes, em conjunto, deverão definir o que sabem, o que não sabem e
quais os contextos e experiências relevantes da disputa. [Susskind e Cruikshank: 1996].
Buscar definir as questões relacionadas é determinar as pressuposições, opiniões e valores
que darão lugar a novas informações.
68
A maior parte dos países em desenvolvimento se opõe, vigorosamente, a esse pleito, uma
vez que isto favoreceria ainda mais a posição dos países desenvolvidos. As ONGs mais
bem estruturadas, as associações comerciais mais poderosas e as sociedades de caráter
técnico-cientifíco mais influentes estão situadas nos países industrializados. Assim, os
países em desenvolvimento temem que a desproporção no domínio da informação e do
instrumental técnico propiciado pela atuação dessas instituições atue em seu desfavor.
Entendem os países em desenvolvimento que o artigo 13 do Entendimento relativo aos
Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC), ao prever que "os grupos especiais
poderão buscar informações em qualquer fonte relevante e poderão consultar peritos para
obter sua opinião sobre determinados aspectos de uma questão ", já faculta aos painéis a
busca de informações necessárias, de qualquer fonte [ Michels: 2004, p.7].
111.5 3 Implementação ou Pós-negociação
A última fase desse processo compreende a integração dos acordos informais ao processo
formal. Depois da ratificação dos resultados alcançados, as partes deverão buscar um
caminho para ligar os acordos informais, ad hoc, ao processo de decisão formal dos
governos. Um processo não-oficial produz um resultado informal, resultado este que
poderia não ter sido conseguido por outros meios. O desafio, no entanto, é formalizar esse
resultado, apesar de parecer paradoxal formalizar um acordo informal [Susskind e
Cruikshank : 1996].
Um acordo informal negociado poderá ser formalizado por meio de um estatuto ou por lei,
através de um voto legislativo, por uma ordem executiva ou por uma ação administrativa.
A Conferência Ministerial de Cancun, encerrada abruptamente, deixou sem definição as
negociações que estavam em curso. Até a próxima reunião, estão sendo realizados
encontros informais paralelos com o objetivo de ajustar gradativamente os interesses das
partes.
69
111.6 - Instrumentos para quebrar o impasse
111.6.1 Abordagem de ganhos mútuos
A abordagem de ganhos mútuos reflete uma profunda mudança em relação à forma
tradicional de se fazer negócios. Essa abordagem está baseada em seis princípios que
oferecem uma estrutura para se tratar de forma mais eficiente com um público demandante.
Esses princípios são:
Reconhecer os interesses da outra parte;
Buscar conjuntamente os dados;
Oferecer um conjunto de compensações para minimizar os impactos, caso
ocorram;
Aceitar responsabilidade, admitir erros e dividir poder;
Atuar de forma confiável; e,
Priorizar relacionamento de longo prazo.
O primeiro princípio - reconhecer os interesses da outra parte - pode ser utilizado para a
superação de uma situação conflituosa que, em negociação, é denominada jogo de soma
zero. Nesse jogo, a vantagem de uma das partes corresponde à desvantagem da outra parte.
Reconhecer os interesses da outra parte pode ser traduzido por: " Tente se colocar na
posição do outro".
A busca conjunta de dados, que corresponde ao segundo princípio, tem como objetivo gerar
informações que sejam confiáveis para ambas as partes. Se por um lado este princípio
assusta os usuários do método tradicional, por deixar que a outra parte conheça suas
informações e que as utilize em seu próprio proveito, por outro lado, os tomadores de
decisão desejam obter a melhor informação possível para que possam fazer a melhor
escolha. A melhor informação será aquela que for buscada conjuntamente, pois a
informação buscada individualmente, analisada, modelada e cuidadosamente empacotada
sem a participação da outra parte não tem credibilidade quando aparece.
Oferecer um conjunto de compensações para minimizar o impacto quando ele ocorrer ou
prometer compensar um efeito involuntário porém conhecido é o terceiro princípio que
70
define uma compensação à parte que sofrer um prejuízo involuntário, no futuro, decorrente
de uma mudança no presente.
o quarto princípio - aceitar responsabilidade, admitir erros e dividir poder - indica que as
partes deverão avaliar as questões e a tomada de decisão para, conjuntamente, rever
eventuais falhas, corrigi-las, renegociar as modificações e, dependendo da questão, criar
uma gestão participativa.
o quinto ponto, que se refere à atuação de forma confiável, é uma condição básica para
qualquer relacionamento. Não se deve prometer aquilo que não se consegue cumprir, sob
pena de comprometer a negociação.
o último princípio é talvez o mais difícil - priorizar o relacionamento de longo prazo - pois
a tendência é dar ênfase nos relatórios e indicadores que atendam às necessidades das
decisões de curto prazo. Desenvolver relacionamentos de longo prazo permite aprofundar
parcerias que trarão ganhos para ambas as partes [Susskind: 1996].
111.6.2 Inventando opções para ganhos mútuos
Uma vez que as partes tenham obtido resultados na busca conjunta de informações, os
participantes passam a vislumbrar e articular uma solução, total ou parcial, que possam
achar satisfatória. Se cada lado for inflexível nas suas opções ideais, não haverá solução
possível. Essa inflexibilidade, usualmente, reflete mais uma tática preliminar do que uma
postura de trabalho e, como a disputa continua e com ela os riscos associados, muitos
grupos se posicionam em torno de suas MAANA's [Susskind e Cruikshank: 1996].
Até que todos os participantes tenham apresentado um quadro claro de suas preocupações é
impossível colaborar com soluções integrativas. A exposição de interesses deve ser seguida
por um período de criatividade sem compromisso, talvez por meio de um processo de
brainstorming, que poderia resultar em alguma proposta mutuamente satisfatória. Um
grande número de participantes evita emitir opiniões sobre assuntos referidos a outros com
medo de que tais sugestões sejam vistas como concessões ou sinais de fraqueza; ao
contrário, muitos se mantêm repetindo, irrealisticamente e antagonicamente, demandas que
provocam impasse [Susskind e Cruikshank : 1996].
71
Uma vez que as partes definam suas propostas de possível acordo, a parte neutra elaborará
um documento com a possibilidade de acordo, a partir de informações oferecidas pelas
partes, de forma que os participantes não saiam da negociação com silenciosas e diferentes
interpretações a respeito do que foi prometido, além do que servirá de base para o
acompanhamento da implementação dos acordos alcançados [Susskind e Cruikshank :
1996].
A ratificação é um ponto crítico em muitas negociações. Quando as questões não são
conduzidas com efetividade, os grupos afetados poderão repudiar não só o acordo como
também o representante. Entretanto, se as negociações iniciarem com um suporte
adequado, haverá maiores chances de serem mais produtivas e de gerarem conciliações
melhores do que as esperadas [Susskind e Cruikshank : 1996].
111.6.3 Colaboração
Um outro conceito que poderá auxiliar na superação do impasse é o da colaboração. A culpa
está relacionada com julgamento e a colaboração com compreensão. A colaboração, estando
associada à compreensão, é uma atitude muito mais adulta, equilibrada e menos emocional
para lidar com as diferenças e superar as conversas dificeis. Ao se discutir os diferentes
enfoques dos problemas, ampliam-se as possibilidades de entendimento, nos ajustes das
posições de cada um, proporcionando maiores possibilidades para futuros trabalhos em
conjunto. A colaboração é mútua e interativa, conseqüentemente, quando está presente,
constitui inputs para ambas as partes [Patton: 1992].
Os impasses em uma negociação difícil poderão ser superados quando observados os
seguintes aspectos:
É melhor adiar uma confrontação e utilizar uma terceira pessoa, que faça o papel de
intermediário, para ajudar na negociação;
O desinteresse, a indelicadeza, a intempestividade, as posições julgadoras, punitivas,
hiper-sensitivas, argumentativas ou não-amigas podem constituir elementos de
rejeição entre as partes;
72
Dificuldades de estabelecer sintonia entre duas partes podem advir da história de
cada uma, de preferências, de estilos de comunicação ou de definições de
relacionamentos diferentes;
Culturas e estilos de comportamento diferentes podem acarretar interpretações
diferentes, causando ruído nos relacionamentos. Reações mais lentas, impetuosidade
e questões emocionais, como rir quando se está nervoso, poderão trazer diferentes
resultados;
Perceber o estabelecimento de impasse nas negociações pode significar que uma
parte está esperando por alguma manifestação da outra parte;
Colaborar envolve assumir, muitas vezes inconscientemente, um papel na situação;
É importante conseguir olhar e observar a situação com olhos de quem não está
envolvido nela. Assim, poder-se-á descrevê-la de uma forma neutra, sem
julgamento, percebendo a contribuição de cada uma das pessoas;
O primeiro passo para sair da situação de culpa é reorientar o pensamento para a
situação que se apresentou. Pode-se iniciar um diagnóstico dos problemas que
trouxeram a questão e determinar as contribuições que poderiam ser dadas a cada
uma dessas questões;
Reconhecer a sua contribuição é um risco, mas não reconhecê-la também é;
Assumir a sua contribuição previne a utilização da idéia por outra pessoa, que
poderia utilizá-la como um escudo contra o autor da idéia [Patton: 1992].
111.6.4 Modelo para Viabilizar a Negociação de Conflitos Intratáveis
Existem três níveis em que os conflitos, que envolvem valores fundamentais e identidades,
podem ser identificados. No primeiro nível, os disputantes podem concordar em fazer
mudanças periféricas que não eliminam o surgimento de hostilidades, mas que aliviam os
problemas específicos. No segundo nível, mudanças podem alterar alguns aspectos do
relacionamento, mas os valores fundamentais não são mudados ou transformados, pelo
menos no curto prazo. Acordos alcançados nesse nível mostram como as partes se
relacionarão ao longo do tempo, em oposição a uma específica situação ou problema que
será solucionado. O terceiro nível de mudança é, de longe, o mais difícil. Refere-se a
mudanças na identidade, implicando em alteração de valores que as pessoas tem como
73
caros, e também na forma como as pessoas estão percebendo essas mudanças [Susskind:
1996].
Para escapar das dificuldades que surgem quando os valores conflitam, deve-se avaliar as
situações, buscando observar se:
o conflito é resultante de uma injustiça no processo de questões substantivas que
já ocorreram no passado. Nesse caso, as partes ficam receosas, tomando-se
defensivas e rígidas para aceitar um consenso;
todos os stakeholders estão contribuindo com inputs nas discussões em torno do
planejamento e da implementação de questões controversas;
existe a oportunidade de oferecer e criar valor para as partes de forma a tomar a
negociação mais eficiente; e,
as decisões técnicas estão separadas das decisões políticas.
Essas mudanças, se analisadas sob uma visão macro, podem tornar-se complexas, gerando
um estado de forças dinâmico de tensão entre as partes. Quando as discussões envolvem o
Estado ou a empresa pública ou privada e a população, tem-se a gestão de público
demandante como um processo específico para superar os impasses.
111.7 Mídia
É muito complexo o relacionamento no mundo de relações públicas e no mundo da mídia.
Deve-se considerar que existe mais de uma interpretação para qualquer acontecimento ou
evento. Caberia a pergunta: "Qual é a verdade ?" As corporações e as instituições políticas,
freqüentemente, presumem que a imprensa pode e deve ser manipulada a partir do momento
em que dissemina a informação que deseja, esquecendo, portanto, que a comunicação tem
duas vias: as instituições podem influenciar como também podem ser influenciadas. Os
tomadores de decisão assumem como sua primeira prioridade a criação de uma imagem
para o público [Susskind: 1996].
É impossível controlar todas as informações disponíveis na medida em que as questões do
dia-a-dia envolvem numerosas agências de notícias, grupos de consumidores, governo,
74
empresas e toda a sorte de instituições e pessoas com interesses e interpretações
divergentes.
A mídia deve ser cuidada e trabalhada pelas outras partes pois não é ela um observador
paSSIVO nem um inimigo a ser ignorado, neutralizado ou atacado. Para um bom
relacionamento com a mídia, empresas e governo devem levar em consideração as seguintes
características de comportamento e de relacionamento: reciprocidade, confiança,
credibilidade, respeito mútuo, transparência, satisfação mútua e mútua compreensão.
Se, por um lado, a sobrevivência da mídia depende da informação, que é sua matéria-prima
e de uma boa história e não somente boas informações; por outro lado, a mídia pode fazer
mais do que somente informar as decisões depois de terem sido tomadas e inflamar questões
destacando os pontos polêmicos. A mídia também pode auxiliar na educação, bem como
informar e distrair seus leitores e ouvintes, apresentando os diferentes pontos de vista sobre
as questões, discutindo, inclusive, alternativas para suas resoluções. A mídia pode promover
um fórum para os cidadãos, para a discussão das questões públicas, sem ter que ficar restrita
aos especialistas [Susskind: 1996].
