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Fórmulas explícitas em teoria analítica de números Danilo Elias Castro Dissertação apresentada ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Programa: Matemática Orientador: Prof. Dr. Paulo Agozzini Martin São Paulo, novembro de 2012

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  • Fórmulas explícitasem

    teoria analítica de números

    Danilo Elias Castro

    Dissertação apresentadaao

    Instituto de Matemática e Estatísticada

    Universidade de São Paulopara

    obtenção do títulode

    Mestre em Ciências

    Programa: MatemáticaOrientador: Prof. Dr. Paulo Agozzini Martin

    São Paulo, novembro de 2012

  • Fórmulas explícitasem

    teoria analítica de números

    Esta versão da dissertação contém as correções e alterações sugeridaspela Comissão Julgadora durante a defesa da versão original do trabalho,realizada em 10/10/2012. Uma cópia da versão original está disponível no

    Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo.

    Comissão Julgadora:

    • Prof. Dr. Paulo Agozzini Martin - IME-USP

    • Prof. Dr. Severino Toscano do Rêgo Melo - IME-USP

    • Prof. Dr. Eduardo Tengan - ICMC-USP

  • Resumo

    Castro, D. E. Fórmulas Explícitas em Teoria Analítica de Números.2012. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Matemática e Estatística, Uni-versidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

    Em Teoria Analítica de Números, a expressão "Fórmula Explícita" serefere a uma igualdade entre, por um lado, uma soma de alguma funçãoaritmética feita sobre todos os primos e, por outro lado, uma soma envol-vendo os zeros não triviais da função zeta de Riemann. Essa igualdade nãoé habitual em Teoria Analítica de Números, que trata principalmente deaproximações assintóticas de funções aritméticas e não de fórmulas exatas.A expressão se originou do trabalho seminal de Riemann, de 1859, ondeaparece uma expressão exata para a função π(x), que conta o número deprimos que não excedem x. A prova do Teorema dos Números Primos, deHadamard, também se baseia numa fórmula explícita de ψ(x) (função deTschebycheff). Mais recentemente, o trabalho de André Weil reforçou o inte-resse em compreender-se melhor a natureza de tais fórmulas. Neste trabalho,apresentaremos a fórmula explícita de Riemann-von Mangoldt, a de Delsartee um caso particular da fórmula explícita de Weil.

    Palavras-chave : Teoria analítica dos números, Teorema dos números primos, Hipótesede Riemann, Fórmulas Explícitas, Função Zeta de Riemann.

    3

  • 4

  • Abstract

    Castro, D. E. Explicit Formula in Analytic Theory of Numbers. 2012.Dissertação (Mestrado) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidadede São Paulo, São Paulo, 2012.

    In the field of Analytic Theory of Numbers, the expression "Explicit For-mula" refers to an equality between, on one hand, the sum of some arithmeticfunction over all primes and, on the other, a sum over the non-trivial zerosof Riemann´s zeta function. This equality is not common in the analytictheory of numbers, that deals mainly with asymptotic approximations ofarithmetic functions, and not of exact formulas. The expression originatedof Riemann´s seminal work, of 1859, in which we see an exact expression forthe function π(x), that counts the number of primes that do not exceed x.The proof of the Prime Number Theorem, by Hadamard, is also based on anexplicit formula of ψ(x) (Tschebycheff´s function). More recently, the workof André Weil increased the interest in better comprehending the nature ofsuch formulas. In this work, we shall present the Riemann-von Mangoldt for-mula, Delsarte´s explicit formula, and one particular case of Weil´s explicitformula.

    Keywords: Analytic Theory of Numbers, Prime Number Theorem, Riemann´s hypothe-sis, Explicit Formula, Riemann´s Zeta Function.

    5

  • 6

  • Sumário

    Resumo 3

    Abstract 5

    Lista de Símbolos 9

    1 Introdução 11

    2 Funções Inteiras 172.1 Produtos Infinitos de Números . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172.2 Produtos de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252.3 Fatoração de Weierstrass . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312.4 Fórmula de Jensen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342.5 Ordem de uma Função Inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372.6 O Expoente de Convergência das Raízes de uma Função Inteira 422.7 Teorema de Fatoração de Hadamard . . . . . . . . . . . . . . 48

    3 A Função Zeta de Riemann 613.1 A Função Gamma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 613.2 A Fórmula Limite de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 693.3 A Função Zeta de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 813.4 A Função Theta de Jacobi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 843.5 A Função Zeta Adélica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 853.6 A Função ξ(s) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 963.7 O Teorema de Von Mangoldt . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

    4 Fórmulas Explícitas 1354.1 O Trabalho de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

    4.1.1 A Função Zeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

    7

  • SUMÁRIO

    4.1.2 A Equação Funcional - 1a Prova . . . . . . . . . . . . . 1434.1.3 Segunda Prova da Equação Funcional . . . . . . . . . . 1494.1.4 A Hipótese de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . 1504.1.5 A Fórmula Explícita de Riemann . . . . . . . . . . . . 152

    4.2 O Trabalho de Von Mangoldt . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1584.2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1584.2.2 Estimativa da Integral sobre γ . . . . . . . . . . . . . . 1634.2.3 A Fórmula Explícita de Von Mangoldt . . . . . . . . . 1724.2.4 A Função ψ1(x). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174

    4.3 A Fórmula Explícita de Delsarte . . . . . . . . . . . . . . . . . 1824.3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1824.3.2 Cálculo da Integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1854.3.3 Fórmula Explícita de Delsarte . . . . . . . . . . . . . . 190

    4.4 A Fórmula de Weil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1914.4.1 A Fórmula Explícita de Weil . . . . . . . . . . . . . . . 1914.4.2 Alguns Resultados Importantes . . . . . . . . . . . . . 1954.4.3 Prova do Teorema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2104.4.4 Observações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222

    5 Apêndice 2255.1 Fórmulas de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2255.2 Fórmula de Stirling . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2315.3 Séries de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2355.4 Fórmula de Inversão de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . 248

    8

  • Lista de Símbolos

    R+ Conjunto do números reais não negativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20C Conjunto dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21log É definido de modo a coincidir com o logaritmo usual em R+ . . . . . .21N Conjunto dos números naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22Ω Subconjunto aberto dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25Co Classe das funções contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25f |K Função f restrita ao conjunto K . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25H (Ω) Classe das funções holomorfas em Ω . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25|f(x)|K Denota o supremo do conjunto {|f(x)| : x ∈ K} . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    Ek(z)

    {1− z, se k = 0(1− z) · ez+ z

    2

    2+ z

    3

    3+···+ z

    k

    k , se k ≥ 1.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    R . . 101C1 Classe das funções com primeira derivada contínua . . . . . . . . . . . . . . .115=(s) Denota a parte imaginária do número complexo s . . . . . . . . . . . . . . . . 122o(g(x)) Classe de funções f(x) tais que limx→∞ f(x)g(x) = 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

    9

  • SUMÁRIO

    10

  • Capítulo 1

    Introdução

    Ce sujet se prête à un grandnombre d’exercices, et les"formules explicites"de lathéorie classique des nombrespremiers en fournissent un quiest assez simple (si on en laissede côté les subtilités)...

    André Weil1

    Denomina-se número primo p um número inteiro divisível apenas por ± 1e ± p. A tabela abaixo mostra os cem primeiros números primos.

    Primos

    2 3 5 7 11 13 17 19 23 2931 37 41 43 47 53 59 61 67 7173 79 83 89 97 101 103 107 109 113127 131 137 139 149 151 157 163 167 173179 181 191 193 197 199 211 223 227 229233 239 241 251 257 263 269 271 277 281283 293 307 311 313 317 331 337 347 349353 359 367 373 379 383 389 397 401 409419 421 431 433 439 443 449 457 461 463467 479 487 491 499 503 509 521 523 541

    1A. Weil, "Sur les formules explicites de la théorie des nombres premiers", OEUVRESSCIENTIFIQUES, Collected Papers, vol. II, Springer-Verlag, 2009, pp. 526-571

    11

  • CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

    Desde os "Elementos" de Euclides (300 a.c.), sabemos que todo númerointeiro n pode ser decomposto de maneira única em fatores primos, p1 <p2 < · · · < pk, de modo que:

    n = ± pα11 · pα22 · · · pαkk .

    Euclides também prova que os primos são infinitos, fato não óbvio selevarmos em consideração que a densidade dos números primos diminui como crescimento dos inteiros, como podemos perceber pela tabela acima; emoutras palavras, os números primos vão ficando cada vez mais raros.

    Em 1737, Euler propôs outro método para mostrar a proposição de Eu-clides. Essa análise parte da identidade∑

    n≥1

    1

    nx=

    ∏p: primo

    (1− 1

    px

    )−1, (1.1)

    onde x > 1, para mostrar que:

    “1

    2+

    1

    3+

    1

    5+ · · · = log log∞” ,

    possivelmente se referindo ao comportamento assintótico da soma dos in-versos dos primos. Com isso, além de inferir que os primos são infinitos,Euler também mostrou que os primos são mais densos que os quadrados,pois sabemos que:∑

    n≥1

    1

    n2= 1 +

    1

    4+

    1

    9+

    1

    16+ · · · < ∞.

    Desde então, a distribuição dos números primos foi alvo de intensa in-vestigação, pois, apesar de revelar grande irregularidade local, apresenta umbom comportamento global.

    Em 1808, Legendre propôs que π(x) vale aproximadamente o mesmo que:

    x

    log x−B, (1.2)

    onde B = 1, 08366 é uma constante sugerida e π(x) a função que conta onúmero de primos que não excedem x.

    12

  • Antes, por volta de 1790, Gauss relatou que a integral logarítmica

    li(x) =

    ∫ x2

    dt

    log t

    é uma boa aproximação para a função π(x). Para tanto, Gauss observou,tabelando primos, que a densidade dos números primos era da ordem de1/ log x. Em outras palavras,

    limx→∞

    π(x) · log(x)x

    = 1 ou limx→∞

    π(x)

    li(x)= 1.

    Essas afirmações equivalentes são conhecidas hoje como Teorema dosNúmeros Primos e ficaram cerca de cem anos sob investigação. Vale co-mentar que se a afirmação de Euler for verdadeira, então será verdade que:∑

    p

  • CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

    Na tabela abaixo, apresentamos valores de π(x), log xx

    e li(x) para diversosvalores de x.

    Distribuição dos Primos

    x π(x) li(x) xlog x

    10 4 6,16 4,34100 25 30,12 21,71

    1.000 168 177,60 144,7610.000 1.229 1.246,13 1.085,73

    100.000 9.592 9.629,80 8.685,881.000.000 78.498 78.627,54 72.382,41

    10.000.000 664.579 664.918,4 620.420,68100.000.000 5.761.455 5.762.209,37 5.428.681,02

    1.000.000.000 50.847.534 50.849.234,95 48.254.942,4310.000.000.000 455.052.511 455.055.614,58 434.294.481,90

    100.000.000.000 4.118.054.813 4.118.066.400,62 3.948.131.653,661.000.000.000.000 37.607.912.018 37.607.950.280,80 36.191.206.825,27

    Além disso, podemos visualizar o comportamento das funções no gráficoabaixo.

    Π(x)

    Li(x)

    x

    logHxL

    200 400 600 800 1000x

    50

    100

    150

    Figura 1.1: Comparação entre as aproximações para π(x).

    14

  • Em 1848, Chebyshev apresentou o primeiro resultado teórico sobre o cres-cimento da função π(x) em que introduziu a função ψ(x) dada por:

    ψ(x) =∑pm≤xp: primo

    log p,

    e mostrou que o teorema dos números primos é equivalente a:

    limx→∞

    ψ(x)

    x= 1.

    Por fim, Chebyshev provou que:

    (0, 921) · x ≤ ψ(x) ≤ (1, 105) · x,

    (0, 89) · xlog x

    ≤ π(x) ≤ (1, 105) · xlog x

    ,

    onde x > R, para um certo R suficientemente grande.

    Em 1859, apesar de não ter fornecido uma solução definitiva ao problema,os métodos apresentados por Riemann em seu influente artigo lançaram fru-tos para a teoria analítica dos números, análise complexa, teoria das funçõesetc.

    Riemann foi o primeiro a usar a fórmula produto de Euler 1.1 para umnúmero complexo s. Utilizando a teoria das funções analíticas, Riemannencontrou uma continuação analítica para a série∑

    n≥1

    1

    ns(1.5)

    e chamou essa função de ζ(s).

    A fim de provar o teorema dos números primos, Riemann define a funçãoJ(x) por:

    J(x) =∑pm≤xp: primo

    1

    m

    15

  • CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

    e exibe sua fórmula explícita para essa função:

    J(x) = Li(x) − log 2 −∑n≥1

    Li(x−2n) −∑=ρ>0

    Li(xρ) + Li(x1−ρ),

    onde o lado esquerdo contempla uma soma sobre números primos, e o ladodireito uma soma sobre as raízes da função ζ(s).

    Em seu artigo, Riemann não fornece mais do que sugestões para as provasde suas afirmações, e, só após 50 anos, von Mangoldt e Hadamard provaramboa parte de suas conjecturas. O teorema dos números primos foi provadopouco depois por Hadamard e de la Vallé Poussin.

