ipea 11 setembro

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  • Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror

    reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    OrganizadoresAndr de Mello e SouzaReginaldo Mattar NasserRodrigo Fracalossi de Moraes

  • Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror

    reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    OrganizadoresAndr de Mello e SouzaReginaldo Mattar NasserRodrigo Fracalossi de Moraes

    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro interino Marcelo Crtes Neri

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteMarcelo Crtes Neri

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisRafael Guerreiro Osorio

    Chefe de GabineteSergei Suarez Dillon Soares

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror

    reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    OrganizadoresAndr de Mello e SouzaReginaldo Mattar NasserRodrigo Fracalossi de Moraes

    Braslia, 2014

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2014

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Do 11 de setembro de 2001 guerra ao terror : reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI / organizadores: Andr de Mello e Souza, Reginaldo Mattar Nasser, Rodrigo Fracalossi de Moraes. Braslia : Ipea, 2014. 186 p. : grafs. Inclui Bibliografia.

    ISBN 978-85-7811-195-3

    1. Terrorismo. 2. Poltica Internacional. 3. Relaes Econmicas Internacionais. 4. Segurana. 5. Religio. 6. Internet. 7. Crimes de Informtica. I. Souza, Andr de Mello e. II. Nasser, Reginaldo Mattar. III. Moraes, Rodrigo Fracalossi de. IV. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 303.625

  • Sumrio

    APrESENTAo .......................................................................................... 7

    iNTroDuo .............................................................................................. 9

    CAPTuLo 1A RELEVNCIA DO TERRORISMO NA POLTICA INTERNACIONAL CONTEMPORNEA E SUAS IMPLICAES PARA O BRASIL ................................ 13Andr de Mello e SouzaRodrigo Fracalossi de Moraes

    CAPTuLo 2PANORAMA DA POLTICA DE SEGURANA DOS ESTADOS UNIDOS APS O 11 DE SETEMBRO: O ESPECTRO NEOCONSERVADOR E A REESTRUTURAO ORGANIZACIONAL DO ESTADO ............................................ 45Marcos Alan S. V. Ferreira

    CAPTuLo 3AS FALCIAS DO CONCEITO DE TERRORISMO RELIGIOSO ............................. 65Reginaldo Mattar Nasser

    CAPTuLo 4O IMPACTO ECONMICO DO 11 DE SETEMBRO ......................................89Renato Baumann

    CAPTuLo 5NINE/ELEVEN: REPERCUSSES NO PENSAMENTO EUROPEU ....................... 107Lus Moita

    CAPTuLo 6O PAQUISTO E O COMBATE AO TERRORISMO NA SIA MERIDIONAL: ENTRE O INTERVENCIONISMO ESTADUNIDENSE E A REGIONALIZAO DA SEGURANA ............................................................ 129Edson Jos Neves Jnior

    CAPTuLo 7A SECURITIZAO DO CIBERESPAO E O TERRORISMO: UMA ABORDAGEM CRTICA ........................................................................... 161Marco CepikDiego Rafael CanabarroThiago Borne

  • APRESENTAO

    O 11 de Setembro marcou uma virada na histria das relaes e segurana internacionais, no s pelo nmero de mortos e pelos meios utilizados no ataque, mas, principalmente, por ter sido uma investida de grandes propores dirigida ao territrio continental dos Estados Unidos potncia hegemnica de um mundo que se configura como unipolar desde o final da Guerra Fria. Os atentados anteriores desferidos contra o pas, inclusive aqueles de responsa-bilidade da al-Qaeda contra embaixadas norte-americanas na frica e contra uma embarcao militar dos Estados Unidos no Imen , no atingiram o territrio continental, e sequer representaram uma ameaa quele territrio.

    A viso do terrorismo contemporneo enquanto ameaa externa foi funda-mentalmente modificada pelo 11 de Setembro: evidencia-se mais assustadora ainda por ter sido executada por indivduos que viviam nos Estados Unidos. A reao do presidente George W. Bush de declarar guerra ao terror foi alvo de crticas se-veras daqueles que ainda sustentavam o princpio ontolgico do realismo poltico, originrio da Paz de Westflia, segundo o qual guerra e segurana internacional pertencem esfera exclusiva dos Estados. Dado que a al-Qaeda no constitui um Estado, declarar guerra a esta organizao, assim como ao terrorismo, foi considerado inapropriado. Ademais, a natureza no estatal da al-Qaeda mina possibilidades de retaliao, punio e, portanto, dissuaso nos moldes tradicionais, sobretudo em se tratando de ataques suicidas. Neste contexto, no exagero afirmar que o 11 de Setembro transformou o significado do terrorismo internacional.

    Esta publicao constitui esforo para compreender a natureza, as implicaes e os diferentes impactos dessa transformao. Embora muito tenha sido escrito sobre o 11 de Setembro, poucas obras combinam o distanciamento histrico necessrio para uma avaliao objetiva do real significado de eventos marcantes com o rigor analtico de estudiosos das relaes internacionais. Este livro busca faz-lo a partir de contribuies que investigam diversas dimenses do terrorismo contemporneo, incluindo a conceitual, a da sua relevncia para o Brasil, a do papel da religio como uma de suas motivaes essenciais, a dos seus efeitos econmicos, a dos seus desdobramentos regionais, e a das novas tecnologias enquanto instrumento e alvo de suas aes.

    Marcelo Crtes NeriMinistro da Secretaria de Assuntos Estratgicos

    da Presidncia da Repblica (SAE/PR)

    Presidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea)

  • INTRODUO

    Apesar de no constituir um fenmeno novo, o terrorismo internacional ganhou mais relevncia na agenda poltica mundial a partir dos ataques de 11 de setembro de 2001. Representariam estes ataques um ponto de inflexo que inaugura a prtica de um terrorismo essencialmente distinto do que vigorava at ento? Ou seriam eles, simplesmente, exemplos de transformaes superficiais em prticas antigas?

    Conquanto no haja consenso por parte dos estudiosos do tema acerca da medida e natureza das mudanas geradas no terrorismo e na segurana internacional por esses ataques, certo que sua escala (nmero de mortos) e meios empregados (aviao civil comercial) no encontram precedentes. certo, tambm, que geraram considerveis custos econmicos, tanto em mbito domstico, nos Estados Unidos, como em escala mundial. Ademais, o fato de os ataques de 11 de setembro terem se concentrado em cidades e edifcios que simbolizam o poder econmico, poltico e militar dos Estados Unidos, nica e incontestvel potncia hegemnica durante o perodo ps-Guerra Fria, significa que o terrorismo passou a produzir efeitos e a ser foco de ateno e combate em nvel global. Por conseguinte, tambm afetou as relaes entre Estados, realinhando coalizes e alianas internacionais e gerando novas presses sobre instituies multilaterais.

    O estudo do terrorismo internacional enfrenta obstculos tanto conceituais como empricos. No h definio consensual ou mesmo amplamente aceita do terrorismo. O fenmeno abrange necessariamente atores no estatais ou pode-se falar em terrorismo de Estado? No seria impreciso usar o termo guerra ao terror, uma vez que guerras so travadas entre grupos armados e no contra um mtodo de ao, como o terrorismo? Alm disso, como diferenciar atos terroristas de outros atos criminosos, especialmente nos casos que envolvem grupos com identidade originalmente definida por ideologias polticas, mas que, em tempos mais recentes, se aliaram a traficantes de narcticos? Se o terrorismo apresenta, por definio, motivaes polticas, como devem ser classificados atos com motivao aparente-mente religiosa? Ou seriam as motivaes polticas e religiosas inseparveis? Ou se poderia afirmar que, a partir de investigao mais aprofundada, as motivaes do terrorismo so essencialmente polticas, e que a religio utilizada para legitimar sua prtica e garantir mais coeso identitria dos grupos? Se os meios empregados por terroristas necessariamente implicam danos fsicos populao civil, como tratar o fenmeno do ciberterrorismo? E, mais importante, como minimizar os inevitveis vieses polticos e ideolgicos que tornam o guerreiro da liberdade de alguns o terrorista de outros?

  • 10

    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    Crucialmente, sem uma definio minimamente aceita do que seja terrorismo, torna-se invivel qualquer esforo para a instituio de regimes internacionais com o fim de combat-lo. Regimes que buscam regular guerras interestatais, como as Convenes de Genebra, revelam-se em muitos aspectos inadequados para tratar do terrorismo contemporneo. Alm disso, terroristas no se enquadram em definies tradicionais encontradas em arcabouos jurdicos domsticos, desenhados para enfrentar criminosos comuns. Tal vcuo legal e institucional no somente dificulta o combate ao terrorismo, mas tambm propicia violaes de direitos humanos por parte do Estado em nome deste combate, como evidencia o uso frequente de tcnicas de tortura contra suspeitos em diversos pases.

    As dificuldades empricas para as pesquisas que abordam o tema no so menores. O acesso aos dados dificultado por razes bvias, referentes operao de grupos que atuam margem das leis nacionais e internacionais. O nmero, o tamanho, as estratgias e os objetivos de grupos terroristas s podem ser deduzidos a partir de suas aes e de poucas declaraes proferidas publicamente. Processos de difuso destas estratgias tambm apresentam enigmas de difcil soluo. A crescente frequncia dos ataques suicidas, que corresponde a um dos aspectos mais distintivos do terrorismo internacional contemporneo, fornece exemplo destes processos e envolve grupos terroristas que no interagem entre si, no compartilham crenas ou objetivos polticos e, muitas vezes, atuam em regies geograficamente distantes.

    Essas dificuldades conceituais e empricas no significam, contudo, que se deva renunciar ao estudo do terrorismo internacional contemporneo, mesmo no Brasil. Embora a questo possa parecer distante da realidade brasileira, o pas afetado, indiretamente, tanto pela ocorrncia de atividades terroristas em outros pases como pelos esforos direcionados a combat-las. E, na condio de potncia emergente, com voz cada vez mais assertiva na poltica internacional, o Brasil no pode deixar de participar dos debates concernentes ao terrorismo internacional. Ademais, algumas caractersticas do terrorismo contemporneo levam concluso de que considerar a possibilidade de um evento terrorista em solo brasileiro no algo totalmente descabido. Em particular, a realizao de importantes eventos in-ternacionais refora a necessidade de aes voltadas ao enfrentamento do problema.

    Este livro busca elucidar, a partir de diversos focos temticos, tericos e meto-dolgicos, algumas das principais questes presentes nos debates sobre o fenmeno. O livro fruto do projeto O Papel da Defesa na Insero Internacional Brasileira, coordenado pelo Ipea, que tem como objetivo contribuir com o debate sobre as polticas pblicas na rea da defesa nacional.

