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Fundamentos e Metodologia do Ensino de História Henrique Rodolfo Theobald

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Henrique Rodolfo TheobaldHenrique Rodolfo Theobald

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02 6º PERÍODO - 1 PROVA - 21/07/2010 APROVAÇÃO: NÃO ( ) SIM ( ) ____________

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de História

Curitiba2010

1ª Reimpressão, 2011

Henrique Rodolfo Theobald

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FAELDiretor Executivo Maurício Emerson Nunes

Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos

Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância

Vívian de Camargo Bastos

Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD

Ana Cristina Gipiela Pienta

Secretária Acadêmica Dirlei Werle Fávaro

EDitorA FAELCoordenadora Geral Dinamara Pereira Machado

Coordenador Editorial William Marlos da Costa

Edição Thaisa Socher

revisão Juliana Melendres

Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin

ilustração da Capa Cristian Crescencio

Diagramação Sandro Niemicz

Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424

Theobald, Henrique Rodolfo

T385f Fundamentos e metodologia do ensino de história / Henrique Rodolfo Theobald. – Curitiba: Editora Fael, 2010.

125 p.

Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

1. História (Ensino Fundamental). 2. Professores – Formação. I. Título.

CDD 372.89

1ª Reimpressão, 2011Direitos desta edição reservados à Fael.É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

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Dedico este livro à minha esposa Marisa e aos meus filhos Gabriel e Mariana, que dispensaram seu apoio e torcida por oito finais de semana, um por capítulo, abdicando de atividades de lazer em família.

Dedico também ao Grupo de Pesquisa em Educação Histórica, coordenado pelas doutoras Maria Auxiliadora Schmidt e Tânia Maria Braga Garcia, da Universidade Federal do Paraná, cujas pesquisas permitiram funda-mentar teoricamente as proposições aqui apresentadas, e ao Grupo de Professores de História do Município de Araucária, seio no qual pude dar vazão aos questionamentos em torno do ensino de história.

Uma dedicação especial a todos aqueles que já foram meus alunos, que com seus rostos de inquietude, suas perguntas em sala, suas manifestações de dificuldades e sucessos na relação com o conheci-mento, permitiram que eu desenvolvesse questionamentos em relação ao processo ensino-aprendizagem e instigaram a minha “curiosidade epistemológica”, lançando-me à pesquisa sobre o ensino de história.

Por último, mas não menos importante, dedico a você leitor, formado ou em formação, razão principal da elaboração desta obra idealizada pela Fael, a quem agradeço por ter depositado sua confiança em meu trabalho.

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apresentação

A formação do professor tem sido alvo de várias discussões, refle-xões e publicações. Tem integrado as propostas governamentais para a educação e tem sido objeto de investigações que envolvem pontos es-pecíficos à formação inicial, como aspectos inerentes à dinâmica que envolve o dia a dia da escola e a formação continuada de professores. Nessa direção, a temática formação de professores precisa ser pensada e discutida constantemente, envolvendo principalmente aqueles que es-tão envolvidos de forma direta nesse campo.

Por meio de estudos e debates sobre questões educacionais como cur-rículo, ensino, aprendizagem, fundamentos e métodos, é possível alavancar um processo de reflexão sobre a prática desenvolvida no interior da escola, espaço diretamente vinculado à formação dos professores.

Nesta obra, Henrique Rodolfo Theobald, professor de história do Ensino Fundamental, mestre em educação e pesquisador do grupo de investigação em educação histórica, propõe uma discussão voltada aos profissionais envolvidos na formação inicial de professores da educação básica, bem como aos alunos que vivenciam a experiência do processo de formação e, de forma bem particular, pretende contribuir com aspectos voltados ao ensino de história. A obra reúne algumas das principais temá-ticas voltadas ao ensino de história: o ensino de história e a formação do professor; os objetivos do ensino de história; as crianças, jovens e adultos e a experiência de relação com o saber na escola; a investigação de ideias históricas de crianças, jovens e adultos; a natureza, seleção e organiza-ção de conteúdos e conhecimentos históricos; a didática específica do en-sino de história; a produção de narrativas em história; e a metodologia do ensino de história.

O autor estruturou os capítulos em seções que buscam organizar as discussões propostas, ou seja, em cada etapa do capítulo, ordenou as reflexões fazendo uso de referenciais que subsidiem a temática, bem

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como de investigações que vêm sendo sistematizadas, e preocupou-se, fundamentalmente, com o ensino e a aprendizagem em história, tomando como referência a epistemologia da história.

Em cada capítulo traz uma seção intitulada “Da teoria para a prá-tica”, que remete a uma reflexão sobre como a temática sistematizada alcança o espaço da vivência em espaço escolar. Dessa forma, convida o leitor a pensar sobre como as discussões que antecederam esta seção podem ser vislumbradas na relação professor-aluno.

Na “Síntese”, o autor colabora com a sistematização dos pontos de vista, oferecendo ao leitor uma organização objetiva das discussões. E na seção “Glossário”, explicita o significado de palavras e/ou expressões que foram apresentadas no decorrer do capítulo.

A etapa da formação inicial, de forma particular, é o momento em que as reflexões sobre “ser professor” passam a ser vislumbradas. No presente livro, o autor contribui para a formação dos professores e de futuros professores, tornando acessível e detalhando as reflexões que estão sendo sistematizadas pelas pesquisas em educação histórica so-bre o ensino de história.

Ana Claudia Urban*

* Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua como professora no Instituto Superior de Educação Sant’Ana, de Ponta Grossa, e na rede estadual de ensino. É pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica – LAPEDUH/UFPR.

apresentação

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sumário

Prefácio.........................................................................................9

1 O ensino de história e a formação do professor .......................13

2 Objetivos do ensino de história ..................................................21

3 Crianças, jovens e adultos e a experiência de relação com o saber na escola .............................................29

4 Investigação de ideias históricas de crianças, jovens e adultos ..........................................................................47

5 Natureza, seleção e organização de conteúdos históricos ..................................................................59

6 Didática específica do ensino de história ..................................69

7 A produção de narrativas em história .......................................83

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8 Metodologia do ensino de história .............................................97

Referências...............................................................................113

Glossário ...................................................................................121

sumário

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prefácio

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Esta obra destina-se a estudantes, professores ou leigos, que de alguma forma atuam ou se interessam pelo ensino de história, e propõe-se a aproximar o leitor de categorias e conceitos desenvolvi-dos pelas pesquisas mais recentes, relacionados aos fundamentos e às metodologias deste ensino.

O primeiro passo será situar o ensino e a formação do professor de história na sociedade do século XXI, caracterizada pela aceleração da produção do conhecimento em bases tecnológicas informatizadas. Parte-se do pressuposto de que, na sociedade do conhecimento, a formação inicial e continuada de qualidade é condição inerente à profissão de professor, por constatar que esta condição não é a rea-lidade da maioria dos professores, especialmente quando se trata de uma formação continuada que lhes capacite a refletir de forma siste-mática sobre a natureza de sua profissão e sobre elementos importan-tes e fundamentais de sua prática.

Com o objetivo de contribuir para a formação inicial e conti-nua da de professores de história, buscaremos responder algumas questões norteadoras sobre o seu ensino na sociedade do conheci-mento, por meio de um diálogo com os textos oficiais e com os estudos mais recentes em torno das temáticas que abordam, para conhecer seus fundamentos e apontar os caminhos que eles nos su-gerem, alicerçados em suas pesquisas.

As questões norteadoras sobre os fundamentos do ensino de his-tória, que se buscará analisar neste trabalho, tratam de assuntos como: os desafios que o ensino de história enfrenta na sociedade do conhe-cimento; os objetivos do ensino de história para crianças, jovens e

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adultos na sociedade do conhecimento; quem são as crianças, os jo-vens e os adultos e que tipo de relação estabelecem com a escola e o saber na sociedade do conhecimento; quais as ideias que essas crian-ças, jovens e adultos têm sobre a história e seus conteúdos; qual a na-tureza dos conteúdos de história; quais critérios utilizar para definir os conteú dos e conhecimentos históricos a serem trabalhados com crianças, jovens e adultos.

Em relação à metodologia do ensino de história, serão abordadas as seguintes questões: se existe uma didática específica da história; onde buscar os conteúdos e conhecimentos históricos a serem tra-balhados; qual a melhor forma para trabalhar esses conteúdos com crianças e jovens; como a criança, o jovem e o adulto vão comunicar o que aprenderam; como avaliar a aprendizagem histórica de crian-ças, jovens e adultos.

O ponto de partida para embasar respostas a essas questões são alguns documentos oficiais: os Parâmetros Curriculares Nacionais de História – PCN, de 1998, o Currículo Nacional de História de Portugal, de 2001, e as Diretrizes Municipais de Ensino de História de Araucária, de 2004. Esses documentos propõem encaminhamentos sob perspectivas diferentes e incorporam de forma distinta os resulta-dos das pesquisas em andamento neste campo.

Os documentos oficiais serão confrontados com análises de estu-diosos e com resultados de pesquisas sobre as temáticas das questões, optando-se especialmente pelas pesquisas no campo da educação histórica. Por meio de investigações sistemáticas das ideias históricas de crianças, jovens e professores em diversos países, a educação

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histórica vem construindo uma forma de intervenção pedagógica es-pecífica, alicerçada na ciência histórica, visando qualificar a produção do conhecimento histórico escolar de crianças e jovens em situações de aprendizagem escolar.

As pesquisas em educação histórica almejam a formação de uma consciência histórica, ou seja, possibilitar ao sujeito apropriar-se das ideias e conhecimentos históricos nas suas diversas perspectivas, para orientar seu agir no tempo, por meio do desenvolvimento da literacia histórica, que é o domínio das ferramentas de compreensão do passa-do e do pensar histórico.

O autor.*

* Henrique Rodolfo Theobald é mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua como professor da rede municipal de ensino de Araucária e da Faculdade Educacional de Araucária – Facear, e é pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica – LAPEDUH/UFPR.

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O ensino e a formação do professor de história na sociedade do século XXI – caracterizada pela aceleração da produção do conhe-cimento em bases tecnológicas informatizadas – passam por transfor-mações. De um lado, a produção do conhecimento histórico, como todo conhecimento, está muito dinamizada. De outro lado, os alunos chegam à escola com uma gama cada vez maior de informações, muitas vezes fragmentadas e desconexas.

Essa realidade torna a formação inicial e continuada de qualidade condição inerente à profissão de professor, principalmente por consta-tar que essa formação que capacita e instrumentaliza para uma reflexão sistemática sobre a natureza de sua profissão e sobre elementos funda-mentais de sua prática, não estão ao alcance da maioria dos professo res e sistemas de ensino. Isso acontece mesmo estando a formação conti-nuada apontada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e reafir-mada nas metas do Plano Nacional de Educação (2001).

Esse professor mais qualificado tem características de professor/pesquisador, produtor de saberes, que desenvolve nos alunos compe-tências específicas da natureza da história.

Desafios do ensino de história e da formação do professor

A tarefa de ensinar história para crianças, jovens e adultos, em tem-pos de uma sociedade em transição do capitalismo industrial para um ca-pitalismo pós-industrial ainda emergente, apresenta-se como um desafio para professores com formação e licenciatura na área de história, pois, em tese, dominam os fundamentos, as metodologias e a ciência históricas.

O ensino de história e a formação do professor

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As mudanças que ocorrem em nossa sociedade e na vida das pessoas que nela vivem são históricas, e têm recebido diversas deno-minações de pesquisadores e pensadores: sociedade pós-industrial ou pós-moderna (LYOTARD, 1989), sociedade informática (SCHAFF, 1995), sociedade do conhecimento (TOFFLER, 1990), sociedade tecnizada (MACHADO, 1993) e sociedade em rede (CASTELLS, 1999). Nesta obra optamos por se referir a essa sociedade como socie-dade do conhecimento.

Sobre as origens das dificuldades com que se deparam os profes-sores recém-formados na sociedade do conhecimento, Fonseca tece a seguinte consideração:

[...] a postura de perplexidade dos recém-formados diante da complexidade da educação escolar é atual e não exclusiva da área de história. É resultado da concepção de formação docen-te, consagrada na literatura da área como modelo de raciona‑lidade técnica e científica ou aplicacionista (2005, p. 62).

Fonseca refere-se ao modelo de formação que privilegia a teoria, com pouca formação teórico-prática, como sendo um dos responsáveis pelas dificuldades que os professores enfrentam quando assumem a sala de aula.

Para professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com for‑mação generalista, sem licenciatura específica em história, ensinar histó-ria parece ser uma tarefa ainda mais desafiadora. Segundo Talamini,

Os cursos que formam pedagogos têm em sua grade curricular, em geral, disciplinas que se preocupam em instrumentalizar os professores para trabalhar com o conhecimento histórico; no entanto, essa formação pode ser considerada como insuficiente, já que a carga horária é bastante limitada para abranger a com-plexidade da formação para o ensino das disciplinas específicas. Além disso, os professores generalistas precisam se preocupar também com os conteúdos e metodologias das outras áreas de conhecimento, já que são responsáveis pelo desenvolvimento das aulas em todas as disciplinas escolares (2009, p. 4-5).

Se de um lado existe a questão da formação generalista, de outro o dia a dia da sala de aula traz outras preocupações que dificultam o trabalho com as disciplinas específicas, como a história.

Outra questão a ser destacada é o fato de que, nesse nível de ensino, os professores estão demasiadamente preocupados – e

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não sem motivo – com a alfabetização em língua materna e, como consequência, trabalham pouco com as outras áreas do conhecimento, dentre elas a história, como observei muitas vezes nas minhas experiências como professora e informal-mente na relação com muitos colegas em diferentes escolas (TALAMINI, 2009, p. 5).

A experiência de Talamini pode ser tomada como parâmetro de que ensinar a ensinar história por meio de um livro pode ser uma tarefa em que o desafio toma proporções exponenciais, diante do exposto asso-ciado a pouca produção de bibliografia na área, que pode estar ligado à tradição da racionalidade técnica e científica já apontada por Fonseca.

Outro problema a ser superado pelo ensino de história é a presença de certo conservadorismo, como constata Rocha

Não se pode, por outro lado, dissociar o professor do espaço onde exerce suas atividades. Tanto na rede pública quanto na rede privada de ensino de 1º e 2º graus observa-se a predomi-nância de atitudes conservadoras em relação à história e seu ensino. Pela insistência na repetição dos mesmos conteúdos e formas de transmiti-los se produziu um modelo escolar de história, difícil de ser superado. As inovações produzidas no conhecimento histórico que poderiam contribuir para oxi-genar a prática docente encontram uma barreira constituída, juntamente, por esse modelo tradicionalmente aceito como sendo “a história” (2004, p. 48).

A trajetória do ensino de história no Brasil1 “evidencia o embate entre o que foi chamado de ‘aprendizagem tradicional’ e ‘aprendiza-gem crítica’ da história” (SCHMIDT, 2009, p. 22). Essas aprendiza-gens não têm conseguido suprir os anseios das crianças, dos jovens e dos adultos da sociedade do conhecimento, lançando novos desafios ao ensino de história, extensivos ao ensino como um todo. Três desafios apresentam-se como fundamentais, o primeiro, específico do ensino de história, refere-se aos avanços das pesquisas em torno do ensino de his-tória. O segundo desafio refere-se às contribuições dessas pesquisas para a formação inicial e continuada dos professores de história do Ensino Fundamental. E o terceiro desafio refere-se às condições materiais para

1 Para aprofundar sobre a trajetória do ensino de história de forma breve, consultar as obras Didática e prática do ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados (FONSECA, 2005) e Ensino de história: fundamentos e métodos (BITTENCOURT, 2008).

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uma formação continuada de qualidade. Essa qualidade relaciona-se à capacitação e instrumentalização para a reflexão sistemática sobre a na-tureza de sua profissão e sobre elementos fundamentais de sua prática.

O ensino de história tem sido objeto de diversas pesquisas, tanto no Brasil2 quanto em outros países. Essas pesquisas buscam investigar e obter respostas às dúvidas e angústias com que convivem os professores formados e em formação, quanto à eficácia de sua prática educativa em sala de aula. Sendo assim, são pesquisas voltadas ao domínio dos resul-tados de sua intervenção pedagógica, bem como buscam proporcionar a eles uma aproximação de fundamentos e metodologias de ensino de história, desenvolvidos a partir da natureza da própria história, visan-do uma cognição histórica situada na ciência histórica.

Schmidt (2009), ao fazer uma análise dos PCN de história, aponta para a pedagogização e psicologização dos pressupostos didáticos do ensino de história, o que provoca uma dicotomia, ou seja, um distan-ciamento entre a ciência histórica e o ensino de história, dificultando sua aprendizagem. Dessa forma, propõe a sistematização de “referen-ciais teóricos que indiquem os caminhos possíveis de uma cognição his-tórica situada na racionalidade da história (p. 32)”. A pesquisadora vai além da constatação dessa necessidade e, junto com Garcia, coordena o Laboratório de Pesquisas em Educação Histórica, na linha de pesquisa cultura, escola e ensino, do Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal do Paraná3.

Essas pesquisas em educação histórica buscam tomar o ensino de história, seus fundamentos e metodologias, como um saber especí-fico que se situa entre – no sentido de meio do caminho – os saberes

2 Em uma pesquisa feita na base de dados de dissertações e teses da Capes, em 13/03/2010, utilizando as palavras-chave “fundamentos e metodologia do ensino de história”, nenhuma dissertação ou tese foi localizada. Com as palavras-chave “ensino de história”, foram loca-lizadas 52 dissertações ou teses. Já com as palavras-chave “educação histórica” foram localizadas dez dissertações ou teses, sendo que metade destas foram localizadas com as palavras-chave “ensino de história”. Finalmente, com as palavras-chave “didática da histó-ria”, foram encontradas três dissertações ou teses, sendo que duas haviam sido localizadas pelos diretórios anteriores.

3 O Laboratório de Pesquisas em Educação Histórica é coordenado pelas doutoras Maria Auxiliadora Schmidt e Tânia Maria F. Braga Garcia, e pode ser acessado pelo site <http://www.lapeduh.ufpr.br>.

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Capítulo 1

Fundamentos e Metodologia do Ensino de História

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específicos da ciência histórica, do saber histórico escolar e dos saberes pedagógicos e curriculares. Nesse sentido, o ensino de história vem se constituindo como ciência específica no diálogo entre a ciência histó-rica, o saber histórico escolar e o saber pedagógico, desenvolvendo ob-jetivos, fundamentos e metodologias específicos do ensino de história, alicerçados em pesquisas que privilegiam a natureza da própria história, como veremos nos capítulos que se seguem.

Essa mudança de enfoque nas pesquisas sobre o ensino de história provoca alterações nos seus objetivos, na forma de considerar as ideias históricas de crianças, jovens e adultos e suas relações com elas. Isso ocorre na forma de ver os conteúdos e nos critérios de sua seleção, no interesse em compreender como o passado é reconstruído pela ciência histórica, no desenvolvimento de uma didática específica da história, na compreensão da importância da comunicação e da avaliação da aprendizagem histórica, buscando uma educação histórica, ou seja, que crianças, jovens e adultos pensem historicamente.

Quanto à formação do professor, em tempos recentes, vislumbrou-se uma sociedade futura com o temor de que, no processo educativo, os pro-fessores fossem substituídos gradativamente pela tecnologia, especialmente a informatização. A realidade, porém, tem demonstrado que a tecnologia da informação está modificando tempos, espaços, relações de produção, relações de comunicação, relações interpessoais e a própria organização do ensino. Mudanças reais e virtuais que atingem da vida material às formas de pensar e as ideias das pessoas, mas, além de não substituir o professor, têm evidenciado a necessidade de que este profissional esteja cada vez mais preparado para trabalhar com educação e que lance mão dessa tecnologia como meio, integrando-a em sua prática educativa.

As exigências de qualificação se fazem tanto na especificidade quanto na pluralidade, no domínio de um conjunto de saberes, que incluem sa-beres específicos das disciplinas, saberes pedagógicos, saberes curriculares, saberes práticos da experiência de sala de aula, saberes escolares e saberes da tecnologia da informação, entre outros (FONSECA, 2005, p. 63).

A sociedade do conhecimento exige um profissional mais qualifi-cado, um professor/pesquisador, um “professor de história produtor de saberes, capaz de assumir o ensino como descoberta, investigação, refle-xão e produção” (FONSECA, 2005, p. 62), que possa desenvolver nos alunos competências específicas da natureza da história. Um professor

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que, por meio de um ensino alicerçado em elementos específicos da ciência histórica, contribua para que crianças, jovens e adultos consi-gam se situar e se orientar nessa sociedade em constante transformação, sem perder o referencial de suas raízes e sua identidade familiar, cultural e social, e sentindo-se sujeito partícipe do processo histórico.

O professor, que essa realidade exige, está em formação em alguns lugares do Brasil e do mundo, em processos de formação continuada localizadas ou em parceria com instituições de Ensino Superior, como ocorre e foi constatado na cidade de Araucária, no Paraná:

A participação de professores de história de Araucária, “Grupo Araucária”, em 2003, do seminário Investigar em Ensino de História, do curso de Mestrado em Educação da UFPR, defla-grou um processo de reflexão sistemática sobre elementos da prática docente, a partir dos trabalhos sobre os conhecimentos prévios de conceitos históricos dos alunos, planejamento da intervenção pedagógica sobre os conceitos investigados e ree-laboração dos mesmos para verificar as mudanças provocadas pela intervenção pedagógica (THEOBALD, 2007b, p. 1).

Esse professor do Ensino Fundamental, que desenvolve um pro-cesso de investigação, produção e publicação organizada, coletiva e situada sobre elementos de sua prática,

[...] pode ser tomado na dimensão do intelectual, que inves-tiga, produz e transforma por meio de experiências organi-zadas, coletivas e situadas, as relações sociais e as relações de saber em que está inserido. Investiga e transforma as concep-ções que tem em relação a si próprio, à sua função, aos alunos em suas relações com o saber, à sua formação e em relação ao conhecimento com o qual trabalha, sua produção e seu ensino (THEOBALD, 2007b, p. 2).

Uma formação inicial e continuada por meio do conhecimento e apropriação dos meios de produção na prática investigativa, produ-ção de conhecimento sobre elementos de sua prática, publicação dos resultados e reconhecimento da produção por encontros científicos de áreas nacionais e internacionais, seria o ideal para que os professores pudessem estar em constante processo de mudança estrutural na cons-ciência e na formação de sua identidade. A formação inicial busca despertar esse espírito por meio dos trabalhos de conclusão de curso, mas na formação continuada, na maioria das vezes, não são criadas as condições para que esse processo possa ter continuidade.

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Capítulo 1

Fundamentos e Metodologia do Ensino de História

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As condições materiais necessárias estão sendo forjadas, de um lado pelo clamor dos professores e do “chão da escola”, sintetizados nas reivindicações sindicais dos trabalhadores em educação do Brasil afora, representadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE. Por outro lado, pelo clamor da sociedade por uma educação de qualidade, contraposta pelas resistências dos que gover-nam, decidem e fazem a gestão dos recursos, que ainda estão aquém dos necessários para implementar as condições necessárias.

Para que seja possível uma formação continuada de qualidade, faz-se necessária a implementação de algumas condições materiais míni mas: de um piso salarial digno que permita aos professores uma jornada de trabalho equilibrada; da hora-atividade de, no mínimo, um terço, como previsto em legislação federal e ainda não efetivada devi-do a resistências de governantes e sub judice; de programas de forma-ção continuada nos sistemas de ensino em parceria com universidades que lhes deem suporte; e licenças periódicas para estudos. A título de ilustração, na Finlândia, país com o melhor índice de aproveitamento escolar nos últimos anos, os professores trabalham quatro anos e no quinto ano licenciam-se para estudar. Essas licenças são custeadas pelo sistema previdenciário, em uma espécie de adiantamento fragmentado da aposentadoria que, além de oxigenar o processo pedagógico, possi-bilita prolongar a vida produtiva do professor.

Da teoria para a práticaO estudante, o professor e o profissional de educação, que tiverem

interesse em aprofundar seus estudos sobre o ensino de história, podem acessar vários laboratórios, revistas e livros específicos que apresentam artigos, resultados de pesquisas e atividades que podem ser consultados como suporte.

UFPR – Universidade Federal do Paraná – Laboratório de Pes- ●quisa em Educação Histórica: <http://www.lapeduh.ufpr.br/>.

UEL – Universidade Estadual de Londrina: <http://www.uel. ●br/laboratorios/labhis/>.

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais: <http:// ●www.labepeh.com.br/>.

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Educar em Revista – Dossiê: educação histórica ● , da Universi-dade Federal do Paraná: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/educar/issue/view/251>.

Livro ● Didática e prática de ensino de história, de Selva Guimarães Fonseca (2005): <http://books.google.com.br/books>. Para acessar, basta digitar o título do livro.

Livro ● O saber histórico na sala de aula, de Circe Bittencourt (2006): <http://books.google.com.br/books>.

Teses e dissertações sobre o ensino de história: <http://www. ●dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp>. Entrar com os diretórios ou palavras-chave “ensino de história”, “educação histórica” ou “didática da história”.

Além do aprofundamento dos estudos, na vida prática, cabe ao professor integrar-se nos movimentos que buscam melhorar as condi-ções materiais da ação educativa.

SínteseEste capítulo procurou destacar os desafios do ensino de história e

da formação dos professores na sociedade do conhecimento. O ensino de história vem se firmando como uma ciência específica, desenvol-vendo, por meio de pesquisas, formas de ensinar alicerçadas na própria natureza da história.

A formação inicial e continuada dos professores de história exige atualização constante, apropriação dos meios de produção do conheci-mento histórico escolar e a incorporação da investigação contínua de elementos de sua prática. Esses elementos vão desde as ideias históricas dos alunos, passando pela relação que estabelecem com o saber histó-rico por meio das narrativas do professor, contidas nos manuais didá-ticos e na mídia, à elaboração e comunicação do que aprenderam por meio da produção de narrativas e outras formas de semiose.

A formação continuada exige, ainda, condições materiais mínimas que envolvem salário digno, jornada de trabalho equilibrada, progra-mas de formação continuada dos sistemas de ensino e licenças periódi-cas para aprofundamento dos estudos.

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Neste capítulo pretende-se fazer uma análise da abordagem que os PCN do Brasil fazem dos objetivos do ensino de história, com contrapontos de pesquisadores como Schmidt e Fonseca, e de outros documentos como o Currículo Nacional de História de Portugal e as Dire trizes Municipais de Ensino de História de Araucária. Com isso, que-remos definir um objetivo fundamental: a contribuição do ensino de história para a construção da consciência histórica de crianças, jovens e adultos e como dotá-los de ferramentas de análise do passado e orien-tação no presente, na perspectiva de uma literacia histórica.

