cidades medias ipea

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1. Introdução Estudos e reportagens têm freqüentemente divulgado a melhor qua- lidadedevida desfrutada pelo s morado res daschamadascidadesmédias. O morador dos grandes centros urbanos, principalmente nos países sub- desenvolvidos, quan do “ca ptu rad o” por ess a inf ormação , pod e encant ar- se com alg uns dos atribut os di vu lgados dessas ci dades, tais como: meno - resíndicesdecriminalidade;reduzidotempodespendidoparaseiraotra- bal ho; menores níveisde polu ição atmosférica; alu gué is ger almente mais acessíveis; e maior e mais próxima oferta de áreas verdes. Sob o ângulo de gr ande parte da po pu la ção inte ri or an a, ru ra l ou semi- rural, 1 as cidades médias podem ser valorizadas pela oferta de emprego, ou mesmo de subemprego, pela existência de infra-estrutura básica, pe- las oportunidades de acesso à informação, pelos melhores recursos edu- cacionais. Enfim, pela existência de bens e serviços essenciais à ascensão material e intelectual de seus moradores. Seg ui ndo essalin ha es pec ulativa, as cidades médias, sob os dois pon - tos de vista — no imaginário dos moradores metropolitanos e interiora- nos —, se ri am aq ue las ne m tão pe quenas, a po nt o de li mi ta r as po ssibili- dades de crescimento econômico e intelectual de seus habitantes, e nem tãograndes,apontodeonerar—eatépôremrisco—avidadamaioriade seus moradores. Os centro urbanos, nesse exemplo, seriam classificados como médios à medida que atendessem às expectativas dos moradores 1     C     I     D     A     D     E     S     M       É     D     I     A     S     B     R     A     S     I     L     E     I     R     A     S * Professor de Geografia no Programa de Pós-Graduação em Tratamento da Informação Espacial da PUC de Minas Gerais. 1 O ter mo semi-r ura l ref ere-seaosmorado resde peq uenos municípios cuj as eco nomiasestej am ba- sicamente centralizadas no setor primário. Evolução e perspectivas do papel das cidades médias no planejamento urbano e regional Oswaldo Amorim Filho Rodrigo Valente Serra CAPÍTULO 1 *

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Artigo do IPEA sobre cidades médias.

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  • 1. Introduo

    Estudos e reportagens tm freqentemente divulgado a melhor qua-lidade de vida desfrutada pelos moradores das chamadas cidades mdias.O morador dos grandes centros urbanos, principalmente nos pases sub-desenvolvidos, quando capturado por essa informao, pode encantar-se com alguns dos atributos divulgados dessas cidades, tais como: meno-res ndices de criminalidade; reduzido tempo despendido para se ir ao tra-balho; menores nveis de poluio atmosfrica; aluguis geralmente maisacessveis; e maior e mais prxima oferta de reas verdes.

    Sob o ngulo de grande parte da populao interiorana, rural ou semi-rural,1 as cidades mdias podem ser valorizadas pela oferta de emprego,ou mesmo de subemprego, pela existncia de infra-estrutura bsica, pe-las oportunidades de acesso informao, pelos melhores recursos edu-cacionais. Enfim, pela existncia de bens e servios essenciais ascensomaterial e intelectual de seus moradores.

    Seguindo essa linha especulativa, as cidades mdias, sob os dois pon-tos de vista no imaginrio dos moradores metropolitanos e interiora-nos , seriam aquelas nem to pequenas, a ponto de limitar as possibili-dades de crescimento econmico e intelectual de seus habitantes, e nemto grandes, a ponto de onerar e at pr em risco a vida da maioria deseus moradores. Os centro urbanos, nesse exemplo, seriam classificadoscomo mdios medida que atendessem s expectativas dos moradores

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    * Professor de Geografia no Programa de Ps-Graduao em Tratamento da Informao Espacialda PUC de Minas Gerais.

    1 O termo semi-rural refere-se aos moradores de pequenos municpios cujas economias estejam ba-sicamente centralizadas no setor primrio.

    Evoluo e perspectivasdo papel das cidades

    mdias no planejamentourbano e regional

    Oswaldo Amorim FilhoRodrigo Valente Serra

    CAPTULO 1

    *

  • metropolitanos ou interioranos, que so, como sabemos, em parte, subje-tivas.

    O que se pretende ressaltar com essas consideraes que no existeuma idia consensual do que seriam as cidades mdias. Essa inexistnciade consenso tambm ocorre no meio tcnico-cientfico, onde, literalmen-te, no h uma definio cristalizada de cidade mdia, uma classificaoque pudesse ser utilizada indistintamente pelos socilogos, economistas,arquitetos, gegrafos, demgrafos, embora dentro de cada especialidadeseja possvel encontrar algum acordo sobre a matria.

    Diferentemente do fenmeno metropolitano, cujas especificidadesbem demarcadas ensejaram a prpria institucionalizao desses territriosem muitos pases, as definies de cidades mdias sujeitam-se muitomais aos objetivos de seus pesquisadores ou dos promotores de polticaspblicas. A um socilogo, ou psiclogo, por exemplo, interessado naatitude/comportamento urbano, a classificao das cidades em tama-nhos ter certamente fundamentos bem distintos daqueles utilizados porum demgrafo, interessado, por hiptese, nas alteraes do crescimentovegetativo das cidades.

    As experincias dos muitos pases que desenvolveram polticas dedescentralizao territorial possibilitaram a acumulao de importanteconjunto de informaes tericas sobre esse nvel hierrquico das cida-des. Apesar disso, os estudiosos desse problema tm-se recusado a for-mular definies absolutas para as cidades mdias. No dizer de Monod(1974) parece vo estabelecer uma definio cientfica e, entretanto, anoo de cidade mdia possui um contedo bem real.

    Para Lajugie (1974) o mximo que se pode tentar determinar umafaixa no interior da qual se situa um certo nmero de cidades que podempretender a qualidade de cidades mdias(...). Seria melhor dizer que elasso cidades de porte mdio, mas no necessariamente cidades mdias nosentido funcional do termo.

    Como se pode observar, o critrio demogrfico (embora cmodo eno-negligencivel) capaz apenas de identificar o grupo ou a faixa quepode conter as cidades mdias. Outros critrios deveriam ser tambm le-vados em considerao na definio dessas cidades. Seja como for, nopode ser desprezado o fato de que alguns aspectos, como tamanho demo-grfico, relaes externas, estrutura interna e problemas sociais das cida-des mdias, podem variar bastante de pas para pas e de regio para regio,

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  • sendo, naturalmente, funo do nvel de desenvolvimento alcanado, daposio e das condies geogrficas e do estgio de processo de formaohistrico-social de cada um desses pases ou de cada uma dessas regies.

    Embora seja possvel em cada perodo histrico e no interior de de-terminada disciplina encontrar certo consenso quanto aos atributos2

    que devem qualificar as cidades mdias, essa definio sempre coloca de-licados problemas, sobretudo quando se trata de cidades classificadas nolimiar, ou faixa de interseo, das mdias com as pequenas cidades, deum lado, e com as grandes, de outro.

    Em funo de tudo isso, e tendo em vista sua simplicidade e comodi-dade, o critrio de classificao baseado no tamanho demogrfico temsido o mais utilizado para identificar as cidades mdias, pelo menos comoprimeira aproximao. Tal critrio toma a populao urbana como proxydo tamanho do mercado local, assim como um indicador para o nvel deinfra-estrutura existente e grau de concentrao das atividades. Desseponto de vista, embora no haja um acordo absoluto quanto aos limiaresdemogrficos mximo e mnimo que podem conter o conjunto das cida-des mdias, h, em cada perodo histrico, coincidentes patamares demo-grficos definidores desse conjunto de cidades nas mais variadas regiesdo mundo. Na dcada de 70, quando o problema da desconcentrao es-pacial das atividades econmicas ocupava posio central nas agendas depolticas urbanas de diversos pases, era possvel identificar como limitedemogrfico inferior das cidades mdias populaes entre 20 mil e 50 milhabitantes; j o limiar demogrfico superior encontrava-se, em quase to-dos os pases, entre 100 mil e 250 mil habitantes.3

    No Brasil, um dos estudos pioneiros sobre o tema [Andrade e Lodder(1979)] definia os centros urbanos de porte mdio como possuindo popu-lao entre 50 mil e 250 mil habitantes. Santos (1994), por sua vez, defi-niu o limite inferior para as cidades mdias em 100 mil habitantes, justifi-cando-o em termos do nvel de complexidade da diviso do trabalho, ou,em outros termos, pela diversificao de bens e servios ofertados local-mente. Segundo o autor, sem precisar recorrer a outras tantas propostasde limites populacionais para definio de cidades mdias, a tendncia deelevao desses limites deixa claro o dinamismo implcito a esse conceito:

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    2 Os referidos atributos (ou a expectativa dos pesquisadores e promotores de polticas pblicasquanto a esses atributos) sero objeto de anlise das prximas sees.3 Para uma sistematizao dos limites demogrficos definidores de uma cidade mdia utilizadospor diferentes pases na dcada de 70, ver Amorim Filho (1984).

  • o que definia cidade mdia h dcadas no satisfaz mais atual estruturasocioeconmica, em que uma cidade mdia deve dar suporte a uma quan-tidade importante de atividades e servios que exigem para existir umapopulao no inferior a 100 mil habitantes.

    Contudo, deve-se ressaltar que o interesse primordial deste estudo antes de procurar justificar os parmetros demogrficos definidores dogrupo de cidades que ser objeto de anlise dos captulos precedentes4 mostrar que existem alguns atributos, difundidos pela literatura de eco-nomia regional e geografia econmica, que definem funes especficaspara os centros de porte mdio no interior do sistema urbano. Certamenteque essas requeridas funes tpicas das cidades mdias transformaram-se com a evoluo do prprio sistema urbano, que, em ltima anlise, es-pelha os diferentes modos de produo em suas diferentes etapas.

