franklin ferreira apostila de hermenêutica

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APOSTILA DE HERMENÊUTICA Prof. Franklin Ferreira Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil 1999

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APOSTILA DE

HERMENÊUTICA

Prof. Franklin Ferreira

Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil 1999

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SUMÁRIO UNIDADE I – O QUE A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER SIZ SOBRE A

INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS UNIDADE II – ORARE ET LABUTARE: A HERMENÊUTICA REFORMADA DAS

ESCRITURAS UNIDADE III - A BÍBLIA: DE DEUS A NÓS UNIDADE IV – INTÉRPRETES DA BÍBLIA UNIDADE V – INSTRUÇÕES PRÁTICAS PARA A EXEGESE UNIDADE VI – OS PROBLEMAS DE INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS

SAGRADAS UNIDADE VII – OS GÊNEROS LITERÁRIOS NAS ESCRITURAS SAGRADAS UNIDADE VIII – ANÁLISE TEOLÓGICA APÊNDICE: Pré-milenismo dispensacional BIBLIOGRAFIA

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I) O que a Confissão de Fé de Westminster diz sobre a interpretação das Escrituras Lembremos o que os teólogos puritanos do século XVII (dos quais vieram os presbiterianos, congregacionais e batistas) escreveram sobre esse assunto na Confissão de Fé de Westminster (depois adaptada pelos batistas e chamada de Confissão de Fé Batista de 1689). O capítulo I da Confissão trata das Escrituras, e neles, os puritanos expressaram suas convicções quanto à correta interpretação das Escrituras. Em resumo, são estas: 1. Para evitar que Sua vontade e a verdade se perdessem pela corrupção dos homens e a malícia de Satanás, Deus fê-la escrever nas Escrituras Sagradas. A inspiração das Escrituras resulta no fato de que elas expressam fielmente a vontade de Deus, a verdade divina.

“Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo” (CFW, I.1). Referências - Sal. 19: 1-4; Rom. 1: 32, e 2: 1, e 1: 19-20, e 2: 14-15; I Cor. 1:21, e 2:13-14; Heb. 1:1-2; Luc. 1:3-4; Rom. 15:4; Mat. 4:4, 7, 10; Isa. 8: 20; I Tim. 3: I5; II Pedro 1: 19.

2. A possibilidade de conhecermos o sentido das Escrituras, sentido esse pretendido por Deus através do autor humano:

“Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela” (CFW, I.6)

3. O Espírito Santo garante a compreensão salvadora das coisas reveladas na palavra de Deus, as Escrituras

“À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comum às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã,

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segundo as regras gerais da palavra, que sempre devem ser observadas” (CFW, I.6; ver Catecismo Maior pergunta 4)

Ref. II Tim. 3:15-17; Gal. 1:8; II Tess. 2:2; João 6:45; I Cor. 2:9, 10, l2; I Cor. 11:13-14.

4. O sentido das Escrituras é tão claramente exposto e explicado que a suficiente compreensão das mesmas pode ser alcançada através dos meios ordinários (pregação, leitura e oração)

“Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas” (CFW, I.7)

Ref. II Pedro 3:16; Sal. 119:105, 130; Atos 17:11.

5. Há somente um sentido verdadeiro e pleno em cada texto da Escritura e não múltiplos sentidos, e esse sentido pode ser alcançado e compreendido pela Igreja

“A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente” (CFW, I.9)

Ref. At. 15: 15; João 5:46; II Ped. 1:20-21.

6. Exatamente porque as Escrituras não têm sentidos múltiplos é que as mesmas são o supremo tribunal em controvérsias religiosas, aos quais a Igreja sempre deve apelar

“O Velho Testamento em Hebraico (língua vulgar do antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em Grego (a língua mais geralmente conhecida entre as nações no tempo em que ele foi escrito), sendo inspirados imediatamente por Deus e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como para um supremo tribunal” (CFW, I.8; cf. como exemplo XXIX.6).

Ref. Mat. 5:18; Isa. 8:20; II Tim. 3:14-15; I Cor. 14; 6, 9, ll, 12, 24, 27-28; Col. 3:16; Rom. 15:4.

7. A vontade de Deus está claramente expressa nas Escrituras e ao alcance da igreja, de forma que a mesma pode distinguir entre culto aceitável a Deus e os que não são.

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“A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras” (CFW, XXI,1)

8. Apesar dos eleitos serem humanos e pecadores, recebem de Deus o que é necessário para compreenderem as coisas de Deus para a salvação

“Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça” (CFW X,1; ver também o Catecismo Maior, pergunta 157).

Esse pequeno resumo dos princípios de interpretação bíblica que se encontram na Confissão de Fé de Westminster serve para mostrar que os puritanos, seguindo a linha de interpretação dos reformadores, entenderam que a única maneira de interpretar as Escrituras sem violar a sua integridade, propósito e escopo, era procurar entender o sentido que os autores humanos haviam pretendido transmitir. Reconheciam que essa nem sempre era uma tarefa fácil, mas confiavam que, com a ajuda da ação iluminadora do Espírito, do conhecimento das línguas originais e do contexto histórico, poderiam alcançar esse sentido. A teologia que temos na Confissão de Fé de Westminster é o resultado do emprego sistemático dessa hermenêutica. II) Orare et Labutare: A Hermenêutica Reformada das Escrituras Orare e labutare foram palavras empregadas por Calvino para resumir a sua concepção hermenêutica. Com estes termos ele expressou a necessidade de súplica pela ação iluminadora do Espírito Santo e do estudo diligente do texto e do contexto histórico, como requisitos indispensáveis à interpretação das Escrituras. Com o mesmo propósito, Lutero empregou uma figura: um barco com dois remos, o remo da oração e o remo do estudo. Com um só destes remos, navega-se em círculo, perde-se o rumo, e corre-se o risco de não chegar a lugar algum. Palavras e figuras como estas revelam a consciência que os reformadores tinham do caráter divino-humano das Escrituras e o equilíbrio fundamental que caracteriza a hermenêutica reformada da Palavra de Deus.

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Boa parte da descaracterização teológica e eclesiástica das igrejas evangélicas no nosso país se explica pelas hermenêuticas deficientes que têm regido a interpretação e pregação da Palavra de Deus. Também é convicção deste autor que a hermenêutica reformada das Escrituras é um modelo de interpretação bíblica capaz de promover, com a graça de Deus, a reforma teológica, litúrgica e eclesiástica que o evangelicalismo brasileiro necessita. 1) Delimitação do Assunto O termo hermenêutica tem sido empregado em dois sentidos. Historicamente, nos compêndios clássicos de interpretação bíblica, designa a disciplina que, partindo de pressupostos básicos, estuda e sistematiza a teoria da interpretação das Escrituras, enquanto a exegese designa a prática. Neste sentido, o objetivo da hermenêutica é descobrir e sistematizar os princípios e métodos apropriados para a compreensão do sentido que o autor intentou transmitir aos seus leitores originais. Mais recentemente, entretanto, estes termos têm sido usados com sentidos diferentes: exegese, para designar o estudo das Escrituras com vistas a descobrir o sentido original pretendido pelo autor, e hermenêutica, no sentido restrito da sua contemporaneidade. Ou seja, a exegese seria uma primeira tarefa histórica pela qual se busca compreender o que os leitores originais entenderam; enquanto que a hermenêutica seria uma tarefa teológica prática e posterior, na qual se busca compreender a relevância da sua mensagem para nós, hoje, no nosso contexto específico. Aqui os termos são usados no sentido histórico mais comum: hermenêutica, designando a disciplina que estuda e sistematiza os princípios e técnicas, com as quais, partindo de determinados pressupostos, se busca compreender o sentido original do texto bíblico; exegese, designando a prática destes princípios e técnicas; e aplicação, designando a busca da relevância do texto ao nosso contexto específico. Isto é: tendo compreendido qual a mensagem do texto para os seus leitores originais, em que sentido esta mensagem é aplicável aos nossos dias e ao nosso contexto? Convém esclarecer também que o termo reformada, não é empregado aqui para designar especificamente a hermenêutica dos reformadores. Não se pretende aqui fazer uma descrição específica e detalhada da hermenêutica desenvolvida e praticada por Lutero, Melanchton, Zuínglio, Calvino e outros. O termo também não se refere à denominação reformada (ramo da reforma como ficou conhecido especialmente na Europa). O termo “hermenêutica reformada”, refere-se a uma corrente ou escola de interpretação bíblica histórica, distinta de outras correntes, fundamentada em pressupostos bíblicos quanto à natureza das Escrituras, e que emprega princípios e métodos específicos. Trata-se de uma escola ou corrente de interpretação que adota o método histórico-gramatical, em contraposição aos métodos intuitivos (da corrente espiritualista) e histórico-crítico (humanista) de interpretação bíblica. Com a expressão hermenêutica reformada, quer-se designar aqui o modelo de interpretação bíblica defendida e aplicada pelos reformadores, pelos principais símbolos de fé

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protestantes (inclusive batista), pelos puritanos ingleses, pelos huguenotes franceses, e pelas igrejas evangélicas ortodoxas em geral até os nossos dias. Esta corrente de interpretação poderia ser chamada de hermenêutica protestante ou hermenêutica evangélica. Mas, ao que parece, estes termos já não caracterizam muita coisa — pelo menos no campo da hermenêutica —, pois englobam, sem qualquer distinção, defensores e praticantes de todas as correntes de interpretação bíblicas: desde a corrente espiritualista (intuitiva) até a corrente humanista (histórico-crítica). 2) Importância do Assunto A importância do assunto dificilmente pode ser exagerada, pois a hermenêutica é a base teórica da exegese, que, por sua vez, é o alicerce tanto da teologia (quer bíblica, quer sistemática) como da pregação. O diagrama a seguir ilustra estas relações: Parece que, atualmente, pelo menos no Brasil, estas disciplinas têm sido parcialmente relegadas por alguns segmentos evangélicos a um segundo plano. Exegese, doutrina e pregação têm sido substituídas por coisas “mais práticas” (tais como a ação social, o engajamento político, a administração eclesiástica, o evangelismo, a liturgia, as exortações morais, etc.). Quando não se nega a importância da exegese, da doutrina e da pregação, na teoria, nega-se na prática. Convém observar, entretanto, que o apóstolo Paulo exorta Timóteo a cuidar “de si mesmo e da doutrina”, de modo que possa ser ele mesmo salvo bem como os seus ouvintes (1 Tm 4.16). Ele o admoesta a apresentar-se a Deus “aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15). E afirma que devem “ser considerados merecedores de dobrados honorários (ou honra) os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na Palavra e no ensino” (1 Tm 5.17). Não se pode esquecer de que “aprouve a Deus salvar aos que crêem, pela loucura da pregação” (1 Co 1.21); e de que “a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). A importância da doutrina é vista especialmente nas cartas do apóstolo Paulo e no tratamento que faz da questão da justificação pela fé na carta aos Gálatas. Nem a Igreja de Corinto, com todos os seus problemas morais, foi tão duramente tratada pelo apóstolo quanto as igrejas da Galácia, em função do seu desvio doutrinário. A verdade de Deus expressa em sua Palavra é o instrumento empregado pelo Espírito Santo para salvar e santificar. São “as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus”, e fazer com que “o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3.15,17). Richard Baxter, um dos puritanos mais conhecidos do século XVII, foi o instrumento nas mãos de Deus em um reavivamento na sua cidade. Autor de dezenas de obras, a maioria de cunho prático, usou uma figura para expressar a relação entre a verdade da Palavra e a