    As técnicas utilizadas por Riemann abrem caminho para que outra fór-mula explícita seja apresentada por Von Mangoldt, na qual utiliza a funçãoψ(x) como representante dos números primos. Mostraremos que:

    ψ(x) = −ζ′(0)

    ζ(0)+ x −

    ∑ρ

    ρ− 1

    2· log (1− 1

    x2),

    onde, novamente, o lado direito contém as raízes da função Zeta e o ladoesquerdo, uma soma sobre números primos.

    Repare que as fórmulas de Riemann e Von Mangoldt não apenas fornecema ordem de crescimento das funções J(x) e ψ(x), mas incluem uma expressãoexata envolvendo tais funções.

    As fórmulas explícitas abrem uma nova perspectiva para a compreensãodos números primos e estabelece outro enigma: A relação entre primos eraízes da função Zeta aparece na forma de Fórmula de Poisson.

    Este trabalho apresentará as fórmulas explícitas de Riemann, von Man-goldt, Delsarte e Weil, e tem como objetivo prover um material de estudo paraaqueles que se interessarem pela teoria analítica dos números. Pressupõe-seque o leitor deste trabalho conheça teoria básica de funções analíticas, mi-nistrada, por exemplo, no curso MAT225 do IME-USP.

    16

  • Capítulo 2

    Funções Inteiras

    Este capítulo pretende expor as ferramentas básicas necessárias para o estudodas fórmulas explícitas. Nesse contexto, apresentaremos alguns tópicos dateoria das funções inteiras.

    2.1 Produtos Infinitos de NúmerosSejam {an}n≥1 uma sequência de números complexos e {pn =

    ∏ni=1 ai} a

    sequência dos produtos parciais de fatores ai. Denotaremos o produto in-finito dos fatores ai por

    ∏∞i=1 ai, ou simplesmente

    ∏ai.

    Definição 2.1.1. O produto infinito∏ai =

    ∏∞i=1 ai é dito convergente se

    existir m ≥ 1 tal que pm,n =∏n

    i=m ai → âm 6= 0 se n → ∞. Nesse caso,∏ai

    .= a1 · a2 · · · am−1 · âm = p.

    Lema 2.1.2. Seja∏ai um produto convergente. Então, se ν ≥ 1, definimos

    Πν.=∏j≥1

    aν+j

    e valem:

    a) limν→∞

    Πν = 1.

    b)∏

    ai = a1 · a2 · · · aν · Πν , ∀ν ≥ 1.

    17

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    c) limn→∞

    an = 1.

    Demonstração. b) Podemos supor ai 6= 0, ∀i ≥ 1, pois, se algum ai forigual a zero, o produto se anulará. Definimos:

    pνn.= aν+1 · aν+2 · · · an e

    p =∏

    ai.

    Assim:

    pνn =pn

    a1 · a2 · · · aν−−−→n→∞

    lim pna1 · a2 · · · aν

    =p

    a1 · a2 · · · aν

    ∴ Πν =p

    a1 · a2 · · · aν.

    a)Πν =

    p

    a1 · a2 · · · aν=

    p

    pν−−−→ν→∞

    1.

    c)

    an =a1 · a2 · · · ana1 · a2 · · · an−1

    =

    ∏ai∏ai· a1 · a2 · · · ana1 · a2 · · · an−1

    =Πn−1Πn

    −−−→n→∞

    1.

    Consequências:

    1. O valor do produto em 2.1.1 não depende da escolha de m.

    2. Se o produto∏ai converge, então ai → 1.

    Proposição 2.1.3 (Critério de Cauchy). O produto∏ai é convergente se,

    e somente se, para todo � > 0, existir n0 tal que:

    n > n0 e k ≥ 1⇒ |an+1 · an+2 · · · an+k − 1| < �.

    18

  • 2.1. PRODUTOS INFINITOS DE NÚMEROS

    Demonstração. Suponhamos ai 6= 0, para todo i ≥ 1.

    (⇒) pn = a1 · a1 · · · an → p 6= 0.

    Seja � > 0. Então existe n0 tal que n > n0 e k ≥ 1 implica |pn+k − pn| < �,pois pn é de Cauchy:

    |pn+k − pn| < �

    ⇒ |pn{(an+1 · an+2 · · · an+k)− 1}| < �

    ⇒ |(an+1 · an+2 · · · an+k)− 1| <�

    |pn|.

    Como p 6= 0, existe n0 tal que |pn| ≥ |p|2 e, portanto,

    |(an+1 · an+2 · · · an+k)− 1| <2 · �|p|

    .

    (⇐) Por hipótese, existem n1/2 e n� tais que:

    (I) n > n1/2 e k ≥ 1⇒ |an+1 · an+2 · · · an+k − 1| < 12 .

    (II) n > n� e k ≥ 1⇒ |an+1 · an+2 · · · an+k − 1| < �.

    Então, de (I), concluímos que

    n > n1/2 e k ≥ 1⇒1

    2< |an+1 · an+2 · · · an+k| <

    3

    2.

    O que mostra que se∏ai → p, então p 6= 0. Falta mostrar que o produto

    é convergente.Considere m = max(n1/2 + 1, n� + 1). Portanto,

    n > m e k ≥ 1⇒

    |an+1 · an+2 · · · an+k − 1| < �

    e|pm,n| < 32

    Assim, multiplicando a primeira inequação por |pm,n|, temos:

    19

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    |pm,n| · |an+1 · an+2 · · · an+k − 1| < |pm,n| · �

    ⇒ |pm,n+k − pm,n| < � ·3

    2, ∀k. (2.1)

    Portanto, pm,n é sequência de Cauchy em n.

    ∴ pm,nn→∞−−−→ p′ ⇒ pn → p.

    Para o caso de ai ser 0 para algum i, basta considerar o produto pk,n =ak+1 · ak+2 · · · an, onde k é um inteiro tal que ai 6= 0 para todo i ≥ k.

    Conclui-se que, com a definição dada, se o produto∏ai é convergente,

    então a sequência ai → 1. Nesse caso, ui = (ai − 1)→ 0 e, portanto,∏(ui + 1)

  • 2.1. PRODUTOS INFINITOS DE NÚMEROS

    Definição 2.1.5 (Pringsheim). Seja {un} uma sequência de números com-plexos. Dizemos que o produto

    ∏(1 + ui) converge absolutamente se o pro-

    duto∏

    (1 + |ui|) for convergente.

    Note que, pelo lema anterior,∏

    (1 + ui) converge absolutamente quando∑|ui| converge.

    Lema 2.1.6. Para todo ui ∈ C, vale:

    |(1 + u1) · (1 + u2) · · · (1 + uk)− 1| ≤ (1 + |u1|) · (1 + |u2|) · · · (1 + |uk|)− 1.

    Demonstração. É muito fácil verificar que vale para k = 1 e k = 2. Suponhaque vale para k − 1. Seja Πk−1 = (1 + u1) · · · (1 + uk−1), Então:

    |(1 + u1) · · · (1 + uk−1) · (1 + uk)− 1| = |Πk−1 · (1 + uk)− 1|

    = |Πk−1 + Πk−1 · uk − 1| ≤ |Πk−1 − 1|+ |Πk−1| · |uk|

    = |(1 + u1) · · · (1 + uk−1)− 1| + |(1 + u1) · · · (1 + uk−1)| · |uk|

    Que, por hipótese de indução, é menor ou igual a

    (1 + |u1|) · · · (1 + |uk−1|)− 1 + (1 + |u1|) · · · (1 + |uk−1|) · |uk|

    = (1 + |u1|) · · · (1 + |uk−1|) · (1 + |uk|)− 1.

    Lema 2.1.7. Seja {un} uma sequência de números complexos. Então:∏(1 + ui) m

    log(1 + un) m

    (1 + un) = eL,

    onde L =∑

    n>m log(1 + un).

    21

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Demonstração. (⇒) Observe que se |z| < �2≤ 1

    2, então | log(1 + z)| < �. De

    fato, se tomarmos a expansão de Taylor do log em torno de z = 1, temos:

    | log(1 + z)| ≤ |z|+ |z|2

    2+|z|3

    3+ · · · ≤ |z|+ |z|2 + |z|3 + · · ·

    =|z|

    1− |z|≤ 2 · |z| ≤ �. (2.2)

    Pelo critério de Cauchy, ∃ m ∈ N tal que, para todo k ≥ 1,∣∣∣∣∣m+k∏n>m

    (1 + un)− 1

    ∣∣∣∣∣ < �2 .Portanto, se z =

    ∏m+kn>m (1 + un)− 1, então∣∣∣∣∣log(1 +

    m+k∏n>m

    (1 + un)− 1)

    ∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣log(

    m+k∏n>m

    (1 + un))

    ∣∣∣∣∣ < �.Falta mostrar que

    log(m+k∏n>m

    (1 + un)) =m+k∑n>m

    log(1 + un).

    Assim, seja α = arg{∏m+k

    n>m (1 + un)}. Temos, para � suficientementepequeno, ∣∣∣∣∣

    m+k∏n>m

    (1 + un)− 1

    ∣∣∣∣∣ < �2 ⇒ | sinα| < �2 ⇒ |α| ≤ �.Portanto, para todo k ≥ 1,∣∣∣∣∣log(

    m+k∏n>m

    (1 + un))

    ∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣m+k∑n>m

    log (1 + un)

    ∣∣∣∣∣ < �⇒∑n>m

    log (1 + un)

  • 2.1. PRODUTOS INFINITOS DE NÚMEROS

    (⇐) Suponha que ∃ m1 ∈ N : |∑m1+k

    n>m1log(1 + un)| < �2 , onde k ≥ 1.

    Note que, como un → 0, ∃ m2 ∈ N : |un| < 12 , para todo n > m2. Sem = max{m1,m2}, então∣∣∣∣∣

    m+k∏n>m

    (1 + un)− 1

    ∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣m+k∏n>m

    elog(1+un) − 1

    ∣∣∣∣∣ = ∣∣∣e∑m+kn>m log(1+un)| − 1∣∣∣ .Analogamente ao que foi feito acima, tomamos a expansão de Taylor da

    função exponencial em torno de z = 0. Se |w| < 1/2, então:

    |ew − 1| =∣∣�1 + w + w2 + · · · − �1∣∣ = ∣∣w + w2 + · · · ∣∣

    ≤ |w|1− |w|

    ≤ 2 · |w|. (2.3)

    Portanto,

    ∣∣∣e∑m+kn>m log(1+un)| − 1∣∣∣ ≤ 2 · ∣∣∣∣∣m+k∑n>m

    log(1 + un)

    ∣∣∣∣∣ < �.Para finalizar a prova do teorema, observe que como log(

    ∏n>m (1 + un)) =∑

    n>m log(1 + un), então ∏n>m

    (1 + un) = eL,

    onde L =∑

    n>m log(1 + un).�

    Teorema 2.1.8. Se∏

    (1 + ui) converge absolutamente, então:

    a)∏

    (1 + ui) é convergente.

    b) σ : N→ N bijeção ⇒∏

    (1 + uσ(n)) converge.

    c)∏

    (1 + uσ(n)) converge para o mesmo valor para toda σ.

    23

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Demonstração. a)∏

    (1 + |ui|) converge e, pelo critério de Cauchy (2.1.3),∃ n0 tal que:

    n > n0 e k ≥ 1⇒ |(1 + |un|) · (1 + |un+1|) · · · (1 + |un+k|)− 1| < �.

    Pelo lema 2.1.6,

    |(1+un)·(1+un+1)···(1+un+k)−1| ≤ (1+|un|)·(1+|un+1|)···(1+|un+k|)−1 < �.

    Portanto, o produto∏

    (1 + ui) também converge.

    b)∏

    (1 + ui) converge absolutamente ⇒∏

    (1 + |ui|) converge.

    Pelo lema 2.1.4 e pelo teorema do rearranjo de Riemann, temos

    ∑n≥1

    |un|

  • 2.2. PRODUTOS DE FUNÇÕES

    2.2 Produtos de FunçõesDaqui por diante, fν é uma família de funções de Ω em C, onde Ω é umaberto de C.

    Definição 2.2.1. Seja fν ∈ Co(Ω) . O produto∏

    ν≥1 fν(x) converge com-pactamente em Ω se, para todo compacto K, existir m = m(K) tal que

    pm,n.= fm+1 · fm+2 · · · fn

    for uniformemente convergente em K.

    Neste caso, para cada x ∈ Ω, sabemos que

    f(x) =∏ν≥1

    fν(x) ∈ C

    existe (no sentido da seção anterior) e chamaremos a função f : Ω → C delimite do produto e denotaremos:

    f(x) =∏ν≥1

    fν(x).

    Em todo K compacto de Ω, vale:

    f |K = (f1 |K) · (f2 |K) · · · (fm |K) · f̂m,

    onde f̂m : Ω→ C é uma função holomorfa que nunca se anula em K.

    Notação:

    Se a sequência pν(x) converge compactamente para a função p(x) em Ω,escrevemos:

    pν(x)comp.−−−→ p(x) em Ω.

    Se a sequência pν(x) converge uniformemente para a função p(x) em K,escrevemos:

    pν(x)unif.−−→ p(x) em K.