Para desenvolver essa análise, faremos o seguinte movimento: os objetivos do ensino de história nos PCN, uma análise desses objetivos à luz de pesquisadores e de pesquisas no campo do ensino de história e o que essas pesquisas propõem de avanços aos PCN.

Os objetivos do ensino de história nos PCNOs PCN (BRASIL, 1998, p. 33) estabelecem os seguintes objeti-

vos gerais para o ensino de história no Ensino Fundamental:identificar o próprio grupo de convívio e as relações que •estabelecem com outros tempos e espaços;organizar alguns repertórios histórico-culturais que lhes •permitam localizar acontecimentos numa multiplicidade de tempo, de modo a formular explicações para algumas questões do presente e do passado;conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos •sociais, em diversos tempos e espaços, em suas manifesta-ções culturais, econômicas, políticas e sociais, reconhecen-do semelhanças e diferenças entre eles;

Objetivos do ensino de história 2

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reconhecer mudanças e permanências nas vivências • humanas, presentes na sua realidade e em outras comuni-dades, próximas ou distantes no tempo e no espaço;questionar sua realidade, identificando alguns de seus •problemas e refletindo sobre algumas de suas possíveis soluções, reconhecendo formas de atuação política insti-tucionais e organizações coletivas da sociedade civil;utilizar métodos de pesquisa e de produção de textos de •conteúdo histórico, aprendendo a ler diferentes registros escritos, iconográficos, sonoros;valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversi dade, •reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e como um elemento de fortalecimento da democracia.

Além desses objetivos gerais, os PCN estabelecem objetivos especí-ficos para cada um dos ciclos do Ensino Fundamental.

Organizados a partir de verbos, característicos da taxionomia de Bloom, esses objetivos acompanham a vertente de fundamentação psicológica dos PCN, destacando-se as contribuições da psicologia do desenvolvimento de Piaget, da teoria da atividade de Vigotsky, Luria e Leontiev, da psicologia da cultura e da teoria da aprendizagem verbal significativa de Ausubel. Incorporando esses pressupostos, os PCN utilizam, ainda, as referências da psicologia construtivista, que estavam em voga na última década do século XX (SCHMIDT, 2009).

A recorrência aos pressupostos da psicologia construtivista é com-preensível quando analisada como parte das necessidades da escola em responder aos indicadores de fracasso escolar. Indicadores esses que evidenciavam os problemas que o ensino enfrentava ao não conseguir acompanhar os reflexos das mudanças sociais provocadas pelos avanços tecnológicos (foi a década da popularização do celular e do acesso à in-ternet) e pela busca de novos pontos de equilíbrio entre os relativismos e fundamentalismos, que se confrontaram no final do século passado.

Esses confrontos eram expressos pelas crises em diversos setores. Pa ra exemplificar: na economia entre a intervenção do estado (estado máxi-mo) e a privatização (estado mínimo); na educação pelos embates em torno das reformulações curriculares; na axiologia pela crise dos valores éticos na família, na política, na religião e na sociedade, em que “o ho-mem moderno não é mais o homem que sofre a ruptura entre o passado e o presente, o antes e o depois, mas o homem que carrega em si a rup-tura como o objeto mesmo de sua vontade” (FONSECA, 2005, p. 29),

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Capítulo 2

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ou seja, o homem que vive a mudança. Essas mudanças e a necessidade de reorientação diante delas, por si só, impõem a adoção de novos obje-tivos para o ensino de história.

O Currículo Nacional de História de Portugal (PORTUGAL, 2001, p. 87) propõe objetivos fundamentados em pesquisas sobre cognição histórica situada, ou seja, pesquisas alicerçadas na natureza da ciência histórica, acerca das ideias sobre história de crianças e jovens e como se relacionam com elas; sobre a relação entre as ideias históricas, sua complexidade e a idade de crianças e jovens; sobre a relação que crianças e jovens estabelecem com as múltiplas narrativas históricas e como pro-duzem narrativas e comunicam o que aprenderam.

Os objetivos do currículo português são de natureza palpável, ou seja, visam incorporar a história ao pensamento e à prática cotidiana, e resumem-se nos seguintes:

estabelecer referenciais históricos fundamentais que possibili-•tem a tomada de consciência social das crianças e dos jovens;estimular a construção do saber histórico por meio da • expressão de “ideias históricas” em sua linguagem, desde os primeiros anos de escolaridade;construir um pensamento histórico progressivo e gradual •contextualizado e relacionado com as experiências vividas (PORTUGAL, 2001, p. 87).

As Diretrizes Municipais de Ensino de História de Arau ­cária propõem que “a finali-dade do ensino de história é ensinar o aluno a pensar his-toricamente para a formação da consciência histórica”. Para que essa tarefa seja possível, entende que o ensino de his-tória deve considerar “o aluno como sujeito da própria histó-ria”, e encaminhar o ensino a partir “daquilo que é significa- tivo para sua vida em socie-dade”, e levar em consideração

Circe Bittencourt (2008) analisou diversas propostas curriculares do final do século XX

e apontou características comuns:

implementação dos currículos legitimada junto aos professores;

professor com autonomia pedagógica;

pressupostos teóricos e metodológicos do conhecimento histórico;

fundamentação construtivista: aluno sujeito do processo de aprendizagem;

aluno possui conhecimentos históricos prévios;

ensino de história nos anos iniciais.

Saiba mais

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“o que ele pensa, sabe e se preocupa, bem como a sua participação na realidade social” (ARAUCÁRIA, 2004, p. 76).

Essas diretrizes foram elaboradas por professores em fase inicial de um processo de pesquisas sobre elementos de sua prática, mais especi-ficamente sobre as ideias históricas prévias das crianças e jovens com que trabalham. As pesquisas já influenciaram a formulação do objetivo de levar o aluno a pensar historicamente e contribuir para o aprimora-mento de sua consciência histórica.

A educação histórica como objetivo do ensino de história

As pesquisas em educação histórica apontam como objetivo fun-damental do ensino de história a contribuição com a criança, o jovem e o adulto no aprimoramento de sua consciência histórica. E o que se entende por consciência histórica?

O pesquisador alemão Jorn Rüsen (1992a, p. 28-29) explica a apren-dizagem da história como sendo um processo de mudança estrutural na consciência histórica, que opera como um modo específico de orientação em situações reais da vida presente. Essa orientação só é possível median-te a compreensão das experiências passadas, mas não significa permane-cer no passado. A compreensão do passado deve “iluminar” a realidade e os movimentos de mudança do presente. Os movimentos e mudanças do presente também sofrem as influências das expectativas de futuro, que por sua vez são balizadas e sinalizadas pelas mudanças e permanências da vida prática diária, dotando o presente de uma marca e matriz temporal.

O historiador alemão afirma, ainda, que é possível observar a mu-dança estrutural da consciência histórica. De que forma? Observando o desenvolvimento de suas competências narrativas: as competências da experiência, de interpretação e de orientação (RÜSEN, 1992a, p. 30). E como podemos conhecer as competências narrativas de uma pessoa, de uma criança, de um jovem?

A competência narrativa da experiência se manifesta pela habili-dade com que a pessoa resgata a qualidade e a importância das experiên-cias vividas no passado e as diferencia do presente. Uma pessoa é tanto mais experiente quanto mais apurada for a sua sensibilidade histórica.

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A competência narrativa de interpretação se manifesta pela habi-lidade que uma pessoa desenvolveu em diferenciar os tempos: passado, presente e futuro, suas dimensões e mudanças, sem perder a perspectiva de totalidade da temporalidade. É a habilidade que uma pessoa tem de ver e perceber as mudanças e as permanências.

A competência narrativa da orientação se manifesta pela habi-lidade em utilizar o conteúdo da experiência e da interpretação para guiar as ações na vida presente, articulando a identidade humana com o conhecimento histórico em uma realidade de mudança temporal.

A formação da consciência histórica não está dissociada da necessi-dade de uma literacia histórica. O que é a literacia histórica? A partir dos estudos de Rüsen sobre consciência histórica, o pesquisador inglês Peter Lee (2006), fundamentado em pesquisas com crianças e jovens sobre suas ideias históricas e sobre como se orientam no tempo, consta-tou a necessidade de instrumentalizá-los para orientarem-se no tempo. Nesse sentido, propõe equipar os estudantes com dois tipos de ferra-mentas: “uma compreensão da disciplina de história e uma estrutura utilizável do passado” (2006, p. 145).

A compreensão da disciplina de história passa por uma compreen-são de como a história é construída a partir das evidências do passado, e essa construção é feita sempre distanciada do passado. A história não é o passado, mas a sua reconstrução a partir das evidências, balizada pelas compreensões possíveis e pelos interesses do momento da reconstrução. Para ilustrar essa compreensão vejamos o que escreve Lee:

Em 1920 não podíamos [...] dizer “O Tratado de Versalhes lan-çou as sementes para regras nazistas na Alemanha”, enquanto que em 1940 tal descrição era ao menos uma das possíveis. A in-vasão do Iraque não pode agora ser descrita como uma abertura de um longo período de estabilidade no meio-leste ( Oriente Médio) ou o início do declínio do poder mundial dos EUA, mas ambas poderão ser uma descrição válida daqui a cem anos. A gama de descrições válidas aplicáveis ao passado muda com a ocorrência de novos eventos e processos. As considerações histó-ricas são construções, não cópias do passado (2006, p. 140).

Alcançar a literacia histórica caracteriza-se, ainda, pela superação das ideias históricas fragmentadas e eventificadas do passado, restri-tas ao relato de poucos eventos – geralmente anacrônicos – e mui-to comum em crianças, jovens e adultos, processo que Lee denomina

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de “ontologia restrita ou limitada” (2006), bem como a dificuldade que crianças, jovens e adultos têm de compreender as mudanças que ocorre ram no passado e estão em processo no presente.

Para essa superação, Lee propõe instrumentalizar os estudantes com uma estrutura utilizável do passado. Essa estrutura é assim descrita por ele:

Uma estrutura permitirá aos alunos elaborá-la e diferenciá-la no encontro com novas passagens da história, consolidando sua coerência interna, fazendo conexões mais complexas entre os temas e subdividindo e recombinando temas para propó-sitos diferentes. [...] deve ser uma estrutura aberta, capaz de ser modificada, testada, aperfeiçoada e mesmo abandonada, em favor de algo mais, de forma que os alunos sejam encorajados a pensar e refletir sobre as suposições que fazem ao testar e desenvolver sua estrutura. Diferentes alunos sairão da escola com diferentes estruturas (2006, p. 147).

As pesquisas em educação histórica buscam contribuir para o desenvolvimento desses instrumentos de leitura do passado e orienta-ção no presente. Nesse sentido, Barca, na esteira da proposta de Lee, propõe que um dos componentes da literacia histórica seja o desenvol-vimento da competência de “leitura contextualizada do passado a par-tir de evidências fornecidas por variadíssimas fontes” (2006, p. 95).

Além de contribuir para a compreensão de que o passado não é estático e não está dado como certo, por ser constantemente suplan-tado por novas descobertas e releituras com enfoques diferentes, Barca também aponta para a necessidade de compreender que não é possível “aceitar apenas ‘uma grande narrativa’ acerca do passado, já que historia-dores podem produzir narrativas divergentes, fruto de perspectivas dife-renciadas sobre as mesmas fontes ou situações” (2006, p. 95). Trata-se do desenvolvimento de um olhar multiperspectivado do passado.

No sentido prático, os estudos de Lee e Barca apontam para a necessidade de que o ensino de história contribua com o aprimoramen-to da consciência histórica e o desenvolvimento da literacia histórica de crianças, jovens e adultos. Para tanto, é fundamental a utilização de diversos tipos de fontes históricas e diferentes narrativas históricas para proporcionar um estudo multiperspectivado, bem como desenvolver uma identidade que transite entre o local, o nacional e o global, entre o familiar, o social e o cultural, e entre o passado, o presente e o futuro.

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Capítulo 2

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Os tipos de fontes históricas vão desde documentos em estado de arquivo familiar, passam pelos documentos em arquivos oficiais ou expostos em museus, ao patrimônio material e imaterial das diversas culturas, respeitados os critérios específicos da história para o tratamen-to e a seleção das fontes como evidências históricas do passado.

As diferentes narrativas englobam desde a narrativa do professor, passam pelas narrativas dos manuais didáticos e paradidáticos, pelas narrativas da linguagem fílmica e dos documentários veiculados pelos meios de comunicação e informação, pelas narrativas em forma de memórias relatadas pelos mais velhos às protonarrativas. Ainda, en-globam as narrativas expressadas e construídas pelas próprias crianças, jovens e adultos, quando colocados em contato direto com as fontes, na comunicação do aprendizado.

Tanto as fontes quanto as narrativas históricas serão objetos de análise dos capítulos 7 e 8, quando serão aprofundados elementos da metodologia do ensino de história.

Da teoria para a práticaNa elaboração dos planejamentos anuais, bimestrais, de unida-

de e de aula de história, o professor pode incluir objetivos na pers-pectiva da contribuição para a formação da consciência histórica de seus alunos. Esses objetivos devem auxiliar os alunos a conhecerem e compreenderem o seu passado, de sua família e comunidade, contri-buindo para que possam orientar-se no presente, balizados por suas expectativas de futuro.

No desenvolvimento das aulas de história, cabe ao professor incluir atividades que instrumentalizem os alunos na leitura sobre o passado, apresentando fontes e narrativas diversas sobre o passado a ser estuda-do, para que o estudante amplie sua compreensão sobre a forma como o passado é reconstruído, bem como que se permita ao aluno que, a partir de diversas fontes, construa a sua narrativa sobre o passado em questão. Essas atividades permitem aos alunos que desenvolvam uma literacia histórica.

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SínteseNeste capítulo foi possível constatar que os objetivos do ensino

de história dos PCN são de fundamentação psicológica, de recorrên-cia construtivista. O Currículo Nacional de História de Portugal e as Diretrizes Municipais de Ensino de História de Araucária apontam para objetivos fundamentados na natureza da história, convergindo com as pesquisas em educação histórica, que apontam para a contribuição com o aprimoramento da consciência histórica como objetivo fundamental do ensino de história.

A consciência histórica é compreendida como um modo específico de compreensão do passado e de orientação em situações reais da vida presente, balizada e sinalizada pelas expectativas de futuro. A consciên-cia histórica sofre mudanças estruturais a partir dos conhecimentos e manifesta-se por meio das competências narrativas das experiências vi-vidas, de interpretação dessas experiências e da utilização dessa inter-pretação na orientação da vida presente.

A formação da consciência histórica está associada à necessi dade de uma literacia histórica, ou seja, do desenvolvimento da compe-tência de leitura contextualizada do passado a partir de evidências fornecidas por diversas fontes, do desenvolvimento de um olhar pers-pectivado sobre o passado, da não aceitação de apenas uma narrativa acerca do passado e da apropriação de uma estrutura flexível, adaptá-vel e utilizável do passado.

O desenvolvimento da literacia histórica e a formação da cons-ciência histórica estão vinculados ao trabalho com fontes históricas e narrativas diversificadas, que permitam o crescimento de um olhar multiperspectivado sobre o passado e o desenvolvimento de uma iden-tidade histórica.

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Neste capítulo buscaremos compreender as crianças, jovens e adultos como categorias históricas e sociológicas, desenvolvidas para compreender o ser humano nas diversas fases de desenvolvimento físico, psicológico e sociológico, bem como em seu processo de escola-rização, mais especificamente na sua relação com a escola como lugar privilegiado de experiência de relação com o saber.

Pretende-se aprofundar essa relação que os atores do processo de ensino estabelecem com o saber na escola, relação entendida como ex-periência humana, a partir das concepções de criança, jovem e adulto expressas nos PCN, no Currículo Nacional de História de Portugal e nas Diretrizes Municipais de Ensino de História de Araucária, confrontadas com estudos da filosofia da história e estudos da sociologia da educação.

Concepções de criança, jovem e adultoCriança e infância, jovem e adulto são categorias sociais construí das

historicamente para designar uma fase da vida das pessoas, hoje consoli-dadas nas legislações de vários países e declarações de organismos inter-nacionais ligados à Organização das Nações Unidas – ONU. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente define a infância como sendo o período que vai do nascimento aos 12 anos e a adolescência dos 12 anos à maioridade, atingida legalmente aos 18 anos (BRASIL, 1990).

No período do Renascimento começam a surgir diferenciações entre a infância e as outras fases da vida. A criança deixou de ser vista como um adulto em “miniatura” ou um ser sem conhecimento para ser educada de acordo com as vontades do adulto. A juventude também é uma construção

Crianças, jovens e adultos e a experiência de relação com o saber na escola

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social e historicamente situada, mas não teve um percurso de evolução linear, sendo vista de forma particular e diferenciada nas diversas sociedades e nos diversos contextos históricos (SCHMIDT, 2002, p. 10-11).

Os PCN do Brasil não se constituem fonte para compreender o que se entende por criança, jovem ou adulto em sua relação com o saber na escola. As questões: quem é essa criança; quem é esse jovem; quem é esse adulto; e que tipo de relação estabelecem com o saber na escola, não encon-tram referência nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998).

No livro introdutório, os PCN referem-se aos alunos em uma pers-pectiva psicológica, como alguém que deve ter uma motivação intrínseca e ser motivado para a aprendizagem, contraponto aos que estudam “apenas para passar de ano ou para tirar notas” (BRASIL, 1998, p. 64-65), que pode ser expressão de uma constatação superficial e aligeirada da realidade.

Outra perspectiva, também de vertente psicológica, refere-se aos alu-nos com uma autoimagem problematizada pelas relações com professores e colegas, que se reflete em repetências crônicas, fracasso escolar e evasão.

O aluno com um autoconceito negativo, que se considera fra-cassado na escola, ou admite que a culpa é sua e se convence de que é um incapaz, ou vai buscar ao seu redor outros cul-pados: o professor é chato, as lições não servem para nada. Acaba por desenvolver comportamentos problemáticos e de indisciplina (BRASIL, 1998, Introdução, p. 65-66).

Quanto à relação com o saber, os PCN consideram o aluno em seus “níveis de organização do pensamento como os conhecimentos e experiências prévias” (BRASIL, 1998, Introdução, p. 38) e pela sua relação com os demais agentes do processo educativo, fundamentados na teoria interacionista de realidade real e proximal de Vigotski.

Para a estruturação da intervenção educativa é fundamental distinguir o nível de desenvolvimento real do potencial. O ní-vel de desenvolvimento real se determina como aquilo que o aluno pode fazer sozinho em uma situação determinada, sem ajuda de ninguém. O nível de desenvolvimento potencial é de-terminado pelo que o aluno pode fazer ou aprender mediante a interação com outras pessoas, conforme as observa, imitando, trocando ideias com elas, ouvindo suas explicações, sendo de-safiado por elas ou contrapondo-se a elas, sejam essas pessoas o professor ou seus colegas. Existe uma zona de desenvolvimento próximo, dada pela diferença existente entre o que um aluno

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Capítulo 3

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pode fazer sozinho e o que pode fazer ou aprender com a ajuda dos outros. De acordo com essa concepção, falar dos mecanis-mos de intervenção educativa equivale a falar dos mecanismos interativos pelos quais professores e colegas conseguem ajustar sua ajuda aos processos de construção de significados realizados pelos alunos no decorrer das atividades escolares de ensino e aprendizagem (BRASIL, 1998, Introdução, p. 38).

O Currículo Nacional de História de Portugal, em seus pressupostos, refere-se ao aluno como sujeito ativo que deve ser auxiliado pela escola no processo de desenvolvimento de sua relação com o saber histórico:

[...] a partir das vivências dentro e fora da escola: o meio fa-miliar e os media fornecem aos alunos ideias mais ou menos adequadas, mais ou menos fragmentadas, sobre a história. Compete à escola explorar estas ideias tácitas e ajudar o aluno a desenvolvê-las numa perspectiva de conhecimento histórico (PORTUGAL, 2001, p. 87).

Outro pressuposto do currículo português refere-se à compreen-são de que a aprendizagem ocorre em uma progressão nem linear nem invariante, fundamentada na teoria dos constructos. Assim, pode ha-ver graus de elaboração mental da aprendizagem diferenciados em crianças e jovens de uma mesma faixa etária e graus de elaboração mental da aprendizagem similares em crianças e jovens de faixas etá-rias diversas:

Não existe uma progressão linear e invariante da aprendiza-gem: embora o pensamento histórico tenda a evoluir com a idade, há crianças de 7 anos que, em contextos específicos, manifestam um grau de elaboração mental semelhante às de 14 anos, e vice-versa (PORTUGAL, 2001, p. 87).

Essa compreensão de que os estágios de desenvolvimento não são estanques, mas que pode haver uma variação dos níveis e manifestações de aprendizagem dentro da mesma faixa etária ou similares em faixas etárias diversas, supera a visão estagnada da psicologia do desenvol-vimento, é fruto de pesquisas sobre as ideias históricas de crianças e jovens e será aprofundada ao se tratar das narrativas, especialmente de sua produção pelos alunos, no capítulo 7.

As Diretrizes Municipais de Ensino de História de Araucária par-tem do pressuposto de que, para o ensino de história, o aluno deve ser entendido “como sujeito da própria história, partindo daquilo que é

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significativo para sua vida em sociedade, levando-se em consideração o que ele pensa, sabe e se preocupa, bem como a sua participação na realidade social” (ARAUCÁRIA, 2004, p. 78).

As concepções de criança, jovem e adulto no processo ensi-no-aprendizagem dos documentos oficiais citados transitam entre uma visão depreciativa de sujeitado a uma visão, até certo ponto, romantiza-da de “sujeito da própria história”. Qual seria então a concepção mais aproximada do real possível? Não é pretensão responder a esta questão, mas é necessário apresentar algumas pistas de reflexão sobre essa crian-ça, esse jovem e esse adulto e suas experiências de relação com o saber na escola e com o processo ensino-aprendizagem.

Crianças, jovens e adultos como sujeitos de experiências humanas no tempo

Para fundamentar a compreensão dessa criança, desse jovem e desse adulto, estudante ou aluno, recorre-se aos estudos da filosofia da história e da sociologia da educação. Mais especificamente de Thompson (1981) com a categoria histórica da experiência humana no tempo, de Dubet (1994) com a categoria da experiência de escolarização, de Dubet e Martuccelli (1997) com a categoria da experiência da ação e de Charlot (2000) com a categoria da experiência de relação com o saber.

Thompson (1981) nos auxilia a compreender a criança, o jovem e o adulto como pessoas que vivenciam experiências cotidianas, em suas famí-lias, na rua, no bairro, no trabalho, na escola, na igreja, na internet e nos mais diversos grupos sociais de que participam. Ele define a experiência como sendo humana, em que homens e mulheres são sujeitos que:

[...] experimentam suas situações e relações produtivas deter-minadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa experiência em sua consciência e sua cultura [...] das mais complexas maneiras [...] e em segui-da [...] agem, por sua vez, sobre a sua situação determinada (THOMPSON, 1981, p. 182).

Todas as experiências são “tratadas”, elaboradas, na consciência e na cultura. Portanto, a experiência das crianças, jovens e adultos na es-cola também é elaborada em sua consciência, seja essa experiência boa, ruim, de sucesso, de fracasso, individual ou grupal, de aceitação ou de

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Capítulo 3

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rejeição, prazerosa ou sofrida. Thompson também nos ensina que essa experiência é singular ou de grupo. Quando de grupo, é singular dentro do grupo e deve ser tomada dentro de seus limites, diferenciados para cada pessoa (1981, p. 16).

Sobre a elaboração da experiência na consciência, Thompson afir-ma que ela surge espontaneamente nas relações sociais de homens e mulheres, no caso, na experiência escolar de crianças, jovens e adultos, mas não sem a intencionalidade deles, que reflete sobre o que acontece a eles e ao seu mundo, ou seja, é racionalizada por eles.

Essa reflexão das crianças, jovens e adultos sobre a sua realidade, e notadamente sobre a realidade escolar, provoca mudanças que origi-nam a experiência modificada, que é determinante, pois exerce pressões sobre a consciência social existente e sobre suas relações sociais, propõe novas questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais elaborados. No caso, os exercícios intelectuais mais racionalizados sobre o ensino, a escola e a educação que exercem pressão sobre a família, a comunidade escolar, o bairro e a sociedade como um todo (THOMPSON, 1981, p. 16).

Os estudos de Thompson, ao considerarem a “experiência hu-mana”, gerada na “vida material”, contribuem para avançar no en-tendimento de que há uma relação dinâmica entre o “ser social” e a “ consciência social”, superando a visão da determinação unilateral da estrutura sobre o sujeito. Para exemplificar essa relação dinâmica entre sujeito e estrutura, ele recorre à relação entre o sujeito e sua cultura e aos valores culturais em que está inserido (1981, p. 189). Esse conceito nos permite inferir que crianças, jovens e adultos, em sua relação com a escola, não são nem sujeitos totalmente passivos, nem totalmente ati-vos. Estabelecem uma relação histórica, situada, cultural e dinâmica com a escola, por vezes como sujeitos, outras como sujeitados.

A escola como lugar privilegiado de experiência de crianças, jovens e adultos com o conhecimento

A categoria da experiência de Thompson – quando relacionada aos estudos de Dubet (1994) sobre a sociologia da experiência, e aos estu-dos de Dubet e Martuccelli (1997) sobre a sociologia da experiência

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escolar – auxilia a compreender a escola como lugar privilegiado de ex-periência de crianças, jovens e adultos com o conhecimento.

Desenvolvendo estudos em comunidades de jovens, de trabalha-dores e em escolas, com o auxílio de categorias da antropologia e da his-tória, Dubet (1994) constatou uma heterogeneidade de manifestações de princípios e de fenômenos culturais, que formam uma unidade na diversidade. Isso porque a experiência humana se constitui nas relações com as outras pessoas por meio do trabalho, do estudo, do lazer, da convivência familiar, das relações com a natureza e o meio.

Essa experiência, para Dubet (1994), é complexa, individual e coletiva, e ocorre dentro das relações sociais de produção material e imaterial, que se manifestam simbolicamente na consciência e se ex-pressam a partir de fenômenos culturais. Fenômenos esses em que o sujeito estabelece uma separação entre ele e o sistema social, construin-do historicamente um conjunto de imagens, linguagens, significados, símbolos e elementos à luz da cultura da sociedade e do tempo em que vive. Assim, a experiência constitui-se na construção, por meio de ope-rações cognitivas, de códigos de conduta social próprios, que ele chama de lógicas de ação.