111.7.1 A Mídia em um Fórum de Construção de Consenso
Em um fórum de negociações multilaterais, a mídia pode comunicar ao público interessado
as informações relativas ao desenvolvimento dos trabalhos. Ela deverá ser convidada a
observar os procedimentos e deverá ser informada, tendo acesso aos documentos relativos
às questões a serem discutidas, pois deverá estar apta a reproduzir todo o espectro de
opiniões, não somente aquelas que estiverem polarizadas. Por outro lado, os cidadãos, a
partir desse acompanhamento, poderão avaliar a atuação de seus representantes na resolução
das disputas e encorajar a participação de outros cidadãos.
Cidadãos e tomadores de decisão precisam sensibilizar a mídia para que ela participe do
processo de construção de consenso. As partes em conflito deverão se aproximar, juntas, da
mídia e solicitar que desempenhe um papel educativo no desenvolvimento dos esforços
para a construção do consenso. Caso um lado tenha sentido que a mídia não apresentou sua
imagem de forma justa, deve pedir espaço e tempo para que possa se retratar. Se a mídia
75
concordar que houve erro, poderá produzir esclarecimentos, correções e até, se for
apropriado, um pedido de desculpas.
Em um processo de construção de consenso, é importante que haja um sub-comitê de mídia.
Esse grupo poderá preparar comunicados conjuntos para a imprensa, desenvolver estratégias
que considerem a mídia como parceira no esforço para alcançar resultados, além de abordar
a mídia como um todo, trazendo legitimidade para o desenvolvimento do processo
[Susskind: 1996].
Para a construção do consenso, é importante que o porta-voz seja uma pessoa neutra. Essa
pessoa poderá, com mais facilidade, dar suporte ao sub-comitê de mídia; falar para um
grupo de diferentes stakeholders que estejam trabalhando juntos para resolver suas
diferenças; e, ao se comunicar com o público, deverá expressar-se sob uma perspectiva de
todos os grupos, em conjunto, em uma linguagem que não só mostrará os pontos
divergentes como também os pontos de acordos [Susskind: 1996].
111.7.2 Regras básicas a serem estabelecidas
Devem ser estabelecidas regras de relacionamento entre os stakeholders e a mídia,
principalmente quando o encontro ocorrer fora do seu grupo de trabalho. Essas regras
podem ajudar a estabelecer uma atmosfera de abertura e de respeito mútuo, prevenindo a
transformação do fórum em uma arena de acusações. No processo de construção de
consenso, são utilizadas três regras básicas:
os participantes concordam que são livres para falar à imprensa sobre suas próprias
opiniões, mas deverão abster-se de falar pelo grupo;
os participantes deverão rapidamente informar ao grupo quando perceberem que
alguma questão discutida por outro participante tiver sido mal interpretada; e,
os participantes não deverão fazer qualquer comentário depreciativo sobre os
outros participantes do processo.
Essas regras básicas devem orientar os participantes no que se refere às expectativas de
comportamento, ao tipo de relacionamento com a mídia, à forma de lidar com divergências
entre grupos, auxiliando, portanto, no estabelecimento de um diálogo mais franco entre os
participantes.
76
Em Cancún, a imprensa estava representada por cerca de 3.000 jornalistas e divulgava as
informações oficiais após a uma Press Conference . Na edição de 14 de setembro de 2003, o
representante da União Européia, Pascal Lamy, iniciou seu discurso, atônito, da seguinte
forma: "I do not want to beat about the bush: Cancun has failed".
77
IV . Recomendações
Com base nos conceitos que norteiam a gestão do processo de negociação complexa,
algumas recomendações podem ser feitas.
IV.1 Avaliação de Conflito
A negociação é composta por uma série de atividades ou "movimentos" complexos que as
pessoas realizam para resolver suas diferenças e pôr fim a algum conflito [Goffman: 1969].
Cada movimento realizado pelo negociador envolve uma tomada de decisão racional em
que as ações possíveis são analisadas por ambas as partes, em função dos seguintes fatores:
movimentos das outras partes, padrões de comportamento, estilos, percepção e habilidades,
necessidades e preferências, determinação, quantidade de informações que os negociadores
possuem sobre o conflito, atributos pessoais dos negociadores e recursos disponíveis
[Moore: 1998].
o quadro 14 apresenta as diferentes ações dos patrocinadores e assessores na articulação da
gestão do conhecimento para facilitar o consenso. Entende-se como patrocinador o
indivíduo ou organização interessado em avaliar a possibilidade de um diálogo facilitado. O
assessor que será o articulador precisa ser neutro, imparcial e experiente na resolução de
conflitos.
78
Quadro 14: Articulação da gestão do conhecimento para facilitar o consenso
DECIDIR iniciar a avaliação de
um conflito
• Indicar um assessor crivei e não-partidário
• Fazer uma lista preliminar dos
interessados para entrevistar
• Convidar os interessados a
participar • Apresentar o assessor aos participantes
I ~
INICIAR a avaliação de um
conflito
• Fazer uma lista preliminar dos
assuntos a explorar
• Desenvolver o protocolo da entrevista
Organizar entrevistas confidenciais com
todos os interessados relevantes
COLETAR informações através
de entrevistas
• Explorar os interesses dos interessados
• Avaliar a disposição dos interessados para
negociar
• Identificar os interessados
adicionais para entrevistar
Fonte: Yann Duzert. FOV. 2004
PROJETAR PARTILHAR
com os a articulação do entrevistados
processo de resolução
ANALISAR de conflitos
• Distribuir a minuta os resultados das • Identificar os grupos do relatório
entrevistas de interessados que precisam estar
• Resumir envolvidos
preocupações e • Solicitar aos interesses sem • Traçar um plano de entrevistados que
manifestar trabalho para tratar as verifiquem a julgamentos questões-chave veracidade do
relatório
• Mapear áreas de • Incorporar as
interesses comuns e opostas • Estimar os custos de
mudanças recebidas e finalizar o relatório
suporte do processo • Identificar
oportunidades potenciais de ganhos
mútuos • Assistir o patrocinador e
• Identificar os outros na decisão de
obstáculos para atingir continuar com o
o acordo sistema facilitado de resolução de
conflitos • Estimar o sucesso
potencial de um diálogo facilitado
Nas negociações, as pessoas que se encontram em conflito estão diante de uma variedade
de problemas de procedimentos ou psicológicos, ou ainda de "situações críticas, que devem
enfrentar ou superar se quiserem chegar a um acordo" [Cohen e Smith: 1972, p.59].
o negociador deverá ser capaz de analisar e avaliar as situações críticas identificando com
acuidade as causas do conflito que, na maioria das vezes, estão obscuras e encobertas pela
dinâmica das interações entre as partes. A maior parte dos conflitos tem causas múltiplas.
79
Deve-se realizar um "mapa do conflito", que detalhe a razão da ocorrência do conflito, que
identifique as barreiras ao acordo e que indique os procedimentos para administrar ou
resolver a disputa [Wehr:1979 in Moore: 1998].
Um mediador poderá ser de grande ajuda para a avaliação do conflito, bem como para
planejar intervenções eficazes que conduzam à resolução da disputa.
Moore constrói um conjunto de causas explanatórias e respectivas possibilidades de
intervenções que facilita, por meio de uma experiência de tentativa e erro, a identificação de
hipóteses que, uma vez testadas, poderão definir as principais fontes do conflito
[Moore: 1998].
80
Quadro 15: Mapa do conflito: causas e intervenções
Os conflitos .... são causados por: Valores: -critérios diferentes para avaliar idéias e comportamento;
-objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos; e,
-métodos de vida, ideologia ou religião diferentes.
Estruturais: -padrões destrutivos de comportamento ou interação;
-controle, posse ou distribuição desigual de recursos;
-poder e autoridade desiguais; -fatores geográficos, fisicos ou ambientais que impeçam a cooperação; e,
-pressões de tempo.
Interesses: -competição percebida ou real sobre interesses fundamentais (conteúdo);
-interesses quanto a procedimentos; e, - interesses psicológicos.
Dados: -falta de informação;
Possíveis Intervenções Valores: - evitar definir o problema em termos de valor; - permitir que as partes concordem e discordem; - criar esferas de influência em que domine um conjunto
de valores; e, - buscar atingir um objetivo superior compartilhado por
todas as partes. Estruturais: - definir claramente e mudar os papéis; - substituir padrões de comportamento destrutivos; - realocar a posse ou o controle dos recursos; - estabelecer um processo de tomada de decisão justo e
mutuamente aceitável; - modificar o processo de barganha de uma negociação
baseada nas posições para um ajuste fundamentado no interesse;
- mudar os meios de influência utilizados pelas partes (menos coersão, mais persuasão);
- mudar o relacionamento fisico e ambiental das partes (proximidade e distância);
- modificar as pressões externas sobre as partes; e, - mudar as pressões de tempo (mais ou menos tempo). Interesses : - concentrar-se nos interesses, não nas posições; - buscar critérios objetivos; - desenvolver soluções integradoras que lidem com as
necessidades de todas as partes; - buscar maneiras de expandir opções ou recursos; e, - desenvolver intercâmbios para satisfazer os interesses
de forças diferentes. Dados: - conseguir acordo sobre a importância dos dados;
- informação errada; - concordar sobre o processo para reunir os dados; -pontos de vista diferentes sobre o que é - desenvolver critérios comuns para avaliar os dados; e, importante;
- interpretações diferentes dos dados; e, -procedimentos de avaliação diferentes. Relacionamento : -emoções fortes; -percepções equivocadas ou estereótipos; -comunicação inadequada ou deficiente; e, - comportamento negativo-repetitivo.
- usar especialistas, como uma terceira parte, para conseguir uma opinião externa ou romper impasses.
Relacionamento: - controlar a expressão das emoções através dos
procedimentos, regras básicas, encontros privados etc; - promover a expressão das emoções, legitimando e
processando os sentimentos; - esclarecer as percepções e construir percepções
positivas; - melhorar a qualidade e a quantidade da comunicação; - bloquear o comportamento negativo-repetitivo
mudando a estrutura; e, - estimular atitudes positivas de resolução de problemas.
Fonte: Adaptação do Circulo do Conflito de Moore :1998, p.62-63)
o mediador, dialogando entre as partes, observa e identifica as atitudes, percepções, padrões
de comunicação ou interações contínuas que estejam produzindo um relacionamento
81
negativo; determina se a raiz do conflito está na falta de informações ou na má-informação,
na metodologia utilizada na coleta dos dados ou nos critérios de análise; identifica interesses
conflitantes e compatíveis, ao mesmo tempo em que explora as causas estruturais do
conflito, ou os impactos do tempo; e apura as semelhanças e diferenças nos valores
defendidos pelos indivíduos.
A partir dessas informações, será possível desenvolver uma estratégia para abordar os
problemas enfrentados pelos disputantes e um plano para a seqüência das atividades. O
ciclo de construção e testagem de hipóteses é o processo básico da intervenção e da
resolução de conflito [Moore: 1998].
O processo de construção e testagem de hipóteses para a resolução de conflitos compreende
seis etapas, conforme pode-se observar no quadro 16.
Quadro 16 : Etapas do processo de construção e testagem de hipóteses para a
resolução de conflitos
I. Coleta dados sobre a disputa através de observação,
fontes secundárias ou entrevistas com as partes
D 6. Comprova ou rejeita
a hipótese
Fonte: Moore: 1998, p.65
~ ~
2. Desenvolve hipóteses sobre situações críticas
enfrentadas pelas partes e sobre as causas de conflitos
5. Realiza a intervenção (testa a
hipótese)
~ 3. Busca teorias que
expliquem o conflito e que
~ sugiram intervenções
4. Seleciona a teoria e a intervenção indicada;
desenvolve hipóteses sobre o que a intervenção deve realizar.
Para Rawls, a racionalidade individual significa a ausência de sentimentos como a inveja ou
a vaidade. A individualidade se expressa quando as partes, ao desejar ampliar as condições
de ganhos, atuam sem pensar em trazer prejuízos para a outra parte. Há, dessa forma, um
total desinteresse pelos planos e objetivos alheios [Rawls: 1989].
82
Na verdade, Rawls adota como pressuposto a noção intuitiva do homem racional e moral,
descrevendo lia sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação social entre pessoas
livres e iguais que, por sua vez, são racionais - têm a capacidade de ter uma concepção de
bem, - e razoáveis - têm a capacidade de ter um senso de justiça 11 [Rawls: 1989].
