fraternidade, instituições e democracia

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FRATERNIDADE, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA Ana Luiza Rocha Santana¹ RESUMO Este artigo debate sobre os temas da democracia, instituições e fraternidade, e apresenta uma ligação entre eles, sendo essa uma ponte para o real processo democrático. Os conceitos dos três elementos citados serão explicados, apontando que o funcionamento deles em harmonia é capaz de gerar um sistema de administração e de relacionamentos mais igualitário, proporcionando à sociedade uma conscientização de direitos, liberdades, valores e obrigações. ABSTRACT This paper focuses on the themes of democracy, institutions and fraternity and shows a link among them, which is a bridge to the real democratic process. The concepts of the three elements mentioned will be explained, noting that their working in harmony is capable to generate a management and relationships system more egalitarian, giving to society awareness about rights, freedoms, values and obligations. INTRODUÇÃO Como já afirmaram Przeworski, Alvarez, Cheibub e Limongi (COLOCAR ANO DE PUBLICAÇÂO), a democracia, a riqueza, a inflação moderada e a redução da desigualdade favorecem as instituições parlamentares. Mas é fácil observar que mesmo nas instituições parlamentares, regidas democraticamente, existe um índice de fatores que não condizem com a essência do que deve ser de fato um regime democrático. Igualdade, liberdade de expressão, acesso a recursos de base de qualidade raramente são distribuídos uniformemente entre os cidadãos do país. A falha encontra-se no desempenho das instituições responsáveis pela elaboração e execução de políticas que atendam a essas necessidades, e acima de tudo, direitos, do cidadão. Por isso elaboramos este trabalho, que tem a intenção de analisar o possível funcionamento comutativo da democracia, das instituições e da fraternidade. Esse

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FRATERNIDADE, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA

Ana Luiza Rocha Santana¹

RESUMO

Este artigo debate sobre os temas da democracia, instituições e fraternidade, e

apresenta uma ligação entre eles, sendo essa uma ponte para o real processo democrático. Os

conceitos dos três elementos citados serão explicados, apontando que o funcionamento deles

em harmonia é capaz de gerar um sistema de administração e de relacionamentos mais

igualitário, proporcionando à sociedade uma conscientização de direitos, liberdades, valores e

obrigações.

ABSTRACT

This paper focuses on the themes of democracy, institutions and fraternity and shows a

link among them, which is a bridge to the real democratic process. The concepts of the three

elements mentioned will be explained, noting that their working in harmony is capable to

generate a management and relationships system more egalitarian, giving to society

awareness about rights, freedoms, values and obligations.

INTRODUÇÃO

Como já afirmaram Przeworski, Alvarez, Cheibub e Limongi (COLOCAR ANO DE

PUBLICAÇÂO), a democracia, a riqueza, a inflação moderada e a redução da desigualdade

favorecem as instituições parlamentares. Mas é fácil observar que mesmo nas instituições

parlamentares, regidas democraticamente, existe um índice de fatores que não condizem com

a essência do que deve ser de fato um regime democrático. Igualdade, liberdade de expressão,

acesso a recursos de base de qualidade raramente são distribuídos uniformemente entre os

cidadãos do país. A falha encontra-se no desempenho das instituições responsáveis pela

elaboração e execução de políticas que atendam a essas necessidades, e acima de tudo,

direitos, do cidadão. Por isso elaboramos este trabalho, que tem a intenção de analisar o

possível funcionamento comutativo da democracia, das instituições e da fraternidade. Esse

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último princípio está relacionado com o respeito à liberdade dos indivíduos, sem que um

subtraia direitos de outros, garantindo que todos se envolvam num processo de

conscientização de direitos, limites e deveres.

A primeira seção apresenta um retrato da democracia, comparando seu fiel conceito ao

regime que de fato ela assume na maioria dos países democráticos. Na segunda analisamos as

funções das instituições, que, sejam elas estatais, privadas ou não governamentais, de alguma

forma influenciam na manutenção dos direitos e deveres da sociedade. Na terceira seção

agregamos aos dois conceitos anteriores o princípio da fraternidade, explicando formas de

interpretá-lo e a importância de aplicá-lo eficientemente ao cotidiano das instituições para

garantir a fidelidade das democracias ao seu conceito primordial. Por último concluímos o

trabalho com a ideia de que o correto funcionamento dos atuais regimes democráticos só

acontece diante da existência de fatores que auxiliem e estimulem a fraternidade entres as

instituições e os indivíduos, gerando na sociedade um ciclo fraterno, onde o intuito principal é

o bem-estar coletivo.