Em relação aos alunos, um exemplo de lógica de ação é a manei-ra com que eles lidam com a realização das atividades escolares, tanto em sala de aula, quanto àquelas direcionadas para serem realizadas em casa. O professor, ao acompanhar sistematicamente esse processo, logo identifica a lógica de ação que seus alunos desenvolvem no campo da execução dessas tarefas. E mais, adaptam sua lógica de ação às lógicas de ação dos colegas – recorrendo-lhes nas dificuldades – e às do profes-sor, percebendo rapidamente seu modus operandi no encaminhamento, no acompanhamento e na valoração das atividades propostas.

Segundo Dubet (1994), a criança, o jovem e o adulto realizam essa experiência de construção de códigos de conduta social em uma relação com a cultura, pois dela eles incorporam – pela consciência – uma série de códigos, símbolos, palavras e ideias para identificar objetos e sentir emoções que nela preexistem. Essa é a porta de entrada do autor para estudar a experiência escolar, já que aqueles elementos que a cultura disponibiliza dentro da escola constituem-se na cultura escolarizada e permitem a experiência escolar.

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E a escola? Como Dubet entende a escola?

Para Dubet (1994), a escola não é mais uma instituição com uma função social definida de educar, selecionar e socializar, como constata-do pela sociologia funcionalista. Tampouco é uma instituição ajustada para reproduzir as expectativas da sociedade como compreendia a socio-logia da reprodução social. A massificação da escolarização desajustou a escola, relativizou o seu valor. Trata-se da sucumbência do modelo de organização da escola com a função de institucionalizar valores, pois a educação escolar não é apenas um espaço de reprodução, mas também de produção, apontando para os atores da escola como construtores de sua própria experiência (p. 170-181).

Dubet e Martuccelli (1997) questionam o que a escola fabrica (produz) e constatam que esta se parece cada vez mais com um mer-cado do que com uma instituição, em que há uma competição entre os diversos atores, os quais, por meio de diversas estratégias, estão em busca de qualificações cada vez mais raras, submetendo a importân-cia social das filosofias e valores educativos às expectativas e promes-sas advindas do êxito escolar. Quanto ao “produto” da escola, ela não fabrica mais, de forma harmônica, atores e sujeitos que desempenham papéis preestabelecidos e predefinidos na sociedade. Os papéis a serem desempenhados – e a própria noção de papel – passam a ser redefini-dos, construídos a partir da experiência, pois os estudantes buscam uma formação que os capacite a programar e conduzir suas experiên-cias de aprendizado, não mais se submetendo à aprendizagem de pa-péis definidos e sucessivos (p. 13-14).

É possível cruzar essa visão dos sociólogos franceses com a concep-ção de literacia histórica de Lee que, ao propor dotar os alunos de uma estrutura utilizável do passado, conclui que “diferentes alunos sairão da escola com diferentes estruturas” (2006, p. 147), pois a experiência de escolarização é singular, mesmo que em grupo.

Dubet e Martuccelli (1997) constatam que a escola era considera-da como uma instituição que transformava valores coletivos em perso-nalidades individuais, a socialização podia ser essencialmente concebi-da como um processo de interiorização de normas e valores. Assim foi considerada pela sociologia clássica, que postulava a identidade do ator e do sistema. Se, no entanto, se admite que a integração das diversas

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“funções” da escola já não serve, o processo de socialização, especial-mente em sua dimensão de subjetivação, deve ser estudado na ativi-dade dos atores que constroem sua experiência escolar e enquanto são formados por ela.

Essa capacidade que os estudantes possuem de elaborar sua expe-riência faz com que as crianças, os jovens e os adultos se socializem para além de uma inculcação cultural, para além de uma visão e de uma experiência única do mundo social, mas sim diversa, sem uma regulação dos papéis e das expectativas escolares. Isso força a transformação do espaço e do tempo escolar em um lugar onde as experiências são construídas ao vivo pelos atores presentes (DUBET; MARTUCCELLI, 1997, p. 63).

É a manifestação e a vazão da vertente subjetiva do sistema escolar, ou seja, a constatação de que os estudantes combinam e articulam as ló-gicas da integração da cultura escolar, as lógicas e estratégias do merca-do e o manejo subjetivo dos conhecimentos e das culturas que portam a cultura escolar e o mercado. A educação passa da inculcação da escola regulada a um processo de autoeducação, em que os atores trabalham sobre si mesmos, se socializam por meio das diversas aprendizagens e se constituem como sujeitos em sua capacidade de administrar suas experiências (DUBET; MARTUCCELLI, 1997, p. 14).

Conforme Dubet e Martuccelli, por esse trabalho sobre si mesmo, a criança, o jovem e o adulto não são somente atores sociais, mas são também sujeitos: a formação desses sujeitos participa plenamente de sua socialização, o que refuta a concepção da socialização como uma clonagem (1997, p. 62-63).

O processo de formação subjetiva não se realiza somente na escola, na relação pedagógica com professores e colegas, mas ocorre de forma mais ampla, envolvendo uma multiplicidade de relações e de esferas de ação. Os alunos são, ao mesmo tempo, alunos e crianças, alunos e ado-lescentes, alunos e jovens. Aprendem a crescer em todas essas dimensões de sua experiência. Esse aprendizado não se restringe somente ao am-biente escolar, amplia-se para além da escola, em que os alunos admi-nistram as amizades e os amores infantis e juvenis, os entusiasmos e as tristezas, os fracassos e os êxitos, a vida real e virtual, que são dimensões de uma mesma experiência que se transforma e que tem participação na

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formação dos indivíduos, assim como as aprendizagens escolares que são apenas parte dessa experiência. Essa formação em etapas tem modula-ções diversas, segundo a posição no sistema e segundo diversas situações sociais dos atores escolares (DUBET; MARTUCCELLI, 1997, p. 14).

Para compreender o que “fabrica” e produz a escola, é necessário compreender como se constrói a subjetividade de indivíduos, como se dá esse trabalho de construção da subjetividade na experiência. Essa compreensão deve ser o mais objetiva possível para que a escola possa ampliar o entendimento sobre a subjetividade que hoje escapa de seu controle, ainda que “fabricada” em seu seio. Dubet e Martuccelli (1997, p. 14-15) chamam a atenção para um fenômeno que vem ocorrendo na construção da subjetividade dos alunos. Se antes a escola tinha certo controle e regulava essa construção, fazendo-a surgir naturalmente no processo de clonagem educativa, hoje, com a influência dos diversos públicos escolares e das diversas subjetividades presentes na escola, esta já não tem mais o domínio sobre a construção das subjetividades dos alunos, ficando cada vez mais perceptível que eles se constroem ao largo e contra a escola.

Assim como a família teve sua importância diminuída na formação das subjetividades de crianças, jovens e adultos com o advento da univer-salização da escolarização e da televisão, escola e família veem diminuir ainda mais a sua importância com o advento do mundo virtual na forma-ção das subjetividades. Isso aumenta a importância das disciplinas, como história, em atualizarem seus objetivos e contribuírem com a instrumen-talização para orientação de crianças, jovens e adultos na vida presente.

Experiência antropológica de relação com o saberAté aqui fica evidente que a experiência humana pode ser enten-

dida como processo em que homens e mulheres tornam-se sujeitos em suas relações produtivas, afetivas, culturais e axiológicas. A escola pode ser definida como um lugar social, mas não o único, da experiência dos atores escolares: crianças, jovens e adultos. Essa experiência tem uma dimensão subjetiva na ação dos sujeitos no processo de socialização pela experiência vivida na escola e nos demais ambientes de experiência dos sujeitos. No entanto, como se dá essa experiência de relação com o co-nhecimento, ou seja, a experiência de relação de sujeitos com o saber?

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Nos estudos de Charlot (2000), sobre a experiência antropológi-ca de relação com o saber, é possível buscar alguns elementos para o entendimento da experiência de relação do sujeito com o conhecimen-to ou com o saber. Nesses estudos, o autor propõe o desenvolvimento da sociologia do sujeito por meio de diálogos com a sociologia da ação, filosofia, psicologia, antropologia e linguística.

Charlot (2000, p. 9) parte de questões do âmbito da experiência es-colar para investigar as relações com o saber. Parte da questão sociomidia‑tizada e ideologizada do fracasso escolar. No entanto, diferentemente dos que o antecederam em estudos sobre essa temática, não busca enten-der o fracasso escolar em si, nem busca suas causas na reprodução social das classes sociais. Seu objetivo é compreender os alunos como sujeitos em situação de fracasso. Além disso, compreender como esses sujeitos, os alunos enquanto crianças, jovens e adultos – especialmente de classes menos favorecidas que formam a maioria dos atores da escola fundamen-tal em nosso país –, se relacionam com o saber e com a escola.

O fracasso escolar é uma noção-encruzilhada que permite muitos debates: sobre o aprendizado, sobre a eficácia dos docentes, sobre o serviço público, sobre a igualdade das oportunidades sociais, sobre os modos de vida, sobre o trabalho na sociedade de amanhã e sobre as for-mas de cidadania. Não é essa a porta de entrada para investigar a ques-tão pedagógica da experiência de relação com o saber, pois seria partir da constatação ideologizada e generalizada da desigualdade social ou da ineficácia pedagógica dos docentes. A porta de entrada para entender as experiências de relação com o saber é o aluno enquanto sujeito em situação de fracasso (CHARLOT, 2000, p. 14).

Existem alunos que não conseguem acompanhar o ensino que lhes é dispensado, que não adquirem os saberes que supostamente deveriam adquirir, que não constroem certas competências, que não são orientados para a habilitação que desejariam, alunos que naufragam e reagem com condutas de retração, desordem e agressão (CHARLOT, 2000, p. 16).

O fracasso escolar não existe enquanto entidade concreta, como objeto de investigação. Um conjunto de fenômenos pode ser assim conceituado. O que é possível investigar são “alunos fracassados, situa-ções de fracasso, histórias escolares que terminam mal” (CHARLOT, 2000, p. 17), que estatística e hierarquicamente são posicionados de

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acordo com suas diferenças em relação aos alunos que têm êxito, realça-das e justificadas pelas diferenças sociais, na perspectiva de deficiências, da falta de algo.

O fracasso escolar vai muito além de diferenças estatísticas e dife-renças sociais, tem várias dimensões:

É também uma experiência que o aluno vive e interpreta e que pode constituir-se em objeto de pesquisa. [...] designa: as situa ções nas quais os alunos se encontram em um momento de sua história escolar, as atividades e condutas desses alunos, seus discursos. [...] que [...] traz a marca da diferença e da falta: ele encontra dificuldades em certas situações, ou orientações que lhe são impostas, ele constrói uma imagem desvalorizada de si ou, ao contrário, consegue acalmar esse sofrimento narcí-sico que é o fracasso (CHARLOT, 2000, p. 17-18).

Para superar as investigações sociológicas do fracasso escolar como situação social, como diferença estatística e social e como experiência dessa diferença, Charlot (2000, p. 18-23) aponta a necessidade de su-perar as seguintes questões:

A criança é sujeito na construção de sua posição social ao longo ●de sua história, que é singular. Essa posição é “objetiva” e “subje-tiva”, em que a primeira é a posição social efetivamente ocupada pelos pais e pela própria criança, e a segunda é a posição social assumida, adotada no espaço social, que pode ter lugar no pen-samento e manifestar-se no comportamento. Assim, não basta saber a posição social dos pais e dos filhos; deve-se também in-terrogar sobre o significado que eles conferem a essa posição.

A posição social dos filhos não é “herdada”, à maneira de ●um bem que passa de uma geração a outra por uma vontade testamental; a posição social é produzida por um conjunto de práticas familiares que vão desde o acompanhamento e a atenção que os pais dispensam às tarefas e atividades culturais e educacionais, ao próprio esforço e trabalho como atividade prática, dispensado pelos filhos aos estudos e às atividades cul-turais e educativas.

A posição escolar é uma posição específica, regida por regras ●específicas, e desenvolve-se em condições específicas de apro-priação de um saber.

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Assim, para analisar o fracasso escolar, é necessário levar em con-sideração:

O fato de que ele “tem alguma coisa a ver” com a posição social da família – sem por isso reduzir essa posição a um lugar em uma nomenclatura socioprofissional, nem a família a uma posição; a singularidade e a história dos indivíduos; o significado que esses sujeitos conferem à sua posição, à sua história, às situações que vivem e à sua própria singularidade; a sua atividade efetiva, suas práticas; e a especificidade dessa atividade, que se desenrola (ou não) no campo do saber (CHARLOT, 2000, p. 23).

Essa constatação de Charlot, de considerar o significado que os alunos conferem à sua posição, à sua história, às situações que vivem e à sua identidade, confluem para a necessidade constatada pelas pes-quisas de considerar o que os alunos sabem e as ideias que têm sobre os conceitos e conteúdos, de forma sistemática, no encaminhamento da intervenção pedagógica, a ser aprofundado no capítulo 4.

Desconsiderar esses pontos e, simplesmente, atribuir o fracasso es-colar à origem social e à deficiência sociocultural de crianças, jovens e adultos é, segundo Charlot, fazer uma

[...] leitura negativa da realidade social interpretada em ter-mos de faltas ou deficiências. Faz-se necessário uma inversão nesta leitura, ou seja, a análise da relação com o saber implica [...] uma leitura positiva dessa realidade: liga-se à experiência dos alunos, à sua interpretação do mundo, à sua atividade (2000, p. 29-30).

Passar da leitura negativa à leitura positiva é fundamental, pois se trata de uma “postura epistemológica e metodológica” que, ao invés de valorizar as deficiências, carências e lacunas do aluno – pensando-o como um objeto incompleto e contribuindo com o seu aniquila mento –, o trata como sujeito, por meio da valorização de sua situação, das ativida-des que desenvolve, do sentido que dá às atividades e situações de apren-dizagem e às relações com os outros (CHARLOT, 2000, p. 30).

Uma maneira metodológica de valorizar a criança, o jovem e o adul-to no processo de ensino de história, como será proposto no capítulo 7, é por meio da construção de narrativas pelos alunos, para que possam compreender e articular suas experiências passadas de forma positiva, no sentido de uma orientação presente balizada pelas expectativas de um futuro melhor.

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Para fazer essa inversão de uma leitura negativa para uma leitura positiva da situação de fracasso escolar, Charlot (2000, p. 33) propõe o desenvolvimento de uma sociologia do sujeito, pois considera o aluno um sujeito, mesmo que sujeitado, já que é uma criança, um jovem, um adulto, um ser humano em relação com outros seres humanos, também sujeitos, portadores de desejos e movidos por eles.

O aluno é um ser social, com família, posição social, relações so-ciais. É um ser singular, único entre a espécie humana, com sua própria história, sua visão de mundo, e que dá um sentido a esse mundo, à po-sição social que ocupa nele, às suas relações com os outros, à sua própria história, à sua singularidade.

Como ser humano, social e singular, e para agir no e sobre o mun-do, o aluno tem a necessidade de aprender a relacionar-se com os ob-jetos, com as pessoas e com o próprio conhecimento. Por isso, como sujeito, se produz ele mesmo, e é produzido, por meio da educação.

Charlot (2000, p. 46) aponta para a necessidade de uma sociologia do sujeito dialogar com a psicologia, não apenas com a psicologia do desenvolvimento de Piaget, desenvolvida com referência na biologia e na lógica, sem ignorar o social, mas com os estudos da psicologia interacionista. É interessante ter como princípio que toda relação de “mim comigo mesmo” passa pela minha relação com o outro, ou seja, que considera a relação do sujeito com ele mesmo, com os outros, com o social e com as contribuições e efeitos que essas relações têm na cons-trução do sujeito e do outro.

Toda relação consigo é também relação com o outro, e toda a rela-ção com o outro é também relação consigo próprio. Há aí um princípio essencial para a construção de uma sociologia do sujeito: é porque cada um leva em si o fantasma do outro e porque, inversamente, as relações sociais geram efeitos sobre os sujeitos e que é possível uma sociologia do sujeito.

Reside aí, também, um princípio fundamental para compreender a experiência escolar e para analisar a relação com o saber: a experiência es-colar é, indissociavelmente, relação consigo, relação com os outros (profes-sores e colegas) e uma relação com o saber (CHARLOT, 2000, p. 46-47).

As crianças, os jovens e os adultos são levados pelo desejo de relação com o outro e abertos para um mundo social no qual eles ocupam um lugar, uma posição, do qual são elementos ativos e só podem tornar-se

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sujeitos efetivos na relação obrigatória com o saber, pois só por meio do aprendizado da cultura poderão apropriar-se do mundo e ingressar no mundo do conhecimento (CHARLOT, 2000, p. 57-59).

A relação do sujeito com o saber é mais ampla do que aquilo que o sujeito sabe. O que existe não é apenas o saber em si ou sujeitos que sabem, e sim sujeitos que estão em relação com o saber, em uma dinâmica ativi-dade de relações consigo mesmo e com os outros, em que o conhecimento é resultado: de uma experiência pessoal com primazia da subjetividade, da apropriação de informações e saberes com primazia da objetividade e no confronto com outros sujeitos em que a primazia é da intersubjetividade. O próprio saber é relação, produto e resultado da interação de conheci-mento do mundo por um sujeito (CHARLOT, 2000, p. 61-62).

O saber implica, ainda, outras relações: é construído em uma his-tória coletiva, é validado por comunidades científicas, é produto de relações epistemológicas, é transmitido enquanto reconhecido pela so-ciedade, sendo, essencialmente, relações sociais. Dessa forma, o saber só é apropriado pelo sujeito, só se torna uma relação significativa com o saber se ele se instalar na relação com o mundo que a constituição desse saber supõe.

Essa relação significativa com o saber o sujeito transfere para ou-tras relações com o mundo. Já o sujeito que não se situa em uma relação significativa com o saber, que não se apropria das relações e formas de construção desse saber, é levado a uma apropriação descontextualizada do saber, uma relação negativa com o saber, pouco contribuindo para a sua formação, deteriorando sua relação com o mundo.

Sob esse ponto de vista, as pesquisas em educação histórica apon-tam para um ensino de história que tenha por objetivo contribuir com o aprimoramento da consciência histórica, por meio do desenvolvi-mento de uma literacia histórica.

Na perspectiva da sociologia, é compreender a dimensão epistêmi‑ca da relação do sujeito com o saber, ou seja, que ela é mais ampla do que o sujeito de saber ou daquilo que o sujeito sabe. Essa compreen são tem consequências metodológicas, teóricas e pedagógicas.

Consequências ● metodológicas porque o ponto de partida para o desenvolvimento de uma metodologia de ensino passa a ser a relação com o saber, e não o saber ou o sujeito.

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Consequências ● teóricas, pois o saber passa a ter sentido e valor para além do próprio saber, passa a ter sentido e valor como saber em relação: de produção, de apropriação e de movimentos objeti-vos e subjetivos que produz no sujeito, tanto nas relações consigo mesmo, como nas relações com o mundo e com os outros.

Consequências ● pedagógicas, já que o saber é relação, “o processo que leva a adotar uma relação de saber com o mundo é que deve ser o objeto de uma educação intelectual e, não, a acumulação de conteúdos intelectuais” (CHARLOT, 2000, p. 64).

No caso específico do ensino de história, a compreensão da dimen-são epistêmica do saber é uma das vertentes da literacia histórica: com-preender como a história foi reconstruída. Já a compreensão do saber histórico como saber em relação se expressa na concepção dos conteúdos substantivos e de segunda ordem, em que os conteúdos de segunda or-dem são específicos da relação do saber histórico com os conhecimentos específicos do processo de produção da ciência histórica, conceitos que serão aprofundados no capítulo 5.

Outra contribuição relevante de Charlot (2000, p. 72) em seus estu-dos sobre a relação do sujeito com o saber refere-se à compreensão do que se trata de uma relação de identidade com o saber, caracterizada como sendo a dimensão do aprender referenciado no sujeito, em sua história, em suas expectativas, em sua concepção de vida, em suas relações com os ou-tros, na imagem que tem de si mesmo. A dimensão da identidade confere sentido ao aprender, com reflexos na construção da imagem que o sujeito constrói de si na relação com os outros e com o saber.

Crianças, jovens e adultos aprendem para conquistar sua indepen-dência e para tornarem-se alguém. O sucesso escolar lhes traz segurança e age como um reforço narcísico. O fracasso provoca estragos na relação consigo mesmo, podendo levar à depressão, à dependência química, à violência, inclusive à violência suicida. É possível ser alguém através das diferentes figuras do aprender, mas a sociedade e a escola impõem a fi-gura do saber-objeto como passagem obrigatória para que o sujeito seja alguém. No entanto, toda relação com o saber comporta uma dimensão relacional, que é parte integrante da dimensão identitária.

Outra dimensão da relação com o saber apontada por Charlot (2000, p. 73-74) é a dimensão social. A relação com o saber se dá por meio de

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um sujeito em relação com o mundo e com os outros, um mundo es-truturado por relações sociais. A relação com o saber é social não apenas no aspecto da posição social, mas também em relação à história. Para compreender a relação de um indivíduo com o saber, deve-se levar em consideração sua origem social, a evolução do mercado de trabalho, do sistema escolar, das formas culturais e das rupturas entre as gerações. Isso implica em questões de método quanto à análise da relação com o saber que, enquanto relação social, deve ser feita através da análise das dimen-sões epistêmica e identitária e não independentemente, ocupando-se de histórias sociais e modos de apropriação do mundo, superando o estudo apenas de posições ou trajetórias sociais e o modo de acesso a elas.

A análise das dimensões epistêmicas, identitárias e sociais das rela-ções com o saber remetem à seguinte questão pedagógica: o que é uma aula interessante na sociedade do conhecimento?

Só é possível compreender o que é uma aula interessante enten-dendo as relações com o saber. Para Charlot (2000, p. 73), “uma aula ‘interessante’ é uma aula na qual se estabeleça, em uma forma especí-fica, uma relação com o mundo, uma relação consigo mesmo e uma relação com o outro”, ou seja, em que estejam imbricadas e haja um respeito às relações epistêmicas, identitárias e sociais que os sujeitos estabelecem com o saber.

Charlot define a relação com o saber, construída em relações so-ciais de saber, como

[...] o conjunto das relações que um sujeito mantém com um objeto, um “conteúdo de pensamento”, uma atividade, uma relação interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma obrigação, etc., ligados de uma certa ma-neira com o aprender e o saber; e, por isso mesmo, é também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com a ação no mundo e sobre o mundo, relação com os outros e rela-ção consigo mesmo enquanto mais ou menos capaz de apren-der tal coisa, em tal situação (CHARLOT, 2000, p. 81).

Da teoria para a práticaA sociologia da experiência desperta no professor a necessidade de

considerar a história de cada aluno como sendo singular. Mesmo que em

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Capítulo 3

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sala o professor tenha de 30 a 40 alunos, cada um tem uma história de experiências que marcaram sua vida e devem ser consideradas em sala de aula. A mudança começa pela chamada, em que é preferível que os alu-nos sejam chamados pelo seu nome, que resume a sua história.

Essa singularidade histórica também ocorre em relação à cons-trução da identidade dos alunos. Em um processo dialético subjeti-vo-objetivo, interiorizando as experiências da vida e as experiências escolares, os alunos desenvolvem suas lógicas de ação, seus submo-dos diante das situações. O professor também pode desenvolver um olhar antropológico para compreender esses modos, essas lógicas de ação de seus alunos, e contribuir para lapidá-los em um processo de diálogo e paciência.

Cada aluno desenvolve, ainda, suas lógicas de ação epistemológica, ou seja, são também singulares nas formas de relacionar-se com o saber. O professor que consegue prestar atenção a essas lógicas dos alunos potencializa seu aprendizado propondo atividades que permitam a eles expressarem-se na perspectiva de seus submodos. No caso do ensino de história, ao solicitar que elabore um texto ou uma narrativa, o mesmo pode ser em forma de crônica, diálogo, poesia, letra de rap, história em quadrinhos, desenho, oral, ou outra forma possível, pois cada aluno tem uma lógica de ação ao expressar o que aprendeu.

SínteseNeste capítulo vimos que crianças, jovens e adultos vivem experiên-

cias humanas, ou seja, processos em que se tornam sujeitos em suas relações produtivas, afetivas, culturais, axiológicas e de relação com o conhecimento. Essas experiências provocam e alimentam a reflexão, produzem mudanças conceituais e permitem relações dinâmicas entre os sujeitos e as estruturas que se manifestam pela relação com a cultura e os valores da sociedade em que estão inseridos.

As experiências humanas de crianças, jovens e adultos ocorrem nas relações sociais, dentre estas, nas escolas, ou em outros lugares educativos, lugares de experiências de relação com o saber, onde são sujeitos, não importa sua situação ou posição social. Nas experiências

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de relação com o saber, crianças, jovens e adultos são sujeitos com ações subjetivas, em relações com outros seres humanos, também su-jeitos com ações subjetivas.

Nas experiências de relação com o saber, crianças, jovens e adul-tos são seres humanos singulares, únicos entre a espécie humana, com sua própria história e visão de mundo, que dão um sentido a esse mundo, à posição que ocupam nele, às suas relações com os outros, às suas próprias histórias, às suas singularidades e às suas experiências de relação com o saber.

As experiências de relação com o saber são condição humana, portanto, crianças, jovens e adultos tornam-se sujeitos de seu processo de humanização em suas relações com o saber pela educação. A hu-manização por meio da relação com o saber é tanto mais humanizante quanto mais significativa for.

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Os documentos oficiais consultados, PCN, Currículo Nacional de História de Portugal e as Diretrizes Municipais de Ensino de História de Araucária, enfatizam a importância de se considerar os conhecimen-tos que as crianças, jovens e adultos já possuem sobre o saber a ser estu dado. Direta ou indiretamente, eles tomam por base as pesquisas do projeto norte-americano How People Learn – HPL (como as pessoas aprendem)4, trazido para as pesquisas em educação histórica por Lee (2006) que, na Inglaterra, desenvolveu investigações que contribuíram muito para que as ideias históricas que crianças, jovens e adultos trazem para a escola sejam sistematicamente incorporadas ao processo de inter-venção pedagógica, um dos pilares da cognição histórica situada.

Neste capítulo pretende-se fazer uma aproximação dessas pesqui-sas que incorporam na intervenção pedagógica os conhecimentos ou as ideias históricas que as crianças, jovens e adultos já possuem, pesquisas que já extrapolaram a Inglaterra e estão sendo feitas em vários países mundo afora, inclusive no Brasil, onde Fernandes (2008) desenvolveu a Unidade Temática Investigativa, que será aqui aprofundada.