    Este trabalho est dividido em quatro sees, incluindo esta introdu-o. A Seo 2 busca recuperar as origens do interesse de pesquisadores epromotores de polticas pblicas pelas cidades de porte mdio, reservan-do especial ateno experincia francesa do amnagement du territoire. ASeo 3 dedica-se a recuperar a necessidade de se intervir nas cidades m-dias brasileiras na dcada de 70. A Seo 4, finalmente, especula sobre umpossvel novo papel reservado s cidades mdias na atual ordem econ-mica mundial.

    2. O surgimento das cidades mdias como instrumento deinterveno das polticas de planejamento urbano eregional: a experincia francesa

    A acelerao do fenmeno da urbanizao mundial foi um dos fatoresque contriburam para aumentar a importncia da planificao urbano-regional no perodo que se seguia Segunda Grande Guerra, sobretudo apartir dos anos 50, com as grandes aglomeraes urbanas sendo o objetopreferido dos estudos e polticas de planejamento.

    Na dcada de 60, com a ampliao do domnio do planejamento urbano-regional, as metrpoles regionais passam a ser um dos temas privilegia-dos em muitas partes do mundo.

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    4 Para a grande maioria dos captulos constitutivos desta obra, o conjunto atual de cidades mdiascorresponder, arbitrariamente, ao conjunto de municpios cuja populao urbana, segundo o censodemogrfico de 1991, situava-se entre 100 mil e 500 mil habitantes, incluindo os moradores de ncleosurbanos isolados.

  • Pode-se afirmar agora que, sem abandonar as linhas de trabalho jiniciadas anteriormente, os temas ligados s cidades mdias constituem agrande contribuio da dcada de 70 em termos de planejamento urbano-regional.

    Na realidade, na dcada de 70 os temas das mdias e pequenas cida-des, bem como os dos espaos reurbanizados e rurais propriamente di-tos, inserem-se na tendncia (e na necessidade) maior de se promoveremuma descentralizao e uma desconcentrao das grandes massas huma-nas, de suas atividades e, evidentemente, uma diminuio de seus pro-blemas.

    Assim que, a nosso ver, trs grandes problemas geogrficos e socioe-conmicos, entre outros, estiveram na raiz da preocupao com o temadas mdias e pequenas cidades:

    a exacerbao de problemas de desequilbrios urbano-regionais, cujotipo clssico foi amplamente descrito na obra de Gravier (1958) sobreParis e o deserto francs;

    o agravamento da qualidade de vida nas grandes aglomeraes urba-nas, bem como um aumento acelerado dos problemas sociais a verifi-cados;

    a frgil organizao hierrquica das cidades5 e, obviamente, o fluxoinsuficiente das informaes e das relaes socioeconmicas nas re-des urbanas da maior parte dos pases do mundo, com reflexos nega-tivos sobre o funcionamento dos sistemas poltico-econmicos (fos-sem eles de orientao capitalista ou socialista).

    A causa remota da preocupao com as cidades mdias, na dcada de70, encontra-se na Europa do ps-guerra, quando se manifesta a necessi-dade de uma nova forma de planificao: o amnagement du territoire.

    Embora o planejamento urbano-regional j existisse na Inglaterradesde o comeo do sculo XX, essa forma de interveno do homem sobreo territrio e a sociedade em que vive assume propores novas na Euro-pa, no perodo de reconstruo, sobretudo na Frana.

    Sistematizado desde 1952 [ver Glottmann (1952)], o amnagement duterritoire resulta de uma reflexo sobre a procura de uma distribuio mais

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    5 A fragilidade da hierarquia urbana pode ser descrita pelo formato primaz do sistema urbano, mar-cado pela insuficincia de centros intermedirios dinmicos que pudessem contribuir para a interio-rizao do desenvolvimento.

  • equilibrada das atividades, das riquezas e dos homens sobre o espao na-cional e regional.

    Premida pelos inumerveis problemas gerados pelo desequilbrio en-tre o gigantismo de Paris e a fragilidade urbano-econmica do restante deseu espao nacional, a Frana desenvolve, a partir de 1954, um grande es-foro de aplicao dos princpios do amnagement du territoire: descentrali-zao e desconcentrao espacial da populao e das atividades econmicas.

    Numa primeira etapa (1954/62), a ao empreendida no marco dessapoltica se limita s intervenes de tipo setorial, isto , fomento inds-tria, produo energtica, reconverso econmica regional etc., oupontual: localizao de certas atividades nesta ou naquela cidade. Mas, jnessa poca, o alvo procurado a descentralizao e a desconcentraoespaciais.

    A necessidade de uma coordenao mais eficaz dessa poltica conduz criao da Dlgation lAmnagement du Territoire et lAction Rgionale(Datar). A partir da, as cidades passam a receber tratamento privilegia-do, tendo em vista a conscincia que se adquire de sua importncia na arti-culao de todo o sistema territorial e, conseqentemente, em qualquerao de cunho descentralizador.

    Em 1963, a idia da poltica das metrpoles de equilbrio comea atomar corpo, procurando-se, por meio dela, uma harmonia maior entre asdiversas regies que formam o espao francs, at ento excessivamentecentralizado por Paris. A classificao hierrquica das cidades francesas,elaborada por Hautreux e Rochefort (1964), mostra a importncia dasmetrpoles regionais, isto , aglomeraes metropolitanas com popula-es variando de 100 mil at mais de 1 milho de habitantes, e a necessi-dade de seu fortalecimento voluntrio como metrpole de equilbriopara Paris. Essa poltica consagrada no Quinto Plano de Desenvolvi-mento Econmico e Social (1966).

    Uma srie de medidas prticas foi tomada em favor das oito metrpo-les de equilbrio selecionadas, a partir de 1966: canalizao de investi-mentos industriais, instalao de numerosos equipamentos tercirios(em certos casos, transferidos de Paris), desenvolvimento das redes decomunicao e transporte etc.

    Mas, alguns sinais confirmaram os temores de que as metrpoles deequilbrio drenariam os capitais e os recursos humanos de suas respecti-vas regies, como vinha sendo feito por Paris em nvel nacional.

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  • Alm disso, para uma integrao mais adequada entre as metrpolesde equilbrio e o espao regional a ela ligado, um certo nmero de cidadesa localizadas deveria exercer a funo de relais entre as metrpoles deequilbrio, as pequenas cidades e o mundo rural. Desse modo, uma polti-ca para as cidades mdias (que poderiam cumprir essa funo de relais)era uma conseqncia lgica do aprofundamento da orientao de des-centralizao e de procura de maior equilbrio.

    O Sexto Plano de Desenvolvimento Econmico e Social (1971/75) pri-vilegia, ento, a promoo das cidades mdias, sem abandonar a polticadas metrpoles de equilbrio que, assim, muda de natureza.

    A poltica das cidades mdias, na Frana, no soluo para todos osproblemas espaciais, mas representa uma etapa importante no processode amnagement du territoire. A experincia francesa mostrou uma alterna-tiva para aqueles pases e regies nos quais os problemas de desequilbriourbano-regional e interurbano se apresentam mais agudos.

    Mas a importncia das cidades mdias na dcada de 70 tambm foi,em parte, alimentada pela tese da reverso da polarizao, difundida nadcada de 70 por Richardson,6 e consubstanciada pelas evidncias emp-ricas do processo de desconcentrao observadas nos pases desenvolvidos.

    De acordo com a tese da reverso da polarizao, a metropolizao se-ria um fenmeno comum ao estgio de consolidao da estrutura produ-tiva dos pases em desenvolvimento. Contudo, o prprio desenvolvimen-to econmico desses pases daria incio a um mecanismo automtico dedesconcentrao das atividades econmicas em direo s cidades de por-te mdio. Esse processo automtico teria como fundamento os custos, so-ciais e privados, proibitivos para o desenvolvimento de certas atividadeseconmicas nas saturadas metrpoles. Tais custos, identificados pela lite-ratura econmica como deseconomias de aglomerao, traduzem osefeitos negativos atrelados elevada concentrao de atividades nas me-trpoles, entre os quais podem ser lembrados: a poluio atmosfrica, otempo desperdiado nos congestionamentos, a elevao dos aluguis e asaturao da infra-estrutura produtiva e dos servios ligados mais direta-mente sade dos moradores metropolitanos. Ainda segundo a referidatese, a desconcentrao se manifestaria mais intensamente no cresci-mento das cidades mdias localizadas mais prximas dos centros nacional

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    6 Para uma sntese da tese da reverso do processo de polarizao de Richardson, ver Rizzieri(1982).

  • ou regionalmente dinmicos.7 Assim, as cidades mdias situadas no en-torno imediato s metrpoles tenderiam a experimentar uma dinmicade crescimento superior quelas verificadas nas cidades mais distantesdo ncleo metropolitano.

    Adicionalmente, e nos moldes da microeconomia marginalista, a pro-cura de um tamanho urbano timo capaz de garantir o mximo nvelde produtividade segundo os n setores produtivos tambm ensejou ointeresse pelas cidades mdias. O tamanho timo de uma cidade, sob oponto de vista da firma, seria dado pela interseo entre a curva de ofertae demanda de infra-estrutura urbana. Quer dizer, o equilbrio entre o cus-to da infra-estrutura que varia com o tamanho da cidade oferecidanas cidades e a disposio dos empresrios de pagar que tambm variacom a escala da cidade por essa infra-estrutura [ver Tolosa (1974)].

    Tais contribuies amnagement du territoire, reverso da polariza-o, tamanho urbano timo acabaram, assim, por repercutir no do-mnio supranacional. Em conseqncia, na Confederao Mundial sobrea Populao, promovida pela ONU, em Bucareste (agosto de 1974), umadas recomendaes finais apresentadas era a necessidade de se criar oude se reforar a rede mundial de mdias e pequenas cidades, para se ate-nuar o crescimento exagerado das grandes aglomeraes.