IV.1.I Possíveis resultados de disputas
Uma vez identificados os interesses envolvidos no conflito, deve-se trabalhar para
identificar as diversas combinações potenciais de resultados. Considerando uma disputa
entre duas partes, têm-se os seguintes resultados possíveis: vencedor - perdedor, impasse,
compromisso e vencedor-vencedor. Essas posições são analisadas por Moore conforme
pode-se observar no quadro 17.
83
Quadro 17 : Possíveis resultados de uma disputa
Vencedor - Perdedor Vencedor - Vencedor
- Uma das partes tem um poder esmagador; - As partes não estão envolvidas em uma
- O relacionamento futuro não é de grande disputa de poder;
importância; - Um relacionamento futuro positivo é
- As possibilidades de vencer são grandes; importante;
e, - As possibilidades de se chegar a uma solução
- Uma parte é assertiva e a outra é passiva. mutuamente satisfatória são grandes;
Impasse
- As partes são assertivas na resolução dos
problemas;
- Os interesses das duas partes são
interdependentes; e,
- As partes são livres para cooperar e se
envolver na resolução conjunta dos problemas.
Compromisso
- As duas partes optam por evitar o conflito por - Nenhuma das partes tem o poder necessário
uma razão qualquer; para vencer totalmente;
- Nenhuma das partes tem poder suficiente para - O futuro relacionamento das partes é
forçar a questão; importante, mas elas não confiam bastante uma
- Há uma falta de confiança, comunicação na outra para trabalhar juntas em prol de
deficiente, emoção manifesta ou um processo soluções integrativas com ganhos mútuos;
de resolução inadequado; - As possibilidades de vencer são
- As possibilidades de vencer são pequenas ou moderadamente altas;
nenhuma das partes se importa com a disputa; - As partes são assertivas;
- Os interesses das partes não estão - Os interesses das partes são mutuamente
relacionados; e, interdependentes; e,
- As partes não são cooperativas. - As partes têm algum espaço para cooperação,
barganha e intercâmbio.
Fonte: Moore, 1982b, p.V-3 In Moore: 1998, p.97-98
Os resultados de uma disputa podem ser observados graficamente, no quadro 18. Cada um
dos eixos apresenta os diferentes níveis de satisfação dos interesses dos jogadores A e B. Os
pontos (a) e (c) representam posições em que uma das partes está satisfeita e a outra está
insatisfeita, são posições denominadas jogo de soma-zero. O ponto (b) representa uma
84
posição ótima quando as duas partes têm, plenamente, seus desejos satisfeitos, sem precisar
abrir mão de parte de seu interesse. A posição de não-acordo, ou impasse está representada
no ponto (e) e o compromisso reflete a posição em que ambas as partes abriram mão de
alguns objetivos de forma a alcançar o consenso.
Quadro 18: Possíveis resultados de uma disputa ( representação gráfica)
Vencer A / Perder B (a)
• Vencer A -Vencer B (b)
Compromisso (d)
.Impasse (e) • Perder A / Vencer B (c) L-______________________________ ~
Meios de Satisfação dos Interesses da Parte B
Fonte: Moore: 1998, p.97
• Abordagens para alcançar o objetivo
Uma vez que as partes avaliaram os interesses das outras partes, é necessário que se defina
qual a abordagem que será utilizada para a resolução da disputa: negociações não-assistidas,
negociações com ajuda de advogados, conciliação para lidar com as barreiras emocionais,
facilitação, mediação, arbitragem e/ou litígio. Existem cinco diferentes estratégias que
podem ser aplicadas sobre cada abordagem: competição (litígio ou arbitragem), evitação,
acomodação, compromisso negociado e
características estão expostas no quadro 19.
barganha baseada nos interesses, cujas
85
Quadro 19: Características estratégicas utilizadas para a resolução de disputas
Competição Evitação ou Paralisarão
- Quando os interesses são restritos e só podem ser - Razões da evitação : medo, falta de conhecimento dos
satisfeitos por poucas soluções, nenhuma delas
aceitáveis para a outra parte.
processos de gerenciamento, ausência de interesses
interdependentes, indiferença em relação às questões
em disputa, ou crença de que um acordo não é possível
e o conflito não é desej ável.
- Leva a se alcançar um resultado vencedor-perdedor.
- Inclui situações de litígio, arbitragem e atividades
extra-legais, como ação tática direta não-violenta e - Quando existe um conflito de interesses e o conflito
violência. aberto não é desejável, busca-se o isolamento.
-Pessoas e grupos que vêm sendo freqüentemente
derrotados, utilizam-se da retirada como uma forma de
garantir a sua existência. A retirada significa a total
dissociação dos disputantes.
Acomodação Compromisso Negociado
- Quando uma das partes resolve satisfazer os - As partes antevêem que não alcançarão o resultado
interesses de outra às custas das suas próprias vencedor-vencedor decidindo dividir e compartilhar o
necessidades. que consideram um recurso compartilhado.
- Estratégia buscada quando é necessário se sacrificar - Os interesses não são considerados interdependentes
alguns interesses para se manter um relacionamento ou incompatíveis.
positivo, quando se deseja demonstrar cooperação, e - As partes não confiam o bastante entre si para entrar
quando os interesses são extremamente em uma resolução conjunta de problemas para ganho
interdependentes. mútuo.
- Pode ser conseguida quando caso um processo mais - As partes têm um poder suficientemente equilibrado e
cooperativo possa ocorrer em outra oportunidade. nenhuma delas pode impor a questão a seu favor.
Negociação Baseada nos Interesses
Busca ampliar a extensão das altemativas, de forma que as necessidades de todas as partes estejam
consideradas e satisfeitas da melhor forma possível.
- As partes têm um mínimo de confiança uma na outra.
- As partes têm alguns interesses mutuamente interdependentes.
- A parte com maior poder está disposta a reduzir o exercício do poder e atuar na direção de soluções
cooperativas.
- As partes têm grande interesse em um resultado mutuamente satisfatório devido ao medo de terem
que arcar com altos custos decorrentes de um impasse.
- As partes desejam um relacionamento futuro positivo.
Fonte: Moore: 1982b, p.V. 3-4-5
o quadro 20 está associado ao quadro 19. Sob a ótica do Jogador A, a posição (a) apresenta
o resultado em que o Jogador A vence enquanto o Jogador B perde e que existe uma relação
de domínio de uma parte sobre a outra - jogo de soma-zero. A posição (d) representa a
posição do dominado que é a do vencido - acomodado. Na posição (b), em que os dois são
86
vencedores, as necessidades de todas as partes foram consideradas atendidas da melhor
forma possível. A evitação ou paralização (e) pode ocorrer pela incapacidade de
participação em um conflito ou pela crença de que o conflito não é a solução para a questão.
Quadro 20: Estratégias de abordagem
-< ~ Q.,
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~ ê ~ .5 '" .g .g <>
~ .~
OI)
{l '" o
Competição (a) - Barganha baseada
-Evitação (e)
-Compromisso egociado ( c)
nos interesses (b)
'õ :::;: Meios de Satisfação dos Interesses da Parte B
Fonte: Moore:1998 , p. 99
Dentre os possíveis resultados de uma disputa pode-se observar, no quadro 20, que o
resultado ótimo ocorre quando as duas partes vencem (Vencer A - Vencer B). Quando o
resultado é de compromisso, que ocorre quando todas as partes desistem de alguns de seus
objetivos para atingir outros, o resultado não é ótimo mas, dentro do possível, atendeu
satisfatoriamente às partes. De toda a forma, esses dois resultados compreendem uma
repartição justa entre as partes, ou seja, é feita justiça com eqüidade como preconiza John
Rawls23 [Rawls: 1971].
IV.1.2 Justiça - Eqüidade - Repartição Justa
Para Rawls, a noção de justiça é a estrutura base da sociedade e a primeira virtude das
instituições sociais24. A definição rawlsiana da sociedade é: "a more or less self sujJicient
23 Rawls, J. A Theory of Justice. Belknap Press ofHarvard UP, Cambridge, Mass., 1971. Nesse trabalho John Rawls aborda a noção de justiça que gerou um dos maiores debates intelectuais do século XX - "what explains the unusually wide interest in Pawl 's work? One obvious factor is that many readers and editors found in Rawl 's work a welcome retum to an older tradition of substantive, rather than semantic moral and political philosophy. Rawl 's approach stands in sharp contrast to the work of the global positivists and the analytical school in general" Daniels, Norman. Reading Rawls, Stanford UP, California, 1989 24 "Justice, the basic structure of society (. . .) Justice is the first virtue of social institutions (. . .) laws and institutions, no malter how efficient and well arranged must be reformed and abolished if they were injusto
87
association of persons who in their relations to one to another recognize certains rules of
conduct as binding" [Rawls:1971, pA]. Esta definição contém em si outro elemento
essencial: a admissão, por esse mesmo grupo social, de regras de conduta vinculativas.
Rawls adota um conceito clássico de justiça, reconhecendo um conflito de interesses e a
necessidade de se encontrar o consenso, na idéia de justiça como eqüidade, quanto aos
princípios que deverão orientar a associação humana25 [Rawls in Melo :2001].
Atento à sociedade como um todo, Rawls defende a liberdade, mas em igualdade de
circunstâncias. Em seu pensamento, a justiça como eqüidade está expressa na opção por
uma distribuição igual dos rendimentos, através dos impostos. Rawls entende que os
princípios morais derivam de escolhas racionais, o que contraria a necessidade de aceitação
geral. O véu de ignorância,26 de Rawls, estabelece que havendo acordo quanto aos
princípios iniciais, o consenso estaria garantido quanto às questões subseqüentes, de forma
necessária a garantir o mínimo exigível de justiça em uma sociedade bem ordenada [Rawls
in Melo: 2001].
O primeiro princípio apresentado por Rawls é o da liberdade. O autor considera, em termos
gerais, como liberdades básicas dos cidadãos, os direitos de liberdade política ( eleger e ser
eleito), liberdade de pensamento, de consciência, de expressão e de associação, de
propriedade pessoal, de proibição de prisão arbitrária e expropriação, salvaguardados pelo
estado de Direito [Rawls in Mello: 2001].
O princípio da diferença e da igualdade, apresentado por Rawls, propõe um sistema político
em que as desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas de modo a,
simultaneamente, representarem o maior benefício para os menos favorecidos; e estarem
ligadas a cargos e posições abertos a todos, em condições de igualdade justa de
oportunidades. A igualdade surge, assim, em uma perspectiva de coexistência pacífica,
Each person possesses an inviolability founded on justice that even the welfare of society as a whole cannot override"[ Rawls:1971, p.3] 25 "There is a coriflict of interests since persons are not indifferent as to how the greater benefits produced by their col/aboration is distributed (. . .) Men disagree about which principies should define the basic terms of their associations " ( Rawls : 1971, p.5) 26 A expressão "veil of ignorance" utilizada por Rawls significa que só é possível conceber a igualdade incondicional da situação inicial se os indivíduos desconhecerem totalmente sua situação particular e a dos outros, se não souberem exatamente nada acerca do que são, de suas características pessoais e do contexto social no qual se inserem; quando se refere ao desconhecimento dos agentes sobre qualquer informação particular sobre a sua situação na sociedade, como por exemplo a sua classe social, poder econômico, grau de inteligência e força e noção do bem.
88
como o direito à diferença, mas sem a idéia de condescendência. A distribuição da riqueza e
lucro assume importância nesse contexto, devendo ser realizada, tal como as hierarquias de
autoridade, de acordo com as liberdades de igual cidadania e igualdade de oportunidades
[Rawls in Mello:2001].
o sentido da teoria rawlsiana para a negociação reside no fato das partes não terem a real
noção das suas posições na sociedade, sua classe ou status social, bem como a parte que
lhes caberá na distribuição do conjunto de bens e capacidades naturais, tais como a força, a
inteligência e a habilidade. O véu da ignorância garante que os acordos poderão ser feitos
em absoluta situação de igualdade, eliminando na negociação a possibilidade de cada uma
das partes obterem qualquer tipo de vantagem, uma vez que desconhecem se a adoção de
uma posição facilitará ou não as suas posições no mundo real. Rawls entende que as partes
não são iguais, apenas desconhecem suas diferenças. Assim, as negociações serão
referenciadas pelo significado social de justiça e não terão qualquer sentido utilitário,
permitindo que as partes participem do acordo e escolham racionalmente os princípios de
justiça social, com imparcialidade.