As ideias históricas de crianças, jovens e adultos nos documentos oficiais e nas pesquisas

O exposto no capítulo 3 permite partir do pressuposto de que crianças, jovens e adultos, em suas relações com o saber histórico, são su-jeitos dessa relação, pois têm ideias históricas prévias e reelaboram essas

4 O volume Como aprendem as crianças, de Stella Vosniadou (2001), pode ser lido na versão traduzida para o português no link: <http://www.ibe.unesco.org/publications/Educational PracticesSeriesPdf/prac07p.pdf>.

Investigação de ideias históricas de crianças, jovens e adultos 4

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ideias na relação com o saber histórico escolarizado. Faz-se necessário aprofundar a importância da investigação das ideias históricas de crian-ças, jovens e adultos, visando torná-los ainda mais sujeitos do processo de aprendizagem histórica, pois, não o fazendo, corre-se o risco de estar sujeitando-os no processo e de não compreender seus atos de rebeldia a esta sujeição.

Para aprofundar a necessidade de investigação das ideias históricas de crianças, jovens e adultos como fundamento do ensino de história, primeiro será feita uma análise do tratamento dispensado à temática pelos documentos oficiais para, em seguida, confrontá-los com as pes-quisas e fundamentações teóricas, com o objetivo de apontar os cami-nhos e possibilidades que apresentam.

Os PCN de história, em suas orientações didáticas, apresentam três sugestões sobre as ideias que os alunos já possuem, sugerindo a criação de momentos de troca de informações sobre estas ideias, sendo necessário o aprofundamento e as pesquisas sobre formas e métodos de investigação e valorização delas. As orientações dos parâmetros curricu-lares são as seguintes:

valorizar, inicialmente, os saberes que os alunos já possuem ●sobre o tema abordado, criando momentos de trocas de infor-mações e opiniões;

avaliar essas informações, identificando quais poderiam enri- ●quecer seus repertórios e suas reflexões;

propor novos questionamentos, informar sobre dados des- ●conhecidos e organizar pesquisas e investigações (BRASIL, 1998, p. 53).

O Currículo Nacional de História de Portugal trata os conhecimen-tos que os alunos já possuem como ideias tácitas, reconhece que os alu-nos já vêm para a escola com ideias históricas mais ou menos adequadas ou mais ou menos fragmentadas, construídas em suas experiências de vida familiar e de relação com os meios de comunicação. Sua exploração e desenvolvimento pela escola é parte integrante das referências funda-mentais do documento, sendo pressuposto do ensino de história:

O saber constrói-se a partir das vivências dentro e fora da escola: o meio familiar e os media (meios de comunicação) fornecem

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Capítulo 4

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aos alunos ideias mais ou menos adequadas, mais ou menos fragmentadas sobre a história. Compete à escola explorar essas ideias tácitas e ajudar o aluno a desenvolvê-las numa perspectiva de conhecimento histórico (PORTUGAL, 2001, p. 87).

As Diretrizes Municipais de Ensino de História de Araucária foram elaboradas em meio a um processo de pesquisa dos professores sobre os conhecimentos prévios, nome dado às ideias históricas tácitas de alunos. As angústias e as perspectivas apontadas pelas pesquisas foram refletidas no texto das diretrizes:

Assim, uma das alternativas é a pesquisa e sistematização que está ocorrendo no município em relação ao trabalho com os conhecimentos prévios. Nesse sentido, têm surgido muitas produções, mas também muitas dúvidas, tais como: a dificul-dade do professor em privilegiar os conteúdos, a partir dos conhecimentos prévios; como considerar o conhecimento prévio como construção do conhecimento escolar, como con-siderar o conhecimento prévio e transformá-lo na intervenção pedagógica (ARAUCÁRIA, 2004, p. 80).

Entre os estudiosos da didática e da prática de ensino de história também há uma compreensão de que os conhecimentos prévios são importantes no processo de ensino-aprendizagem. Fonseca (2005) par-te da comparação com a escola tradicional para enfatizar que hoje os alunos são sujeitos do processo ensino-aprendizagem. Diz ainda que:

Os alunos são pessoas que têm histórias de vida diferentes, cul-turas e valores diversos. Por isso, não são mais considerados no singular, meras “tábulas rasas”. Seus conhecimentos prévios, seus interesses, suas motivações, seus comportamentos e suas habilidades são importantes contribuições não apenas como ponto de partida, mas como componentes de todo o processo educativo. Como sujeitos, os alunos não apenas contribuem, mas participam, negociam, constroem, interagem ativamen-te com os outros alunos, os professores e o conhecimento (FONSECA, 2005, p. 103).

Se os conhecimentos prévios ou as ideias que os alunos trazem para a escola são importantes como pontos de ancoragem do processo ensino-aprendizagem e, mais que isso, devem ser integrados ao proces-so, qual o método a ser utilizado para alcançar este objetivo?

As pesquisas do projeto norte-americano How People Learn – HPL (como as pessoas aprendem), constituem-se como um marco de

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mudança epistemológica quanto à consideração das ideias de quem aprende no processo ensino-aprendizagem. No ensino de história, Peter Lee (2006), na Inglaterra, incorporou em suas pesquisas a prática de investigar as ideias históricas que crianças, jovens e adultos trazem para a escola, propondo que fossem sistematicamente incorporadas ao pro-cesso de intervenção pedagógica. Essa prática tornou-se um dos pilares do ensino de história na perspectiva da educação histórica, denominada de cognição histórica situada.

Barton (2001), ao investigar as ideias de crianças norte-americanas e irlandesas do norte sobre a mudança através dos tempos, enfatiza que temos de ter uma ideia da situação dos alunos quando chegam até nós. Se não os compreendermos, nossa mensagem não os atinge, é alie-nante. As crianças buscam entender a informação histórica ainda muito novas, por meio de toda fonte de informação que chega até elas, mas precisamos conhecer a sua compreensão. Especificamente, em relação à compreensão da mudança, o autor afirma que

[...] as crianças compreendem que as coisas mudaram, mas temos de lhes perguntar como mudaram. A partir daí, tere-mos uma imagem mais alargada das suas ideias históricas, e o modo como aprendem a história é afetado por essas ideias (BARTON, 2001, p. 55-56).

Ideias históricas de crianças, jovens e adultos na Unidade Temática Investigativa

Aqui no Brasil, em um estudo desenvolvido no Programa de De-senvolvimento da Educação – PDE, da Secretaria de Estado da Edu-cação do Paraná, em parceria com o Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR, Fernandes (2008, p. 2) desenvolveu o conceito de Unidade Temática Investigativa, a partir do texto “Aula oficina: do projeto à avaliação”, de Barca (2004), buscando responder às seguintes questões: como reconstruir a aula de história para que sejam valo‑rizadas as ideias históricas dos alunos? Como fazer isso para que a aprendizagem da história tenha mais sentido para os alunos?

Nesse estudo de Fernandes, a investigação das ideias históricas dos alunos não ficou isolada como um simples ponto de partida, mas passou a integrar uma Unidade Temática Investigativa, que teve seus elementos assim definidos:

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[...] definição de temática de estudo, conforme diretrizes cur-riculares; ideias históricas iniciais dos alunos sobre a temática definida; categorização, análise e problematização das ideias iniciais para balizar a intervenção pedagógica do professor; a intervenção pedagógica; a produção da comunicação da aprendizagem pelos alunos e aplicação/análise de instrumento de metacognição (FERNANDES, 2008, p. 3).

O detalhamento desses elementos da investigação das ideias histó-ricas que os alunos trazem para a sala de aula, propostos por Fernandes sob forma de Unidade Temática Investigativa, será ilustrado a seguir com um exemplo extraído do trabalho de Talamini (2007).

Definição da temática a ser trabalhada

Essa definição se dá com base no currículo em que a escola está circunscrita (município, estado, país ou escola particular, ou seja, os PCN, as diretrizes curriculares estaduais, municipais ou locais) e pelo planejamento do professor. A investigação das ideias históricas prévias passa a compor o planejamento normal de aulas, mas muda a forma e a qualidade da intervenção pedagógica, da avaliação, da continuação do processo de ensino de história e dos resultados, tanto para os alunos como na concepção do professor em relação a esse processo.

No trabalho de Talamini (2007), a temática curricular trabalhada foi História do lazer em Araucária.

Planejamento de perguntas para investigar os conhecimentos prévios dos alunos

Uma vez definida a temática, é necessário criar um instrumento para que os alunos expressem suas ideias históricas prévias. Esse ins-trumento pode ser em forma de questões que devem estar relacionadas à importância dos objetivos do ensino, possibilitando ao professor co-nhecer as ideias prévias dos alunos, relacionadas com a temática a ser trabalhada. Se essas perguntas não estiverem relacionadas aos objetivos específicos do ensino, permitirão respostas divagantes, dificultando o trabalho do professor, bem como podem tornar-se contraproducentes.

A investigação dos conhecimentos prévios também pode dispor de outros instrumentos, como desenhos, análise de uma história em quadrinhos ou de pequenos textos. Ainda, é possível trabalhar por meio

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da “chuva” de ideias, em que se apresenta aos alunos alguns conceitos e solicita-se que eles escrevam um certo número de palavras que, segundo eles, estejam relacionadas ao conceito apresentado.

Essa diversificação atende à variedade de dimensão de relações com o saber de crianças, jovens e adultos. No entanto, as pesquisas têm revelado que a elaboração do instrumento de investigação das ideias históricas prévias é decisivo na qualidade das informações reveladas pe-los alunos por meio deste instrumento.

Exemplo de perguntas para investigar os conhecimentos históricos prévios dos alunos

Ao trabalhar a temática curricular História do lazer em Araucá‑ria, e estudar o trabalho dessa temática a partir do livro didático com alunos de 2ª série do Ensino Fundamental (atual 3º ano no ensino de nove anos), Talamini (2007, p. 57) elaborou as seguintes questões para investigar as ideias prévias dos alunos sobre essa temática:

Escreva o que é lazer. ●

Escreva duas atividades de lazer que você faz. ●

Você tem momentos de lazer com sua família? Quais mo- ●mentos?

Escreva e desenhe uma atividade de lazer de sua mãe e de seu pai. ●

Desenhe a atividade de lazer que você mais gosta. ●

Categorização dos conhecimentos prévios dos alunos, visando sua análise e a tomada de decisão para a intervenção pedagógica

Após colher as ideias históricas prévias dos alunos por meio de instrumento próprio, elas devem ser categorizadas. Essa categorização não vem precedida de categorias previamente definidas, é na leitura e releitura das respostas dos alunos que surgem as categorias que possi-bilitam a sua organização. Isso pode dar-se sob a forma dos níveis de ideias expressas, da progressão de ideias, dos conceitos de tempo, lugar e mudança que expressam, das lacunas de aprendizagem que apresentam, enfim, dependendo da temática, há uma gama de possibilidades de

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categorização que vai depender da análise exaustiva das respostas dadas, com diferenciações de turma para turma.

A categorização dos conhecimentos prévios abre um leque de pos-sibilidades de intervenção pedagógica, cabendo ao professor, diante da análise da categorização, tomar a decisão sobre o que lhe parece mais necessário para a aprendizagem e definir os instrumentos e fontes his-tóricas que utilizará para alcançar os objetivos, agora reorientados pela análise dos conhecimentos históricos prévios dos alunos.

A categorização é importante, pois é diagnóstica e processual, mas torna-se mais completa quando problematizada junto aos alunos, ou seja, seus resultados são apresentados aos alunos para que possam reconhecer suas respostas como fragmentos no todo. Além de se identificarem no processo, os alunos passam a ter uma percepção da diversidade da temá-tica e de que não há pensamento único nem restrito. Fernandes (2008) chama de conflito cognitivo o processo em que os alunos confrontam a sua interpretação com as várias interpretações dadas pelos colegas.

Exemplo de categorização das ideias

Talamini resume a categorização das questões apresentadas no exemplo anterior:

As respostas dadas foram bastante simplistas, a maior parte relacionou o lazer somente às brincadeiras das crianças. Esta realidade ficou bem clara na ideia de um dos alunos, que se expressou assim: “Lazer é brincar de qualquer brincadeira”. Ou ainda na atividade de outra aluna que afirmou: “Lazer é brincadeira, as meninas gostam de brincar de boneca e os meninos de carrinho”. Quanto ao lazer dos pais, alguns alunos disseram não existir, já que estes são adultos e adultos não brincam. A grande maioria dos alunos disse que o lazer dos pais era trabalhar para susten-tar a casa (2007, p. 58).

A intervenção pedagógica

A intervenção pedagógica refere-se à reorientação do planejamen-to da aula sobre a temática definida, lançando mão das mais variadas fontes históricas, documentos históricos, narrativas do livro didático, de visita orientada a museus e monumentos históricos, de explicações do próprio professor, memórias de pessoas mais velhas da própria

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família e comunidade dos alunos, filmes, entre outros. No entanto, a relação com os documentos escolhidos será orientada para atingir os objetivos de ensino reorientados pela análise das ideias históricas prévias dos alunos.

Questões específicas da intervenção pedagógica serão abordadas ao se aprofundar o tratamento de documentos e fontes, método e didática do ensino de história, nos capítulos 6, 7, e 8.

Exemplo de reorientação da intervenção pedagógica

Talamini (2007) resume a reorientação da intervenção pedagógi-ca a partir da categorização das ideias históricas prévias dos alunos da seguinte forma:

Com o resultado das análises sobre as atividades sobre os co-nhecimentos prévios dos alunos sobre o lazer, iniciou-se a in-tervenção didática que tinha como proposta ser desenvolvida utilizando-se apenas o livro didático. A ideia era verificar se este seria suficiente e adequado à formação de novos conceitos e à construção de conhecimentos pelos alunos (p. 58).Apesar dos exemplos contidos no livro, os alunos pareciam ainda estar confusos em relação ao termo lazer; por isso sentiu-se a ne-cessidade de fazer uma comparação entre as atividades que as pes-soas faziam por obrigação e outras apenas por lhes serem agradá-veis, usando-se o quadro de giz para registrar essas comparações. Com esta intervenção os alunos demonstraram compreender melhor a ideia que estava sendo construída (p. 58).De maneira geral as atividades do livro foram bastante coeren-tes, sendo necessário apenas em alguns momentos adaptá-las à realidade da turma, ou seja, trazendo exemplos que fossem do seu cotidiano e de suas famílias e, portanto, aproximando as informações apresentadas pelo autor de elementos da cultura dos alunos. Com esta finalidade, também os autores do livro propuseram uma pesquisa a ser feita com os pais, investigando sobre o lazer que estes tinham na infância (p. 59).Com o decorrer das aulas, a ideia de permanências e mudan-ças já estava construída, bastava apenas especificá-las, asso-ciando a discussão genérica trazida pelo livro didático com aspectos da cidade na qual a escola está situada. Para isso, foi necessário estruturar um trabalho em que se utilizou um livro disponível na escola, Os espaços de lazer em Araucária (1990), apenas analisando suas gravuras, já que a linguagem era demasiadamente técnica para crianças e não havia outro material mais acessível (p. 59).

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A comunicação da aprendizagem como processo formal de avaliação

Após a intervenção pedagógica, é importante permitir que o alu-no comunique o que aprendeu. A comunicação da aprendizagem é importante para o aluno, para que ele “expresse a sua interpretação e compreensão das experiências humanas ao longo do tempo com inte-ligência e sensibilidade, utilizando a diversidade dos meios de comuni-cação disponíveis” (BARCA, 2004, p. 21). É importante também para o professor, pois ele poderá verificar se houve avanço na aprendizagem, se houve contribuição para mudança no nível de consciência histórica dos alunos, por meio da comparação das ideias prévias com as ideias comunicadas, após a intervenção pedagógica.

A comunicação dos alunos pode dar-se no mesmo instrumento com o qual se buscou as ideias históricas prévias dos alunos, bem como de outras formas, como narrativas, desenhos, histórias em quadrinhos, charges, quadros comparativos, dramatizações ou outros instrumentos desenvolvidos pelo professor.

Exemplo de comunicação da aprendizagem após a intervenção pedagógica

Na atividade sobre o lazer com alunos do Ensino Fundamental, Talamini assim descreve o processo de comunicação da aprendizagem feita com os alunos:

Ao terminar o trabalho com o livro, foi solicitado aos alu-nos que escrevessem uma pequena narrativa contando o que aprenderam sobre as atividades de lazer no passado e nos dias atuais. Nessa narrativa, os alunos apresentaram ideias mais amadurecidas sobre o tema lazer, e demonstraram um grande avanço em relação à primeira atividade que foi realizada para verificação dos conhecimentos prévios.

Para exemplificar, selecionou-se a narrativa produzida por uma aluna, que escreveu:

“Antigamente tinha umas roupas engraçadas as mulheres vestiam uns vestidos e os homens vestiam um macacão. Nos jogos de futebol os homens se vestiam de camiseta, gravata e bermuda. Antes podia andar tranquilo na rua que não ti-nha pedrada e tiroteio, agora já tem violência nas pistas de skate. Antigamente as brincadeiras eram: tomar banho no rio,

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casinha, pega-pega, futebol. Hoje já tem computador, piscina, cinema. Também as roupas mudaram, não é mais vestido e macacão, agora é calça, camiseta, blusa, etc.” (2007, p. 59).

Dessa forma, Talamini faz a seguinte análise, fundamentando-a:Analisando a atividade final (narrativa), nota-se o avanço do con-ceito construído pelos alunos, principalmente no que diz respei-to à comparação e a compreensão de mudanças e permanências nas atividades de lazer ao longo do tempo. Quanto ao lazer dos pais, ao final das intervenções os alunos já sabiam dizer: “o lazer da minha mãe é tomar chimarrão com a vizinha”, ou então “o lazer do meu pai é jogar futebol com os amigos” (2007, p. 59).Observa-se, ainda, que a aluna refere-se à tranquilidade no pas-sado a partir de suas experiências no presente – pedradas e tiro-teios nas pistas de skate – o que permite entender que houve um processo de construção do conhecimento na perspectiva indi-cada por Schmidt (2005): “Quando um jovem ou uma criança procura explicações para uma situação do passado à luz de sua própria experiência, já está revelando um esforço de compreen-são histórica. Neste sentido, eles podem pensar de maneira mais simplista ou mais elaborada e o grau de sofisticação não depende somente do grau do desenvolvimento lógico” (2007, p. 59-60).

Investigação da metacognição

A metacognição é aquilo que está para além da aprendizagem. Investigar a metacognição é levar os alunos a pensarem sobre como aprenderam, o que foi mais significativo na aprendizagem, o que mais gostariam de aprender sobre a temática. Especificamente no ensino de história, é possível incluir questões sobre como a temática contribui com o presente e o futuro do aluno, quais conceitos ele revisou sobre o passado e a forma com que interpreta as narrativas a que teve acesso.

Didaticamente, a investigação da metacognição contribui com o professor com indicativos do que ensinar, de como ensinar, de como os alunos aprendem, de como é a sua relação com o saber histórico.

Integrar a investigação sistemática dos conhecimentos históricos prévios na prática pedagógica do professor não é apenas um avanço na relação professor, aluno e saber no processo ensino-aprendizagem. É uma “revolução copernicana” nessa relação. Se o bom professor, segundo Paulo Freire (2005), era o que conseguia, enquanto falava, trazer o alu-no até a intimidade do movimento de seu pensamento, agora, o bom

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professor é aquele que, enquanto conduz o processo ensino-aprendiza-gem, consegue ir até a intimidade do pensamento de seus alunos. É aquele que consegue conhecer, considerar e integrar, no processo ensino-aprendi-zagem, as experiências de relação com o saber já elaboradas pelos alunos. Quem sabe seja isso que Freire estivesse vislumbrando ao dizer que:

O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemo-logicamente curiosos (2005, p. 86).

Da teoria para a práticaIncorporar a investigação dos conhecimentos históricos prévios dos

alunos na prática rotineira exige do professor, de início, um esforço a mais nas suas tarefas. Sugere-se implementá-lo de forma paulatina, inicialmen-te com uma investigação anual, depois semestral, até haver certa segurança metodológica por parte do professor para que possa iniciar todas as unida-des, fazendo o levantamento das ideias históricas prévias dos alunos.

Toda mudança metodológica gera insegurança, assim, o professor necessita de suportes para verificar se o caminho que está trilhando, o modo como está agindo, está no rumo certo. Para que possa estabelecer comparativos com outros exemplos, apresenta-se a seguir alguns textos disponíveis on­line e os respectivos endereços para acessá-los, que po-dem servir de contraponto, explicitação e fundamentação teórica.

BARCA, I. ● Aula oficina: do projeto à avaliação. 2004. Dis-ponível em: <http://www.nre.seed.pr.gov.br/cascavel/arquivos/File/historia/aula_oficina_barca.doc>.

BARCA, I. ● Os jovens portugueses: ideias em história. 2004. Disponível em: <http://www.perspectiva.ufsc.br/perspectiva_ 2004_02/07_artigo_isabel_barca.pdf>.

CAINELLI, M. ● Educação histórica: perspectivas de apren-dizagem da história no Ensino Fundamental. 2006. Disponí-vel em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/educar/ article/view/5548/4061>.

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SínteseOs conhecimentos prévios ou as ideias que os alunos trazem para

a escola são importantes como pontos de ancoragem do processo en-sino-aprendizagem. No ensino de história, estudiosos desenvolveram uma forma sistematizada de investigá-las e incorporá-las, denominada Unidade Temática Investigativa, que consiste em: definir a temática a ser trabalhada com base no currículo ao qual a escola está circunscrita; planejar as perguntas a serem aplicadas aos alunos com o objetivo de investigar as ideias históricas prévias, na perspectiva dos objetivos pla-nejados para a temática; categorizar as ideias prévias dos alunos, visan-do sua análise e tomada de decisão para a intervenção pedagógica; a intervenção pedagógica reorientada pelas ideias prévias dos alunos; a comunicação do que o aluno aprendeu após a intervenção pedagógica como forma de avaliar os avanços em relação às ideias prévias; a inves-tigação da metacognição para levar os alunos a pensarem sobre como aprenderam e o que foi mais significativo na aprendizagem.

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Neste capítulo serão aprofundadas questões relativas à nature-za, seleção e organização dos conteúdos históricos, que são fundamen-tais para o ensino de história na perspectiva da educação histórica. À luz desses elementos, será feita uma análise do tratamento que os PCN, o Currículo Nacional de História de Portugal e as Diretrizes Municipais de Ensino de História de Araucária dispensam à natureza, seleção e organi-zação dos conteúdos do ensino de história.

Quanto à natureza dos conteúdos do ensino de história, serão ana-lisados à luz das ideias históricas substantivas, às quais os professores geralmente dispensam maior atenção, e das ideias históricas de segunda ordem, específicas da natureza da história, das quais os professores por vezes nem se dão conta.

Quanto à seleção dos conteúdos curriculares, serão analisados na di-mensão de sua relação com a cultura e a pertinência dos critérios utilizados para sua escolha quanto à relação com os objetivos do ensino de história.

Quanto à organização dos conteúdos, será analisada a prevalência da organização cronológica e linear ou da organização temática, e como promove os deslocamentos do presente ao passado e do passado ao pre-sente, em forma de recorrência histórica.

Natureza, seleção e organização dos conteúdos históricos na perspectiva da educação histórica

Inicialmente, serão definidos alguns conceitos e categorias desenvolvi-dos pelas pesquisas em educação histórica para analisar e confrontar a nature-za, seleção e organização dos conteúdos históricos nos documentos oficiais.

Natureza, seleção e organização de conteúdos históricos 5

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Em uma perspectiva cognitiva, ao investigar as ideias de crianças, jovens e adultos em relação à história e seu ensino, as pesquisas em edu-cação histórica buscam entender a natureza do conhecimento histórico. Além disso, como ele se estrutura no pensamento, alicerçado na filosofia da história, voltando sua atenção, entre outros, para as investigações das ideias históricas substantivas e de segunda ordem, que Collingwood (2001) caracteriza como ideias históricas, e Lee (2001) assim as define:

Existem conceitos substantivos, como agricultor, impos-tos, datas, eventos, que são muito importantes. Embora a compreen são dos conceitos substantivos seja muito importan-te, em Inglaterra começamos a ter em conta outro tipo de conceitos também, os “conceitos de segunda ordem”. É este tipo de conceitos, como narrativa, relato, explicação, que dá consistência à disciplina. [...] Conceitos substantivos são os que se referem a conteúdos da história, como por exemplo o conceito de indústria. Conceitos de segunda ordem são os que se referem à natureza da História, como por exemplo explica-ção, interpretação, compreensão (p. 15 e 20).

Além dos conceitos históricos de segunda ordem relacionados por Lee, acrescentamos como importantes para o ensino de história a tem-poralidade, os marcos de mudança, as fontes históricas, a inferência das fontes, os documentos históricos, a narrativa histórica, a empatia histórica, entre outros.

Considerar as ideias históricas de segunda ordem está referenciado na filosofia da história, especialmente em Collingwood (2001), que contribui com o entendimento de que as ideias sobre o passado são elaboradas pelo pensamento humano. Para esse filósofo inglês,

O historiador não se limita a reconstituir o pensamento passa-do, faz a sua reconstituição no contexto do seu conhecimento. Deste modo, ao reconstituí-lo, critica-o, forma um juízo pró-prio sobre o seu valor, corrige quaisquer erros que consiga dis-cernir nele. Esta crítica do pensamento, cuja história ele traça, não é de modo algum secundária em relação ao delineamento de sua história. É uma condição indispensável do próprio co-nhecimento histórico (COLLINGWOOD, 2001, p. 230).

Se o objetivo do ensino de história consiste em contribuir com a formação da consciência histórica e o desenvolvimento da literacia his-tórica, as ideias históricas de segunda ordem são tão importantes quanto as ideias substantivas para levar os alunos a pensarem historicamente.

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Capítulo 5

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A questão da seleção dos conteúdos tem sido central nos estudos sobre currículo, havendo nestes estudos certo consenso em torno da ideia de seletividade cultural5, ou seja, que os conteúdos são selecio-nados no interior da cultura, a partir de interesses da cultura escolar, que não está isenta das influências da cultura mais ampla em que estão inseridos os atores protagonistas da seleção.

Ao estudar a relação dos currículos com a cultura, Forquin (1993) desenvolveu os conceitos de seleção cultural e de cultura escolar, afir-mando que toda educação, em particular toda educação de tipo escolar, supõe sempre, na verdade, uma seleção no interior da cultura e uma reelaboração dos conteúdos desta cultura, destinados a serem transmi-tidos às novas gerações.