    A primeira questo que deve ser tratada diz respeito prpria relevncia do tema do terrorismo contemporneo para o Brasil um pas que, felizmente, tem sofrido relativamente pouco com este tipo de violncia, em que pesem os anos de

  • 11Introduo

    autoritarismo e instncias de luta armada e assimtrica entre as foras do Estado e grupos opositores. Este o foco do captulo que abre o volume, assinado por Andr de Mello e Souza e Rodrigo Fracalossi de Moraes, que tambm discute os problemas conceituais do terrorismo e analisa as formas pelas quais o Brasil tem contribudo para combat-lo por meio de polticas e instituies domsticas assim como de sua participao em regimes internacionais. Os autores sustentam que o terrorismo pode produzir consequncias indiretas para o Brasil, isto , aquelas resultantes de atividades terroristas ou de combate ao terrorismo realizadas em/por outros pases, bem como consequncias diretas, entendidas como as atividades terroristas em solo brasileiro ou em reas prximas faixa de fronteira do pas.

    O segundo captulo, de Marcos Alan S. V. Ferreira, visa detalhar como se construiu a poltica de segurana dos Estados Unidos aps o 11 de Setembro. Discute-se o arcabouo ideolgico que orientou a Casa Branca no primeiro man-dato de George W. Bush e serviu de base para a poltica de segurana dos Estados Unidos nos anos subsequentes: o chamado neoconservadorismo. Busca-se, assim, compreender a concepo de terrorismo adotada por parte de Washington e sua evoluo nas estratgias de segurana nacional a partir de 2002. Por fim, so mos-tradas as principais mudanas organizacionais no Estado norte-americano desde o 11 de Setembro, destacando-se a criao do Departamento de Segurana Interna, a reestruturao do setor de inteligncia e o aumento da influncia do Departamento de Defesa, refletindo a militarizao da poltica externa do pas.

    No terceiro captulo, Reginaldo Mattar Nasser discute se, e em que medida, o terrorismo internacional contemporneo motivado por objetivos religiosos. Parte considervel da literatura argumenta que uma das principais distines entre o terrorismo do sculo XXI e o do sculo XX residiria justamente no fato de o primeiro apresentar motivaes religiosas, e o segundo, polticas ou ideolgicas. A religio tambm desempenha um papel importante na tese de Samuel Huntington, Choque de Civilizaes, cuja aceitao produz importantes implicaes polticas. Com base em ampla reviso destes argumentos e das evidncias empricas dispon-veis, o autor rejeita o conceito de terrorismo religioso, enfatizando a racionalidade dos grupos terroristas contemporneos e mostrando que suas motivaes perma-necem essencialmente polticas, ainda que a religio possa servir para justific-lo e emprestar-lhe mais apoio.

    O captulo subsequente, de Renato Baumann, busca avaliar os impactos econmicos do 11 de Setembro. Apesar das dificuldades de se mensurar e estimar estes impactos, certo que foram significativos, dados os seus alvos, as reaes exacerbadas, seu efeito multiplicador e o contexto econmico em que ocorreram. Ainda assim, os custos gerados como resultado da queda da produo nos Estados Unidos foram inferiores ao inicialmente esperado.

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    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    No captulo que se segue, Lus Moita examina o pensamento europeu acerca do terrorismo. Com base na contribuio de alguns dos autores mais influentes do continente, ele traz para a reflexo: a espetacularizao do 11 de Setembro; o debate sobre se, e em que medida, o evento representa um marco histrico; a natureza global do terrorismo; questes conceituais sobre a distino entre terrorismo, crime e segurana interna/externa; os riscos de criminalizao da violncia poltica e da militarizao do combate s prticas terroristas; os conflitos religiosos; e, por fim, as chamadas novas guerras.

    O sexto captulo tambm apresenta enfoque regional, mas de cunho mais histrico que ideacional. Edson Jos Neves Jnior descreve, primeiramente, o papel crucial do Paquisto na criao, preparao e irradiao de organizaes terroristas no Sul da sia, e, em seguida, os modelos de combate ao terrorismo ora adotados na regio. Com tais propsitos, o autor demonstra como o terrorismo (chamado de jihadismo no Paquisto) se tornou um recurso corrente de ao militar no Afeganisto e no conflito com a ndia. Analisa, ainda, o projeto de intervencionismo militar dos Estados Unidos na sia Meridional como forma de combate ao terro-rismo internacional aps os atentados do 11 de Setembro e, por fim, contrape o projeto dos Estados Unidos proposta de regionalizao securitria representada pela Organizao para a Cooperao de Xangai.

    No ltimo captulo, Marco Cepik, Diego Rafael Canabarro e Thiago Borne procuram delimitar as principais razes da securitizao da Internet, assim como avaliar criticamente suas consequncias. Para tanto, abordam a interao entre a Internet e o terrorismo, delimitam em termos tcnicos e sociais o escopo do cibe-respao e da Internet, apresentam alguns dos principais eventos que incorporaram a Internet s agendas acadmica e poltica de segurana nacional e internacional, e avaliam criticamente o tratamento securitizado do ciberespao e da Internet na atualidade. Os autores argumentam ser impossvel desvincular o estudo da segurana de aspectos tcnicos fundamentais e de questes polticas inerentes s tecnologias da informao e da comunicao. No obstante o terrorismo ter utilizado o ciberespao como mera plataforma de apoio a operaes no mundo fsico, suas diversas aplicaes (web, governo digital, redes sociais) tornam-se alvos potenciais. A sociedade depende deles e, portanto, eles devem ser protegidos.1

    Andr de Mello e SouzaReginaldo Mattar Nasser

    Rodrigo Fracalossi de MoraesOrganizadores

    1. Os autores agradecem o apoio de Marcelo Colus Sumi e Joo Diogo Ramos Soub de Seixas Brites na reviso deste livro.

  • Captulo 1

    A RELEVNCIA DO TERRORISMO NA POLTICA INTERNACIONAL CONTEMPORNEA E SUAS IMPLICAES PARA O BRASIL*1

    andr de Mello e Souza**Rodrigo Fracalossi de Moraes***

    1 INTRODUO

    Poucos dias antes da eleio presidencial de 2012 nos Estados Unidos, o ento candidato a presidente Barack Obama, no ltimo debate televisivo com seu opo-sitor, Mitt Romney, foi questionado acerca da principal ameaa de segurana para os Estados Unidos. Sem titubear, respondeu: so as redes terroristas.

    Tal afirmao no apenas demonstra a centralidade deste tema na agenda de segurana norte-americana, mas tambm reflete o considervel poder alcanado pelos terroristas depois do 11 de Setembro de 2001. Do ponto de vista do pas militarmente mais poderoso do planeta, a principal ameaa sua segurana no so outros Estados e suas respectivas armas convencionais ou de destruio em massa. Tampouco so Estados que tm em posies antiamericanas uma ban-deira de poltica externa. Em particular, nem mesmo a China (pelo menos por enquanto), cuja economia poder superar a dos Estados Unidos at o final da presente dcada, possibilitando o desenvolvimento de foras armadas cada vez mais modernas. Um Ir ou uma Coreia do Norte nuclearizados igualmente no so considerados as principais ameaas aos Estados Unidos. A ameaa central interpretada como um mtodo de ao (o terrorismo), promovido por grupos no estatais, com diferentes perfis ideolgicos e objetivos variados. Se sua centralidade enquanto ameaa securitria assim se mantiver at as prximas eleies presidenciais nos Estados Unidos, em 2016, o terrorismo ter permanecido por quinze anos como a principal preocupao de segurana da maior potncia militar do globo.

    * os autores agradecem os comentrios e sugestes de antonio Jorge Ramalho da Rocha, Giovanni Hideki Chinaglia okado, Joanisval Brito Gonalves, Joo Diogo Ramos Soub de Seixas Brites, Juliano da Silva Cortinhas, Marcelo Colus Sumi e Walter antnio Desider Neto. Eventuais equvocos so de responsabilidade dos autores.** Coordenador de Estudos em Governana e Instituies Internacionais (Cogin) da Diretoria de Estudos em Relaes Econmicas e polticas Internacionais (Dinte) do Ipea.*** tcnico de planejamento e pesquisa da Dinte do Ipea.

  • 14

    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    A relevncia do terrorismo manifesta-se tambm pela forma como atualmente se percebem algumas das ameaas estatais. Se a ameaa clssica (proveniente de um Estado inimigo com poderosas foras armadas) no se desvaneceu, as percepes de ameaa estatal na agenda de segurana de algumas potncias, como os Estados Unidos, referem-se, em grande parte, s relaes estabelecidas entre Estados e grupos considerados terroristas. Nestes casos, a interpretao que a ameaa reside mais no apoio que certos Estados oferecem ao terrorismo que no poder militar destes Estados per se. O interesse em patrocinar grupos terroristas decorre, entre outros fatores, da possibilidade de utiliz-los para a realizao de aes violentas por procurao. Sua estrutura descentralizada e a ausncia de compromisso com as normas do direito internacional permitem que estes grupos (e, por consequncia, os Estados que os patrocinam) atuem com um leque maior de tticas, ampliando as possibilidades de ao.

    A compreenso dos impactos do terrorismo requer considerao no apenas de sua ameaa direta. A centralidade do tema nas polticas de segurana de algumas potncias, mormente dos Estados Unidos, produz, por si prpria, efeitos sobre dinmicas econmicas e polticas internacionais. Desta maneira, ainda que o ter-rorismo esteja sendo superestimado enquanto ameaa concreta, isto no significa que o tema no seja relevante do ponto de vista dos estudos em segurana, dada a atribuio de importncia que governos conferem questo.1 Como elemento central da agenda de segurana de alguns Estados, ampliam-se as possibilidades de que estes ofeream respostas militares ao enfrentamento do problema. Contudo, a mobilizao de amplas mquinas militares contra grupos terroristas pode causar tragdias humanitrias, sobretudo, pela dificuldade em se atingir alvos que, muitas vezes, atuam em ambientes urbanos.2

    Nesse contexto, o Brasil no se manteve imune. O pas tem sido afetado (sobretudo, indiretamente) pela expanso do terrorismo e pelas formas adotadas para o seu enfrentamento. Ademais, consideradas algumas caractersticas do ter-rorismo contemporneo a serem analisadas neste trabalho , bem como a maior visibilidade internacional do Brasil, infere-se que a possibilidade da realizao de atividades terroristas no pas no inconcebvel.

    1. acerca dos exageros na percepo das capacidades de grupos terroristas desde o 11 de Setembro, particularmente quanto s condies para estes realizarem grandes ataques contra os Estados unidos, ver Mueller e Stewart (2012).2. Crticas tm sido realizadas quanto ao uso sistemtico de veculos areos no tripulados (drones) norte-americanos no exterior, sobretudo no paquisto, e, em menor escala, no Imen. Em relatrio do projeto Living under Drones, conduzido pela Stanford law School e pela New York university School of law (IHRCRC e GJC, 2012), buscou-se desconstruir a percepo de que ataques com drones possuem preciso cirrgica, supostamente provocando danos colaterais mnimos. Segundo o relatrio, existem diversos registros de: mortes e ferimentos em civis ocasionados por drones (incluindo crianas); danos a bens materiais (automveis e residncias, sobretudo); e sentimentos de terror entre a populao que reside em reas onde este tipo de aeronave opera. o uso de drones pela agncia Central de Inteligncia (CIa) tem sido ainda criticado em funo do suposto desvirtuamento de atividades da organizao. Em vez de realizar apenas misses de inteligncia, a agncia cada vez mais se dedica aos assassinatos seletivos. Sobre este tema, ver IISS (2012) e Mazzetti (2013).

