ipea - estado, instituições e democracia - vol 1_república - 2010

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  • 7/16/2019 IPEA - Estado, Instituies e Democracia - Vol 1_Repblica - 2010

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    Projeto Perspectivas doDesenvolvimento Brasileiro

    Livro 9 | Volume 1

    Estado, Instituies

    e Democracia:repblica

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    Estado, Instituies e Democracia: repblica

    Livro 9 Volume 1

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    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da RepblicaMinistro Samuel Pinheiro Guimares Neto

    PresidenteMarcio Pochmann

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalFernando Ferreira

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicase Polticas InternacionaisMrio Lisboa Theodoro

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado,das Instituies e da DemocraciaJos Celso Pereira Cardoso Jnior

    Diretor de Estudos e Polticas MacroeconmicasJoo Sics

    Diretora de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas

    e AmbientaisLiana Maria da Frota Carleial

    Diretor de Estudos e Polticas Setoriais, de Inovao,Regulao e InfraestruturaMrcio Wohlers de Almeida

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisJorge Abraho de Castro

    Chefe de GabinetePersio Marco Antonio Davison

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoDaniel Castro

    URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

    Fundao pbl ica vinculada Secretaria de

    Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica,

    o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s

    aes governamentais possibilitando a formulao

    de inmeras polticas pblicas e programas de

    desenvolvimento brasi leiro e disponibil iza,

    para a sociedade, pesquisas e estudos realizados

    por seus tcnicos.

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    Braslia, 2010

    Estado, Instituies e Democracia: repblica

    Livro 9 Volume 1

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    Projeto

    Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

    SrieEixos Estratgicos do Desenvolvimento Brasileiro

    Livro 9Fortalecimento do Estado, das Instituies e da Democracia

    Volume 1Estado, Instituies e Democracia: repblica

    Organizadores/EditoresAlexandre dos Santos CunhaBernardo Abreu de MedeirosLuseni Maria C. de Aquino

    Equipe TcnicaJos Celso Cardoso Jr. (Coordenao-Geral)Alexandre dos Santos CunhaBernardo Abreu de MedeirosCarlos Henrique R. de SiqueiraEduardo Costa PintoFabio de S e Silva

    Felix Garcia LopezLuseni Maria C. de AquinoJos Carlos dos SantosPaulo de Tarso LinharesRoberto Rocha C. Pires

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2010

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Estado, instituies e democracia : repblica / Instituto de PesquisaEconmica Aplicada. Braslia : Ipea, 2010.v.1 (552 p.) : grfs., mapas, tabs. (Srie Eixos Estratgicos do

    Desenvolvimento Brasileiro ; Fortalecimento do Estado, das Insti-tuies e da Democracia ; Livro 9)

    Inclui bibliograa.Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.ISBN 978-85-7811-056-7

    1. Estado. 2. Democracia. 3. Repblica. I. Instituto de PesquisaEconmica Aplicada. II. Srie.

    CDD 320.1

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    SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................................9

    AGRADECIMENTOS ..........................................................................13

    INTRODUOA REPBLICA COMO REFERNCIA PARA PENSAR A DEMOCRACIAE O DESENVOLVIMENTO NO BRASIL ..........................................................17

    PARTE I

    RELAES ENTRE OS PODERES NO ATUAL CONTEXTODE DESENVOLVIMENTO

    CAPTULO 1A ATUALIDADE DA QUESTO REPUBLICANA NO BRASIL DO SCULO XXI ...43

    CAPTULO 2PODER EXECUTIVO: CONFIgURAO hISTRICO-INSTITUCIONAL .............65

    CAPTULO 3O CONgRESSO NACIONAL NO PS-1988: CAPACIDADE E ATUAONA PRODUO DE POLTICAS E NO CONTROLE DO EXECUTIVO ................97

    CAPTULO 4JUDICIRIO, REFORMAS E CIDADANIA NO BRASIL ...................................131

    PARTE II

    DESENVOLVIMENTO FEDERATIVO E DESCENTRALIZAODAS POLTICAS PBLICAS

    CAPTULO 5COORDENAO E COOPERAO NO FEDERALISMO BRASILEIRO:AVANOS E DESAFIOS .............................................................................177

    CAPTULO 6LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL, FEDERALISMO E POLTICAS

    PBLICAS: UM BALANO CRTICO DOS IMPACTOS DA LRFNOS MUNICPIOS BRASILEIROS ................................................................213

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    CAPTULO 7O DESENVOLVIMENTO FEDERATIVO DO SUS E AS NOVAS MODALIDADESINSTITUCIONAIS DE gERNCIA DAS UNIDADES ASSISTENCIAIS ................249

    CAPTULO 8POLTICA DE SEgURANA PBLICA NO BRASIL: EVOLUO RECENTEE NOVOS DESAFIOS .................................................................................277

    PARTE III

    A BUROCRACIA ESTATAL ENTRE O PATRIMONIALISMO E A REPBLICA

    CAPTULO 9O APARELhO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO: SUA gESTOE SEUS SERVIDORES DO PERODO COLONIAL A 1930 ...........................315

    CAPTULO 10O APARELhO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO: SUA gESTO E SEUSSERVIDORES DE 1930 AOS DIAS ATUAIS................................................343

    CAPTULO 11

    AVANOS E DESAFIOS NA gESTO DA FORA DE TRABALhONO PODER EXECUTIVO FEDERAL .............................................................387

    PARTE IV

    CONTROLE DO ESTADO E DEFESA DO INTERESSE PBLICO

    CAPTULO 12TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIO: TRAJETRIA INSTITUCIONAL

    E DESAFIOS CONTEMPORNEOS .............................................................415CAPTULO 13A CONSTRUO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE CONTROLEINTERNO DO EXECUTIVO FEDERAL BRASILEIRO .......................................443

    CAPTULO 14CORRUPO E CONTROLES DEMOCRTICOS NO BRASIL ........................473

    CAPTULO 15POR UMA NOVA gESTO PBLICA: REINSERINDO O DEBATEA PARTIR DAS PRTICAS POSSVEIS .........................................................505

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    NOTAS BIOGRFICAS .....................................................................531

    GLOSSRIO DE SIGLAS ..................................................................541

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    APRESENTAO

    com imensa satisfao e com sentimento de misso cumprida que o Ipeaentrega ao governo e sociedade brasileira este conjunto amplo, mas obvia-mente no exaustivo de estudos sobre o que tem sido chamado, na institui-o, de Eixos Estratgicos do Desenvolvimento Brasileiro. Nascido de um grandeprojeto denominado Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro, este objetivavaaglutinar e organizar um conjunto amplo de aes e iniciativas em quatrograndes dimenses: i) estudos e pesquisas aplicadas; ii) assessoramento gover-

    namental, acompanhamento e avaliao de polticas pblicas; iii) treinamentoe capacitao; e iv) ocinas, seminrios e debates. O projeto se cumpre ago-ra plenamente com a publicao desta srie de dez livros apresentados em15 volumes independentes , listados a seguir:

    Livro 1 Desaos ao Desenvolvimento Brasileiro: contribuies doConselho de Orientao do Ipea publicado em 2009

    Livro 2 Trajetrias Recentes de Desenvolvimento: estudos de experi-ncias internacionais selecionadas publicado em 2009

    Livro 3 Insero Internacional Brasileira Soberana

    - Volume 1 Insero Internacional Brasileira: temas de pol-tica internacional

    - Volume 2 Insero Internacional Brasileira: temas de eco-nomia internacional

    Livro 4 Macroeconomia para o Desenvolvimento

    - Volume nico Macroeconomia para o Desenvolvimento: cresci-mento, estabilidade e emprego

    Livro 5 Estrutura Produtiva e Tecnolgica Avanada e Regional-mente Integrada

    - Volume 1 Estrutura Produtiva Avanada e Regionalmente Inte-grada: desaos do desenvolvimento produtivo brasileiro

    - Volume 2 Estrutura Produtiva Avanada e Regionalmente Inte-grada: diagnstico e polticas de reduo das desigualdades regionais

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    Volume 2 Estado, Instituies e Democracia: democracia10

    Livro 6 Infraestrutura Econmica, Social e Urbana

    - Volume 1 Infraestrutura Econmica no Brasil: diagnsticos e

    perspectivas para 2025- Volume 2 Infraestrutura Social e Urbana no Brasil: subsdios

    para uma agenda de pesquisa e formulao de polticas pblicas

    Livro 7 Sustentabilidade Ambiental

    - Volume nico Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversi-dade, economia e bem-estar humano

    Livro 8 Proteo Social, Garantia de Direitos e Gerao de Oportunidades

    - Volume nico Perspectivas da Poltica Social no Brasil Livro 9 Fortalecimento do Estado, das Instituies e da Democracia

    - Volume 1 Estado, Instituies e Democracia: repblica

    - Volume 2 Estado, Instituies e Democracia: democracia

    - Volume 3 Estado, Instituies e Democracia: desenvolvimento

    Livro 10 Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

    Organizar e realizar tamanho esforo de reexo e de produo editorial apenasfoi possvel, em to curto espao de tempo aproximadamente dois anos de inten-so trabalho contnuo , por meio da competncia e da dedicao institucional dosservidores do Ipea (seus pesquisadores e todo seu corpo funcional administrativo),em uma empreitada que envolveu todas as reas da Casa, sem exceo, em diversosestgios de todo o processo que sempre vem na base de um trabalho deste porte.

    , portanto, a estes dedicados servidores que a Diretoria Colegiada do Ipeaprimeiramente se dirige em reconhecimento e gratido pela demonstrao de

    esprito pblico e interesse incomum na tarefa sabidamente complexa que lhesfoi conada, por meio da qual o Ipea vem cumprindo sua misso institucionalde produzir, articular e disseminar conhecimento para o aperfeioamento daspolticas pblicas nacionais e para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.

    Em segundo lugar, a instituio torna pblico, tambm, seu agradecimen-to a todos os professores, consultores, bolsistas e estagirios contratados para oprojeto, bem como a todos os demais colaboradores externos voluntrios e/ouservidores de outros rgos e outras instncias de governo, convidados a compor

    cada um dos documentos, os quais, por meio do arsenal de viagens, reunies,seminrios, debates, textos de apoio e idas e vindas da reviso editorial, enmpuderam chegar a bom termo com todos os documentos agora publicados.