A noção rawlsiana de justiça que descreve o estabelecimento de uma relação entre a teoria
da justiça, os valores da sociedade e o bem comum, pode ser observada em uma Declaração
Ministerial, assinada um dia antes da 11 a Reunião da Conferência das Nações Unidas sobre
o Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD em 12 junho de 2004, onde o G-77 - que
compreende atualmente 132 países em desenvolvimento -, se manifesta sobre a intenção de
seguir lutando por um comércio internacional mais justo, e pela adoção de regras mais
equilibradas que sirvam de suporte ao desenvolvimento econômico e à redução da pobreza
entre os seus membros.27
IV.2 Sistema de Solução de Controvérsias (SSC)
Os procedimentos atualmente utilizados na OMC constituem o Sistema de Solução de
Controvérsias (SSC), formalmente regulado pelo Entendimento relativo às Normas e
27 Assim diz o trecho do documento: "Questões que estavam na agenda do G-77 em 1964 seguem válidas, como a assimetria do sistema de comércio internacional, o insuficiente fluxo de assistência oficial ao desenvolvimento, o problema da dívida, a volatilidade dos mercados de matérias-primas e o desmantelamento das barreiras protecionistas dos países desenvolvidos"( Jornal do Brasil, 12/612004, p.A-17)
89
Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC). Esse sistema é reconhecidamente um
modelo efetivo e raro de jurisdição internacional, que se constitui em um dos pilares
centrais de sustentação da atuação da organização internacional e que vem sendo utilizado
nas negociações multilaterais [Michels: 2004].
Existe um interesse em modificar o SSC mais, efetivamente, muito pouco se tem avançado
no sentido de sanar problemas de variadas ordens diagnosticados ao longo do tempo. Desde
as importantes mudanças operadas quando da passagem, em 1995, do modelo do GATT
1947 para o modelo da OMC, nenhuma alteração significativa foi promovida [Michels:
2004].
Existe um conjunto de proposições que são recorrentes nas comunicações apresentadas
pelos membros em um processo de negociação e que, portanto, devem ser observadas e
avaliadas. São elas: (i) busca de maior transparência nos procedimentos; (ii) resolução de
problemas relacionados com o seqüenciamento de disposições do ESC; (iii) tentativa de
conceder tratamento diferenciado para os países em desenvolvimento e menos
desenvolvidos; (iv) resgate de medidas corretivas alternativas às hoje questionadas
retaliações; (v) definição da conveniência e dos contornos da participação da sociedade civil
nos procedimentos; (vi) revisão de questões relacionadas com a composição, o
funcionamento e os limites de manifestação das instâncias que compõem o Sistema de
Solução de Controvérsias.
Os acordos da OMC são geralmente muito lentos e complexos devido às questões legais que
envolvem cada objeto de negociação. São tratados assuntos como: agricultura, têxtil e
vestuário, bancos, telecomunicações, compras governamentais, padrões industriais e
segurança do produto, regulação sanitária, propriedade intelectual e muitos outros. Um
conjunto de princípios fundamentais perpassa por todos esses documentos. Esses princípios
constituem os fundamentos do sistema de comércio multilateral, cuja finalidade deverá ser
zelar pelos seguintes princípios: evitar a discriminação entre os parceiros comerciais e
entre os produtos e serviços negociáveis; incentivar negociações para a redução das
barreiras comerciais; desencorajar as práticas injustas como a concessão de subsídios e
dumping; e, oferecer benefícios para os países em desenvolvimento para promover o
desenvolvimento sustentável.
90
Em Cancún, o pnmelro princípio não foi respeitado. A natureza da OMC ainda é
antidemocrática. Desde a formulação da agenda para a definição das negociações, o
processo está sendo dominado pelos países mais poderosos e mais ricos como os EUA, a
UE e o Japão que possuem instalados em Genebra, na sede da OMC, uma considerável
equipe de especialistas. Os países em desenvolvimento não têm condições de manter
equipes similares.
Recomenda-se que a agenda da reunião reflita o que efetivamente está sendo discutido e não
somente as propostas dos países industrializados; que o(s) facilitador(es)/mediador(es)
seja(m) eleito(s) e não indicado(s), como ocorreu em Cancún; que as negociações não se
estendam quando as delegações dos países não possuírem recursos para uma efetiva
participação; e, que a secretaria se mantenha neutra.
IV.3 Negociação baseada em Princípios
Esse processo de construção de solução conjunta de problemas surgiu para agregar valor às
negociações em contra-posição à regra da maioria que trazia uma desvantagem no seu
método pois, simultaneamente, proporcionava vantagens para uns e desvantagens para
outros, em um jogo de soma-zero.
Na construção do consenso, o facilitador ou mediador, denominado de articulador ajudará
as partes a alcançarem um acordo comum. A articulação deverá ser utilizada quando não
houver grupo ou pessoas para tomar decisões unilaterais; o processo de decisão fracassar;
nenhuma pessoa ou grupo tiver conhecimento adequado ou informações para tomar uma
decisão justa; existirem grandes divergências a serem superadas; a unidade entre as pessoas
da equipe for essencial; e, houver necessidade de implementação de uma cooperação forte
na busca de decisões integradas e elegantes28. O trabalho desse articulador consiste em
compartilhar com as partes as informações relevantes; explicar os raciocínios; observar o
foco nos interesses e não nas posições; combinar a defesa e a pesquisa por meio da Procura
Conjunta de Dados29; mapear os interesses dos participantes; e, manter-se neutro para
formatar uma descrição consensual do conflito, proporcionando um desempenho atrativo e
convidando sem se impor. O brainstorming é um dos métodos utilizados para mobilizar o
28 Observações coletadas em conversas informais com o Prof. José Guilherme H.Lima - FGV Rio 29 Em inglês adota-se o termo Joint Fact Findings
91
grupo a estimular a criatividade, na busca de alternativas viáveis e satisfatórias que
proporcionarão a construção do consenso.
Os países industrializados ao excluírem os países em desenvolvimento da sua coalizão
incorreram em um sério erro de avaliação. O G-22, que deseja conseguir o compromisso
dos países industrializados de reduzir os subsídios aos agricultores, se sentiu insultado com
a decisão dos países desenvolvidos de não considerar seriamente a questão. Esse foi um dos
fatores que desencadeou um não-acordo entre as partes nessa última reunião, em Cancún.
Uma lição para os negociadores multipartites é a necessidade de uma escolha cuidadosa de
seus representantes na coalizão [Susskind:2004 A].
A negociação baseada em princípios é orientada por um método que pode ser resumido em
quatro pontos fundamentais : pessoas, interesses, opções e critérios. Basicamente, para cada
um desses pontos, o método indica que se deve separar as pessoas dos problemas, pois as
pessoas têm percepções, emoções fortes e dificuldades de comunicação, que podem ser
confundidas com a questão a ser discutida. Os esforços e a atenção deverão concentrar-se
nos interesses para a determinação de acordos, sem que sejam adotadas posições rígidas.
Deve-se pensar em criar opções de benefícios mútuos de forma que não se enrijeça a
negociação buscando uma única solução, com a exigência de que seja ótima. É preciso
também promover a negociação de forma que o acordo reflita algum padrão justo, com
critérios claros e previamente definidos, independente da vontade pura e simples de
qualquer uma das partes.
Em junho de 2004, o governo brasileiro aprovou uma terceira proposta melhorada que prevê
uma redução progressiva de tarifas para produtos e serviços como uma forma de
desbloquear as negociações para um acordo comercial entre o Mercosul e a União Européia.
Representantes de países emergentes como Brasil, China, Índia, Argentina e México
traçaram uma estratégia de ação comum nas negociações para a abertura comercial que
ocorrerá em evento paralelo à XI UNCTAD. O Ministro de Comércio da Índia, Kamal Nath,
advertiu que para o seu país a agricultura é um tema extremamente sensível, ao afirmar que
: "A agricultura não é uma matéria-prima, não é um comércio, e sim um meio de vida". O
Ministro indiano condicionou a abertura agrícola à articulação de políticas direcionadas à
erradicação da pobreza [Jornal O Globo, 13/6/2004- Caderno Economia, p.43].
92
o chefe do Departamento de Negócios Internacionais do Itamaraty, Regis Arslanian,
afirmou que esta proposta representa uma posição isolada do Brasil e precisa, ainda, ser
avaliada pelos demais parceiros do Mercosul. Nessa proposta, o Brasil cede em alguns
pontos e apresenta ofertas em setores antes preservados, como serviços e investimentos. A
segunda proposta, apresentada em maio/2004, previa a redução das barreiras comerciais e as
tarifas para 87,8% do comércio entre blocos.
Essas negociações, entre Mercosul e EU, fortalecem as posições e podem constituir um
avanço para as negociações da agenda comercial da OMe. Segundo o Ministro das
Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, "há sinais de uma vontade política" para
vencer os impasses que travou a última reunião da OMC, em setembro no México [Jornal O
Globo, 13/6/2004, Caderno Economia, p.43].
VIA Co-opetition
Brandenburger e Nalebuff cunharam o termo co-opetition para designar a estratégia de
negócios que combina competição com cooperação, trazendo vantagens para ambos os
lados. Co-opetition significa cooperar para criar maiores oportunidades de negócios,
enquanto competição significa dividir oportunidades. Em um jogo de negócios, cada um dos
jogadores tem múltiplos papéis - complementores, concorrentes, fornecedores e clientes, o
que complexifica as negociações [Brandenburger e Nalebuff: 1996].
Quadro 21: Múltiplos papéis em um jogo de negócios
O quadro 22 apresenta, esquematicamente, os múltiplos papéis do Brasil e dos EUA na
arena das negociações agrícolas, especificamente discutindo o caso da soja. Assim, mostra o
Brasil como fornecedor de soja para a União Européia, Estados Unidos e China, sendo esses
93
últimos, então, clientes do Brasil. Os EUA além de clientes do Brasil são também
fornecedores da União Européia e da China, além de fornecer o produto ao seu próprio
mercado interno. Os EUA além de fornecedores, também, da União Européia e da China,
são concorrentes do Brasil e por outro lado, realizam a tarefa de distribuição da soja
brasileira no seu próprio mercado interno. Sendo assim, os EUA são complementores do
Brasil.
Quadro 22 : Múltiplos papéis do Brasil e dos EUA - o caso da soja
,.---- Soja ----...
~------------------------~ Fornecedor
fornece para
-----. Concorrentes .... ---
UE cliente do Brasil
China cliente do Brasil
EUA cliente do Brasil
EUA fornecedor
EUA comolementor
UE cliente dos EUA
China cliente dos EUA
Mercado IntemoEUA
Distribuição da soja brasileira no Mercado
Tntprnn-FT r A
_._._._._._.-. Complernentor do Brasil ~._._._._._._._._._.
Se as negociações são jogos, quais são os jogadores? As empresas têm por objetivo produzir
bens e serviços para atender às necessidades do mercado, precisando então negociar com
clientes - para melhor colocar seus produtos no mercado, e com seus fornecedores - para
comprar em condições as mais favoráveis possíveis. Além dos clientes e fornecedores, as
empresas se relacionam com outras empresas que produzem bens complementares aos seus;
por exemplo, um determinado software que tem uma melhor performance em um hardware
específico; ou uma empresa de seguros que também complementa o negócio de
comercialização de automóveis. Conscientes da complementariedade, as empresas
trabalham juntas para ampliar as oportunidades, assumindo uma posição ganha-ganha
[Brandenburger e Nalebuff: 1996].
94
Cada país, em função das suas potencialidades de recursos naturais, clima e solo possui
vantagens competitivas sobre os demais países. Grande parte do carvão mundial está
concentrado nos Estados Unidos e na Rússia, tal como o petróleo nos países árabes. O solo
tem potencialidades diferenciadas que, juntamente com o clima, favorecem o cultivo ou a
exploração de produtos distintos por regiões. O mundo, atualmente, está dividido em um
hemisfério norte industrializado e um hemisfério sul com uma atividade econômica
predominantemente agrícola. Nas negociações de Cancún, o impasse deveu-se às questões
agrícolas relativas ao subsídio à exportação oferecido pelos países industrializados aos seus
produtores, de tal forma que disponibilizam os mesmos no mercado com preços inferiores
aos custos de produção desses produtos. Dessa forma, uma competição predatória asfixia
cada vez mais os produtores agrícolas dos países em desenvolvimento que empregam cerca
de 80% da força de trabalho nessa atividade, impossibilitando-os de participarem do
processo de desenvolvimento.
A política protecionista, se por um lado protege a economia local, por outro lado isola o país
das possibilidades de diferentes trocas para agregar e criar valor para o Estado. Deve-se
trabalhar de forma mais complexa, criando opções, agregando valor, aumentando o
potencial do todo para que todos possam ampliar suas participações nesse mercado, atraindo
mais compradores [Brandenburger e Nalebuff: 1996].