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    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    O presente captulo tem como objetivos: i) introduzir problemas conceituais do terrorismo; ii) oferecer um panorama geral das aes terroristas desde meados dos anos 1990, bem como do nmero de mortes delas decorrentes; iii) expor algumas das implicaes do terrorismo para o Brasil; e iv) analisar as formas pelas quais o Brasil tem contribudo para o enfrentamento do problema, assim como a questo da tipificao penal do terrorismo no pas.

    A seo 2 aborda as dificuldades de definio do terrorismo. A seo 3 oferece um panorama geral quanto ao nmero de eventos terroristas e de mortes por eles provocadas a partir de uma comparao entre os perodos 1994-2002 e 2003-2011. A seo 4 analisa as formas pelas quais o terrorismo afeta ou pode vir a afetar direta e/ou indiretamente o Brasil. E a seo 5 trata da adeso do Brasil a regimes internacionais de combate ao terrorismo e da discusso no pas acerca da sua tipificao penal, alm de introduzir consideraes acerca das capacidades institucionais do pas para lidar com a ameaa.

    2 DIFICULDADES CONCEITUAIS E DE DEFINIO

    No h consenso acadmico e muito menos poltico em torno dos critrios para a classificao de um grupo como terrorista. Geralmente, considera-se o seu carter no estatal e o fato de este buscar, por meio de atos violentos, aterrorizar a populao civil, com objetivos de cunho poltico, ideolgico e/ou religioso. Entretanto, existem mais de cem definies diferentes de terrorismo (Laqueur, 2004, p. 5), assim como diversas listas de grupos, variando de acordo com o Estado ou a organizao internacional que as elaboram.

    Por exemplo, o Hamas e o Hezbollah, comumente considerados terroristas, possuem classificaes distintas mesmo entre pases/organizaes do Ocidente desenvolvido. Enquanto os Estados Unidos consideram todo o Hezbollah como uma organizao terrorista, a Unio Europeia e o Reino Unido (principal aliado dos Estados Unidos) classificam dessa forma to somente o brao militar da organizao.

    Quanto caracterstica no estatal do terrorismo, h que se mencionar que alguns grupos classificados como terroristas atuam como governos de facto (Hamas na Faixa de Gaza, por exemplo) ou so partidos polticos legais de acordo com legislaes domsticas. Tal fato pe em questo, ainda que parcialmente, a definio de organizao terrorista como, necessariamente, um grupo no estatal, estreitando, em alguns casos, os limites entre grupos terroristas e estruturas pol-ticas/estatais. A questo torna-se ainda mais complexa ao se considerar que, em determinados casos, grupos considerados terroristas tiveram integrantes eleitos

  • 16

    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    democraticamente para a ocupao de cargos pblicos em seus pases, como os j citados Hamas e Hezbollah.3

    Ademais, o terrorismo um mtodo praticado por diversas organizaes. Embora sua imagem esteja, atualmente, associada a grupos considerados jihadistas, as listas incluem organizaes com perfis variados, as quais realizam ou ameaam realizar ataques contra diversos tipos de alvo. A relao de organizaes terroristas da Janes, por exemplo, mencionava 271 grupos (em dezembro de 2012), dos quais 187 ativos e 84 inativos.4 Dos ativos, 79 localizavam-se na sia, 33 na frica, 30 no Oriente Mdio, 20 na Europa, 17 nas Amricas, e 8 eram internacionais. A relao inclua grupos com bandeiras de cunho: separatista/integracionista (como Ptria Basca e Liberdade ETA, Espanha/Frana; Frente de Libertao do Enclave de Cabinda FLEC, Angola; Frente Unida de Libertao de Assam ULFA, ndia); ambiental (como Frente de Libertao da Terra ELF, Estados Unidos; Frente de Libertao Animal, Estados Unidos);5 islmica (como al-Qaeda, internacional; Boko Haram, Nigria; al-Shabab, Somlia), entre outros. Classificaes distintas citam ainda grupos terroristas de orientao crist (como Frente de Libertao Nacional de Tripura, ndia) ou movimentos antiaborto (como Exrcito de Deus, Estados Unidos). Muitos no so de fcil classificao, observando-se, em vrios casos, a mistura de objetivos.

    Cook e Lounsbery (2011) analisaram 176 grupos terroristas ativos no perodo 1990-1994, bem como os 635 ataques cometidos por estes grupos no perodo 1995-1999. Os autores identificaram 33 ideologias diferentes, assim como diversos mtodos/tticas (ataques a bomba; sequestros; assassinatos; incndios; entre outros) e alvos (instituies de ensino; figuras religiosas; instalaes militares e/ou policiais; organizaes no governamentais; entre outros). O Global Terrorism Database, por sua vez, possui registros de 2.281 organizaes envolvidas em eventos terroristas (entre 1970 e 2011), direcionados contra 21 tipos de alvos, utilizando-se de onze classes de armamento e oito tipos de tticas.6 Tal diversidade evidencia as dificuldades em torno da definio do conceito de terrorismo e dificulta, ademais, os trabalhos de inteligncia destinados identificao de possveis aes terroristas.

    Alm disso, muitos ataques so realizados pelos chamados lobos solitrios (lone wolfs), indivduos que agem inspirados por ou em apoio a um grupo ou ideologia, mas sem vinculao formal com qualquer organizao ou cadeia de

    3. Crenshaw (2010, p. 26-27) tambm chama ateno para este aspecto. para a emergncia do Hamas como partido poltico, ver Bhasin e Halward (2013).4. a Janes Information Group uma empresa britnica da rea de informaes especializada em assuntos de defesa, segurana nacional e transportes. controlada pela empresa norte-americana Information Handling Services Inc.5. para uma anlise do chamado terrorismo ambiental, observando-se o caso dos Estados unidos, ver Carson, laFree e Dugan (2012).6. Disponvel em: .

  • 17

    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    comando, como Timothy McVeigh (ataques em Oklahoma, Estados Unidos, em 1995), Theodore Kaczynski (envio de cartas-bomba entre 1978 e 1995) e Anders Behring Breivik (assassinatos em Utoya, Noruega, em 2011).7 Tais casos trazem problemas adicionais definio de terrorismo e dificuldades ainda maiores quanto s possibilidades de previso de sua ocorrncia pelos rgos de segurana, dada a multiplicidade de indivduos na sociedade que, em tese, poderiam ser capazes de cometer atos desta ordem.

    Elemento central ao terrorismo seu objetivo de provocar um sentimen-to de pavor na populao. E neste efeito psicolgico que talvez resida a sua principal ameaa. Em um pas ou regio ameaado pelo terrorismo, o pnico da populao pode ser permanente, tendo em vista o grande nmero de casos em que no existe qualquer conexo aparente entre os perpetradores do ato terrorista e os alvos. Locais frequentados diariamente poderiam, a qualquer momento, ser o palco de um ato desta natureza. A imprevisibilidade da ao uma de suas maiores foras:

    O terrorismo cria a incerteza por ser imprevisvel. A hora, o local e a identidade do criminoso so uma surpresa. Esse tipo de ao geralmente tem como alvos civis que esto simplesmente realizando suas atividades cotidianas. Eles no podem saber quem entre seus companheiros de viagem no metr, em um nibus ou em um avio, ou mesmo no meio de uma multido ou sentado junto deles em um restaurante vai atac-los. Os atos de terrorismo em si, mesmo que relativamente menores, so lembretes constantes da vulnerabilidade dos indivduos (Crenshaw, 2010, p. 39).

    Ao mesmo tempo, as possibilidades de ataques terroristas crescem em funo das atuais facilidades de locomoo e de comunicao atravs de fronteiras. A transnacionalidade do terrorismo contemporneo amplia a sensao de vulne-rabilidade dos indivduos:

    Organizaes clandestinas podem tirar partido de todos os desenvolvimentos que tornam o mundo um lugar menor. fcil viajar, se comunicar e transferir dinheiro. (...) Os indivduos que fazem uso do terrorismo atuam do mesmo modo que as corporaes, as ONGs e as universidades contemporneas, para as quais mais fcil integrar suas atividades de modo a chegar a seus consumidores e clientes em uma escala transnacional (Crenshaw, 2010, p. 33).

    Apesar desta maior transnacionalidade do terrorismo, nota-se uma crescente concentrao de sua incidncia em poucos pases/regies, conforme evidenciado na prxima seo, que compara a evoluo no nmero de ataques terroristas e mortes decorrentes entre os perodos 1994-2002 e 2003-2011.

    7. Sobre este tipo de terrorismo, ver Spaaij (2012).

  • 18

    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    3 EVENTOS TERRORISTAS E MORTES DECORRENTES: 1994-2011

    A tabela 1 apresenta o nmero de eventos terroristas assim classificados pelo Global Terrorism Database (GTD), da University of Maryland e o nmero de pessoas mortas por ataques terroristas, comparando-se os perodos 1994-2002 e 2003-2011.8

    taBEla 1Eventos terroristas e mortes ocorridas em funo de eventos terroristas, por regio (1994-2011)9

    Regio

    Nmero de eventos Nmero de mortes

    1994-2002 2003-2011

    (%)