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    Apresentao 11

    Estiveram envolvidas na produo direta de captulos para os livros quetratam explicitamente dos sete eixos do desenvolvimento mais de duas centenasde pessoas. Para este esforo, contriburam ao menos 230 pessoas, mais de uma

    centena de pesquisadores do prprio Ipea e outras tantas pertencentes a maisde 50 instituies diferentes, entre universidades, centros de pesquisa, rgos degoverno, agncias internacionais etc.

    A Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal) slidaparceira do Ipea em inmeros projetos foi aliada da primeira ltima hora nestatarefa, e ao convnio que com esta mantemos devemos especial gratido, certos deque os temas do planejamento e das polticas para o desenvolvimento temas es-tes to caros a nossas tradies institucionais esto de volta ao centro do debate

    nacional e dos circuitos de deciso poltica governamental.Temos muito ainda que avanar rumo ao desenvolvimento que se quer para

    o Brasil neste sculo XXI, mas estamos convictos e conantes de que o materialque j temos em mos e as ideias que j temos em mente se constituem em pontode partida fundamental para a construo deste futuro.

    Boa leitura e reexo a todos!

    Marcio PochmannPresidente do Ipea

    Diretoria Colegiada

    Fernando Ferreira

    Joo Sics

    Jorge Abraho

    Jos Celso Cardoso Jr.

    Liana Carleial

    Mrcio Wohlers

    Mrio eodoro

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    AGRADECIMENTOS

    Este livro (Fortalecimento do Estado, das Instituies e da Democracia), nos trsvolumes que o compem (Repblica, Democracia e Desenvolvimento), nasceu sobo signo da ousadia. A bem da verdade, uma dupla ousadia, em torno da qual setorna imperativo registrar os respectivos agradecimentos.

    Em primeiro lugar, o livro jamais existiria sem a deciso, instigada peloprprio presidente do Ipea, Marcio Pochmann, ainda em ns de 2007, e com-partilhada por seus diretores e assessores mais diretos, os Srs. Fernando Ferreira,

    Mrcio Wohlers, Mrio eodoro, Joo Sics, Jorge Abraho, Jos Celso CardosoJr. e a Sra. Liana Carleial, de inaugurar um processo de revitalizao institucionalno instituto, por meio do qual viria a se instalar intenso e salutar debate interno Casa, acerca de sua razo de ser, de suas capacidades instaladas, de suas potencia-lidades institucionais, enm, de sua misso institucional, seus desaos e algumasestratgias possveis e necessrias de ao para o futuro imediato. A este conjuntode prossionais, responsveis pela conduo de aes signicativas ao longo destagesto, devemos nosso reconhecimento, por terem garantido a institucionalidadee as condies objetivas para que este trabalho chegasse a termo neste momento.

    Em segundo lugar, devemos agradecer ao conjunto de autores e demaiscolaboradores que ousaram participar do projeto que resultou neste livro, sejaelaborando diretamente os captulos, seja debatendo-os, revisando-os e garantin-do o suporte tcnico e logstico necessrio a tal empreitada. Considerando, emparticular, o mtodo adotado para construo do projeto/livro, mtodo este quecontou com uma srie de etapas intermedirias de produo, debate, reviso evalidao dos textos de cada autor, em processo que durou em torno de dois anosde trabalho intensivo, a presena e a participao ativa do nosso grupo de apoioadministrativo foram fundamentais. Este grupo foi formado, no geral, pelos co-legas Elidiana Brando, Gustavo Alves, Manoel Moraes, Rosane Silveira, TaniaMonteiro e Vernica Lima.

    Carlos Henrique R. de Siqueira e Jos Carlos dos Santos foram assessoresda primeira ltima hora, responsveis por resolver todos os contratempos queso inerentes a um projeto com estas dimenses tanto montante junto aosautores como jusante junto ao editorial. Sem eles, este trabalho, denitiva-mente, estaria ainda longe do m.

    No processo propriamente editorial, registrem-se nossos ntegros agrade-cimentos aos colegas Daniel Castro, Iranilde Rego, Jane Fagundes, Cida Tabozae suas prestimosas equipes de revisores e diagramadores das mais de mil pginas

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    Volume 1 Estado, Instituies e Democracia: repblica14

    que compem os trs volumes deste livro. E a Robson Poleto dos Santos, alunode Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsista daPromoo de Intercmbio de Estudantes de Graduao (PROING) do Ipea, que

    com dedicao e zelo elaborou o glossrio de siglas deste livro.No mbito administrativo e nanceiro, no podemos deixar de mencionar a

    atual Diretoria de Desenvolvimento Institucional (Dides) do Ipea, que mobilizouesforos no desprezveis para garantir toda a logstica das atividades que supor-taram a realizao do projeto, bem como as bolsas de pesquisa do Programa dePesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Ipea, com as quais foramnanciadas algumas das pesquisas cujos relatrios esto reunidos nos volumesdeste livro. Tampouco podemos deixar de mencionar a participao tcnica dos

    colegas da Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal), CarlosMussi, Renato Baumann e Ricardo Bielschovsky, os quais, por meio do convnioIpea/Cepal, ajudaram no s a nanciar outra parte dos estudos destinados aolivro, como tambm a debater e formatar os roteiros nais de praticamente todosos documentos do projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro, do qual este,em particular, parte integrante.

    Finalmente, mas no menos importante, cumpre conceder crditos aos 68autores que participaram do projeto e efetivamente colaboraram para que os ca-

    ptulos fossem escritos no esprito geral do livro, vale dizer, visando servir tantocomo veculo informativo a respeito das grandes questes nacionais priorizadasem cada um dos trs volumes (Repblica, Democraciae Desenvolvimento), quantocomo ponto de partida analtico, de teor aberto e marcadamente crtico, para odebate pblico com o governo, a academia e a sociedade brasileira.

    No que diz respeito aos captulos deste volume, a Parte I, Relaes entreos poderes no atual contexto de desenvolvimento, composta por quatro captulos,inicia-se com o captulo 1, A atualidade da questo republicana no Brasil do s-

    culo XXI, que traz entrevistas realizadas com Gabriel Cohn, professor titularaposentado de Sociologia e Cincia Poltica da Faculdade de Filosoa, Letrase Cincias Humanas da Universidade de So Paulo (FFLCH/USP), e LuizWerneck Vianna, doutor em Sociologia pela USP, professor do Instituto deEstudos Sociais e Polticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). O captulo 2, Poder Executivo: congurao histrico-institucional, foi es-crito por Antnio Lassance, tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e dou-torando em Cincia Poltica pela Universidade de Braslia (UnB). O captulo 3,O Congresso Nacional no ps-1988: capacidade e atuao na produo de polticas

    e no controle do Executivo, de autoria do tcnico de Planejamento e Pesquisado Ipea Acir Almeida, cientista poltico, com mestrado pela Universidade deRochester, Estados Unidos. O captulo 4, Judicirio, reformas e cidadania noBrasil, foi elaborado por Andrei Koerner, mestre e doutor em Cincia Poltica

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    Agradecimentos 15

    pela FFLCH/USP e professor do Departamento de Cincia Poltica do Institutode Filosoa e Cincias Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP), em coautoria com Celly Cook Inatomi e Mrcia Baratto, ambas

    mestres em Cincia Poltica pela UNICAMP e todos integrantes do Grupo dePesquisas sobre Poltica e Direito do Centro de Estudos Internacionais e PolticaContempornea (GPD/CEIPOC) da UNICAMP.

    A Parte II, Desenvolvimento federativo e descentralizao das polticas pblicas, composta pelos captulos 5 a 8. O captulo 5, Coordenao e cooperao no fede-ralismo brasileiro: avanos e desaos, foi escrito por Fernando Luiz Abrucio, doutorem Cincia Poltica pela USP e coordenador do Programa de Ps-graduao emAdministrao Pblica e Governo da Escola de Administrao de Empresas de So

    Paulo da Fundao Getulio Vargas (EAESP/FGV), em colaborao com CibeleFranzese e Hironobu Sano, ambos doutores pela mesma instituio. CristianeKerches e Ursula Dias Peres, professoras do curso de Gesto de Polticas Pblicasda USP, escreveram juntas o captulo 6, intitulado Lei de Responsabilidade Fiscal,federalismo e polticas pblicas: um balano crtico dos impactos da LRF nos muni-cpios brasileiros. Roberto Passos Nogueira, tcnico de Planejamento e Pesquisado Ipea e doutor em Sade Coletiva pela Universidade do Estado do Rio deJaneiro (UERJ), o autor do captulo 7, O desenvolvimento federativo do SUS e asnovas modalidades institucionais de gerncia das unidades assistenciais. Finalmente,o captulo 8, Poltica de segurana pblica no Brasil: evoluo recente e novos de-saos, foi escrito pelos tcnicos de Planejamento e Pesquisa do Ipea Almir deOliveira Jr., doutor em Sociologia e Poltica pela Universidade Federal de MinasGerais (UFMG), e Edison Benedito da Silva Filho, mestre em Economia pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    A Parte III, A burocracia estatal entre o patrimonialismo e a Repblica, re-ne trs captulos. O captulo 9 intitula-se Oaparelho administrativo brasileiro:sua gesto e seus servidores do perodo colonial a 1930e foi elaborado pelo pes-

    quisador visitante do Ipea Eneuton Dornellas Pessoa de Carvalho, doutor emEconomia pela UNICAMP. Dando sequncia anlise desenvolvida nesse texto,o captulo 10, produzido pelo mesmo autor, aborda o perodo de 1930 aos diasatuais. Por m, o captulo 11,Avanos e desaos na gesto da fora de trabalho noPoder Executivo federal, teve elaborao de Marcelo Viana Estevo de Moraes,Tiago Falco Silva, Patricia Vieira da Costa, Simone Tognoli Galati Moneta eLuciano Rodrigues Maia Pinto, todos especialistas em Polticas Pblicas e GestoGovernamental do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MPOG).

    Na Parte IV, Controle do Estado e defesa do interesse pblico, o captulo 12,Tribunal de Contas da Unio: trajetria institucional e desaos contemporneos, foi es-crito por Marco Antnio Carvalho Teixeira, professor do Departamento de GestoPblica da FGV de So Paulo. O captulo 13,A construo institucional do sistema

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    Volume 1 Estado, Instituies e Democracia: repblica16

    de controle interno do Executivo federal brasileiro, foi redigido por Ceclia Olivieri,professora do curso de Gesto de Polticas Pblicas da Escola de Artes, Cincias eHumanidades (EACH) da USP. Leonardo Avritzer, doutor em Sociologia Poltica

    pela New School for Social Research, e Fernando Filgueiras, doutor em CinciaPoltica pelo IUPERJ, ambos professores do Departamento de Cincia Polticada UFMG, elaboraram o captulo 14, Corrupo e controles democrticos no Brasil.Finalmente, Ana Paula Paes de Paula, pesquisadora e professora dos cursos de gra-duao e ps-graduao em Administrao da Faculdade de Cincias Econmicas(Face) da UFMG, comps o captulo 15, Por uma nova gesto pblica: reinserindoo debate a partir das prticas possveis, que encerra este volume.