    Se f é uma função holomorfa em Ω, escrevemos:

    f ∈H (Ω).

    25

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Lema 2.2.2 (Propriedades de Produtos de funções). Se fν ∈ Co(Ω), então:

    a) Se∏fν(x)

    comp.−−−→ f em Ω, então f ∈ Co(Ω). Além disso, fν(x)comp.−−−→ν→∞

    1.

    b) Se∏fν(x) e

    ∏gν(x) convergem compactamente em Ω para f e g res-

    pectivamente, então∏fν(x) · gν(x) converge compactamente em Ω e∏

    fν(x) · gν(x) =∏

    fν(x) ·∏

    gν(x).

    c) Se fν ∈H (Ω) e∏fν(x)

    comp.−−−→ f em Ω, então f ∈H (Ω)

    Demonstração. a) Seja K um compacto de Ω. Por hipótese, ∃ m tal quepm,n

    unif.−−→ f̂m em K. Nesse caso, sabemos que em K̊, f̂m é contínua.Então,

    f |K = (f1 |K) · (f2 |K) · · · (fm |K) · f̂m,

    onde todas as funções são contínuas em K̊ e, portanto, f é contínuaem K̊. Sendo K um compacto arbitrário, temos que f é contínua em Ω.

    Para mostrar que fν(x)comp.−−−→ 1, primeiro note que |f̂m| ≥ M em

    K e, pelo critério de Cauchy (lema 2.1.3), 12≤ pm,n ≤ 32 para certo m.

    Então,

    1

    pm,n

    unif.−−→ 1f̂m.

    Sendo f̂m limitada em K, sabemos que em K

    fn =pm,npm,n−1

    unif.−−→ f̂mf̂m

    = 1.

    b) Por hipótese, ∃ m tal que pfm,nunif.−−→ f̂m e pgm,n

    unif.−−→ ĝm em K e no-vamente por Cauchy, pfm,n e pgm,n são limitadas. Então em K, temosque

    pfm,n · pgm,nunif.−−→ f̂m · ĝm.

    26

  • 2.2. PRODUTOS DE FUNÇÕES

    c) ∃ m tal que pm,nunif.−−→ f̂m em K. Por Weierstrass, f̂m é holomorfa em

    K̊ e vale:

    f |K= (f1 |K) · (f2 |K) · · · (fm |K) · f̂m.

    Assim, f é holomorfa em K compacto arbitrário de Ω, o que implicaque f é holomorfa em Ω.

    Proposição 2.2.3 (Critério de Convergência). Seja fν ∈ Co(Ω). Suponha-mos que ∃ m tal que, para todo n > m, fn possui um logaritmo, isto é, ∃φn ∈ Co(Ω) com fn = eφn. Então, em Ω:

    ∑n>m

    log fncomp.−−−→ S ∈ Co(Ω) ⇒

    ∏n>m

    fncomp.−−−→ eS.

    Demonstração.

    Sn =n∑

    m+1

    log fncomp.−−−→ S,

    pm,n = fm+1 · fm+2 · · · fn =n∏

    m+1

    eφn = eSn .

    Como eS nunca se anula, basta mostrar que eSn comp.−−−→ eS. Seja K ∈ Ωum compacto.

    |eSn(x) − eS(x)| = |eS(x)||eSn(x)−S(x) − 1| ≤ M · |eSn(x)−S(x) − 1|,

    pois, como S(x) é uma função contínua, sua parte real admite máximo emK. Para estimar |eSn(x)−S(x) − 1|, precisaremos da expansão de Taylor daexponencial em torno de z = 0.

    Denotando o sup(|f(x)| : x ∈ K) por |f(x)|K e aplicando o que já foifeito em 2.3, temos:

    |eSn(x)−S(x) − 1|K ≤ 2 · |Sn(x)− S(x)|K < �,

    pois Sncomp.−−−→ S.

    27

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Definição 2.2.4. Seja fn ∈ Co(Ω), fn = 1 + gn. O produto∏fn é normal-

    mente convergente em Ω se∑gn for normalmente convergente em Ω, isto é,

    se∑|gn|K convergir, para todo K compacto.

    Teorema 2.2.5. Seja fn ∈ H (Ω). Se∏fn é normalmente convergente

    em Ω, então, para toda bijeção σ : N → N , o produto∏fσ(n) converge

    compactamente em Ω.

    Demonstração. Se∏fn =

    ∏(1 + gn) converge normalmente, então

    ∑|gn|K

    converge, para todo K compacto de Ω.

    Em particular,∑|gn(z)| m

    | log (fn)|K < ∞.

    Contudo, a série

    28

  • 2.2. PRODUTOS DE FUNÇÕES

    ∑n>m

    log (fn)

    converge normalmente em Ω. Em suma, pela proposição anterior, concluímosque o produto ∏

    fn(z)comp.−−−→ f.

    Além disso, para todo K compacto de Ω, existe m = m(K) tal que:∑n>m

    | log (fn)|K < ∞,

    onde o logaritmo pode ser tomado como principal. Assim, pelo lema 2.2.2,f ∈H (Ω) e, pelo princípio dos zeros isolados, existe Bδ ∈ Ω, bola de raio δ,tal que f não se anula em Bδ. Portanto, fn não se anula em Bδ, para todon.

    Agora tome z ∈ Bδ. Pelo exposto acima, existe un(z) tal que:∏fn(z) =

    ∏eun(z),

    onde a partir de um certo m, podemos escolher un = log (fn). Pelo teoremado Rearranjo de Riemann, temos∏

    fn(z) =∏

    eun(z) = e∑un(z)

    = e∑uσ(n)(z) =

    ∏euσ(n)(z) (⇐ Rearranjo para soma)

    =∏

    fσ(n)(z).

    Portanto, ∏fn(z) =

    ∏fσ(n)(z) em K.

    Como f =∏fn(z) é holomorfa,∏

    fn(z) =∏

    fσ(n)(z) em Ω.

    29

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Teorema 2.2.6. Seja fn ∈H (Ω). Se∏fn é normalmente convergente para

    f em Ω, então ∑n≥1

    (f ′nfn

    )é uma série de funções meromorfas em Ω compactamente convergente em Ωe ∑

    n≥1

    (f ′nfn

    )comp.−−−→ f

    f.

    Demonstração. Antes de iniciarmos a prova, vamos definir convergência com-pacta para séries de funções meromorfas. Uma série

    ∑hn de funções mero-

    morfas se diz compactamente convergente em Ω se, para todo compacto Kde Ω existir um m = m(K) tal que:

    i. Para todo n > m, o conjunto de pólos de hn é disjunto de K.

    ii. A série∑

    n>m hn converge uniformemente em K.

    Seja K um compacto e seja fn = 1 + gn. Por hipótese,∑|gn|K < ∞, e

    pelo lema 2.2.2 (a), gn(z)unif.−−→ 0 em K.

    Portanto, existe n0 tal que

    n > n0 ⇒ (1 + gn(z)) 6= 0, ∀z ∈ K.

    Por conseguinte,(f ′nfn

    )=(

    g′n1+gn

    )não tem pólos em K se n > n0.

    Se pm,n = fm+1 · fm+2 · · · fn, então

    m > n0 ⇒ pm,nunif.−−→ f̂m

    e f̂m nunca se anula em K. Assim, f̂m ∈H (Ω) e, por Weierstrass,

    m > n0 ⇒ p′m,nunif.−−→ f̂ ′m em K.

    Contudo, se m > n0,

    f̂ ′m

    f̂m= lim

    n→∞

    p′m,npm,n

    = limn→∞

    (n∑

    i=m

    g′i1 + gi

    )=∑n≥m

    (f ′nfn

    ),

    30

  • 2.3. FATORAÇÃO DE WEIERSTRASS

    pois a tese é válida para somas finitas.

    Agora vamos mostrar que a convergência acima é uniforme em K. Pri-meiro note que, como f̂m não se anula em K, existe M > 0 com |f̂m| ≥M .

    Além disso, pelo critério de Cauchy (2.1.3), |pm,n| ≥ 12 para m escolhidoadequadamente. Assim, em K

    1

    pm,n

    unif.−−→ 1f̂m.

    Sendo p′m,n limitada em K, temos

    p′m,npm,n

    unif.−−→ f̂′m

    f̂m.

    2.3 Fatoração de Weierstrass

    Sabemos que, se f ∈ H (C), os seus zeros são isolados e não se acumulamem nenhuma parte finita do plano complexo. Assim, os zeros de uma funçãointeira são o que chamamos de uma sequência localmente finita, isto é, umconjunto enumerável {zn}n∈N tal que |zn| −−−→

    n→∞∞.

    Além disso, se g ∈H (C) possui a mesma sequência {zn} de zeros, entãog(z) = f(z) · eh(z). De fato, se g e f possuem os mesmos zeros, então g(z)

    f(z)é

    inteira e nunca se anula em C. Por conseguinte, existe h(z) inteira tal queg(z)f(z)

    = eh(z).

    Gostaríamos de saber, dada uma sequência localmente finita arbitrária{zn}n∈N, se existe uma função inteira cujos zeros sejam exatamente os ele-mentos dessa sequência. A teoria de produtos infinitos nos induz a tomar talfunção f por:

    f(z) =∏n≥1

    (1− z

    zn

    ).

    31

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    O problema fundamental é que o produto acima não converge para qual-quer sequência de complexos, por exemplo, zn = n. Para corrigir, precisa-remos inserir fatores que não acrescentem novos zeros à função e acelerem aconvergência.

    Para o que segue, definimos, para todo k ≥ 0, os fatores canônicos deWeierstrass por:

    E0(z) = 1− z e Ek(z) = (1− z) · ez+z2

    2+z

    3

    3+···+z

    k

    k , para k ≥ 1.

    Lema 2.3.1. Se |z| < 1/2, então existe c > 0 tal que |1−Ek(z)| ≤ c · |z|k+1.Além disso, a constante c independe de k.

    Demonstração. Se |z| < 1/2, então o logaritmo principal de 1 − z está bemdefinido e vale que 1− z = elog (1−z). Tomando a expansão de Taylor do log,temos

    Ek(z) = e

    (log (1−z)+z+ z

    2

    2+ z

    3

    3+···+ z

    k

    k

    )= e

    (− z

    k+1

    k+1− z

    k+2

    k+2−···

    )= egk(z),

    onde

    |gk(z)| = |∑n≥k+1

    zn/n| ≤ 12·∑n≥k+1

    |zn|

    ≤ 12· |z

    k+1|1− |z|

    ≤ |zk+1|. (2.4)

    Além disso, expandindo a exponencial,

    |1− Ek(z)| = |egk(z) − 1| ≤ e|gk(z)| − 1. (2.5)

    É um exercício simples verificar que 1 + x ≤ ex, para todo x real, por-tanto

    1− x ≤ e−x

    ⇒ ex − x · ex ≤ 1

    ⇒ ex − 1 ≤ x · ex (2.6)

    32

  • 2.3. FATORAÇÃO DE WEIERSTRASS

    Portanto,

    |1− Ek(z)| ≤(2.5)

    e|gk(z)| − 1

    ≤(2.6)

    |gk(z)| · e|gk(z)|

    ≤(2.4)

    |zk+1| · e|zk+1|

    ≤ 3 · |zk+1|.

    Teorema 2.3.2 (Teorema de Fatoração de Weierstrass). Seja f ∈ H (C)com zeros não nulos zn e z0 = 0 zero de multiplicidade m. Então, existe umasequência de naturais 1 ≤ m1 ≤ m2 ≤ · · · tais que:

    f(z) = eh(z) · zm ·∏n≥1

    Emn(z/zn),

    para alguma h ∈H (C).

    Demonstração. Pelo lema anterior, |Emn(z) − 1| ≤ c · |z|mn+1 sempre que|z| ≤ 1/2. Portanto, se |z/zn| ≤ 1/2,

    |Emn(z/zn)− 1| ≤ c · |z/zn|mn+1.

    Seja K um compacto. Dado que |zn| → ∞, existe n0 tal que, para todon ≥ n0, vale |z/zn| ≤ 1/2, para todo z ∈ K. Logo,

    ∑n≥n0

    |Emn(z/zn)− 1|K ≤ c ·∑n≥n0

    (1

    2

    )mn+1.

    Então, tomando mn = {1, 2, 3, · · · }, temos que∑n≥n0

    |Emn(z/zn)− 1|K < ∞.

    Portanto, o produto

    33

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    ∏n≥1

    Emn(z/zn)

    converge normalmente em Ω. Considere a função dada por:

    g(z) = zm ·∏n≥1

    Emn(z/zn).

    Note que a função fg(z) é inteira e nunca se anula em C e, portanto:

    f(z)

    g(z)= eh(z),

    onde h ∈H (C).

    Observe que o teorema acima mostra que dada uma sequência {zn} local-mente finita de complexos não nulos, existe uma função f(z) inteira, cujoszeros são precisamente os elementos de {zn}, contadas as multiplicidades.Por exemplo, podemos tomar a função:

    f(z) =∏n≥1

    En(z/zn).

    2.4 Fórmula de Jensen

    Nesta seção, Ω ∈ C é um aberto que contém o fecho de DR, disco de raio Rcentrado na origem.