Segundo Forquin (1993), nessa seleção cultural, a escola[...] transmite no máximo, algo da cultura, elementos de cul-tura, entre os quais não há forçosamente homogeneidade, que podem provir de fontes diversas, ser de épocas diferentes, obe-decer a princípios de produção e lógicas de desenvolvimento heterogêneos e não recorrer aos mesmos procedimentos de legitimação [...]. A cada geração, a cada renovação da peda-gogia e dos programas, são partes inteiras da herança que de-saparecem da “memória escolar”, ao mesmo tempo que novos elementos surgem, novos conteúdos e novas formas de saber, novas configurações epistêmico-didáticas, novos modelos de certeza, novas definições de excelência acadêmica ou cultural, novos valores. Devemos assim reconhecer o grande poder de seleção da “memória docente”, sua capacidade de “esquecimen-to ativo”. Pode-se então perguntar quais são os determinantes, os mecanismos, os fatores desta seleção cognitiva e cultural que faz com que uma parte da herança humana é assim mantida “a salvo do esquecimento” de geração a geração, enquanto que o resto parece consagrado ao sepultamento definitivo (p. 15).

Quanto à preocupação muito comum de professores em não estar dando conta de “todo” o conteúdo de história, Forquin (1993) pondera que esta seleção autoriza e legitima parte da cultura, pois a educação escolar não consegue jamais incorporar em seus programas e seus cursos senão um espectro estreito de saberes, de competências, de formas de expressão, de mitos e de símbolos socialmente mobilizadores.

5 Forquin constrói o conceito de seleção cultural a partir de Raymond Williams (La larga revolucion, 2003), que constata haver uma tradição seletiva da memória coletiva, um meca-nismo que permite conservar vivos certos aspectos do passado, e outros não.

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A ideia de conteúdo como seleção da cultura permite organizá-los por eixos temáticos, em que as temáticas são selecionadas, quebrando com a tradição da organização cronológica e linear, que criava certa ilusão de que seria possível ensinar “toda” história.

Porém, não basta a organização por eixos temáticos. As pesquisas em educação histórica têm evidenciado que os conteúdos que mais con-tribuem para a formação da consciência histórica e o desenvolvimen-to da literacia histórica são aqueles com os quais as crianças, jovens e adultos têm uma maior empatia, uma maior identificação, uma maior proximidade geográfica, histórica, familiar ou cultural. Ainda, que pos-sam contribuir mais efetivamente para a orientação de sua vida prática, sofrendo um novo processo de seleção interno, realizado pelo professor a partir da contribuição das investigações das ideias históricas dos alunos.

Outra contribuição das pesquisas em educação histórica é a ne-cessidade de se trabalhar com os conteúdos de forma multiperspecti-vada, ou seja, nas diversas perspectivas temporais, espaciais, culturais, ideológicas e científicas possíveis, permitindo a construção de visões históricas diversas.

Natureza, seleção e organização dos conteúdos históricos nos documentos oficiais

Os conteúdos dos Parâmetros Curriculares Nacionais de História, analisados na perspectiva das pesquisas no campo da educação históri-ca, têm um vício de origem, a ideia dicotômica de considerar o saber histórico e sua produção como exclusividade dos especialistas, e o saber histórico escolar como algo distante da produção do saber histórico (BRASIL, 1998).

O ensino e a aprendizagem de história envolvem uma distin-ção básica entre o saber histórico, como um campo de pesqui-sa e produção de conhecimento do domínio de especialistas, e o saber histórico escolar, como conhecimento produzido no espaço escolar (BRASIL, 1998, p. 24).

Dessa forma, fica implícito que os conteúdos do saber histórico escolar sejam uma forma mitigada do saber histórico, fazendo com que as diretrizes nacionais brasileiras privilegiem as informações históricas, ou seja, os conteúdos substantivos. Faz-se isso com a intenção de dotar

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Capítulo 5

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os alunos de um repertório intelectual e cultural, para que possam con-frontar suas identidades e diferenças com pessoas e grupos sociais de outros tempos e lugares, bem como integrar suas histórias individuais na história nacional e de outros lugares.

Esse documento curricular nacional não faz menção direta a con-teúdos de segunda ordem, referindo-se apenas ao tempo histórico, mas como conceito fundamental. Segundo os PCN (BRASIL, 1998), o tempo histórico não pode limitar-se ao estudo do tempo cronoló-gico sequenciado dos calendários e datas, mas deve ser dimensionado em toda sua complexidade, considerando também a ideia de diferentes níveis e ritmos de duração temporais, à percepção das mudanças e das permanências nas vivências humanas. Quanto aos ritmos de duração, refere-se às contribuições da Escola do Annales, dos conceitos de tem-po do acontecimento breve, da conjuntura e da estrutura.

Os PCN (BRASIL, 1998) definem como critérios de seleção dos conteúdos para o ensino de história a tradição de ensino e a relevân-cia dos temas para o momento histórico da geração atual, ficando subentendia certa tradição seletiva, fundada no conservadorismo e não na cultura.

Os conteúdos do ensino de história do Ensino Fundamental são organizados pelos PCN por ciclos e eixos temáticos: no primeiro ciclo, o eixo temático refere-se à história local e o cotidiano; e no segundo ciclo, à história das organizações populacionais. Na seleção dos con-teúdos, há também a recomendação de privilegiar a história das ques-tões urbanas, das relações de trabalho, das diferenças sociais e das mino-rias, dos movimentos sociais, das relações do homem com a natureza, da cidadania e das imagens e valores em relação ao corpo, sexualidade, família e questões de gênero (BRASIL, 1998).

A forma como os Parâmetros Curriculares Nacionais selecionam e organizam seus conteúdos estão compatíveis com o objetivo de dotar os alunos de um repertório intelectual e cultural, para que possam con-frontar suas identidades e diferenças com pessoas e grupos sociais de outros tempos e lugares, bem como integrar suas histórias individuais na história nacional e de outros lugares. No entanto, pelo fato de não tratarem dos conteúdos de segunda ordem, pertinentes ao saber históri-co, pouco podem contribuir com a formação da consciência histórica e

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o desenvolvimento da literacia histórica dos alunos, tampouco levá-los a pensarem historicamente.

O Currículo Nacional de História de Portugal (PORTUGAL, 2001) não apresenta o vício de origem dos PCN, pois destaca em seus princí-pios a importância de considerar os conceitos substantivos e os concei-tos referentes à natureza do saber histórico, ou seja, as ideias históricas de segunda ordem. Além disso, ancora o ensino de história na perspec-tiva de dotar os alunos de ferramentas intelectuais que permitam pensar a realidade historicamente.

O pensamento histórico envolve não só a compreensão de “conceitos substantivos” (por exemplo: democracia ateniense ou Revolução Industrial), como também a compreensão im-plícita de conceitos referentes à natureza do saber histórico (por exemplo: fonte, interpretação, explicação, narrativa). As metodologias que os alunos experienciam veiculam uma de-terminada leitura destes conceitos: se a simples memorização da informação apresenta a História como um relato fixo do passado, propondo uma postura passiva perante o saber, a construção de inferências a partir de fontes diversas indicia uma visão da História apta a fornecer ferramentas intelectuais indispensáveis à interpretação e explicação da realidade, que é dinâmica (PORTUGAL, 2001, p. 87).

O currículo português organiza os conteúdos por temas e subte-mas, mas privilegia o tratamento dispensado ao conteúdo e sua arti‑culação com as competências essenciais da compreensão histórica: a temporalidade, a espacialidade e a contextualização, para que os alunos possam desenvolver um conhecimento histórico que permita compreen-der criticamente a sua realidade e transformá-la por meio de uma parti-cipação consciente da vida em comunidade (PORTUGAL, 2001).

A competência essencial da Compreensão Histórica, nos diferen-tes vectores que a constitui – a temporalidade, a espacialidade e a contextualização, sendo de base conceptual, procura traduzir as dimensões fundamentais da construção do “bom conheci-mento” em História. Conhecimento esse que permita ao alu-no compreender criticamente a sua realidade, mas também transformá-la através de uma participação consciente na vida da comunidade. Com uma linha de conteúdos enquadrada por um tema geral e organizada por temas e subtemas menos pres-critivos, o que se procurou alterar foi, sobretudo, o modo como se interrogam esses conteúdos e, consequentemente, como são geridos (PORTUGAL, 2001, p. 89, grifos do autor).

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Capítulo 5

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Aos professores, o currículo luso reserva a tarefa de organizar experiências de aprendizagem específicas, que interroguem e explorem os temas e subtemas dos conteúdos e deem visibilidade às dimensões da temporalidade, da espacialidade e da contextualização, favorecendo o seu desenvolvimento junto aos alunos.

Assim, o professor terá, relativamente a um determinado conteúdo que decidir de que forma poderá dar visibilidade a cada uma das dimensões referidas. O trabalho do professor será o de desenvolver linhas de exploração dos temas e subte-mas de conteúdos indicados, na perspectiva das competências específicas tal como são formuladas, salientando os aspectos que lhe são específicos. Deste modo, torna-se indispensável a estruturação criteriosa, por parte do professor, de actividades e estratégias que assegurem um contexto favorável ao desen-volvimento, nos alunos, dessas dimensões da Compreensão Histórica (PORTUGAL, 2001, p. 89, grifo do autor).

Com a mobilização das dimensões da compreensão históri-ca como competências concorre a estruturação das experiências de aprendizagem específica de estudo dos temas e subtemas, de modo a contemplarem duas outras competências específicas do ensino de história: o tratamento de informação/utilização de fontes e a comu-nicação em história.

De salientar que na exploração dos conteúdos é inevitável e imprescindível o entrosamento das três dimensões, que expressam, de facto, uma mesma realidade que se constitui como um todo. Por essa razão, o professor sentirá como natural a mobilização simultânea das três dimensões da Compreensão Histórica, estruturadas com base no Trata‑mento de Informação/Utilização de Fontes e na Comuni‑cação em História, na abordagem de cada um dos temas e subtemas, competindo-lhe a gestão equilibrada das apren-dizagens que lhes são específicas (PORTUGAL, 2001, p. 89, grifos do autor).

Em resumo, no currículo português, destaca-se a integração en-tre a natureza, a seleção, a organização e o tratamento dispensado aos conteúdos históricos, bem como a articulação com a justificati-va da presença do ensino de história no ensino básico, uma vez que “é através dela que o aluno constrói uma visão global e organiza-da de uma sociedade complexa, plural e em permanente mudança” (PORTUGAL, 2001, p. 87).

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O documento: Diretrizes Municipais de Ensino de Histó­ria de Araucária (ARAUCÁRIA, 2004) organiza os conteúdos em seis eixos temáticos para todas as séries. Esses eixos temáticos são definidos pelos seguintes conteú - dos substantivos: famílias, coti-diano, trabalho, cul tura, poder e movimentos sociais. O crité-rio para essa seleção – tanto da organização em eixos temáticos quanto dos conteúdos substanti-vos como temáticas – deve-se à sua presença e evolução nas di-versas propostas curriculares do município, anteriores a 2004.

A seleção e organização dos conteúdos a partir da tematiza-ção histórica, já anunciadas nas diferentes propostas curri-culares do município, indicam os seguintes temas a serem explorados, de forma diferenciada em cada série: Famílias, Cotidiano, Trabalho, Cultura, Poder e Movimentos Sociais. Estes temas são trabalhados em todas as séries articulan-do conteúdos da história local, regional, nacional e global (ARAUCÁRIA, 2004, p. 83).

Quanto às ideias históricas de segunda ordem, as diretrizes de Araucária não fazem uma menção direta, mas destacam a importância de desenvolver a empatia e a contextualização em relação ao passado.

A primeira é a capacidade de se colocar no lugar dos outros e a última de entrelaçar acontecimentos de forma diacrôni-ca – relacionando com o passado – e sincrônica – relacio-nando com a simultaneidade dos acontecimentos do presente (ARAUCÁRIA, 2004, p. 81).

Outra ideia histórica de segunda ordem abordada pelo currículo de Araucária (2004) é o tempo histórico, assumido como pressuposto metodológico, que deve ser compreendido em suas diversas dimensões: sucessões cronológicas, duração, mudança, semelhanças e diferenças en-tre o passado e o presente, valorizando as experiências das crianças com a passagem do tempo.

O Currículo Nacional de História de Portugal traz um rol de competências específicas que bus-ca desenvolver nos alunos, em que aponta uma experiência de aprendizagem específica para cada competência de compreensão histórica:

a) Temporalidade: pesquisa e reconstrução do passado de uma instituição local (escola, igre-ja, associação), por fontes orais e documentais.

b) Espacialidade: representação dos diferentes espaços do bairro, relacionando suas funções

(habitação, comércio, lazer).

c) Contextualização: trabalho escrito com fontes de diversos tipos e com múltiplas pers-pectivas dos períodos, para conhecimento das

ideias, valores e atitudes características das sociedades e épocas (2001, p. 87).

Saiba mais

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Capítulo 5

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O documento municipal assume, ainda, o trabalho com docu-mentos históricos e a produção de narrativas – duas ideias históricas de segunda ordem – como pressupostos metodológicos do ensino de his-tória. Os documentos históricos são tratados como evidências do pas-sado, que permitem aos alunos que façam inferências e análises dessas fontes, tirem suas conclusões e superem a ideia de narrativas prontas, construindo suas próprias narrativas. Trabalhar com diversas formas de documentos valoriza as variadas vozes e perspectivas históricas e possi-bilita aos alunos produzirem suas narrativas (ARAUCÁRIA, 2004).

Da teoria para a práticaO professor de história do Ensino Fundamental, dentro dos limi-

tes das diretrizes curriculares a que sua escola, seu município ou seu es-tado está circunscrito, tem autonomia de fazer uma seleção de conteú-dos que permitam atingir melhor os objetivos de dotar seus alunos de instrumentos e ferramentas, para que adquiram os atributos da literacia histórica e desenvolvam sua consciência histórica.

Além da escolha dos conteúdos, é necessário dispensar-lhes um tratamento que permita desenvolver as ideias históricas de segunda ordem, ou seja, trabalhar com várias fontes e organizar experiências de aprendizagem que permitam ao aluno desenvolver a capacidade de fazer inferências sobre os documentos, desenvolver a compreensão das temporalidades e elaborar narrativas próprias.

Como suporte para verificar atividades ou experiências de apren-dizagem significativas, articuladas com o desenvolvimento de compe-tências específicas da ciência histórica, que podem ser adaptadas aos conteúdos das diretrizes curriculares que o professor segue, acessar o Currículo Nacional de História de Portugal, que pode ser encontrado nos seguintes endereços eletrônicos:

<http://www.netprof.pt/ImprimirTXT.jsp?id_versao=8030>. ●

<http://www.dgidc.min-edu.pt/recursos/Lists/Repositrio%20 ●Recursos2/Attachments/84/Curriculo_Nacional.pdf>.

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SínteseNeste capítulo, vimos que as pesquisas em educação histórica

indicam que crianças, jovens e adultos relacionam-se cognitivamente com ideias históricas substantivas e ideias históricas de segunda ordem. Para tanto, é importante que sejam consideradas essas naturezas dos conteúdos históricos, ou seja, sua substantividade, mais objetiva, e sua natureza histórica, não tão objetiva, de segunda ordem, mas nem por isso menos importante para desenvolver o pensamento, a literacia e a consciência históricas.

Vimos, também, que há uma relação entre o currículo e a cultura, em que os conteúdos são selecionados no interior da cultura e legitimados no interior da escola pelo professor. A escola transmite elementos da cultura, sendo ilusório querer transmitir a totalidade de um conhecimento.

A ideia de conteúdo como seleção de elementos da cultura per-mite, no caso do ensino de história, organizá-los por eixos temáticos, em que as temáticas são selecionadas a partir de sua pertinência para o desen volvimento do pensamento, da literacia e da consciência históri-cas, superando a tradição da organização cronológica e linear.

Nesse sentido, é necessário dispensar às temáticas um tratamento que permita aos alunos desenvolver as ideias históricas de segunda or-dem, ou seja, trabalhar com várias fontes e organizar experiências de aprendizagem para que desenvolvam a capacidade de fazer inferências sobre os documentos, compreendam as temporalidades e elaborem nar-rativas históricas próprias.

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Neste capítulo, será aprofundada a possibilidade do desenvol-vimento de uma didática da história. O caminho percorrido para exa-minar essa possibilidade passa pela análise do conceito de transposição didática de Chevallard, muito difundido pelas teorias de ensino no fi-nal do século XX e início do século XXI.

A partir da constatação das limitações do conceito de transpo-sição didática para o ensino de história, será analisada a proposta do desenvolvimento de uma didática específica da história. Isso ocorrerá fundamentando-se nas pesquisas desenvolvidas no campo da educação histórica, especialmente as investigações de Urban (2009) e os resul-tados obtidos pelo Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica – LAPEDUH –, do Programa de Pós-graduação e Extensão em Educa-ção da Universidade Federal do Paraná, sobre essa possibilidade.

Da didática geral à transposição didáticaAté meados da década de 80 do século XX, todos os professores eram

formados dentro dos princípios da didática geral – ancorada na pedagogia e na psicologia da aprendizagem –, disciplina fundamental nos cursos de licenciatura. Em 1985, Chevallard, na obra A transposição didática – do saber sábio ao saber ensinado, propôs uma didática da matemática, funda-mentada na didatização do conteúdo acadêmico específico, o saber sábio, e sua transformação em conhecimento escolar, o saber a ser ensinado.

Chevallard assim caracteriza a transposição didática:Um conteúdo de saber que tenha sido selecionado como saber de ensino, sofre a partir de então um conjunto de

Didática específica do ensino de história 6

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transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tornar-se objeto de ensino. O “trabalho” que transforma um objeto de saber a ensinar num objeto de saber a ser ensinado, é denomi-nado de transposição didática (2005, p. 45, grifos nossos).

Essa proposta de Chevallard de didatização do saber sábio, para que possa ser ensinado, extrapolou os limites do ensino de matemática e passou a ser adaptada para outras áreas de ensino.

Aqui no Brasil, Monteiro (2002) aproxima o conceito da trans-posição didática de Chevallard do ensino de história, ao investigar a experiência dos professores de história na mobilização dos saberes que dominam para ensiná-los. Para a pesquisadora, os professores dominam e produzem saberes, em um contexto de autonomia relativa, em uma construção que apresenta uma especificidade decorrente do fato de ser integrante de uma cultura escolar, diferenciando as categorias “saber escolar” e “saber docente”.

Relacionando saber escolar e saber docente, Monteiro (2002, p. 7) buscou investigar como professores de história mobilizam os sa-beres que dominam para lidar com os saberes que ensinam, e como são articulados os saberes disciplinares, curriculares, pedagógicos e de expe-riência, em uma criação própria e significativa para seus alunos. Focali-zando os saberes ensinados, buscou compreender a síntese elaborada a partir dos subsídios dos saberes disciplinares, sua dimensão educativa, as escolhas axiológicas e o processo de didatização.

Monteiro (2002, p. 233) localiza o campo de investigação de sua pesquisa em uma “região de fronteira entre os campos da história e da educação e, dentro deste último, na confluência das áreas de didática, currículo e formação de professores”, inserindo-o no campo do ensino de história e utilizando o conceito de transposição didática para articular o saber histórico acadêmico com o saber histórico escolar. A autora aponta limites ao conceito de transposição didática, uma vez que esse conceito propõe denunciar uma ruptura, mas como termo parece indicar apenas uma mudança do conteúdo de lugar, sem mudança conceitual.

Segundo Monteiro (2002), Chevallard refere-se ao saber acadêmico como única referência para elaboração do saber ensinado, e não considera em sua análise a dimensão educativa como elemento estruturante funda-mental para compreensão do processo de constituição do saber escolar.

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Capítulo 6

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Diante dessa insuficiência do conceito de transposição didá-tica, a investigadora propõe a utilização do conceito de mediação didática de Lopes, em que a mediação tem o sentido dialético de “cons-tituição de uma realidade através de mediações contraditórias, de rela-ções complexas, não imediatas, com um profundo senso de dialogia” ( MONTEIRO, 2002, p. 87).

Se existe um movimento que articula os saberes histórico acadêmi-co e histórico escolar, põe-se uma questão, ou seja, a história acadêmica apresenta diferentes perspectivas de inteligibilidade: positivista, dos Annales, marxista e das análises macroeconômicas, nova história; e dife-rentes formas de definição e organização dos eixos de análise: temática, geopolítica, cronológica e espacial. Diante dessa variedade de perspec-tivas, qual história utilizar como referência acadêmica para se contrastar com o saber a ensinar? (MONTEIRO, 2002, p. 100-101).

Os professores produzem conhecimento, uma vez que, autores de seu trabalho, o dominam e o mobilizam com autonomia relativa, pois agem dentro de padrões e injunções culturais, políticas e institucionais transitórias e transponíveis, saberes plurais e heterogêneos, para ensinar o que ensinam. O saber que ensinam é, por sua vez, uma criação da cultura escolar que apresenta marcas dos saberes de referência e de seus criadores. O saber escolar, os saberes ensinados ou conteúdos pedagogi-zados, estruturados a partir das finalidades educativas de forma própria e racional, vão além de meras transposições do conhecimento científico e se expressam em suas aulas (MONTEIRO, 2002, p. 242).

Monteiro (2002) contribui com o elemento da valorização da rela-ção do professor com o saber histórico e como mobilizador deste saber, de sua forma acadêmica, e relacionando-o com os saberes dos alunos e outros, entre eles o saber da experiência docente, o transforma, com re-lativa autonomia, no saber histórico escolar. É o processo que ela chama, com base em Chevallard e Lopes, de transposição/mediação didática.

A pesquisadora remete, ainda, ao professor, a responsabilidade de eleger a perspectiva do saber histórico acadêmico que vai utilizar como referência. No entanto, segundo a pesquisadora, com base em Moniot, o ensino de história, “diferentemente da matemática, línguas, educação física, não possui exercícios ou atividades que lhe sejam próprias” (2002, p. 107). A história utiliza como empréstimo de outras disciplinas as

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atividades que desenvolve em seu ensino. Essa constatação de Monteiro é um limitador quando se trata de desenvolver uma didática específica da história, que se funda exatamente no desenvolvimento de experiên-cias de aprendizagem próprias da história.

Da transposição didática à necessidade de uma didática da história

Além das ressalvas já apontadas por Monteiro, são diversos os li-mitadores apontados pelos estudiosos do ensino de história no conceito de transposição didática. Para ilustrar, transcrevemos a preocupação de Bittencourt (2008), de sua dependência e de seu distanciamento da ciência de referência.

Essa abordagem considera a disciplina escolar dependente do conhecimento erudito ou científico, o qual, para chegar à esco-la e vulgarizar-se, necessita da didática, encarregada de realizar a “transposição”. Consequentemente, uma “boa” didática tem por objetivo fundamental evitar o distanciamento entre a pro-dução científica e o que deve ser ensinado, além de criar instru-mentos metodológicos para transpor o conhecimento científi-co para a escola da forma mais adequada possível (p. 36).

Essa preocupação com o desenvolvimento de uma didática não distanciada da ciência histórica, fundada em elementos da própria his-tória, é o norte da pesquisa de Urban (2009), que defende uma didática da história que se preocupe “com um processo de ensino e aprendiza-gem, que tenha um corpo epistemológico específico, o qual poderá sustentar a relação entre o ensinar e o aprender história” (p. 62).

Urban defende uma didática específica da história em sua tese de doutorado Didática da história: percursos de um código disciplinar no Brasil e na Espanha (2009), constatando que é uma ciência embrionária, sendo desenvolvida em um campo que Prats (2001) chama de “encruzilhada de diversas disciplinas sociais entre as que, por um lado, ocupam-se tra-dicionalmente do ensino e da aprendizagem e, por outro, as que consti-tuem a base de conhecimentos que se pretende estudar” (p. 138).

Nessa perspectiva, uma didática da história não é uma mera trans-posição dos saberes da ciência histórica para um formato e um conteúdo pronto e acabado, embalado em um método didático renovado que

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possa ser ensinado na escola. Também não se trata de dispensar as con-tribuições historicamente desenvolvidas pelo campo da didática.

Urban defende[...] a necessidade de uma didática específica, voltada ao en-sino de história, que não seja portadora, unicamente, de pro-cedimentos ou indicações metodológicas em relação à prática de ensino, mas que, somada a esses aspectos, tenha na ciência história um aporte para a discussão em torno de que é ensinar e aprender história. Acredita-se que essa opção não estabelece um recorte em torno de uma nomenclatura, mas é uma opção por um objeto de investigação localizado num determinado campo teórico (2009, p. 62).

O campo teórico em que Urban encontra referências para o desen-volvimento de uma didática específica, ancorada na ciência história, é o campo da educação histórica (2009).

Para analisar esses elementos, Urban estabelece um diálogo entre as tarefas da didática da história de Bergamann (1990) e elementos da educação histórica. As tarefas de elaboração da história e sua recepção pelos alunos na formação da consciência histórica; de investigar os processos de ensino, aprendizagem e formação dos indivíduos a partir da e pela história; e de explicitar e desenvolver diretrizes de ensino ancoradas na ciência histórica. Essas são tarefas da didática da história, com preocupações voltadas à aprendizagem, à análise e investigação do significado e à ação normativa do ensino, que coadunam-se com a educação histórica no conceito de cognição histórica e de ensinar e aprender história tendo a história como referência (2009, p. 73).

A didática da história chama para si uma forma de pensar esse ensino e essa aprendizagem, ou seja, procura uma forma de entender como se dá a aprendizagem em história, como o alu-no constrói a ideia sobre a história, sobre os conteúdos que são trabalhados na escola (URBAN, 2009, p. 74).

Em relação às pesquisas em educação histórica, Urban (2009) situa as investigações sobre as ideias históricas prévias dos alunos e a pro-gressão das ideias históricas de jovens, realizadas na Inglaterra por Lee e em Portugal por Barca e Gago, como indícios do processo de desen-volvimento de uma didática que parte de questões fundamentadas na filosofia da história: como os alunos aprendem história? O que é pensar historicamente? A busca da resposta dessas questões específicas

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da história diferencia a educação histórica das outras abordagens sobre o ensino de história, geralmente marcadas pela influência da psicologia. “Quando se traz elementos da cognição histórica, mapea-se um campo de entendimento preocupado com o ensinar e aprender história que possui como referência a filosofia da história” (URBAN, 2009, p. 77). Essa influência da psicologia sobre o ensino de história, já mencionado por Schmidt em relação aos PCN, conforme abordado no capítulo 1, também é apontado por Barca (2000):

Durante a década de sessenta e princípios da década de se-tenta, a investigação em educação foi fortemente influenciada pela teoria piagetiana, enfatizando o desenvolvimento cogni-tivo ao longo de três estádios principais, sequenciais e inva-riantes. Esta corrente reflectiu-se na discussão sobre o lugar da história no currículo [...] e em estudos sobre o pensamento dos alunos em história (p. 23).