    1994-2002 2003-2011

    (%)Eventos

    % sobre total

    Eventos% sobre

    total Mortes

    % sobre total

    Mortes% sobre

    total

    amrica do Norte 641 3,5 177 0,7 -72,4 3.694 7,4 72 0,1 -98,1

    amrica Central e Caribe

    594 3,2 35 0,1 -94,1 417 0,8 55 0,1 -86,8

    amrica do Sul 2.543 13,7 830 3,2 -67,4 4.750 9,5 873 1,3 -81,6

    oriente Mdio e Norte da frica

    3.572 19,3 9.418 36,2 +163,7 11.769 23,6 28.706 44,1 +143,9

    frica Subsaariana 1.762 9,5 1.920 7,4 +9,0 14.162 28,4 7.429 11,4 -47,5

    Sul da sia 3.695 20,0 10.468 40,2 +183,3 10.009 20,1 22.572 34,7 +125,5

    Sudeste asitico 1.275 6,9 2.848 10,9 +123,4 2.339 4,7 2.790 4,3 +19,3

    leste da sia 253 1,4 50 0,2 -80,2 224 0,4 253 0,4 +12,9

    sia Central 131 0,7 28 0,1 -78,6 189 0,4 61 0,1 -67,7

    australsia e oceania

    76 0,4 18 0,1 -76,3 41 0,1 4 0,0 -90,2

    8. o Global terrorism Database possui em seus registros cerca de 104 mil eventos terroristas, ocorridos entre os anos de 1970 e 2011. os critrios para que um evento seja considerado terrorista (e, assim, includo neste banco de dados) so abrangentes. H, inicialmente, trs requisitos obrigatrios: i) o ato intencional; ii) o ato implica algum nvel de violncia ou ameaa de violncia; e iii) o ato realizado por atores subnacionais. alm destes, preciso atender a pelo menos dois dos seguintes critrios: i) ato violento com objetivos de cunho poltico, econmico, religioso ou social; ii) ato violento com o objetivo de coagir, intimidar ou transmitir uma mensagem para uma audincia que se situa para alm das vtimas imediatas; e iii) ato violento que no atende aos preceitos do direito internacional humanitrio. So includos neste banco de dados, portanto, atos de violncia que no tenham civis como alvos (o que, do ponto de vista da definio de terrorismo, algo controverso), classificando-se como terroristas aes dirigidas, por exemplo, contra instalaes militares ou contra a propriedade. Como possvel introduzir alguns filtros no banco de dados, optou-se, neste trabalho, por retirar as aes que tinham instalaes militares como alvo (exceto as aes que visavam, simul-taneamente, instalaes militares e outros tipos de alvo). Mantiveram-se, contudo, as aes contra a propriedade, tendo em vista que muitos eventos foram direcionados simultaneamente contra civis e contra a propriedade. Este mesmo critrio foi seguido por Stern e McBride (2013). Existem ainda aes sobre as quais pairam dvidas acerca de sua classificao como eventos de cunho terrorista ou de outra natureza criminosa. H, no prprio banco de dados, menes individualizadas acerca dos eventos sobre os quais existe esta dvida; contudo, como estas menes existem apenas para os eventos ocorridos a partir de 1998, foram includos todos os eventos classificados como terroristas, ainda que a classificao de alguns destes eventos como terroristas permanea duvidosa. Informaes sobre as fontes e a metodologia do banco de dados se encontram em National Consortium for the Study of terrorism and Responses to terrorism StaRt ([s.d.]; 2012).9. o ano de 2003 foi escolhido como marco tendo em vista o incio da Guerra do Iraque (2003-2011).

    (Continua)

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    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    Regio

    Nmero de eventos Nmero de mortes

    1994-2002 2003-2011

    (%)

    1994-2002 2003-2011

    (%)Eventos

    % sobre total

    Eventos% sobre

    total Mortes

    % sobre total

    Mortes% sobre

    total

    Rssia e demais ex-repblicas sovi-ticas (excludas as da sia Central)

    700 3,8 1.111 4,3 +58,7 1.509 3,0 1.756 2,7 +16,4

    Europa ocidental 2.605 14,1 996 3,8 -61,8 378 0,8 441 0,7 +16,7

    Europa oriental 660 3,6 113 0,4 -82,9 300 0,6 25 0,0 -91,7

    Mundo 18.507 - 26.012 - +40,6 49.781 - 65.037 - +30,6

    Fonte: Global terrorism Database (GtD). Disponvel em: .Elaborao dos autores.

    Verifica-se que o nmero de ataques se expandiu em 40,6% entre os dois perodos. Houve uma diminuio nas Amricas e na Europa, bem como nas regies com menor incidncia de ataques. Em outras regies, entretanto, notadamente no Oriente Mdio e Norte da frica, no Sul e Sudeste Asiticos, bem como, em menor escala, na Rssia e em pases contguos, ocorreu o inverso. O nmero cres-ceu particularmente em alguns pases: no Afeganisto, de 77 eventos, no perodo 1994-2002, para 2.646, no perodo 2003-2011; nas Filipinas, de 484 para 1.085; na ndia, de 1.288 para 3.154; no Iraque, de 96 para 7.268; no Nepal, de 136 para 552; no Paquisto, de 1.399 para 3.357; na Rssia, de 540 para 1.005; e na Somlia, de 119 para 731.

    Similarmente, acerca do nmero de mortes, observa-se crescimento de 30,6% entre os dois perodos. Houve uma drstica reduo nas Amricas, na frica Subsaariana e em regies de menor incidncia de ataques, mas, ao mesmo tempo, assistiu-se a uma significativa expanso em outras regies centrais na estratgia antiterrorista norte-americana desde o 11 de Setembro, particularmente no Oriente Mdio e Norte da frica, bem como no Sul da sia.10 Nos mesmos pases mencionados no pargrafo anterior, as variaes no nmero de mortes foram: no Afeganisto, de 345, no perodo 1994-2002, para 6.818, no perodo 2003-2011; nas Filipinas, de 935 para 1.173; na ndia, de 4.197 para 5.142; no Iraque, de 404 para 24.920; no Nepal, de 624 para 1.108; no Paquisto, de 2.493 para 7.574; na Rssia, de 1.324 para 1.703; e, na Somlia, de 331 para 1.713.

    Observa-se, tambm, como ocorreu um processo de notvel concentrao de eventos terroristas e de mortes deles decorrentes. Enquanto, no perodo 1994-2002, as regies do Oriente Mdio/Norte da frica e Sul da sia responderam, em conjunto, por 39% destes eventos e 44% destas mortes, no perodo 2003-2011,

    10. Sobre a expanso do terrorismo no Iraque desde 2003, ver Stern e McBride (2013).

    (Continuao)

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    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    as duas regies passaram a responder por 76% dos eventos e 79% das mortes, respectivamente. Ao mesmo tempo, nas Amricas e na Europa, houve acentuada queda de ambos os indicadores, passando de 28% dos eventos e 19% das mortes, no perodo 1994-2002, para 8% e 2% no perodo 2003-2011, respectivamente.

    Em sntese, muito embora as estratgias anti ou contraterroristas de alguns pases (particularmente dos Estados Unidos) paream ter sido capazes de afastar os ataques de seus territrios, houve significativa expanso no nmero de ataques e/ou de mortos por ataques em outros pases/regies.

    Feitos alguns comentrios gerais sobre o terrorismo contemporneo, as pr-ximas sees analisam as consequncias do terrorismo internacional para o Brasil e as formas pelas quais o pas tem contribudo para o enfrentamento do problema.

    4 CONSEQUNCIAS DO TERRORISMO INTERNACIONAL PARA O BRASIL

    O risco do terrorismo internacional pode ser percebido, primeira vista, como distante da realidade brasileira. No entanto, o terrorismo afeta ou pode vir a afetar o pas de formas tanto indiretas como diretas. Neste captulo so conside-radas: como consequncias indiretas, os efeitos (reais ou potenciais) para o Brasil de atividades terroristas ou de combate ao terrorismo realizadas em/por outros pases; e, como consequncias diretas, as atividades terroristas (reais ou potenciais) em solo brasileiro ou em reas prximas faixa de fronteira do pas.

    4.1 Consequncias indiretas do terrorismo

    Se o terrorismo prioridade na agenda de segurana de grandes potncias mili-tares e principalmente na da potncia hegemnica , as dinmicas polticas e econmicas globais so necessariamente afetadas. Ainda que o terrorismo esteja sendo superestimado enquanto ameaa concreta, isto no implica a ausncia de consequncias para o pas, tendo em vista a atribuio de importncia que a ela se confere. Ou seja, as implicaes para o Brasil existem independentemente de o terrorismo constituir-se ou no como uma ameaa direta ao pas.

    Os ataques de 11 de Setembro provocaram uma mudana nas prioridades de poltica externa dos Estados Unidos e de outras potncias. Os temas de se-gurana ganharam fora na agenda internacional, em detrimento de questes historicamente mais caras ao Brasil, como o comrcio e o desenvolvimento (Barbosa, 2002, p. 84). Foi em funo do 11 de Setembro que o governo norte--americano empreendeu duas grandes guerras, as quais influenciaram o ambiente internacional a partir de ento. Esta mudana trouxe desafios polticos que foram independentes da maior ou menor possibilidade de que o Brasil viesse a ser alvo direto de um ataque terrorista.

  • 21

    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    O governo brasileiro, sobretudo aps o 11 de Setembro, passou a ser ques-tionado com mais vigor por governos estrangeiros destacando-se o dos Estados Unidos sobre a sua poltica para o terrorismo e sua disposio em colaborar com outras naes no seu enfrentamento. Neste contexto, o tema da cooperao entre Brasil e Estados Unidos para o combate ao terrorismo ganhou imediata relevn-cia mormente em funo da suposta atuao no pas de grupos classificados como terroristas (sobretudo o Hezbollah e extremistas sunitas), principalmente em So Paulo, nas reas prximas Trplice Fronteira e em outras partes da regio Sul.11 E o Brasil, ainda que mantendo distncia militar e diplomtica da chamada Guerra Global contra o Terror, mostrou-se disposto a colaborar com o esforo norte-americano.

    Diante dos ataques de 11 de Setembro, o governo brasileiro liderou a proposta, ainda em setembro de 2001, de amparar as aes dos demais pases americanos no enfrentamento do terrorismo nos termos do Tratado Interamericano de Assistncia Recproca (Tiar), proposta apoiada por 22 dos 34 Estados da Organizao dos Estados Americanos (OEA) (Lafer, 2001, p. 127-128; United States, 2002, p. 49). Em documentos do Departamento de Estado, reconheceu-se, de fato, o apoio bra-sileiro no esforo antiterrorista, como neste trecho de relatrio publicado em 2004:

    O Brasil tem ampliado o apoio prtico e efetivo s aes de contraterrorismo dos Estados Unidos. O governo do Brasil tem sido cooperativo em verificar os registros fornecidos por agncias de inteligncia, de aplicao da lei e da rea financeira dos Estados Unidos acerca de centenas de suspeitos de terrorismo (United States, 2004, p. 79, traduo nossa).

    Ao longo dos anos seguintes, o governo brasileiro adotou medidas nas reas de investigao e inteligncia, destacando-se as seguintes aes (assim reconhecidas pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil): investigao de possveis fontes de financiamento para o terrorismo; investigao de redes de falsificao de docu-mentos; investigao de outras atividades ilcitas que poderiam estar relacionadas ao terrorismo; e a participao no Mecanismo 3+1 sobre Segurana na rea da Trplice Fronteira, reunindo diplomatas, integrantes de rgos de aplicao da lei e representantes de agncias de inteligncia de Argentina, Brasil, Paraguai e Estados Unidos. O objetivo deste mecanismo discutir estratgias de combate a atividades criminosas transnacionais passveis de serem exploradas por terroristas. Segundo a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, destacaram-se, particularmente, os trabalhos de colaborao: da Polcia Federal; da Agncia Brasileira da Inteligncia (ABIN); do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF); e de outras agncias na investigao, priso ou monitoramento de indivduos ligados ao

    11. Ver: Goldberg (2002); Machain (2002); Hudson (2003); abbott (2005); Halaburda (2006); Gato e Windrem (2007); amaral (2008); e united States (2008).