    Teorema 2.4.1 (Fórmula de Jensen). Seja f ∈ H (Ω). Suponha f(0) 6= 0e que f não se anula no bordo de DR. Se z1, z2, ...,zN são os zeros de fdentro do disco DR, contados com repetição, então

    log |f(0)| =N∑i=1

    log

    (|zi|R

    )+

    1

    ∫ 2π0

    log |f(Reiθ)|dθ.

    34

  • 2.4. FÓRMULA DE JENSEN

    Demonstração. Primeiramente, note que se f1 e f2 satisfazem hipótese e tesedo teorema, então f1 · f2 também satisfaz, pois os zeros de f1 · f2 coinci-dem com a união dos zeros de f1 e f2 (contados com suas multiplicidades) elog (a · b) = log a+ log b, para todos a, b reais positivos.

    Como z1, z2, ...,zN são os zeros de f dentro de DR, então podemos escre-ver:

    f(z) = (z − z1) · (z − z2) · · · (z − zN) · g(z),

    onde g(z) é uma função holomorfa em Ω que não se anula em DR.

    Assim, pela primeira observação, basta mostrar que o teorema vale parafunções que não se anulam em DR e para funções da forma (z − zi).

    1. f não se anula em DR.

    Neste caso, existe g ∈ H (Ω) tal que f(z) = eg(z)(ou log f(z) .= g(z)).Pela fórmula integral de Cauchy,

    log f(0) =1

    2πi

    ∫∂DR

    log f(ξ)

    ξ − 0dξ =

    1

    2πi

    ∫ 2π0

    log f(Reiθ)

    ReiθiReiθdθ.

    Portanto,

    log f(0) =1

    ∫ 2π0

    log f(Reiθ)dθ.

    Tomando a parte real,

    log |f(0)| = 12π

    ∫ 2π0

    log |f(Reiθ)|dθ.

    2. f = (z − w).

    Neste caso, f(0) = −w e w é a única raiz de f . Portanto, precisamosverificar que:

    log |w| = log (|w|/R) + 12π

    ∫ 2π0

    log |f(Reiθ)|dθ.

    35

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Ou, equivalentemente,

    1

    ∫ 2π0

    log |f(Reiθ)|dθ = 12π

    ∫ 2π0

    log |Reiθ − w|dθ = logR.

    Mas

    1

    ∫ 2π0

    log |Reiθ − w|dθ = 12π

    ∫ 2π0

    logR +1

    ∫ 2π0

    log |eiθ − w/R|dθ.

    Assim, precisamos mostrar que

    1

    ∫ 2π0

    log |eiθ − w/R|dθ = 0.

    Para mostrar essa última igualdade, começamos pela mudança de va-riável θ → −θ e trocamos w/R por a tal que |a| < 1.

    1

    ∫ 2π0

    log |eiθ − a|dθ = 12π

    ∫ 2π0

    log |1− aeiθ|dθ.

    Definimos h(z) = 1 − az, função que não se anula e é holomorfa nodisco unitário. Pelo primeiro caso, sabemos que

    1

    ∫ 2π0

    log |h(eiθ)|dθ = log |h(0)| = 0.

    ∴1

    ∫ 2π0

    log |1− aeiθ|dθ = 12π

    ∫ 2π0

    log |h(eiθ)|dθ = 0

    A partir da fórmula de Jensen, podemos deduzir outra identidade querelaciona o crescimento de uma função holomorfa com o número de zeros emum disco.

    Se f ∈ H (Ω), denotaremos por n(r) o número de zeros de f , contadoscom suas multiplicidades, dentro do disco de raio r < R.

    36

  • 2.5. ORDEM DE UMA FUNÇÃO INTEIRA

    Lema 2.4.2. Se z1, z2, ..., zN forem os zeros de f dentro do disco DR, então:∫ R0

    n(r)dr

    r=

    N∑1

    log

    ∣∣∣∣Rzi∣∣∣∣.

    Demonstração. Observe que

    N∑1

    log

    ∣∣∣∣Rzi∣∣∣∣ = N∑

    1

    ∫ R|zi|

    dr

    r.

    Definimos a função característica:

    ni(r) =

    {1 se r > |zi|,0 caso contrário.

    Então,

    N∑1

    ∫ R|zi|

    dr

    r=

    N∑1

    ∫ R0

    ni(r)dr

    r=

    ∫ R0

    (N∑1

    ni(r)

    )dr

    r=

    ∫ R0

    n(r)dr

    r.

    Com a fórmula de Jensen e o lema anterior, verifica-se imediatamente aproposição que se segue.

    Proposição 2.4.3. Sejam f ∈H (Ω), f(0) = 1 e n(r) o número de zeros def , contados com suas multiplicidades, dentro do disco de raio r < R. Então:∫ R

    0

    n(r)dr

    r=

    1

    ∫ 2π0

    log |f(Reiθ)|dθ.

    2.5 Ordem de uma Função InteiraA parte restante deste capítulo será dedicada a uma investigação mais pro-funda de propriedades das funções inteiras. Começaremos com o estudo docrescimento de funções inteiras e culminaremos com o teorema de Hadamard.

    37

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Seja f ∈H (C) (inteira). Definimos m(f, r) : C→ R+ por:

    m(f, r).= max|z|=r|f(z)|.

    Pelo princípio do módulo máximo, m(f, r) = max|z|≤r |f(z)| e m(f, r) éuma função não decrescente. Além disso, se f 6= cte, f não possui máximolocal em um aberto de C, logo, m(f, r) deve ser estritamente crescente.

    Note que, por Liouville, se f 6= cte, então m(f, r) −−−→r→∞

    ∞. Nesse con-texto, faz sentido comparar f(z) com outras funções em relação à taxa decrescimento.

    Podemos classificar as funções inteiras quanto à taxa de crescimento.

    1) Sem(f, r) ≤ C · rk, ∀r ≥ R,

    então f é um polinômio de grau no máximo k. De fato, considere aexpansão de f em torno de z = 0.Assim, f(z) =

    ∑n≥0 anz

    n. Da desigualdade de Cauchy, sabemos que:

    |an| ≤ max|z|=r|f(z)| · 1

    rn=

    m(f, r)

    rn

    e, para todo n > k, temos:

    |an| ≤m(f, r)

    rn≤ C · r

    k

    rn=

    C

    rn−k−−−→r→∞

    0.

    Portanto, f é um polinômio de grau no máximo k.

    2) Se ∃ A e R números reais positivos tais que

    m(f, r) ≤ erA , ∀r ≥ R,

    então dizemos que f possui ordem finita e denotamos por

    38

  • 2.5. ORDEM DE UMA FUNÇÃO INTEIRA

    ρ = inf{A : m(f, r) ≤ erA}

    a ordem de crescimento da função f . Portanto,

    m(f, r) ≤ erρ+� , ∀r ≥ R�, ∀� > 0.

    3) Se 6 ∃ A e R reais positivos tais que

    m(f, r) ≤ erA , ∀r ≥ R,

    então dizemos que f possui ordem infinita.

    Observação:

    Suponha que m(f, r) ≤ C · erA ou que m(f, r) ≤ eC·rA para algum C real.Então ρ ≤ A.

    Demonstração. Faremos o primeiro caso, pois o segundo é análogo. Suponha

    m(f, r) ≤ C · erA ≤ eB · erA = erA+B.

    Mas rA+BrA+�

    −−−→r→∞

    0, ∀� > 0, o que implica que existe R tal que rA +B ≤rA+� para todo r ≥ R.

    ∴ m(f, r) ≤ erA+� , ∀ r > R⇒ ρ ≤ A.

    Proposição 2.5.1. Sejam f e g inteiras com ordens ρ1 e ρ2, respectivamente.Se ρ1 < ρ2, ρf+g é a ordem da função (f + g) e ρf ·g é a ordem da função(f · g), então valem:

    (i) ρf+g = ρ2;

    (ii) ρf ·g ≤ ρ2.

    39

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Demonstração. (i) (ρf+g ≤ ρ2) Seja � > 0. Então,

    m(f + g, r) ≤ m(f, r) +m(g, r)≤ erρ1+� + erρ2+�

    ≤ erρ2+�(erρ1+�−rρ2+� + 1

    ).

    Mas note que:

    rρ1+� − rρ2+� = rρ2+�

    rρ1+�rρ2+�︸ ︷︷ ︸→0

    −1

    −−−→r→∞

    −∞

    ⇒ e(rρ1+�−rρ2+�) −−−→r→∞

    0

    ⇒ ∃R : e(rρ1+�−rρ2+�) ≤ 2, ∀r > R

    ∴ m(f + g, r) ≤ 2 · erρ2+� , ∀r > R.

    Pela observação anterior,

    ρf+g ≤ ρ2.�

    (≥) Por hipótese, existe uma sequência de r′s tal que:

    m(g, r) ≥ eρ2−� ≥ eρ1+� ≥ m(f, r),

    para todo r nessa sequência e � suficientemente pequeno. Então,

    m(f + g, r) ≥ m(g, r)−m(f, r)

    ≥ erρ2−� − erρ1+�

    = erρ2−�

    (1− erρ1+�−rρ2−�

    )︸ ︷︷ ︸→1, quando r→∞

    Procedendo da mesma forma que no caso anterior, obtemos:

    m(f + g, r) ≥ 1/2 · erρ2−� ⇒ ρf+g ≥ ρ2.

    ∴ ρf+g = ρ2.

    40

  • 2.5. ORDEM DE UMA FUNÇÃO INTEIRA

    (ii) Seja � > 0.

    m(f · g, r) ≤ m(f, r) ·m(g, r)≤ erρ1+� · erρ2+�

    ≤ erρ2+�

    (rρ1+�

    rρ2+�+1).

    Note que

    rρ1+�

    rρ2+�−−−→r→∞

    0

    ⇒(rρ1+�

    rρ2+�+ 1

    )≤ 2, ∀r > R.

    ⇒ m(f · g, r) ≤ e2·rρ2+� , ∀r > R.

    ∴ ρf ·g ≤ ρ2.

    Proposição 2.5.2. Sejam f uma função inteira de ordem ρf e p(z) umpolinômio de grau ∂p ≥ 1. Se ρf ·p é a ordem de (f · p), então:

    ρf ·p = ρf .

    Demonstração. Observe que limr→∞ |r|k

    er�= 0, ∀� > 0. Em outras palavras,

    todo polinômio possui ordem zero. Desse fato e da proposição 2.5.1, temosque:

    ρf ·p ≤ ρf .

    Por outro lado, sabemos por hipótese que m(f, r) ≥ erρf−� , para r per-

    tencente a uma sequência {ri > 0 : ri →∞}. Assim,

    m(f · zk, r) ≥ erρf−� · rk = er

    ρf−� · ek·log r

    ⇒ m(f · zk, r) ≥ erρf−�+k·log r ≥ e

    12·rρf−� ,

    41

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    para r a partir de um certo R.

    Portanto, ρf ·zk ≥ ρf , o que prova a proposição. �

    2.6 O Expoente de Convergência das Raízes deuma Função Inteira

    Seja f ∈ H (C) com zero na origem de multiplicidade m e com raízes nãonulas em {zn}n∈N. Pelo teorema de Weierstrass (2.3.2), sabemos que funçãof pode ser dada por:

    f(z) = eh(z) · zm ·∏n≥1

    Emn(z/zn),

    onde h(z) ∈H (C) e mn uma sequência de números inteiros positivos.

    Quando f possui ordem finita, veremos que o produto de Weierstrassacima é compactamente convergente, para uma escolha adequada mn = k,para todo n.

    Sejam |z1| ≤ |z2| ≤ |z3| ≤ · · · os zeros não nulos de f . Sabemos que|zn| −−−→

    n→∞∞, mas não necessariamente temos

    ∑n≥1

    1

    |zn|α< ∞,

    para algum α positivo. Por exemplo, suponha que zn = log n. Mostraremosque ∑

    n≥2

    1

    (log n)α= ∞, ∀α > 0.

    De fato,

    limn→∞

    (log n)α

    n= 0, ∀α > 0.

    42

  • 2.6. O EXPOENTE DE CONVERGÊNCIA DAS RAÍZES DE UMAFUNÇÃO INTEIRA

    ⇒ 1(log n)α

    >1

    n, ∀n > n0.

    ∴∑n≥n0

    1

    (log n)α>

    ∑n≥n0

    1

    n= ∞.

    Portanto, ∑n≥2

    1

    (log n)α>

    ∑n≥n0

    1

    (log n)α= ∞, ∀α > 0.

    Suponhamos que, para uma dada sequência |z1| ≤ |z2| ≤ |z3| ≤ · · · dezeros de f , exista α > 0, tal que

    ∑n≥1

    1|zn|α 0 :

    ∑n≥1

    1

    |zn|α 0, f deve possuir infinitas raízes.

    Lema 2.6.1. Seja f uma função inteira de ordem finita ρ, f(0) = 1. Então,para todo � > 0, existe R tal que:

    n(r) ≤ rρ+�, ∀ r > R.

    Demonstração. Usando a fórmula de Jensen (2.4.3) e o fato de que f(0) = 1,temos: ∫ 2r

    0

    n(µ)dµ

    µ=

    1

    ∫ 2π0

    log |f(2reiθ)|dθ.