Bittencourt (2004) também fala a esse respeito:Essa teoria do desenvolvimento cognitivo (formulada por Piaget) [...], passou a sustentar muitos dos princípios da constituição de conceitos e permitiu justificar a impossibilidade de alunos dos primeiros anos de escolarização dominarem conceitos abstratos, como os de tempo histórico, uma vez que cada fase “operatória” depende de condicionamentos biológicos (p. 185).

Quais seriam os elementos, específicos da natureza da história, que possibilitariam a definição de um campo da didática da história?

Com base em filósofos da história e nas pesquisas em educação histórica, Urban (2009, p. 79) aponta a explicação histórica, a ideia de provisoriedade em história, a ideia de mudança, o conceito de signifi-cância histórica, a ideia de evidência histórica, a ideia de progresso, a empatia histórica e os tipos e as formas de pensar as narrativas como os principais elementos para delinear uma didática da história.

A reflexão sobre esses elementos e as investigações sobre [...] as ideias históricas que as pessoas têm, frente a situações (ou conteúdos) específicas de ensino e aprendizagem, bem como realizar intervenções didáticas no sentido de torná-las mais complexas, constituíram-se em elementos da natureza da didática da história (URBAN, 2009, p. 79).

Além dos estudos no campo da educação histórica, Urban (2009) também buscou as contribuições da teoria da história para uma didá-tica da história.

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O significado da teoria da história na constituição da didática da história está no entendimento de que, se acreditamos que uma didática específica, no caso a didática da história, precisa ter como referência a história, seria oportuno, se não necessá-rio, a teoria da história assumir um papel de ancorar a forma de pensar e produzir a história que, por sua vez vai se desdo-brar na forma de aprender e ensinar história (p. 80).

Utilizando as pesquisas do alemão Jorn Rüsen, teórico da história já referenciado no capítulo 2, que vem subsidiando pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem em história, Urban (2009, p. 80-81) relata seis funções da teoria da história no pensamento sobre a própria história, que nos permitem adaptá-los para uma reflexão sobre os elementos de uma didática da história.

1. A teoria da história tem a função de profissionalizar didatica-mente o historiador: consiste em transmitir aos historiadores em formação uma concepção sólida da especificidade profissio-nal da ciência histórica. É a função propedêutica de preparar o caminho da história, realizar o trabalho de uma forma a intro-duzir os estudos acerca da história. Por extensão, pode contri-buir para a profissionalização didática do professor de história.

2. A teoria da história tem uma função de coordenação: consiste em tornar possível a especificidade da própria história, consi-derando seus princípios e evitando um compartilhamento es-tranho à própria história. Por extensão, poderá contribuir para desenvolver a especificidade histórica do ensino de história.

3. A teoria da história tem uma função motivadora: consiste em fun-damentar as articulações da subjetividade no processo de conheci-mento histórico, geralmente descartadas ou assumidas como ten-denciosas ou não científicas. Por extensão, poderá contribuir para articular a subjetividade dos alunos, valorizando sistematicamente as suas ideias históricas, no processo ensino-aprendizagem.

4. A teoria da história tem uma função de organização e orien-tação das pesquisas do saber histórico diante da dificuldade que os estudiosos enfrentam devido à quantidade de mate-riais, documentos e fontes de pesquisa. A teoria pode desen-volver um “modelo interpretativo” da diversidade e multipli-cidade dessas fontes. Por extensão, poderá contribuir com o desenvolvimento de metodologias de ensino de história que contemplem essa multiperspectividade histórica.

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5. A teoria da história tem uma função de seleção e fundamen-tação dos procedimentos de pesquisa: consiste em fornecer subsídios para que os estudiosos estabeleçam critérios frente às reflexões e aos encaminhamentos que se propõem desenvolver e pesquisar, reforçando o caráter argumentativo e aumentando a qualidade científica da história. Por extensão, poderá contri-buir com a fundamentação da seleção dos conteúdos substan-tivos e de segunda ordem e o desenvolvimento de atividades específicas da história no processo ensino-aprendizagem.

6. A teoria da história tem uma função de mediação: consiste em exercer o papel de ser ponte entre os conhecimentos e a apli-cação deles no contexto social do pensamento histórico. Por extensão, poderá contribuir para estabelecer formas de tornar os conteúdos históricos conhecimentos que contribuam para desenvolver a consciência, a literacia e o pensar histórico dos alunos no processo ensino-aprendizagem.

Esse seria um dos caminhos para desenvolver uma didática da história não distanciada da própria ciência histórica, apregoada por Bittencourt (2004) como uma “boa didática”, e que Urban (2009) referenciou no conceito de consciência histórica de Rüsen (2001):

A consciência histórica é, assim, o modo pelo qual a relação dinâmica entre experiência do tempo e intenção no tempo se realiza no processo da vida humana. [...] Para essa forma de consciência, é determinante a operação mental com a qual o homem articula, no processo de sua vida prática, a experiên-cia do tempo com as intenções no tempo e estas com aque-las. Essa operação pode ser descrita como orientação do agir humano no tempo. [...] A consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem para tornar suas intenções de agir conformes com a experiência do tempo (RÜSEN, 2001, p. 58-59).

Urban (2009) articula a didática da história com a necessidade de levar o aluno a pensar historicamente, sendo a consciência histórica o objetivo central, ou seja, que possa estabelecer conexões entre a his-tória, a vida prática e a aprendizagem. Diante disso, faz-se necessário privilegiar as ideias históricas como ponto de partida para o ensino de história. O campo de investigação que toma como referência a forma pela qual as pessoas pensam a história é a educação histórica:

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A forma pela qual aluno e professor pensam a história sugere que a relação ensino-aprendizagem tenha como ponto de referência a forma pela qual as pessoas pensam a história. E isso pode parecer, em uma primeira impressão, como “desorgani-zador” de todo processo ensino-aprendizagem, mas se exprime onde reside a cognição, que é nos sujeitos nele envolvidos. A apropriação cognitiva está na relação que é estabelecida entre os sujeitos, permeados pela sua experiência e pelos fatos que fazem parte do contexto (URBAN, 2009, p. 89).

Desenvolver uma didática da história referenciada nas ideias his-tóricas dos alunos pode significar mais do que uma nova didática, pode significar a “revolução copernicana”, de centrar o processo ensi-no-aprendizagem na cognição e, por extensão, no sujeito da cognição e sua relação com a cognição, referenciados nos capítulos 3 e 4, e que Urban (2009) descreve como possibilidade de uma nova racionalidade no ensino de história:

Na perspectiva da educação histórica, a mediação, que ocorre por meio dos conhecimentos prévios de quem aprende, pode significar mais do que um tratamento didático, mas uma rela-ção com o ensino que pode não estar cerceado por um docu-mento, pois leva em conta a experiência e a forma de pensar historicamente, tanto de quem está na condição de quem en-sina, como na condição de quem aprende e essa experiência pode evidenciar uma racionalidade que não é aquela prescrita pelos documentos oficiais. Saber história não se traduz somen-te em saber um conteúdo, mas consiste em dar-lhe um senti-do. A aprendizagem em história consiste em ir além de uma simples “memorização”, pressupõe uma explicação mais com-plexa, mas que represente não uma modificação de conteú do, mas principalmente uma outra relação com a experiência dos sujeitos envolvidos (p. 89-90).

O desenvolvimento de uma didática da história é também um dos objetivos do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica – LAPEDUH –, do Programa de Pós-graduação e Extensão em Edu-cação (PPGE), da UFPR. Schmidt (2010, p. 9-13), pesquisadora do PPGE e coordenadora do LAPEDUH, organiza essa trajetória6 em quatro âmbitos de pesquisa:

6 Artigo publicado na revista digital espanhola Epistemología y Metodologia de Las Ciências Sociales, sob o título “Trajetórias da investigação em didática da história no Brasil: a expe-riência da Universidade Federal do Paraná”.

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a) Formação inicial de professores de história, nas disciplinas de Metodologia do Ensino de História, de Prática de Ensino e de Estágio Supervisionado em História, em uma relação entre a universidade e escolas do Ensino Fundamental, por meio do desenvolvimento de projetos de prática de ensino com a proposição de conteúdos e metodologia de ensino a partir de investigações sobre a relação dos jovens e crianças com o co-nhecimento, como no trabalho com fontes e narrativas histó-ricas. E sob a forma de produtos, como os relatórios de prática de ensino e os artigos publicados nos anais do seminário de prática de ensino, realizado, anualmente, na universidade.

b) Projetos de formação continuada em uma relação universi-dade-comunidade, desenvolvendo o projeto “Recriando a história”, desde 1996, em municípios da Região Metropo-litana de Curitiba. Uma proposta de formação continuada de professores da escola fundamental com dois focos. O primeiro, visando a formação continuada de professores dos anos iniciais de escolas públicas, por meio da produção e uso de manuais elaborados a partir de documentos em estado de arquivo familiar e produzidos coletivamente por professores do ensino básico e superior, alunos das escolas públicas e dos cursos de História, Pedagogia e Design da UFPR (projetos “Pinhais”, “Campina Grande do Sul” e “Rio Branco do Sul”). O segundo com a produção de materiais didáticos. Livros: Recriando a história de Pinhais (1997); Recriando a história de Campina Grande do Sul (2003); Recriando a história de Rio Branco do Sul; Recriando histórias de Araucária (2008). Com os professores dos outros anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, esse projeto deu origem a outro: “Documen-tos guardados em estado de arquivos familiares e a produção de um arquivo simulado”, bem como a artigos produzidos pelos próprios professores do Ensino Fundamental e pelos alunos da UFPR.

c) Grupo de investigação sobre a didática da história, envolven-do professores do Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas (projeto “Grupo Araucária”), resultando em reestru-turações curriculares e artigos produzidos pelos professores do

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“Grupo Araucária”, apresentados e publicados em encontros nacionais e internacionais de ensino de história7.

d) A criação do Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica, no âmbito do Programa de Pós-graduação, que reúne inves-tigações sobre a didática da história com alunos do mestrado e do doutorado, contando, atualmente, com um acervo de dissertações, teses e publicações já realizadas.

Schmidt (2010) sintetiza as pesquisas do LAPEDUH sobre a didá-tica da história enfatizando a produção coletiva, a participação de profes-sores investigadores universitários e do Ensino Fundamental em projetos de formação inicial e continuada, integrados com a universidade e com pesquisadores estrangeiros, que visam integrar a didática da história nos estudos e contribuir com a educação histórica de crianças e jovens.

A explicitação destas atividades, pode ser indiciária de elemen-tos para análise e sistematização de algumas reflexões em torno de um projeto comum de constituição de uma epistemologia da didática da história, a partir da sistematização, no futuro, da produção já realizada. No entanto, cabe destacar que essa construção tem sido possível a partir de um projeto coletivo, que reúne professores investigadores universitários e da escola básica brasileiros e buscando-se, numa perspectiva dialógica, o entrelaçamento entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros, com um objetivo comum, que é o de contribuir, de um lado, para que a didática da história possa, definitivamente, ser tra-tada como parte dos estudos históricos; de outro, contribuir para a melhor qualidade da educação histórica de crianças e jovens, independentemente de seus matizes étnicos, raciais, políticos ou sociais, mas certos de que um trabalho conjun-to, apoiado nas reflexões da comunidade de investigadores da didática da história e fundamentado na defesa da democracia e dos direitos fundamentais do ser humano, só pode dar bons frutos (SCHMIDT, 2010, p. 11).

Nos dois últimos capítulos serão aprofundadas metodologias especí-ficas da didática da história, que vêm sendo desenvolvidas pelas pesquisas em educação histórica: a produção de narrativas históricas e o trabalho com fontes e documentos históricos. Essas metodologias são fundamentais no

7 Para conhecer mais sobre o “Grupo Araucária” ver: THEOBALD, H. R. A experiência de professores com ideias históricas: o caso do “Grupo Araucária”. Dissertação (Mestrado em Educação). Curitiba: UFPR, 2007. Disponível no site Domínio Público.

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ensino de história e complementares na investigação das ideias históricas prévias de crianças, jovens e adultos, como vimos no capítulo 4.

Da teoria para a práticaO professor, em suas aulas de história, pode questionar-se sobre

os encaminhamentos didáticos que está adotando. A forma como está trabalhando os documentos históricos, as narrativas do manual didá-tico, as próprias narrativas e as explicações estão levando em conta os níveis de pensamento histórico dos alunos? Estão contribuindo para que desenvolvam e aprimorem seus níveis de compreensão histórica? As atividades que desenvolve em aulas de história contribuem com o desenvolvimento da literacia histórica dos alunos? São atividades que envolvem elementos da ciência histórica, como o domínio da tempora-lidade, a diversidade de perspectivas sobre o passado, a reconstrução de narrativas com base em diversos documentos e narrativas?

É a resposta prática a questões dessa natureza que vão configurando e delineando os contornos de uma didática específica da história, com a qual os professores do Ensino Fundamental podem contribuir com suas reflexões sobre os encaminhamentos em sala de aula, que é o espaço onde a didática ganha contornos práticos e testa a sua viabilidade e efetividade.

Como o desenvolvimento de uma didática da história está em estágio embrionário, cabe aos professores de história em formação continuarem acompanhando as pesquisas neste campo, por meio dos laboratórios de ensino de história das universidades, já referenciados na seção “Da teoria para a prática” do capítulo 1.

SínteseNeste capítulo, vimos que até os anos 80 do século XX era comum

as disciplinas emprestarem da didática geral as ferramentas para seus encaminhamentos metodológicos de ensino. Chevallard desenvolveu o conceito de transposição didática no campo da matemática, fundamen-tado em uma visão estanque de saber sábio, a ser transformado, adap-tado e didatizado em saber a ser ensinado. Essa proposta extrapolou os

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limites do ensino de matemática e passou a ser adaptada para outras áreas de ensino, inclusive o ensino de história.

Partindo das ressalvas e dos limites do conceito de transposi-ção didática, as pesquisas em educação histórica buscam desenvol-ver uma didática da história não distanciada da ciência histórica e fundada em elementos da própria história e da filosofia da história. Uma didática que parta da cognição histórica, do modo como os alu-nos pensam e aprendem a história, e considere as questões da teoria como a explicação histórica, as ideias de provisoriedade em história, de mudança, de evidência histórica, de progresso, de significância, de empatia e narrativas históricas.

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Neste capítulo, será feito um percurso pelos filósofos da his-tória que fundamentam o resgate da narrativa histórica. Em seguida, será analisada a repercussão do regate da narrativa histórica no ensino e sua incorporação à didática da história, como parte constitutiva da consciência histórica.

Ainda neste capítulo, serão analisadas algumas pesquisas sobre a relação que as pessoas estabelecem com as narrativas históricas, suas estruturas e os níveis de relação estabelecidos com elas, bem como sobre o uso da narrativa histórica em sala de aula como forma de ensinar e aprender história.

Narrativa e históriaA guinada metodológica, que muda a perspectiva do ensino de his-

tória e afeta todos os seus atores, especialmente professores e alunos, caracteriza-se pela passagem de um processo de memorização de infor-mações e de relação com narrativas prontas, do manual didático, do pro-fessor e da mídia, para a necessidade da produção de narrativas a partir de inferências e leituras diretas de diversos documentos históricos e de narrativas de várias perspectivas. Essa mudança foi constatada pelas pes-quisas no campo da educação histórica e tornou necessário compreen -der, à luz das pesquisas em torno da narrativa histórica, a relação que crianças e jovens estabelecem com a produção da narrativa histórica.

A relação da narrativa com a história se confunde com a própria his-tória. Heródoto escrevia o que via e testemunhava, os escribas reais narra-vam os feitos da realeza, cercados dos cuidados necessários à condição de

A produção de narrativas em história 7

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súditos. Cícero apresentava a história como a magistra vitae, concretiza-da por meio da seleção de narrativas de acontecimentos exemplares.

No século XVIII, a história passou a ser entendida como sendo o acontecimento, o fato, o Geschichte na perspectiva alemã, e a narrativa do acontecimento e do fato passou a ser assumida como sendo a pró-pria história, expressão da realidade e da verdade. A história passou, assim, a falar por si, e o historiador foi anulado.

No século XIX, por meio da Escola Histórica Alemã, a história buscou ser científica, objetiva e positiva. Então, a narrativa passou a ser utilizada para traduzir a evolução dos fatos históricos, buscou nos arquivos e nos documentos escritos as expressões daquilo que verdadei-ramente aconteceu, ocultando, para tal, o narrador.

No século XX, os Annales introduziram a necessidade de questio-namento dos próprios documentos e da subjetividade do historiador, passando da história-narração à história-problema, e a narrativa passou de relatos de acontecimentos em uma sequência temporal, a ser consi-derada como forma de estruturação do discurso historiográfico funda-mental. Na relação com o passado “real”, a narrativa passou a explicá-lo a partir de questões e problemas propostos pelo historiador, a quem cabia localizar e interrogar as fontes de forma adequada.

Ainda no século XX, são os filósofos da história que aprofundam os debates em torno da relação entre a narrativa histórica e a história, com reflexos importantes para o ensino de história. As posições filosóficas vão desde a negação da possibilidade da narrativa histórica, fundadas na cons-tatação da influência da subjetividade do narrador, outras se contrapondo às tentativas de narrativas históricas totalizantes, de forte cunho doutriná-rio e ideológico, àquelas que visam uma revitalização da visão da história como um relato e a recuperação de sua racionalidade (RÜSEN, 1992b).

Um filósofo da história que contribuiu com uma questão im-portante nesse debate em torno da narrativa histórica é Collingwood (2001), ao resgatar a ideia de que são os sujeitos históricos, com ideias históricas próprias, que narram a história, sendo condição inerente do conhecimento histórico compreender que:

O historiador não se limita a reconstituir o pensamento passa-do, faz a sua reconstituição no contexto do seu conhecimento. Deste modo, ao reconstituí-lo, critica-o, forma um juízo próprio

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sobre o seu valor, corrige quaisquer erros que consiga discernir nele. Esta crítica do pensamento, cuja história ele traça, não é de modo algum secundária em relação ao delineamento de sua his-tória. É uma condição indispensável do próprio conhecimento histórico (COLLINGWOOD, 2001, p. 230).

Collingwood resgata o sujeito narrador como condição do conheci-mento histórico. Walsh (1978) acrescenta a dimensão da experiência como necessária para que a narrativa não seja apenas imaginação idealista:

[...] a história se ocupa dos feitos e experiências dos seres hu-manos no passado. O historiador [...] tenta recompor o pen-samento do passado, mas não se interessa apenas pelas ideias, mas também pelo pano de fundo do sentimento e emoção que tais ideias tinham. Quando procura descobrir o espírito de uma época, não está simplesmente esperando penetrar na sua vida intelectual, mas quer também atingir sua vida emocional (WALSH, 1978, p. 57).

Walsh resgata a importância da experiência humana em uma perspectiva mais subjetiva, complementada por Thompson (1981), que amplia o conceito de experiência para além da dimensão emocio-nal, incluindo as relações produtivas, afetivas, culturais e axiológicas, elaboradas racionalmente por homens e mulheres, no processo dinâ-mico de produção do ser social. O pesquisador contribui, ainda, com a ideia de que a experiência humana se manifesta na consciência.

Essa experiência deve ser de relação com evidências da cultura material e imaterial do passado, para que um sujeito possa construir uma narrativa histórica. É Dray (1969, p. 20) quem contribui com esse critério, quando afirma que “os objetos da investigação histórica são passados e findos. O que se apresenta aos sentidos do historiador é tão somente a evidência daqueles objetos”.

Narrativa histórica e consciência históricaResgatando as contribuições dos filósofos da história, vários

pesquisadores se debruçaram sobre a relação que sujeitos históricos estabelecem com a narrativa histórica, bem como desenvolveram cate-gorias para analisar esta relação.

Topolski (2004), ao buscar estabelecer relações entre a estrutura das narrativas históricas e o ensino de história, parte da tese de que

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o ensino de história terá êxito se estiver atento às mudanças elucida-das pela filosofia da história. Quanto à narrativa histórica, a principal mudança em curso, para ele, é que a filosofia tradicional (positivista e analítica) só levava em conta a estrutura lógica da historiografia, e hoje há uma nítida preocupação com a estrutura e a produção da narrativa histórica. Topolski (2004) cita os estudos de Peter Lee para exempli-ficar a importância de se voltar a atenção aos conceitos históricos de segunda ordem, entre os quais inclui a narrativa histórica, concluin-do que “[...] esses estudos descobrem a pluralidade e a evolução dos esquemas de recepção dos alunos, e, ao mesmo tempo, revelam que os professores têm distintas concepções acerca de sua tarefa ao ensinar história” (p. 103).

Situando a narrativa histórica no centro das atividades didáticas do ensino de história, e de que é necessário ter em conta como se rela-cionam alunos e professores com a narrativa histórica, Topolski (2004) distingue três níveis de sua estrutura: o nível superficial ou informa‑tivo, caracterizado pela lógica verbal que busca transmitir uma infor-mação; o nível persuasivo ou retórico, caracterizado pelo estilo de linguagem do narrador, que busca persuadir os leitores de suas crenças; e o nível teórico‑ideológico ou de controle, caracterizado pelos signi-ficados de orientação ocultos da narrativa, como os mitos da evolução, do progresso e da linearidade temporal, entre outros.

Outro pesquisador que, em diálogo com Topolski e outros filóso-fos da história, aprofunda os estudos em torno da narrativa histórica é Rüsen (2001), já referido no capítulo 2. Ele parte do princípio de que a história e o pensamento histórico são caracterizados, culturalmente, pela narrativa. Situa a narrativa como a racionalidade que dá sentido à histó-ria, bem como orienta o narrador, sujeito histórico, de forma prática no tempo. Pela categoria do sentido, a narrativa permite que o narrador, ao articulá-la, perceba as contingências e as diferenças no tempo, a partir disso interprete as mudanças, oriente-se no tempo e motive-se a agir, conferindo ao sujeito histórico uma identidade. Essa categoria “[...] arti-cula percepção, interpretação, orientação e motivação, de maneira que a relação do homem consigo e com o mundo possa ser pensada e realizada na perspectiva do tempo” (RÜSEN, 2001, p. 156).

A consciência histórica se constitui a partir da “interpretação da experiência do tempo com respeito à intenção quanto ao tempo”, e o

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ato de constituição da consciência histórica pode ser descrito “como transformação intelectual do tempo natural em tempo humano” ( RÜSEN, 2001, p. 60).

Rüsen (1992a) relaciona, também, a narrativa histórica a uma tipologia de expressão das consciências histórica e moral, ao que ele denomina competência narrativa da consciência histórica. Segundo o autor, por meio da narrativa histórica, é possível identificar os tipos de consciência histórica e moral tradicional, exemplar, crítica e ontogené‑tica, predominantes no narrador.

As narrativas tradicionais articulam as tradições e relembram as origens do que constitui a vida no presente. Conforme Rüsen (1993, p. 7), nessas narrativas, a consciência histórica funciona, em parte, “para manter vivas essas tradições” e o passado é a referência para o presente. Na narrativa tradicional o tempo “ganha um sentido de eternidade” (RÜSEN, 1992a, p. 30).

As narrativas exemplares expressam a validade de regras e princípios e generalizam experiências temporais de regras de conduta. Nessas narra-tivas, a história é vista como uma lição para o presente, como algo didáti-co: historiae vitae maestrae (história como mestra da vida). A consciência histórica exemplar revela a moralidade de um valor, ou de um sistema de valores pela demonstração de sua generalidade. A moral é compreendida como tendo validade atemporal. Nesse tipo de narrativa, o tempo “ganha um senso de extensão espacial” (RÜSEN, 1992a, p. 31).

As narrativas críticas caracterizam-se pela habilidade de negar as tradições, regras e princípios, abrindo espaço para novos padrões. Essas narrativas são consideradas anti-histórias. Rüsen (1993, p. 8-9) diz que a consciência histórica crítica “busca e mobiliza uma classe específica de experiência do passado: a evidência conferida pelas ‘contranarrações’”. Nesse tipo de narrativa, o tempo “ganha o senso de ser objeto de julga-mento” (RÜSEN, 1992a, p. 32).

As narrativas ontogenéticas fundamentam, direcionam e explici-tam a mudança temporal e apresentam a continuidade como uma pos-sibilidade, ao incorporar as alterações dos modos de vida, necessários à sua permanência. É a “forma de pensamento histórico que vê a vida social em toda a sua complexidade e sua temporalidade absoluta”, em que “ diferentes pontos de vista podem ser aceitos porque se integram

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em uma perspectiva que abrange a mudança temporal” (RÜSEN, 1993, p. 9). Na consciência histórica ontogenética, “os valores morais se tem-poralizam” e a moral “se despoja de sua natureza estática”. O raciocí-nio moral depende do “argumento de mudança temporal” para poder “estabelecer a validade dos valores morais”. Nesse tipo de narrativa, o tempo “ganha o senso de temporalidade” (RÜSEN, 1992a, p. 33).

A consciência histórica funciona como uma forma específica de orientação em situações reais da vida presente, e tem como função ajudar a compreender a realidade passada para compreender a realidade presen-te. A narrativa torna-se constitutiva da consciência histórica, pois é uma forma específica de significar a experiência do tempo e, para a constitui-ção desse sentido, a narrativa deve estar vinculada à “experiência do tem-po de maneira que o passado possa tornar-se presente no quadro cultural de orientação da vida prática contemporânea” (RÜSEN, 1992a, p. 28).

A narrativa histórica e a sala de aulaAos estudos de Rüsen sobre a narrativa histórica, somam-se as

pesquisas de Husbands (2003) sobre o trabalho com narrativas e sua produção em sala de aula. Para ele, a narrativa histórica tem a função de gerar processos que permitem aos alunos buscar novas compreen-sões e significados pessoais sobre o passado, por meio da ativação do pensamento de quem aprende. Reside aí a importância de se explorar a construção das narrativas históricas em sala de aula.

Isto significa contar histórias, mas também pedir aos alunos que as recontem: submetê-las a um exame crítico, criando um senti-do ao que chamei de verossimilhança e à sua lógica. Envolve uma dúvida construtivamente céptica sobre a natureza das histórias que contamos. Significa relacionar histórias com os princípios organizativos – as ideias de causa, continuidade, mudança – do discurso histórico complexo (HUSBANDS, 2003, p. 39).