    3. O papel estratgico das cidades mdias na dcada de 70no Brasil8

    Esta seo, que complementa a anterior, procura especificar o cresci-mento das cidades mdias como estratgico para as polticas urbanas e asde desenvolvimento regional. Nesse sentido, busca interpretar, na visode especialistas e planejadores pblicos da dcada de 70, o papel reserva-do s cidades mdias em algumas das vertentes do planejamento urbanoe regional no Brasil.

    Com base na experincia que se acumulou at a dcada de 70 sobre ascidades mdias, sobretudo as francesas, parece ser possvel eleger alguns

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    7 A dinmica de crescimento mais intensa nos centros mdios perifricos s metrpoles deve-se aofato de esses centros geralmente apresentarem maior facilidade de troca com as metrpoles, em fun-o de sua integrao s principais vias de transporte.8 O quadro, ao final da Subseo 3.4, sistematiza algumas importantes interpretaes do sistemaurbano e proposies de polticas pblicas.

  • atributos, poca, necessrios para um centro aspirar qualificao de ci-dade mdia:9

    interaes constantes e duradouras tanto com seu espao regional su-bordinado quanto com aglomeraes urbanas de hierarquia superior;

    tamanho demogrfico e funcional suficiente para que possam ofere-cer um leque bastante largo de bens e servios ao espao microrregio-nal a elas ligado; suficientes, sob outro ponto, para desempenharem opapel de centros de crescimento econmico regional e engendraremeconomias urbanas necessrias ao desempenho eficiente de ativida-des produtivas;

    capacidade de receber e fixar os migrantes de cidades menores ou dazona rural, por meio do oferecimento de oportunidades de trabalho,funcionando, assim, como pontos de interrupo do movimento mi-gratrio na direo das grandes cidades, j saturadas;

    condies necessrias ao estabelecimento de relaes de dinamizaocom o espao rural microrregional que o envolve; e

    diferenciao do espao intra-urbano, com um centro funcional jbem individualizado e uma periferia dinmica, evoluindo segundoum modelo bem parecido com o das grandes cidades, isto , por inter-mdio da multiplicao de novos ncleos habitacionais perifricos.

    Tais atributos refletem em grande parte as razes para que a preocu-pao com as cidades mdias tenha adquirido amplitude na dcada de 70.A procura de maior equilbrio interurbano e urbano-regional, a necessi-dade de se interromper o fluxo migratrio na direo das grandes cidadese metrpoles, a busca de maior eficincia para alguns ramos produtivos ea necessidade de multiplicao de postos avanados de expanso do siste-ma socioeconmico nacional so, a nosso ver, os principais objetivos explicitados ou no das polticas urbanas que centralizavam esforosno apoio ao desenvolvimento das cidades mdias brasileiras.10

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    9 Tais atributos foram sistematizados originalmente por Amorim Filho (1984).

    10 A anlise especfica do Programa para as Cidades de Porte Mdio, resultante da iniciativa da Co-misso Nacional de Poltica Urbana (CNPU), objeto de estudo do Captulo 2.

  • 3.1. Cidades mdias e reduo das disparidades regionais

    No incio dos anos 70, o sistema urbano nacional era marcado pela insu-ficincia de centros urbanos intermedirios11 dinmicos, o que dificultavauma efetiva interiorizao do desenvolvimento. Os centros menores esses sim numerosos e menos concentrados territorialmente provavel-mente no possuam as economias de aglomerao12 que permitissemmudanas na distribuio espacial do desenvolvimento nacional.

    A estrutura urbana nacional na dcada de 70 era formada por algunscentros primazes, representados por duas metrpoles de alcance nacional(So Paulo e Rio de Janeiro), poucas metrpoles de alcance regional, umlimitado nmero de centros intermedirios e uma vasta rede de pequenascidades, que, em vez de assumirem funes complementares aos demaiscentros, serviam unicamente como elo entre o meio rural e o urbano[Andrade e Lodder (1979)]. De acordo com essa descrio, seria possvelidentificar o sistema urbano nacional como tendo um formato primaz,o qual, como a prpria denominao deixa transparecer, tem como carac-terstica marcante a hegemonia de poucos centros de alcance nacionalcomplementado por uma vasta rede de pequenas cidades.

    O sistema de cidades nacional, no incio da dcada de 70, alm decaracterizar-se por sua forma primaz, possua uma distribuio regio-nal dos centros urbanos de maior porte bastante desigual. A partir da dis-tribuio espacial dos 50 maiores municpios brasileiros em 1970, Andradee Lodder (1979) observaram a grande concentrao desses (62%) no lito-ral. Tal concentrao refletia ao mesmo tempo a herana de uma econo-mia agroexportadora, estritamente voltada para fora, e a incapacidadedo processo de substituio de importaes de promover uma efetiva dis-tribuio regional dos investimentos produtivos.

    No difcil perceber o quanto estavam associadas a forma primaz dehierarquizao das cidades e a distribuio espacial desigual dos centrosurbanos (segundo o porte populacional). O relativamente pequeno nme-ro de metrpoles, por concentrarem atividades regional e nacionalmentedinmicas, detinha a hegemonia como opo locacional para atividades

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    11 Em 1970, comumente classificavam-se as cidades mdias, ou intermedirias, como aquelas compopulao entre 50 mil e 250 mil habitantes [ver Andrade e Lodder (1979)].12 As economias de aglomerao constituem uma noo mais ampla do que aquela derivada das eco-nomias de urbanizao. As economias de aglomerao compreendem as economias de escala, de lo-calizao e de urbanizao.

  • inovadoras. O acmulo de funes econmicas reservadas s metrpolesassociado centralizao das funes polticas estaduais e nacionais nessesmesmos centros funcionavam como mecanismos endgenos de ampliaodas desigualdades econmicas e sociais entre as pequenas cidades e oscentros primazes.

    Ainda para os anos 70, no concernente presena dos centros inter-medirios, poderia ser argumentado que esses eram poucos e que se en-contravam mal distribudos espacialmente. Nesse aspecto, Andrade eLodder (1979) observaram ainda que nas regies mais desenvolvidas dopas havia maior participao dos centros intermedirios, configurandouma distribuio mais homognea da rede de cidades, segundo seu ta-manho.

    Graas evoluo da rede de cidades das regies Sudeste e Sul, embo-ra ainda possuindo em 1970 uma configurao primaz, a distribuio dascidades (em tamanhos) durante o perodo 1950/70 estaria avanandopara uma forma hierarquicamente mais equilibrada, isto , com menorpolarizao entre metrpoles e pequenas cidades, e maior presena decentros intermedirios. Essa forma mais equilibrada da rede de cidades denominada, pela literatura especializada, como do tipo log-normal ourank-size. Ainda segundo Andrade e Lodder (1979), as mudanas no for-mato do sistema urbano nacional de primaz para rank-size eram in-terpretadas por alguns especialistas como indicativas do desenvolvimen-to econmico nacional, uma vez que nos pases desenvolvidos a hierar-quia das cidades tinha a forma rank-size. Esses mesmos autores, no entan-to, refutam essa associao imediata, argumentando que no h correla-o comprovada entre o desenvolvimento econmico e o formato da redede cidades nacionais.

    Tambm para Tolosa (1972) havia evidncias de que o sistema urba-no no lograra alcanar a forma rank-size, embora reconhea que avana-va nesta direo, contando fundamentalmente com o desenvolvimentodos centros intermedirios para este processo de transformao. O mes-mo autor, em outro trabalho [Tolosa (1973)], afirmava que no haviacomo saber se este direcionamento para um sistema urbano mais equi-librado foi resultado de polticas governamentais especficas. De qual-quer forma, essas modificaes atendiam aos objetivos governamentais,seja de reduo das disparidades regionais, ou de ocupao do territrionacional. Se, dada a carncia de informaes, no havia como definir o

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  • papel das polticas governamentais para a melhor hierarquizao das ci-dades, cabia ao governo, no entanto, dinamizar este processo de descon-centrao urbana. Neste intuito, torna-se essencial concentrar investi-mentos nos centros intermedirios e grandes,13 pois estes permitem man-ter o ritmo acelerado de crescimento da economia nacional [Tolosa(1973)].

    Em termos de orientao poltica das aes de desenvolvimento urba-no nacional, a valorizao da dinamizao econmica das cidades mdias,como mecanismo de ajuste do sistema urbano, opunha-se s polticas intra-urbanas desenvolvidas poca. Segundo Tolosa (1972), a estratgia deequilibrar o sistema urbano nacional em que o desenvolvimento das ci-dades mdias teria especial importncia deve preceder as aes de n-vel local.

    A poltica urbana no poderia ser resultado de aes locais desconec-tadas. Embora considerada importante, a regulamentao do uso da terrapromovida pelos planos diretores orientados pela Serfhau no poderia, naviso de Tolosa (1972), consumir recursos governamentais que deveriamdestinar-se poltica de distribuio espacial das cidades para formaode um sistema urbano nacional mais equilibrado.14

    A conseqncia prtica dessa proposta de valorizao da poltica dedesenvolvimento do sistema urbano, em detrimento da poltica intra-urbana, seria a priorizao de programas governamentais de dotao deinfra-estrutura nas cidades mdias nacionais.15 Essa questo parece serbastante atual, uma vez que se percebe uma multiplicao das chamadasagncias de desenvolvimento municipais, como resposta incapacidadee ao desinteresse dos governos federal e estaduais em propor aes coor-denadas de desenvolvimento urbano.

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    13 Em Tolosa (1973) os centros urbanos intermedirios e os grandes centros so definidos, respecti-vamente, como as sedes municipais que possuam entre 100 mil e 250 mil habitantes e entre 250 mil e500 mil habitantes.