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santidade. Eis suas palavras: “...as verdades de Deus são os próprios instrumentos da santificação de vocês; essa santificação é o resultado produzido por essas verdades sobre o entendimento e a vontade de vocês. As verdades são o selo e a alma de vocês é a cera; a santidade, é a impressão feita. Se vocês receberem apenas algumas verdades, terão apenas uma impressão parcial... Se vocês as receberem de modo desordenado, a imagem que produzirão nas almas de vocês será igualmente desordenada; como se os membros dos corpos de vocês fossem unidos de modo monstruoso.” Aí está a importância da hermenêutica: ela é a base teórica da exegese, que por sua vez é o fundamento da teologia e da pregação, das quais depende a saúde espiritual da igreja, e da nossa própria vida. Uma hermenêutica deformada fatalmente resultará em exegese deformada, produzirá teologia e pregação deformadas, e se manifestará tragicamente em igrejas e vidas deformadas. 3) Necessidade da Hermenêutica Todo leitor é um intérprete. Mas ler não implica necessariamente em entender. Quando não há barreiras na compreensão de um texto, a interpretação é automática e inconsciente. Mas isso nem sempre ocorre. De conformidade com a doutrina reformada da clareza ou perspicuidade das Escrituras, a Bíblia é substancialmente, mas não completamente clara. As verdades básicas necessárias à salvação, serviço e vida cristã são evidentes em um ou outro texto, mas nem todos os textos das Escrituras são igualmente claros. Por ser um livro divino-humano, inspirado por Deus, mas escrito por homens, admite-se que há dificuldades de ordem espiritual e de ordem humana para a compreensão das Escrituras. O apóstolo Pedro reconheceu essa dificuldade com relação aos escritos do apóstolo Paulo, dizendo que neles “há certas coisas difíceis de entender...” (2 Pe 3.16). Isto significa que a compreensão das Escrituras não é necessariamente automática e espontânea. É, sim, o resultado da ação iluminadora do Espírito Santo, por um lado, e por outro, do estudo diligente da língua e do contexto histórico em que foi escrita. 1. Dificuldades de Ordem Espiritual O aspecto espiritual envolvido na interpretação das Escrituras é demonstrado claramente em passagens bíblicas tais como 1 Coríntios 2.14 e 2 Coríntios 4.3-6: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, por que lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. ...se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus... Porque Deus que disse: De trevas resplandecerá luz, ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo.” Nestes textos o apóstolo Paulo ensina claramente a absoluta incapacidade do homem natural (não regenerado) de compreender a revelação de Deus. A razão desta incapacidade

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é a cegueira espiritual em que se encontra como resultado da queda do homem do seu estado original, e da ação diabólica. E a cura desta cegueira não é intelectual, mas espiritual. Só o Espírito Santo pode fazer resplandecer a luz do Evangelho da glória de Cristo num coração em trevas. Outro texto que demonstra o caráter espiritual envolvido na interpretação das Escrituras é 2 Coríntios 3.14-15. Neste texto o apóstolo Paulo explica que os judeus tinham como que um véu embotando os seus olhos espirituais, de modo que não podiam compreender o significado do que liam, por causa da incredulidade: “Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que em Cristo é removido. Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles.” Como este véu pode ser retirado? Pela conversão, responde o apóstolo no verso seguinte: “Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu é retirado.” Na carta aos Efésios, o apóstolo Paulo ensina a mesma coisa com relação aos gentios: “...não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza dos seus corações (Ef 4.17-18). A ação iluminadora do Espírito Santo é, portanto, indispensável na interpretação e apreensão do ensino das Escrituras. A erudição piedosa é preciosa e indispensável para a preservação da sã doutrina. Um erudito, por mais bem equipado que esteja hermeneuticamente, desprovido, porém, da ação regeneradora e iluminadora do Espírito, possivelmente não alcançará o sentido da Escritura tanto quanto um crente simples e fiel, mesmo que indouto em métodos e técnicas de interpretação. Mesmo o crente precisa da ação iluminadora contínua do Espírito Santo para progredir na compreensão das Escrituras. Seu coração não está embotado como o dos judeus descrentes; nem seu entendimento está obscurecido, como o dos gentios incrédulos. Mas ainda há muito a compreender; e a ação iluminadora do Espírito Santo permanece indispensável. Com esse propósito o apóstolo Paulo orava insistentemente pelos crentes, a fim de que Deus lhes iluminasse mais e mais, para compreenderem mais profundamente a natureza do evangelho e a suprema riqueza da sua graça. Eis um exemplo apenas na carta aos Efésios: “...não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos, e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos...” (Ef 1.16-19). Textos como este revelam o papel do Espírito Santo e da fé na compreensão das verdades espirituais. A interpretação e compreensão das Escrituras torna-se essencialmente uma tarefa espiritual — embora não rejeitando habilidades naturais ou técnicas. 2. Dificuldades Naturais

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Deve-se observar, entretanto, que as Escrituras também revelam, por ensino direto e por inúmeros exemplos, que o coração do homem é mais enganoso do que todas as coisas e desesperadamente corrupto (Jr 17.9), não sendo, portanto, totalmente confiável. Além disso, não existe somente o Espírito da verdade; há também o espírito do erro (1 Jo 4.6). O pai da mentira está sempre pronto a enganar, se possível for, até os eleitos. Logo, o caráter espiritual envolvido na interpretação das Escrituras não elimina, de modo algum, o lado humano, também necessário para a sua correta interpretação e compreensão. Afinal, é pela própria Palavra, e através da Palavra, que o Espírito Santo realiza essa obra iluminadora. Por haver sido escrita em línguas humanas, em contextos históricos, sociais, políticos e religiosos específicos, um conhecimento adequado da língua e do contexto histórico também é necessário para uma melhor interpretação e compreensão das Escrituras. Deve-se lembrar também que o ministro da Palavra é aquele que se afadiga no estudo dela (1 Tm 5.17). Logo, para uma interpretação e compreensão adequada das Escrituras, fazem-se necessários requisitos de natureza espiritual, bem como requisitos de natureza intelectual. Ambos são necessários e imprescindíveis. 4) Principais Correntes de Interpretação As classificações normalmente pecam pelo simplismo. É de fato difícil resumir e agrupar adequadamente as diversas ênfases, tendências, princípios e práticas de uma determinada área de estudos, sem negligenciar peculiaridades importantes. Com a hermenêutica não é diferente. Contudo, observando as diferentes ênfases, tendências, princípios e práticas de interpretação das Escrituras adotados no curso da história da Igreja, pode-se perceber pelo menos três correntes gerais nas quais as diversas escolas podem ser de certo modo agrupadas: 1. Corrente Espiritualista Muitos grupos na história da interpretação bíblica se caracterizaram por superenfatizar o caráter espiritual (místico) das Escrituras, em detrimento do seu caráter humano. Esta corrente distingue-se especialmente pela insatisfação generalizada com o sentido natural, literal das Escrituras. Dois dos textos mais explorados são 2 Coríntios 3.6: “...a letra mata, mas o Espírito vivifica” e 1 Coríntios 2.7: “...falamos a sabedoria de Deus em mistério”. O maior perigo dessa corrente de interpretação é o subjetivismo e o misticismo. Nenhuma das duas passagens mencionadas prescreve a supremacia de sentidos “espirituais” e ocultos da Escritura sobre sentidos naturais e óbvios. 2 Coríntios 3.6 faz um contraste entre os dois ministérios ou alianças exercidos por Moisés e por Cristo; 1 Coríntios 2.7 trata do mistério de Deus, que é Cristo, mistério agora revelado. Nada há nestas passagens que exaltem sentidos ocultos da Escritura, disponíveis apenas aos “espirituais” ou avançados. Alguns sistemas hermenêuticos pertencentes à corrente espiritualista são descritos abaixo. (i) A Hermenêutica Alegórica

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Trata-se de um dos métodos de interpretação mais antigos. Fortemente influenciados pelo platonismo e pelo alegorismo judaico, os defensores desse método de interpretação atribuíam diversos sentidos ao texto das Escrituras, enfatizando o sentido chamado de alegórico. Clemente de Alexandria (†215) e Orígenes (†254) são os dois principais nomes da escola alegórica de Alexandria, no Egito. Clemente identificava cinco sentidos para um dado texto das Escrituras: 1) histórico, 2) doutrinário, 3) profético, 4) filosófico e 5) místico. Orígenes distinguia três níveis de sentidos: 1) o literal, ao nível do corpo, 2) o moral, ao nível da alma, e 3) o alegórico, ao nível do espírito. A hermenêutica alegórica prevaleceu durante toda a Idade Média, especialmente em sua forma quádrupla. Sua origem é provavelmente o sistema hermenêutico de Agostinho. Segundo este método, as passagens das Escrituras teriam quatro sentidos: um sentido literal, e três sentidos espirituais: moral, alegórico e anagógico. O sentido literal seria o registro do que aconteceu (o fato); o sentido moral conteria uma exortação quanto à conduta (o que fazer); o sentido alegórico ensinaria uma doutrina a ser crida (o que crer); e o sentido anagógico apontaria para uma promessa a ser cumprida (o que esperar). Assim, uma referência bíblica sobre a água, teria um sentido literal (a água), um sentido moral (exortação a uma vida pura), um sentido alegórico (o sacramento do batismo), e um sentido anagógico (a água da vida na Nova Jerusalém). Este método pode fornecer esplêndidas interpretações, mas rouba o real significado do texto, desviando a atenção do leitor do seu verdadeiro sentido, que o Espírito Santo intentou transmitir. O caráter fantasioso deste método de interpretação fica manifesto na conhecida interpretação alegórica de Orígenes da parábola do bom samaritano (Lc 10.30-37). Segundo ele, o homem atacado pelos ladrões simbolizava Adão (a humanidade); Jerusalém, os céus; Jericó, o mundo; os ladrões, o diabo e suas hostes; o sacerdote, a lei; o levita, os profetas; o bom samaritano, Cristo: o animal sobre o qual foi colocado o homem ferido, o corpo de Cristo (que suporta o Adão caído); a estalagem, a igreja; as duas moedas, o Pai e o Filho; e a promessa do bom samaritano de voltar, a segunda vinda de Cristo. Outro exemplo do caráter fantasioso desse método de interpretação pode ser percebido nas diferentes interpretações alegóricas atribuídas às duas moedas mencionadas nessa parábola: o Pai e o Filho, o Antigo e o Novo Testamento, os dois mandamentos do amor (a Deus e ao próximo), fé e obras, virtude e conhecimento, o corpo e o sangue de Cristo, etc. (ii) A Hermenêutica Intuitiva Muitos são consciente ou inconscientemente adeptos desta corrente de interpretação bíblica. Também chamados de impressionistas, os hermeneutas intuitivos caracterizam-se por identificar a mensagem do texto com os pensamentos que lhes vêm à mente ao lê-lo, sem contudo dar a devida atenção à gramática, ao contexto e às circunstâncias históricas,