Os países têm limites para atender completamente as necessidades das suas populações,
dada a escassez de recursos. Os países, para ampliar seus interesses nacionais, devem e
precisam associar-se a outros países em projetos cooperativos. Assim, as nações abrem mão
de parte de sua soberania econômica para as organizações globais e regionais. Na área
econômica, mais do que em outras áreas, os países reconhecem os benefícios da
cooperação. Se eles cederem de forma limitada a sua autonomia econômica, poderão
fortalecer suas economias beneficiando a população e fortalecendo sua habilidade para
exercer a soberania não-econômica, dentro do sistema internacional.
Muitas vezes, o mais valioso serviço que pode ser oferecido por uma das partes é criar
competição e não eliminá-la. A competição pode ser extremamente vantajosa, por exemplo,
para quebrar o quase-monopólio de determinados países. Pode-se utilizar como estratégia
uma associação com os países-clientes para viabilizar o início de uma relação comercial.
Nesse caso, o mercado coopera com a abertura de uma nova frente comercial de forma que
95
não dependa de uma única fonte de produção. Assim, a competição é necessária e muito
valiosa para que seja eliminada [Brandenburger e Nalebuff: 1996].
No caso das empresas, que pode ser estendido para uma visão macro, entender a
concorrência como um processo evolutivo é conceituá-Ia como a competição entre as partes
por meio de inovações que são motivadas pela busca por diferenciação dos concorrentes que
lhes permita a obtenção de melhores resultados. A concorrência pode ser vista como um
processo de seleção econômica em que aqueles que não forem competentes no
estabelecimento de estratégias, e na sua constante renovação, possivelmente sucumbirão
[Possas in Grassi: 1999]
o objetivo estratégico de longo prazo é a inserção dos países em desenvolvimento na
economia global de forma que possa trazer vantagens para a sociedade. Há clientes para
determinados produtos em todas as partes do mundo e é necessário melhorar a participação
desses países nos mercados importadores nos quais podem ser competitivos.
A liberalização das barreiras comerciais e das distorções no comércio agrícola podem
contribuir para a transformação econômica, a redução da pobreza e das diferenças
econômicas e para a formação de uma estabilidade política e social nos países em
desenvolvimento.
IV.5 Gestão de Público Demandante
Kurt Lewin, o pioneiro no campo de dinâmica de grupo, observou que os sistemas sociais
humanos - grupos, organizações e nações - existem em um estado de forças dinâmicas de
tensão pressionando para mudanças, enquanto outras forças resistem às mudanças. Segundo
Lewin, o comportamento do sistema social é "o resultado de uma multiplicidade de
forças. Algumas forças suportam umas às outras, algumas se opõem às outras. Algumas
são forças parafrente, outras são forças reprimidas" [Lewin in Watkins: 2004 p.164]
Quando existem forças iguais reprimindo e impulsionando o sistema, este fica em
equilíbrio. Quando o sistema flutua em limites estreitos, mas se movimenta para além
desses limites, rapidamente cresce em forças restritivas. Quando as forças para frente se
acumulam, então as forças que resistem realizam também mudanças. Se a pressão se toma
96
muito grande, o sistema passa por uma revolução, levando-o para um novo equilíbrio, pois,
de outra forma, ele retomaria ao status quo [Watkin: 2004].
No caso das rodadas de negociações da OMC, a 5a Conferência teve a maior representação
da história das Conferências Ministeriais. O público que circulou por todo o evento
totalizou cerca de 10.000 pessoas sendo que muitos participavam de eventos pró e contra a
posição dos países industrializados no fórum. Pode-se citar alguns fóruns e movimentos que
tiveram lugar em Cancún no mesmo período da Conferência: World Forum 01 Fish
Harvesters and Fish Workers, Social Movements Assembly, Forum 01 the lnternational
Parlamentary Network, Massive Peasant and Farmers March, Massive March Aganinst the
WTO, lnternational Women and Trade Forum, lnternational lndigenous and Farmers
F orum, dentre vários.
A diversidade de público, conforme ocorreu em Cancún, com interesses absolutamente
diversos, dificulta a aplicação dos princípios, defendidos por Lawrence Susskind e Patrick
Field para a abordagem dos ganhos mútuos, que em lugar de uma abordagem convencional,
oferece uma estrutura mais eficiente para lidar com o público demandante [Susskind e
Field: 1996].
Os autores entendem que é preciso:
(i) Ouvir e compreender o outro lado pois este pode oferecer informações e criar valor.
De acordo com Bazerman e Neal, em seu livro Negotiating Rationally, "numa
negociação, se cada lado compreende e pode explicar o seu ponto de vista para o outro,
isso aumenta as possibilidades de se alcançar um acordo" [Bazerman e Neal: 1992 in
Susskind e Field: 1996, p.38];
(ii) Encorajar a geração de informações conjuntas para que os tomadores de decisão
tenham informações precisas que lhes assegurem que estão tomando a decisão correta. ;
(iii) Oferecer um conjunto de comprometimentos para minimizar os impactos, caso estes
ocorram, e buscar compensar os impactos negativos, não intencionais, ocorridos;
(iv) Aceitar as falhas de um determinado projeto, aceitar revê-lo, pedir ajuda para
realizar a revisão pois esses são elementos essenciais ao comprometimento entre as
97
partes envolvidas, havendo, desta forma, um interesse real para que o projeto seja bem
sucedido;
(v) Atuar em um ambiente de confiança lembrando que essa confiança é construída e,
uma vez perdida, é impossível de ser resgatada. Não se deve camuflar as intenções,
simulando confiança; modificar a história para fazer com que ela pareça melhor; fazer
promessas, se não se tem a intenção de cumpri-las; ou perguntar por compromissos que
se sabe que os outros não são capazes de honrar; e,
(vi) Investir na construção de relacionamentos de longo prazo favorecendo maior
respeito e confiança no relacionamento de curto prazo [Susskind e Field: 1996].
IV.6 Diálogo dos multistakeholders
Durante muitas décadas as negociações foram bilaterais. A nova política introduz as
negociações multipartites nas quais são colocados frente-à-frente os diversos stakeholders.
A diferença das negociações multipartites para as negociações bilaterais refere-se ao
número de participantes ou seja, quando o número de stakeholders aumenta em mais de dois
membros, criam-se as chances de coalizão. Uma negociação multipartite significa que
alguns membros irão para uma posição de ataque enquanto outros ficarão em uma posição
de defesa das questões e, desta forma, a dinâmica das coalizões vai acontecendo. Na medida
em que a quantidade de negociadores aumenta, administrar esse grupo toma-se um desafio
[Susskind: 2004B].
Outra solução para que as negociações multipartites prosperem é estruturar corretamente a
estratégia das coalizões, construindo alianças para ampliar o poder de barganha. Por outro
lado, não se deve desmerecer a outra parte, sendo necessário tato e precaução quando uma
das partes for abordada por algum membro de outra coalizão.
Susskind et ai definem multistakeholders como indivíduos chave, grupos e organizações
que têm um interesse em uma questão em pauta. Eles poderão ser responsáveis por perceber
a solução de um problema ou uma decisão tomada, poderão ser afetados pelo problema e
pela decisão, ou poderão ter o poder de impedir uma solução ou uma decisão [ Susskind et
ai: 2002].
98
Multistakeholder Dialogue é um processo atualmente utilizado, por dezenas de agências das
Nações Unidas e de organizações multilaterais, na busca do desenvolvimento de intensivas
conversações entre representativos grupos de interesse. Algumas conversações são
concentradas nos mesmos assuntos que estão sendo discutidos nos meios oficiais, outras são
organizadas em períodos anteriores aos encontros para dar subsídios à agenda. O fato é que
os resultados desses encontros informais deverão tornar-se inputs para os processos oficiais;
entretanto as ligações entre os processos oficiais e não oficiais são freqüentemente obscuras
e os impactos incertos.
Lawrence Susskind, Boyd Fuller, Michele Ferenz e David Fairman, em seu trabalho
entitulado Multistakeholders Dialogue at the Global Scale, descrevem os elementos chave
com os quais poderão se deparar os artífices do diálogo prospectivo dos multistakeholders.
São eles : buscar os participantes adequados, administrar com extremo cuidado os recursos
financeiros limitados, promover efetivos encontros de facilitação e integrar o trabalho do
diálogo dos multistakeholders às atividades e instituições já existentes [Susskind et ai:
2002].
Estudos teóricos no campo da negociação e da resolução de conflitos sugerem que multi
participantes e múltiplas questões de desentendimento são mais bem trabalhadas: (i)
definindo representantes apropriados dos stakeholders chaves para trabalhar juntos; (ii)
garantindo que as partes têm tempo e recursos para se prepararem condignamente; (iii)
definindo os facilitadores não-partidários para administrar o diálogo; (iv) definindo as
regras básicas que constituem o protocolo das conversações; e, (v) deixando claro o que será
a decisão do grupo [Susskind et ai: 2002].
A sociedade civil está se tornando uma voz ativa, não só na elaboração de tratados oficiais
internacionais mas também em todos os esforços multilaterais para analisar problemas
emergentes, explorar opções políticas e estabelecer novos programas ou práticas. Alguns
observadores argumentam que a participação da sociedade civil nas deliberações
internacionais tem aumentado nos tratados de negociações, contribuindo com idéias e
informações e alavancando recursos para a implementação das soluções. Existe um
reconhecimento nos círculos diplomáticos, entretanto, que não somente a comunicação
99
entre as partes não-oficiais é valiosa, mas a coordenação e o diálogo entre as partes oficial e
a não-oficial também são importantes [Lederach: 1997].
IV.6.1 Objetivos do Multistakeholder Dialogue (MSD)
Os objetivos do MSD referem-se à construção do relacionamento, à reunião e troca de
informações, ao brainstorming para solução de problemas e à construção de consenso,
sendo esse último o mais ambicioso. As informações geradas conjuntamente terão maior
credibilidade entre todas as partes, sendo a construção do relacionamento indispensável
quando há divergência entre valores fundamentais, tomando-se importante que as partes
iniciem a construção de alguma possibilidade de acordo. Por meio do MSD, são
promovidos diálogos informais nos quais cada uma das partes compreende as perspectivas
das outras partes e, assim, exploram as áreas de acordos e desacordos.
A construção de consenso deve ser buscada entre os participantes. O consenso é alcançado
quando todos os participantes concordam que poderão se satisfazer com o pacote de
resultados que foi definido, depois de um esforço para identificar os interesses dos
participantes [Susskind et ai: 2002].
Organizar um MSD faz com que se encontrem duas escolhas fundamentais : definir quem
deverá ser convidado e estabelecer a interação entre os stakeholders.
No caso da primeira alternativa - definição dos participantes, os organizadores poderão usar
as redes informais para identificar, quando se tratar de questões de significado global, em
todo o mundo, indivíduos com experiência, conhecimento, habilidade e estatura suficientes
para aumentar a dimensão da questão. Alternativamente, poderão contatar outros grupos de
stakeholders, tais como: agências internacionais, governos, organizações não
governamentais (ONG's) politicamente significativas e universidades, de forma a aumentar
a legitimidade política dos seus esforços, baseados no status dos participantes [ Susskind et
ai: 2002].
A segunda escolha - estabelecer a interação entre os participantes, poderá ser o momento
em que os representantes oficiais conhecerão uns aos outros, em que conhecerão as posições
100
de cada um em relação às questões ou, ainda, se esse momento servirá para que sejam
realizadas apresentações técnicas aos representantes oficiais sobre as questões em pauta.
o MSD é um processo que pode ser utilizado para iniciar a comunicação, construir
relacionamentos entre os stakeholders, e trocar informações que poderão auxiliar os
stakeholders e os tomadores de decisão a compreenderem a origem das controvérsias; pode
buscar esclarecer as questões que precisam ser respondidas antes que a tomada de decisão
formal ocorra; pode criar um diálogo permanente, em que alguns tomadores de decisão
oficiais e não-oficiais possam explorar as diferenças, construir entendimentos, buscar áreas
comuns e explorar possíveis soluções que eles, como indivíduos, possam concordar e sejam
as mais apropriadas para a elaboração da política internacional; e, pode criar um conjunto de
recomendações, como consenso, utilizada em fóruns oficiais para a tomada de decisão, com
a esperança e com as expectativas de que serão incorporadas à política oficial. Busca
também construir legitimidade por meio de uma posição formal dos participantes e pelo fato
de que eles estariam aptos a alcançar o consenso.