    Todos os captulos integrantes deste volume 1, Estado, Instituies e Democracia:

    repblica, foram lidos, relidos, debatidos e editados pelos tcnicos de Planejamentoe Pesquisa do Ipea Alexandre dos Santos Cunha, Bernardo Abreu de Medeiros eLuseni Maria C. de Aquino. Juntos, eles tambm escreveram a introduo des-te volume, que, alm de apresentar o sumrio analtico dos textos ora reunidos,prope-se a indicar novas agendas de pesquisa no mbito do tema republicano.

    A todos os autores e colaboradores, reiteramos nossos mais profundos e sin-ceros agradecimentos, certos de que suas contribuies, sempre crticas e instigan-tes, compem, de forma sequenciada ao longo deste volume, um roteiro profcuo

    retomada do debate sobre as perspectivas do desenvolvimento brasileiro.Os Editores

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    INTRODUO

    A REPBLICA COMO REFERNCIA PARA PENSAR ADEMOCRACIA E O DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

    O conceito de repblica no unvoco e tem sido empregado no pensamento e naanlise poltica para se referir a diferentes questes. Em termos bastante sintticos,as duas acepes mais comumente relacionadas a esta ideia se referem, de um lado,

    a uma forma de governo instituda pela vontade da comunidade poltica o que,no caso das experincias contemporneas, se contrape aos governos monrqui-cos e se aproxima dos regimes democrticos e, de outro, a uma forma de vidapoltica fundada na primazia do interesse comum que requer o engajamento dacomunidade na conduo da coisa pblica e se faz expressar de maneira especialnos princpios, nas prticas e nos procedimentos que conformam as instituies.Embora ambas as acepes no se oponham, e at se complementem, a discussoque se pretende fazer neste texto aborda a repblica a partir da segunda delas,interessando discutir especicamente o carter republicano ou no das insti-

    tuies constitutivas do Estado brasileiro, entendido enquanto agncia primor-dial da comunidade poltica para gesto do que pblico.

    E por que recolocar em debate o tema republicano? Primeiramente, porque sereconhece que se trata de referncia importante na reexo poltica atual. Nas ltimasdcadas, a repblica ressurgiu como referncia importante nas reexes sobre a pol-tica. Noes como virtude cvica, espao pblico, bem comum, bom governo, comu-nidade poltica, interesse bem compreendido, entre outras pertencentes gramticadares publica, tm sido mobilizadas tanto para tematizar a sociabilidade corriqueira

    nos diferentes contextos de interao poltica, quanto para abordar a questo dodesempenho e do aprimoramento do Estado e das instituies democrticas.1

    A retomada do referencial republicano acontece em um contexto marcadopor crises econmicas, de regulao estatal, de representao e de participaopoltica manifestas muitas vezes em escala mundial que impulsionaram umaonda crtica endereada aos vrios aspectos da teoria poltica liberal e, em especial,s instituies e s prticas neoliberais.2 Remontando a uma longa tradio do

    1. A respeito, ver Pocock (1975), Walzer (1980), Sandel (1982, 1984), Pettit (1997), Skinner (1998), Viroli (2002),Binotto (1991, 2000, 2001, 2004) e Cardoso (2004).2. Nas palavras de Cardoso (2000, p. 28-29), a retomada contempornea da repblica carrea um acentuado aulocrtico (...) faz contraponto celebrao da expanso do mercado e da esfera dos interesses privados, retrao doespao pblico e das reulaes polticas. a aressividades terica e prtica do ultra-liberalismo, a rarefao da atmosferasocial, que parecem suscitar a necessidade de devolver aluma densidade esfera do comum, dos interesses partilados,da ao coletiva e da solidariedade poltica no seio das prprias sociedades democrtico-liberais contemporneas (...).

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    Volume 1 Estado, Instituies e Democracia: repblica18

    pensamento poltico, o republicanismo contemporneo prope uma teoria dapoltica que, em sntese, busca integrar as referncias modernas de liberdade indi-vidual e garantia de direitos subjetivos na esfera privada com as noes de virtude

    cvica e bem comum ligadas ao no espao pblico.No Brasil, a ecloso desse movimento coincide com o perodo de rede-

    mocratizao da vida poltica e de elaborao e vigncia do marco jurdico-institucional consubstanciado na Constituio Federal de 1988 (CF/88), queforneceu ao pas um arcabouo, em grande medida, inovador em face da tra-dio nacional. O texto constitucional no apenas rearmou que o Brasil cons-titui uma repblica, como tambm estabeleceu algumas das balizas que visamfavorecer a cultura republicana, ainda que no tenha delimitado completamente

    seus contornos. Alguns exemplos so a xao do princpio da publicidade dascontas e dos atos dos rgos pblicos; a incorporao da participao social naformulao de polticas em diversas reas, bem como do controle do Estado pelasociedade; o reconhecimento de associaes civis como os partidos polticose os sindicatos como agentes do controle da constitucionalidade das leis; e aatribuio funcional de defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dosinteresses difusos ao Ministrio Pblico (MP). Ao lado dos direitos e dos deveresindividuais e coletivos, essas e outras previses constitucionais tm contribudopara o surgimento de instigantes experincias no espao pblico especialmenteem torno do Estado marcadas pela mobilizao de diferentes atores para tratardos mais variados assuntos de interesse da sociedade.

    Assim, neste volume 1 do livro Estado, Instituies e Democracia, dedicado reexo sobre o Estado e sua congurao institucional no Brasil contemporneo,a repblica se impe como mote central. Enquanto forma de vida poltica que seorganiza com base na primazia do interesse pblico, tambm estabelece parme-tros importantes para pensar os rumos da democratizao e do desenvolvimentodo pas temas que sero abordados, respectivamente, nos volumes 2 e 3 que

    completam o livro. De um lado, considera-se importante discutir se, vencidosmais de 25 anos desde a redemocratizao e o retorno ao governo civil, a expe-rincia democrtica brasileira vem construindo uma trajetria republicana, ouseja, se as instituies e as prticas que conformam o Estado democrtico e socialde direito no pas ecoam e respeitam o interesse pblico. De outro lado, em umcontexto em que o tema do desenvolvimento volta a ganhar fora no debate pol-tico e inspira uma imagem projetada da nao no futuro, v-se como oportunorecolocar a referncia republicana como parmetro para analisar a adequao da

    congurao institucional presente do Estado em termos de sua estrutura, orga-nizao e abertura ao escrutnio e ao controle dos atores que se movimentam noespao pblico aos objetivos do desenvolvimento.

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    Esta introduo, ao tempo em que sintetiza os argumentos centrais dos 15textos ora reunidos, tambm busca inserir as reexes apresentadas no marcoda questo republicana, apontando possveis conexes com os problemas e as

    opes apontados em sua formulao contempornea e identicando alguns dostemas que emergem da leitura conjunta desses textos e que indicariam caminhospossveis para o esforo continuado de reexo sobre as instituies e as prticaspolticas brasileiras, tendo em vista o desenvolvimento do pas.

    1 ORGANIZAO DO VOLUME

    Com base nas premissas anunciadas anteriormente, o presente volume dedica-se acompreender o Estado brasileiro do ponto de vista institucional e organizacional,

    discutindo as relaes entre poderes, o arranjo interfederativo, a dimenso burocr-tica e os mecanismos de controle do Estado. Para tanto, divide-se em quatro partes.

    A Parte I, Relaes entre os poderes no atual contexto de desenvolvimento, concentraesforos no tema que, de certa forma, tem sido angular no republicanismo, ou seja, asrelaes horizontais entre os poderes do Estado. Partindo da teoria clssica da tripar-tio dos poderes, procura compreender qual a conformao atual e de que modo searticulam e se coordenam as aes do Executivo, do Legislativo e do Judicirio no pas.

    Os textos que abordam especicamente essa temtica so precedidos de um

    provocativo debate entre os professores Gabriel Cohn (Universidade de SoPaulo USP) e Luiz Werneck Vianna (Instituto de Estudos Sociais e Polticosda Universidade do Estado do Rio de Janeiro IESP/UERJ), reetido no cap-tulo 1,A atualidade da questo republicana no Brasil do sculo XXI. Nas entrevistasconcedidas isoladamente aos editores deste volume, ambos enfrentam o temarepublicano, discutindo pontos como a incipiente democracia de massas brasi-leira, o problema da incluso social, os desaos governana estatal e o papel daburocracia e dos mecanismos de controle do Estado.

    Em linhas gerais, Cohn e Werneck Vianna parecem empenhados na tarefa deresgatar o espao prprio da prtica poltica na sociedade contempornea, tomandoa cidadania como condio inescapvel do indivduo moderno. Ante a preponde-rncia da vida econmica sobre a poltica e a substituio do governo dos homenspela administrao das coisas (ARON, 1976 apud JASMIN, 2000, p. 73), areferncia republicana parece contribuir de forma privilegiada para aquela tarefa,ao enfocar de modo especial o aspecto constitucional do exerccio do poder dasociedade sobre si mesma.3

    3. A politeia termo oriinal reo adotado por Plato e Aristteles e posteriormente traduzido para o latim comores publica, em sentido tcnico e preciso, refere-se ao aspecto constitucional da ordenao dos poderes da polis. Naoriem da palavra, pode-se identicar a preocupao fundamental com a relao entre a natureza e a forma de vidade uma comunidade e seu reime de overno, enquanto oranizao do poder ou constituio propriamente dita dooverno. Ver Cardoso (2000).