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geográficas, culturais, religiosas, etc. Um passo adiante estão os místicos, que aqui e ali aparecem na história da igreja, com a sua ênfase na iluminação interior. Uma versão moderna do método de interpretação intuitiva pode ser verificada na prática de abrir as Escrituras ao acaso para pregar ou encontrar uma mensagem para uma ocasião específica, sem o devido estudo do texto e do seu contexto histórico. (iii) A Hermenêutica Existencialista Há uma escola contemporânea de interpretação das Escrituras que enfatiza excessivamente o conhecimento subjetivo em detrimento do seu sentido gramatical e histórico. Trata-se da assim chamada nova hermenêutica, que nada mais é do que um desenvolvimento dos princípios hermenêuticos de Bultmann, com sua ênfase na relevância da mensagem do Novo Testamento para o homem contemporâneo. Para Bultmann e para a nova hermenêutica — reconhecidamente influenciados pela filosofia existencialista de Martin Heidegger — o importante não é a intenção do autor, nem o que o texto falou aos seus leitores originais, mas o que fala a nós, hoje, no nosso contexto: esse é o sentido do texto. Para a hermenêutica existencialista o importante mesmo não é o texto, mas o que está por trás dele. Não interessa tanto o que o texto diz (historicamente), mas o que ele quer dizer (existencialmente). Logo, as Escrituras só serão interpretadas realmente se lidas existencialmente, se forem experimentadas. Ou seja, as Escrituras não são objetivamente a Palavra de Deus, elas se tornam Palavra de Deus, quando nos falam subjetivamente. Talvez as principais críticas à hermenêutica existencialista sejam que ela rejeita o elemento sobrenatural das Escrituras (milagres, encarnação, ressurreição, etc.) como sendo mitos, e que torna subjetivo o conceito de Palavra de Deus, com sua ênfase existencialista. Com isso, ela esvazia a mensagem bíblica e, assim como o método alegórico e o método intuitivo, abre espaço para se ler no texto quaisquer idéias ou conceitos originados na mente do leitor. 2. Corrente Humanista No extremo oposto da corrente espiritualista encontra-se a corrente que se pode chamar de humanista. Esta corrente caracteriza-se por dar ênfase excessiva ao caráter humano das Escrituras e por uma aversão ao seu caráter sobrenatural. A ênfase dessa corrente está no método, na técnica, nos aspectos literários ou históricos das Escrituras, em detrimento do seu caráter divino, espiritual e sobrenatural. (i) Precursores Os saduceus, com o seu repúdio à doutrina da ressurreição e descrença na existência de seres angelicais, podem ser considerados como precursores dessa corrente de interpretação das Escrituras. Pouco se sabe sobre a origem desse partido judaico, mas parece haver adotado uma posição secular-pragmática de interpretação das Escrituras. Ao negarem

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verdades básicas das Escrituras, os saduceus podem ser considerados, guardadas as devidas proporções, como os modernistas ou liberais da época. (ii) Humanismo Renascentista Os humanistas renascentistas, com seu interesse meramente literário e acadêmico nas Escrituras, e com sua ênfase na moral, também podem ser incluídos nesta corrente de interpretação bíblica. Alguns se dedicaram ao estudo das Escrituras, outros chegaram até a editar textos bíblicos na língua original. Mas o interesse deles era meramente acadêmico, lingüístico, literário e histórico. Estavam interessados nas Escrituras por sua antigüidade e não por serem a Palavra de Deus. (iii) Escola Crítica A escola mais característica e influente desta corrente de interpretação bíblica é a escola crítica, com o seu método histórico-crítico. Uma das razões para o surgimento do método histórico-crítico parece ter sido a pretensão de tornar científicos os estudos bíblicos, ou seja, faze-los compatíveis com o modelo científico e acadêmico da época. E o resultado desta nova postura para com as Escrituras (crítica, ao invés de gramatical) foi o liberalismo teológico que tem assolado a Igreja desde o século passado. Trata-se sem dúvida de uma hermenêutica racionalista. Ao invés da revelação governar a razão, a razão é que determina a revelação. A razão e o intelecto passaram a ser determinantes, sendo rejeitado como erro, fábula ou mito tudo o que não puder ser explicado ou harmonizado com a razão. Os adeptos desta corrente rejeitam as doutrinas reformadas das Escrituras, tais como inspiração, autoridade, inerrância, e preservação; enfatizam a moralidade e descartam o sobrenatural. Sob forte influência do evolucionismo de Darwin e da dialética de Hegel, as Escrituras deixaram de ser vistas como a Palavra de Deus inspirada na qual ele se revela ao homem, passando a ser considerada como um registro do desenvolvimento evolucionista da consciência religiosa de Israel (e mais tarde da Igreja). O conceito liberal de inspiração das Escrituras só é objetivo no sentido de as Escrituras serem o objeto da inspiração. No mais, é subjetivo: elas são o sujeito: elas é que inspiram, com o seu poder de inspirar experiências religiosas. Na prática, portanto, a principal característica da escola crítica de interpretação é o pressuposto de que as Escrituras devem ser estudadas do mesmo modo que as demais literaturas antigas, pelo emprego das mesmas metodologias. Esta postura, crítica, com sua ênfase apenas no caráter humano das Escrituras, resultou em uma série de metodologias críticas de caráter histórico ou lingüístico que vêm sendo empregadas na interpretação das Escrituras. A crítica ou história da tradição é uma dessas metodologias, cuja pretensão é descobrir a história percorrida por determinado trecho, no âmbito da tradição oral, ou seja, na fase anterior à sua fixação literária mais antiga. Isto é: estudar como os eventos históricos e ensinos originais de Jesus teriam dado origem às diversas formas de tradições orais até o

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seu registro escrito. Seu propósito é “destradicionalizar” (semelhante à desmitologização de Bultmann) os Evangelhos, em busca do “fato” ou ensino “original”. A crítica da forma é outra metodologia crítica. Sua pretensão é classificar os escritos do Novo Testamento em gêneros literários e identificar as tradições que teriam dado origem às fontes empregadas pelos autores do Novo Testamento. Segundo os teóricos da crítica da forma, os evangelhos provém de tradições orais não cronológicas existentes (chamadas de paradigmas, novelas, lendas, mitos e exortações). Posteriormente essas tradições orais teriam sido organizadas em relatos cronológicos escritos que foram empregados pelos evangelistas. Mas a teoria é extremamente especulativa, visto que não explica como esses gêneros teriam surgido e se desenvolvido. Além disso, não existe registro histórico dessas supostas coleções não cronológicas. Outra metodologia desenvolvida pela escola crítica de interpretação é a crítica das fontes. De acordo com esta teoria há muito pouco nos evangelhos (especialmente nos sinópticos) originário dos evangelistas. Eles teriam sido mais coletores e editores dos diversos relatos (tradições escritas) existentes sobre a vida de Jesus do que propriamente autores. A teoria se baseia nas palavras de Lucas no início do seu evangelho (cf. Lc 1.1,3), e na observação de que os evangelhos de Mateus e Lucas normalmente concordam literalmente com o evangelho de Marcos (ambos ou cada um isoladamente), enquanto que raramente concordam entre si, quando discordam de Marcos. A conclusão mais comum a que se chegou é que Mateus e Lucas foram copiados de Marcos (quando concordam com ele) e de outra suposta fonte chamada “Q”, quando concordam entre si, mas discordam de Marcos. Não há, contudo, concordância entre os críticos da forma. As evidências internas (baseadas em supostas inconsistências cronológicas, estilísticas, teológicas e históricas) a favor dessa teoria são bastante limitadas, subjetivas, ambíguas e contraditórias com as evidências externas (afirmativas dos pais da igreja que apontam de modo unânime em direção oposta). Muitas outras possibilidades tornam qualquer conclusão extremamente incerta. Marcos poderia ter usado Mateus e Lucas; os três evangelistas podem ter usado as mesmas fontes; Jesus pode ter repetido ensinos e parábolas com palavras diferentes em ocasiões diferentes, etc. A verdade é que não se sabe com exatidão como os evangelistas escreveram seus evangelhos. Parece evidente que pelo menos um, Lucas, lançou mão de algumas fontes, mas conforme ele mesmo afirma, ele e suas fontes basearam-se no que lhes transmitiram “testemunhas oculares” dos acontecimentos (Lc 1.2). Entretanto, não há meios de saber concretamente que fontes foram estas e até que ponto e como as usaram. Isso torna a crítica da forma necessariamente especulativa. De concreto, mesmo, têm-se os Evangelhos, como Palavra de Deus escrita por homens inspirados (movidos) pelo Espírito Santo, fundamentados no que testemunharam e no testemunho de outras testemunhas oculares, e, portanto, fidedignas. Além dessas metodologias, há também a crítica da redação, que se propõe a estudar como os evangelistas teriam usado (editado) as suas supostas fontes na composição dos evangelhos; isto é, que mudanças peculiares (ou contribuições) teriam sido introduzidas