    Por um lado, temos:

    43

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    supθ∈[0,2π]

    {log |f(2reiθ)|} ≤ logm(f, 2r).

    ⇒∫ 2r

    0

    n(µ)dµ

    µ≤ logm(f, 2r). (2.7)

    Por outro lado, vale∫ 2r0

    n(µ)dµ

    µ≥∫ 2rr

    n(µ)dµ

    µ

    ≥ n(r) ·∫ 2rr

    µ

    ≥ n(r) · log 2. (2.8)

    Por 2.7 e por 2.8, temos que:

    n(r) · log 2 ≤ logm(f, 2r).

    Portanto, pela hipótese sobre a ordem de f , se � > 0,

    n(r) ≤ logm(f, 2r)log 2

    ≤ (2r)ρ+�/2

    log 2

    ≤ 2ρ+�/2 · rρ+�/2

    log 2.

    Como o limite:

    limr→∞

    2ρ+�/2 · rρ+�/2

    rρ+�= 0,

    vale que

    n(r) ≤ 2ρ+�/2 · rρ+�/2

    log 2≤ rρ+�,

    para todo r maior que um certo R.

    44

  • 2.6. O EXPOENTE DE CONVERGÊNCIA DAS RAÍZES DE UMAFUNÇÃO INTEIRA

    Proposição 2.6.2 (Hadamard). Se f possui ordem finita ρ e µ é o expoentede convergência das raízes de f , então:

    µ ≤ ρ.

    Demonstração. Sejam |z1| ≤ |z2| ≤ |z3| ≤ · · · os zeros não nulos de f . Se 0for raiz de multiplicidade k de f , então considere f ∗(z) = f(z)

    zk.

    Já vimos em 2.5.2 que a multiplicação por um polinômio não altera aordem de uma função inteira e, portanto, a ordem de f é igual à ordem dezk · f ∗ que por sua vez é igual a ordem de f ∗.

    Definimos: g(z) .= f∗(z)f∗(0)

    , para que g(0) = 1. Note que a ordem de g éigual a ordem de f e que z1, z2, · · · são precisamente as raízes de g.

    Seja rn = |zn|. Se � > 0, então, pelo lema anterior (2.6.1), existe n0 talque:

    n(rn) ≤ |zn|ρ+�/2, ∀ n > n0.

    Observe que na bola fechada de raio |zn| existem pelo menos n zeros e,portanto,

    n ≤ n(rn) ≤ |zn|ρ+�/2.

    Assim, temos:

    |zn|ρ+�/2 ≥ n, ∀ n > n0,

    ⇒ (|zn|ρ+�/2)ρ+�ρ+�/2 ≥ n

    ρ+�ρ+�/2

    ⇒ |zn|ρ+� ≥ n1+�/2ρ+�/2 = n1+γ

    ⇒ 1|zn|ρ+�

    ≤ 1n1+γ

    ∴∑n>n0

    1

    |zn|ρ+�< ∞.

    45

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Concluímos com a proposição acima que se f é uma função inteira deordem finita, então faz sentido definir:

    λ.= min {k ∈ N, k ≥ 0 :

    ∑n>1

    1

    |zn|k+11

    ∣∣∣∣ zzn∣∣∣∣λ+1

    converge uniformemente sobre compactos, o que, por um raciocínio análogoao do teorema 2.3.2, acarreta a convergência normal do produto em C:

    P (z) =∏n≥1

    Eλ(z/zn),

    onde Eλ(z) = (1− z) · ez+z2

    2+ z

    3

    3+···+ z

    λ

    λ , para λ ≥ 1.

    Observações:

    Se µ não for natural, então é claro que λ = [µ] (parte inteira de µ); casocontrário, teremos duas possibilidades:

    1.∑

    1|zn|µ ∞ ⇒ λ = µ.

    E concluímos que sempre vale:

    λ ≤ µ ≤ λ+ 1.

    Lema 2.6.3. Para todo λ natural, existe A tal que:

    |Eλ(z)| ≤ eA·|z|α

    , ∀ z ∈ C,

    para todo α com

    46

  • 2.6. O EXPOENTE DE CONVERGÊNCIA DAS RAÍZES DE UMAFUNÇÃO INTEIRA {

    λ ≤ α ≤ λ+ 1, se λ 6= 0 ;0 < α ≤ 1, se λ = 0 .

    Demonstração. (1)λ ≥ 1.

    Pelo mesmo argumento utilizado no lema 2.3.1, se |z| ≤ 1/2, então

    Eλ(z) = egλ(z),

    onde |gλ(z)| ≤ |z|λ+1.

    Portanto,

    |Eλ(z)| ≤∣∣egλ(z)∣∣ ≤ e|gλ(z)| ≤ e|z|λ+1 .

    Mas note que, se |z| ≤ 1/2, então |z|x é uma função decrescente e, por-tanto,

    |z|λ+1 ≤ |z|α

    ⇒ |Ek(z)| ≤ e|z|α

    .

    Por outro lado, se |z| ≥ 1,

    |Eλ(z)| ≤ (1 + |z|) · e(|z|+ |z|

    2

    2+···+ |z|

    λ

    λ

    )≤ e(λ+1)|z|λ

    ≤ e(λ+1)|z|α .

    Para o caso 1/2 ≤ |z| ≤ 1, sabemos que |Eλ(z)| é contínua e, portanto,existe C tal que:

    |Eλ(z)| ≤ eC·|z|α

    .

    Enfim, basta tomar A = max {C, λ+ 1, 1}.�

    (2)λ = 0 e 0 < α ≤ 1.

    Se |z| ≤ 1/2, temos:

    |E0(z)| ≤ 1 + |z| ≤(2.6)

    e|z| ≤ e|z|α .

    47

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Se |z| > 1/2, então:

    log (1 + |z|)|z|α

    |z|→∞−−−−→ 0.

    Portanto, existe A tal que

    log (1 + |z|) ≤ A · |z|α

    ⇒ |E0(z)| ≤ eA·|z|α

    .

    2.7 Teorema de Fatoração de Hadamard

    O teorema desta seção combina o teorema de fatoração de Weiestrass (2.3.2)com o resultado visto há pouco sobre a relação entre o número de zeros e ocrescimento de uma função inteira.

    Vimos que duas funções inteiras que possuem precisamente os mesmoszeros (contando com as multiplicidades) diferem multiplicativamente pelaexponencial de uma função inteira. Segundo o teorema de fatoração de Wei-erstrass (2.3.2), concluímos que todas as funções inteiras de raízes {zn} pos-suem a forma:

    eg(z) · zm ·∏n≥1

    En(z/zn),

    onde g é uma função inteira.

    No caso de funções inteiras de ordem finita, vimos no final da última seçãoque o grau dos fatores canônicos λ de Eλ(z/zn) pode ser tomado constante.Além disso, Hadamard mostra que g(z) é um polinômio. Começaremos comum teorema sobre a ordem dos produtos canônicos.

    Teorema 2.7.1 (Borel). Seja f uma função inteira de ordem finita ρ. SeP (z) é o produto canônico associado a f , então P tem ordem finita ρc = µ,onde µ é o expoente de convergência das raízes de f .

    48

  • 2.7. TEOREMA DE FATORAÇÃO DE HADAMARD

    Demonstração. Seja

    P (z).= zm ·

    ∏n≥1

    Eλ(z/zn).

    Suponha λ ≤ µ < λ+ 1. Dado � > 0 tal que µ+ � < λ+ 1, então:∑n≥1

    1

    |zn|µ+�< ∞.

    Assim, usando o lema 2.6.3, temos:∣∣∣∣∣∏n≥1

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣ = ∏n≥1

    |Eλ(z/zn)|

    ≤∏n≥1

    eA·|z/zn|µ+�

    ≤ eA·|z|µ+�·

    ∑n≥1

    1|zn|µ+�

    ≤ eB·|z|µ+� .

    Portanto, nesse caso a ordem do produto é menor ou igual a µ. Para ocaso µ = λ+ 1, o fato é resultado de:∑

    n≥1

    1

    |zn|µ< ∞.

    Pela proposição 2.6.2, sabemos que µ ≤ ρc e, portanto,

    ρc = µ.

    Lema 2.7.2. O produto canônico satisfaz:

    (i) |Ek(z)| ≥ e−c|z|k+1

    se |z| ≤ 1/2,

    (ii) |Ek(z)| ≥ |1− z| · e−c′|z|k se |z| ≥ 1/2.

    49

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Demonstração. (i)Se |z| ≤ 1/2, podemos expandir log (1− z) como série depotência:

    log (1− z) = −z − z2

    2− z

    3

    3− · · ·

    Assim,

    Ek(z) = (1− z) · ez+z2

    2+ z

    3

    3+···+ z

    k

    k

    = elog (1−z)+∑

    1≥n≥kzn

    n .

    = e−zk+1

    k+1− z

    k+2

    k+2−···

    = egk(z).

    Já vimos em 2.3.1 que |gk(z)| ≤ |z|k+1. Ademais,

    |ew| = e

  • 2.7. TEOREMA DE FATORAÇÃO DE HADAMARD

    Lema 2.7.3. Sejam f uma função inteira de ordem finita ρ e P (z) seuproduto canônico associado. Se µ é o expoente de convergência das raízes def , então, para todo � > 0, temos que:

    |P (z)| =

    ∣∣∣∣∣∏n≥1

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣ ≥ e−c|z|µ+� ,exceto, possivelmente, para z na união dos discos de raios 1/|zn|λ+1 centradosem zn, para n ≥ 1.

    Demonstração. Primeiro, escrevemos:∏n≥1

    Eλ(z/zn) =∏

    |zn|≤2|z|

    Eλ(z/zn)︸ ︷︷ ︸(A)

    ·∏

    |zn|>2|z|

    Eλ(z/zn)︸ ︷︷ ︸(B)

    .

    Vamos, agora, estimar as parcelas:

    (B) Pelo lema anterior, |Eλ(z)| ≥ e−c|z|λ+1 se |z| ≤ 1/2.

    Portanto, ∣∣∣∣∣∣∏

    |zn|>2|z|

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣∣ =∏

    |zn|>2|z|

    |Eλ(z/zn)|

    ≥∏

    |zn|>2|z|

    e−c|z/zn|λ+1

    ≥ e[∑|zn|>2|z|−c|z/zn|

    λ+1]

    ≥ e−c′|z|λ+1·[∑|zn|>2|z| 1/|zn|

    λ+1],

    para todo z ∈ C.

    Dado que |zn| > 2|z| e para o caso µ < s < λ+ 1, obtemos:

    1

    |zn|λ+1=

    1

    |zn|s· 1|zn|λ+1−s

    ≤ 1|zn|s

    · c′′

    |z|λ+1−s.

    51

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Consequentemente,

    −c′|z|λ+1 ·∑|zn|>2|z|

    1

    |zn|λ+1≥ −c′|z|λ+1 c

    ′′

    |z|λ+1−s·∑|zn|>2|z|

    1

    |zn|s

    e

    e−c′|z|λ+1·[

    ∑|zn|>2|z| 1/|zn|

    λ+1] ≥ e−c′c′′|z|s·[∑|zn|>2|z| 1/|zn|

    s].

    Pela proposição 2.6.2, então∑|zn|>2|z|

    1/|zn|s = c′′′ < ∞.

    Portanto, ∣∣∣∣∣∣∏

    |zn|>2|z|

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣∣ ≥ e−c|z|s .Para o caso µ = λ+ 1, temos:∣∣∣∣∣∣

    ∏|zn|>2|z|

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣∣ ≥ e−c′′|z|µ ,≥ e−c′′|z|µ+� ,

    para |z| > 1. Por outro lado, se 0 ≤ |z| ≤ 1, então basta observar que numcompacto, a função

    e|z|µ+�

    e−c′′|z|µ

    possui máximo e mínimo global.�

    (A) Usando a segunda parte do lema anterior, temos que:∣∣∣∣∣∣∏

    |zn|≤2|z|

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣∣ ≥∏

    |zn|≤2|z|

    ∣∣∣∣1− zzn∣∣∣∣ · ∏|zn|≤2|z|

    e−c′|z/zn|λ .

    52

  • 2.7. TEOREMA DE FATORAÇÃO DE HADAMARD

    Para a segunda parcela, dado que a produtória é finita, temos:∏|zn|≤2|z|

    e−c′|z/zn|λ = e−c

    ′|z|λ[∑|zn|≤2|z| 1/|zn|

    λ].

    Por um raciocínio análogo de (B), para todo s > µ ≥ λ, temos:

    1

    |zn|λ≤ C 1

    |zn|s· 1|z|λ−s

    ∴∏

    |zn|≤2|z|

    e−c′|z/zn|λ ≥ e−c|z|s .

    Para a primeira parcela, será necessário usar a hipótese adicional do lema.Se z não estiver na união dos discos de raios 1/|zn|λ+1 centrados em zn, então,

    |zn − z| ≥1

    |zn|λ+1.