    14 Como exemplo de sua poca, Tolosa (1972) faz referncia ineficcia dos programas de erradica-o de favelas nas metrpoles nacionais, quando dada menor importncia implementao de umapoltica capaz de atacar as origens da migrao para os grandes centros.15 O Projeto Especial Cidades de Porte Mdio, desenvolvido a partir de 1977 pelo Ministrio do Inte-rior, com recursos do Bird (Contrato de Emprstimo 1720-BR), tinha como princpio o fortalecimen-to da infra-estrutura de cidades e aglomerados urbanos com potencialidades para contribuir com odesenvolvimento nacional. Entre as principais crticas tecidas execuo deste projeto destaca-seaquela que atenta para a subestimao da dotao de infra-estrutura produtiva nessas cidades, o queno permitiria torn-las efetivamente mais atraentes para o setor industrial [ver Captulo 2 destaobra e Brasil, Ministrio do Interior/Ibam (1983)].

  • 3.2. Cidades mdias e orientao dos fluxos migratrios16

    A intensidade do crescimento demogrfico das metrpoles nacionais,absorvendo principalmente a partir da dcada de 50 grande parte docontingente populacional que emigrava da zona rural das diversas re-gies do pas, imps outra funo imaginada para as cidades mdias: a deabsorver parte dos fluxos migratrios com destino s metrpoles, evitando-se uma ampliao dos graves problemas sociais existentes nesses grandescentros urbanos nacionais.

    Tambm em documentos oficiais encontravam-se evidncias de quehavia expectativas em relao ao papel de dique dos fluxos migrat-rios com destino s metrpoles a ser cumprido pelo conjunto de cida-des mdias. Sem explicitar uma preocupao especfica com o desenvol-vimento das cidades mdias, o texto oficial do I Plano Nacional de Desen-volvimento (I PND) [Brasil (1971)] prope uma poltica de elevao daprodutividade da agricultura do Nordeste como fundamental para con-teno dos fluxos migratrios. J na apresentao oficial do II PND ex-plicitada a poltica de apoio aos centros mdios das reas economicamen-te defasadas como necessrios conteno dos fluxos migratrios em di-reo ao Sudeste.

    Castro (1975), por exemplo, ao propor um conjunto de diretrizes parauma poltica nacional de migraes, ressalta o carter estratgico do de-senvolvimento das cidades mdias, na medida em que tal ao ampliariaas alternativas de fixao dos migrantes rurais. Entretanto, o mesmo au-tor reconhece a existncia de incompatibilidades entre as polticas decrescimento acelerado e as polticas de orientao de fluxos migratrios.Na raiz dessas incompatibilidades estaria a opo pela tecnologia utiliza-da: a valorizao das cidades mdias como opo para os fluxos migrat-rios requereria a utilizao de tecnologias intensivas em mo-de-obracuja qualificao deveria ser compatvel com o perfil dos imigrantes.

    3.3. Cidades mdias e diferenciais de produtividade industrial

    A diminuio nos desnveis regionais de produtividade do setor in-dustrial nunca foi propriamente um objetivo da poltica de desenvolvi-mento urbano e regional. Na verdade, antes de se preocupar com isso, ointeresse dos experts da dcada de 70 parecia ser o de compatibilizar as

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    16 Para uma anlise mais aprofundada da magnitude e da qualidade dos fluxos migratrios que sedestinaram s cidades mdias, ver Captulos 3 e 4.

  • polticas de desenvolvimento regional com a necessidade de manutenode uma elevada taxa de crescimento para a economia nacional.

    De certa forma, havia um reconhecimento generalizado de que a opopelo crescimento econmico acelerado impediria uma poltica efetiva-mente redistributiva do ponto de vista regional. A noo de que haviauma incompatibilidade entre polticas de desenvolvimento regional eaquelas de manuteno do ritmo acelerado de crescimento econmicopode ser evidenciada pela idia da desconcentrao concentrada largamenteutilizada nessa dcada. Este conhecido termo, antes de expressar umacrtica a posteriori, cujo objetivo seria mostrar os limites da poltica de des-concentrao industrial, pertencia prpria nomenclatura dos planeja-dores. A inteno era mesmo esta: desconcentrar dentro de um certo limite es-pacial, para no colocar em xeque os nveis de produtividade alcanados nos grandes

    centros urbanos do pas.

    A posio governamental, ante a dicotmica tarefa de promover cres-cimento econmico acelerado com maior distribuio regional da riqueza,reconhecia a existncia desse conflito (eficincia versus eqidade regional)e adotava postura em favor das elevadas taxas de crescimento. A manu-teno do crescimento econmico acelerado define a tnica do documen-to oficial de apresentao do I PND [Brasil (1971)]. Nesse documento, noqual as cidades mdias no aparecem explicitamente como objeto de in-terveno, a estratgia de desenvolvimento regional estava calcada na po-ltica de integrao nacional.17 O I PND explicitava que a poltica de inte-grao seria realizada sem prejuzo do crescimento do Centro-Sul, utili-zando-se os incentivos fiscais j existentes no nvel federal, enfatizandoque no deveria haver desvio macio do fator capital, do Centro-Sul paraessas regies. Portanto, o desenvolvimento das regies pobres seria basea-do no na transferncia de capital para l, mas na explorao de seus recur-sos abundantes: terra e mo-de-obra barata.

    No texto oficial de apresentao do II PND [Brasil (1974)], evidencia-se a preocupao com a concentrao industrial na RMSP, propondocomo alternativas um maior equilbrio no interior do tringulo So Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte, e a criao de plos de crescimento no Sule Nordeste. Deve-se registrar, contudo, que a preocupao com os nveis

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    17 A integrao como poltica de desenvolvimento regional pode ser interpretada tanto pelo lado dademanda, como criao de mercado interno, quanto pelo lado da oferta, objetivando a descentraliza-o econmica.

  • de concentrao industrial sempre esteve nesse documento atrelada questo dos ndices de poluio ambiental.

    Em termos prticos, o II PND elege a descentralizao como critriopara concesses de financiamentos do BNDE.18 Contudo, as aes de des-centralizao estariam sempre procurando preservar as escalas de produ-o e as economias de aglomerao. No texto oficial do II PND explicita-do o risco de uma descentralizao, qual seja, a de prejudicar a taxa decrescimento global, caso o desvio de recursos fosse excessivo, se houvessepulverizao de iniciativas ou se programas novos assumissem carter deeconomias de subsistncia.

    Afastando-se do discurso oficial, alguns importantes trabalhos foramrealizados na dcada de 70, buscando interpretar o grau de associao en-tre nvel de produtividade industrial, tamanho urbano e localizao espa-cial.19 Deve-se esclarecer que tais estudos no tratavam necessariamentede investigar a existncia de um tamanho urbano timo, capaz de garan-tir excelentes nveis de produtividade, at porque seria indefensvel abs-trair dessa anlise inmeros outros fatores que sabidamente influenciamo nvel local de produtividade industrial. Alternativamente, esses estudosprocuravam interpretar o quantum dos diferenciais de produtividade in-dustrial que poderia ser explicado pela localizao ou porte das cidades.Como resultado de alguns desses estudos, as cidades de porte intermedi-rio assumiriam, ou no, destaque para o desenvolvimento econmico na-cional.

    No estudo de Arajo, Horta e Considera (1973), por exemplo, fica evi-dente haver economias de escala em atividades do setor pblico de ar-recadao de tributos e gastos pblicos para as cidades acima de 100mil habitantes. Tal constatao, cuja influncia sobre a produtividade in-dustrial verifica-se apenas de forma indireta, coloca as cidades mdias emposio superior somente em relao ao conjunto dos pequenos centrosurbanos. Contudo, utilizando-se complementarmente do estudo de Tolosa(1973), que investigou a relao entre tamanho urbano e custos com a

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    18 O II PND tratou explicitamente das cidades mdias: o diagnstico do sistema urbano era de pre-matura metropolizao, com excessiva pulverizao de pequenas cidades e um inadequado nmerode cidades mdias para imprimir maior equilbrio ao sistema. Nesse documento, o desenvolvimentodas cidades mdias aparece como estratgia explcita: nas regies desenvolvidas, como necessriopara desconcentrao industrial da RMSP, nas regies menos desenvolvidas, para ocupao territoriale atrao de fluxos migratrios.19 Entre estes destacam-se: Boisier, Smolka e Barros (1973), Tolosa (1973), Arajo, Horta e Considera(1973), Andrade e Lodder (1979), Rizzieri (1982) e Ministrio do Desenvolvimento Urbano e MeioAmbiente/CNDU (1985).

  • infra-estrutura produtiva, a posio dos centros intermedirios parecedestacar-se tanto dos pequenos quanto dos grandes centros urbanos dopas. Neste estudo foi demonstrado que, para os servios de viao, trans-portes, comunicaes e servios urbanos, a relao entre custos e tama-nho urbano apresenta-se como uma curva em forma de U, decrescendoos custos medida que as cidades crescem de tamanho urbano at o limi-te de 2 milhes de habitantes, a partir do qual os custos com estes serviospassam a ser mais elevados.20

    No tocante existncia de associao entre produtividade e porte dascidades, Tolosa (1973) verificou que aquela crescia com o tamanho urba-no. No entanto, esta associao seria quebrada pelos centros metropolita-nos de 2 ordem (entre 500 mil e 2 milhes de habitantes), refletindo apouca eficincia destas reas, que segundo o autor era determinada pelaexistncia de reas pobres pouco industrializadas das periferias dessescentros.