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pelos evangelistas às fontes que usaram, e com que propósito (especialmente teológico). Mas, a que conclusões seguras se pode chegar com a crítica da redação, se nem mesmo há certeza alguma com relação ao uso das fontes? Por fim, pode ser mencionado o criticismo histórico. Sua pretensão é avaliar a historicidade das narrativas bíblicas, ou testar a precisão do que se propõe ser uma narrativa histórica. Mas este propósito não é somente pretensioso (inconsistente do ponto de vista bíblico); é também tendencioso, na medida em que explora as aparentes contradições internas (especialmente entre as passagens paralelas dos evangelhos) e externas (com fontes seculares e históricas); e encara os relatos de ocorrências sobrenaturais por uma perspectiva altamente especulativa. Assim, o criticismo histórico não vê os textos paralelos como complementares, mas como contraditórios; atribui às fontes seculares autoridade superior à das Escrituras; rejeita as intervenções sobrenaturais; e considera muitas narrativas históricas como invenção da igreja, novelas ou mitos. O gráfico a seguir resume estas metodologias críticas do método histórico-crítico de interpretação dos evangelhos, em ordem lógica. Os resultados de todas estas metodologias críticas são inseguros, questionáveis e dúbios, e sua aplicação prática extremamente limitada (se possível). São hipóteses construídas sobre especulações infrutíferas que não contribuem em praticamente nada para a compreensão do texto do Novo Testamento, a não ser para lançar dúvidas sobre a sua inspiração, autoridade e inerrância. Não obstante, parece que a corrente humanista de interpretação das Escrituras tem começado a prevalecer em um número considerável de seminários teológicos no nosso país. A ênfase hermenêutica destes seminários está no método, na técnica, nos aspectos literários ou históricos das Escrituras, em detrimento do seu caráter divino, espiritual e sobrenatural. A metodologia predominante tem sido o método histórico-crítico. E, em virtude da impossibilidade de conciliar este método com as doutrinas bíblicas da inspiração, autoridade, suficiência, inerrância e preservação das Escrituras, muitos destes seminários têm se afastado cada vez mais da verdadeira fides reformata (fé reformada). Como os resultados das metodologias críticas empregadas pelo método histórico-crítico são quase sempre infrutíferos, e sua aplicação prática extremamente limitada, não é incomum que o produto final de muitos dos nossos seminários seja formandos despreparados para o ofício de ministros da Palavra. Nesta condição, não é de estranhar que os púlpitos de bom número das igrejas evangélicas destilam uma espécie de sermão onde pouca ou nenhuma atenção se dá ao sentido original do texto bíblico. Destilam também teologias imprecisas e inconsistentes, que pouco edificam os membros de suas congregações. 3. Corrente Reformada

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A corrente reformada de interpretação das Escrituras (objeto específico deste estudo) posiciona-se entre as duas correntes extremas já consideradas. Ela (a corrente reformada) caracteriza-se pelo equilíbrio resultante do reconhecimento do caráter divino-humano das Escrituras. Em função disso, os intérpretes desta corrente reconhecem a necessidade da iluminação do Espírito falando através da própria Palavra, ao mesmo tempo em que admitem a necessidade de interpretação gramatical e histórica das Escrituras. A interpretação reformada rejeita, por um lado, a alegorização indevida das Escrituras e, por outro, repudia uma postura primariamente crítica com relação a elas. (i) Método Gramático-Histórico O método de interpretação adotado e praticado pela corrente reformada ou protestante conservadora é conhecido pelo nome de método gramático-histórico; o método de interpretação honrado pelo tempo, no dizer de M. Lloyd-Jones. Trata-se de um método fundamentado em pressuposições bíblicas quanto à própria natureza das Escrituras, que emprega princípios gerais e métodos lingüísticos e históricos coerentes com o caráter divino-humano da Palavra de Deus. (ii) Precursores: Escola de Antioquia e Agostinho Os reformadores não criaram este método de interpretação bíblica do nada. Eles se fundamentaram no próprio ensino bíblico sobre a sua natureza e na prática apostólica. As origens da interpretação reformada também são encontradas na escola de Antioquia da Síria, que pode ser considerada precursora do método gramático-histórico. Seus principais representantes foram Teodoro de Mopsuéstia (†428) e João Crisóstomo (†407), o “Boca de Ouro”. Eles rejeitaram tanto o literalismo judeu, como o alegorismo de Alexandria; defendiam uma interpretação literal e histórica das Escrituras; criam na realidade histórica dos eventos descritos no Antigo Testamento; defendiam a unidade das Escrituras e admitiam o desenvolvimento ou progressividade da revelação. Agostinho também pode ser considerado precursor do método gramático-histórico de interpretação bíblica. Ele não parece haver sido consistente na aplicação do seu método. De fato, sua distinção de quatro sentidos das Escrituras foi tão influente que prevaleceu por toda a Idade Média, como já foi visto. Apesar disso, ele estabeleceu importantes princípios de interpretação bíblica no seu manual de hermenêutica e pregação, De Doctrina Chistiana. Eis alguns desses princípios:

1. A fé é um pré-requisito fundamental para o intérprete da Palavra de Deus. 2. Deve-se considerar o sentido literal e histórico do texto. 3. O Antigo Testamento é um documento cristológico. 4. O propósito do expositor é descobrir o sentido do texto e não atribuir-lhe sentido.

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5. O credo ortodoxo deve controlar a interpretação das Escrituras. 6. O texto não deve ser estudado isoladamente, mas no seu contexto bíblico geral. 7. Se o texto for obscuro, não pode se tornar matéria de fé. As passagens obscuras devem dar lugar às passagens claras. 8. O Espírito Santo não dispensa o aprendizado das línguas originais, geografia, história, ciências naturais, filosofia, etc.

9. As Escrituras não devem ser interpretadas de modo a se contradizerem. Para isso, deve-se considerar a progressividade da revelação.

(iii) Princípios Reformados Tem sido reconhecido que a reforma teológica e eclesiástica do século XVI foi o resultado de outra reforma: uma reforma hermenêutico-exegética. De fato, a redescoberta das doutrinas bíblicas pelos reformadores e a reforma eclesiástica decorrente foram precedidas por um evidente rompimento com os princípios hermenêuticos e com a prática exegética medieval. a. A Única Regra Infalível de Interpretação A Reforma Protestante rejeitou veementemente a hermenêutica alegórica medieval, e registrou seu repúdio em alguns dos seus principais símbolos de fé. Eis um exemplo: o parágrafo IX do capítulo I da Confissão de Fé de Westminster (idêntico ao, mesmo parágrafo da Confissão de Fé Batista de 1689): “A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente.” Este parágrafo estabelece o princípio reformado fundamental de interpretação bíblica, segundo o qual a única regra infalível de interpretação das Escrituras é a própria Escritura. Ela se auto-interpreta, elucidando, assim, suas passagens mais difíceis. O que estas confissões querem dizer com essa afirmativa é que o sentido de uma passagem obscura não pode ser autoritativamente determinado nem por tradição, nem por decisão eclesiástica, nem por argumento filosófico, nem por intuição espiritual, mas sim, unicamente, por outras partes das Escrituras que expliquem e esclareçam o seu sentido. b. Repúdio à Interpretação Alegórica Medieval O parágrafo acima, citado da Confissão de Fé, também representa o repúdio dos reformadores ao método de interpretação quádrupla medieval. Em lugar dele, os reformadores ensinavam que cada passagem das Escrituras tem um só sentido, que é literal — a não ser que o próprio contexto ou outro texto das Escrituras requeiram claramente uma interpretação figurada ou metafórica.

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John Colet (c. 1467-1519) foi um dos primeiros reformadores a romper com o método alegórico medieval, ao expor em 1496, em Oxford, as cartas do apóstolo Paulo em seu sentido literal e no seu contexto histórico. Três anos depois, em 1499, ele já sustentava o princípio de que as Escrituras não podem ter senão um único significado: o mais simples. Martinho Lutero também rejeitou a interpretação alegórica. Defendeu que “nós devemos nos ater ao sentido simples, puro e natural das palavras, como requerido pela gramática e pelo uso do idioma criado por Deus entre os homens.” Quanto a Calvino, sua aversão à interpretação alegórica era de tal ordem que ele chegou a afirmar ser satânica, por desviar o homem da verdade das Escrituras. “É uma audácia próxima do sacrilégio”, escreveu ele, “usar as Escrituras ao nosso bel-prazer e brincar com elas como com uma bola de tênis, como muitos antes de nós o fizeram.” c. Necessidade de Iluminação Espiritual Os reformadores reconheceram a natureza divino-humana das Escrituras, e enfatizaram o papel do Espírito Santo no processo de interpretação da sua mensagem. Para eles, o impedimento maior estava na cegueira espiritual do homem, em função da queda, e não nas Escrituras. Tanto para Lutero, como para Calvino, nenhuma pessoa poderia interpretar corretamente as Escrituras sem a ação iluminadora do Espírito Santo através da própria Palavra. Eis as palavras de Lutero sobre o assunto: “...a verdade é que ninguém que não possui o Espírito de Deus vê um til sequer do que está na Escritura. Todos os homens têm seus corações obscurecidos, de modo que, mesmo quando discutem e citam tudo o que está na Escritura, não compreendem ou conhecem realmente qualquer assunto dela... O Espírito é necessário para a compreensão de toda a Escritura e cada uma de suas partes.” d. Interpretação Gramatical e Histórica Por outro lado, reconhecendo a natureza histórica das Escrituras, os reformadores defendiam a sua interpretação literal, enfatizando também a importância da gramática e da história na compreensão da sua mensagem. Melanchton foi um dos responsáveis pela ênfase reformada na exegese gramatical. Em um discurso proferido em 1518 em Wittenberg, ele exortou seus ouvintes a recorrerem às Escrituras nas línguas originais, onde encontrariam Cristo, livre das discordâncias dos teólogos latinos. Lutero ficou tão impressionado com o que ouviu, que passou a assistir às aulas de grego de Melanchton, dedicando-se com afinco ao estudo do grego. Mas foi Calvino, sem dúvida, quem melhor praticou a exegese gramatical e histórica. Ele tem sido considerado por muitos o maior intérprete da Reforma e um dos maiores de todas as épocas. A profundidade, lucidez e erudição dos seus comentários, que abrangem praticamente todos os livros da Bíblia, continuam a ser admirados e considerados atuais e raramente igualados. E não se pense que essa é a opinião apenas dos calvinistas (um compreensível exagero presbiteriano deste autor). Mesmo Jacobus Arminius (1560-1609), um dos mais conhecidos opositores das doutrinas de Calvino, reconhecia a excelência dos comentários dele, e chegou a recomendá-los como incomparáveis. Eis suas palavras: “Depois da leitura das Escrituras..., e mais do que qualquer outra coisa,... eu recomendo a leitura dos Comentários de Calvino...