DEMOCRACIA

A origem grega da palavra democracia incorpora ao termo a ideia de um modelo de

regime político no qual o povo, a população, a comunidade detém o poder de tomar

importantes decisões políticas direta ou indiretamente. O original sentido da democracia, no

nosso modelo presidencialista, concretiza-se quando o cidadão comum tem direito pleno à

liberdade de escolha dos seus representantes políticos, a apontar possíveis falhas na

administração pública que impossibilitem o bem estar coletivo, à articulação e formação de

grupos para eleição para cargos públicos. Essas ações em alguns momentos se concretizam no

modelo democrático brasileiro. Os cidadãos têm plena possibilidade de, através do voto,

escolher seus representantes, porém esse processo muitas vezes é manipulado, sobretudo pela

mídia e pela indução exercida sobre os cidadãos. Um político, durante seu mandato tem por

obrigação atender as necessidades básicas da população, através de políticas que garantam um

sistema de saúde público de qualidade, programas assistencialistas para as classes de extrema

pobreza, movimentos de incentivo cultural, ensinos educacionais fundamental e superior

eficientes, bem como prestação de informações sobre sua gestão, seja do município, do estado

ou da federação. O que acontece no quadro geral da política brasileira é a realização de obras

e políticas aparentes, que são facilmente percebidas pela população. Isso dá ao político boa

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visibilidade diante de assuntos superficiais. Os cidadãos melhor instruídos, capazes de

analisar mais detalhadamente a gestão de um ou outro político compreendem o quanto são

falhas as administrações públicas brasileiras. Especialmente no quesito de prestação de contas

das ações realizadas pela administração e da distribuição das verbas públicas o sistema

administrativo é falho. Existem sites do governo federal que apresentam relatórios sobre o que

a gestão pública tem feito, mas esse acesso e o entendimento de tais relatórios ficam restritos

a pessoas providas de computadores equipados para tal procedimento e dotadas de

conhecimento demasiadamente técnico para compreensão do conteúdo dos relatórios.

A democracia é também a institucionalização da liberdade, a proteção da liberdade

humana. Tem por principal função detectar e realizar a vontade da maioria, mas, além disso,

proteger e assegurar os direitos individuais e das minorias. É uma aliança entre governo,

maioria, minorias e indivíduos, com fins de tolerância, cooperação e compromisso. A função

de proteção de direitos e liberdades obriga os administradores políticos a garantirem que o

cidadão não seja lesado em seus princípios morais e bens materiais, e quando isso ocorrer,

deve garantir que o poder judiciário utilizará os recursos legislativos em defesa do cidadão

lesado. O Brasil, por possuir território de dimensões continentais, mantém uma democracia

que descentraliza o poder federal a nível regional e local, tornando a participação da

população nas ações políticas mais acessível. Institui também eleições periódicas livres e

justas, sendo obrigatória a participação de todos no processo eleitoral, através do voto, ou da

justificativa para o não comparecimento aos pontos de votação. Essa obrigatoriedade de

envolvimento no processo de escolha dos representantes políticos é uma forma de firmar

compromissos com os representantes, em sinal de que eles precisam do apoio da população

para deter a maioria da votação e a nação precisa de garantias de liberdades e direitos, a serem

assegurados pelos representantes.

O fato é que, no Brasil, nem todos os princípios democráticos são seguidos

adequadamente, e por vezes, parte da população não chega a ter liberdades concretas. A

concretização da liberdade não se constitui unicamente no direito de participar da vida pública

e interferir nas decisões políticas. É também a adoção de mecanismos que permitam ao

cidadão, desde os de classe abastada até os desprovidos de informação e conhecimento,

interar-se das ações políticas, compreende-las e assim participar de deliberações sobre o que

pode ser feito e melhorado na gestão pública. Exemplos disso são as associações de

moradores de bairros e as organizações não governamentais, que, na maioria dos casos,

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admitem a participação de qualquer pessoa que se mostre interessada e disposta a ajudar na

formação de opiniões do grupo em prol do bem coletivo.