    Rizzieri (1982) buscou verificar a existncia de deseconomias urba-nas nos grandes centros do pas, comparando o custo de alguns serviosessenciais entre distintas classes de tamanho de cidades. Para os serviosde captao, tratamento e distribuio de gua; esgotamento sanitrio;servios telefnicos; servios de habitao; servios de transporte pblico;servios de educao; e servios hospitalares, o autor no pde concluirque os custos de fornecimento desses servios elevam-se com o tamanhourbano. No entanto, esse mesmo estudo demonstrou que as despesas or-amentrias, estas sim, crescem com o tamanho urbano, sobretudo pelapresena dos congestionamentos e da poluio (externalidades).

    Em trabalho realizado pelo Conselho Nacional de DesenvolvimentoUrbano (CNDU) de 1985, ao procurar associar tamanho urbano e produ-tividade, inferiu-se para o perodo 1969/75 que, medida que aumenta otamanho urbano, a produtividade da mo-de-obra industrial aumentamais que proporcionalmente a partir das cidades com populao superiora 200 mil habitantes, passando a aumentar menos que proporcionalmen-te a partir do tamanho de 500 mil habitantes, com exceo para a produ-o de bens de capital, cuja eficincia das plantas localizadas nos grandescentros era extremamente superior observada nas demais classes de ta-manho. Ainda evidenciando a posio favorvel das cidades mdias em

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    20 Este mesmo estudo demonstra que outros gastos crescem sem inflexes com o tamanho ur-bano: aluguel, manuteno do domiclio e educao.

  • termos de eficincia, o mesmo estudo mostra que as cidades com popula-o entre 100 mil e 250 mil habitantes foram as que apresentaram maiordinamismo econmico. Nesses centros, durante o perodo 1969/75, a pro-dutividade e o excedente econmico elevaram-se a taxas superiores que-las observadas para as regies metropolitanas.

    Na mesma linha de abordagem, Boisier, Smolka e Barros (1973) de-monstraram que, para as indstrias de bens intermedirios e bens de con-sumo no-durveis, a produtividade apresentava correlao com o tama-nho urbano a partir dos centros mdios. J para o conjunto de indstriasde bens de capital, no existia relao significativa entre tamanho urbanoe produtividade. Uma das principais concluses do referido estudo que aprodutividade da mo-de-obra industrial estava mais relacionada ao ta-manho mdio dos estabelecimentos e ao ramo industrial do que propria-mente ao tamanho da cidade na qual as indstrias esto inseridas. A par-tir deste estudo, tambm pode ser defendido que antes do porte das cida-des, interessa a localizao espacial destes centros como fator gerador demaiores nveis de produtividade. Tolosa (1974) chega a concluso pareci-da, quando estudou os fatores que afetam a produtividade industrial, de-fendendo que, para investigar a produtividade gerada pelas economiasurbanas, no bastava estratificar as cidades segundo seu tamanho, sendoimprescindvel considerar sua localizao regional: se mais ou menosprxima de parques produtores, fontes de matrias-primas ou mercadosconsumidores.

    Contudo, como orientao s polticas de desenvolvimento regional,o que deve ser enfatizado dos estudos de Boisier, Smolka e Barros (1973) o fato de o tamanho urbano e a localizao espacial no afetarem subs-tancialmente a produtividade industrial. Tais concluses permitem aosautores defender que no existia no Brasil regies per se mais ou menosprodutivas, mas sim regies com composies industriais diversas, nasquais existem setores de alta e baixa produtividade.

    Seguindo ainda as concluses de Boisier, Smolka e Barros (1973), emtermos de produtividade da mo-de-obra fica claro que o investidor teriaflexibilidade para a localizao de sua planta, sem perda sensvel de efi-cincia. Assim, de acordo com esses resultados, uma efetiva poltica dedesconcentrao regional da indstria poderia ser planejada, sem que aconseqncia fosse necessariamente a queda da eficincia, ou do ritmo decrescimento econmico.

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  • Nesta etapa da anlise uma vez tendo abordado os objetivos depromoo de um maior equilbrio na distribuio populacional e econ-mica e de busca de menores diferenciais regionais de produtividade possvel vislumbrar a posio especial das polticas de incentivo ao desen-volvimento das cidades mdias diante de duas orientaes antagnicaspara a poltica de desenvolvimento econmico nacional, a saber: orienta-o apoiada no princpio da eficincia versus orientao pela eqidade nadistribuio regional da riqueza.

    De maneira geral, as polticas orientadas pelo princpio da eficinciaeconmica tendem a possuir um carter espacialmente concentrador.Isso se explica em funo dos maiores nveis de produtividade que ocor-rem nos grandes centros urbanos, propiciando maior competitividade aosbens ali produzidos. Essa maior produtividade se verifica, entre outros fa-tores, pela maior e melhor oferta de infra-estrutura produtiva, pela exis-tncia de mo-de-obra qualificada e pela escala do mercado que ocorrenos centros de maior porte.

    Em sentido inverso, as polticas de desenvolvimento orientadas peloprincpio da eqidade so capazes de distribuir espacialmente a riquezanacional mediante investimentos diretos estatais, subsdios e outrosincentivos justamente por desvencilharem-se de resultados estrita-mente competitivos.

    Na verdade, seja em economias capitalistas ou socialistas, dificilmen-te encontram-se polticas de desenvolvimento plenamente orientadaspor um desses princpios. O que se encontra concretamente so aes go-vernamentais hbridas, conjugando, com maior ou menor equilbrio, am-bas as orientaes para a poltica de desenvolvimento nacional.

    Seguindo este raciocnio, portanto, a elevao da participao das ci-dades mdias na distribuio do produto nacional pode ser interpretadacomo uma possvel combinao entre as necessidades de distribuir espa-cialmente a riqueza nacional21 e as de buscar nveis de produtividadecompatveis com as exigncias de competitividade impostas pela crescen-te globalizao da economia.

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    21 No se pretende dar menor importncia questo da distribuio social da riqueza como requisitopara o desenvolvimento nacional. Entretanto, a distribuio social da renda requer a utilizao de uminstrumental poltico que no ser abordado neste estudo.

  • 3.4. Cidades mdias e necessidade de multiplicao de postosavanados de expanso do sistema socioeconmico nacional

    Aparentemente, os objetivos supracitados seriam suficientes parajustificar a execuo das polticas para as cidades mdias nos diversos pa-ses do mundo. Mas h, a nosso ver, outra razo de suma importncia, li-gada questo do papel destinado a esse nvel de cidades nos sistemaseconmicos, de comunicao e de organizao funcional dos pases e re-gies do mundo.

    nessa perspectiva que a noo de cidade mdia em termos de tama-nho demogrfico perde seu lugar para a cidade mdia relais, dentro de umsistema regional ou nacional de cidades. Nesse caso, o vigor das cidadesmdias depende muito mais de sua situao geogrfica que de seu tama-nho.

    De um lado, a cidade mdia era cada vez mais necessria porque re-presentava uma das alternativas de manuteno do sistema socioecon-mico vigente. O mau funcionamento (medido em termos de custos sociais),gerado pela concentrao exagerada de homens, de atividades e de capi-tais, tinha de ser corrigido de algum modo, porque o mercado no conse-guiu alocar os fatores produtivos de forma espacialmente equilibrada:nesse caso, as cidades mdias representam vlvulas de desconcentraoque conseguem diminuir o mau funcionamento do sistema capitalista.

    As cidades mdias so, ainda, pontos mais adequados localizaodos equipamentos de distribuio comercial para as regies em que se si-tuam, sem apresentar os problemas de congestionamento de trnsito e decomunicao encontrados nos grandes centros urbanos.

    Por outro lado, as cidades mdias aparecem como os postos avana-dos de expanso do sistema socioeconmico nacional, do mesmo modo,talvez, como as potncias intermedirias mostram-se como pontos de li-gao essenciais manuteno do funcionamento do sistema poltico-econmico mundial.

    Seja por meio de uma produo prpria, seja, sobretudo, funcionandocomo redistribuidora, a cidade mdia representa um ponto de difuso daproduo e dos valores do sistema socioeconmico de que faz parte.

    Sua participao nas decises ainda era relativamente pequena, masseu papel na transmisso era fundamental.

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    Diagnstico do sistema urbano e orientaes para a poltica dedesenvolvimento urbano e regional da dcada de 70

    DIAGNSTICO ORIENTAES PARA A POLTICA DE DESENVOLVIMENTOURBANO E REGIONAL

    Carncia de infra-estrutura produtiva noscentros urbanos mdios.

    Priorizar as polticas de desenvolvimentoregional ante a orientao de investimentosintra-urbanos (Serfhau).

    Riscos sobre a taxa de crescimento globalda economia quando se desviamexcessivamente recursos para as regiesmais pobres (II PND).

    Desconcentrar dentro de certos limites(desconcentrao concentrada).

    Economias de escala em atividades dosetor pblico para cidades com mais de100 mil habitantes [Arajo, Horta eConsidera (1973)].

    Diferenciar os pequenos centros dos centrosmdios e grandes, em termos de eficinciado setor pblico.

    Custos (por tamanho urbano) em formade U, at o limite de 2 milhes dehabitantes, para os servios detransportes, comunicaes, serviosurbanos etc. [Tolosa (1973)].

    Valorizar os centros urbanos com at 2milhes de habitantes em termos deprodutividade.

    Relao entre produtividade industrial eporte das cidades cresce comtamanho urbano, quebrando (inflexonegativa) nas metrpoles de 2 ordem[Tolosa (1973)].

    Valorizar as cidades mdias e as metrpolesde 1 ordem, em termos de produtividade.

    Produtividade da MDO industrial aumentacom tamanho urbano, crescendo maisque proporcionalmente a partir dascidades com 200 mil habitantes ecrescendo menos que proporcionalmentenos centros superiores a 500 milhabitantes. Com exceo para os bens decapital.

    Valorizar os centros com populao entre200 mil e 500 mil habitantes, em termos deprodutividade da MDO industrial.