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    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    terrorismo, bem como de fluxos financeiros possivelmente destinados a grupos terroristas (United States, 2008).

    Aps o 11 de Setembro, tambm ganhou fora a percepo da necessidade de adoo ou fortalecimento de medidas multilaterais de combate ao terrorismo, destacando-se as aprovadas no mbito da ONU. O Brasil foi compelido a se posi-cionar com relao ao apoio ou rejeio a tais medidas, devendo implement-las medida que a elas aderir. No CSNU, em particular, foram aprovadas 33 resolues sobre terrorismo entre 11 de setembro de 2001 e o final de 2012. Destas, doze o foram em perodos nos quais o Brasil se encontrava na condio de membro temporrio, todas com voto favorvel do pas.

    Outra consequncia indireta para o Brasil foi a expanso da cooperao entre Estados Unidos e Colmbia no enfrentamento de grupos armados de oposio e da produo/trfico de drogas no pas. Aps o 11 de Setembro, o incio da Guerra Global contra o Terror implicou maior apoio domstico nos Estados Unidos ao fornecimento de cooperao militar para pases que enfrentavam o problema do terrorismo. Vincular a cooperao militar Estados Unidos-Colmbia e as aes do governo colombiano contra grupos armados/narcotraficantes Guerra Global contra o Terror tornou-se politicamente conveniente para os governos de ambos os pases. Por conseguinte, ocorreu uma expanso das aes contra grupos armados de oposio e a produo/trfico de entorpecentes na Colmbia, com forte apoio norte-americano.

    Por um lado, isto levou a um efetivo enfraquecimento de grupos armados e diminuio no plantio de folhas de coca e de produo de cocana no pas. Segundo dados oficiais do governo da Colmbia, o nmero de integrantes das Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia (FARC) diminuiu, entre 2002 e 2009, de 16.960 para 8.532 (reduo de 49,7%) (Colombia, 2010, p. 211). A rea estimada de plantio de folhas de coca diminuiu, entre 2001 e 2010, de 144,8 mil ha para 57 mil ha (reduo de 60,6%), conforme o grfico 1. E o volume total da produo de folha de coca fresca diminuiu 45% (UNODC, 2011d, p. 35-36).

    Por outro lado, a diminuio da rea de plantio na Colmbia implicou a sua expanso no Peru, com 32,5% de aumento entre 2001 e 2010, e na Bolvia, com 55,1% de aumento no mesmo perodo. E o volume da produo de folha de coca seca se ampliou 24,2% no Peru e 45% na Bolvia. Estes movimentos opostos demonstram, na prtica, o chamado efeito balo, em que a ausncia de polticas planejadas e executadas em mbito regional desloca o problema de um lugar para o outro.

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    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    GRFICo 1Evoluo de rea destinada ao plantio de folhas de coca Colmbia, Peru e Bolvia (2001-2010) (Em mil ha)

    145

    102

    8680

    86

    78

    99

    81

    68

    57

    66 68 68

    7874

    7983

    8791 92

    40

    60

    80

    100

    120

    140

    160

    2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Colmbia Peru + Bolvia

    Fonte: uNoDC (2011a, p. 11; 2011b, p. 18; 2011c, p. 12).obs.: um fator a ser considerado quando da anlise destes dados que h diferenas de produtividade no cultivo da folha de

    coca de acordo com o tipo de clima/solo e o pas. No ano de 2010, as estimativas da produo de folha de coca seca foram: na Bolvia, 1,3 t/ha/ano (2011a, p. 28); no peru, 2,2 t/ha/ano (2011b, p. 6); e, na Colmbia, 2,2 t/ha/ano (2011c, p. 49). para a Colmbia, os dados originais consideraram a folha de coca fresca (e no seca), da qual a produtividade estimada foi de 4,4 t/ha/ano. Como a folha seca possui, aproximadamente, metade da massa da folha fresca (uNoDC, 2011d, p. 104), os dados para a Colmbia foram divididos por dois.

    O efeito balo pode ser observado tambm na mudana de rotas do trfico de entorpecentes. A interrupo de uma ou mais rotas implica o surgimento de caminhos alternativos; e esta pode ter sido uma das razes pelas quais o Brasil passou a ser mais utilizado como rota da cocana, destinada, sobretudo, para a Europa. De 2005 para 2009, o nmero de apreenses de cocana em portos eu-ropeus em navios provenientes do Brasil subiu mais de dez vezes, de 25 para 260, com o volume de apreenses no mesmo perodo subindo de 339 kg para 1,5 t (UNODC, 2011d, p. 109).

    A presso contra a produo nos Andes pode ter sido, ainda, um dos fatores que levou ao surgimento de uma variedade da folha de coca adaptada ao clima amaznico. reas de cultivo na Amaznia Peruana se expandem rapidamente, e esta produo poderia transbordar para a Amaznia Brasileira.12 Tal mudana (em parte consequncia indireta da Guerra Global contra o Terror) passa a impor

    12. Em 2008, foi noticiada a descoberta de dois hectares de cultivo de folha de coca em solo brasileiro, prximo divisa com o peru. Ver platonow (2008).

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    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    ao Brasil a necessidade de lidar com uma questo nova, qual seja, evitar o cultivo da folha de coca no pas.13 E, ainda que isto seja efetivamente evitado, a expanso do cultivo na regio amaznica em pases vizinhos traz o problema da produo de cocana para reas mais prximas fronteira amaznica brasileira, fazendo crescer a importncia do controle fronteirio.

    Outro aspecto a ser destacado que algumas das aes norte-americanas no mbito da Guerra ao Terror implicaram a deteriorao da imagem dos Estados Unidos junto opinio pblica em outros pases. Este processo contribuiu para minar a legitimidade do pas enquanto responsvel pela manuteno da paz e da segurana internacionais, mesmo entre pases da Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN). No Reino Unido (principal aliado dos Estados Unidos), o percentual da opinio pblica com vises favorveis sobre os Estados Unidos diminuiu de 73% para 54% entre os perodos 2002-2003 e 2006-2007 (Pew Research Center, 2012, p. 58-60). E, em outros pases da OTAN, a deteriorao da imagem norte-americana foi ainda pior. Tal fato trouxe um custo poltico interno e crescente aos governos que optaram por apoiar os Estados Unidos em algumas de suas aes mais polmicas (sobretudo a Guerra no Iraque).14

    Ao mesmo tempo, algumas das aes norte-americanas contriburam para a criao de um terreno frtil para os pases que optaram por contest-las. A supre-macia poltica e militar dos Estados Unidos no ambiente internacional passou a ser percebida cada vez mais como elemento negativo estabilidade internacional, fortalecendo as posies de pases que defendem a necessidade de maior distribuio de poder em espaos multilaterais, como o Brasil.15

    Do ponto de vista econmico, o Brasil tambm foi afetado. Aps o 11 de Setembro, observou-se uma contrao nos fluxos de investimentos externos diretos (IEDs) globais e de ampliao dos spreads bancrios de economias emergentes, impactando negativamente o pas. Ademais, as expectativas em torno da invaso do Iraque (e a sua futura concretizao, em maro de 2003) provocaram a elevao dos preos do petrleo. Tal fato gerou presses inflacionrias no pas e comprometeu a capacidade de financiamento das importaes de terceiros pases, impactando negativamente as exportaes de produtos brasileiros.16 Este processo ocorreu independentemente de o Iraque ser uma ameaa real aos Estados Unidos ou de as aes norte-americanas contra o pas serem ou no racionais do ponto de vista da estratgia de combate ao terrorismo global.

    13. Sobre esta questo, ver: Cruz (2012); lyons (2012a; 2012b; 2012c); e Brasil (2011c).14. para uma anlise das principais possibilidades e desafios para a liderana norte-americana na atualidade, ver Buzan (2008).15. Ver Spektor (2013).16. Sobre os impactos econmicos do 11 de Setembro, ver o captulo de Renato Baumann neste mesmo volume.

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    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    Ademais, as guerras do Afeganisto e do Iraque implicaram a expanso dos gastos pblicos em diversos pases da OTAN, sobretudo nos Estados Unidos. Ao avaliar os custos econmicos da Guerra ao Terror, o projeto Costs of War estimou que o gasto pblico norte-americano para esse fim, entre os anos fiscais de 2001 a 2013, alcanou o montante de US$ 3,1 trilhes.17 Deve-se destacar, ao mesmo tempo, que ocorreu uma queda na carga tributria nos Estados Unidos no perodo 2001-2003, comprometendo a capacidade de financiamento dos gastos pblicos e contribuindo para o crescente endividamento pblico do pas (de 32,4% do PIB em 2001 para 46,8% do PIB em 2007).18 Por ocasio do incio da crise econmica internacional em 2008, a expanso do endividamento pblico nos Estados Unidos ocorreu, portanto, sobre uma base j elevada. A ausncia das duas guerras, ainda que no fosse capaz de evitar a crise internacional, implicaria maior margem de atuao do governo ou resultaria em um grau de endividamento pblico inferior.

    Outro aspecto econmico, este mais especfico, mas com impactos sobre o Brasil, refere-se aprovao pelo Congresso dos Estados Unidos, em 2002, da chamada Lei do Bioterrorismo (Public Health Security and Bioterrorism Preparedness and Response Act). Esta medida forou diversos pases do mundo (incluindo o Brasil) a adaptarem seus sistemas de exportao de vrios tipos de alimento, sobretudo no que se refere ao processo de certificao e rastreabilidade, impondo custos adicionais para os exportadores. Caso no o fizessem, no poderiam mais exportar certos alimentos para os Estados Unidos.

    4.2 Possveis consequncias diretas do terrorismo

    Sobre a possibilidade de ameaas terroristas diretas ao Brasil, os seis elementos relacionados a seguir devem ser destacados em suporte tese de que tal fenmeno pode ocorrer no pas.

    1) A natureza descentralizada de diversos grupos terroristas implica que as interpretaes dos vrios elos de uma rede terrorista nem sempre so convergentes, possibilitando a existncia de elos que possam enxergar o Brasil como um alvo.

    2) Muitas aes so realizadas pelos chamados lobos solitrios, os quais podem surgir em qualquer parte do mundo.

    3) Apesar da maior visibilidade do terrorismo jihadista, o terrorismo um mtodo passvel de ser utilizado por diversos grupos.

    4) Os alvos do terrorismo poderiam ser organizaes/grupos/representaes instalados ou atuando (de forma permanente ou temporria) no Brasil,

    17. Dados disponveis em: .18. Fonte: Banco Mundial.

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    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    tais como empresas, minorias tnicas, instituies da sociedade civil e delegaes estrangeiras, no necessariamente vinculadas poltica ou s instituies do governo brasileiro.