Entre os pesquisadores que contribuíram para desenvolver categorias para analisar as narrativas, destaca-se ainda Prost (1996, p. 236-259), que desenvolve alguns tipos analíticos para analisar as nar-rativas históricas: os relatos, os quadros e as tramas. O que caracteriza as narrativas como relatos é a ênfase na cronologia, ou seja, a ordena-ção dos acontecimentos no tempo, sendo necessários ao menos dois eventos seguidos para que seja possível descrever e estruturar um relato.

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O que caracteriza a narrativa como quadro reside na forma como a história é exposta, uma exposição que privilegie as particularidades que conferem unidade e coerência entre acontecimentos e situações, podendo ser exemplificado pelas análises de conjunturas que reúnem uma pluralidade de acontecimentos contemporâneos que se interligam, dando-lhe contornos de totalidade. A trama como narrativa histórica caracteriza-se por privilegiar a elucidação dos conflitos, em detrimento dos acontecimentos e situações do passado. Constitui, ainda, a narra-tiva histórica como trama, a definição de uma temática central, de uma época, de atores e de episódios, para construção de uma narrativa par-ticular dentro de uma narrativa maior, a história.

Com base nos teóricos da história, diversas pesquisas vêm sendo desenvolvidas sobre a relação que alunos estabelecem com as narra-tivas históricas.

Em Portugal, na linha de investigação em cognição histórica situa-da, Gago (2001), partindo da pressuposição de que os alunos portu-gueses têm algum nível de pensamento histórico que precisa ser obser-vado, desenvolveu uma investigação para compreender como os alunos pensam a narrativa histórica. Fez isso centrando seus esforços em obter as explicações dos alunos sobre “a existência de narrativas diferentes sobre a mesma realidade” (p. 2).

Também em Portugal, Barca e Gago (2001, p. 38-39) analisaram narrativas construídas por alunos a partir de três fontes históricas, e desenvolveram três categorias para ordenar a compreensão histórica do passado de jovens portugueses:

compreensão fragmentada ● – narrativas que expressam ideias dispersas e falhas na compreensão e reformulação da expres-são escrita;

compreensão restrita ● – narrativas que expressam uma com-preensão global, mas restritas às informações e expressões das fontes, sem trabalhar com suas diferenças;

compreensão global ● – narrativas em que o aluno expres-sa uma compreensão ampla dos elementos concordantes e discordantes presentes nas fontes, incluindo elementos de sua experiência de vida.

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No Brasil, vêm sendo realizados alguns estudos exploratórios a partir de narrativas para investigar como os jovens brasileiros compreendem e atribuem sentido ao passado de seu país e da humanidade. Destacamos alguns desses estudos: o relato de uma intervenção pedagógica a partir de narrativas de histórias familiares, alicerçadas em documentos históricos, visando dar sentido de identidade às experiências familiares dos alunos (ALMEIDA, 2007); o estudo exploratório realizado por professores de história do Ensino Fundamental de três escolas municipais de Araucária8 e uma pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, com o objetivo de investigar como os jovens brasileiros compreendem e atribuem sen-tido ao passado de seu país e da humanidade por meio de narrativas (COMPAGNONI et al., 2006); o projeto “Recriando história”, que in-centiva o trabalho de professores dos anos iniciais a trabalharem com a produção de narrativas pelos seus alunos, a partir de documentos em es-tado de arquivo familiar (SCHMIDT; GARCIA, 2006). Nesse projeto:

As atividades desenvolvidas nas aulas geram uma rica produção dos alunos, tais como textos, desenhos, histórias em quadri-nhos e cartazes. Esse conjunto de materiais se constitui num acervo de narrativas produzidas pelos alunos e professores que, devidamente organizado por meio de processos de seleção e classificação, tratados didaticamente, e articulados a outros ma-teriais, podem ser utilizados na elaboração de manuais para uso nas aulas de história (SCHMIDT; GARCIA, 2006, p. 20)

Narrativa elaborada a partir de objetos históricos, por alunos da 3ª série (4º ano no ensino de nove anos) do Ensino Funda-mental, no projeto “ Recriando histórias de Araucária”9.

Para iniciar as atividades, a professora pediu aos alunos que respondessem algumas perguntas sobre o trabalho. Depois, os alunos trouxeram alguns objetos antigos como: pote de barro, lanterna a querosene, moedor de café, rádio, dinheiro, ferro de passar roupa a brasa, alguns documentos, etc.

8 Município situado na Região Metropolitana de Curitiba, Paraná, Brasil. Fica à 30 km de distância de Curitiba e tem cerca de 110 mil habitantes. Cidade onde predominam as ativi-dades industriais.

9 Narrativa elaborada pelas alunas Edoina da Silva de Lima, Ketlin Shaiane Gebos e Bárbara Pa-dilha, da Escola Rural Municipal Presidente Castelo Branco (SCHMIDT; GARCIA, 2008, p. 167).

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A aluna Bárbara trouxe o moedor de café, que pertenceu a seu avô. A aluna Ketlin trouxe o ferro de passar roupa a brasa, que pertenceu a sua bisavó e hoje é de sua mãe. “Nós aprendemos muito com tudo o que fizemos e acha-mos muito bom, porque conhecemos objetos que não são da nossa época.” O objeto escolhido foi o moedor de café, para aprofundarmos mais o nosso conhecimento sobre ele.

Também no Brasil, Gevaerd (2009), em sua tese de doutorado A narrativa histórica como uma maneira de ensinar e aprender história: o caso da história do Paraná, parte do pressuposto de que a história é uma ciência que possui uma natureza narrativista. Ela verificou os tipos de narrativas históricas da história do Paraná, presentes no processo de escolarização, e investigou as narrativas difundidas pelo manual didático, pelas propostas curriculares e na sala de aula de uma professora do Ensino Fundamental, por meio de observação qualitativa. Então, analisou a possibilidade de convergência dessas narrativas com a aprendizagem histórica, evidenciada nas narrativas produzidas pelos alunos. Pautou sua investigação no cam-po da educação histórica, mais especificamente no conceito de cognição histórica situada, ou seja, na perspectiva da compreensão das ideias de professores e alunos em contexto de ensino de história, tomando como referência o próprio conhecimento histórico.

Em sua pesquisa, Gevaerd (2009) observou que a professora, em suas aulas, não incorporou os procedimentos metodológicos sugeridos pelas diretrizes curriculares do município, de 2006, de privilegiar o tra-balho com documentos e a produção de narrativas. O ensino limitou-se à leitura do conteúdo do livro e à resposta de questões, mesmo diante do investimento do município em formação continuada, demonstran-do as dificuldades que questões teóricas e metodológicas enfrentam no contexto escolar.

Com uma metodologia em que predominou a memorização, que não partiu das ideias históricas prévias dos alunos para realizar a inter venção pedagógica, a professora teve dificuldade em migrar para uma aprendizagem que privilegiasse o contato com diversas narrati-vas históricas e que levasse os alunos à produção de narrativas. Como resultado, as poucas narrativas elaboradas não revelaram a ideia da

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multiperspectividade da história e seguiram a lógica dos manuais didá-ticos, predominando as narrativas fragmentadas que pouco absorveram das explicações da professora (GEVAERD, 2009).

Esse jeito de os alunos produzirem suas narrativas indica duas questões fundamentais. Primeiramente que, do ponto de vis-ta didático, a aula precisa ser modificada, pois é preciso trazer as ideias prévias dos alunos como elementos constitutivos da aprendizagem e da metodologia do ensino de história. Isto su-gere a necessidade de “levantar e trabalhar de forma diferenciada as ideias iniciais que os alunos manifestam tacitamente”, mas, “tendo em atenção que estas ideias podem ser mais vagas ou mais precisas, mais alternativas à ciência ou mais consentâneas com esta” (BARCA, 2004, p. 136). Esta é uma das vertentes fundamentais ao se planejarem as atividades para uma aula na perspectiva da educação histórica (GEVAERD, 2009, p. 290).

Segundo Gevaerd (2009), outra questão importante é a necessidade de que os professores incorporem a ideia de que a narrativa histórica é constitutiva da aprendizagem histórica, na qual ela não é um fim em si mesma, mas um meio para produzir uma compreensão sobre o passado. Quando se trata do uso da narrativa no ensino de história, para Gevaerd (2009), o campo da educação histórica assume um papel importante,

[...] uma vez que leva em consideração não só o desenvolvimento do pensamento histórico dos alunos em relação à com preen são de situações do passado, mas também os procedimentos metodológicos usados pelos historiadores que são levados para a sala de aula em situações de ensino e aprendizagem (p. 291).

O principal estudo sobre o uso da narrativa em sala de aula no Brasil é parte do projeto “Aprender a ler, aprender a escrever em histó-ria”, coordenado por Maria Auxiliadora M. S. Schmidt, que publicou resultados parciais das pesquisas na revista Tempos históricos, da Univer-sidade do Oeste do Paraná – Unioeste, no primeiro semestre de 2008, sob o título “Perspectivas da consciência histórica e da aprendizagem em narrativas de jovens brasileiros”.

Schmidt (2008), fundamentando a análise dos resultados da investigação “Perspectivas da consciência histórica em jovens brasilei-ros” (COMPAGNONI et al., 2006), conclui que a narrativa histórica desempenha um duplo papel dialético na dinâmica do ensino de histó-ria, elaborando a evidência e explicitando a consciência, subjetivando o que é objetivo e objetivando o que é subjetivo:

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[...] aprender é um processo dinâmico, no qual a pessoa que aprende muda porque algo é obtido, algo é adquirido, num insight, habilidade ou a mistura de ambos. No aprendizado his-tórico a “história” é obtida porque fatos objetivos, coisas que aconteceram no tempo, tornam-se uma questão de conheci-mento consciente, ou seja, eles tornam-se subjetivos. Eles co-meçam a fazer um papel na mente de uma pessoa, porque a aprendizagem de história é um processo de, conscientemente, localizar fatos entre dois polos, caracterizado como um movi-mento duplo, ou seja, primeiramente é a aquisição de experiên-cia no decorrer do tempo (formulado de maneira abstrata: é o subjetivismo do objeto); em segundo lugar é a possibilidade do sujeito para analisar (ou seja, o objetivismo do sujeito). Isso não significa que essa aprendizagem seja empiricamente apresenta-da de uma forma fragmentada e seca (objetiva) e simplesmente reproduzida conscientemente – ou seja, simplesmente objetiva. Isso não significa também que a pessoa que está aprendendo seja simplesmente entregue ao que a história está ensinando a ele ou ela, mas que ocorre um movimento de autoconheci-mento, o qual pode ser expresso por meio da narrativa históri-ca (SCHMIDT, 2008, p. 82-83).

Narrativa elaborada por aluna da 3ª série (4º ano do ensino de nove anos) do Ensino Fundamental, a partir de três entrevistas feitas pela turma com trabalhadores no projeto “Recriando his-tórias de Araucária”10.

“Nossa sala já fez três entrevistas e nessas três aprendemos muito. Apren-demos algumas coisas bem importantes.

Com o seu José aprendemos que devemos ter boas relações com o nosso pa-trão quando ficarmos maiores. Vimos uma coisa impressionante: que a gente, hoje, só vai trabalhar quando ficarmos maiores e o seu José começou com apenas nove anos na lavoura de café. Também acho que devemos agradecer por nós termos cinco dias de aula e dois de descanso, e olha que só estamos estudando. O seu José tinha seis dias para trabalhar e um de descanso. Tam-bém vimos que o trabalho não é fácil. Vimos que quando temos um sonho de ter uma profissão, temos que batalhar porque não é fácil de conseguir; que de-vemos ficar felizes com a vida boa que temos porque a vida dele não era fácil.

10 Narrativa elaborada pela aluna Bruna Ferreira Padilha, da Escola Municipal Professora Silda Sally Wille Ehlke (SCHMIDT; GARCIA, 2008, p. 165).

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Com a Dona Marli aprendemos que não devemos ter vergonha do nosso trabalho quando ficarmos maiores. Que devemos levar a sério nossos estu-dos para irmos bem. Ela disse também que não devemos assinar nenhum papel sem ler.

Vimos uma coisa bem legal: que antes empregada doméstica era tratada como da família e que hoje só é tratada como empregada doméstica e até as maltratam. Aprendemos que quando gostamos de uma profissão, no futu-ro, talvez, não conseguiremos tê-la.

Com a professora Bernadete aprendemos que ser professora é muito difí-cil, que devemos ficar felizes com a nossa escola porque a da professora, antigamente, não tinha quase nada. Também vimos que hoje já existem meios de transporte, e a gente reclama. Imagine a professora que ia de bicicleta à escola.

Eu aprendi que o trabalho é uma coisa séria e muito importante.

O trabalho pra mim é qualquer tipo de coisa: lavar a louça, juntar lixo, lim-par a casa, estudar, trabalhar em uma empresa.”

Da teoria para a práticaA produção de narrativas em sala de aula pelos alunos, a partir de

diversos documentos históricos, é uma forma de estimular o desenvol-vimento e a organização da consciência histórica. É uma prática que exige do professor a seleção de diversos documentos sobre um determi-nado conteúdo ou situação do passado, de preferência com perspectivas diferentes, para que o aluno possa produzir a sua narrativa.

A produção de narrativas torna-se mais eficaz como ponto de che-gada do trabalho com o aluno, que tem início com a investigação dos conhecimentos históricos prévios sobre um determinado conteúdo, a intervenção pedagógica organizada a partir das lacunas detectadas na investigação, o trabalho com os documentos históricos selecionados

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sobre o conteúdo e, por último, a comunicação da aprendizagem após a intervenção pedagógica. Essa comunicação pode ser em forma de produção de narrativas.

O trabalho com produção de narrativas históricas constitui-se em uma mudança metodológica que, implementada com crianças dos anos iniciais, permite familiarizá-las com esse tipo de instrumento. Já com alunos de etapas mais avançadas, pode haver resistências com a produ-ção de narrativas, devido à falta de familiaridade com essa prática pe-dagógica, que só será superada na prática. O que pode contribuir para diminuir essas resistências é o trabalho com um viés significativo do conteúdo – dado que a investigação das ideias históricas prévias pode fornecer –, bem como o estabelecimento de funções comunicativas ou até mesmo avaliativas para a narrativa.

SínteseNeste capítulo, vimos que a narrativa histórica se confunde com a

própria história, que é temática recorrente dos filósofos da história que já chegaram a negar sua possibilidade, devido à subjetividade do nar-rador. No entanto, a narrativa histórica foi resgatada como produção de sujeitos históricos com ideias próprias, que reconstituem o passado no seu contexto. É uma reconstituição das experiências humanas do passado fundamentada em evidências.

As pessoas estabelecem relações com a narrativa histórica de diver-sas formas, tanto com seu conteúdo quanto com sua estrutura histórica, sendo central na vida das pessoas e, por extensão, ao ensino de história, pois é instrumento para o desenvolvimento da consciência histórica, é parte constitutiva desta. A narrativa é a racionalidade que dá sentido à história e orienta seu narrador de forma prática no tempo, pois articula presente, passado e futuro.

No ensino de história, a narrativa histórica em forma de rela-tos, quadros e tramas tem a função de gerar processos que permitam aos alunos buscar novas compreensões e significados pessoais sobre o passado, por meio da ativação do pensamento de quem aprende. Ao

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produzirem narrativas históricas, as crianças, os jovens e os adultos podem expressar-se de forma mais ou menos fragmentada, restrita ou global, dependendo do nível de compreensão e da riqueza das fontes a que têm acesso para a produção. A narrativa histórica desempenha um duplo papel dialético na dinâmica do ensino de história, elaborando a evidência e explicitando a consciência, subjetivando o que é objetivo e objetivando o que é subjetivo.

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Neste capítulo será aprofundado o aspecto metodológico do ensino de história na perspectiva da educação histórica. Nos capítulos anteriores, 4 e 7, foram explicitados dois encaminhamentos metodoló-gicos fundamentais: a investigação das ideias históricas prévias de crian-ças, jovens e adultos e um roteiro para a incorporação metodológica destas ideias em uma unidade temática investigativa; e a importância do resgate da produção de narrativas históricas.

Além desses encaminhamentos metodológicos já trabalhados, é per-tinente aprofundar o tratamento de fontes e documentos históricos como parte do processo de ensino de história, e tecer algumas considerações sobre a avaliação, que está implícita em toda metodologia. Antes de tratar sobre o trabalho com fontes e documentos históricos, apresentaremos três concei-tos históricos de segunda ordem, importantes para o tratamento das fontes e documentos: a temporalidade, a evidência e a inferência históricas.

A temporalidadeSe existe uma unanimidade entre pesquisadores da área de história,

de historiadores a professores, trata-se do entendimento de que a tem‑poralidade histórica é uma categoria central do pensamento histó‑rico. No entanto, há uma evolução na compreensão dessa categoria e suas implicações para o ensino de história. Nessa perspectiva, Siman (2005) fez a seguinte consideração:

Para se compreender a temporalidade das ações humanas, além de ser necessário elucidar essas relações, não se pode esquecer o sentido do tempo, nas suas mais diferentes formas de manifes-tação e construção intelectual, varia de acordo com as socieda-des, mudando de acordo com o passar do tempo (p. 109).

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No ensino de história, o tempo histórico tem sido compreendido tradicionalmente como ideia de linearidade cronológica, com os fatos do passado organizados em torno de uma linha do tempo. Essa ideia de tempo linear sofreu diversas críticas durante o século XX, sendo nega-da, suplantada e incorporada por outras ideias de temporalidade.

O marxismo contribuiu com a ideia de tempo como processo his‑tórico/historicidade, como construção de vários sujeitos em um campo de múltiplas possibilidades, ela não é cíclica nem linear, mas, sim, dinâ-mica e contraditória, podendo ter avanços, recuos ou retrocessos.

A Escola dos Annales contribuiu com duas ideias de temporalida-de, a mais conhecida é a ideia de tempo como curta, média e longa duração/multiplicidade temporal, em que o tempo curto compreen-de o tempo do indivíduo, do acontecimento, da narrativa, do fato, enquanto elemento de uma série e não pela sua unicidade. O tempo médio compreende a conjuntura, usada para designar as mudanças mais frequentes e momentâneas. O tempo de longa duração compreende o tempo das estruturas, com permanências, por vezes, seculares.

Outra contribuição da Escola dos Annales, na vertente da nova his-tória, refere-se à ideia de tempo passado e presente como recorrência histórica, com viés mais metodológico, na perspectiva de reelaborar o conhecimento histórico produzido na relação presente/passado/pre-sente, estabelecendo relações entre a sociedade em que se vive e outras sociedades em diferentes tempos e espaços (aqui/agora, agora/em outro lugar, aqui/antigamente, outro tempo/outro lugar). A ideia de tempo como recorrência histórica visava quebrar com a noção de tempo linear e único, e despertar a percepção das múltiplas dimensões temporais micro no macro, para além da linearidade cronológica.

Ao se tratar do passado, é pertinente considerar também as ideias de tempo sincrônico, diacrônico e anacrônico. O primeiro refere-se à simultaneidade dos acontecimentos, o segundo ao entrelaçamento de acontecimentos com o passado e o terceiro à “mistura” de acontecimen-tos de tempos históricos diferentes.

Fazendo uma síntese que incorpora as ideias anteriores, Siman (2005, p. 110) considera o tempo histórico como central na experiên-cia humana, por ser estruturante do pensamento e da ação humana, sendo, portanto, central na história e no seu ensino. Para Rüsen (1993),

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Capítulo 8

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a ideia de tempo histórico como categoria central da história e do ensino de história deve incorporar todas as ideias de tempo histórico para construir a ideia de tempo como consciência histórica11, na qual o presente e o passado são lugar de experiência humana e de gesta-ção do futuro, a consciência histórica nasce do entrelaçamento crítico presente/passado/futuro, possibilitando a dialética construção/recons-trução da identidade humana, potencializada pelo desenvolvimento da literacia histórica.

A ideia de tempo como consciência histórica, que incorpora as demais ideias de tempo, manifesta-se nesse depoimento de uma profes-sora, em uma investigação sobre a ideia de professores sobre conceitos históricos de segunda ordem:

A compreensão do processo histórico de uma temática es-tudada remete a possibilidade da recorrência histórica que implica no domínio da cronologia. Por exemplo, a partir do estudo de uma temática como a “democracia”: é necessário pesquisar o que o aluno entende sobre o tema, trabalhar com ele o processo de construção na história do conceito de de-mocracia (seu significado em diferentes épocas históricas – suas permanências/mudanças, semelhanças/diferenças). A partir desses estudos, torna-se possível a recorrência histórica no sentido de ajudar o aluno a pensar historicamente e ad-quirir uma consciência histórica do conceito de democracia. Nesse sentido a compreensão da cronologia torna-se um ins-trumento para a recorrência histórica que se fez necessária (THEOBALD, 2007a, p. 178, grifos do autor).

Essa ideia de tempo histórico é referenciada por Siman (2005), ao afirmar que:

O tempo histórico é produto das ações, relações e formas de pensar dos homens e essas ações variam ao longo do tempo cronológico. Em cada tempo histórico – ou em cada presen-te – coexistem relações de continuidade e de rupturas com o passado, bem como perspectivas diferenciadas de futuro. Assim, as mudanças e permanências que acontecem num de-terminado tempo não se explicam pelo que aconteceu num tempo cronológico imediatamente anterior; no entanto, não podemos prescindir da cronologia para construir demarcações dos processos históricos (p. 111).

11 A ideia de tempo como consciência histórica é formulada a partir do conceito de cons-ciência histórica de Rüsen.

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A ideia de temporalidade constitui-se na principal ideia histórica de segunda ordem, da especificidade da história, que está presente em todas a propostas, parâmetros e diretrizes de ensino de história consultados. A novidade, no entanto, é o conceito de gênese crítica das temporalidade como manifestação de níveis de operação da consciência histórica.

A evidência e a inferência históricasAlém da temporalidade, outras duas categorias importantes para a

compreensão do passado e de sua reconstrução são a evidência e a in-ferência históricas. São categorias fundamentais para o tratamento das fontes e dos documentos históricos, portanto, fundamentais no méto-do de ensino de história.

Os conceitos de inferência e evidência históricas foram articulados pelo filósofo da história Collingwood (2001). Esse pesquisador inglês parte do pressuposto de que a história é

[...] uma ciência de tipo especial. É uma ciência, cujo objetivo é estudar eventos não acessíveis à nossa observação e estudar inferentemente estes eventos, argumentando em relação a eles, a partir de algo diverso, que é acessível à nossa observação – aquilo a que o historiador chama “provas” dos eventos que lhe interessam (p. 262, grifo nosso).

Essas “provas” dos eventos são as evidências do passado, e a possi-bilidade de fazer inferências sobre essas evidências do passado torna a ciência histórica crítica e orgânica, permitindo transformar os testemu-nhos do passado em conhecimento histórico, desde que confirmados pelo tratamento e testemunho das fontes.

Para Ashby (2003), o trabalho com a inferência de evidências do passado é o caminho “para fornecer aos alunos uma compreensão da natureza da investigação histórica” (p. 37). A investigação histórica é fundamental no ensino de história, pois é um dos conceitos históricos que sustentam a compreensão da história como uma disciplina, junto com a compreensão histórica, o conhecimento e compreensão de acontecimentos, povos e mudanças do passado, a interpretação his‑tórica e a organização e comunicação da aprendizagem.

Partindo do pressuposto de que os alunos, assim como os his-toriadores, podem fazer inferências diretas sobre fontes e evidências

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do passado, a pesquisadora inglesa está convencida de que a educação histórica deve assegurar ao aluno a compreensão de que o conheci-mento sobre o passado está assentado “na interpretação do material que o passado deixou para trás, que isso foi reconstruído com base na evidência, não sendo uma simples cópia do passado” (ASHBY, 2003, p. 41). Por isso, é importante que os professores desenvolvam ativi-dades de aprendizagem que permitam aos alunos o contato com vá-rios tipos de objetos, de materiais que relembrem o passado, “fazer e responder questões que visam interrogar e avaliar fontes em relação a investigações particulares e no contexto da sociedade que as produziu” (ASHBY, 2003, p. 39).

Segundo Ashby (2003), o ensino da investigação histórica visa desenvolver as seguintes aptidões nos alunos:

aproximação reflexiva do conhecimento; ●

respeito pela verdade; ●

respeito pela evidência; ●

imparcialidade na gestão de conflitos; ●

predisposição para reexaminar certezas apreendidas; ●

reconhecimento de julgamentos válidos e bem fundamentados; ●

admissão de controvérsia; ●

predisposição para considerar o contexto no qual o discurso, ●intenção ou ação são relatados.

Um espaço privilegiado para proporcionar aos alunos a opor-tunidade de realizar inferências sobre fontes históricas é o museu. Compagnoni (2009), em sua dissertação de mestrado Em cada museu que a gente for carrega um pedaço dele: compreensão do pensamento histó­rico de crianças em ambiente de museu, desenvolveu um estudo visando analisar a possibilidade do desenvolvimento da consciência histórica das crianças/alunos durante aulas‑visitas a museus.

Para Compagnoni (2009), a aula-visita ao museu revelou-se uma atividade estimulante diante da falta de motivação dos alunos nas au-las de história, levando-os a produzirem narrativas históricas para além das costumeiras cópias, tornando-os “espertos para contar a história,

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para narrar de forma que as ideias fluam espontaneamente, sem a preocupação usual com o decorar para, em seguida, contar artificial-mente” (p. 110-111).

A aula-visita permite, ainda, despertar nas crianças a identidade de aluno pesquisador, faltando, no entanto, uma preparação dos pro-fessores para que superem a visão dos museus como locais e espaços em que a história é estática, pronta e acabada, não reconhecendo os acervos como documentos e evidências históricas, que tornam possível uma investigação racional sobre o passado (COMPAGNONI, 2009).

Pensa-se que embora os professores tenham percebido que aqueles objetos, documentos, provocavam, estimulavam as crianças/alunos, os professores, ao elaborarem os projetos de aula-visita, consideravam que as crianças/alunos estavam diante da história desvelada. O que parece é que os pro-fessores não possuem leituras suficientes sobre o que seja a evidência dentro do ensino de história, ou sobre como uti-lizar os museus em suas aulas, como espaços cujos objetos e documentos constituem evidências de que há um passado, e que este não está narrado. É no trabalho todo do seu projeto que a história vai ser desvelada para as crianças/alunos, e que vai aparecer no texto, na narrativa desses sujeitos estudantes ( COMPAGNONI, 2009, p. 111-112).