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Pois afirmo que na interpretação das Escrituras Calvino é incomparável, e que seus Comentários são mais valiosos do que qualquer coisa que nos tenha sido legada nos escritos dos pais — tanto assim que atribuo a ele um certo espírito de profecia no qual ele se encontra em uma posição distinta acima de outros, acima da maioria, na verdade, acima de todos.” e. Desenvolvimento do Método Gramático Histórico Estes e outros princípios de interpretação praticados pelos reformadores (Lutero, Calvino e demais reformadores alemães, suíços, franceses e ingleses) viriam a ser desenvolvidos e adotados pelo protestantismo ortodoxo em geral desde então, e se tornaram conhecidos pelo nome de método gramático-histórico de interpretação bíblica. Foi este o método empregado pelos puritanos no séc. XVII; pelos líderes evangélicos do século XVIII na Europa e América do Norte (tais como George Whitefield e Jonathan Edwards); pelo anglicano J. C. Ryle, pelo batista Charles Spurgeon na Inglaterra e pelos presbiterianos Charles e Alexander Hodge no Seminário de Princeton nos EUA, no século passado; e pelos intérpretes e pregadores protestantes (luteranos, anglicanos, presbiterianos e batistas) ortodoxos deste século. Os manuais de hermenêutica de Davidson, Patrick, Imer, Terry, Berkhof, Berkeley, Mickelsen e Ramm pertencem todos a essa escola de interpretação bíblica, bem como os comentários bíblicos de Keil e Delitzsch, Meyer, Matthew Henry, Lange, Alford, Ellicot, Lightfoot, Hodge, Broadus e muitos outros. O método gramático-histórico de interpretação bíblica desenvolvido pela corrente reformada é, de fato, a hermenêutica honrada pelo tempo. É um método coerente com a natureza das Escrituras; fundamenta-se em pressuposições teológicas bíblicas; e emprega princípios gerais adequados e métodos lingüísticos e históricos extremamente frutíferos. III) A Bíblia: de Deus a nós Os pensamentos na mente de Deus REVELAÇÃO Os pensamentos na mente do autor humano INSPIRAÇÃO Estes pensamentos na forma escrita CANONIZAÇÃO A coleção destes escritos num livro PRESERVAÇÃO Cópias e traduções deste livro

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ILUMINAÇÃO/INTERPRETAÇÃO Os pensamentos de Deus em nós hoje IV) Intérpretes da Bíblia 1. Devemos interpretar as Escrituras literal e gramaticalmente. Os reformadores - opondo-se à depreciação medieval do significado “literal” das Escrituras, a qual defendia os vários sentidos “espirituais” (alegóricos) – insistiam que o sentido literal, ou seja, o sentido tencionado, natural e gramatical, é o único que as Escrituras têm; sendo de acordo com esse sentido que devemos procurar fazer uma exposição da Bíblia, dando cuidadosa atenção ao contexto e à gramática de cada afirmação. 2. Devemos interpretar as Escrituras de modo consistente e harmônico. Se a Bíblia é a Palavra de Deus, a expressão da mente divina, tudo quanto ela diz tem de ser verdadeiro, não podendo haver qualquer contradição real entre as suas várias partes. Logo, ficar explorando contradições aparentes mostra uma grande irreverência. Visto que a Bíblia é a expressão unificada da mente divina, segue-se que a “A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente” (CFW, I.9). Dois princípios derivam-se daí: (1) O que é obscuro deve ser interpretado à luz do que é mais claro. (2) As ambiguidades periféricas devem ser interpretadas em harmonia com certezas fundamentais. Logo, nenhuma exposição de qualquer texto estará certa se não concordar, segundo Richard Bernard (1607), “com os princípios cristãos, com os pontos do catecismo estabelecidos no Credo, com a oração do Pai Nosso, com os Dez Mandamentos e com a doutrina das ordenanças”. Estes dois princípios, juntos, formam a regra de interpretação comumente conhecida como “a analogia da fé”, uma expressão tomada por empréstimo de Romanos 12.6 (provavelmente não com o sentido que lhe deu Paulo). 3. Devemos interpretar as Escrituras teocentricamente e doutrinariamente. A Bíblia é um livro doutrinário; ela nos ensina sobre Deus e sobre as coisas criadas, em relação a Ele. Segundo William Bridge, “quando você olha para um espelho, vê três coisas: o espelho, você mesmo e todas as outras coisas, móveis ou quadros que estejam na sala. Assim também, quando examinamos a Bíblia... vemos ali verdades acerca de Deus e de Cristo. Deus é visto acima de tudo, Cristo também é visto; e vemos a nós mesmos e o nosso rosto sujo; também vemos as criaturas que estão no mesmo aposento conosco...” Além disso, as Escrituras ensinam uma visão teocêntrica. Enquanto o homem caído vê a si mesmo como o centro do universo, a Bíblia nos mostra Deus no centro de tudo, e pinta as criaturas, incluindo o homem, em sua devida perspectica – o homem existe por meio de Deus e para Deus. 4. Devemos interpretar as Escrituras cristológica e evangelicamente. Cristo é o verdadeiro tema das Escrituras: tudo ali foi escrito para testificar sobre Ele. Ele é, segundo Thomas Adams, “a súmula de toda a Bíblia, profetizada, tipificada, prefigurada, demonstrada, que se acha em cada página, quase em cada linha, pois as Escrituras são, por assim dizer, as roupas de nêne que envolvem o menino Jesus”. Portanto, segundo Isaac

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Ambrose, “tenha Jesus Cristo diante de seus olhos ao examinar a Bíblia, como o fim, escopo e substância da mesma. Que são as Escrituras, senão, por assim dizer, os ‘cueiros’ espirituais do menino Jesus? (1) Cristo é a verdade e a substância de todos os tipos e sombras. (2) Cristo é a substância e a matéria do pacto da graça e de toda a sua administração; sob o Antigo Testamento, Cristo estava oculto; sob o Novo Pacto, Ele foi revelado. (3) Cristo é o centro e o ponto de convergência de todas as promessas; pois nele as promessas de Deus acham o sim e o amém. (4) Cristo é a realidade simbolizada, selada e exibida nas ordenanças do Antigo e do Novo Testamentos. (5) As genealogias bíblicas são usadas para conduzir-nos à verdadeira linhagem de Cristo. (6) As cronologias da Bíblia mostram-nos os tempos e épocas de Cristo. (7) As leis bíblicas são nosso mestre-escola para levar-nos a Cristo: as leis morais corrigindo; as leis cerimoniais, apontando. (8) O evangelho da Bíblia é a luz de Cristo, mediante a qual nós O ouvimos e O seguimos... as cordas do amor de Cristo, por meio das quais somos enlaçados a uma doce união e comunhão com Ele; sim, o próprio poder de Deus para salvação de todo aquele que crê em Cristo Jesus. Portanto, devemos pensar em Cristo como a substância, a essência, a alma e o escopo de toda a Bíblia”. 5. Devemos interpretar as Escrituras de modo experimental e prático. De certo ângulo, a Bíblia é um livro de experiências espirituais, e os Puritanos exploravam essa dimensão com profundidade e discernimento sem rivais. Os temas da obra de John Bunyan, O Peregrino, servem de índice desse fato – a fé, a dúvida, a tentação, o desespero, o temor, a esperança, a luta contra o pecado, os ataques de satanás, os cumes da alegria espiritual, os ermos do senso de abandono espiritual. A Bíblia também é um livro prático, dirigindo-se ao homem em sua situação concreta – conforme ele está diante de Deus: culpado, vil e impotente – e dizendo-lhe em que deve crer e o que deve fazer para o bem-estar espiritual de sua alma. As doutrinas devem ser ensinadas do mesmo ponto de vista em que são apresentadas na Bíblia, e devem ser aplicadas com o mesmo propósito ensinado na Bíblia. William Perkins, em seu livro Arte of Propheying, distinguiu as diferentes classes de pessoas às quais podemos esperar ao dirigir-nos para qualquer congregação: (a) os que ignoram e são contrários ao ensino, que precisam do equivalente a uma bomba debaixo de seus assentos; (b) os que ignoram, mas que podem ser ensinados e precisam de uma série de instruções acerca do que consiste a fé cristã; (c) os que tem conhecimento, mas não são humildes, que precisam receber o senso de seu pecado; (d) os humildes de desesperados, que precisam ser firmados no evangelho; (e) os crentes que avançam com Deus, que precisam ser edificados; (f) e os crentes que caíram em algum erro, intelectual ou moral, e que precisam de correção. Outras categorias podem ser acrescentadas, como os desencorajados, os magoados e os deprimidos. 6. Devemos interpretar as Escrituras com uma aplicação fiel e realista. A aplicação deriva-se da própria Bíblia; assim, a indicação dos “usos” de doutrinas faz parte da obra de exposição bíblica. Interpretar que dizer tornar as Escrituras significativas e relevantes àqueles a quem o pregador se dirige, e o trabalho não terá termindado enquanto não tiver sido mostrada a relevância da doutrina, “para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (II Tm 3.16). Os “usos” padrões (tipos de aplicação) consistem no uso de informações, mediante o qual o ponto doutrinário em foco era aplicado e suas implicações são extraídas, a fim de moldar os juízos e atitudes dos homens em consonância

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com a mente de Deus; o uso de exortações, convocando-os à ação; o uso de consolação, em que a doutrina aparece como resposta às dúvidas e incertezas; o uso de perguntas para o auto-exame, uma chamada para pesar e medir as condições espirituais da pessoa, à luz da doutrina ensinada (talvez as marcas de um cristão regenenrado, ou a natureza de algum privilégio ou dever cristãos). A aplicação deve ser realista; o expositor deve notar que a Bíblia se dirige a homens, onde eles estiverem. A aplicação feita ontem talvez não corresponda à condição de hoje. A fim de aplicar as Escrituras de forma realista, é preciso saber o que se passa na cabeça e no coração do homem; e os Puritanos insistiam que aqueles que quisessem ser expositores precisavam conhecer as pessoas, tanto quanto a Bíblia. 7. Perguntas para fazer ao texto que estamos expondo: (1) Que significam realmente estas palavras? (2) Qual luz outros textos bíblicos lançam sobre este texto? Onde e como este texto ajusta-se à revelação total da Bíblia? (3) Quais verdades este texto ensina sobre Deus e sobre o homem em seu relacionamento com Deus? (4) Como essas verdades se relacionam com a obra salvadora de Cristo, e que luz o evangelho de Cristo lança sobre elas? (5) Quais experiências essas verdades delineiam, ou explicam, ou buscam criar ou curar? Com qual propósito prático elas figuram na Bíblia? (6) Como se aplicam a mim mesmo e a outras pessoas, em nossa própria situação? A que condição humana atual elas se dirigem, e o que elas nos estão dizendo para crermos e fazermos? V) Instruções práticas para a exegese: Familiarizar-se com um texto bíblico é um processo lento, demorado, mas gratificante. Observemos os seguintes passos metodológicos a serem seguidos para nos familiarizarmos com um texto bíblico específico: 1. Obtenha uma sólida impressão inicial do texto. a. Leia o texto escolhido em voz alta diversas vezes.

b. Leia versões bíblicas diferentes (EIIBB, ARA, ARC, BLH). c. Memorize o conteúdo principal ou até todos os versículos.

2. Esclareça o contexto. a. Anote o que precede o texto. b. Observe o que segue o texto.

c. Verifique qual o tema predominante dos contextos imediato e remoto. 3. As perguntas ao contexto são estas:

a. Como a passagem se relaciona com o material a seu redor e com o contexto remoto? b. Como a passagem se relaciona com o restante do livro? c. Como a passagem se relaciona com a bíblia como um todo?