    Por conseguinte,∏|zn|≤2|z|

    ∣∣∣∣1− zzn∣∣∣∣ = ∏

    |zn|≤2|z|

    ∣∣∣∣zn − zzn∣∣∣∣

    ≥∏

    |zn|≤2|z|

    1

    |zn|λ+1 · |zn|

    ≥∏

    |zn|≤2|z|

    1

    |zn|λ+2

    ≥ e∑|zn|≤2|z| log (|zn|

    −λ−2).

    Para concluir a estimativa desta parcela, trabalharemos a soma acima daseguinte forma:∣∣∣∣∣∣

    ∑|zn|≤2|z|

    log (|zn|λ+2)

    ∣∣∣∣∣∣ = (λ+ 2) ·∣∣∣∣∣∣∑|zn|≤2|z|

    log |zn|

    ∣∣∣∣∣∣≤ (λ+ 2) · |log |2z|| ·

    ∑|zn|≤2|z|

    1

    ≤ (λ+ 2) · |log |2z|| · n(2|z|),

    53

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    onde n(2|z|) denota o número de zeros de P na bola de raio 2|z| centradana origem.

    Pelo lema 2.6.1 e por 2.7.1,∣∣∣∣∣∣∑|zn|≤2|z|

    log (|zn|λ+2)

    ∣∣∣∣∣∣ ≤ (λ+ 2) · | log |2z|| · C · |z|µ+�.de modo que 0 < � < s− µ e, portanto,∣∣∣∣∣∣

    ∑|zn|≤2|z|

    log (|zn|λ+2)

    ∣∣∣∣∣∣ ≤ c · |z|s,para z tal que |z| maior que um certo R.

    ∴∏

    |zn|≤2|z|

    ∣∣∣∣1− zzn∣∣∣∣ ≥

    (2.10)e−c·|z|

    s

    .

    Juntando os resultados de (A) e (B), obtemos∣∣∣∣∣∏n≥1

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣ ≥ ∏|zn|≤2|z|

    ∣∣∣∣1− zzn∣∣∣∣ · ∏|zn|≤2|z|

    e−c′|z/zn|λ

    ︸ ︷︷ ︸(A)

    ·∏

    |zn|>2|z|

    |Eλ(z/zn)|︸ ︷︷ ︸(B)

    ≥ e−c1·|z|s · e−c2·|z|s · e−c3·|z|s

    ≥ e−c·|z|s .

    para todo s > µ.

    Corolário 2.7.4. Existe uma sequência de raios, r1, r2, r3, · · ·, com rm →∞,tal que:∣∣∣∣∣∏

    n≥1

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣ ≥ e−c|z|s para λ ≤ µ < s e para |z| = rm.54

  • 2.7. TEOREMA DE FATORAÇÃO DE HADAMARD

    Demonstração. Pelo lema anterior, basta mostrar que existe tal sequência deraios com a propriedade:

    Se |z| = rm para algum m, então z não pertence à união dos discos deraios 1/|zn|λ+1 centrados em zn.

    Seja D =⋃n≥1B1/|zn|k+1(zn) a união acima.

    Suponha, por contradição, que para toda sequência de raios, para algumm e para algum z no círculo de raio rm, z esteja em D. Isso significa queexiste m tal que:

    rm ∈]|zn| −

    1

    |zn|λ+1, |zn|+

    1

    |zn|λ+1

    [.= In.

    para algum n ≥ 1.

    A figura abaixo mostra como as bolas são projetadas na reta real.

    Z1

    Z2

    Z3

    Z4

    I1 I2 I3 I4

    Figura 2.1: Intervalos In na reta.

    55

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Como rm → ∞, a partir de um certo n0, os intervalos In cobrem toda areta real com x > |zn0 |, ou seja,∑

    n≥n0

    2

    |zn|λ+1= ∞,

    um absurdo, pois λ é o menor inteiro tal que a soma acima converge.

    Teorema 2.7.5 (Teorema de Hadamard). Seja f inteira de ordem finita ρ eλ o grau dos fatores canônicos ( λ ≤ µ ≤ λ+ 1). Se z1, z2, ... são as raízesnão nulas de f , então:

    f(z) = ep(z) · zm ·∏n≥1

    Eλ(z/zn),

    onde p(z) é um polinômio de grau ≤ ρ e m é a ordem da raiz de f em z = 0.

    Demonstração. Seja

    E(z) = zm ·∏n≥1

    Eλ(z/zn).

    Pelo lema 2.3.1, sabemos que, para n > n0 (z/zn < 1/2),

    |1− Eλ(z)| ≤ c · |z|λ+1.

    Se K é um compacto, então a série

    ∑n≥n0

    ∣∣∣∣ zzn∣∣∣∣λ+1K

    = |z|λ+1K ·∑n≥n0

    1

    |zn|λ+1

    converge normalmente em C, o que acarreta a convergência normal do pro-duto.

    Em suma, E(z) é uma função inteira com precisamente os mesmos zerosde f . Assim, f

    E(z) é uma função inteira que nunca se anula em C e vale:

    f(z)

    E(z)= ep(z),

    56

  • 2.7. TEOREMA DE FATORAÇÃO DE HADAMARD

    com p(z) inteira.

    Lembremos de dois fatos:

    1. f possui ordem finita ρ, ou seja,

    |f(z)| ≤ e|z|ρ+� ;

    2. Pelo lema 2.7.4, existe uma sequência de raios tal que:∣∣∣∣∣∏n≥1

    Eλ(z/zn)

    ∣∣∣∣∣ ≥ e−c|z|µ+� ,

    para � > 0 e para |z| = rm.

    Por essas razões,

    e

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Demonstração. Considere a expansão de f(z) em série de potência em tornoda origem

    f(z) =∑n≥0

    anzn.

    Afirmação: Se n ≥ 0,

    1

    2π·∫ 2π

    0

    f(reiθ)e−inθdθ = an · rn.

    De fato, a integral acima é igual a:

    rn

    2πi·∫γ

    f(s)

    sn+1ds = an · rn,

    onde γ(θ) = r · eiθ, com θ ∈ [0, 2π].

    Por outro lado, se n > 0, então

    0 =1

    r2πi·∫γ

    f(s)sn−1ds =1

    2π·∫ 2π

    0

    f(reiθ)einθdθ,

    ∴1

    2π·∫ 2π

    0

    f(reiθ)e−inθdθ = 0.

    Utilizando as duas fórmulas e lembrando que 2 0,obtemos:

    1

    2π·∫ 2π

    0

    [f(reiθ) + f(reiθ)]e−inθdθ = an · rn

    ⇒ an =1

    πrn·∫ 2π

    0

  • 2.7. TEOREMA DE FATORAÇÃO DE HADAMARD

    Ademais, se n 6= 0, a integral

    1

    2π·∫ 2π

    0

    e−inθdθ =1

    2πi·∫γ

    1

    sn+1ds = 0

    ⇒∫ 2π

    0

    crs · e−inθdθ = 0.

    Portanto, podemos escrever, para n > 0 e |z| = r:

    an =1

    πrn·∫ 2π

    0

    [

  • CAPÍTULO 2. FUNÇÕES INTEIRAS

    Corolário 2.7.8. Seja f ∈ H (Ω) de ordem finita ρ, com ordem ρ /∈ Z.Então f possui infinitas raízes.

    Demonstração. Pelo corolário anterior,

    ρ /∈ Z ⇒ µ = ρ > 0.

    Portanto, existe α tal que:∑n≥1

    1

    |zn|α= ∞.

    60

  • Capítulo 3

    A Função Zeta de Riemann

    As funções Gamma, Γ(s), e a função Zeta de Riemann, ζ(s), estão possivel-mente entre as mais importantes da matemática. Elas têm um papel crucialno desenvolvimento das fórmulas explícitas e em toda teoria analítica dosnúmeros.

    Neste capítulo, vamos fazer um estudo preliminar dessas funções, mos-trando que ambas são meromorfas em C e determinando seus pólos.

    3.1 A Função GammaPara todo s > 0 real, a função Gamma é definida por:

    Γ(s) =

    ∫ ∞0

    e−t · ts−1dt. (3.1)

    A integral acima converge, pois, perto de 0, e−t é uma função limitada ets−1 é integrável, e no infinito, a convergência é garantida pelo decaimentode e−t. De fato:

    (1) Perto de t = 0.

    ∣∣∣∣∫ A�

    e−t · ts−1dt∣∣∣∣ ≤ 1︸︷︷︸

    |e−t|≤1

    ·∫ A�

    ts−1dt. =

    [ts

    s

    ]A�

    −−→�→0

    As

    s.

    (2) No infinito.

    61

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Existe T tal que:

    ts−1

    e−t≤ 1

    t2, ∀ t ≥ T.

    Portanto, fica claro que a integral∫ ∞A

    e−t · ts−1dt converge.

    O próximo passo é estender a função Gamma à faixa

    Sδ,M = {s ∈ C : δ < 0, considere a partição do intervalo [a, b] que o divide emn partes iguais e considere as seguintes somas de Riemann:

    fn(z) =n∑k=1

    F (z, t̂k) · (tk − tk−1)︸ ︷︷ ︸(1/n)

    ,

    62

  • 3.1. A FUNÇÃO GAMMA

    onde t̂k ∈ [tk, tk−1] ⊂ [a, b].

    Pela propriedade (i), fn(z) é holomorfa em Ω. Queremos mostrar que seK é um compacto contido em Ω, então a sequência {fn} converge uniforme-mente para f em K, independentemente da escolha de t̂k.

    Recordemos que toda função contínua em algum compacto é uniforme-mente contínua; em outras palavras, se � > 0, então existe δ tal que:

    supz∈K|F (z, x)− F (z, y)| < �,

    sempre que |x−y| < δ e xj /∈ [x, y], onde xj são os pontos de descontinuidadede F e j = 1, 2, · · · , c. Além disso, se xj ∈ [x, y], então:

    supz∈K|F (z, x)− F (z, y)| ≤M.

    Note que podemos escrever

    fn(z) =n∑k=1

    ∫ tktk−1

    F (z, t̂k)dt.

    Seja J o conjunto dos índices tais que k ∈ J se, e somente se, existexj ∈ [tk−1, tk]. Sendo assim,

    |fn(z)− f(z)| ≤

    ∣∣∣∣∣n∑k=1

    ∫ tktk−1

    [F (z, t̂k)− F (z, t)]dt

    ∣∣∣∣∣≤

    n∑k=1

    ∫ tktk−1

    ∣∣F (z, t̂k)− F (z, t)∣∣dt≤

    n∑k=1,k /∈J

    ∫ tktk−1

    ∣∣F (z, t̂k)− F (z, t)∣∣dt+∑k∈J

    ∫ tktk−1

    ∣∣F (z, t̂k)− F (z, t)∣∣dt.63

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Tome n tal que 1n< min {δ, �·(b−a)

    M ·c }. Então,

    |fn(z)− f(z)| ≤ � ·n∑

    k=1,k /∈J

    ∫ tktk−1

    dt + M ·∑k∈J

    ∫ tktk−1

    dt

    ≤ � · (b− a) + M · c · 1n.

    ≤ 2 · � · (b− a).

    Logo, a convergência é uniforme em K e, por Weierstrass, f é holomorfaem Ω.

    Proposição 3.1.2. A função Γ(s) se estende a uma função holomorfa em 0 e é dada por:

    Γ(s) =

    ∫ ∞0

    e−t · ts−1dt.

    Demonstração. Considere a faixa

    Sδ,M = {s ∈ C : δ <

  • 3.1. A FUNÇÃO GAMMA

    Portanto, pelo lema anterior (3.1.1), F�(s) é holomorfa em Sδ,M .

    2a Afirmação: F�(s)unif.−−−→ Γ(s) em Sδ,M .

    De fato,

    |F�(s)− Γ(s)| =

    ∣∣∣∣∣∫ 1/��

    e−t · ts−1dt −∫ ∞

    0

    e−t · ts−1dt

    ∣∣∣∣∣=

    ∣∣∣∣∫ �0

    e−t · ts−1dt +∫ ∞

    1/�

    e−t · ts−1dt∣∣∣∣

    ≤∣∣∣∣∫ �

    0

    e−t · ts−1dt∣∣∣∣︸ ︷︷ ︸

    (A)

    +

    ∣∣∣∣∫ ∞1/�

    e−t · ts−1dt∣∣∣∣︸ ︷︷ ︸

    (B)

    .

    (A)∣∣∣∣∫ �0

    e−t · ts−1dt∣∣∣∣ ≤

    (e−t≤1)

    ∣∣∣∣∫ �0

    ts−1dt

    ∣∣∣∣ ≤(

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Proposição 3.1.3. Se 0, então:

    Γ(s+ 1) = s · Γ(s). (3.3)

    Demonstração.

    F�(s) =

    ∫ 1/��

    e−t · ts−1dt é holomorfa em C.

    Pela proposição anterior (3.1.2),

    lim�→0

    F�(s) = Γ(s).

    Integrando por partes, temos:

    F�(s+ 1) =

    ∫ 1/��

    e−t · tsdt =[−e−t · ts

    ]1/��

    + s ·∫ 1/��

    e−t · ts−1dt︸ ︷︷ ︸F�(s)

    .