Deve-se ressaltar ainda a importância da cultura no que se refere a compreensão sobre as
características específicas das diversas etnias, nacionalidades, disciplina, crenças políticas,
religião, dentre outras. A dinâmica cultural pode afetar muitos aspectos do MSD, incluindo
a velocidade com que as pessoas podem trabalhar, o quanto as questões de relacionamento
são importantes e quão rápido deverão ser efetivadas, qual a ideologia que triunfará sobre a
análise factual e qual a necessidade de tradução.
Para alcançar seus propósitos, o MSD precisa se estabelecer como uma legítima fonte de
informação e influência. Os organizadores do MSD deverão facilitar o processo de seleção
dos participantes e o levantamento de informações de forma que o mesmo tenha
legitimidade, atue com justiça, estabeleça critérios e alcance a eficácia com eficiência.
A justiça, um dos valores básicos da humanidade, é utilizada como um importante balizador
nos processos participatórios e de deliberação. Os diferentes valores vinculados à cada um
dos stakeholders faz com que haja dificuldade em se encontrar um parâmetro único de
ganhos e perdas entre grupos, com o qual todos concordem.
101
A integração do MSD com as instituições e com os formuladores oficiais de políticas deve
ser desenvolvida dentro de regras rigorosas, tendo em vista a proximidade com os
tomadores de decisão em um nível oficial. Esses diálogos de integração são limitados pelas
regras de determinadas instituições ou órgãos e referem-se à soberania nacional.
Às vésperas da 11 a Conferência Internacional de Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)
ocorreu um movimento de deputados brasileiros, ligados à União Interparlamentar,
defendendo uma maior participação dos Parlamentos em negociações multilaterais de
comércio.3o
Em junho de 2004, ocorreu a terceira rodada de negociações do Sistema Geral de
Preferências Comerciais (SGPC), sistema esse que permite aos países emergentes -
atualmente 47 - reduzirem mutuamente barreiras e tarifas para ampliar as trocas comerciais
entre si. Os integrantes não precisam estender as vantagens tarifárias aos países
industrializados. A promoção dessas rodadas de negociação proporcionam uma maior
articulação entre esses países, maior conhecimento entre as partes, e aumento de confiança
servindo de base para fortalecer a união desses países nas grandes negociações.
IV.7 Conversas Informais Paralelas
Barganhar na arena internacional é intrinsecamente posicional. Recomenda-se que nada
seja inventado, na última hora, para a negociação, a menos que a proposta feita possa trazer
bons resultados para todas as partes. A necessidade de reunir atores diminui a tensão, a
realização de brainstorming permite que as posições dos atores sejam testadas, sem
compromisso, oferecendo um espaço para o diálogo e para a circulação de informações.
No domínio da elaboração de tratados internacionais, as representações oficiais dos países
devem se encontram com as representações informais de grupos de stakeholders não
oficiais para estabelecer as bases das negociações. Em muitos casos, dessas conversas
paralelas informais, realizadas em vários estágios do processo formal de elaboração de
30 O presidente da UIP defendeu que " Os Congressos não podem transformar-se em obstáculos para as negociações internacionais. Devido à sua própria natureza institucional de fiscalizadores dos poderes do Estado. devem ter, necessariamente. uma participação mais ativa"; o senador chileno Sérgio Paez defende a união de forças dos países latino-americanos nos tratados internacionais, afirmando que: "O Parlamento
\02
tratados, surgem idéias e elementos de acordos que tomam possível a elaboração dos
tratados oficiais [Susskind et ai: 2002].
Os negociadores de vários países comparecem aos encontros internacionais com uma
agenda e programação já definidas anteriormente, posições estas que não estão sujeitas à
revisão. A comunidade diplomática internacional, apesar de saber que as representações
não-oficiais geram novas idéias e novos elementos de acordos, as recebem com restrições
uma vez que podem ser interpretadas com desconfiança pela outra parte.
No caso de Cancún, no primeiro dia, o presidente da sessão anunciou os facilitadores para
cada tema de discussão e os orientou para iniciarem as consultas a grupos isolados e
delegações. Essas ações informais ocorreram simultaneamente às negociações formais
realizadas em plenário com os Ministros.
Algumas questões surgiram em plenário, como o caso do algodão em que os EUA discutiam
como lidar com as distorções surgidas ao longo da cadeia produtiva, incluindo concessão de
subsídios, estabelecimento de barreiras tarifárias e não-tarifárias sobre o produto e a
existência da concorrência com as fibras sintéticas e derivados. Os EUA afirmavam que sua
produção é muito incipiente para que provoque algum impacto sobre os preços do algodão e
que isso estaria alterando o programa para os produtores americanos do produto. Os países
em desenvolvimento contra-argumentavam que era muito difícil competir com os subsídios
praticados pelos países industrializados. Dado o impasse, Derbez concluiu que a questão
poderia ser discutida nos encontros informais dos Ministros dos próximos dias. [Sumário da
Reunião da OMC: 14/9/2003].
Derbez declarou que os encontros informais com a liderança das delegações eram
importantes para garantir a transparência das negociações e das consultas entre todos os
membros.
Como essa prática tem suas limitações, Susskind sugere uma "negociação paralela
informaf'31 , formada por membros do segundo escalão da diplomacia, que surge da
precisa ajudar nofortalecimento do comércio internacional". (Jornal O Globo, 12/612004, p.31 - Caderno de Economia) 31 Em inglês: Paral/el Informal Negotiation - PIN
103
construção de um relacionamento de longo-prazo, a partir de workshops, com ênfase em
brainstorming e na busca de solução de problemas. Nesse ambiente, os representantes estão
livres para ouvir os outros, perceber como o mundo observa os pontos de vista das outras
partes e, também, para explorar opções que os negociadores oficiais não consideram. Como
os participantes do workshop se movimentam para posições de influência e poder, a
melhoria do relacionamento entre eles permite uma efetiva solução de problemas.
As negociações do segundo escalão da diplomacia são realizadas por representantes não
oficiais que discutem entre si, buscando elementos para um acordo, enquanto as hostilidades
permanecem muitas vezes com os representantes oficiais.
Em um caso de disputa entre diferentes países e interesses, pode ser entendido pelos
moderadores que um debate formal pouco ajudaria a promover o consenso. Desta forma,
podem propor um formato alternativo para a promoção do consenso - o" policy dialogue".
Este formato prevê um encontro preliminar para facilitar o conhecimento entre os
representantes das comunidades, a fim de que possam conversar, privadamente e
informalmente, sobre seus conflitos.
Esse encontro preliminar tem por objetivos: criar um fórum em que os grupos, que durante
longo tempo se rivalizaram, busquem uma base comum para entendimento; mapear os
conflitos, identificando, da melhor forma possível, as áreas de acordos em pelo menos
algumas questões pendentes; e verificar se o escopo de algumas áreas de concordância pode
ser comunicado às pessoas e/ou instituições relevantes do grupo encarregado de elaborar a
política, tal como o GA TT Ministerial Meeting.
o diálogo não será somente para realização da técnica de brainstorming, mas também, e
principalmente, para promover aprendizado, troca de informações e esclarecer bases de
interesses, bem como para criar um ambiente de questionamento e de exploração intelectual
que não pode ser confundido com as posições oficiais. Por outro lado, enquanto o diálogo
prossegue não é surpresa se os sub-grupos se sentirem encorajados a desenvolver novas
idéias. A qualidade do diálogo depende fortemente das intervenções dos neutros para que se
esclareçam interesses, testem hipóteses e promovam as trocas.
104
Pós-Cancún, diante dos impasses nas negociações, algumas reuniões paralelas às
conferências são realizadas pelo grupo informal NG-5 que, além dos ministros do Brasil, da
Índia e da Austrália, conta com a participação do comissário europeu de comércio, Pascal
Lamy e do representante comercial dos EUA, Robert Zoellick. Este grupo reuniu-se
paralelamente à 11 a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento
para discutir os impasses que vêm travando as negociações sobre subsídios agrícolas no
âmbito da OMC32• O Ministro tailandês, Supachai Panitchpakdi, que presidiu a Reunião de
Cancún, define como cruciais os encontros ministeriais paralelos aos eventos e declarou que
"essas reuniões são importantes, se não decisivas". Perguntado sobre o preço de um
fracasso nas discussões da OMC, o Ministro Supachai declarou que "isso seria
desaconselhável. (. . .) Se não houver uma especificação, então as coisas (conversas) podem
parar". 33 Já se realizaram duas reuniões informais e em maio/2004, na Cúpula de
Guadalajara (México), os negociadores aproveitaram para fazer um encontro extraordinário
no qual os negociadores europeus apresentaram uma proposta que relacionava o setor
agrícola como sendo "sensível,,34.
Os ministros do G-20, grupo de países em desenvolvimento liderados por Brasil e Índia que
lutam contra os subsídios agrícolas na OMC, reúnem-se antes da lIa Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento - UNCT AD para firmarem as posições
do grupo que vêm sendo debatidas, em Genebra. Outras reuniões técnicas do G-20 foram
realizadas em Buenos Aires, mas a situação de impasse com relação às questões agrícolas
ainda persiste.
IV. 8 O ambiente da complexidade
Muitos conceitos, teorias e conclusões desenvolvidos por cientistas da biologia, física,
química e matemática, e aqueles provenientes dos estudos dos sistemas naturais foram
amplamente utilizados nos estudos dos sistemas sociais. Nessa perspectiva, a partir da
32 De acordo com o Ministro brasileiro das Relações Exteriores Celso Amorim: "Mesmo que não haja um acordo definitivo, um esboço de proposta que nos permita prosseguir até julho (2004) ,quando haverá a reunião do Conselho da OMC, nos dará tempo para finalizar o arcabouço de um acordo, que confio virá em seguida" (O Globo, 12/6/2004, p.31 - Economia) 33 Jornal do Brasil, 12/6/2004, p.A-17 34 Ainda sobre esse assunto, o Ministro Amorim declarou : "Reconheço que a proposta deles é importante, mas ainda limitada. É preciso que os negociadores europeus tenham consciência disso" [Jornal O Globo, 12/6/2004, p.31-Caderno de Economia]
105
abordagem sistêmica, as organizações foram consideradas como sistemas e depois como
sistemas abertos, em constante interação com o seu ambiente externo [Dufloth:2004]
A Teoria da Complexidade e a Teoria do Caos têm sido utilizadas pelas organizações
para a formulação de modelos de gestão. Nesse sentido, as organizações são consideradas
como sistemas complexos.
A complexidade corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua interação da
infinidade de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural. A complexidade só
pode ser compreendida por meio de um sistema de pensamento aberto, abrangente e flexível
- o pensamento complexo que configura uma nova visão de mundo, que aceita e procura
compreender as mudanças constantes no mundo real e não pretende negar a multiplicidade,
a aleatoriedade e a incerteza, e sim conviver com elas [ Mariotti:2004].
Para Parsons, " os sistemas sociais são considerados abertos, engajados em complexos
processos de permuta com os sistemas circundantes, o comportamento e outros sub
sistemas do organismo e do meio ambiente fisico."[Parsons: 1987 in Souza:200 1, p.6].
Segundo Paulré, "de um ponto de vista experimental é possível a aplicação de um conceito
de sistema a um certo conjunto social, onde a natureza sociológica consiste em aplicar a
noção de sistema social a todo conjunto social no interior do qual os indivíduos se situam
em reciprocidade e cujas interações obedecem a um conjunto de normas que eles
contribuem para criar, manter ou modificar. Isso porque o que predomina são as inter
relações entre os homens, que atuam, legislam, criam, trabalham, interagem, etc" [ Paulré
in Pedroso e Silva:2000, p.12].
Morin sugere que a transformação da diversidade desordenada em diversidade organizada
obedece a seguinte seqüência: ordem, desordem, interações, organização, ordem e
desordem. Nesse sentido, Morin afirma que : "[ ... ] para que haja organização, é
necessário que haja interações (entre moléculas, pessoas,). Essas interações só ocorrem se
existirem encontros. E os encontros só ocorrem se houver desordem/agitação/turbulência,
gerados por um desequilíbrio do sistema.[. . .] Nesse ponto é buscada uma nova interação
entre as partes, e um novo equilíbrio (segundo) é concebido. E esse novo equilíbrio pode
representar a transformação, a inovação, a renovação, a evolução. Portanto, a concepção
106
de que a desordem é sempre algo negativo não é verdadeira. E esse segundo equilíbrio se
mantém até que novas perturbações provoquem alterações que levem a um terceiro
equilíbrio. E isso é um movimento contínuo"[ Morin in Pedroso e Silva:2000, p.14].