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d. Como a passagem se relaciona com a cultura, o momento histórico e o pensamento teológico da época em que foi escrita?

- A exegese linguístico-gramatical: A exegese linguística busca a etimologia e o significado de uma palavra, enquanto a exegese gramatical procura ver o termo em relação ao restante da frase ou do versículo. A pergunta na exegese linguistico-gramatical é sempre esta: “O que realmente está escrito?” Os passos da metodologia da exegese linguistico-gramatical são os seguintes: a. Traduzimos o texto de seu original hebraico ou grego. b. Definimos os temos principais de um texto com a ajuda de um dicionário hebraico ou grego juntamente com o NDITAT e/ou NDITNT, para compreendermos sua origem, seu desenvolvimento, seu uso e seu significado bíblico e cultural. c. Comparamos algumas versões e traduções diferentes (ARA, ARC, EIBB, BLH, BJ). d. Subdivimos as orações em seus componentes: sujeito, objeto, expressão principal, adjuntos adverbiais, frases secundárias; então, verificamos como cada um se relaciona com o restante do versículo. e. Observamos as particularidades do texto: repetições de palavras, contrastes, interrogações, consequências, afirmações, etc. f. Diferenciamos os substantivos dos verbos, advérbios e pronomes; a voz passiva da ativa; o subjuntivo do indicativo, etc., para obtermos uma compreensão maior. Alguns exemplos: a. Romanos 5.10

Que verbo aparece duas vezes? Em que tempo aparece este verbo? Qual a origem e o significado deste verbo em grego? (Verifique no NDITNT, vol. IV, pp 69-78.)

b. Efésios 2.20

Quais são os verbos? Em que tempo se encontram estes verbos? Quais são os subjuntivos? Quem é o sujeito? Quem é o objeto? Qual é a frase principal? Quais são as frases secundárias?

c. Gálatas 2.20

Qual é o verbo que se repete? Em que tempo esse verbo se encontra? Em que tempo encontra-se o termo “crucificado”?

d. Tiago 4.7-10

Quais imperativos encontramos nesta passagem? Quais são os pronomes encontrados nesta passagem?

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e. Apocalipse 1.18

Observe e determine todas as formas verbais e os substantivos deste versículo.

- A exegese histórico-cultural: Sua tarefa é explicitar dados e circustâncias históricos, costumes e tradições que se originaram em outra cultura. A pergunta fundamental na exegese histórico-cultural é sempre esta: “Quais circunstâncias históricas e culturais precisam ser analisadas e compreendidas?” A metodologia da exegese histórico-cultural segue os seguintes passos: a. Esclarecemos o pano de fundo histórico (e.g., de uma carta neotestamentária ou de um livro profético do Antigo Testamento). b. Traçamos as conexões históricas – será que o texto relaciona-se com acontecimentos anteriores? c. Definimos o lugar e a época do fato. d. Explicamos as tradições e os costumes (e.g., Mt 3.12; Ap 19.15). e. Observamos a situação geográfica (e.g., Mc 5.20). Alguns exemplos a. Atos 17.18 falas dos epicureus e estóicos.

Analise as filosofias dos epicureus e estóicos, com o auxílios das seguintes obras: NDB, vol.1, pp. 505-506, 555. BVN, nota de rodapé em At 17.18, p. 165.

b. João 7.37 fala da festa dos Tabernáculos. Pesquise essa festa através dos versículos bíblicos paralelos, da chave bíblica, do rodapé da BVN, do NDB e de outros comentários.

- A exegese teológica: Sua tarefa é analisar os termos do texto da maneira teológica, bíblica, espiritual e doutrinária. As perguntas-chave na exegese teológica são: a. Qual o ensino ou mensagem desta frase ou versículo? b. Quais são as referências bíblicas que apóiam ou confirmam este ensino ou princípio? c. Quais as afirmações bíblicas que explicam melhor o significado deste ensino? d. O que Deus deseja expressar aqui? Na exegese teológica, o exegeta depende da operação e direção do Espírito Santo. A mensagem é descoberta pelo Espírito Santo, que nos ilumina (I Co 2.12-13). A metodologia usada pela exegese teológica é a seguinte: a. Esclarecemos os termos principais em relação ao testemunho interno das Escrituras. b. Determinamos o cerne do versículo. b. Observamos o indicativo da atuação divina.

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c. Correlacionamos o texto com a mensagem cristológica (o Cristo prometido, encarnado, crucificado, morto, ressurreto, glorificado, exaltado, presente, que vem outra vez, consumador, rei, sacerdote, profeta).

d. Definimos a realidade prática do versículo. Alguns exemplos: a. II Coríntios 5.21 – termos principais: pecado, fazer pecado, justiça de Deus; b. I João 4.9 – termos principais: manifestou, amor de Deus, Filho unigênito, mundo, viver; c. Jeremias 17.7 – termos princiapais: Senhor, confiar, esperança, bendito; d. Filipenses 4.4ss – o cerne é “perto está o Senhor”; e. Lucas 18.9-14 – o cerne é “este desceu justificado para sua casa”; f. João 2.1ss – o cerne é “ele... manifestou a sua glória”; g. Colossenses 3.12ss – quais são as afirmações indicativas da atuação divina?; h. Filipenses 2.6-11 – quais são as afirmações critológicas? i. Lucas 11.5ss; 18.1ss; I Tim 2.1ss; Mt 18.19ss – qual a finalidade destes versículos? - A exegese auxiliar: Sua tarefa é utilizar ferramentas sucundárias, além da Bíblia, para aprofundar a compreensão de um versículo bíblico. Tais ferramentas são: versículos paralelos (paralelismo de palavras e assuntos/tópicos), chaves bíblicas, concordâncias, Bíblia Shedd, dicionários, comentários e um atlas bíblico, entre outros. VI) Os problemas da interpretação das Escrituras Sagradas: a) O abismo do tempo (cronológico): Devido à gigantesca lacuna temporal, um abismo enorme separa-nos dos autores e dos primeiros leitores da Bíblia. Como não estávamos lá, não podemos conversar com os autores e com os primeiros ouvintes e leitores para descobrir de primeira mão o significado do que escreveram. b) O abismo do espaço (geográfico): Atualmente, a maior parte dos leitores da Bíblia vive a milhares de quilômetros de distância dos países onde se deram os fatos bíblicos. Foi no Oriente Médio, no Egito e nas nações mediterrâneas meridionais da Europa de hoje que as personagens bíblicas viveram e peregrinaram. A área estende-se desde a Babilônia, no que é hoje o Iraque, até Roma (e talvez a Espanha, se é que Paulo foi até lá). Essa distância geográfica deixa-nos em desvantagem. c) O abismo dos costumes (cultural): Existem grandes diferenças entre a maneira de agir e de pensar dos ocidentais e das personagens das terras bíblicas. Portanto, é importante conhecer as culturas e os costumes dos povos dos tempos bíblicos. Muitas vezes, a falta de conhecimento de tais costumes gera interpretações errôneas. d) O abismo do idioma (linguístico): Além dos abismos temporal, espacial e cultural existe ainda uma enorme lacuna entre nossa forma de falar e de escrever e a dos povos bíblicos. Os idiomas em que a Bíblia foi escrita – hebraico, aramaico e grego – têm singularidades estranhas à nossa língua. Por exemplo, no hebraico e no aramaico dos manuscritos do Antigo Testamento só havia consoantes. As vogais estavam subentendidas e, portanto, não eram escritas (embora os massoretas as tenham acrescentado séculos mais tarde, por volta de 900 d.C.). Além disso, tanto o hebraico quanto o aramaico são lidos da direita para a

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esquerda, e não da esquerda para a direita. Ademais, não havia separação entre as palavras. As palavras escritas nestas três línguas bíblicas emendavam-se umas às outras.

Gênesis 1.1 1 No princípio, criou Deus os céus e a terra. #rah taw ~ymvh ta ~yhla arb tyvarb 1

Mateus 1.1 1 Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. 1 bibloj genesewj ihsou cristou uiou dauid uiou abraam Outra dificuldade imposta pelo abismo linguístico é o fato de que as línguas bíblicas originais continham expressões incomuns ou de sentido obscuro, difíceis de compreender em nosso idioma. Além do mais, certas palavras só aparecem uma vez na Bíblia inteira, tornando impossível qualquer comparação com seu uso em outro contexto, o que nos ajudaria a entender o seu significado. e) O abismo da escrita (literário): Existem diferenças entre os estilos e as formas de escrita dos tempos bíblicos e os do mundo ocidental moderno. f) O abismo espiritual (sobrenatural): É importante ressaltar também que existe um abismo entre a maneira de Deus agir e a nossa. O fato de a Bíblia ser um livro sobre Deus coloca-a numa posição sem-par. Deus, que é infinito, não pode ser plenamente compreendido pelo que é finito. A Bíblia relata os milagres de Deus e suas predições sobre o futuro. Ela também fala de verdades difíceis de ser assimiladas, tais como a Trindade, as duas naturezas de Cristo, a soberania de Deus e a vontade humana. Todos estes fatores, somados a outros, agravam a dificuldade que temos de entender plenamente todo o conteúdo das Escrituras. Então, o intérprete precisa depender do Espírito Santo. A participação do Espírito Santo na interpretação bíblica indica várias coisas. Em primeiro lugar, sua participação não siginifica que as interpretações de alguém são infalíveis. Inerrância a infalibilidade são características dos manuscritos originais da Bíblia, e não de seus intérpretes. Em segundo lugar, a obra do Espírito na interpretação não quer dizer que ele desvende para alguns intérpretes um sentido “oculto”, diferente do significado normal e literal da passagem. Em terceiro lugar, o cristão que esteja vivendo em pecado é suscetível de interpretar erroneamente a Bíblia, pois seu coração e sua mente não estão em harmonia com o Espírito Santo. Em quarto lugar, o Espírito Santo guia-nos a toda a verdade (João 16.13). O crente só tem condições de aplicar, isto é, assimilar pessoalmente as Escrituras