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    Ainda que por caminhos distintos, Cohn e Werneck Vianna estabelecemdilogo no apenas entre si, mas tambm com o republicanismo contemporneo.Suas referncias aos marcos da virtude cvica e do bem comum no partem de

    uma concepo moral ou nalista da comunidade poltica, como o zeram orepublicanismo clssico (de inspirao aristotlica e ciceroniana) ou at mesmoo humanismo cvico de Maquiavel. Diferentemente dessas vertentes do republi-canismo, para as quais a natureza de um regime de governo reete no apenas adelimitao da extenso do poder soberano, mas tambm a denio da nali-dade da comunidade poltica (CARDOSO, 2000), ou a manifestao dos valoresmais elevados da condio humana (BIGNOTTO, 2000b), o republicanismocontemporneo no ignora as exigncias da modernidade no que tange a uma

    compreenso pluralista da formao social. Com isso, o conceito de virtude cvicaganha novos contornos e, no lugar de corresponder a uma noo de irrefutvelconotao moral, passa a ser entendido mais estritamente como virtude poltica,como a capacidade e a disponibilidade dos indivduos de atuarem, a partir deinteresses diversos, em um espao de compromisso para a gesto do que detodos. Ao discutir a questo da virtude e seu papel no espao pblico, Cohn eWerneck Vianna parecem acatar sem restries a armao de Walzer, um dosinspiradores do republicanismo contemporneo, segundo a qual o interesse pelasquestes pblicas e a devoo s causas pblicas so os principais sinais da virtude

    cvica (WALZER, 1980 apudPUTNAM, 2000, p. 101).O mesmo se d com relao concepo do bem comum. Embora ambos

    reconheam que, no espao pblico, o bem comum prevalece sobre qualquerinteresse particular, nenhum deles atribui contedo substantivo a essa noo,recusando poltica a possibilidade de xao prvia de ns ltimos, denidosem termos substantivos. Ao contrrio, a ideia de bem comum comparece, emsuas vises, em harmonia com a noo de liberdade, to cara modernidade eao pensamento poltico em geral. Tambm neste ponto se pode identicar um

    dilogo prximo s formulaes do republicanismo contemporneo, para o quala liberdade compreendida de maneira positiva, como a capacidade de livre aoe manifestao no espao pblico, sendo totalmente compatvel com a ideia debem comum.4 Essa compatibilizao ca evidente na formulao de Werneck

    4. De fato, dois entendimentos distintos sobre a liberdade podem ser identicados na tradio republicana. O primeirocorresponde ideia de liberdade positiva, entendida como a liberdade de participar da autodeterminao coletiva dacomunidade, o que Benjamin Constant e Isaia Berlin associaram viso dos antios, mas tambm est presente nasformulaes de Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville e hanna Arendt. O seundo entendimento remete ideia de estarlivre da dominao, isto , da interferncia iletima e em desacordo com a lei. Esta noo est presente no republicanismo

    contemporneo, de forma mais elaborada nas formulaes de Pettit (1997) e, em certo sentido, compatvel com o indi-vidualismo da sociedade atual, estando inclusive mais prxima da concepo liberal de liberdade neativa, da liberdadecomo no interferncia o que, conforme aluns crticos, limita a possibilidade de se cear ao consenso sobre o bemcomum (BIgNOTTO, 2004). Uma diferena fundamental entre ambas, no entanto, o fato de que esta ltima v a lei comoconstranimento necessrio para a proteo da liberdade dos indivduos, ao passo que aquela percebe a lei como fruto daao e do assentimento de todos e cada um dos indivduos e expresso da prpria possibilidade de efetivao da liberdade.

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    Vianna, que retoma a noo tocquevilleana de interesse bem compreendido parase referir ao mecanismo que levaria os homens a se associar de uma formatal que redundasse em benefcio de todos. Tendo como cerne a identicao

    racional entre os interesses particulares e os da cidadania, essa noo expressaa condio de possibilidade da liberdade nas sociedades em franco processo deindividualizao, o que dota esta doutrina, que moralmente fraca, de grandeeccia poltica (JASMIN, 2000).

    Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito s relaes entre rep-blica e democracia. Ainda que se aproximem, os dois termos se referem a questesdistintas. Em linhas gerais, a democracia tem a ver com a ampliao da participaodo demosno exerccio do poder; a repblica, por sua vez, remete para as prprias

    condies de exerccio do poder, o que especialmente problemtico quando osque mandam devem tambm obedecer: Ora, toda a questo republicana est,justamente, no autogoverno, na autonomia, na responsabilidade ampliada daqueleque ao mesmo tempo decreta a lei e deve obedecer a ela (RIBEIRO, 2000, p. 21).Outra distino marcante entre democracia e repblica se refere ao fato de que,enquanto a primeira se satisfaz com a frmula do governo da maioria, a segundaenfrenta o desao de promover a implicao efetiva de todosna expresso e rea-lizao do bem comum (CARDOSO, 2004b, p. 46). Assim, se a constituioda vontade geral se resolve na teoria democrtica por meio da manifestao davontade da maioria, o cerne do problema republicano est na concertao de todosos interesses para o bem comum, na regulao do (...) conito constante daspartes que compem o corpo poltico e ganha seus contornos institucionais e his-tricos na medida em que se chega a uma congurao de direito que os acolhe(BIGNOTTO, 2004, p. 39). Nas palavras de Cardoso:

    O que a repblica quer lembrar democracia to-somente a exigncia da encar-nao institucional (e no meramente procedimental ou mesmo simblica) e adimenso social e histrica das formulaes do direito. O que ela recorda demo-

    cracia so as condies reais da produo e reproduo das leis, a exigncia de queuma efetiva concertao ou acomodao dos interesses sustente a sua promulgao,visto que a democracia tende a tom-las (...) como produzidas imediatamente pelauniversalidade da participao, pelo recurso ao voto e regra numrica da maio-ria, ou ainda apenas pela negao da particularidade, pela contestao popular daordem estabelecida. (CARDOSO, 2004b, p. 64)

    Respeitando essas distines, os dois entrevistados parecem convergir parauma compreenso processual da repblica, que resultaria da prpria democratiza-

    o. Werneck Vianna j apontara a necessidade de entender a repblica como umaconstruo histrico-processual que resulta de um longo caminho de democrati-zao da esfera pblica, que se tornou permevel vontade dos indivduos (...)(WERNECK VIANNA; CARVALHO, 2000, p. 131). No mesmo sentido,

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    Cohn sinteticamente se refere ao percurso democracia como jogo democracia comoaprendizado repblica, embora seja especialmente exigente quanto aos requisi-tos para a efetivao da experincia republicana, ao armar que, ao contrrio da

    democracia, que pode ser aperfeioada continuamente, (...) a repblica exige,de sada, qualicaes e formas de sensibilidade social altamente sosticadas, quepermitem manter viva uma coisa que a democracia, especialmente em sua versomnima, negligencia, que o exerccio de virtudes pblicas.

    Na sequncia do debate entre Cohn e Werneck Vianna, os trs captulosseguintes se dedicam reexo sobre os poderes da Repblica brasileira. Como jse armou anteriormente, a partio do poder do Estado tem sido uma questoangular no pensamento republicano. No sem tenses, o princpio da separao e

    da harmonia entre os poderes, presente no republicanismo da Revoluo Francesade 1789, foi paulatinamente cedendo lugar a um modelo de compartilhamentodo poder poltico. Nesse contexto, as formas de controle recproco tambmganharam relevncia, fazendo ecoar a doutrina de freios e contrapesos do repu-blicanismo norte-americano. No caso brasileiro, em que a primeira experinciarepublicana signicou, em grande medida, a incorporao das prerrogativas doPoder Moderador imperial Presidncia da Repblica, observou-se historica-mente uma tendncia centralizao do poder poltico em torno do Executivo, oque conferiu a tnica das relaes entre os poderes no pas. No entanto, fenme-nos relativamente recentes, como a adoo do controle concentrado da constitu-cionalidade das leis, exercido pelo rgo de cpula do Judicirio,5 vm conferindonovas nuances a essas relaes e ao equilbrio entre os poderes.

    Em tempos de disputas acirradas sobre o compartilhamento do poderpoltico, presses em cadeia no interior do circuito decisrio e constantes con-itos de prerrogativas entre os poderes, os captulos 2 e 3 procuram desvendar acongurao, o desempenho e o padro de relacionamento estabelecido entre osPoderes Executivo e Legislativo, desde a CF/88. Partindo do pressuposto de que

    o presidencialismo e o federalismo so as instituies centrais do Poder Executivobrasileiro, o captulo 2, Poder Executivo: congurao histrico-institucional, recu-pera a trajetria de conformao do presidencialismo federativo no pas. De umlado, explora alguns dos mecanismos por meio dos quais a matriz horizontal con-sagrou a prevalncia do Executivo frente aos demais poderes, destacando comocrucial a prerrogativa do chefe do Executivo de tomar decises com eccia legal

    5. O sistema brasileiro de controle da constitucionalidade das leis misto, combinando a forma difusa, exercida porqualquer juiz em face de uma pretenso de direito que envolva, em carter incidental, discusso da constitucionalida-

    de, e a forma concentrada, em que a questo constitucional constitui a prpria motivao da demanda levada a juzo.A modalidade difusa de controle de constitucionalidade foi adotada desde a primeira constituio republicana, aopasso que a concentrada suriu no incio da Ditadura Militar. A Constituio de 1988 referendou o sistema misto e ins-tituiu instrumentos que conferem maior amplitude e eccia ao controle concentrado. Em certo sentido, este contextocontribui para o aumento da tenso entre o Leislativo e o Judicirio, j que as leis aprovadas em conformidade coma vontade parlamentar podem ser derrubadas sob aleao judicial de inconstitucionalidade.

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    imediata. De outro, o texto discute alguns dos aspectos especcos do federalismo brasileira, evidenciando o fato de que a paulatina ampliao das atribuies,dos oramentos e da estrutura do governo federal, mesmo diante do processo de

    descentralizao em curso desde o nal da dcada de 1970, reatualiza a matrizvertical da institucionalizao do Estado.

    De forma sugestiva, o texto chama ateno ainda para a importncia de seconsiderar a dimenso burocrtica na congurao do presidencialismo federativobrasileiro, dado o papel desempenhado pela burocracia no processo de denioe implementao das polticas, envolvendo a garantia de eccia e ecincia dasaes pblicas e a intermediao entre Estado e sociedade e entre os poderes doEstado. Os marcos adotados no resgate e na anlise da congurao institucional

    do presidencialismo federativo brasileiro servem, ao nal do texto, proposiode que uma agenda inovadora de reexo e pesquisa sobre os poderes do Estadoesteja fundada na anlise de seu desempenho institucional, ou seja, das relaesentre o poder formalmente atribudo ao Estado, os processos desenvolvidos paraseu exerccio e os produtos resultantes disto.

    Aceitando esse desao metodolgico, o captulo 3, O Congresso Nacional nops-1988: capacidade e atuao na produo de polticas e no controle do Executivo,procura avaliar o desempenho institucional do Congresso nos ltimos 20 anos.