    5) A realizao de ataques terroristas demanda um suporte logstico forne-cido por redes de apoio cujos elos no se localizam, necessariamente, em pases ou regies que sejam alvos frequentes de ataques.

    6) A crescente visibilidade internacional do Brasil amplia o impacto miditico de aes do gnero no pas, efeito geralmente buscado por grupos terroristas contemporneos. Cabe destacar que tal visi-bilidade crescer, particularmente, quando da realizao de grandes eventos esportivos.

    Os cinco primeiros elementos poderiam ser aplicados para anlises no ape-nas do Brasil, mas de diversos outros pases sem histrico de ataques terroristas, enquanto o sexto refere-se a um processo particular brasileiro.

    Acerca do primeiro ponto, caso se observasse em todas as redes terroristas um sistema de comando e controle semelhante ao de exrcitos regulares, ataques contra um pas como o Brasil poderiam ser avaliados como desnecessrios, tendo em vista a postura internacional pacfica do pas, marcada pela tradio da no interveno em assuntos internos de outros pases.19 No entanto, o grande nmero de grupos e a autonomia gozada por seus elos implicam que as aes destes possam atender a objetivos, em grande parte, locais, no possuindo, necessariamente, ligaes substanciais com os promovidos pela cpula da organizao. Dessa forma, a probabilidade de que ao menos um grupo ou uma clula enxergue o Brasil como um alvo no descabida.20

    Quanto ao segundo ponto, as possibilidades de ataques terroristas se am-pliam se forem considerados aqueles realizados pelos chamados lobos solitrios. Uma ao do gnero requereria to somente um indivduo com acesso a armas/explosivos ou algum outro meio de perpetrar um ataque , bem como motivao (poltica, religiosa, ideolgica etc.) suficiente para, isoladamente, realizar um ato

    19. o que, em tese, tambm reduziria a probabilidade de ataques terroristas contra instituies brasileiras presentes (de forma permanente ou temporria) no exterior, tais como: representaes diplomticas; delegaes; empresas; organizaes no governamentais; entre outras.20. Como exemplo, trabalhos especializados comparam parte da al-Qaeda a uma rede de franquias, notadamente os seguintes grupos: al-Qaeda no Iraque; al-Qaeda no Magreb Islmico; e al-Qaeda na pennsula arbica. a literatura tambm menciona diversos grupos ou indivduos sem conexo formal com a al-Qaeda, mas que agem inspirados pela organizao. Ver Fishman (2008); Mendelsohn (2011); e Stewart (2012).

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    desta natureza.21 Embora haja grande dificuldade de se identificar previamente estes indivduos, uma das possibilidades o monitoramento de atividades ligadas ao terrorismo na Internet. Conforme mostrou Weimann (2012, passim), os lobos solitrios so menos solitrios do que aparentam, estando conectados, muitas vezes, a redes de apoio ao terrorismo, especialmente por meio de mdias sociais.

    Sobre o terceiro ponto, o terrorismo um mtodo passvel de ser utiliza-do por diversos grupos. Embora a associao do terrorismo contemporneo ao chamado jihadismo tenha crescido aps o 11 de Setembro, as diversas listas de grupos terroristas divulgadas por Estados e organizaes internacionais incluem perfis ideolgicos variados. Caberia, dessa maneira, avaliar quais grupos poderiam enxergar no Brasil um terreno frtil para aes terroristas. De fato, o foco sobre grupos jihadistas pode no ser adequado para o enfrentamento da questo no pas. Com a relativa facilidade de acesso a armas, munies e artefatos explosivos, grupos dos mais diversos matizes ideolgicos (internos ou externos) poderiam ser tentados a realizar tais aes em territrio brasileiro.

    Quanto ao quarto ponto, a alegao de que o Brasil no poderia ser alvo do terrorismo em funo de sua postura pacfica deve ser relativizada. Ataques desta natureza so, muitas vezes, realizados contra organizaes ou grupos no neces-sariamente vinculados poltica domstica ou externa do pas no qual atuam. Minorias tnicas, embaixadas, autoridades em visita oficial, empresas, templos religiosos e organizaes no governamentais so exemplos reais de alvos de ataques terroristas. Esta possibilidade foi reconhecida em trabalho de integrante da ABIN: o pas pode ser palco de um ataque, tendo em vista, principalmente, a presena de representaes diplomticas e empresariais de pases considerados inimigos por organizaes terroristas internacionais (Paniago et al., 2007, p. 16).

    Sobre o quinto ponto, h que se destacar que aes complexas necessitam de instituies que funcionem, igualmente, de maneira complexa. Nos casos de redes terroristas, observa-se, comumente, uma diviso do trabalho tpica de instituies modernas, com atividades de inteligncia, recrutamento, treinamento, transporte, propaganda, levantamento de fundos e proviso de refgio. Neste sentido, ainda que no ocorram ataques em solo brasileiro, o Brasil ou reas fronteirias ao pas pode ser utilizado para a realizao de atividades de apoio a grupos atuando em

    21. alguns episdios ocorridos no Brasil se assemelham a aes terroristas cometidas por lobos solitrios, embora no se enquadrem na definio de terrorismo segundo os critrios mais comumente utilizados. um deles foi o sequestro de uma aeronave da Vasp realizado por Raimundo Nonato alves da Conceio, em setembro de 1988. Em funo de problemas econmicos pessoais, o indivduo pretendia lanar a aeronave contra o palcio do planalto. Durante o sequestro, ele baleou um comissrio de bordo, o engenheiro de voo e o copiloto (que morreu na mesma hora). aps desistir da empreitada, a aeronave pousou em Goinia-Go. ao usar o piloto como escudo, o sequestrador foi baleado pela polcia Federal, vindo a morrer dias depois. outro caso foi o chamado Massacre de Realengo, em abril de 2011. Wellington Menezes de oliveira, motivado aparentemente pelo desejo de vingana por humilhaes que havia sofrido quando mais jovem, invadiu a escola onde havia estudado e efetuou diversos disparos, provocando a morte de doze estudantes.

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    outros pases. H, por exemplo, casos concretos de indivduos que utilizaram o Brasil ou reas contguas ao pas como local de refgio, como Marwan al Safadi, um perito envolvido no ataque ao World Trade Center em 1993, que, conforme se descobriu em 1996, residia na regio da Trplice Fronteira. Outro caso foi o de Said Hassan Ali Mohamed Mokhles, participante do atentado ao templo de Luxor, no Egito, em 1997, e integrante do grupo al-Gamaa al-Islamiyya. Ele chegou a residir em Foz do Iguau, mas foi preso em 1999, quando tentava ingressar no Uruguai (via Chu) com um passaporte malsio falso, supostamente adquirido em Ciudad del Este. Em 2003, foi extraditado para o Egito (Casado, 2010).

    Acerca do sexto ponto, as possibilidades do terrorismo devem ser avaliadas em um ambiente internacional no qual o Brasil, em perodo recente, tem obtido maior visibilidade internacional, tornando o pas um palco que pode vir a ser considerado adequado para tais aes. Com a realizao de eventos no pas com ampla cobertura jornalstica e miditica, sobretudo esportivos, a visibilidade de ataques terroristas seria muito alta, tornando estes eventos possveis alvos de interesse. Um ataque desta natureza traria um dano permanente imagem tanto dos eventos como das capacidades institucionais do pas, tal como ocorreu no caso dos Jogos Olmpicos de Vero de 1972, em Munique. Estes so lembrados mais pelo massacre realizado pelo grupo Setembro Negro contra a delegao israelense que pelas conquistas esportivas ocorridas durante o seu transcurso. A reputao e a credibilidade das instituies de segurana alems foram severamente afetadas, com diversos relatos acerca da falta de preparo para se lidar com uma situao do gnero. Embora, neste caso especfico, tenha havido uma relao entre as causas defendidas pelos perpetradores de atos terroristas e a nacionalidade das vtimas, isto no implica que tal relao, necessariamente, deva existir. Diversos ataques podem ser perpetrados contra grupos ou indivduos sem conexo com os objetivos de uma organizao.

    Por esses motivos, a possibilidade de aes terroristas no Brasil no deve ser descartada, embora, ao mesmo tempo, no haja necessidade de alarmismo quanto a tal possibilidade. A partir de uma abordagem preventiva, algumas medidas tm sido adotadas no pas, especialmente em funo da adeso a acordos internacionais. Permanece, contudo, a ausncia de tipificao legal do crime de terrorismo e de uma estrutura que permita a efetiva coordenao de aes em caso de ocorrncia de ataques, bem como de aes de preveno destinadas a evit-los.

    5 A QUESTO DO TERRORISMO NO BRASIL: TIPIFICAO PENAL E ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS

    No Brasil, durante o regime militar, grupos de oposio foram classificados como terroristas e/ou defenderam a utilizao do terrorismo como mtodo de ao. No livro denominado As tentativas de tomada do poder, concludo em 1985 e republicado recentemente com o nome de Orvil (Maciel e Nascimento, 2012),

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    o termo foi aplicado a diversos grupos que teriam se utilizado do mtodo. Organizaes de extrema direita, contudo, como o Comando de Caa aos Comunistas e o Grupo Secreto, no receberam tal classificao, embora suas aes pudessem ser facilmente classificadas desta forma se fossem seguidos os mesmos critrios. Ademais, a abertura poltica promovida a partir do final dos anos 1970 implicou a formao de grupos no prprio Estado que se situavam direita daquele que ento o controlava, destacando-se, entre as aes, a que culminou na exploso do Riocentro, em 1981. Estes grupos no foram, igualmente, considerados terroristas.

    Trata-se, no entanto, no apenas de mera classificao realizada por outros atores, mas de mtodo cujo emprego foi defendido por integrantes de alguns grupos. No Minimanual do guerrilheiro urbano, por exemplo, Marighella (1969) mencionou que [o] terrorismo uma arma que o revolucionrio no pode abandonar.22

    Aps o fim do regime militar, o termo deixou de ser utilizado de forma sistemtica pelo governo brasileiro. No entanto, no bojo dos ataques terroristas de 11 de Setembro, seu uso cresceu rapidamente em todo o mundo. Diversos governos passaram a utilizar-se do termo ao se referirem a certos grupos, tanto domsticos quanto externos. Ao mesmo tempo, o governo dos Estados Unidos buscou a formao de parcerias para o enfrentamento do problema, utilizando-se do termo guarda-chuva Guerra Global contra o Terror. E o Brasil no permaneceu margem deste processo.

    As subsees seguintes trazem breves comentrios sobre a questo, inicialmente sobre os tratados internacionais dos quais o Brasil signatrio e, em seguida, acerca da discusso interna no pas a respeito da tipificao penal do terrorismo e dos arranjos institucionais para seu enfrentamento.