    Portanto,

    F�(s+ 1)︸ ︷︷ ︸→Γ(s+1)

    = s · F�(s)︸ ︷︷ ︸→Γ(s)

    +

    [−(1/�)

    s

    e1/�+ e−� · �s

    ]︸ ︷︷ ︸

    →0

    .

    Observação:

    Γ(1) =

    ∫ ∞0

    e−tdt =[−e−t

    ]∞0

    = 1.

    Como Γ(s+ 1) = s · Γ(s), temos que:

    Γ(2) = 1 · Γ(1) = 1Γ(3) = 2 · Γ(2) = 2Γ(4) = 3 · Γ(3) = 6

    Então, vale que Γ(n+ 1) = n!.

    66

  • 3.1. A FUNÇÃO GAMMA

    Teorema 3.1.4. A função Γ(s) se estende a uma função meromorfa em C,com pólos simples em s = 0,−1,−2, · · · .

    Além disso, o resíduo de Γ(s) em s = −n é igual a (−1)n

    n!.

    s s + 1

    0-1-2-3-4 Σ

    äΜ

    W1

    Figura 3.1: Extensão ao semi plano −1.

    Demonstração.Se Ω1 = {s : s 6= 0 e −1} ,

    utilizamos a equação funcional 3.3 para escrever

    Γ(s) =Γ(s+ 1)

    s,

    e definimos F1(s) : Ω1 → C por:

    67

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    F1(s).=

    Γ(s+ 1)

    s.

    Note que, pelo fato da função Gamma ser holomorfa em 0, F1(s)é holomorfa em Ω1.

    Além disso, F1(s) ≡ Γ(s) em 0.

    A função Γ(s + 1) é holomorfa numa vizinhança de s = 0, pois Γ(s) éholomorfa numa vizinhança de s = 1. Portanto, F1(s) possui um pólo simplesem s = 0. Assim, o resíduo de F1 em s = 0 é:

    Res(F1, s = 0) = lims→0

    s · Γ(s+ 1)s

    = Γ(1) = 1.

    Vamos agora repetir o processo para Ω2 = {s : s 6= 0,−1 e −2}.

    F1(s) =Γ(s+ 1)

    s=

    F1(s+ 1)

    s.

    Então, definimos F2(s) : Ω2 → C dada por:

    F2(s).=

    F1(s+ 1)

    s=

    Γ(s+ 2)

    s(s+ 1).

    Pelas mesmas razões já mencionadas, F2(s) possui pólos simples em s = 0e s = −1. Além disso, F2(s) coincide com F1(s) em Ω1. O resíduo de F2(s)em s = −1 vale:

    Res(F2, s = −1) = lims→−1

    (s+ 1) · Γ(s+ 2)s(s+ 1)

    =Γ(1)

    −1= −1.

    Por indução, definimos Ωm = {s : s 6= 0,−1, · · · ,−(m− 1) e −m}.

    Fm(s) =Fm−1(s+ 1)

    s=

    Fm−2(s+ 2)

    s(s+ 1)= · · ·

    =F1(s+ (m− 1))

    s(s+ 1) · · · (s+ (m− 2))

    =Γ(s+m)

    s(s+ 1) · · · (s+ (m− 1)).

    68

  • 3.2. A FÓRMULA LIMITE DE EULER

    Fm(s) possui pólos simples em s = 0,−1, · · · ,−(m− 1), com resíduo:

    Res(Fm, s = −n) = lims→−n

    (s+ n) · Γ(s+m)s(s+ 1) · · · (s+ (m− 1))

    =Γ(m− n)

    −n(−n+ 1) · · · (−1)(1) · · · (−n+ (m− 1))

    = (((((

    (((m− n− 1)!−n(−n+ 1) · · · (−1)︸ ︷︷ ︸

    (−1)n·n!

    (1) · · · (m− n− 1)︸ ︷︷ ︸��

    ���(m−n−1)!

    =(−1)n

    n!. (3.4)

    Da mesma forma, Fm(s) coincide com Fm−1(s) em Ωm−1 e coincide comΓ(s) em Ω.

    3.2 A Fórmula Limite de EulerSe 0, podemos escrever:

    Γ(s) =

    ∫ ∞0

    e−t · ts−1dt.

    Sabemos que

    (1− t/n)n −−−→n→∞

    e−t,

    e, então, definimos:

    Γn(s).=

    ∫ n0

    (1− t/n)n · ts−1dt.

    Teorema 3.2.1. Se 0, então:

    limn→∞

    Γn(s) = Γ(s).

    69

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Demonstração.

    Γ(s)− Γn(s) =∫ n

    0

    {e−t − (1− t/n)n

    }· ts−1dt︸ ︷︷ ︸

    (A)

    +

    ∫ ∞n

    e−t · ts−1dt︸ ︷︷ ︸(B)

    .

    (B)

  • 3.2. A FÓRMULA LIMITE DE EULER

    (1− t

    n

    )n= e−t−T =

    e−t

    eT︸︷︷︸≥1

    ≤ e−t.

    Portanto,

    t/n < 1 ⇒{e−t − (1− t/n)n

    }≥ 0.

    2a Observação:A segunda parcela pode ser estimada por:∣∣∣∣∫ nn/2

    {e−t − (1− t/n)n

    }· ts−1dt

    ∣∣∣∣ ≤ ∫ nn/2

    e−t · tσ−1dt −−−→n→∞

    0.

    pois

    1

    2≤ t

    n≤ 1

    ⇒ −1 ≤ − tn≤ −1

    2

    ⇒ 0 ≤(

    1− tn

    )≤ 1

    2

    ⇒ 0 ≤(

    1− tn

    )n≤ 1

    2.

    3a Observação:Se t/n ≤ 1/2,

    T =1

    2· t

    2

    n+

    1

    3· t

    3

    n2+ · · ·

    ⇒ T ≤ k · t2

    n.

    Além disso,

    e−t − (1− t/n)n = e−t − e−t

    eT= e−t ·

    (1− e−T

    ).

    Já vimos por (2.6) que 1− e−x ≤ x e, portanto,

    e−t − (1− t/n)n ≤ e−t · T ≤ e−t · k · t2

    n.

    71

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Assim,∣∣∣∣∣∫ n/2

    0

    {e−t − (1− t/n)n

    }· ts−1dt

    ∣∣∣∣∣ ≤∫ n/2

    0

    {e−t − (1− t/n)n

    }· tσ−1dt

    ≤ kn·∫ n/2

    0

    e−t · tσ+1dt

    ≤ kn·∫ ∞

    0

    e−t · tσ+1dt︸ ︷︷ ︸Γ(σ+2)

    −−−→n→∞

    0.

    Com o teorema acima, concluímos que se

    Γn(s) =

    ∫ n0

    (1− t/n)n · ts−1dt,

    então

    Γn(s) −−−→n→∞

    Γ(s).

    para 0. Além disso, note que a convergência é uniforme sobre com-pactos.

    Fazendo a mudança de variáveis x = t/n, dx = dt/n, reescrevemos aintegral para obter:

    Γn(s) =

    ∫ 10

    (1− x)n · (nx)s−1ndx = ns ·∫ 1

    0

    (1− x)n · xs−1dx.

    Aplicando integração por partes em Γn(s), temos:

    72

  • 3.2. A FÓRMULA LIMITE DE EULER

    I(n, s− 1) =∫ 1

    0

    (1− x)n︸ ︷︷ ︸f

    ·xs−1︸︷︷︸g′

    dx

    =

    [(1− x)n · x

    s

    s

    ]10︸ ︷︷ ︸

    →0

    +

    ∫ 10

    n (1− x)n−1 · xs

    sdx

    =(0)

    n

    s·∫ 1

    0

    (1− x)n−1 · xsdx

    =n

    s· I(n− 1, s). (3.5)

    Da mesma forma,

    I(n− 1, s) =∫ 1

    0

    (1− x)n−1︸ ︷︷ ︸f

    · xs︸︷︷︸g′

    dx

    =

    [(1− x)n−1 · x

    s+1

    s+ 1

    ]10︸ ︷︷ ︸

    →0

    +

    ∫ 10

    (n− 1) (1− x)n−2 · xs+1

    s+ 1dx

    =(−1)

    (n− 1)(s+ 1)

    ·∫ 1

    0

    (1− x)n−2 · xs+1dx

    =(n− 1)(s+ 1)

    · I(n− 2, s+ 1).

    Repetindo sucessivamente,

    I(n, s− 1) = ns· I(n− 1, s)

    =n(n− 1)s(s+ 1)

    · I(n− 2, s+ 1)

    =n(n− 1)(n− 2)s(s+ 1)(s+ 2)

    · I(n− 3, s+ 2)

    · · · = n(n− 1) · · · (n− (n− 1))s(s+ 1) · · · (s+ (n− 1))

    · I(0, s+ (n− 1)).

    Mas,

    73

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    I(0, s+ (n− 1)) =∫ 1

    0

    (1− x)0 · xs+n−1dx

    =

    ∫ 10

    xs+n−1dx

    =

    [xs+n

    s+ n

    ]10

    =1

    s+ n.

    Então,

    I(n, s− 1) = n(n− 1) · · · (n− (n− 1))s(s+ 1) · · · (s+ (n− 1))

    · 1(s+ n)

    =n!

    s(s+ 1) · · · (s+ n).

    Portanto,

    Γn(s) =ns · n!

    s(s+ 1) · · · (s+ n).

    Note que a igualdade vale apenas para 0, por conta da primeiraaplicação da integração por partes, mas o lado direito vale para todo planocomplexo, exceto para os pontos {0,−1, · · · ,−n}.

    Queremos, agora, encontrar uma fórmula produto para Γ(s) com o espí-rito das fórmulas de Weierstrass (2.3.2).

    Γn(s) =ns · n!

    s(s+ 1) · · · (s+ n)6= 0, ∀ s ∈ C.

    Portanto,1

    Γn(s)é holomorfa em todo C.

    ⇒ 1Γn(s)

    =1

    ns· s · (s+ 1)

    1· (s+ 2)

    2· · · (s+ n)

    n

    ⇒ 1Γn(s)

    =s

    ns·(

    1 +s

    1

    )·(

    1 +s

    2

    )· · ·(

    1 +s

    n

    ).

    74

  • 3.2. A FÓRMULA LIMITE DE EULER

    Então,

    1

    Γn(s)=

    s

    ns·n∏1

    (1 +

    s

    k

    ).

    Para poder aplicar o limite dos dois lados da equação, precisaremos acres-centar o fator de convergência de acordo com o teorema 2.3.2. Assim,

    1

    Γn(s)=

    s

    ns·n∏1

    (1 +

    s

    k

    )· e−s/k · es/k

    = e(s1

    + s2

    +···+ sn) s

    ns·n∏1

    (1 +

    s

    k

    )· e−s/k

    = s · e(−s log (n)+s1

    + s2

    +···+ sn)

    n∏1

    (1 +

    s

    k

    )· e−s/k

    = s · es(11

    + 12

    +···+ 1n−log (n))

    n∏1

    (1 +

    s

    k

    )· e−s/k.

    Mas sabemos que

    limn→∞

    n∏1

    (1 +

    s

    k

    )· e−s/k =

    ∏n≥1

    E1(z/n)

    é o produto canônico de Weierstrass com λ = 1. Além disso,

    limn→∞

    1

    1+

    1

    2+ · · ·+ 1

    k− log (n) = γ,

    sendo γ a constante de Euler. Como Γn(s) e Γ(s) são limitadas e não seanulam em K compacto de C e

    Γn(s)comp.−−−→n→∞

    Γ(s),

    então:

    1

    Γn(s)

    comp.−−−→n→∞

    1

    Γ(s)

    75

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    converge uniformemente sobre K. Portanto,1

    Γ(s)= s · eγ·s

    ∏n≥1

    (1 +

    s

    k

    )· e−s/k. (3.6)

    Lema 3.2.2. Para todo s ∈ C,

    Γ(s) · Γ(1− s) = πsin (πs)

    .

    Demonstração. Pelo teorema anterior,

    1

    Γ(s) · Γ(1− s)= lim

    n→∞

    {s · (s+ 1) · · · (s+ n)

    ns · n!· (1− s) · (2− s) · · · (1− s+ n)

    n1−s · n!

    }= s · lim

    n→∞

    {(s+ 1)(1− s)

    1 · 1· · · (s+ n)(n− s)

    n · n· (n+ 1− s)

    n

    }= s · lim

    n→∞

    n∏1

    (1− s

    2

    k2

    )︸ ︷︷ ︸converge sobre compactos

    · limn→∞

    n+ 1− sn︸ ︷︷ ︸

    →1

    .

    Seja K um compacto de C. Então,∑k≥1

    ∣∣∣ sk

    ∣∣∣2K

    = |s|2K︸︷︷︸limitado em K

    ·∑k≥1

    1

    k2

    < L ·∑k≥1

    1

    k2

    < ∞.

    Pelo teorema 2.2.5, o produto infinito acima converge normalmente emC. Além disso, o limite da segunda parcela tende a 1 e, portanto:

    1

    Γ(s) · Γ(1− s)= s ·

    ∏n≥1

    (1− s

    2

    k2

    ).

    Por outro lado, sabemos que:

    sin (πs) =eiπs − e−iπs

    2i

    76

  • 3.2. A FÓRMULA LIMITE DE EULER

    é uma função inteira que possui números inteiros como raízes.