    A partir de ampla anlise quantitativa da atuao parlamentar, o texto buscadeterminar em que medida a instituio capaz de inuenciar a produo depolticas pblicas, tanto elaborando iniciativas prprias quanto alterando signi-cativamente as propostas do Poder Executivo, at mesmo contra a vontade deste.Debrua-se ainda sobre o exerccio dos poderes parlamentares de scalizao econtrole, procurando conhecer o modo como a atividade do Poder Legislativoimpacta a execuo das polticas pblicas pelo Poder Executivo. Apesar da lite-ratura tradicionalmente classicar o Parlamento brasileiro como essencialmenterecalcitrante e tendente ao comportamento venal, os dados empricos analisados

    no texto demonstram no ser verdadeiro que o Poder Legislativo bloqueie sis-tematicamente ou submeta-se agenda imposta pelo Poder Executivo. O textoindica que o Congresso brasileiro seria descrito de forma mais adequada comoreativo-exvel, ou seja, como um legislativo disposto a priorizar as polticas pro-postas pelo Executivo, negociando seu apoio.

    A partir de outra abordagem, o captulo 4,Judicirio, reformas e cidadania noBrasil, dedica-se a compreender as consequncias das recentes reformas do PoderJudicirio e sua relao com os outros poderes do Estado, em poca de acentuado

    ativismo judicial e progressiva judicializao das polticas pblicas. Na medida emque essas reformas vm sendo impulsionadas pelo Poder Executivo, em especialpelo exerccio do poder de agenda do presidente da Repblica sobre o CongressoNacional, em nome da ampliao do acesso justia e de maior ecincia na

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    prestao jurisdicional, torna-se pertinente avaliar se, para alm da atuao daSecretaria de Reforma do Judicirio do Ministrio da Justia (SRJ/MJ), a admi-nistrao pblica federal vem comportando-se de modo coerente com esses obje-

    tivos. Partindo do exame quantitativo do processamento de feitos nas Justiasfederal e estadual, o captulo prope uma anlise das reformas empreendidassob o prisma da efetividade dos direitos subjetivos e das garantias processuais.Dessa forma, busca vericar os limites das reformas a partir de trs temas centrais:execuo scal, relaes de consumo e questes previdencirias em juizados espe-ciais, evidenciando, de um lado, melhorias na prestao jurisdicional e no acesso justia e, de outro, o surgimento de novos problemas que levam a questionamen-tos sobre a organizao do Poder Judicirio, seu papel institucional e suas relaes

    com os outros poderes.Na sequncia, a Parte II deste volume, Desenvolvimento federativo e descen-

    tralizao das polticas pblicas, volta-se para as relaes verticais entre a Unio e osentes subnacionais de governo, com destaque para as questes do desenvolvimentofederativo e da descentralizao da execuo das polticas pblicas. No marco deuma repblica federativa, pautada pelo compartilhamento de poder nos nveislocal, regional e nacional, a descentralizao administrativa pode funcionar comomecanismo propulsor do desenvolvimento e promotor da aproximao entre ocidado e a gesto da coisa pblica. No entanto, a histria republicana brasileiraconsagrou um modelo concentrador do poder poltico, que tem como vrticeno apenas o Executivo, na dimenso horizontal, mas tambm o governo central,na vertical. Em grande medida, isto est relacionado com a prpria formao doEstado nacional e s iniciativas que buscaram superar a fragmentao poltica e asprticas patrimonialistas e de cooptao herdadas dos tempos coloniais, por meiode uma estrutura fortemente hierarquizada de distribuio vertical do poder.

    O percurso trilhado desde ento no foi unidirecional, havendo alternnciaentre movimentos de centralizao e descentralizao, sem que se tenha atingido

    algum tipo de equilbrio entre essas tendncias. Neste contexto, as relaes federa-tivas enfrentaram inmeras limitaes ao seu desenvolvimento. Estiveram sempresujeitas, de um lado, s vicissitudes dos diferentes momentos polticos e, de outro,s barganhas e aos arranjos de compromisso estabelecidos, caso a caso, entre ogoverno nacional e as oligarquias regionais e locais, o que, de maneira geral, con-tribuiu para obstruir o desenvolvimento e perpetuar as desigualdades territoriais.

    Desde o incio dos anos 1980, vive-se uma nova onda descentralizadora nopas. A descentralizao no apenas ganhou terreno no debate sobre os arranjos

    institucionais mais ecazes implementao de polticas pblicas, como tambmtem inspirado experimentos inovadores em diversas reas. Os captulos reuni-dos na Parte II deste volume se debruam sobre o conhecimento acumuladoacerca dessas experincias ao longo das trs ltimas dcadas, com o objetivo de

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    apresentar seus traos e suas dinmicas principais, bem como de reetir sobreos resultados obtidos, as dimenses a serem aprimoradas e as perspectivas atuaisem termos do desenvolvimento da articulao federativa e da recongurao do

    Estado brasileiro e de sua relao com a sociedade para a proviso de servios e oexerccio do poder de polcia.

    Nesse esprito, o captulo 5, Coordenao e cooperao no federalismo brasileiro:avanos e desaos, introduz a temtica das relaes intergovernamentais, da coor-denao federativa e da descentralizao administrativa no Brasil contemporneo.Partindo do pressuposto de que a literatura brasileira sobre o federalismo preocupa-se fundamentalmente com o tema da descentralizao, deixando em segundo planoos problemas da coordenao federativa e do relacionamento entre os nveis de

    governo, o texto procura apresentar e analisar diferentes experincias de coopera-o intergovernamental existentes no pas: os consrcios pblicos, os conselhos degestores e os sistemas nicos de polticas sociais. Em que pese a novidade repre-sentada pela Lei de Consrcios Pblicos, de 2005, o texto revela a importncia deque atualmente se reveste esta institucionalidade na coordenao de esforos paraa proviso de servios pblicos; em especial, nas reas de sade e meio ambiente.No que se refere aos conselhos de gestores, evidencia-se a diversidade de experinciaspresentes no pas, sendo possvel perceber que, em geral, organismos de alto graude institucionalizao formal tendem a ter desempenho pior do que os informais,especialmente quando estes esto associados aos sistemas nicos de polticas sociais.Quanto a este arranjo, pode-se armar, a partir da anlise desenvolvida no captulo5, que representa exemplo promissor de que, presentes os incentivos adequados, acooperao federativa pode produzir resultados positivos em termos da ecincia eda efetividade na proviso de servios pblicos.

    O captulo 6, Lei de Responsabilidade Fiscal,federalismo e polticas pblicas:um balano crtico dos impactos da Lei de Responsabilidade Fiscal nos municpiosbrasileiros, procura compreender o fenmeno da descentralizao da execuo das

    polticas sociais em meio s restries impostas pela LRF. Se a descentralizaoadministrativa normalmente reconhecida como benca, em virtude da maiorproximidade existente entre os organismos de gesto e a cidadania, torna-se per-tinente analisar at que ponto este princpio coerente com os mecanismos decontrole nanceiro criados pelo governo federal, os quais podem estar em con-tradio com as aspiraes da comunidade poltica local. Para analisar a questo,o texto recupera o processo de descentralizao das polticas sociais brasileiras,que se acelera nos anos 1980, ao mesmo tempo em que reconstri o movimento

    que resultou na aprovao da LRF, inserido no contexto macroeconmico maisamplo de recentralizao scal na Unio dos anos 1990. A partir disto, avana naanlise das mudanas introduzidas nas nanas pblicas dos entes subnacionais,para concluir com a anlise dos impactos polticos, institucionais, scais e de

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    gesto/gerenciais exercidos pela LRF sobre os municpios. O texto sinaliza nosentido de que, se, do ponto de vista republicano, a imposio de certos padrese procedimentos de gesto dos recursos oramentrios tem o intuito de prevenir

    a corrupo e garantir o zelo com a coisa pblica, o governo nacional acabacriando obstculos experimentao de novos modelos de gesto e de controlesocial. Com essa atitude tutelar, termina por impedir que os municpios ama-duream padres prprios de administrao pblica em nvel local e se tornemprotagonistas da ao estatal.

    O arranjo federativo no mbito do Sistema nico de Sade (SUS) e oimpulso que este vem exercendo sobre as reformas e as mudanas organizacionaisem estados e municpios so abordados no captulo 7, O desenvolvimento federativo

    do SUS e as novas modalidades institucionais de gerncia das unidades assistenciais.Considerada uma experincia bem sucedida, a trajetria do SUS tambm permitecompreender quais so as limitaes enfrentadas pelo modelo de descentralizaoda execuo de polticas pblicas por meio de sistemas nicos de polticas sociais,possibilitando avaliar sua coerncia com o interesse pblico. Tendo o SUS supe-rado as diculdades para promover adequadamente a coordenao federativa, aquesto que se apresenta atualmente a da insucincia dos modelos gerenciaisprevistos no direito administrativo brasileiro, em especial a Lei de Licitaes eo Regime Jurdico nico (RJU). Este precisamente o tema do captulo, queapresenta e discute novas institucionalidades que vm sendo propostas ou imple-mentadas em diferentes unidades federadas com vista ampliao da efetividadena prestao de servios de sade. O texto delineia os pontos essenciais do debateatual em torno da demanda por mais autonomia na gesto das unidades assis-tenciais, que tem se concentrado nas possibilidades de exibilizao encerradasnos novos modelos, em especial no que tange s formas de gesto de pessoas e aoregime de contratao de bens e servios, de carter preponderantemente privado.A reexo que o texto deixa ao leitor remete ao ncleo da questo republicana

    expresso na tenso existente entre a preservao do carter pblico do SUS con-substanciado no princpio da direo nica do poder pblico e a garantia dessesprincpios na relao sempre cambiante com o setor privado.