Com a sua pesquisa, Compagnoni (2009) contribuiu com a construção desse conceito de aula‑visita ao museu como forma de estímulo de relação consciente de crianças/alunos com o passado, tornando a aprendizagem de história mais significativa, permitindo uma compreensão da história de forma mais cuidadosa e satisfatória, já que, quando os alunos são “envolvidos em temas e metodologias que respeitam a natureza da história, eles passam a considerá-la inte-ressante, aprendem, e vão ganhando uma consciência histórica cada vez mais elaborada” (p. 112).

Esse ato educativo de levar as crianças/alunos aos museus para que estes entrem em contato com os objetos e documentos no ensino de história contribui para que os discursos diver-sos, as vozes silenciadas, sejam recuperados e valorizados pelos alunos, na construção do conhecimento histórico e na for-mação de sua consciência histórica, dando sentido à sua vida, na perspectiva de um horizonte de lutas e sofrimentos, mas também de conquistas de direitos e deveres como cidadãos (COMPAGNONI, 2009, p. 109).

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O trabalho com documentos e o tratamento de fontes históricas

Partindo do pressuposto de que o passado, para ser compreendido nas diversas dimensões da temporalidade, deve ser inferido em suas evidências, o método mais coerente é trabalhar com os documentos e as fontes históricas.

Há diversos registros da incorporação e da utilização de documen-tos no ensino da história em manuais e livros didáticos e a defesa de seu uso em sala de aula durante todo o século XX12. No entanto, ao final do século passado, há uma mudança no entendimento das finalidades de seu uso nas aulas de história.

Se antes a função dos documentos era apenas de comprovar, ilus-trar, informar ou motivar o estudo de um conteúdo, agora tomar os do-cumentos históricos como fontes é compreendê-los como evidências de situações vividas no passado. Os documentos são portadores de signi-ficados não elucidados que necessitam de tratamento, problematização e significação do professor e dos alunos em situação de aprendizagem, para possibilitar a reconstrução do passado.

Segundo Caimi (2008), essa transformação na forma de tratar os documentos como fontes no ensino de história tem origem na mudan-ça de sua compreensão pelas pesquisas historiográficas. Para a pesqui-sadora, essa mudança no ensino de história pode ser constatada nos seguintes aspectos:

a) a compreensão da relatividade do conhecimento histó-rico, fruto não de verdades definitivas, mas do olhar do historiador – sempre seletivo –, do método e das fontes;

b) ruptura com a ordenação temporal e espacial dos conteú-dos, fundamentada na noção de múltiplas temporalidades e na perspectiva francesa da história por eixos temáticos;

c) consenso em torno da impossibilidade de estudar toda a história da humanidade, de todas as épocas e lugares, e da necessidade de fazer recortes de temáticas e proble-máticas de estudo nos programas escolares, com base em

12 Para ver um breve histórico do tratamento das fontes e documentos históricos pela historiografia e sua presença nos manuais didáticos, consultar Caimi (2008). Disponível em <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/download/.../475>.

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preocupações advindas das práticas sociais e das proble-máticas do tempo presente;

d) compreensão da memória histórica como instrumento de luta, de emancipação e de transformação social, na medi-da em que contribui para o desenvolvimento de habilida-des de pensamento que permitem a desnaturalização do passado e o questionamento das tradições herdadas;

e) incorporação de diversas linguagens de ensino, com espe-cial atenção para o cinema, a música, a imagem e docu-mentos históricos impressos em geral;

f ) tentativa de substituição da memorização pela reflexão histórica, favorecendo a aprendizagem pela descoberta e pela construção do conhecimento;

g) ênfase na produção do conhecimento pelo manuseio de fon-tes históricas, visitações a arquivos, museus, sítios arqueo-lógicos, destacando-se o esforço de promover a apropriação dos procedimentos da pesquisa histórica, pelos estudantes;

h) valorização da história local pelo estudo do meio e pela memória oral (CAIMI, 2008, p. 132).

As pesquisas em educação histórica acrescentaram a importância do tratamento de documentos e fontes históricas pelos alunos em situação de aprendizagem, como forma de contribuir com a instru-mentalização de ideias históricas de segunda ordem: de compreen‑são do documento histórico como evidência do passado, sobre o qual é possível fazer inferências e, a partir delas, produzir narrativas sobre o passado, diversas das narrativas do professor ou do manual didático. É a possibilidade de dotar o aluno de uma estrutura utilizá-vel do passado, contribuindo com o desenvolvimento de sua literacia histórica e com o aprimoramento de sua consciência histórica. Nessa perspectiva “é imprescindível que a história seja trabalhada nas aulas incorporando toda sua coerência interna e oferecendo chaves para o acesso a sua estrutura como conhecimento científico do passado” (PRATS, 2006, p. 204).

A utilização escolar de fontes e documentos históricos é preconiza-da pelos PCN, que os tomam como

[...] obras humanas que registram, de modo fragmentado, pequenas parcelas das complexas relações coletivas. São in-terpretados, então, como exemplos de modos de viver, de vi-sões de mundo, de possibilidades construtivas, específicas de

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contextos e épocas, estudados tanto na sua dimensão material (elementos recriados da natureza, formas, tamanhos, técni-cas empregadas), como na sua dimensão abstrata e simbólica (linguagens, usos, sentidos, mensagens, discursos) (BRASIL, 1998, p. 55).

Os PCN entendem que o professor é central no trabalho com documentos históricos, sendo necessário desenvolver uma competên-cia específica para utilizá-los pedagogicamente, pois “cabe ao professor ensinar os seus alunos a realizar uma leitura crítica de produções de conteúdos históricos, distinguindo contextos, funções, estilos, argu-mentos, pontos de vista, intencionalidades” (BRASIL, 1998, p. 56).

O encaminhamento que os PCN propõem tem como pano de fun-do um misto de interpretação de texto, didática geral e didática da histó-ria, com predominância de questões específicas da ciência histórica. Isso pode ser percebido nas questões a serem feitas às fontes propostas:

Podem ser criadas situações em que os alunos aprendam a ques-tionar e a dialogar com os textos: em que contexto histórico foi produzido? Quais os fatos e os sujeitos históricos que foram privilegiados? Existiria a possibilidade de privilegiar outros su-jeitos e outros fatos? Como o tempo está organizado? Quais os argumentos defendidos pelo autor? Como está organizado o seu ponto de vista? Existem outras pessoas que defendem as mesmas ideias? Como pensam outras pessoas? Como se pode pensar de modo diferente do autor? Qual é a opinião pessoal sobre o que o autor defende? (BRASIL, 1998, p. 56).

O Currículo Nacional de História de Portugal avança na concep-ção da utilização das fontes históricas no ensino de história, pois as compreen de como conceito referente à natureza do saber histórico, in-tegra-as aos princípios do ensino de história por possibilitarem aos alu-nos construírem inferências e desenvolverem ferramentas intelectuais para compreensão e interpretação da realidade:

O pensamento histórico envolve não só a compreensão de “conceitos substantivos” (por exemplo: democracia ateniense ou Revolução Industrial), como também a compreensão implí-cita de conceitos referentes à natureza do saber histórico (por exemplo: fonte, interpretação, explicação, narrativa). As meto-dologias que os alunos experienciam veiculam uma determi-nada leitura destes conceitos: se a simples memorização da in-formação apresenta a história como um relato fixo do passado, propondo uma postura passiva perante o saber, a construção

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de inferências a partir de fontes diversas indicia uma visão da história apta a fornecer ferramentas intelectuais indis‑pensáveis à interpretação e explicação da realidade, que é dinâmica (PORTUGAL, 2001, p. 87, grifos nossos).

O currículo de história luso também define o tratamento de in‑formação/utilização de fontes como um dos eixos de competências específicas a ser desenvolvido pelo ensino de história. Como suporte para desenvolver essa competência, propõe experiências de aprendiza-gem para atingi-las, por ciclo de aprendizagem:

1º ciclo:• Utilizaçãodealgunsprocessossimplesdeconhecimentoda

realidade envolvente: observar, inquirir, descrever, formular questões e problemas, avançar possíveis respostas, confirmar.

• Distinçãodefontesdeinformaçãocomdiferenteslingua-gens: orais, escritas, iconográficas, gráficas, monumentais.

• Interpretaçãode fontesdiversas em tornodos conceitosessenciais para a compreensão social e histórica.

2º ciclo:• Utilizaçãodetécnicasdeinvestigação:observaredescrever

aspectos da realidade física e social; recolher, registrar e tra-tar diferentes tipos de informação; identificar problemas; formular hipóteses simples; elaborar conclusões simples.

• Interpretaçãodeinformaçãohistóricadiversaecomdife-rentes perspectivas. Exemplos de actividades: organização e elaboração do atlas da aula e friso cronológico; análise de documentos escritos (adaptados); análise de documen-tação iconográfica (a privilegiar necessariamente); análise de documentação gráfica (sobretudo gráficos de barras e sectogramas); análise de documentação cartográfica ( mapas com escala gráfica); organização de dossiers temá­ticos; orga nização de ficheiros temáticos, de conceitos ou de referências bibliográficas.

3º ciclo:• Utilizaçãodametodologiaespecíficadahistória:participar

na selecção de informação adequada aos temas em estudo; distinguir fontes de informação histórica diversas: fontes primárias e secundárias, historiográficas e não historiográ-ficas (ficção, propaganda...); interpretar documentos com mensagens diversificadas; formular hipóteses de interpreta-ção de factos históricos; utilizar conceitos e generalizações na compreensão de situações históricas; realizar trabalhos simples de pesquisa, individualmente ou em grupo.

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Capítulo 8

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• Inferênciadeconceitoshistóricosapartirdainterpretaçãoe análise cruzada de fontes com linguagens e mensagens variadas (textos, imagens, mapas e plantas, tabelas crono-lógicas, gráficos e quadros) (PORTUGAL, 2001, p. 92, grifos do autor).

Ainda na perspectiva prática, Schmidt e Cainelli (2004), no livro Ensinar história, apresentam um roteiro para o uso do documento his-tórico em sala de aula. Inicialmente, fundamentam seu uso como forma de elucidar as condições de produção e desvelar o discurso histórico:

De modo geral, o discurso histórico, mesmo acompanhado pelas indicações das atividades e metodologias do historiador, cria, constantemente, o paradoxo de mascarar as condições de sua produção e colocar em cena uma realidade com que ele tende, abusivamente, a se confundir. Assim, para o ensino de história, o trabalho para entender e desvelar o discurso his-tórico impõe uma atividade incessante e sistemática com o documento em sala de aula (p. 89).

Quanto ao roteiro para utilização do documento histórico em sala de aula, as autoras propõem identificar, explicar e comentar o documento. Para a identificação, elaboraram um quadro tipológico organizado em fontes materiais, fontes escritas, fontes visuais e fontes orais, às quais hoje pode-mos acrescentar as fontes digi-tais (ver box Saiba mais). Ainda na identificação, propõem de-terminar a origem, a natureza, o autor, a datação e os pontos importantes do documento. No que se refere à explicação, enfatizam a contextualização e a crítica do documento: “ex-plicar o documento significa fazer o aluno confrontar seus conhecimentos ou os dados que obteve em uma pesquisa com os elementos constitutivos do documento” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 100). O

Tipologia de fontes primárias:

Fontes materiais: utensílios, mobiliários, rou-pas, armas, símbolos, instrumentos de traba-lho, construções, esculturas, moedas e ruínas.

Fontes escritas: documentos jurídicos, sen-tenças, testamentos, inventários, discursos

escritos, cartas, livros de contabilidade, autobiografias, diários, biografias, crônicas, poemas, novelas, romances, lendas, mitos,

censos, estatísticas, mapas, gráficos e registros paroquiais.

Fontes visuais: pinturas, caricaturas, fotogra-fias, gravuras e filmes.

Fontes orais: entrevistas, gravações, lendas, programas de rádio e fitas cassete (SCHMIDT;

CAINELLI, 2004, p. 96-97).

Saiba mais

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comentário do documento é a forma como o aluno vai comunicar o que aprendeu sobre a análise dos dados de identificação, o que com-preendeu em relação à explicação do documento, explicitando-o em ordem cronológica ou temática, fundamentando suas argumentações nos dados do próprio documento, as impressões que ficaram sobre a importância e o grau de empatia com o documento e as ideias e ques-tões que ele contém e suscita.

O roteiro proposto por Schmidt e Cainelli (2004) para o uso de documentos históricos também pode ser utilizado para o trabalho com documentos em estado de arquivo familiar, conceito desenvolvido por Artières (1997) e utilizado pelo projeto “Recriando história”, desen-volvido pela Universidade Federal do Paraná com professores e alunos do Ensino Fundamental. Nesse projeto, os documentos em estado de arquivo familiar são utilizados para recriar a história local, resultado assim descrito por Schmidt e Garcia (2008):

Um dia, professores, alunos e pesquisadores resolveram andar pelo passado através da história que as pessoas carregam, [...], foi preciso compor e recompor documentos, informações e memó-ria, tudo aquilo que trazia o gosto do longe – de outros lugares e de outros tempos – e foi transformado em lembranças e relíquias pessoais. Tudo o que foi juntado e guardado em caixas, baús, no fundo das gavetas e na memória de cada um (p. 6).

Quanto aos resultados desse trabalho com os documentos,[...] alunos, professores e pesquisadores descobriram que as pessoas são mochileiras do tempo. Elas transportam, de um lugar ao outro, muitas provas de experiências que viveram ou deixaram de viver. Por isso, elas carregam a possibilidade da sua história ser feita, contada e narrada em palavras que, como diz o poeta, vão retirando devagar o pó, a umidade das lembranças fazendo brilhar o passado, o presente (e o futuro) de muitas vi-das apagadas pelo tempo (SCHMIDT; GARCIA, 2008, p. 6).

Do ponto de vista da metodologia do ensino de história, o depoi-mento de uma professora que participou do projeto manifesta uma mudança estrutural em sua consciência, desencadeada pela experiência didática vivenciada: “A impressão que a gente tem é que não existe ma-terial para trabalhar história, mas ao contrário, eu é que não percebia a qualidade do material que tinha. Comecei a gostar de história [...]” (SCHMIDT; GARCIA, 2008, p. 8).

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Capítulo 8

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AvaliaçãoPartindo do princípio de que o objetivo fundamental do ensino de

história é contribuir para o desenvolvimento da literacia histórica e o apri-moramento da consciência histórica, perceptíveis na progressão das ideias históricas expressas por meio da consciência narrativa, o método avaliativo mais coerente passa pela análise das narrativas produzidas pelos alunos para comunicarem as ideias históricas reelaboradas após a intervenção pedagógica.

Como o método mais coerente para compreender o passado nas diversas dimensões da temporalidade passa pela inferência das evidên-cias por meio do trabalho com os documentos e as fontes históricas, esse processo também deve ser avaliado por meio de atividades que privilegiem o tratamento das fontes e documentos históricos.

Outro aspecto que não deve ser desconsiderado na avaliação é a sua singularidade. A partir da investigação das ideias históricas prévias dos alunos, o parâmetro para avaliar a progressão desse conhecimento é o próprio aluno, não havendo um nível a ser alcançado por todos, mas, sim, uma progressão de ideias após a intervenção pedagógica, tomando como base as ideias históricas prévias.

Da teoria para a práticaA metodologia do ensino de história na perspectiva de uma educa-

ção histórica articula a teoria com a prática.

O conceito de literacia histórica envolve o desenvolvimento de instrumentos práticos de orientação no tempo: uma compreensão da disciplina de história por meio da leitura contextualizada do passado a partir de evidências fornecidas por diversas fontes e o desenvolvimento de uma estrutura utilizável do passado, ou seja, a competência de com-preender o passado de forma multiperspectivada.

O conceito de consciência histórica opera de forma prática como um modo específico de orientação em situações reais da vida presente. Essa orientação só é possível mediante a compreensão das experiências passadas que devem iluminar a realidade e os movimentos de mudança

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do presente. Os movimentos e mudanças do presente também sofrem as influências das expectativas de futuro, que por sua vez são balizadas e sinalizadas pelas mudanças e permanências da vida prática diária.

Na prática, em sala de aula, cabe ao professor investigar as ideias históricas prévias dos alunos para fundamentar e fornecer parâmetros para a intervenção pedagógica, visando contribuir com a progressão das ideias, tanto com a contribuição de conteúdos históricos substantivos diversos e conteúdos históricos de segunda ordem, da natureza da histó-ria. Ainda, deve-se buscar desenvolver a literacia, o pensar e a consciên-cia históricas, por meio do desenvolvimento das competências narrati-vas, elaborando textos a partir da inferência das evidências, do trabalho com fontes e documentos históricos, experiência de aprendizagem que permite articular mudanças estruturais na consciência histórica.

Para desenvolver um trabalho pedagógico utilizando o filme como documento histórico, a sugestão é acessar o roteiro de Santos e Schmidt (2008): A revolta dos posseiros, através do filme documentário “1957 – a conquista do Sudoeste”, disponível no endereço: <http://www.diaadiae ducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/157-2.pdf>. Nesse trabalho, os autores propõem um roteiro que vai da investigação dos conhecimentos prévios à elaboração de narrativas, utilizando o filme como documento.

Para desenvolver um trabalho com histórias em quadrinhos, a suges tão é consultar a pesquisa de Fronza (2007): O significado das his­tórias em quadrinhos na educação histórica dos jovens que estudam no Ensino Médio, disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=44027>.

As pesquisas em educação histórica estão desenvolvendo outras metodologias específicas da didática da história que, com o auxílio da tecnologia da informação, podem ser acompanhadas e consultadas pe-los professores e incorporadas em sua prática.

SínteseO tempo histórico é fundamental na experiência humana, pois

estrutura o pensamento e a ação humana, sendo central na história e no

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Capítulo 8

Fundamentos e Metodologia do Ensino de História

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seu ensino. A ideia de tempo como consciência histórica incorpora todas as noções de tempo histórico: a ideia cronológica linear; a ideia de progresso; a ideia de curta, média e longa duração; a ideia de recorrên-cia histórica; as ideias de diversidade e dinamicidade temporal.

Além da temporalidade, a evidência e a inferência históricas são categorias importantes para a investigação, compreensão e reconstru-ção do passado, pois são fundamentais para o tratamento das fontes e dos documentos históricos, portanto, fundamentais na metodologia do ensino de história.

Um espaço privilegiado para proporcionar aos alunos a oportuni-dade de realizar inferências sobre fontes históricas é o museu, por meio de aulas-visitas que motivam os alunos a produzirem narrativas históri-cas de forma espontânea, transformando-os em alunos pesquisadores.

O passado, para ser compreendido nas diversas dimensões da tem-poralidade, deve ser inferido em suas evidências por meio do trabalho com os documentos e as fontes históricas, pois estes são portadores de significados não elucidados que necessitam de tratamento, problemati-zação e significação do professor e dos alunos em situação de aprendi-zagem, como forma de contribuir com a instrumentalização de ideias históricas de segunda ordem.

Uma avaliação coerente privilegia a singularidade, toma as ideias históricas prévias como referência para avaliar a sua progressão com as intervenções pedagógicas.

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ALMEIDA, R. de J. A. de. A narrativa, o documento e a criação do conflito. In: SCHMIDT, M. A.; GARCIA, T. M. B. (Org.). Perspecti‑vas de investigação em educação histórica: atas das VI jornadas inter-nacionais de educação histórica. Curitiba: UTFPR, 2007.

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Anacrônicos Uma compreensão anacrônica é aquela que “mistura” elementos de tempos históricos diferentes, muito comuns em desenhos animados (Flinstones), no cinema e nas ideias históricas de senso comum.

Annales

Nome dado ao movimento historiográfico surgido em torno do periódico acadêmico francês Revue des Annales (Revista dos Annales), tendo se destacado por incorporar métodos das ciências sociais à história. Destacaram‑se os historiadores Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Pierre Nora, Philippe Ariès e Michel Vovelle.

Atlas da aula

Planta baixa da sala.

Axiologia

Ciência que estuda os valores éticos e morais.

Categorizadas

Organizadas por categorias.

Clonagem educativa

Dubet e Martuccelli (1997) utilizam esse termo para referir‑se à concepção sociológica de escola funcionalista e/ou reprodutivista. Na primeira concepção, a escola tinha a função de formar pessoas para desenvolver papéis sociais preestabelecidos (clone aí se re‑fere à forma). Na segunda concepção, a escola reproduz (clona) o já existente.

Glossário

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Cognição histórica situada

A historiadora Maria Auxiliadora Schmidt (2009) resume cognição histórica situada como sendo o ensino de história que incorpora de forma sistemática as ideias históricas que crianças e jovens já pos‑suem, e a partir destas planeja sua intervenção pedagógica situada na ciência da história.

Consciência histórica

É a capacidade de uma pessoa de interpretar o passado para orientar seu presente, balizado pelas expectativas de futuro, conforme defini‑ção do historiador alemão Jorn Rüsen (1993).

Constructos

A teoria dos constructos pessoais foi desenvolvida por George A. Kelly (1975) a partir do alternativismo construtivo. Para essa teoria, o significado que atribuímos à experiência é resultado de uma cons‑trução científica individual. Elaboramos teorias acerca do que nos rodeia e testamos estas teorias através de nossa experiência indivi‑dual da realidade, adaptando‑as para uma antecipação mais precisa dos acontecimentos, visando uma melhor interação com o meio em que vivemos.

Desvelar

Descobrir, evidenciar, dar visibilidade, tornar público.

Dialogia

Pedagogia do diálogo.

Emergente

Aquilo que ainda está em formação. No caso, sociedade pós‑indus‑trial em formação.

Epistêmica

Como o saber é construído. Os componentes específicos de uma ciência, de um saber.

Eventificadas

Tornadas eventos isolados.

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Ficheiros

Pastas.

Formação generalista

Quando a formação superior não é licenciatura plena, mas geral, como no caso da pedagogia, em que o professor recebe formação geral em diversas ciências ou disciplinas.

Friso cronológico

Linha do tempo.

Fundamentalismos

Corrente de pensamento que defende princípios fundamentais, mas não os atualiza diante das mudanças históricas e culturais e dos avanços científicos.

Iconográficas

A iconografia refere‑se à descrição das imagens, é uma forma de lingua‑gem visual que utiliza a imagem para representar determinado tema.

Ideias tácitas

Ideias que não são expressas ou não são ditas, mas são supostas e subentendidas.

Ideologizada

Carregada de ideologias.

Imbricadas

Juntas, entrelaçadas.

Inculcação

Imposição unilateral de ideias e conceitos. No caso, refere‑se a uma im‑posição cultural unilateral, sem filtro e participação do “receptor”.

Literacia histórica

Para o historiador inglês Peter Lee (2006), literacia histórica é a capacidade de “leitura” e compreensão do passado e a transforma‑ção dessa compreensão em ferramenta utilizável no presente.

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Fundamentos e Metodologia do Ensino de História

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Magistra vitae

Mestra da vida.

Media

Em Portugal, utiliza‑se a palavra media para designar os meios de comunicação de massa.

Mitigada

Algo que foi abrandado, diminuído em relação ao original.

Multiperspectivado

No ensino de história refere‑se às diversas perspectivas com que um fato histórico do passado pode ser interpretado. Exemplo: sobre o descobrimento do Brasil há vários estudos e diversas narrativas, todos ancorados em evidências do passado, mas perspectivados por interesses do momento em que foram feitos ou escritos.

Natureza da própria história

As didáticas atuais foram desenvolvidas a partir da didática geral e têm um viés forte da pedagogia e da psicologia. A educação históri‑ca busca desenvolver uma didática própria da história, assim como a educação matemática busca desenvolver uma didática própria da matemática, e assim por diante.

Ontogenética

Sobre a origem e gênese do ser. No caso, o autor utiliza o termo com a ideia de compreensão do presente, por meio da compreensão da origem das permanências e mudanças e sua relação com o passado e o futuro.

Ontologia restrita ou limitada

Ontologia é o estudo ou explicação da origem das coisas. No caso, uma explicação restrita ou limitada da história e de como ela é reconstruída.

Protonarrativas

Narrativas dos alunos, em formação, fragmentadas ou simples.

Racionalidade técnica e científica ou aplicacionista

O filósofo alemão Habermas distingue duas racionalidades, ou seja, formas de pensar e agir do ser humano. A racionalidade técnica e

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científica que se refere à forma como o ser humano pensa e age sobre a natureza: conhece‑a para dominá‑la. No caso do professor, é o entendimento dominante de que, se ele conhece a ciência, sabe‑rá aplicá‑la, sendo relegadas ao segundo plano as disciplinas sobre o ensino, especificamente. A outra racionalidade é a comunicativa, que se refere à relação com os outros e é caracterizada, basicamente, por uma interação simbolicamente mediada.

Relativismos

Teorias que difundem a ideia de que não existem princípios funda‑mentais a serem seguidos pelas ciências, pela ação política, pela ação das pessoas, etc. Tudo é possível e nada é válido ou verdadeiro ao mesmo tempo.

Revolução copernicana

Costuma‑se denominar de revolução copernicana uma mudança con‑ceitual, como a feita por Copérnico ao propor o heliocentrismo (Sol no centro do Universo) em oposição ao geocentrismo (Terra no centro do Universo).

Sectogramas

Gráficos.

Semiose

A maneira como a pessoa se expressa, verbalmente, por meio da escrita, do desenho, da música, da poesia, da expressão corporal, etc.

Sociomidiatizada

Difundida socialmente pela mídia.

Subjetivação

Ato de interiorizar vivências, conceitos e experiências.

Tecnologia da informação

É a ciência desenvolvida em torno dos avanços da informatização, que permeia todas as outras ciências do mundo do conhecimento, sendo imprescindível o conhecimento de seus rudimentos.

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riaFundamentos e MetodologiaFundamentos e Metodologia

Para Paulo Freire, o bom professor consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. No entanto, a criança, o jovem e o adulto do mundo atual exigem um professor que consiga ir até a inti-midade do pensamento deles, de sua construção virtual. Esse é um desa� o que ronda o processo ensino-aprendi-zagem na sociedade do conhecimento. Neste livro, você terá algumas pistas que podem contribuir para enfrentar esse desa� o no ensino de história.

Partindo da realidade da formação inicial e continuada do professor, e procurando compreender o aluno na dimen-são da experiência humana de relação com o saber na escola, esta obra apresenta propostas metodológicas de investigação das ideias históricas prévias dos alunos e de intervenção pedagógica fundamentada em trabalhos com documentos e fontes históricas, culminando com a produção de narrativas históricas pelos alunos. O objeti-vo principal é o de contribuir para o desenvolvimento da literacia, da consciência e do pensamento históricos, com base em teorias fundamentadas nas pesquisas em edu-cação histórica.

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02 6º PERÍODO - 2 PROVA - 21/07/2010 APROVAÇÃO: NÃO ( ) SIM ( ) ____________