INSTITUIÇÕES

O Estado, como sendo uma instituição, é responsável pela organização das ações

coletivas dos cidadãos. Esse controle é feito através das demais instituições legais ou

jurídicas, que são parte constitutiva do Estado. A funcionalidade econômica do Estado

consiste na institucionalização dos mercados, na promoção do desenvolvimento econômico e

da segurança econômica dos indivíduos (PEREIRA, 2005) Para o prof. Luiz Carlos Bresser

Pereira há diferenças entre Estado-nação, Estado e aparelho do Estado. O Estado-nação é, na

verdade, o conjunto que reúne necessariamente uma sociedade, um território, o Estado e suas

instituições com poder coercitivo. O Estado-nação é, portanto, responsável pela

representatividade da respectiva nação perante as demais. É o elemento que ultrapassa as

fronteiras territoriais e delineia a visibilidade do país para quem estiver fora dele. Já o Estado

é instituição interna, que atua dentro dos limites fronteiriços do país. Está diretamente ligado à

organização, legislação e tributação da sociedade. A legitimidade da existência do Estado

emana da própria sociedade, que percebe a necessidade de uma organização central para

manutenção do ambiente coletivo. O Estado é formado por uma organização estatal e um

sistema institucional normativo, composto por leis, que, via de regra, são permanentes, e por

políticas públicas, que, em geral, são periódicas. As instituições que têm origem no Estado

têm caráter normativo, a instituição do Estado propriamente dito tem caráter organizacional.

Isso significa dizer que a operacionalização do sistema estatal, como a implementação de

políticas públicas, de obras de infra-estrutura, se dá, de dato, pelas instituições secundárias ao

Estado, que nesse contexto, funciona como um regulador daquelas.

O Estado precisa ser o meio pelo qual a sociedade busca e obtém seus anseios, sejam

eles o bem estar, a estabilidade social, a liberdade, a justiça, sobretudo, a ordem e a segurança

pública, que são os principais objetivos do Estado, visto que sem ordem pública e sem

garantia de respeito aos contratos o Estado perderia sua funcionalidade primordial, e

possivelmente não existiria (PEREIRA, 2005). Os neo-institucionalistas defendem a

democracia como um regime que interliga as instituições e o desenvolvimento econômico, e

assim sua principal função torna-se promover a prosperidade. A partir dessa visão cria-se na

sociedade o lamentável hábito de conformar-se com o desenvolvimento econômico

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promovido pelo Estado, como se fatores como educação, transporte, cultura, informação,

acesso a empregos fossem parte de uma categoria de objetivos secundários, quando na

verdade não o são. A maioria das instituições, por efeitos da corrida desenvolvimentista

proporcionada pela globalização, adotou como meta principal o desenvolvimento econômico,

cuja compreensão e mensuração muitas vezes estão restritas aos cálculos técnicos de

economistas e cientistas políticos, e não acessíveis ao cidadão comum. As instituições

concretizam seu sentido quando contribuem para o alcance dos objetivos da sociedade, e mais

do que tão somente atreladas à estrutura econômica, elas devem transparecer os valores e as

crenças contidos no sistema cultura da nação.

FRATERNIDADE

“Liberdade, igualdade e fraternidade”. O lema da Revolução Francesa expressa os

problemas vividos pela sociedade na época da revolução. A intenção inicial do movimento era

formar instituições democráticas, igualitárias e justas, que assegurassem as liberdades e os

direitos dos cidadãos. Estudiosos apontam a Revolução Francesa como sendo dividida em

duas partes, e na segunda as intenções do movimento foram deturpadas e enviesadas para um

governo despótico e ilusório, por vezes muito mais supressor de liberdades que o regime

destituído. A “soberania do povo” devaneou por caminhos que levaram à ilusão da sociedade,

que crendo num movimento de libertação disseminaram uma anarquia que levou à ruína

valores religiosos, crenças e tradições francesas. Acredita-se ainda que o ato revolucionário de

ofuscar as influências religiosas objetivavam elevar o poder político das instituições