    O captulo 8, Poltica de segurana pblica no Brasil: evoluo recente e novosdesaos, aborda a articulao federativa no mbito da poltica de seguranapblica. Em face da inexistncia de consenso sobre o que vem a ser seguranapblica e qual o teor das aes a serem empreendidas pelo Estado para garanti-la,o texto evidencia algumas das diculdades inerentes coordenao federativa em

    um quadro em que polticas pblicas contraditrias podem ser adotadas pelosdiferentes entes federados, conduzindo a constantes impasses e uma grande perdade efetividade nas aes do Estado. Essas diculdades so agravadas no contextorecente pelo fato de que os rgos federais e municipais tm ampliado suas aes de

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    segurana pblica tradicionalmente vistas como alada dos governos estaduais sem, no entanto, que se tenha clareza sobre a diviso de competncias que rege opacto federativo do setor. Esta questo perpassa as anlises apresentadas no texto

    sobre os temas que tm pautado o debate sobre a segurana pblica no pas: afalta de transparncia e impermeabilidade das organizaes policiais brasileiras;o modelo de policiamento dominante no pas e possveis alternativas; a justiacriminal, o tempo da justia e a questo da impunidade; os desaos envolvidos nagesto do sistema prisional; a necessidade de complementar as aes de repressoda criminalidade com aes de preveno, entre outros. O captulo sinaliza aindapara a importncia de incrementar a interlocuo da sociedade com os gestores,as polcias e o sistema de justia e fomentar a participao da sociedade civil em

    todas as esferas do sistema de justia criminal, de modo a garantir a ampliaodo circuito de atores que vm debatendo a poltica de segurana pblica no pas.

    A Parte III do volume,A burocracia estatal entre o patrimonialismo e a rep-blica, volta o olhar para o interior do aparelho de Estado, procurando compre-ender se a burocracia estatal brasileira est migrando do modelo patrimonialistaao republicano. A xao dos princpios de legalidade, impessoalidade, morali-dade, publicidade e ecincia para a administrao pblica, na CF/88, encerraum marco mnimo de referncias republicanas e busca afastar prticas h muitoarraigadas na mquina pblica brasileira, como a ausncia de distino entre asesferas pblica e privada, o uso de recursos pblicos para beneciar interessesparticulares, ou a troca de favores por apoio poltico. Ainda que a corrupo,o patrimonialismo, o siologismo e at mesmo o nepotismo sejam fenmenoscomuns e relativamente acolhidos na lgica poltico-institucional de diversassociedades, so prticas que dilapidam no apenas o patrimnio pblico, mastambm a qualidade da administrao e a conana que os cidados tm nasinstituies do mundo poltico, consequentemente comprometendo sua eccia.

    Os parmetros estabelecidos na anlise clssica de Weber (1982, 1997)

    sobre o fenmeno burocrtico consagraram a compreenso de que as burocra-cias modernas, organizadas com base em regras racionais expressas em normas eregulamentos escritos, so responsveis no apenas pela conduo mais ecientedas funes da administrao pblica, mas tambm pelo prprio exerccio dadominao legtima. Assim, pensar a administrao pblica a partir do referen-cial republicano signica reetir sobre as condies para a conformao de umaburocracia qualicada tanto em termos de competncias tcnicas quanto no quetange capacidade de observar o estatuto poltico que rege as relaes sociais de

    dominao a partir de uma concepo do bem comum. em torno de questescomo esta que se desenvolvem as anlises propostas na Parte III deste volume,com foco na histria da organizao dos quadros e das carreiras do Estado e nadiscusso sobre a congurao atual do servio pblico federal.

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    Os dois primeiros captulos desta parte percorrem a histria da administraopblica brasileira, do seu modelo de gesto e de seus servidores pblicos, dividindo-aem dois blocos. O captulo 9, O aparelho administrativo brasileiro: sua gesto e seus

    servidores do perodo colonial a 1930, trata de um perodo em que a formao socialbrasileira, de cunho aristocrtico, agrrio e escravista, demandava do Estado basica-mente as tarefas de arrecadao scal, defesa do territrio e manuteno da ordem,delegadas pela Coroa aos detentores do poder local. Ainda assim, o texto destaca queo perodo colonial assistiu o princpio da migrao para uma administrao minima-mente racional, a partir das reformas pombalinas do m do sculo XVIII. A trans-ferncia da Famlia Real para o Brasil, em 1808, apesar de ter sido determinante naconstruo do Estado Nacional e na transio para a Independncia, trazendo maior

    autonomia administrativa e liberdade econmica para o pas, no teria alterado subs-tancialmente a gesto da mquina pblica. Com a manuteno do poder nas mosdas oligarquias rurais, os cargos pblicos que se multiplicavam eram preenchidos pormeio de sistemas de clientela e utilizados como modo de apadrinhamento, carac-tersticos de um Estado patrimonialista, no qual no havia ntida distino entre aesfera pblica e a privada. O texto argumenta que, sendo excessiva em certos casos,disfuncional em outros, a burocracia estatal no constitua um aparato efetivamenteracional, sequer funo de administrar o territrio.

    A partir de 1930, contudo, as mudanas socioeconmicas e poltico-admi-nistrativas impem novos padres para o crescimento de servios e empregospblicos no Brasil, o que teve como contrapartida a ampliao das atividades esta-tais. a partir deste ponto que o captulo 10, O aparelho administrativo brasileiro:sua gesto e seus servidores de 1930 aos dias atuais, d sequncia anlise anterior,avanando at a atualidade. O texto mostra que as dcadas que se seguiram Revoluo de 1930 foram de criao e reestruturao dos principais rgos epolticas do Estado, ampliando seu raio assistncia social e ao industria-lizante. Destaque especial cabe criao do Departamento Administrativo do

    Servio Pblico (DASP), em 1936, com a funo de reorganizar e racionalizar aestrutura administrativa embora muitos dos rgos da administrao pblicaainda seguissem sendo criados para dar conta de interesses particulares, no rarosobrepondo-se aos j existentes. O captulo prossegue na anlise da burocraciaestatal at seus marcos mais recentes, passando pela Reforma Administrativa de1967 e pela CF/88. Esses dois momentos so tomados como marcos a partirdos quais vem melhorando signicativamente o perl prossional dos servidorespblicos, selecionados necessariamente pela via do concurso pblico, emboraconvivendo ainda com vrios aspectos da herana patrimonialista.

    Fechando a anlise do tema burocrtico, o captulo 11, Avanos e desaosna gesto da fora de trabalho no Poder Executivo federal, enfoca o quadro atual,tratando especicamente do movimento de recomposio das carreiras pblicas

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    federais aps o severo ajuste scal dos anos 1990. Considerando as recentestransformaes experimentadas pelo pas, como maior dinamismo econmicoe incluso de camadas sociais, surgiram novas demandas por mais e melhores

    servios pblicos, para as quais o governo federal vem adotando uma poltica degesto da fora de trabalho calcada em trs pilares: recomposio de quantitati-vos, implantao de novas carreiras e prossionalizao dos cargos de direo eassessoramento superior.

    O captulo alerta, no entanto, para dois aspectos: o mito do inchao damquina pblica e o profundo desequilbrio existente entre as estruturas de con-trole e de execuo de polticas pblicas presentes na administrao pblica federal.No primeiro caso, o que se verica a recomposio dos quadros e substituio de

    terceirizaes irregulares por servidores concursados. A reduo do quantitativode servidores pblicos, que teve incio em 1990, interrompeu-se em 2003, mas,ainda assim, um total de servidores civis na ativa consideravelmente inferior aode 1989, encontrando-se no mesmo patamar de 1997. No tocante s estruturasde controle e de execuo de polticas pblicas, um desenho institucional baseadona desconana quanto competncia ou honestidade dos servidores pblicosque atuam nas reas nalsticas gerou uma hipertroa da primeira em relao segunda, e o modelo excessivamente centrado no combate ao gasto pblico comsua perversa estrutura de incentivos conduzindo cultura de inao e de aversoao risco por parte dos servidores pblicos mostrou suas insucincias em umcenrio de crescimento.

    Concluindo o volume, a Parte IV, Controle do Estado e defesa do interessepblico, dedica-se precisamente a reetir sobre a defesa do interesse pblico nodia a dia das instituies estatais. De certo, o Estado democrtico de direito apossibilidade de expresso atual da repblica (CARDOSO 2000; WERNECKVIANNA; CARVALHO, 2000). Ainda que esta no deva ser reduzida quelaformao histrica, as instituies e os procedimentos que esto na base do

    Estado democrtico de direito podem referendar princpios e valores de carterrepublicano, a comear da compreenso de que o prprio Estado est sujeito aodireito, s leis e s normas que visam materializar o bem comum e que o controlede seu aparelho administrativo visa, antes de qualquer coisa, defesa da prpriaadministrao e dos direitos dos cidados.

    As formas de controle variam conforme diferentes aspectos, como omomento de sua realizao (preventivo, concomitante ou corretivo), o objeto emfoco (legalidade, mrito ou resultados), a tipologia das organizaes responsveis

    pelo controle (administrativo, judicirio, parlamentar ou social), entre outros.Os dois primeiros captulos da Parte IV deste volume abordam a questo docontrole a partir da posio do rgo controlador em relao administraopblica: se externo ou interno. O controle externo tratado no captulo 12,

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    Tribunal de Contas da Unio: trajetria institucional e desaos contemporneos,que aponta sua insero no contexto de instituies promotoras daaccountabilityhorizontal, na medida em que desempenha a primordial funo de controlar os

    gastos pblicos com base nos aspectos da legalidade, legitimidade, economici-dade e tambm com relao ecincia. Ademais, o rgo tem se revelado umimportante instrumento para promover aes de responsabilizao daqueles queprovocaram danos ao errio pblico. Com relao sua forma de atuao, se, deum lado, constatam-se avanos, promovendo a responsabilizao dos causadoresde danos ao errio, de outro, surgem situaes que merecem melhor anlise. Umadelas a delimitao da sua competncia de atuao e a sobreposio com outrosrgos de controle. o caso, por exemplo, da Avaliao de Programas e Projetos

    de Governo, que suscita dvidas quanto capacidade do rgo realizar avaliaode eccia das polticas pblicas. Outro aspecto controverso a possibilidade deparalisao de obras pblicas em andamento, independentemente de manifes-tao do Congresso Nacional. No plano mais amplo, persistem dvidas sobre ademarcao de competncias entre rgos do controle externo e interno, do MPe do Parlamento.

    J o controle interno objeto do captulo 13,A construo institucional dosistema de controle interno do Executivo federal brasileiro, que pretende compreen-der especicamente as transformaes recentes do sistema de controle interno doExecutivo federal, tendo em vista tanto as reformas legais e administrativas quantoo signicado poltico dessas modicaes. O texto destaca como o apoio social edas instituies polticas e partidrias ao fortalecimento dos vetores democrticosfoi fundamental para a criao e a estruturao deste sistema. Considerando-seo processo de reforma iniciado nos anos 1980, a criao da Secretaria Federalde Controle Interno, em 1994, representa um marco no sistema federal de con-trole interno. Ela vista tanto como consequncia quanto como motor de trans-formaes polticas relacionadas com a redemocratizao pela qual passaram a

    sociedade e as instituies brasileiras nos ltimos 20 anos, j que atua no s natransparncia da gesto pblica, como tambm na responsabilizao de gestores,rearmando assim os princpios republicanos.