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pela capacitação do Espírito Santo. Em quinto lugar, o papel do Espírito na interpretação indica que a Bíblia foi dada para que todos os crentes a entendessem. VII) Os gêneros literários nas Escrituras Sagradas: “Gênero literário” refere-se à categoria ou ao tipo de escrito caracterizado por determidadas(s) forma(s) e conteúdo ou um dos dois. A identificação dos diversos gêneros (tipos de literatura) no Antigo Testamento ajuda-nos a interpretá-las com maior precisão. Quais são os gêneros literários no Antigo Testamento? a) Jurídico: Embora o termo “jurídico” esteja mais associado aos cinco primeiros livros da Bíblia, os textos jurídicos – que incluem os mandamentos – compreendem Êxodo 20-40, Levítico, partes de Números (caps. 5, 6, 15, 18, 19, 28-30, 34, 35) e quase todo o Deuteronômio. Existem dois tipos de textos jurídicos. Um é o da lei apodíctica, que compreende os mandamentos diretos normalmente iniciados com a palavra “não”, como acontece nos dez mandamentos (Êx 20.3-17) e em Levítico 18.7-24; 19.9-19, 26-29, 31, 35. Não são leis completas, necessariamente. São ampliadas por todo o Antigo e Novo Testamento, em versões inibidoras e positivas. Outro tipo de texto jurídico encontrado nesses livros do Antigo Testamento é a lei casuística. Trata-se de leis específicas. Nesses tipos de mandamento, a lei é apresentada por uma condição que origina determinada situação. Temos exemplo disso em Levítico 20.9-18, 20, 21 e em Deuteronômio 15.7-17. b) Narrativa: Uma narrativa é uma história, evidentemente, mas uma narrativa bíblica é uma história relatada com o intuito de transmitir uma mensagem por meio das pessoas e de seus problemas e circustâncias. As narrativas bíblicas são seletivas e ilustrativas. Seu objetivo não é compor biografias completas, repletas de detalhes sobre a vida das pessoas; os autores selecionavam cuidadosamente o material que incluíam (é claro que sob a inspiração do Espírito Santo) visando a propósitos determinados. Geralmente, as narrativas obedecem a uma mesma sequência: acontece um problema logo no início, que traz complicações cada vez maiores, e chega-se ao clímax. Daí em diante, a narrativa segue em direção a uma solução e termina com o problema resolvido. À medida que o problema evolui, normalmente o suspense aumenta, e as dificuldades e os relacionamentos ficam mais complicados, até que se chega a um clímax dramático. O esquema abaixo ilustra o curso de uma narrativa: Pode haver seis tipos de narrativas: - Tragédia, que é a história da decadência de um indivíduo, do apogeu ao desastre. As vidas de Sansão, Saul e Salomão são exemplos de tragédia. - Épico, que é uma narrativa que contém uma série de episódios centralizados numa pessoa ou grupo de pessoas. Exemplo disso é a peregrinação dos israelitas no deserto. - Romance, que é uma narrativa que aborda a relação romântica entre um homem e uma mulher. Os livros de Rute e Cantares apresentam esse tipo de narrativa. - Heróico, e este estilo consiste numa história tecida em torno da vida e dos feitos de um herói ou protagonista, uma pessoa que por vezes representa outros ou é um exemplo para outros. Abraão, Gideão, Davi e Daniel enquadram-se neste caso.

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- Sátira é uma narrativa que trata da exposição das falhas ou da loucura humanas por meio da ridicularização ou da crítica. O livro de Jonas é uma sátira, visto que Jonas, na qualidade de representante de Israel, é ridicularizado por rejeitar o amor de Deus por todo o tipo de pessoas. Ironicamente, ele estava mais preocupado com uma planta do que com os pagãos de Nínive. A razão do livro terminar de forma abrupta, sem que o problema da ira do profeta tivesse sido resolvido é comum nas sátiras. A humilhação de Jonas é um bom final para a sátira, e os israelitas haveriam de enxergar no comportamento do profeta um reflexo de si próprios e de sua atitude para com as nações pagãs. O fato de que o livro de Jonas foi escrito em tom de sátira não anula de forma alguma sua historicidade. - Polêmica é uma narrativa que ataca agressivamente ou contesta as idéias de terceiros. Temos exemplos desse estilo no episódio da “contenda” de Elias com os 450 profetas de Baal (1 Reis 18.16-46) e nas dez pragas contra os deuses e deusas do Egito. c) Poesia: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares são os cinco principais livros poéticos do Antigo Testamento. Contudo, há poesia em muitos dos livros proféticos. A ARA (SBB) e a BLH (SBB) apresentam os textos em estilo poético, de forma que a diferença entre a poesia e a prosa é mais perceptivel. Existe poesia também em trechos da primeira parte do Antigo Testamento, como é o caso de Êxodo 15, Juízes 5 e 1 Samuel 2. Uma característica singular da poesia bíblica é o paralelismo entre duas (e às vezes três ou quatro) linhas. Essa é uma diferença da poesia ocidental, que normalmente é caracterizada por métrica e rima, elementos esses que a poesia hebraica desconhece na maioria dos casos. Os salmos são classificados como: lamentação coletiva (12, 44, 80, 94 e 137), lamentação individual (3, 22, 31, 39, 42, 57, 71, 120, 139 e 142), salmo comunitário de ação de graças (65, 67, 75, 107, 124 e 136), salmo individual de ação de graças (18, 30, 32, 34, 40, 66, 92, 116, 118 e 138) e hino de louvor (8, 19, 104, 148: exaltação de Deus como o criador; 66, 100, 111, 114, 149: louvor a Deus por ser o protetor de Israel; 33, 103, 113, 117, 145-147: louvor a Deus na qualidade de Senhor da História). Além desses, existem alguns salmos chamados de cânticos de Sião (46, 48, 76, 84, 87, 122), salmos de sabedoria (36, 37, 49, 73, 112, 127, 128, 133) e cânticos de confiança (11, 16, 23, 27, 62, 63, 91, 121, 125, 131). No momento de estudar e interpretar os salmos, é importante: a) distinguir essas categorias e os elementos em cada uma delas; b) reconhecer a existência das diversas figuras de linguagem; c) notar os tipos de paralelismo nos versículos; d) estudar o contexto histórico dos salmos e e) descobrir a idéia ou mensagem central do salmo. Os salmos devem ser vistos como uma orientação para a adoração e para aprendermos a Ter um relacionamento honesto com Deus, onde expressamos alegria, desapontamento, raiva ou outras emoções. Os salmos podem servir ainda para incentivar-nos a refletir e meditar sobre o que Deus tem feito por nós. d) Sapiencial: Os livros de sabedoria são Jó, Provérbios e Eclesiastes. Alguns incluem Cantares nesse grupo. Toda a literatura sapiencial tem caráter poético, mas nem todo texto poético pertence à literatura sapiencial. Podem-se ver dois tipos de literatura sapiencial nesses livros. Um é a literatura proverbial, que é o caso do livro de Provérbios. Os provérbios são verdades gerais fundamentadas na larga experiência e na observação. São princípios gerais que, em geral, mostram-se verdadeiros. Consistem em diretrizes, não em garantias; preceitos, não promessas. Outro tipo de literatura sapiencial é a reflexiva, que

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compreende uma discussão sobre os mistérios da vida, como acontece em Jó e em Eclesiastes. e) Proféticas: A Bíblia pode ser caracterizada como a “palavra profética” (2 Pedro 1.19). As Escrituras Sagradas foram escritas por profetas ou constituem o resultado de suas pregações. Abraão foi profeta (Gn 20.7). Moisés foi o maior profeta de Israel (Dt 18.15, 18; 34.10). Samuel recebeu a incumbência de um profeta (1 Sm 3.20) e também Davi, o poeta dos Salmos, é chamado dessa forma (At 3.20). Os profetas pertenciam à categoria de pessoas significativas para a escritura de textos na época dos reis. Sabemos que os profetas julgaram e descreveram a história na época dos reis. O Antigo Testamento termina, finalmente, com os profetas que clamam do exílio ou que testemunharam sobre uma Jerusalém reconstruída. Na fronteira entre o Antigo e o Novo Testamento está o grande profeta, João Batista. Jesus, que vem depois dele, é ainda mais do que um profeta. Ele é o próprio eterno filho de Deus. Os apóstolos que Ele envia são mensageiros do Filho de Deus e têm uma posição semelhante às dos profetas da Antiga Aliança. Por isso, os apóstolos falam com autoridade daquele que os enviou (Gl 1.6-9). O Novo Testamento termina com a profecia do livro de Apocalipse (Ap 22.10, 18-19). Duas áreas precisam ser notadas no estudo da profecia: a) a questão da relação entre o futuro e a profecia, em outras palavras, como se cumpre a profecia, e b) a relação entre profecia e a história. Neste contexto surge o assunto “tipologia”. Será que a história e as instituições antigas são significativas para épocas posteriores? Porque estudar as profecias? Elas nos consolam, acalmam, convertem, purificam, compelem e esclarecem. f) Evangelhos: Os evangelhos contêm uma boa quantidade de material biográfico sobre Cristo, mas são mais do que biografias. São doutrina e narrativa, que visam a apresentar informações sobre a pessoa de Jesus Cristo. Os ensinamentos de Jesus por meio de parábolas e de discursos diretos são intercaládos com registros de seus milagres e encontros com outras pessoas. g) Discurso lógico: Este gênero de literatura bíblica também é chamdo de literatura epistolar e refere-se às epístolas do Novo Testamento, de Romanos até Judas. As epístolas normalmente incluem dois tipos de textos: a) discurso expositivo, que explica determinadas verdades ou doutrinas, quase sempre apoiado na lógica, e b) discurso exortativo, que exorta a seguir determinados comportamentos ou à aquisição de certas características em face das verdades expostas no texto. Quanto ao formato, as epístolas geralmente começam por citar o autor, o destinatário (a pessoa ou pessoas a quem a epístola foi endereçada), saudações e, com frequência, mas nem sempre, agradecimentos por algum tipo de atitude ou pela conduta ou caráter dos leitores. O intérprete da Bíblia deve atentar nas epístolas para certas instruções de natureza nitidamente universal e, portanto, válidas em todas as épocas e culturas. Além disso, é importante diferenciar entre os princípios e as aplicações específicas. h) Apocalíptico: Este é um tipo especial de literatura (que dispensacionalistas afirmam ser profético), onde o estilo é simbólico.