    Produtividade da MDO industrial muitomais relacionada com o porte da indstriae com a localizao das cidades do quecom o seu tamanho. Havia flexibilidadelocacional (em termos de tamanho dascidades) para a indstria [Boisier, Smolkae Barros (1973)].

    Requerer investimentos em infra-estruturaprodutiva nas cidades para atrair grandesempresas e para homogeneizar aprodutividade da mo-de-obra industrialpelo territrio nacional.

    Entre os determinantes da pobrezaurbana nas cidades mdias da dcada de70 identificaram-se o grau deindustrializao e o tamanho dosestabelecimentos nessas cidades[Andrade e Lodder (1979)].

    Combater a pobreza com investimentos eminfra-estrutura produtiva, e noexclusivamente voltados para ainfra-estrutura social.

    (continua)

  • 4. A configurao espacial na nova ordem econmica: umnovo papel reservado s cidades mdias?

    As dcadas de 60 e 70 na Europa e, em especial, na Frana, e a de 70 noBrasil e em outros pases testemunharam o surgimento dos estudos e doentusiasmo relacionados com as cidades mdias. Foi tambm nos anos 70que, tanto na Europa quanto no Brasil, foram concebidos e implementa-dos vrios projetos e planos de interveno governamental que chegarama configurar uma poltica para as cidades mdias.

    J na dcada de 80, o que se viu, no caso brasileiro, foi um arrefeci-mento generalizado da poltica estatal de carter regional, sobretudo ma-crorregional, reflexo da priorizao governamental de polticas macroe-conmicas voltadas para a estabilidade monetria; da crise fiscal que mi-nou a disponibilidade de recursos pblicos; e do arrefecimento dos deslo-camentos populacionais inter-regionais, que contribuiu para reduzir o car-ter emergencial das polticas de desenvolvimento regional, pelo menosquanto aos seus objetivos de conteno dos fluxos migratrios em direoaos grandes centros urbanos nacionais.

    Com a chamada globalizao, de um lado, e, de outro, com as mu-danas paradigmticas e axiolgicas do incio da dcada de 90, observou-senos ltimos anos uma retomada vigorosa do interesse governamental,

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    (continuao)

    DIAGNSTICO ORIENTAES PARA A POLTICA DE DESENVOLVIMENTOURBANO E REGIONAL

    A maior parte dos custos com serviosurbanos no est associada ao tamanhourbano. Mas h algumas externalidadesque crescem com o tamanho urbano (porexemplo, poluio e congestionamentos)[Rizzieri (1982)].

    Relativizar a, aparentemente, indubitvelpresena de deseconomias externas nosgrandes centros urbanos.

    Constatou-se a persistncia de ndicesinsatisfatrios para variveis sociais emmuitas das cidades mdias queexperimentaram crescimento acelerado apartir de 1970 [Andrade (1995)].

    Alavancar o crescimento dessas cidadescom incentivos governamentais, mastambm criar mecanismos para que esses sereflitam em melhores benefcios sociais.

  • econmico, acadmico, da mdia e de certa parte da opinio pblica pelasquestes relacionadas com as cidades mdias.22

    Quais so os aspectos ou caractersticas que atestam a continuidadedo interesse e da importncia atribudos s cidades mdias nos anos 90?

    Parece que o enfrentamento dessa questo necessita, mesmo que deforma sumria, da compreenso sobre como vem se reestruturando o sis-tema urbano nacional na dcada de 90. A carncia de informaes econ-micas estatisticamente significativas em nvel municipal e/ou espacial-mente abrangentes torna extremamente difcil uma comprovao emp-rica das mudanas ocorridas durante os anos 90 no grau de disperso ter-ritorial da populao e das atividades econmicas. Por outro lado poss-vel encontrar um conjunto satisfatrio de interpretaes sobre os rumosda organizao espacial da sociedade brasileira advindos das recentesmudanas no processo produtivo e organizacional, vinculados chamadareestruturao produtiva, realizada em um ambiente econmico demaior abertura comercial, e inserida num cenrio poltico de profundasmodificaes do papel do Estado para a alavancagem do desenvolvi-mento nacional.

    Parte-se da hiptese de que os trs fenmenos citados (reestrutura-o produtiva, abertura comercial e redimensionamento do Estado) noso neutros no que se refere capacidade de provocar alteraes na distri-buio espacial da riqueza nacional. Entretanto, devido ao estgio aindaincipiente desses fenmenos e carncia de estudos empricos sobre osreflexos dessas transformaes no sistema urbano nacional, no se podecom segurana apontar as direes desses impactos territoriais: a) se nosentido de intensificar o grau de concentrao urbana; b) se, alternativa-mente, contribui para um maior equilbrio espacial da rede de cidades na-cional; e c) ou, ainda, se aciona os dois processos simultaneamente (de

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    22 Um dos reflexos evidentes dessa retomada de interesse pelas cidades mdias o nmero e a quali-dade dos simpsios, congressos e reunies internacionais e nacionais consagrados a esse tema, nosltimos anos. Em nvel internacional, merecem registro por seu alcance e influncia: o congresso rea-lizado em Mcon (cidade mdia da regio de Lyon, Frana), em 1995, sob a coordenao geral de Ni-cole Commeron e Pierre Goujon, e que tinha como tema Villes Moyennes Espace, Socit, Patrimoine; oSeminrio Internacional Ciudades Intermedias de Amrica, realizado em 1996, na Universidade deLa Serena (Chile), sob a coordenao geral da Dr Edelmira Gonzlez Gonzlez. Ainda no domnio in-ternacional, cabe ressaltar o simpsio que ser realizado em Chilln (Chile), em setembro deste ano,sob o patrocnio da Universidad del Bo-Bo e a coordenao da Dr Ddima Olave Faras, tendo comotema geral Ciudades Intermedias y Calidad de Vida. No contexto brasileiro, deve-se mencionar o VI Sim-psio Nacional de Geografia Urbana, realizado em 1999, em Presidente Prudente (SP), sob os auspciosda Unesp daquela cidade, onde se realizou a I Jornada de Pesquisadores sobre Cidades Mdias.

  • concentrao e desconcentrao), na medida em que setores/ramos eco-nmicos so afetados de forma diferenciada, gerando um saldo lquido desinal desconhecido. O debate sobre as supostas implicaes territoriaisdesses fenmenos mostra haver argumentos vlidos, tanto para justificaruma tendncia de reconcentrao espacial (de pessoas e atividades eco-nmicas) como para permitir uma interpretao de que o processo de re-verso da polarizao iniciado na dcada de 70 possa ser continuado, embo-ra, sabido, a Contagem Populacional de 1996 j tenha detectado um es-tancamento no processo de desconcentrao espacial da populao brasi-leira (ver Captulo 4).

    Com respeito s mudanas tecnolgicas vinculadas chamada rees-truturao produtiva (ou terceira revoluo cientfica tecnolgica), es-sas parecem influenciar os modelos locacionais no sentido da desconcen-trao urbana, na medida em que, ao promoverem o desenvolvimentodas tecnologias de comunicao, ocasionam um barateamento nos custosde transferncias (reunio dos insumos mais transporte dos produtos).Esse efeito sobre os modelos locacionais tenderia a intensificar-se com oavano do novo paradigma produtivo (centrado na microeletrnica e nainformao) sobre o conjunto de setores e ramos produtivos da econo-mia nacional.

    Mas, a mesma ampliao do contedo tecnolgico nos processos pro-dutivos acaba por revalorizar a metrpole como espao privilegiado para odesenvolvimento de atividades econmicas modernas. Isto porque nasmetrpoles que esto concentradas as universidades, os centros de pes-quisa e os servios industriais superiores (ou de alta qualificao).23 Aproximidade com esses elementos interessa s firmas, pois facilita atransferncia de tecnologia dos laboratrios para o interior do espaoprodutivo. De outra forma, a ancoragem das atividades intensas em pes-quisa e desenvolvimento nas metrpoles nacionais pode ser medida pelocusto de transferncia de crebros desses grandes centros urbanos na-cionais para os de menor porte.

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    23 No necessariamente a metrpole apresenta-se como locus privilegiado para localizao de firmasde plantas industriais modernas. Essas, a rigor, poderiam inclusive se dirigir para centros urbanos pe-quenos. Entretanto, essa possibilidade estaria associada ao surgimento de tecnoplos nesses centrosurbanos (ver, por exemplo, a cidade de Santa Rita do Sapuca, MG), o que no parece ser um fenme-no com presena marcante na rede urbana nacional. Tampouco polticas sistemticas de apoio e cria-o desses tecnoplos em cidades pequenas parece elencar as diretrizes nacionais da poltica dedesenvolvimento regional contempornea.

  • Outro fator que permite associar reestruturao produtiva e recon-centrao espacial nos grandes centros urbanos do pas parece ser a difu-so do processo de desintegrao vertical. As firmas, ao enxugarem seuescopo produtivo, dedicando-se apenas realizao de tarefas/produtospara os quais possuam conhecimento especfico (vantagens comparati-vas), tornam-se cada vez mais dependentes do fornecimento de insumos.E, como sabido, quanto maior a interdependncia entre firmas, maior atendncia de ocorrer aglomerao.

    Como afirma um recente estudo da rede urbana brasileira sobre osimpactos territoriais do modelo de acumulao ps-fordista:

    (...) assiste-se, assim, a um movimento contraditrio: observa-se, deum lado, uma tendncia reconcentrao espacial, particularmenteligada aos imperativos da acumulao financeira internacional, or-ganizao de alguns setores internacionais e qualidade dos merca-dos do trabalho, como demonstra a participao da metrpole de SoPaulo no conjunto das atividades econmicas do estado e do pas, ouseja, verifica-se que a aglomerao espacial ainda apresenta vanta-gens ao reduzir custos de transaes e aumentar externalidades posi-tivas; nessa direo, no tocante atividade produtiva, observa-se quea grande metrpole ainda exerce fator de atrao de novos e moder-nos investimentos, como demonstram os plos de alta tecnologia emtorno de Los Angeles, e mesmo a participao de So Paulo no con-junto de atividades de maior intensidade de tecnologia do pas (...).Ao mesmo tempo, observa-se ainda, de outro lado, o desenvolvimen-to rpido de centros urbanos intermedirios, cujo crescimento estcrescentemente relacionado aos circuitos do capitalismo mundial,como, por exemplo, as cidades da chamada Terceira Itlia, assimcomo novas reas de atrao industrial no Estado do Paran, almdos diversos centros mdios de crescimento acima da mdia nacionalque a presente pesquisa verificou [IPEA/IBGE/Nesur-IE-Unicamp(1999, p. 62-63)].