    Contudo, se preciso empenhar-se para que os princpios republicanossejam internalizados pelas instituies polticas, em especial as estatais, comoforma de garantir a prevalncia do pblico na vida poltica, tambm necessriocuidar para que a repblica no seja simplesmente naturalizada. Esta tenso j foidenominada como dialtica dos procedimentos. Se estes requerem institucio-

    nalizao contnua, tambm exigem vitalidade, animao, sob pena de caremrestritos s grandes mquinas burocrticas e perderem seu suporte sociolgico:a cidadania ativa, a opinio, a participao e o controle dos cidados comuns

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    (WERNECK VIANNA; CARVALHO, 2000, p. 133-134).6A importncia deque o pblico seja continuamente reavivado em face da cultura privatista dostempos atuais exigiria, inclusive, a implementao de polticas pblicas voltadas

    para este objetivo especco:Segue-se que a questo dos procedimentos bifronte, dependendo tambm demovimentos de baixo para cima que, quando inexistentes, devem ser estimuladospor polticas pblicas que visem reanimao da sociabilidade, uma vez que, imersano privatismo absoluto tal como Tocqueville temia que viesse a ocorrer na vidamoderna ela acabaria, no limite, por inviabilizar o Estado Democrtico de Direito(ele no pode, por exemplo, conviver com taxas de participao eleitoral prximasde zero). (WERNECK VIANNA; CARVALHO, 2000, p. 134)

    no esprito da discusso sobre a vitalidade que deve impregnar a tica pro-cedimental, de modo a garantir a defesa republicana das instituies polticas, quecomparecem os captulos nais deste volume, dedicados ambos ao tema do con-trole que a sociedade exerce, sem intermedirios, sobre o Estado. O captulo 14,Corrupo e controles democrticos no Brasil, debate um dos principais problemaspara a gesto pblica e a democracia: a corrupo e os desaos relativos ao controleda sociedade sobre os atos administrativos do Estado. Para pensar em perspectivasde longo prazo sobre o problema, o texto resgata as diferentes vertentes analticas do

    conceito de corrupo em busca de nexos mais prximos com o tema do interessepblico e, a partir disto, prope o fortalecimento do controle pblico no estatal.Diferentemente dos j consagrados controles burocrtico e judicial, essa modali-dade se afasta das instituies estatais e exercida pela sociedade, por meio de movi-mentos, associaes civis e outras formas pblicas ou semiestatais, com base emuma concepo mais substantiva, e no estritamente formal, de interesse pblico.

    O texto chama ateno para o fato de que a retomada da capacidade de gestoe a busca de maior ecincia do setor pblico passam pela inverso da relao entre

    os controles burocrtico, judicial e pblico no estatal, com o restabelecimento doequilbrio entre essas trs dimenses. No caso brasileiro, em que as estratgias pre-ponderantes de combate corrupo tm se voltado para a produo legislativa,as reformas da mquina pblica e a criminalizao crescente das prticas que estono seu entorno, preciso tambm investir na ampliao crescente da participaosocial em atividades de planejamento, acompanhamento, monitoramento e avalia-o das aes da gesto pblica, incluindo a denncia de irregularidades, a partici-pao em processos administrativos e a presena ativa em rgos colegiados. Esse um passo fundamental tanto para assegurar maior ecincia da gesto e efetividade

    das polticas pblicas, quanto para reforar o compromisso da sociedade com odesenvolvimento poltico, econmico e social do pas.

    6. Para uma crtica terica incisiva da repblica procedimental, ver Sandel (1984).

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    Fechando a obra, o captulo 15, Por uma nova gesto pblica: reinserindo odebate a partir das prticas possveis, aposta em uma via de carter societal para oaprimoramento da gesto pblica no pas. O texto aborda comparativamente os

    princpios e as estratgias empregados pela administrao pblica gerencial lhados movimentos de reforma do Estado da dcada de 1980 e pela administraopblica societal herdeira das mobilizaes populares contra a ditadura e pelaredemocratizao do pas e presente em experincias como os conselhos gestorese o oramento participativo. Tomando por base de anlise do modelo gerencial ocaso mineiro do Choque de Gesto, o texto reconhece seus mritos, especialmenteem relao a movimentos anteriores. No entanto, fundamenta a opo pela admi-nistrao societal no princpio de construo social cotidiana da gesto que est

    na base do modelo e nas possibilidades de participao e de controle social queeste abre para a cidadania brasileira.

    2 PERSPECTIVAS EM FACE DA ATUALIDADE DA QUESTO REPUBLICANA

    Os textos reunidos neste volume abarcam diferentes dimenses da organizao edo funcionamento das instituies que conformam o Estado brasileiro. Juntos,permitem colocar em perspectiva algumas questes sugeridas pelo referencialrepublicano, as quais so formuladas brevemente a seguir.

    2.1 Repblica, instituies e democracia: o desao do aprimoramentoconstante

    Destaca-se, em primeiro lugar, a constatao de que a reexo e a anlise sobrea repblica deve estar referida ao conjunto de instituies que conformam oarcabouo institucional da democracia. Tal armao encerra um duplo signi-cado. De um lado, embute a assuno de que, embora o iderio de construo darepblica esteja tradicionalmente associado a uma perspectiva de transformaocultural e, no limite, tica no mbito das comunidades polticas, atualmente

    parece promissor centrar a anlise nas instituies polticas. Estas, ao estabele-cerem marcos para a ao da cidadania e do prprio Estado, podem ser mais oumenos capazes de instituir o referencial republicano na gramtica da vida social.De outro, faz coro percepo corrente de que a repblica se projeta hoje como umqualicativo da democracia, que seu cenrio inescapvel. Sem se confundir coma democracia, inegvel que o referencial republicano acrescenta a esta uma qua-lidade fundamental, ao exigir que suas instituies se aprimorem constantementeno sentido de ecoar o interesse pblico.

    Essa dupla constatao exige de analistas polticos e pesquisadores que ado-tem como objeto de reexo sistemtica no apenas o funcionamento rotineirodas diversas instituies polticas do pas, mas tambm as transformaes mi-das ou de grande envergadura por que estas passam, de modo que seja possvel

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    avaliar se elas vm se tornando mais republicanas. Muitos estudos comprovam,por exemplo, que, ao longo das ltimas duas dcadas, a democracia brasileiratem dado sucessivas provas de consolidao, seja do ponto de vista das regras

    institudas ou da crescente adeso normativa dos cidados aos seus princpios.Adicionalmente, o Brasil tem vivido no apenas a solidicao das instituiesrepresentativas, mas tambm a expanso de arenas participativas que possibilitamo envolvimento da sociedade nos processos de deliberao e implementao depolticas pblicas, favorecendo o exerccio da liberdade positiva tal como conce-bida pela tradio republicana.

    A despeito desses avanos, cabe indagar se as instituies e os procedimentosda democracia tm sido capazes de reetir e dar vazo ao interesse pblico no pas.

    notrio o desgaste de instituies como os partidos, o sistema eleitoral, as relaesintergovernamentais ou o compartilhamento do poderes de Estado. Sua credibili-dade tem sido abalada no apenas pelo desempenho insatisfatrio, marcado, entreoutros aspectos, por pragmatismo eleitoral excessivo, personalizao do voto, (neo)populismo, inecincia, morosidade, baixa qualidade dos servios prestados. Outroconjunto de problemas que as afeta est relacionado sua incapacidade de garantiro interesse pblico em primeiro lugar, expressa em fenmenos como corrupo,siologismo, falta de transparncia, centralizao do poder e insulamento do pro-cesso decisrio em relao sociedade. Conquanto sejam instituies basilares dademocracia brasileira e que devem ser preservadas, seu aprimoramento envolvecomo desao primordial o de torn-las mais republicanas.

    Entretanto, o pas tambm tem assistido a conformao de novidades rele-vantes em seu arranjo poltico-institucional. Destaca-se entre elas a judicializaoda poltica, tambm observada em vrias outras democracias contemporneas.Esse fenmeno vem sacudindo as interpretaes mais sedimentadas sobre a din-mica das relaes entre os poderes de Estado e dividindo a opinio dos analistas.Uns apontam o crescente recurso ao Judicirio para discutir temas polticos como

    uma ameaa as princpios democrticos e republicanos que garantem prerrogati-vas aos diferentes poderes do Estado. Outros veem esse fenmeno positivamente,como um tipo de inovao institucional que benco vida poltica e conferenovos contornos s relaes entre os poderes face s exigncias contemporneaspara a defesa dos direitos da cidadania.

    Na teoria da democracia, o recurso ao Judicirio visto como ferramenta disposio da cidadania para a defesa de direitos ameaados pela ao do Estado.Ao lado de princpios como a possibilidade de alternncia no poder e a liberdade

    de expresso, o recurso justia compe o leque de medidas que visam o respeito minoria e caracterizam a poltica democrtica como um jogo pautado em garan-tias mtuas pactuadas entre as partes. Contudo, observa-se que a principal regradestinada a regular a produo de orientaes para a deciso sobre os assuntos

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    pblicos isto , a regra da maioria exclui sistematicamente alguns da vontadegeral assim constituda. Esta minoria se v limitada a mobilizar seu poder de vetoou a atuar a posteriori, recorrendo ao Judicirio. medida que mais e mais aspectos

    da vida social so politizados e, pela dinmica democrtica, submetidos ao crivo damaioria, no balano mais geral, o que assume a forma de interesse pblico , de fato,um consenso que expressa uma vontade parcial, mesmo que majoritria.