    5.1 O Brasil e os acordos internacionais para o enfrentamento do terrorismo

    No mbito da Organizao das Naes Unidas (ONU), por meio da Ao contra o Terrorismo, a comunidade internacional aprovou, desde 1963, catorze instrumentos legais universais sobre o tema (UN, [s.d.]a). Destes, cinco lidam com a proteo da segurana na aviao,23 dois com a segurana martima ou de instalaes na plataforma continental,24 dois com a proteo de pessoal diplomtico e refns,25

    22. Existem vrias verses deste livro, no sendo possvel determinar qual delas a original. a obra referenciada neste trabalho a que se encontra disponibilizada em Marxists Internet archive library.23. Conveno Relativa s Infraes e Certos outros atos Cometidos a Bordo de aeronaves (1963); Conveno para Represso ao apoderamento Ilcito de aeronaves (1970); Conveno para a Represso de atos Ilegais contra a Segurana da aviao Civil (1971); protocolo para a Supresso de atos Ilcitos de Violncia nos aeroportos a Servio da aviao Civil (1988); e Conveno para a Supresso de atos Ilcitos Relacionados aviao Civil Internacional (2010).24. Conveno para a Supresso de atos Ilcitos contra a Segurana da Navegao Martima (1988); e protocolo para a Supresso de atos Ilcitos contra a Segurana de plataformas Fixas localizadas na plataforma Continental (1988).25. Conveno sobre a preveno e punio de Infraes contra pessoas que Gozam de proteo Internacional, incluindo os agentes Diplomticos (1973); e Conveno contra a tomada de Refns (1979).

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    um com a marcao de materiais explosivos,26 um com a proteo de material nuclear,27 um com ataques a bomba,28 um com o financiamento do terrorismo29 e um com o terrorismo nuclear.30 exceo da Conveno para a Supresso de Atos Ilcitos Relacionados Aviao Civil Internacional, de 2010,31 o Brasil assinou e ratificou todos estes tratados e, desta forma, tem demonstrado apoio a estes esforos internacionais de combate ao terrorismo.32

    No mbito do Conselho de Segurana das Naes Unidas (CSNU), foram aprovadas diversas resolues relacionadas ao terrorismo, no total de 45, desde a primeira, aprovada em 1989 (UN, [s.d.]b). Deste total, 33 foram aprovadas aps o 11 de Setembro. E destas, 12 foram aprovadas enquanto o Brasil cumpria mandato como membro temporrio do CSNU, todas com voto favorvel do pas.

    Fora do mbito da ONU, o Brasil participa do Grupo de Ao Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), criado em 1989 pelo G-7 e que possua como membros, em fevereiro de 2013, 34 Estados e duas organizaes internacionais.33 O Brasil esteve na presidncia do grupo entre julho de 2008 e junho de 2009 e contribui com quantias de at 100 mil anuais para as suas aes (Brasil, 2012a).34 O Brasil integra, ainda, o Grupo de Egmont, criado em 1995 e composto, em fevereiro de 2013, por unidades financeiras de inteligncia (FIU) de 131 pases. Trata-se de um grupo informal que possui o objetivo de facilitar a cooperao no combate lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. O Brasil contribui com valor equivalente a at 20 mil dlares canadenses anuais para o grupo (Brasil, 2012a).

    No mbito da OEA, diferentemente da ONU, h um instrumento que abriga diversas medidas de combate ao terrorismo: a Conveno Interamericana contra o Terrorismo (OEA, 2002). Ela decorreu de trabalhos do Conselho Permanente da OEA e do Comit Interamericano contra o Terrorismo (Macedo, 2008, p. 134), tendo sido aprovada em julho de 2002, entrando em vigor em outubro de 2003.35

    26. Conveno sobre a Marcao dos Explosivos plsticos para Fins de Deteco (1991).27. Conveno sobre a proteo Fsica dos Materiais Nucleares (1979).28. Conveno Internacional sobre a Supresso de atentados terroristas com Bombas (1997) (com reservas do Brasil ao pargrafo 1o do artigo 20).29. Conveno Internacional para a Supresso do Financiamento do terrorismo (1999).30. Conveno Internacional para a Supresso de atos de terrorismo Nuclear (2005).31. o Brasil assinou a conveno ainda em 2010, mas, em meados de 2013, ainda no a havia ratificado.32. Encontra-se em discusso, desde 1996, a possvel criao da Conveno Global sobre terrorismo Internacional, a qual colocaria o terrorismo como matria submetida legislao penal internacional. as negociaes, contudo, encontram-se em um impasse em funo da ausncia de consenso em torno da possibilidade de qualificao de foras armadas nacionais ou movimentos de libertao como terroristas.33. Comisso Europeia e Conselho de Cooperao do Golfo.34. a presidncia foi exercida por antonio Gustavo Rodrigues, presidente do CoaF desde o ano de 2004.35. No mbito da oEa existem duas outras convenes: Conveno para prevenir e punir os atos de terrorismo Configurados em Delitos Contra as pessoas e a Extorso Conexa, Quando tiverem Eles transcendncia Internacional (Washington, 1971); e Conveno Interamericana Contra a Fabricao e o trfico Ilcitos de armas de Fogo, Munies, Explosivos e outros Materiais Correlatos (Washington, 1997).

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    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    Trata-se do principal instrumento normativo para o combate ao terrorismo nas Amricas, com nfase no monitoramento de atividades financeiras (Vaz, 2004, p. 91).36 Em janeiro de 2013, a Conveno havia sido assinada e ratificada por todos os Estados-membros, exceto a Bolvia e nove Estados caribenhos,37 tendo sido internalizada no Brasil por meio do Decreto no 5.639, de dezembro de 2005.

    No mbito latino-americano, foi criado em 2000 o Grupo de Ao Financeira da Amrica do Sul contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFISUD), que possui doze Estados-membros (incluindo Mxico, Panam e Costa Rica) e para o qual o Brasil contribui com at US$ 30 mil anuais (Brasil, 2012a). O GAFISUD um dos elos da rede mundial que trata do tema, centrada no Gafi/FATF. No Mercosul, embora a questo tenha sido objeto de discusses e documentos ainda nos anos 1990 (Plano Geral de Segurana para a Trplice Fronteira e Plano de Cooperao e Assistncia Recproca para a Segurana Regional no bloco), foi aps o 11 de Setembro que o tema ganhou relevncia (Cunha, 2005, p. 58), tendo sido criado, ainda em 2001, o Grupo de Trabalho Especializado sobre Terrorismo (GTE).

    5.2 A necessidade da tipificao penal do terrorismo no Brasil

    No Brasil, embora o termo terrorismo seja utilizado em diversos instrumentos ju-rdicos e documentos oficiais, ele no possui tipificao, ou seja, no h definio legal da prtica que caracteriza este crime. A sua tipificao, contudo, traria algumas vantagens. Primeiro, garantiria que indivduos eventualmente presos por realizarem tais atividades receberiam um julgamento justo e uma pena correspondente aos atos cometidos. No haveria necessidade, assim, de se enquadr-los em outras categorias de crime, expediente praticado em razo da ausncia de tipificao.

    Segundo, este seria um caminho para se conferir mandatos mais claros para as instituies de Estado que, de alguma forma, lidam com o tema. Estas poderiam desenvolver arranjos institucionais mais adequados para o enfrentamento e pre-veno de um crime legalmente definido, processo dificultado pela no elucidao do fenmeno que se busca enfrentar.

    Terceiro, demonstraria comunidade internacional que a abordagem brasi-leira ao problema se distingue da adotada por alguns outros pases (notadamente os Estados Unidos), que consideram terroristas no como criminosos, mas como combatentes inimigos.

    Nos prximos pargrafos, so feitos alguns comentrios sobre as menes ao terrorismo na legislao e em documentos oficiais do Brasil, bem como o estgio da discusso sobre a tipificao do terrorismo no pas.

    36. para uma discusso sobre a Conveno e sua aplicabilidade no Brasil, ver Macedo (2008).37. Fonte: oEa. Disponvel em: .

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    Na Constituio brasileira, o termo terrorismo aparece em duas passagens. A primeira, no inciso VIII do Art. 4o:

    Art. 4o A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes internacionais pelos seguintes princpios:

    (...)

    VIII repdio ao terrorismo e ao racismo; (Brasil, 1988).

    E a segunda, no inciso XLIII do Art. 5o:

    XLIII a lei considerar crimes inafianveis e insuscetveis de graa ou anistia (...) o terrorimo (...), por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem; (Brasil, 1988, grifo nosso).

    O termo aparece tambm no Art. 83 do Cdigo Penal, onde se menciona que os apenados devem cumprir dois teros da pena para obterem livramento condicional em caso de prtica de terrorismo (includo pela Lei no 8.072, de 1990). A Lei dos Crimes Hediondos registra, ainda, que o terrorismo insuscetvel de anistia, graa, indulto ou fiana (Art. 2o).

    A Poltica Nacional de Defesa, tal qual a Constituio, deixa claro o repdio do pas a tal prtica:

    O Brasil considera que o terrorismo internacional constitui risco paz e segurana mundiais. Condena enfaticamente suas aes e implementa as resolues pertinentes da Organizao das Naes Unidas (ONU), reconhecendo a necessidade de que as naes trabalhem em conjunto no sentido de prevenir e combater as ameaas terro-ristas (Brasil, 2012b, item 5.8).

    Na Estratgia Nacional de Defesa (Brasil, 2012c), o combate ao terrorismo tambm foi colocado como tema prioritrio. A meno ao terrorismo feita, ainda, em diversas outras leis e decretos.38

    38. as demais leis nas quais a questo do terrorismo tratada so: lei no 6.815, de 1980 (lei dos Estrangeiros); lei no 7.170, de 1983 (lei de Segurana Nacional, ainda vigente); lei no 7.180, de 1983; lei no 9.034, de 1995, com as alteraes da lei no 10.217, de 2001; lei no 9.474, de 1997 (sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1991); lei no 9.613, de 3 de maro de 1998 (sobre os crimes de lavagem ou ocultao de bens, direitos e valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes como o terrorismo, contrabando ou trfico de armas); lei Complementar no 105, de 10 de janeiro de 2001, que prev a possibilidade de quebra de sigilo bancrio de instituies financeiras para a apurao de ilcitos como o terrorismo; e lei no 10.744, de 9 de outubro de 2003 (sobre a assuno, pela unio, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos). Existem tambm diversos decretos presidenciais e legislativos que versam sobre o tema: Decreto legislativo no 87, de 1998 (aprovao do texto da Conveno para prevenir e punir os atos de terrorismo Configurados em Delitos contra as pessoas e a Extorso Conexa); Decreto no 4.150, de 2002 (execuo, no territrio nacional, da Resoluo no 1.390, de 2002, do Conselho de Segurana das Naes unidas); Decreto no 5.035, de 2004 (regulamentao da lei no 10.744, de 2003, sobre a assuno, pela unio, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves); Decreto no 5.639 e Decreto legislativo no 890, ambos de 2005 (promulgao e aprovao da Conveno Interamericana contra o terrorismo); Decreto no 5.640 e Decreto legislativo no 769, ambos de 2005 (promulgao e aprovao da Conveno Internacional para Supresso do Financiamento do terrorismo); Decreto legislativo no 267, de 2009 (aprovao do texto da Conveno Internacional para a Supresso de atos de terrorismo Nuclear); e Decreto no 7.606, de 2011 (Execuo da Resoluo no 1.989, de 2011, do Conselho de Segurana das Naes unidas, sobre a al-Qaeda).