    No que concerne abertura comercial, pode-se supor que a elimi-nao de barreiras tarifrias venha a dinamizar as trocas de insumos pro-dutivos e a comercializao de produtos finais entre pontos no interior dopas e o resto do mundo. Assim, por exemplo, regies ou cidades produ-toras de commodities podem experimentar grande dinamismo a partir deuma intensificao de seu comrcio exterior. Da mesma forma, regies oucidades, em um contexto de maior abertura comercial, podem ser econo-micamente favorecidas com o barateamento de um insumo essencial sua base produtiva. No Brasil, esse efeito parece estar se concretizando

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  • em alguns pontos do interior da regio Centro-Sul do pas, beneficiadospela consolidao do Mercosul. Contudo, preciso ressaltar a possibilidadede uma leitura desse fortalecimento do interior do Centro-Sul no comomanifestao de uma desconcentrao efetiva, mas como um espraia-mento limitado rea economicamente mais dinmica do pas.

    A abertura comercial, por outro lado, colocando (muitas vezes de for-ma abrupta) setores e gneros produtivos sob a concorrncia externa,pode ser interpretada como alimentadora do processo de concentraoespacial e, conseqentemente, de ampliao da secular diferenciao re-gional brasileira. Esse efeito fundamenta-se nas enormes diferenas exis-tentes entre subespaos nacionais, tanto no que diz respeito competiti-vidade vigente, quanto no tocante capacidade de investimentos, visan-do a melhorias nos nveis de eficincia produtiva.24

    Por fim, deve-se comentar os possveis efeitos da diminuio doEstado sobre o grau de concentrao urbana nacional.25 O que pode seralegado como fator contributivo para a desconcentrao urbana a am-pliao da capacidade de investimento em infra-estrutura produtiva re-sultante do processo de privatizao de setores estratgicos nesse aspecto,como por exemplo: estradas, ferrovias, energia eltrica e telefonia.26 Nes-te raciocnio, os limites oramentrios do Estado, pressionados pelo ta-manho das dvidas interna e externa (e pelo altssimo custo de sua rola-gem), limitariam a capacidade do poder pblico em conservar e ampliaras redes de comunicao internas ao pas, o que restringiria a possibili-dade de desenvolvimento de inmeros pontos do territrio nacional.27

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    24 Ver Guimares Neto (1996) sobre possveis efeitos danosos sobre a economia nordestina advindosda forma como se processa a insero do pas na economia internacional.25 Rodriguez (1997) fala ainda de efeitos macroeconmicos ps-Plano Real que tenderiam a favorecera desconcentrao espacial: o efeito combinado de ampliao do mercado interno com a melhoria dosalrio real, a estabilidade econmica, a reduo de incertezas proporcionadas pelo Plano Real e a reto-mada dos investimentos em infra-estrutura modificou as condies que favoreciam a reconcentraocircunscrita ao Estado de So Paulo e ao grande polgono em torno dele [Rodriguez (1997, p. 15)].26 Diniz e Lemos (1997) mostram que os efeitos da privatizao sobre a distribuio espacial das ativi-dades econmicas relacionam-se com a destinao dos recursos captados ou poupados pelo governo fe-deral neste processo de desestatizao. Na hiptese de os recursos serem utilizados para provimento deinfra-estrutura nas regies perifricas, o efeito pode ser benfico para a desconcentrao; na hiptesealternativa, se a privatizao servir para enxugar gastos governamentais (e no ampliar investimentos)a tendncia ser de ampliao da densidade econmica na regio Centro-Sul do pas.27 Azzoni e Ferreira (1997) defendem que a incapacidade do governo federal em arcar com os inves-timentos em infra-estrutura, principalmente depois de 1988 (com a reforma fiscal), fez aumentar odiferencial de infra-estrutura entre estados e municpios ricos e pobres.

  • bem verdade que a conservao e a ampliao das vias de comuni-cao internas podem ter efeitos danosos sobre as regies perifricas, namedida em que facilita a distribuio pelo territrio nacional daquelesbens produzidos com maior eficincia nos grandes centros urbanos nacio-nais. Tal fato, portanto, relativiza o argumento de que a privatizao podegerar efeitos de desconcentrao urbana.

    Entretanto, h outros argumentos que contribuem para se acreditarna existncia de vnculos entre uma tendncia espacialmente concentra-dora e uma poltica orientada para a reduo do papel mais direto do Esta-do no desenvolvimento econmico nacional. Primeiramente, pode-se fa-zer referncia prpria perda de status dada ao planejamento regional, oqual representa um instrumento extremamente necessrio para aesvoltadas para a desconcentrao urbana, no mnimo, servindo para im-plantar polticas governamentais compensatrias aos possveis efeitosconcentradores j citados.

    Para alm do esvaziamento dos rgos de planejamento, a poltica deprivatizaes pode ser associada concentrao urbana, na medida emque seja vlido interpret-la (a privatizao) como perda de capacidadede investimento governamental direto. Estes investimentos podem, po-tencialmente, atender ao princpio da eqidade na distribuio espacialda riqueza nacional. Como os investimentos privados em infra-estruturavinculam-se exclusivamente ao princpio da eficincia, pode ser argu-mentado que as privatizaes se concentraro no Centro-Sul do pas.28

    Como mostram Azzoni e Ferreira (1997), acreditando-se que a privatiza-o traz elevao da produtividade, pode-se concluir pelo aumento dosdiferenciais de produtividade inter-regionais.

    Diante da validade dos opostos argumentos sucintamente aqui apre-sentados torna-se extremamente valiosa a construo de indicadores quecontribuam para retratar as modificaes mais recentes na distribuioespacial no s da indstria, como do conjunto dos setores econmicosnacionais. Contudo, independentemente dos resultados, as cidades m-dias parecem deter papel de destaque na distribuio espacial da riquezanacional.29 Se a divulgao dos primeiros resultados do Censo 2000 reunir

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    28 Diniz e Lemos (1997) mostram que especificidades do setor de infra-estrutura, tais como o grauelevado de indivisibilidades, o seu consumo difundido e a baixa relao produto/capital, tornam essaatividade interessante iniciativa privada somente onde existe alta densidade econmica. Do contr-rio, nas reas de baixa densidade econmica mister a participao do Estado para complementaoda infra-estrutura produtiva necessria alavancagem econmica dessas mesmas reas.29 Matria que ser abordada no Captulo 9.

  • evidncias que comprovem, durante a dcada de 90, um processo de re-concentrao urbana nos grandes centros do pas, as cidades mdias seriamtomadas como alvos estratgicos para eventuais polticas de desconcen-trao. No caso oposto, havendo evidncias de um processo de descon-centrao urbana, a posio estratgica das cidades mdias manifesta-sesobre a potencialidade de estas contriburem para a continuidade dessefenmeno, na medida em que: a) foram, at ento, e desde a dcada de 70,as grandes responsveis pelo espraiamento espacial da riqueza nacional;e b) apresentam, ante os centros urbanos de menor porte, condies (van-tagens locacionais) para sediar aqueles ramos produtivos com tendncia interiorizao (no sentido de estarem se retirando dos grandes centrosurbanos).

    No h dvida de que as razes que produziram o primeiro ciclo de in-teresse geral, governamental e acadmico pelas cidades mdias, nos anos60 e 70, mantm toda a sua validade no tempo atual.

    Assim, hoje como outrora, as cidades mdias continuam a ser valori-zadas como um fator de equilbrio para as redes e hierarquias urbanas demuitos pases, principalmente aqueles em que a dissimetria entre as cida-des grandes e pequenas mais forte. Um outro aspecto bastante caracte-rstico das cidades mdias e que segue guardando toda a sua importnciatem a ver com as conhecidas funes de relao e de intermediao exer-cidas por elas entre, de um lado, as grandes cidades e, de outro, as peque-nas cidades e o meio rural regionais.

    Porm, como visto anteriormente, vrios acontecimentos dos anos 90muito contriburam para reforar e ampliar a importncia das cidadesmdias. So numerosos os atributos dessas cidades que vm sendo enfa-tizados atualmente. Fazendo-se um balano exploratrio, e ainda bastan-te incompleto, nos temrios dos mais recentes congressos e publicaessobre o assunto, podem-se destacar alguns aspectos que tm sido objetode grande interesse, e que podem, por sua vez, ser agrupados em duas ver-tentes principais.

    Na primeira vertente esto aqueles temas relacionados com as cida-des mdias, que emergiram muito em funo da grande revoluo na eco-nomia, na geopoltica e nas comunicaes mundiais, conhecida de manei-ra geral como globalizao ou mundializao.

    Desse ponto de vista, pesquisas e publicaes dos ltimos 10 anos pa-recem confirmar, para as cidades mdias, um papel bastante privilegiadoem, pelo menos, trs domnios.