    Esse fracionamento institucional da vontade promovido pela regra da maio-ria problemtico do ponto de vista republicano, que exige, ao mesmo tempo,um contexto institucional de no dominao (PETTIT, 1997; BIGNOTTO,2004) e a implicao efetiva de todos na expresso e realizao do bem comum(CARDOSO, 2004, p. 46). Ainda que a lgica democrtica torne os consensos

    obtidos politicamente sempre provisrios, o referencial republicano lembra osatores polticos de que sempre necessrio buscar a construo de alvos mais uni-versalizantes. Neste sentido, a repblica cobra da democracia o aprimoramentoconstante do jogo poltico para promover a incorporao crescente de todo o con-junto de pretenses legtimas que compe o intricado tecido social no processo deformao do interesse pblico.7

    Nessa chave interpretativa, a judicializao da poltica pode ser compreen-dida como um movimento que permite compensar o dcit republicano do

    jogo democrtico. Quando se apresentam ao Judicirio pleitos que questionamo mrito de medidas tomadas pelo Executivo ou pelo Legislativo, exige-se deci-ses que vo alm do reconhecimento de direitos em favor de indivduos, masque podem representar a reverso no sentido de justia de resolues tomadas naarena poltica ou administrativa. exatamente o que se passa nos casos em quese demanda judicialmente ao poder pblico a disponibilizao de tratamentos oumedicamentos ainda no incorporados ao sistema de sade, ou quando partidospolticos com representao no Congresso Nacional questionam judicialmente aconstitucionalidade de leis que foram aprovadas pelo prprio Legislativo ou de

    polticas pblicas adotadas pelo Executivo. A par de outros processos societais incluindo mudanas processuais relevantes no mbito do direito , e a despeitode todos os custos que costumeiramente a judicializao da poltica acusada degerar, ela pode ser tomada como uma inovao institucional que contribui para avida republicana, pois, alm de garantir a defesa de direitos afetados pela ao pol-tica de maiorias, permite a aquisio de novos direitos em temas que, por falta deconsenso na sociedade, o legislador no tem condies de enfrentar como lembraWerneck Vianna (captulo 1) , ampliando, assim, o escopo do interesse pblico.

    7. Interidade no sinica ausncia de conito entre as partes constitutivas da comunidade poltica. Como armaBinotto (2004, p. 39), na tica republicana, o poltico se funda no conito constante das partes que compem ocorpo poltico e ana seus contornos institucionais e istricos na medida em que se cea a uma conurao dedireito que os acole. O desao, neste sentido, incorporar o conito como fundamento da vida poltica que nopode ser reduzido dimenso institucional, mas requer seu processamento na prpria construo do bem comum.

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    Essas consideraes visam reforar a constatao referida anteriormente deque a institucionalizao da repblica requer o aprimoramento e at mesmoa radicalizao, ainda que incremental da poltica democrtica, na direo da

    democracia como aprendizado republicano, defendida por Cohn, capaz de torn-lamais apta a reetir o conjunto do demos, a comunidade poltica em sua integri-dade. Neste sentido, se a repblica ainda se mostra como experincia incompletano pas, a tarefa que se apresenta para os analistas e os pesquisadores diz respeitono apenas a avaliar o desempenho presente das instituies bsicas da democraciabrasileira. Um passo importante a ser dado tambm o de identicar as inovaesinstitucionais que tm potencial para favorecer o enraizamento da vida republi-cana e at mesmo prospectar os caminhos a serem trilhados neste sentido, em

    face das mudanas institucionais que se anunciam de tempos em tempos no pas.2.2 O fortalecimento do carter pblico das instituies estatais

    A segunda questo que se projeta a partir das anlises reunidas neste volume dizrespeito necessidade de que as instituies estatais sejam especialmente consi-deradas no estudo sobre a penetrao da repblica no pas. Certamente, a esferapblica no pode ser reduzida s instituies estatais. Boa parte do que se refere experincia republicana tem a ver com a dinmica societal mais ampla e a conversoda cidadania em protagonista da ao e da deciso poltica. Anal, a gura central

    no republicanismo o cidado, tomado enquanto membro de uma comunidadepoltica efetiva (BIGNOTTO, 2004, p. 36). O prprio conceito de cidadania , arigor, republicano, como assevera Cohn (captulo 1), e reetir sobre a questo daidentidade entre os cidados, as leis que do forma jurdica comunidade poltica eo arranjo poltico-institucional uma tarefa de extrema relevncia.

    Entretanto, o Estado o principal instrumento de ao coletiva da comuni-dade poltica. Por isso, seus princpios de ao e organizao, enquanto condiespara o exerccio do poder, so centrais na anlise da questo republicana do bom

    governo. Sob este enfoque, a agenda de reexes sobre o Estado impe, paraalm da discusso sobre a eccia e as ecincias de suas aes, a anlise de sualegitimidade e adequao ao interesse pblico. Nesse sentido, preciso inquirirpermanentemente as instituies estatais sobre seu carter republicano. Em quemedida o presidencialismo centralizador brasileiro permite que o Legislativo, oJudicirio e o Executivo atuem de forma equilibrada e em franco compartilha-mento do poder na efetivao dos direitos da cidadania assegurados pelo marcolegal? O insulamento da burocracia uma estratgia aceitvel para garantir aqualidade tcnica das aes estatais e evitar sua captura por interesses particulares?At que ponto a lgica que orienta as atividades de controle desenvolvidas pelasprprias instituies estatais desde logo imprescindveis incorpora o carterradical que s a cidadania pode conferir ao interesse pblico? Quando o captulo 2

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    deste volume sugere que a reexo sobre os poderes do Estado deve estar fundadana anlise de seu desempenho institucional, a mediao necessria entre o poderformalmente atribudo ao complexo estatal e os produtos resultantes de sua ao

    exige o estudo de um tema de inquestionvel dimenso republicana: os processosdesenvolvidos no prprio Estado para o exerccio desse poder. neste mbito quese situa a discusso sobre a estrutura, a organizao e a abertura das instituiesestatais ao escrutnio e controle dos atores que se movimentam no espao pblico,como forma de reetir-se sobre sua adequao ao interesse pblico.

    Nesse ponto, cabe ressaltar que a aplicao do referencial republicano s ins-tituies estatais no se restringe preocupao com as formas de controle diretodo Estado por parte da sociedade. inegvel que essa vigilncia uma dimenso

    crucial da atuao da sociedade civil na esfera pblica, que contribui para mitigarprticas como a corrupo e a dilapidao de recursos nanceiros e do patrimniopblico, podendo, inclusive, estimular a adoo de mecanismos de transparnciae accountabilitypelos rgos do Estado, bem como a prpria reviso de procedi-mentos e prticas adotados. Contudo, o controle ex post apenas uma das for-mas de aproximao entre sociedade e Estado com vista a garantir a primazia dointeresse pblico nas vrias frentes de atuao estatal. extremamente relevantetambm que diferentes segmentos e organizaes da sociedade possam participarda denio da agenda do governo e da prpria gesto pblica, ampliando suasoportunidades de inuir no direcionamento das aes do Estado.

    A descentralizao administrativa para proviso de servios pblicos, porexemplo seja no interior do Estado ou deste para a sociedade promove a des-concentrao do poder. Em contexto de pleno funcionamento das instituiesdemocrticas, um mecanismo que pode potencializar o efeito dessas instituiese ampliar as oportunidades de encontrar, na prpria gesto da coisa pblica, condi-es de dilogo que neutralizem interesses nitidamente parciais e construam outrosde carter mais universalizante. Neste sentido, o prprio Estado pode atuar como

    agente democratizante e promotor da repblica ao promover, nos processos de ges-to, algumas das possibilidades de ampliao do espao pblico na sociedade.

    Independentemente de quem protagoniza a congurao deste cenrio, isto, se o prprio Estado que se abre na tentativa de dividir responsabilidades coma sociedade ou legitimar suas polticas, ainda que cooptando as bases de apoio ou a sociedade civil organizada que pressiona as fronteiras deste para garantirmais espao de participao no processo poltico e, assim, enseja a congurao deuma arena pblica no estatal , importa neste livro reforar o carter promissor

    desse movimento. Alm de gerar oportunidades para aprofundar a participaopoltica e promover a republicanizao das instituies estatais, pode representaruma mediao interessante entre a democracia como forma de instituio dopoder e o desenvolvimento como objetivo das aes do Estado.

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    2.3 Repblica e desenvolvimento

    Se a repblica um referencial importante para balizar a democracia brasileira e seuaprimoramento, bem como para avaliar o carter pblico das instituies estatais,tambm serve reexo sobre os rumos do desenvolvimento do pas. Anal, ins-tituies republicanas robustas so um meio para garantir que as decises tomadaspara promover o desenvolvimento contem com o envolvimento da comunidadepoltica e, dessa forma, estejam cada vez mais prximas do interesse pblico.

    O tema do desenvolvimento que ser especialmente tratado no volume 3deste livro inspira uma imagem da nao no futuro, a qual, nas condies con-temporneas, projetada no apenas em termos do crescimento econmico e daampliao da qualidade de vida e do bem-estar social, mas tambm da sustenta-

    bilidade ambiental, do alargamento da participao democrtica e da construode um sentido comum de cidadania. No debate sobre o desenvolvimento conce-bido em termos to abrangentes, a principal agncia de conduo dos assuntospblicos, o Estado, ganha centralidade em virtude de sua capacidade sui generisde mediar os diferentes interesses presentes na comunidade poltica para a cons-truo de um referencial universalizante que se projeta no futuro.

    preciso ter claro que o desenvolvimento de que se trata nesta publi-cao resulta necessariamente de esforos empreendidos por diferentes atores

    econmicos, polticos e sociais. Entretanto, requer coordenao, induo epotencializao por meio da ao estratgica do Estado. A histria das naesdesenvolvidas e tambm das subdesenvolvidas mostra que as capacidadese os instrumentos de que dispe o Estado para regular o mercado, mediar aparticipao da sociedade na conduo dos assuntos pblicos e induzir e apoiaro desenvolvimento tm tido importncia decisiva em suas trajetrias de desen-volvimento. fato que, ainda hoje, o desenvolvimento muitas vezes reduzidoa uma tarefa de ordem eminentemente tcnica, cuja garantia de sucesso podejusticar a negligncia em relao ao funcionamento das instituies democr-ticas e republicanas. Contudo, muitas evidncias h de que o avano alcanadopor esses meios no se expande por toda a sociedade e no se enraza em basesslidas, no sendo sequer qualicvel como desenvolvimento.

    Se na histria de diferentes sociedades, como a brasileira, h tenses entrea democracia e o desenvolvimento, isso ganha dimenses ainda mais amplasquando se insere o referencial republicano na equao. Entretanto, as perspectivasde desenvolvimento efetivamente includente e sustentvel sinalizadas pela combi-nao entre um arranjo institucional democrtico arrojado e em aprimoramentocontnuo, de um lado, e uma esfera pblica inclusiva e pujante, de outro, sosucientemente alvissareiras para justicar a necessidade de se envidar esforosna reexo sobre a articulao entre democracia, repblica e desenvolvimento.Tarefa certamente inadivel p