    Além disso, é bem fácil mostrar que a função eiπs tem ordem 1, o queimplica que sin (πs)

    πtambém possui ordem 1.

    Portanto, pelo teorema de Hadamard (2.7.5),

    sin (πs)

    π= s · eA+Bs ·

    ∏n≥1

    (1− s

    sn

    )· es/sn .

    onde

    sn =

    {(n+ 1)/2, se n for ímpar;−n/2, se n for par.

    Pelo lema 2.2.2, podemos parear os fatores, ficando com:

    sin (πs)

    π= s · eA+Bs ·

    ∏n≥1

    (1− s

    2

    n2

    ).

    Agora resta mostrar que eA+Bs = 1.

    • Da fórmula anterior,

    sin (πs)

    πs= eA+Bs ·

    ∏n≥1

    (1− s

    2

    n2

    ).

    Além disso,

    lims→0

    sin (πs)

    πs= 1

    e

    lims→0

    ∏n≥1

    (1− s

    2

    n2

    )= 1

    ∴ 1 = eA.

    77

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    • Novamente, utilizando a fórmula e passando o primeiro termo do pro-duto para o lado esquerdo, temos:

    sin (πs)

    π(1− s2)= s · eBs ·

    ∏n≥2

    (1− s

    2

    n2

    )(3.7)

    Tomando o limite quando s→ 1,

    lims→1

    sin (πs)

    π(1− s2)L’H= lim

    s→1

    π cos (πs)

    π(−2s)= 1/2.

    Pela fórmula encontrada na primeira parte da demonstração, temosque:

    ∏n≥2

    (1− s

    2

    n2

    )= lim

    s→1

    1

    Γ(s)Γ(1− s) · (1− s)(1 + s).

    Pelo teorema 3.1.4, sabemos que

    lims→1

    Γ(1− s) · (1− s) = 1;

    como Γ(1) = 1,

    ∏n≥2

    (1− s

    2

    n2

    )= 1/2.

    Portanto,

    eB = 1.

    Teorema 3.2.3 (Teorema da Unicidade). Seja F uma função holomorfa nosemiplano D = {s ∈ C : 0}. Suponha que F (s + 1) = s · F (s) e queF seja limitada na faixa S1 = {s ∈ C : 1 ≤

  • 3.2. A FÓRMULA LIMITE DE EULER

    Demonstração. Definimos a função

    g(s).= F (s)− F (1) · Γ(s).

    Afirmação: A função g possui uma extensão holomorfa a todo planocomplexo e é limitada em S0 = {s ∈ C : 0 ≤

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Definimos, então,

    h(s).= g(s) · g(1− s).

    Note que h(s) = h(1− s) e que vale

    h(1 + s) = g(1 + s) · g(−s)

    = sg(s) · g(−s)

    = −g(s) · (−s)g(−s)

    = −g(s) · g(1− s)

    = −h(s).

    Então, para mostrar que h é limitada em C, basta notar que h é limitadaem S0, pois g(s) e g(1− s) também o são. Portanto, h é uma função inteirae limitada e, por Liouville,

    h(s) ≡ h(0) = 0.

    Portanto, g(s) ≡ 0, terminando a prova do teorema.�

    Corolário 3.2.4. Para todo s ∈ C,

    Γ(s) · Γ(s+ 12

    ) =

    √π

    22s−1· Γ(2s).

    Demonstração. Definimos F (s) por:

    F (s).=

    Γ(s/2) · Γ( s+12

    )√π · 21−s

    .

    Em primeiro lugar, note que as singularidades de F são pólos simples ems = 0,−1,−2, · · · devido às singularidades de Γ(s/2) e de Γ( s+1

    2). Então, F

    é holomorfa no semiplano D = {s ∈ C : 0}.

    Também note que F é limitada na faixa S1 = {s ∈ C : 1 ≤

  • 3.3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    F (s+ 1) =Γ( s+1

    2) · Γ( s+2

    2)

    √π · 2−s

    =Γ(s/2) · Γ( s+1

    2)

    √π · 21−s

    ·2 · Γ( s+2

    2)

    Γ(s/2)

    = F (s) · 2 · Γ(s/2 + 1)Γ(s/2)

    = F (s) · 2 · s/2 · Γ(s/2)Γ(s/2)

    = s · F (s).

    Portanto, pelo teorema anterior,

    F (s) = F (1) · Γ(s).

    Pelo lema 3.2.2, é fácil ver que F (1) = 1, pois Γ(1/2) =√π. Portanto,

    Γ(s) =Γ(s/2) · Γ( s+1

    2)

    √π · 21−s

    .

    Trocando s por 2s, terminamos a prova do corolário.�

    3.3 A Função Zeta de RiemannDefine-se a função zeta ζ(s) de Riemann, para 1, por:

    ζ(s) =∑n≥1

    1

    ns. (3.8)

    Como veremos no próximo teorema, a função zeta se relaciona com osnúmeros primos através da fórmula produto de Euler.

    Teorema 3.3.1. A função ζ(s) converge absolutamente e uniformemente nosemiplano fechado Sδ = { 0. Portanto, ζ(s)define uma função holomorfa em 1 e vale a fórmula produto deEuler dada por:

    ζ(s) =∏p

    1

    1− 1ps

    ,

    81

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    onde p é um número primo.

    Demonstração. Seja s = σ + it. Sabemos que∣∣ 1ns

    ∣∣ = 1nσ. Suponha K um

    compacto contido em Sδ. Assim, em K, vale

    1

    nσ≤ 1

    n1+δe∑n≥1

    1

    n1+δ

  • 3.3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Em outras palavras, f(s) não se anula em {s : 1}

    É claro que 1f(s)

    é holomorfa em {s : 1}. Precisamos mostrar que1

    f(s)= ζ(s). Para tal, definimos

    EN(s).=∏p≤N

    1(1− 1

    ps

    ) .Note que o termo da produtória é uma soma de uma PG infinita de razão

    1ps. Então podemos escrever:

    1

    1− 1ps

    =∑k≥0

    1

    pks.

    Então podemos reescrever EN(s) por:

    EN(s).=∏p≤N

    1(1− 1

    ps

    ) = ∑n∈MN

    1

    ns.

    onde MN = {1} ∪ {n ∈ N : seus divisores primos são ≤ N}.

    Suponha s > 1 real. É claro que os naturais 1, 2, · · ·N pertencem a MN .Portanto ∑

    n≤N

    1

    ns︸ ︷︷ ︸→ζ(s)

    ≤∑n∈MN

    1

    ns= EN(s) ≤

    ∑n≥1

    1

    ns︸ ︷︷ ︸ζ(s)

    .

    Assim, quando N →∞, EN(s) fica limitada pela esquerda por uma fun-ção que tende a ζ(s) e pela direita pela própria ζ(s).

    Portanto, 1f(s)

    coincide com a função ζ(s) na semi-reta s > 1 real e comosão ambas holomorfas, coincidem em todo {s : 1}.

    83

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    3.4 A Função Theta de JacobiDefinimos a função theta θ(t) para t > 0, por:

    θ(t) =∞∑−∞

    e−n2πt.

    Teorema 3.4.1. Se θ(t) é a função definida acima. Valem:

    (1) θ(t) =1√t· θ(1/t).

    (2) θ(t) ≤ c√t, ∀ t : 0 < t ≤ 1.

    (3) |θ(t)− 1| ≤ c̃ · e−πt , ∀ t ≥ 1.

    Demonstração. (1) Está feita no apêndice em 5.4.5.

    (3) Note que:

    θ(t)− 1 = 2 ·∑n≥1

    e−n2πt

    ≤ 2 ·∑n≥1

    e−nπt

    = 2 ·∑n≥1

    (1

    eπt

    )nMas t > 0 implica

    (1eπt

    )< 1. Portanto,

    θ(t)− 1 ≤ 2 · e−πt

    1− e−πt

    ≤ e−πt · 21− e−πt

    Note que como t ≥ 1, 21−e−πt é limitada, mais precisamente, menor ou

    igual a 21−e−π . Ademais, θ(t)− 1 é sempre positivo e, portanto,

    |θ(t)− 1| ≤ c̃ · e−πt.

    84

  • 3.5. A FUNÇÃO ZETA ADÉLICA

    (2) Por (1),

    θ(t) =1√t· θ(1/t).

    Se 0 < t ≤ 1, então 1t≥ 1 e, portanto,

    θ(t) ≤(3)

    1√t· (c̃ · e−π1/t + 1)

    ≤ 1√t· c̃ · e−π1/t︸ ︷︷ ︸

    limitada

    +1√t

    ≤ C√t.

    3.5 A Função Zeta AdélicaSe 0, sabemos que

    Γ(s/2) =

    ∫ ∞0

    e−u · us/2−1du.

    Fazendo a mudança de variáveis u = πn2t temos:

    Γ(s/2) =

    ∫ ∞0

    e−πn2t · (πn2t)s/2−1(πn2)dt

    = πs/2 · ns ·∫ ∞

    0

    e−πn2t · ts/2−1dt.

    Portanto,

    π−s/2 · Γ(s/2) · 1ns

    =

    ∫ ∞0

    e−πn2t · ts/2−1dt.

    85

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Note que se 1, posso somar em n. Assim,

    π−s/2 · Γ(s/2) ·∑n≥1

    1

    ns=∑n≥1

    ∫ ∞0

    e−πn2t · ts/2−1dt.

    Estamos agora no ponto de mostrar o seguinte teorema.

    Teorema 3.5.1. Se 1, então

    π−s/2 · Γ(s/2) · ζ(s) =∫ ∞

    0

    (θ(t)− 1

    2

    )· ts/2−1dt.

    Demonstração. Sabemos que∑n≥1

    e−πn2t =

    θ(t)− 12

    .

    Portanto, para mostrar a validade do teorema, basta mostrar que a inte-gral imprópria comuta com a soma infinita, o que será feito a seguir.

    Lema 3.5.2. Nas condições do teorema anterior, vale:

    ∑n≥1

    [lim�→0

    ∫ 1/��

    e−πn2t · ts/2−1dt

    ]= lim

    �→0

    ∫ 1/��

    ∑n≥1

    e−πn2t · ts/2−1dt.

    Demonstração. Precisamos mostrar que a somatória comuta com a integraldefinida e que o limite comuta com a somatória.

    1a Afirmação:Para todo � > 0,

    ∑n≥1

    ∫ 1/��

    e−πn2t · ts/2−1dt =

    ∫ 1/��

    ∑n≥1

    e−πn2t · ts/2−1dt.

    Para tanto, basta mostrar que o integrando da direita converge em tuniformemente sobre [�, 1/�] e para todo s fixado.

    86

  • 3.5. A FUNÇÃO ZETA ADÉLICA

    ∑n≥n0

    e−πn2t ≤

    ∑n≥n0

    e−πnt

    =∑n≥n0

    (1

    eπt

    )n

    =e−πn0t

    1− e−πt

    ≤ e−πn0t

    πt · e−πt,

    pois como já visto em 2.6,

    ex − 1 ≤ x · ex

    ⇒ 1− ex ≥ −x · ex

    ⇒ 1− e−πt ≥ πt · e−πt.

    Como [�, 1/�] é um compacto, tσ/2−1πt·e−πt é limitado e, portanto,

    tσ/2−1 ·∑n≥n0

    e−πn2t ≤ k · e−πn0t unif.−−−−→

    n0→∞0.

    2a Afirmação:

    lim�→0

    [∑n≥1

    ∫ 1/��

    e−πn2t · ts/2−1dt

    ]=∑n≥1

    [lim�→0

    ∫ 1/��

    e−πn2t · ts/2−1dt

    ]︸ ︷︷ ︸∫∞

    0 e−πn2t·ts/2−1dt

    Seja s tal que 1, então∣∣∣∣∣∑n≥1

    [∫ ∞0

    e−πn2t · ts/2−1dt

    ]−∑n≥1

    [∫ 1/��

    e−πn2t · ts/2−1dt

    ]∣∣∣∣∣≤

    ∣∣∣∣∣∑n≥1

    [∫ �0

    e−πn2t · ts/2−1dt

    ]∣∣∣∣∣ +∣∣∣∣∣∑n≥1

    [∫ ∞1/�

    e−πn2t · ts/2−1dt

    ]∣∣∣∣∣ .

    87

  • CAPÍTULO 3. A FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN

    Pela primeira afirmação, a somatória comuta com a integral definida (usa-mos que [�, 1/�] é um compacto) e, portanto, a conta acima fica:

    ≤∫ �

    0

    ∑n≥1

    e−πn2t · tσ/2−1dt︸ ︷︷ ︸

    (A)

    +∑n≥1

    ∫ ∞1/�

    e−πn2t · tσ/2−1dt︸ ︷︷ ︸

    (B)

    .

    (A) ∫ �0

    ∑n≥1

    e−πn2t · tσ/2−1dt ≤

    ∫ �0

    ∑n∈Z

    e−πn2t · tσ/2−1dt

    ≤∫ �

    0

    θ(t) · tσ/2−1dt

    (teorema 3.4.1⇒) ≤ C ·∫ �

    0

    tσ/2−