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  • Numa escala regional, essas cidades esto destinadas a desempenharum papel primordial nos eixos ou corredores de transportes e desenvol-vimento, que, no Brasil, passaram a centralizar as polticas pblicasou privadas de dinamizao e crescimento. fcil concluir que, nesseseixos de transportes e de desenvolvimento, e antes de qualquer outro, oprincipal papel das cidades mdias tem sido e continuar sendo aquele dearticuladoras privilegiadas. A melhor articulao possvel a condiomesma da funcionalidade, da eficincia e da prpria existncia de tais ei-xos. Ora, essa articulao no , estratgica e sistemicamente possvel, sefor excessivamente centralizada numa grande aglomerao, ou se forpulverizada em uma mirade de pequenos povoados e cidades.

    Embora, no contexto regional, os eixos de transporte e desenvolvimen-to tenham uma importncia crucial, na dcada de 90, com a exacerbaoda mundializao (processo que s tende a intensificar-se), o conceito-chave passa a ser o de rede, tendncia e processo j prefigurados pelosgegrafos que, desde os anos 40 e 50, falam de redes urbanas.

    Desde que as redes atuais possuam uma dimenso espacial (territorial),as cidades mdias, em todas as regies, pases e continentes, e nos maisvariados tipos de organizaes, esto destinadas a desempenhar o papel,cada vez mais importante, de pivs de articulao ou, como dizem osfranceses, de relais, embora se deva reconhecer que a gradual eliminaodas barreiras territoriais para o livre trnsito das mercadorias aponta paraa intensificao dos fluxos (de bens e servios) entre centros de mesmonvel hierrquico. Estudo recente mostra uma possibilidade de intensifi-cao dos fluxos entre as cidades mdias, em funo da tendncia espe-cializao desses centros, que se intensificaria precisamente porque a di-minuio de barreiras espaciais permite, s grandes corporaes, o poderde explorar minsculas diferenciaes espaciais [IPEA/IBGE/Nesur-IE-Unicamp (1999, p. 67)].

    Nesse sentido, para o professor Christian Jamot, da Universidade deClermont-Ferrand II, a participao das cidades mdias na estruturao ena dinamizao de vrios tipos de sistemas ou redes regionais ou nacio-nais franceses apresenta maior potencialidade nos seguintes domnios:

    as redes de empresas;

    as redes relacionais (ou de comunicao externa);

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  • as redes culturais (inclusive com uma espcie de especializao decada uma das cidades que compem esse tipo de rede); e

    as redes de cooperao tcnica.Esta considerao sobre as redes de cooperao tcnica encaminha,

    naturalmente, essas breves reflexes para a questo das relaes privile-giadas entre cidades mdias e tecnpoles, ltimo aspecto a ser contem-plado nessa primeira vertente.

    Muito se tem escrito sobre os plos tecnolgicos e uma de suas variantes,as tecnpoles. De acordo com Burnier e Lacroix (1996, p. 5), agrupam-sesob o termo genrico tecnpole organizaes que, com nomes diversos(...), decorrem todas de um mesmo princpio, o agrupamento, em umamesma rea geogrfica, de tudo que se relacione com a alta tecnologia:empresas de ponta, organismos de pesquisa (...), tercirio superior. Essaproximidade est destinada a engendrar um efeito de sinergia, favore-cendo um novo modo de crescimento que repousa sobre a inovao.

    Um aspecto caracterstico desses novos sistemas complexos (tecn-poles) que todos eles possuem uma localizao e uma extenso geogr-ficas. A esse respeito, pensou-se originalmente, e com base inteiramenteterica, que as grandes cidades seriam os locais ideais para tais realiza-es. Porm, mesmo nos pases dotados de pioneirismo nesse campo,logo se viu que as grandes aglomeraes, j saturadas e marcadas poruma srie de deseconomias, no poderiam ter o monoplio desses espa-os de inovao tecnolgica.

    Assim, na opinio dos estudiosos desse tema, os centros ou plos deinovao tecnolgica tm mais possibilidades de desenvolvimentobem-sucedido quando se localizam nas cidades mdias e quando fazemparte de um eixo de transporte e comunicao dinmico. A esse respeito,os j citados Burnier e Lacroix (1996, p. 46) dizem que, na Frana, a ten-dncia era a da criao de, pelo menos, uma tecnpole por cidade mdia.

    Resumindo: o papel articulador e de intermediao, inerente a qual-quer cidade mdia, tendo em vista suas dimenses, sua posio geogrfi-ca sempre estratgica e as funes que lhe so prprias, tem sido encaradocomo fundamental para a implantao, o desenvolvimento e a expansode eixos e corredores de transportes e comunicaes, de redes de todo tipoque possuam uma base espacial e, por fim, de redes muito especiais, taiscomo as das tecnpoles.

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  • Na segunda vertente, podem-se incluir caractersticas que nunca, ouquase nunca, foram contempladas nos estudos e projetos das cidades m-dias nos anos 70. que tais aspectos s passaram, efetivamente, a fazerparte dos grandes valores e paradigmas da sociedade nesses ltimos 20anos. Esses aspectos podem ser classificados em trs subgrupos, emboraprofundamente entrelaados:

    o primeiro cobre as vrias condies que possibilitam uma boa quali-dade de vida, para a maior parte dos homens em um determinadolugar;

    o segundo inclui as questes entrelaadas do patrimnio, princi-palmente histrico-urbano, e da busca crescente de identidade, porparte dos mais diferenciados grupos humanos, o que apresenta difi-culdades tanto maiores, quanto maiores so as aglomeraes urba-nas; e

    o terceiro envolve os temas, tambm intimamente interligados, daspercepes, valores, motivaes e preferncias sociais e individuais,aspectos altamente correlacionados com a intensidade e o direciona-mento dos fluxos tursticos de massas humanas cada vez maiores.

    interessante observar que, tanto do ponto de vista dos pesquisado-res, quanto daquele da mdia, quanto, ainda, da intuio popular, as cida-des mdias parecem ter uma posio privilegiada em relao a todos essesaspectos.

    Quanto qualidade de vida, embora existam a critrios que perten-cem mais ao campo da imaginao, do desejo e do mito, do que cincia,esforos cada vez maiores tm sido feitos no sentido de avali-la cientifi-camente.30

    J os temas do patrimnio, identidade, percepes, valores, motiva-es, preferncias e fluxos tursticos tm sido estudados por equipes mul-tidisciplinares de pesquisadores, mas so, tambm, extremamente susce-tveis aos juzos e qualificaes emitidos em particular pelas mdias.

    s vsperas da realizao do Censo 2000, so grandes as expectativaspara a realizao de um balano acerca da contribuio, absoluta e relativa,

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    30 Um exemplo nessa direo e que merece ser mencionado aqui o trabalho que vem sendo realiza-do, principalmente no Chile, sob a coordenao geral dos professores Ddima Olave Faras (Chilln),Hugo Bodini Cruz-Carrera e Edelmira Gonzlez Gonzlez (La Serena) que chegou mesmo a formularuma Metodologia para Detectar Calidad de Vida en Ciudades Intermedias (apresentada em Seminrio reali-zado na Universidad del Bo-Bo, Chilln, em 1995).

  • das cidades mdias no crescimento populacional brasileiro. Tambm coma divulgao dos resultados do censo demogrfico podero ser feitos valio-sos estudos sobre a evoluo das variveis indicativas da qualidade devida nas cidades mdias brasileiras, os quais possuem a importante tarefade demonstrar se o crescimento destes centros vem, predominantemen-te, reproduzindo as mazelas metropolitanas, ou, ao contrrio, garantin-do, em termos absolutos e/ou relativos, melhores condies de sobrevi-vncia do que aquelas vigentes nos grandes centros nacionais.

    Da mesma forma, com a divulgao dos resultados relativos ao pessoalocupado, por setor e gnero produtivo, poder ser verificada a distribui-o espacial de reas industriais relevantes (com mais de 10 mil trabalha-dores na indstria) e seus ritmos de crescimento/decrescimento, seguin-do, proximamente, a linha investigativa proposta por Campolina e Crocco(1996), que realizaram a anlise da distribuio espacial dos centros in-dustriais nacionais relevantes para as dcadas de 70 e 80. O rearranjo es-pacial dessas reas industrialmente relevantes durante a dcada de 90possibilitar, aproximadamente, medir a importncia das cidades mdiasna sustentao do nvel de atividade industrial do pas. Uma anlise dadistribuio espacial dessas reas industrialmente relevantes, desagrega-da por gnero industrial, revelar, por sua vez, as diferenciadas tendnciaslocacionais, indicando como as mudanas no padro de acumulao mo-derno alteraram a lgica locacional dos mais variados gneros industriais.

    Contudo, dada as diferenas regionais da relao produto/pessoalocupado, os dados do censo demogrfico s podero ser indicativos, umavez que no apreendem o nvel de atividade das unidades territoriais.31

    Com a manuteno da suspenso dos censos econmicos, certamenteque uma efetiva compreenso dos movimentos espaciais da indstria, edos demais setores econmicos, depender do avano de levantamentosestatsticos e estudos que, felizmente, vm sendo desenvolvidos por r-gos estaduais de estatstica, por instituies no-governamentais e pelo

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    31 Como ser discutido no Captulo 9, essa insuficincia de evidncias a respeito do movimento espa-cial da indstria deve ser encarada com gravidade na medida em que a possibilidade de um processode reconcentrao, num pas ainda repleto de desequilbrios, conta hoje com poucos instrumentos dereverso, tanto devido privatizao do setor produtivo estatal como em funo da perda de statusdada ao planejamento regional, o que dificulta at mesmo a adoo de polticas pblicas compensat-rias. Com menos instrumentos para promover polticas regionais, a sociedade brasileira, diante da es-cassez de levantamentos censitrios regulares, v-se ainda incapacitada de conhecer com preciso osreais movimentos espaciais da distribuio da produo nacional, incapacitada, portanto, para mediros custos sociais de uma no-poltica regional.

  • prprio IBGE, como, por exemplo, o esforo em calcular o Produto Inter-no Bruto dos municpios brasileiros.32

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    Oswaldo Amorim Filho / Rodrigo Valente Serra

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