(RIBEIRO, 2008). Apesar de tais desvios de caráter da revolução, a sua originalidade faz

sentido, e se trazida ao contexto atual representa um grande avanços nos modelos

democráticos existentes, sobretudo o brasileiro, onde a política, não raramente, baseia-se no

endeusamento dos altos cargos políticos e sublevação da população comum. A interação do

ideal de fraternidade na política democrática atual ajuda a equilibrar as liberdades, partindo da

ideia que um indivíduo é livre na medida em que outros indivíduos também o são, e que a

liberdade individual termina quando começa a liberdade individual do outro. A disseminação

de temáticas relacionadas à paz, aos direitos humanos, à preservação do meio ambiente

auxiliam no processo de formação de cidadão mais críticos, participativos e conscientes da

influência dos atos individuais na vida coletiva, mostrando a necessidade de preservar o bem

estar da comunidade (OLIVEIRA, 2006). Unir a real funcionalidade das instituições a práticas

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fraternas dentro do regime democrático significa transformar a vida social, para que ela esteja

baseada na elaboração e respeito a regras. Essas regras precisam ser condizentes com os

objetivos da nova sociedade consciente e fraterna, ao invés de injustas e beneficiadoras de

minorias políticas e econômicas. A discussão e deliberação acerca das regras propostas a uma

sociedade é importante para que haja o esclarecimento da necessidade de existência de tais

normas, essa ação estimula o respeito coletivo à regra, e extingue o respeito unilateral e

restrito, em que na maioria das vezes alguns segmentos da população, como a alta sociedade,

família e influentes de políticos são isentos do cumprimento de uma ou outra regra. A

aplicabilidade constitucional, por lei, não pode utilizar distinção de classes, no entanto, na

prática, existem instituições corrompidas, as quais não idealizam a fraternidade na realização

de suas atividades, salvo casos que envolvem familiares e amigos. É preciso atentar para os

benefícios que a incorporação da fraternidade ao regime político pode trazer para a sociedade:

melhoria nos sistemas de atendimento público e privado, como o sistema de saúde, por

exemplo, clareza e acessibilidade na prestação de informação à população sobre obras, ações

e destinos das verbas estatais, implementação e disseminação da cultura local, bem como

incentivo ao conhecimento e respeito a culturas estrangeiras e, talvez o mais essencial, o

sentimento de igualdade, ajuda e respeito entre os cidadãos.

CONCLUSÃO

Este artigo expos a importante ligação entre democracia, instituições e fraternidade,

um ideal proposto inicialmente há mais de dois séculos, na Revolução Francesa, mas que foi

desviado para rumos que divergiam do original. A tentativa contemporânea é de resgatar os

propósitos da fraternidade, incorporando ao regime democrático o objetivo do bem estar

coletivo. A ponte que utilizamos para levar o regime democrático aos parâmetros fraternos foi

as instituições, sejam elas políticas, econômicas ou sociais. Elas, como detentoras de contato

próximo com a sociedade, seria capaz de captar os anseios individuais e coletivos, levá-los ao

Estado e por fim concretizá-los, trazendo satisfação aos cidadãos. A democracia, em seu

sentido original, atribui aos indivíduos direitos e liberdades iguais, e as instituições que

compões o regime democrático precisam colocar em prática esse sentido. O meio pelo qual as

instituições adquirem consciência de que é necessário fazer valer os direitos, liberdades e

deveres do cidadão é a fraternidade. Esse princípio coloca todas as classes sociais em níveis

iguais de merecimento de bem estar. Este benefício será obtido através de incentivos à saúde,

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à educação, à informação, à ascensão econômica, à segurança, à ordem pública, à cultura, e à

transparência na governabilidade. Esses são os principais objetivos da vida social, e através da

fraternidade e conscientização de liberdades e direitos os obstáculos a esses objetivos

diminuem drasticamente, por dois motivos. Primeiro porque as instituições assumiriam como

meta primordial o atendimento devido aos cidadãos e suas necessidades, e segundo porque,

em caso de diferenciação de grupos, em benefício de uns e detrimento de outros, o cidadão

seria fraterno, e denunciariam tal tipo de injustiça, mesmo que não lhe atingisse diretamente,

pois pensaria nos direitos não como bens a serem disputados, e sim como bens coletivos. A

fraternidade trás, sobretudo para os governantes políticos, o entendimento de que o Estado, no

regime democrático, precisa funcionar em prol da nação, atendendo aos seus anseios e

necessidades, para a preservação do bem estar social.

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REFERÊNCIAS

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PRZEWORSKI et al. O que mantém as democracias? In Revista Lua Nova. São Paulo:

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RIBEIRO, F. M. V. As causas da Revolução Francesa: como as instituições e costumes do

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