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O conhecimento do gênero literário ou do estilo de determinado livro da Bíblia é mais útil do que uma análise minuciosa. Ele ajuda a transmitir a essência do livro, de forma que versículos e parágrafos possam ser vistos à luz do todo. Assim fica mais fácil evitar o problema de tirar os versículos de seu contexto. É um meio de esclarecer a natureza e o propósito de todo um livro. As formas de construção ajudam-nos a entender por que determinadas passagens encnontram-se onde estão. E a atenção ao gênero literário impede-nos de transformar uma passagem no que ela não é, tanto para mais como para menos. VIII) ANÁLISE TEOLÓGICA a) Precisamos distinguir entre os diversos tipos e usos da Lei nas Escrituras:

Validade LEI CIVIL LEI CERIMONIAL LEI MORAL Histórica Total Total Total Didática Bastante Total Total Reveladora Alguma Bastante Total Normativa Nenhuma Nenhuma Total

Pela Palavra de Deus aprendemos a conhecer, por um lado a vontade de Deus e o seu propósito para conosco, e, por outro lado, a nos conhecer a nós mesmos. A nossa situação de miséria diante de Deus é conhecida através da lei moral. Que é a lei moral? Ela pode ser definida como a declaração da vontade de Deus, feita a todos os homens, dirigindo e obrigando todas nós à conformidade e obediência perfeita e perpétua a ela - nos desejos e disposições do homem inteiro, alma e corpo, e no cumprimento de todos os deveres de santidade e retidão que se devem a Deus e ao homem. A lei moral acha-se resumidamente compreendida nos dez mandamentos, que foram dados pela voz de Deus no monte Sinai, e estão registrados em Êxodo 20. Ela tem validade permanente, sendo expandida no Novo Testamento (Mt 5-7). Os quatro primeiros mandamentos da lei moral contêm os nossos deveres para com Deus e os outros seis mandamentos contém os nossos deveres para com o homem. b) Lei e Graça em ambos os Testamentos: Martinho Lutero acreditava que para uma adequada compreensão da Bíblia devemos distinguir com cuidado entre duas verdades bíblicas paralelas e sempre presentes: a Lei e o Evangelho. A lei refere-se a Deus em seu ódio ao pecado, seu juízo e sua ira. O evangelho refere-se a Deus em sua graça, seu amor e sua salvação. Ambos os aspectos da natureza de Deus existem lado a lado na Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos. A Lei reflete a santidade do caráter de Deus; fosse ele privar-se dela, tornar-se-ia um Deus amoral em vez de um Deus santo. A graça é a resposta divina ao fato de que o homem nunca pode satisfazer ao padrão de santidade exigido pelo Senhor. Um modo de distinguir Lei e Evangelho é perguntar. “Isto fala de julgamento sobre mim?” Nesse caso, é Lei. Em contraste, se a passagem traz consolo, ela é o Evangelho. Usando esses critérios, podemos determinar nas seguintes passagens a Lei e o Evangelho:

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1. Evangelho: Gênesis 7.1: “Disse o Senhor a Noé: Entra na arca, tu e toda a tua casa, porque reconheço que tens sido justo diante de mim no meio desta geração.”

2. Lei: Mateus 22.37: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.”

3. Evangelho e Lei: João 3.36: “Por isso quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus.”

A Lei e o Evangelho revelam dois aspectos integrantes da personalidade de Deus: Sua santidade e sua graça. Assim, podemos ver a Lei e o Evangelho como partes inseparáveis da história da salvação, desde o relato do pecado de Adão e Eva até ao encerramento desta era. A Lei e o Evangelho têm propósitos contínuos, quer na vida dos incrédulos quer na dos crentes. Para o incrédulo, a Lei condena, acusa, e lhe mostra a sua necessidade do Senhor. Para o crente, a Lei continua a demonstrar a necessidade da graça e traça diretrizes para o viver diário. O Evangelho mostra ao incrédulo uma via de escape da condenação; para o crente, ele serve de motivação para guardar a lei moral de Deus. Deus continua a responder ao homem com a Lei e com a Graça, como tem feito desde o começo da história humana. Lei e Graça não são duas épocas diferentes no trato de Deus com os homens, mas partes integrantes de todo o seu relacionamento. c) Os Pactos: O conceito bíblico de pacto é encontrado tanto no Antigo como no Novo Testamento. Esta palavra frequentemente designa o relacionamento que Deus graciosamente mantém de geração em geração com seres humanos pecaminosos e frágeis. Em primeiro lugar, o Senhor Deus é quem inicia o relacionamento. Um pacto divino é monergístico (isto é, Deus inaugura o relacionamento e garante o cumprimento). O pacto não é tanto um contrato onde ambas as partes concordam com os termos do mesmo, que eles assinam na presença ou não de testemunhas, e são responsáveis em cumprir os termos legais dentro de um certo prazo. Um pacto, uma aliança, é um acordo que Deus estabelece, assina e concorda com os termos de seu cumprimento. Os pactos de Deus são justamente designados como “administrações soberanas da graça”. A palavra “soberanas” realça a fonte da graça: é Deus quem inicia e quem mantém o relacionamento. Se dependesse dos homens, os pactos seriam nulos e vazios, porque por nossa própria natureza somos seres que quebram pactos. Cada pacto é um seguro do compromisso de Deus em manter o Seu relacionamento. Nas Escrituras temos o pacto com a criação (também conhecido por alguns como pacto das obras), onde Deus dá vida a todas as criaturas, e aos homens dá a Sua imagem provendo a Sua bênção, o pacto com Noé, que nos dá a segurança de gozarmos a graça comum, o pacto com Abraão, que ressalta a graça especial de Deus, em que pessoas são trazidas à comunhão com Ele, os pactos com Moisés (que é uma garantia da graça, porém coberto pelas sombras das ameaças de punição) e Davi (que é uma garantia da presença de Deus e Sua proteção através do reinado do seu rei messiânico) e a nova aliança, em Cristo. Todos os pactos se unem sob uma só administração, em Cristo Jesus, aquele em quem os antigos esperavam, descendente da linhagem de Abraão e Davi, o qual viveria em

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integridade diante de Deus, removeria a maldição da lei, renovaria a aliança, estabeleceria um reino de justiça e retidão, e governaria com equidade sobre todas as nações. Jesus não se relaciona conosco apenas como indivíduos. Cristo é o Senhor soberano que convida os indivíduos a serem membros da Sua aliança. Cada crente é um membro da comunhão do pacto que engloba todos os cristãos na ordem criada. Como Senhor soberano, Jesus nos assegura da graça de Deus, da realidade da presença de Deus conosco, da aplicação da Sua graça e promessa aos membros de nossa família, e do futuro glorioso que nos espera com Ele. Porém o Senhor Jesus espera ver nossas vidas refletindo o zelo por Deus, uma paixão por nossa família, amor pela humanidade e uma preocupação para com o Seu mundo. O senhorio de Cristo também se estende a toda a ordem criada através da graça comum, para além da igreja local ou da denominação. Este entendimento mais amplo da aliança nos ajuda a entender que a graça de Deus se estende para além da Igreja, para o mundo todo. Uma abordagem mais empática para com o mundo de forma mais ampla pode promover um espírito de compaixão para com a humanidade e uma prontidão intercultural para construir pontes para as pessoas que necessitam do Salvador. Enfim, eles são recipientes dos benefícios da graça comum. A dor deles é um lembrete de que eles também podem encontrar a graça salvadora no Senhor Jesus!

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APÊNDICE: Pré-milenismo dispensacional: O pré-milenismo dispensacional foi desenvolvido no século 19 através do ensino de Edward Irving (Igreja de Escócia) e John Nelson Darby (Anglicano). Essa teologia tem sido promovido por uma variedade de mestres e pregadores populares. O Seminário Teológico de Dallas e as notas na Bíblia de Scofield têm feito mais para espalhar essa doutrina do que qualquer outra fonte. Ela concorda com o pré-milenismo histórico em muitos pontos, mas tem alguma áreas de diferenças importantes. O pré-milenismo dispensacional assevera que só ela mantêm uma interpretação rigidamente literal da Bíblia. Por causa disso, ela tem uma tendência forte de acusar teólogos que afirmam outros sistemas escatológicos de “espiritualizarem” as Escrituras. Assim, alguns denominações, influenciadas pelo dispensacionalismo, excluem amilenistas e pós-milenistas do ministério. A influência da Bíblia de C. I. Scofield também fez com que o dispensacionalismo viesse a ser conhecido como sinônimo de fundamentalismo. A doutrina que mais se destaca no dispensacionalismo é a idéia do arrebatemento pré-tribulacional da igreja. Esta doutrina é ligada com a distinção radical que os dispensacionalistas fazem entre Israel e a igreja. Segundo a sua teoria, Jesus ofereceu o Reino literalmente aos judeus quando Ele veio a primeira vez. Sendo rejeitado pelos judeus, o Reino foi adiado, e Deus colocou em ação seu plano “B”, ou seja, a época da igreja. Basicamente, Jesus levou a oferta da salvação aos gentios, uma vez que os judeus a recusou. Mas essa situação apenas pode ser temporária, porque todas as promessas e profecias do AT sobre Israel tem que ser cumpridas literalmente. A ordem dos eventos será: a época da igreja, a apostasia do homem; o arrebatamento da igreja para estar com Cristo no céu durante sete anos; a grande tribulação de sete anos dividido em duas partes, um período de paz com o estabelecimento de Israel como nação e um período da perseguição do povo de Deus pelo anti-cristo, e o ira de Deus contra os não-crentes; a volta de Cristo em glória para derrotar o anti-cristo, o milênio com Satanás preso no abismo; Satanás solto, a rebelião das nações; a derrota final de Satanás, a ressurreição dos ímpios e o julgamento final; o estado eterno. Entre os teólogos contemporâneos que afirmam esta posição estão Scott Horrell, Francis Schaeffer e John MacArthur.

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Charles Ryrie: As sete dispensações: Dispensação da Inocência ou Liberdade Gênesis 1.28-3.6 Dispensação da Consciência Gênesis 4.1-8.14 Dispensação do Governo Civil Gênesis 8.15-11.9Dispensação da Promessa Gênesis 11.10-Êxodo 18.27 Dispensação da Lei Mosaica Êxodo 18.2-Atos 1.26 Dispensação da Graça Atos 2.1-Apocalipse 19.21 Dispensação do Milênio Apocalipse 20

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Bibliografia Básica Gerard van Groningen. Revelação Messiânica no Velho Testamento. Campinas: Luz para

o Caminho, 1995. 942 p. Gleason L. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento? São Paulo: Vida Nova,

1991. 516 p. Gordon D. Fee & Douglas Stuart. Entendes o que Lês? Um guia para entender a Bíblia

com o auxílio da exegese e da hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 1986. 330 p. Hans Ulrich Reifler. A Ética dos Dez Mandamentos. São Paulo: Vida Nova, 1992. 248 p. Jacob van Bruggen. Para ler a Bíblia: Uma introdução à leitura da Bíblia. São Paulo:

Cultura Cristã, 1998. 191 p. O. Palmer Robertson. Cristo dos Pactos. Campinas: Luz para o Caminho, 1997. 275 p. R. Laird Harris, Gleason L. Archer, Jr. & Bruce K. Waltke. Dicionário Internacional de

Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998. 1789 p. Roy B. Zuck. A Interpretação Bíblica: Meios de descobrir a verdade da Bíblia. São

Paulo: Vida Nova, 1994. 356 p. Samuel J. Schultz. A História de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova,

1986. 413 p. Walter C. Kaiser Jr. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1996. 312 p. William S. LaSor, David A. Hubbard & Frederic Wm. Bush. Introdução ao Antigo

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