Morin apresenta sete princípios que definem o pensamento complexo: (i) dialógico: que
pode ser definido como a união de dois princípios ou noções antagônicas que deveriam se
repelir, mas são indissociáveis para a compreensão da realidade; (ii) recursividade ou da
autogeração: refere-se a um processo em que os efeitos ou produtos são, ao mesmo tempo,
causadores e produtores do próprio processo, sendo os estados finais necessários à geração
dos estados iniciais; (iii) hologramático: demonstra que o todo está na parte e que esta está
no todo, e a parte poderia estar mais ou menos apta a gerar o todo; (iv) sistêmico ou
organizacional: segundo o qual a organização do todo produz qualidades ou propriedades
novas em relação às partes consideradas isoladamente, denominadas emergências; (v)
círculo retroativo: princípio que permite o conhecimento dos processos auto-reguladores,
mais conhecidos como feedback; (vi) auto-eco-organização: segundo o qual a autonomia é
inseparável do meio, o que produz de certa forma uma autonomia relativa, dependente do
meio; e, (vii) reintrodução do conhecimento em todo o conhecimento: todo o conhecimento
é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro em uma cultura e em um tempo
determinado [Morin: 1999].
As reuniões na OMe, que envolvem os 148 países membros, constituem um desafio pela
diversidade de interesses, pela necessidade de articulação entre as partes, de alinhamento e
de circulação das percepções que permitam a criação de um pensamento coletivo.
Nessa visão, a complexidade da sociedade humana não será explicada pelo número de
genomas do homo sapiens , mas sim pela complexidade distinta, porém conjuntiva de toda a
vida. Na concepção dos sistemas complexos os conhecimentos simples não ajudam a
conhecer as propriedades do conjunto. O todo é mais do que a simples soma das partes. Por
outro lado, cada uma das partes não pode se expressar em sua plenitude, sendo o todo,
portanto, menor do que a soma das partes e, por fim, a complexidade integra esses
conceitos quando então o todo é ao mesmo tempo maior e menor do que a soma das partes.
Desta forma pode-se dizer que os sistemas vivos convivem com sua própria autonomia
quando necessitam construir e reconstruir sua autonomia com energia externa e, ao mesmo
tempo, com uma relação de dependência do meio - a auto-organização do sistema.
107
Na OMe, a autonomia do grupo criada pelo fechamento operacional envolveu negociações
externas com a sociedade civil e com a imprensa, ou seja, com os meios de comunicação
com o exterior.
Esses conceitos estão também explicados e também explorados na primeira abordagem
para a Teoria dos Sistemas realizada, em 1951, por Talcott Parsons, em sua obra Social
System, na qual parte do princípio que todos os sistemas sociais se caracterizam por um
certo número de estruturas e que essas estruturas são fixas.
Buckley e Miller interpretaram as estruturas de um sistema social como uma variável que
se modifica à medida em que o sistema tenta reagir a mudanças no seu meio, sempre
buscando se adaptar da melhor forma possível às condições externas para poder garantir a
sua sobrevivência, o crescimento e o desempenho de suas funções [Buckley e Miller in
Mathis: 1997].
Luhmann modificou o olhar sobre o sistema, transferindo a visão do interior do sistema para
o meio que deixa de ser condicionante da formação do sistema e torna-se fator constitutivo.
O sistema passa a ser compreendido como resultado de um processo de definição de
fronteiras entre o dentro e/ou fora do sistema, como resultado de uma tentativa de entender
a complexidade do mundo.
Os sistemas de uma sociedade são interligados, dependentes e buscam no meio informações
sobre si mesmos e sobre os resultados de sua atuação. O sistema integra-se na sociedade e
assim trabalhar com sua capacidade cognitiva no sentido de poder prever os riscos e perigos
que possam resultar da sua atuação.
Uma das características da sociedade moderna é a complexidade das relações sociais que se
mostram como algo entrelaçado e diferenciado em várias unidades específicas e
especializadas, que dependem uma das outras. A complexidade da sociedade se expressa na
diferenciação funcional do sistema social e do número das dimensões de referência; nas
relações de interdependência entre as partes da sociedade e, entre as partes e a sociedade
como um todo; e, no número e peso das conseqüências gerado pelas decisões tomadas
dentro de um determinado sistema social.
108
Uma outra característica é a contingência que tende a ser interpretada por um sistema social
ou um indivíduo como a variedade das alternativas de atuação com um grau de liberdade
para escolher entre várias alternativas de atuação. A existência e o relacionamento das
contingências dos diversos sistemas ao seu redor constituem, para o sistema focal, a
complexidade do seu meio. Para poder enfrentar a complexidade do seu meio, o sistema é
obrigado a corresponder com a elaboração de estruturas complexas que por sua vez podem
aumentar a contingência do sistema e assim iniciar um processo evolutivo.
São fontes de conflito dentro de um sistema complexo a seleção de dados conforme critérios
de relevância para reduzir a complexidade do meio e a obrigação do sistema em selecionar
as suas alternativas de atuação em relação ao meio. Esses conflitos estão entrelaçados uma
vez que, selecionar os dados relevantes, que internamente estão sendo processados de forma
que se gerem várias alternativas de atuação para o sistema, pode provocar um aumento na
complexidade dentro do sistema, e assim sucessivamente.
A nova Teoria dos Sistemas define que os sistemas SOCIaIS se orgamzam baseados no
sentido. A noção comum do sentido é o critério que define os limites do sistema, além de se
apoiar em outros fatores como normas, valores e metas que criam uma ordem de
preferência . Os sistemas complexos têm a capacidade de reflexão, de definir e redefinir
internamente o que é o sentido e, assim, constituem e são constituídos por sentidos.
O sistema deve relacionar-se com vários meios uma vez que existem diversos níveis
nesses meios. O mundo interior ao sistema, também compreendido como meio, é definido
pelas relações que o sistema mantém com os seus membros, cujas orientações devem ser
coordenadas sob o ponto de vista de uma atuação relevante para o sistema. Em consonância
com o mundo interior, o mundo exterior inclui as relações externas que podem ser
classificadas em: (i) relações externas horizontais, com outros sistemas que fazem parte de
um sistema maior; (ii) relações externas verticais, com outro sistema que seja
hierarquicamente superior; e, (iii) relações laterais, com outros sistemas em que o sistema
focalizado encontra-se em um contexto secundário, p.e, entre países. As relações laterais
são inovadoras pois não são influenciadas por um sistema maior e formam as bases para as
ligações inter-sistêmicas mais complexas [Mathis: 1997].
109
A autopoiese é um conceito em que um sistema complexo reproduz os seus elementos e
suas estruturas dentro de um processo operacionalmente fechado com a ajuda de seus
próprios elementos. Essa compreensão indica que cada sistema deve se preocupar com a
sua própria continuidade para poder entrar em contato com o seu meio.
M.C.Escher- Drawings Hands, January 1948 - Lithograph
IV. 9 Sistema autopoiético
Nas negociações da OMe pode-se analisar o processo de construção de consenso, tal como
a elaboração de sistemas articulados e racionais. O domínio do consenso é baseado sobre as
premissas das ciências da complexidade, inteligência artificial sob a ótica da autopoiese.
Poiesis é um termo grego que significa produção. Autopoiesis significa auto-produção. Esse
termo surgiu pela primeira vez, em 1974, em um artigo publicado por Varela, Maturana e
Uribe , no qual os autores vêem os seres vivos como sistemas que produzem a si mesmos de
forma incessante. Pode-se dizer que um sistema autopoiético é ao mesmo tempo produtor e
produzido [Mariotti: 2003 ].
Nas abordagens tradicionais, as organizações são consideradas como sistemas abertos e em
constante interação com o seu contexto, gerando inputs e outputs que proporcionam a sua
sobrevivência. Francisco Varela e Humberto Maturana desenvolveram uma nova
abordagem na qual os sistemas vivos são caracterizados por quatro aspectos: autonomia,
circularidade, inter-subjetividade e mudanças, o que lhes confere a capacidade de se auto-
110
reproduzirem através de um sistema fechado de relações, denominado autopoiético
[Morgan: 1996] .
Criação da autonomia do grupo:
Sob o ponto de vista de Maturana, o termo autopoiético expressa o que ele denomina centro
da dinâmica constitutiva dos seres vivos. Para viver essa dinâmica de uma forma autônoma,
os sistemas vivos necessitam obter recursos do ambiente no qual vivem. Paradoxalmente
eles são, simuItâneamente, sistemas autônomos e dependentes.
o fato do universo estar em permanente transformação, incorporando tanto características
de permanência, quanto de mudança, já tinha sido observado, em 500 A.C pelo filósofo
grego Heráclito. Para Heráclito, "os segredos do universo seriam descobertos nas tensões
ocultas e nas conexões que simultaneamente criam padrões de unidade e mudanças"
[Morgan: 1996, p.239].
David Bohm desenvolveu uma teoria que compreende o universo como uma unidade que
flui, é indivisível e considera processo, fluxo e mudança como fundamentais. Para o autor,
o mundo é, em si mesmo, nada mais do que um momento dentro de um processo mais
fundamental de mudança.
Circularidade
A estrutura de um dado sistema é a forma como seus componentes se interconectam, sem
que haja mudanças em sua organização. Se as partes de um sistema se desconectam ou se
separam, o sistema em pouco tempo ficará descaracterizado porque sua organização está
perdida. Da mesma forma, a estrutura de um sistema vivo se modifica o tempo todo, o que
demonstra que ele está continuamente se adaptando às mudanças do ambiente. A
organização determina a identidade do sistema, enquanto a estrutura determina como as
suas partes são articuladas. A organização identifica o sistema e corresponde à sua
configuração geral. A estrutura mostra como as partes se interconectam.
Gestão da inter-subjetividade para facilitar a tomada de decisão em grupo
111
o mundo é construído a partir das percepções das pessoas, e é a estrutura do ser humano
que permite essas percepções. Assim, o mundo das pessoas é aquele sobre o qual elas têm
conhecimento. Se a realidade percebida depende da estrutura pessoal - que é individual -
existem tantas realidades quantas são as pessoas. Isso explica porque o conhecimento
objetivo puro é inviável: o observador não está de fora do fenômeno ao qual observa. Se as
pessoas são determinadas pelo modo como as partes de que são formadas se interligam e
funcionam, o ambiente só desencadeia nas pessoas o que essa estrutura permite
[Mariotti:2003]. Para quebrar o impasse da negociações da OMC percebe-se a importância
da gestão cognitiva para alinhar percepções e fazer circular as informações como
instrumento para a criação de consenso.
No ponto de vista de Maturana, quando alguém diz que é objetivo, significa que essa pessoa
tem acesso privilegiado a uma visão mais abrangente, e que esse privilégio, de alguma
forma, permite que essa pessoa exerça uma autoridade que é recebida, sem restrições, por
aqueles que têm uma visão mais limitada. A partir da visão fragmentada e limitada,
entende-se que é possível chegar a uma só verdade e mostrá-la aos pares - a verdade que
se imagina ser a mesma para todos.
Condições culturais não podem ser interpretadas à luz do raciocínio linear que estimula o
imediatismo e dá um alto valor à competição e à guerra. Sabe-se que não existe uma única
causa para ver e analisar os fenômenos da natureza. É importante lembrar que o que faz a
sociedade funcionar dessa maneira não é a dimensão cultural nela mesma, mas o tipo de
cultura sob a qual as pessoas vivem, que enfatiza a crença de que a competição predatória é
boa, saudável e eticamente justificável. A sua forma mais visível de manifestação é a
competitividade - a compulsão não só para ganhar, mas também para eliminar o oponente, a
compulsão para levar às máximas conseqüências a agressividade, a implacabilidade e a
necessidade da exclusão. Isso corresponde a um jogo de soma-zero: a interação de que a
satisfação da vitória de uma das partes está vinculada à derrota da outra parte. Nesse clima,
pessoas, coisas e eventos não podem ser complementares; alguma coisa necessariamente
precisa ser descartada para que uma outra possa ser colocada no seu lugar.
De toda a forma, a idéia de que o outro é inevitavelmente um adversário, como um inimigo
a ser exterminado, é um dos modelos de competitividade da cultura de vários povos,
principalmente, dos ocidentais/capitalistas. Na visão desses povos, saber como ganhar é
112
saber ser competente. Uma verdadeira sociedade autopoiética não poderá coexistir com a
competição predatória que é a marca da cultura ocidental.