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    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    Aps o 11 de Setembro, a Presidncia da Repblica organizou um grupo com o objetivo de elaborar medidas antiterroristas (Cepik, 2004, p. 71). O principal resultado foi a elaborao, pelo Ministrio da Justia, de um anteprojeto de lei acerca da questo, o qual veio a se tornar o Projeto de Lei (PL) no 6.764/2002.39 Este projeto, entretanto, no avanou. Em 2007, o Gabinete de Segurana Institucional (GSI) da Presidncia da Repblica preparou anteprojeto de lei para a tipificao do terrorismo no Cdigo Penal. Contudo, encontrando oposio em segmentos da sociedade civil organizada, do ministro Marco Aurlio de Mello (Supremo Tribunal Federal) e de parlamentares, o anteprojeto no foi aprovado (Britto..., 2007; Dip, 2012).

    Em 2011, introduziu-se novo PL no Senado (PLS no 762) com o mesmo objetivo, o qual se encontra, no momento, em tramitao. Por este projeto, a de-finio de terrorismo seria: Provocar ou infundir terror ou pnico generalizado mediante ofensa integridade fsica ou privao da liberdade de pessoa, por motivo ideolgico, religioso, poltico ou de preconceito racial, tnico, homofbico ou xenfobo (Brasil, 2011a).

    Trata-se de definio mais restrita que a encontrada em documentos oficiais do governo dos Estados Unidos. Segundo a definio utilizada pelo Departamento de Defesa daquele pas, o terrorismo motivado muitas vezes (e no sempre, como se interpreta da leitura do PLS no 762) por crenas polticas, religiosas e ideolgicas, e geralmente (e no sempre) possui objetivos polticos:

    O uso ilegal da violncia ou a ameaa de violncia para incutir medo e coagir governos ou sociedades. O terrorismo frequentemente motivado por convices religiosas, polticas ou por outras crenas ideolgicas, e cometido na busca de objetivos que so, geralmente, polticos (United States, 2010, p. I-1, traduo nossa).

    Ao mencionar o uso ilegal da fora e no especificar a ameaa a civis, esta definio poderia ser utilizada como referncia a um conjunto maior de grupos. Por exemplo, grupos criminosos que buscassem espalhar o medo na populao poderiam ser enquadrados como terroristas, o que no seria possvel pelo menos no automaticamente na definio adotada no projeto de lei em tramitao no Parlamento brasileiro.40

    Em conjunto com o PLS no 762, tramita outro projeto de lei no Senado sobre a mesma matria, o PLS no 707. Por este projeto, a definio de terrorismo seria:

    39. Este pl foi apensado ao pl no 2.462/1991, que versava sobre a definio dos crimes contra o Estado Democrtico de Direito e a Humanidade. 40. outro plS em tramitao o de no 499, de 2013. Em razo de o seu contedo ser bastante semelhante ao do plS no 762, o mesmo no ser analisado de forma individual no presente captulo. Cabe destacar, contudo, uma importante diferena em relao ao plS no 762, qual seja a previso de pena para que os que porventura oferecerem abrigo a indivduos que praticaram ou estejam por praticar atos terroristas.

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    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    Art. 1o Praticar, por motivo poltico, ideolgico, filosfico, religioso, racista ou se-paratista, com o fim de infundir terror, ato de:

    I devastar, saquear, explodir bombas, sequestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou

    II apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou tempora-riamente, de meios de comunicao ao pblico ou de transporte, portos, aeroportos, estaes ferrovirias ou rodovirias, instalaes pblicas ou estabelecimentos desti-nados ao abastecimento de gua, luz, combustveis ou alimentos, ou satisfao de necessidades gerais e impreterveis da populao (Brasil, 2011b).

    Em comparao anterior, esta definio mais abrangente. Enquanto o PLS no 762 classifica como terrorismo apenas os atos contra pessoas, o PLS no 707 inclui tambm danos a bens. Classifica igualmente como terroristas, por meio do inciso II, o apoderamento das chamadas infraestruturas crticas (instalaes de transporte, comunicaes, fornecimento de gua, fornecimento de energia eltrica e finanas), mesmo que no ocorresse nenhum dano contra sua integridade.

    Existem ainda alguns esforos destinados elaborao de um novo Cdigo Penal, em substituio ao atual, de 1940. Em agosto de 2011, uma comisso de ju-ristas, criada a pedido do senador Pedro Taques (PDT-MT), entregou anteprojeto de lei em que alguns artigos abordam a tipificao do terrorismo. A definio proposta no Art. 239 foi a de que praticar terrorismo causar terror na populao, ao se:

    1) forar autoridades (...) ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei no exige ou deixar de fazer o que a lei no probe (Brasil, 2012d);

    2) buscar obter recursos para a manuteno de organizaes polticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitu-cional e o Estado Democrtico (op. cit.); ou

    3) ter como motivao preconceito de raa, cor, etnia, religio, naciona-lidade, sexo, identidade ou orientao sexual, ou por razes polticas, ideolgicas, filosficas ou religiosas (op. cit.).41

    No debate no Brasil acerca do tema, h temor com relao possvel crimi-nalizao dos movimentos sociais e sua tipificao como grupos terroristas. Este temor pode ser observado em declaraes de oposio a projetos de lei promovidos por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (Britto..., 2007; Dip, 2012).

    41. So mencionados, em cinco pargrafos do art. 239, os mtodos que poderiam ser utilizados para tanto: 1o Sequestrar ou manter em crcere privado; 2o usar ou ameaar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases txicos, venenos, contedos biolgicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruio em massa; 3o Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem pblico ou privado; 4o Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informtica e bancos de dados; ou 5o Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaa ou violncia a pessoas, do controle [...] de meios de comunicao ou de transporte, de portos, aeroportos, estaes ferrovirias ou rodovirias, hospitais, casas de sade, escolas, estdios esportivos, instalaes pblicas ou locais onde funcionem servios pblicos essenciais, instalaes de gerao ou transmisso de energia e instalaes militares (Brasil, 2012d).

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    A Relevncia do Terrorismo na Poltica Internacional Contempornea e suas Implicaes para o Brasil

    Tambm est presente no prprio anteprojeto de lei elaborado pela comisso de juristas supracitada, por meio da ressalva presente no 7o do Art. 239: No constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propsitos sociais ou reivindicatrios, desde que os objetivos e meios sejam compatveis e adequados sua finalidade (Brasil, 2012d).

    O cuidado no uso do termo deve ser permanente. A criminalizao de movi-mentos sociais por meio da tipificao do terrorismo seria, de fato, um retrocesso. Contudo, o terrorismo um fenmeno real; o uso poltico do termo no implica que este seja uma mera construo lingustica.

    5.3 Coordenao interinstitucional no combate ao terrorismo

    Ademais da ausncia de tipificao penal, outro problema reside no fato de no haver no Brasil uma instituio responsvel por articular aes antiterroristas. Existem atividades e estruturas institucionais em vrios rgos de Estado, mas sem esforos conjuntos. Este problema decorre, em parte, da prpria ausncia de tipificao.

    A ABIN possui, em sua estrutura, o Departamento de Contraterrorismo, desempenhando aes de preveno (Buzanelli, 2007, p. 5), monitoramento do terrorismo internacional e avaliao de seus possveis impactos para o pas (Paniago et al., 2007, p. 18). A Polcia Federal (PF) possui a Diviso Antiterrorismo (Danter), responsvel por prevenir e investigar possveis aes do gnero no pas. A PF dispe, ainda, do Comando de Operaes Tticas (COT), acionvel nos casos de eventos terroristas.

    O Exrcito Brasileiro, ademais de suas atividades de inteligncia, possui em sua estrutura a Brigada de Operaes Especiais (Goinia-GO), rapidamente mobilizvel em casos de incidentes terroristas. No mbito da brigada, o 1o Batalho de Defesa Qumica, Biolgica e Nuclear poderia responder, especificamente, aos eventos nos quais se utilizassem estes tipos de armamentos. Algumas polcias estaduais possuem unidades/subunidades de operaes especiais treinadas para realizar operaes contraterroristas. Outras instituies policiais/militares tambm atuam em prol da preveno do terrorismo ou teriam papel relevante no caso de eventos terroristas, entre as quais: Marinha do Brasil; Fora Area Brasileira; Polcia Rodoviria Federal; Fora Nacional de Segurana; e Corpos de Bombeiros. Algumas entidades de carter no policial/militar possuem, tambm, papel essencial na preveno e resposta no caso de eventos terroristas, como a Receita Federal, a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) e a Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), na qual existe um laboratrio de biossegurana de nvel 4.

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    Do 11 de Setembro de 2001 Guerra ao Terror: reflexes sobre o terrorismo no sculo XXI

    No entanto, h uma aparente incapacidade institucional para a coordenao das aes de preveno e de resposta a possveis ataques. Tal lacuna fragiliza o tra-tamento da ameaa terrorista, principalmente em funo das vrias frentes pelas quais ela deve ser enfrentada.

    Em termos de preveno, episdios ocorridos em outros pases demonstram a importncia de uma base legal e institucional adequada, como se observou no processo que levou ao ataque com gs sarin no metr de Tquio, em 1995. Por limitaes de carter jurdico e pela fraqueza do aparato de inteligncia do pas, o grupo Aum Shinrikyo foi capaz de preparar o ataque sem levantar suspeitas (Jones e Libicki, 2008, p. 49). Quanto s condies para se responder a eventuais ataques, qual seria a reao do governo brasileiro caso, como exemplo, um indivduo ou grupo, em uma ao bioterrorista, dispersasse por aerossol alguns quilos de um agente patognico, como o antraz? Caso esta disperso ocorresse, formar-se-ia uma nuvem cuja contaminao com doses fatais chegaria a mais de 60 km na direo do vento (Danzig, 2003, p. 6). Quais as instituies de governo federais, estaduais e municipais a serem mobilizadas em um evento desta natureza? Qual seria o papel de cada uma delas? Quem coordenaria as aes? E quais os meios jurdicos e fsicos que a autoridade responsvel por tal coordenao teria sua disposio?

    A criao da Secretaria Extraordinria de Segurana para os Grandes Even-tos (Sesge), subordinada ao Ministrio da Justia, um laboratrio fundamental para se testar as vrias possibilidades de atuao conjunta. No entanto, embora inclua medidas de preveno e resposta ao terrorismo, seu objetivo restrito garantia da segurana nestes eventos. Pensar em uma estrutura institucional per-manente (ademais das extraordinrias) essencial p