Mudanças para criar meta-regras (sistema criativo de solução)
Sabe-se que um sistema autopoiético se auto-produz utilizando recursos do ambiente de
forma a seguir em frente com esse processo. O organismo humano, por exemplo, descarta as
células mortas que são, continuamente, repostas de forma que o organismo permaneça
vivo. Assim, uma sociedade que descarta jovens e pessoas produtivas (resultado de
estratégias produtivas, guerras, genocídio, exclusão social e outras formas de violência) está
se auto-mutilando e desenvolvendo um sistema patológico. Maturana e Varela comprovam
que os seres vivos não são agregados de partes, são padrões de inter-relacionamentos entre
essas partes, padrões dinâmicamente renováveis. Nelson e Winter abordam as meta-rotinas
como um meio para se modificar as regras e percepções iniciais. Essa circularidade facilita
as mudanças e a geração criativa de soluções baseada, não sobre regras pré-estabelecidas,
mas sobre interesses de informações35 [Winter e Nelson: 1982].
Deve-se buscar compreender a OMC como um sistema autopoiético integrado por países
membros (148) que estão sistematicamente negociando seus interesses. A dinâmica do
processo de negociação na OMC desenvolve-se entre as partes por meio de um
entendimento progressivo e independente, de análises conjuntas cujo resultado será obtido
por consenso, fruto de um esforço coletivo. Não será algo imposto top down mas, dada a
igualdade entre todos os países-membros, será resultado de negociações em que as partes se
posicionam como complementoras, interessadas na melhor solução possível, fora do jogo
soma-zero.
A autopoiesis enfatiza a maneira pela qual o sistema global de interações acaba por moldar
o seu próprio futuro. De acordo com a teoria da autopoiesis, enquanto a preservação da
identidade é fundamental para todos os sistemas vivos, existem outras formas de se obter o
confinamento em relação ao ambiente. Quando se reconhece que o ambiente não é um
campo independente e que não se tem que, necessariamente, competir ou lutar com ele, um
relacionamento completamente novo se toma possível [Morgan: 1996].
35 Essa é a idéia de pensar e perceber as questões de fora do problema. Em inglês utiliza-se a expressão "think out of the box"
113
Conclusão
Apesar do fracasso da 5a Conferência Mundial da OMC, em Cancún, as questões que
entravaram o processo de negociação permanecem em discussão.
Os EUA e a UE perceberam ao final da Reunião Ministerial a solidez e a determinação do
G-20. No início minimizaram a solidez do grupo, dando a entender que o consenso desse
grupo não resistiria a uma rodada de negociação. Mesmo depois de Cancún continuram a
dar sinais de não terem entendido que, ao organizar o mundo dos países em
desenvolvimento em tomo de uma plataforma negociadora, o G-20 oferecia uma sólida e
inédita plataforma de interlocução para a busca do consenso na questão agrícola. Ao se
consolidar como a força mais organizada e dinâmica do processo de Cancún, a coalizão do
G-20 evitou atitudes de confronto e de obstrução.
Em uma reunião da OMC, realizada em Paris, em julho de 2004, a questão dos subsídios
voltou a ser discutida. Na ocasião, cinco países membros - EUA, UE, Brasil, Austrália e
Índia, considerados representantes com ampla variedade de interesses comerciais, após
duras negociações, concordaram com os princípios que podem abrir caminho para um pacto
de livre-comércio. Um dos participantes declarou que: "Isso torna mais próxima a
possibilidade de um acordo (total na organização)"[ Jornal O Globo, 12/07/2004].
Um acordo entre esses países é considerado essencial para qualquer possibilidade de
progresso na abertura do comércio global, no incentivo à economia mundial, e na tentativa
de reativar as abaladas negociações na Rodada de Doha.
Entretanto, alguns membros da OMC refutaram a liderança desses cinco países, e
advertiram que não pretendem aderir a acordos firmados dessa maneira, apenas por
representarem o desejo de grandes potências mundiais.
114
Segundo o representante de comércio dos EUA, Robert Zoellick, ainda existe um longo
caminho a percorrer. Ele acredita que esta será uma negociação difícil, face aos inúmeros
obstáculos a superar.
No início de agosto de 2004, os países membros da OMe, reunidos em Genebra, aprovaram
um acordo baseado em regras básicas (Rawls ground rules) para suspender os subsídios às
exportações de produtos agrícolas e para cortar tarifas de importação em todo o mundo.
Essas regras, conhecimento comum (common knowledge) e fechamento operacional
representam condição sine qua non para o início de uma resolução coletiva - o domínio do
consenso. Segundo os negociadores, o acerto constituiu um passo fundamental em direção
ao acordo de liberação comercial, que vêm sendo discutido desde 2001.
A importância maior desse acordo foi o consenso alcançado, que além de se constituir em
um projeto intermediário, determina os novos rumos futuros das negociações da OMe.
Desta forma, o comissário de comércio da UE, Pascal Lamy, que se mostrou decepcionado
com o resultado de Cancún, acredita agora que a Rodada de Doha ganhou novos rumos, e
que o acordo final será firmado até o final de 2005.
Mariotti acredita que a diversidade de visões não impede (pelo contrário, pede) que se
chegue a acordos (consensos sociais) sobre o mundo. Esses consensos determinarão as
práticas sociais. Para que se possa chegar a consensos que levem em conta o respeito à
diversidade de pontos de vista é necessário observar alguns parâmetros básicos:
O que se chama de racional é o resultado das percepções das pessoas. No
início elas surgem como sentimentos e emoções. Só depois que se transforma
e pensamentos, que geram discursos, que por fim são formalizados como
conceitos.
O pensamento vem do corpo, das sensações e a racionalidade advém e
promove simultaneamente o pensamento.
Uma cultura é uma rede de conversações que define um modo de viver. Toda
a cultura é definida pelos discursos que nela predominam. Estes se originam
nas conversações que começam entre indivíduos, estendem-se às
comunidades, e por fim a todo o âmbito cultural.
115
Os consensos sociais (que determinam, p.e, o que é permitido e o que não é,
o que é real e o que é imaginário em uma determinada cultura) resultam
desses discursos, que por sua vez são oriundos das redes de conversação.
Cresce-se em uma cultura vivendo nela como um indivíduo participante de
uma rede de conversações que a define. Crescer em uma cultura significa,
então, adquirir e desenvolver a cidadania.
Os argumentos racionais, como a procura conjunta de dados, é útil para
iniciar conversações. Mas eles insistem e permanecer lineares (ou seja,
excludentes, apegados ao "ou/ou"), isso significa querer manter-se como os
únicos "verdadeiros", isto é, que não respeita a diversidade. E esta, como se
sabe, é a base da cidadania [ Mariotti:2003]
H. Simon parte da perspectiva que a modelagem da racionalidade dos agentes (econômicos
ou não) deve considerar a complexidade do ambiente no qual os agentes estão inseridos,
mas não deve reduzi-Ia a um único postulado psicológico, como a maximização da utilidade
em economia. Este tipo de abordagem reducionista, na perspectiva do autor, parece ser mais
adequado para o estudo da estrutura do ambiente no qual os agentes estão inseridos do que
para o estudo da natureza do comportamento destes organismos. Uma teoria que supere a
simples reflexão do ambiente e se torne uma teoria psicológica da racionalidade humana
precisa estabelecer claramente como se posicionar. Para Newel e Simon esta teoria ''precisa
olhar para dentro do sujeito" [Newel e Simon: 1972, pp. 55] de duas formas: (a) nos limites
de sua habilidade para determinar o que é um "comportamento ótimo"; (b) na sua habilidade
para executá-lo, caso possa determiná-lo [Newel e Simon: 1972].
O foco modifica-se então do acesso à informação incompleta e à capacidade de
aprendizado, para uma perspectiva onde o processo de cálculo do comportamento adequado
toma uma importância maior. O modelo modifica-se rumo a um maior realismo [Newel e
Simon: 1972].
Disputas ideológicas, interesses mesquinhos, arrogância, competição predatória,
agressividade, implacabilidade e necessidade de exclusão são formas de ver o outro como
um inimigo a ser exterminado e não como um parceiro a ser conquistado, na busca da
melhor solução possível para as partes envolvidas em uma disputa, fora do jogo soma-zero.
116
o modelo de jogos não-cooperativos baseia-se e estrutura de preferência distinta. Em
princípio, um equilíbrio de tais jogos refletiria o tipo de coordenação que os indivíduos
seriam capazes de engendrar sem recorrer a sanções externas, de um lado, e se abdicar de
sua racionalidade, de outro. Na realidade, a estrutura de preferências implícita nos jogos
não-cooperativos representa uma situação na qual as pessoas estão prontas a cooperar com
as outras apenas na medida em que a cooperação não conflitar com a sua racionalidade
individual [Lessa: 1998].
A Teoria da Evolução da Cooperação, desenvolvida por Axelrod, demonstra que os
indivíduos, motivados por interesses próprios, cooperam sem a presença de uma autoridade
central que os force a isso. Isto pode ser observado em situações em que a busca da
otimização dos interesses individuais de uma das partes conduz a um resultado sub-ótimo
para todas as partes. Por outro lado, um clima de cooperação e confiança se estabelece
quanto mais vezes as partes se encontram. Quando os encontros são limitados e escassos, as
partes tendem a não cooperar com receio de que a outra parte traia. Segundo Axelrod a
justiça de uma transação é garantida não pela ameaça da lei, mas pela antecipação de
transações mutuamente gratificantes no futuro [Axelrod: 1984].
Ao contrário do que ocorre com os jogos de soma-zero, a teoria da cooperação demonstra
que o indivíduo está mais preocupado em promover o interesse mútuo do que em explorar
a fraqueza do adversário. Axelrod mostra que a cooperação baseada na reciprocidade pode
surgir dentro de um ambiente competitivo, a partir de um pequeno grupo de indivíduos que
estejam prontos para retribuir a cooperação e que se relacionem entre si. Para que haja a
cooperação, não há necessidade de que os indivíduos sejam racionais ou comunicativos, que
sejam amigos ou confiáveis entre si e nem mesmo que haja uma autoridade central
[Axelrod: 1984].
A cooperação deve ser a base e o princípio que norteia as negociações na OMe. Está certo o
Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim ao declarar que o acordo
firmado em Genebra é "um bom acordo para a liberalização do comércio mundial. E igualmente um bom negócio para ajustiça social a eliminação dos subsídios". O Ministro
do Comércio da Índia, Kamal Nath, acrescenta ainda que: "os países desenvolvidos
reconheceram que negociações agrícolas com um forte componente de subsídios não são
um livre comércio". Nesta mesma ocasião, o Diretor Geral da OMC, Supachai Panitchpakdi
117
que vem mediando as negociações desde o Fracasso de Cancún, declarou que: "é realmente
um momento histórico para essa organização já que provamos mais uma vez que quando
os seus membros querem, todos os tipos de obstáculos são removidos" [Jornal O Globo,
1/8/2004].
Hardt e Negri em seu trabalho intitulado Empire analisam, historicamente, as formas de
poder nas diferentes esferas sociais - monarquia, aristocracia e burguesia, todas sob a tutela
de um Estado - e sugerem uma nova forma de articulação e poder entre essas forças,
denominada Constituição Híbrida. Esse modelo envolve regras sobre a unificação do
comércio mundial, garante a circulação de bens, tecnologia e poder do trabalho como uma
forma de garantir a dimensão coletiva do trabalho. Seu corpo é espacialmente multiforme e
difuso, desenvolvendo e articulando as redes produtivas e mercados, não mais em uma
relação centro-periferia mas em uma organização horizontal; e, introduz uma nova relação
de forças [Hardt e Negri: 2001].
Kissinger afirma que em " nenhuma outra época uma nova ordem mundial teve que ser
organizada a partir de tantas perspectivas diferentes, muito menos em uma escala tão
global. Nem tampouco nenhuma ordem prévia teve que combinar os atributos dos sistemas
históricos de equilíbrio de poder com opinião democrática global e exploração tecnológica
do período contemporâneo" [Kissinger: 1997, p.22]
Para especialistas do setor, o acordo firmado em Genebra representou um passo
fundamental. Judith Lee, advogada especializada em comércio internacional, acredita que:
"a OMe alcançou um acordo monumental em relação à agricultura. Embora possa não
incluir todos os pontos que os países e desenvolvimento reivindicam, o acordo representa
um significativo avanço no tema mais dificil da OMe' [Jornal O Globo, 1/8/2004].
De acordo com o Banco Mundial (BIRD), um acordo comercial mundial pode retirar cerca
de 140 milhões de pessoas da pobreza até 2015 [Jornal O Globo, 1/8/2004]. Em um fórum
como o da OMC define-se, p.e, maior fluxo de exportação de produtos o que proporciona
desenvolvimento sustentado. O fim dos subsídios às exportações e a redução dos subsídios
internos a produtos agrícolas, de acordo com a opinião de especialistas, permitiriam que os
países em desenvolvimento lucrassem cerca de US$ 200 bilhões no longo prazo.
118
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