franc3a7a j a arquitetura do leitor modelo

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A ARQUITETURA DO LEITOR MODELO: A FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃODE EDGAR ALLAN POE Julio França * INTRODUÇÃO A leitura que aqui propomos do ensaio A Filosofia da Composição”, de Edgar Allan Poe, é parte de um trabalho de pesquisa em curso sobre os fundamentos estéticos da narrativa literária de horror, a partir das obras de quatro ficcionistas-críticos: o próprio Poe, Horace Walpole, H. P. Lovecraft e Stephen King quatro gerações de escritores que nos legaram, além de algumas das mais significativas obras ficcionais do gênero, uma reflexão crítica sobre suas práticas. As primeiras conclusões dessa pesquisa apontam para como a reflexão crítica sobre a narrativa ficcional de horror possui orientação aristotélica. A criação literária é pensada por uma perspectiva que considera em primeiro plano os efeitos de recepção, isto é, a obra literária de horror é encarada como um artefato produtor de uma emoção específica: o medo e suas variações. O presente trabalho dá continuidade a essa investigação, ao avaliar, a partir do ensaio de Poe, a pertinência de se propor reflexões críticas sobre o horror fundadas na recepção das obras. Afinal, situar em uma certa predisposição psíquica do leitor portanto, fora da obra tanto o traço fundamental do gênero quanto o seu valor, pode gerar um certo “desconforto metodológico”. Ao se adotar uma perspectiva de análise centrada na recepção, aproximar-se-ia a descrição da literatura de horror perigosamente de uma zona de indeterminação em que a subjetividade e as idiossincrasias do leitor poderiam ser soberanas e inviabilizariam uma abordagem estritamente “literária” do tema. Por essa razão, a consideração do “horror” como um efeito não poderá jamais estar dissociada da compreensão dos mecanismos responsáveis por sua constituição. Mais do que uma questão de subjetivismos e idiossincrasias, o efeito estético deveria ser o resultado de um planejamento, isto é, o fruto de processos construtivos relacionados à criação da obra literária. A consideração da composição artística fazendo uso de uma metáfora poeana como uma maquinaria da produção de efeitos permite-nos considerar o insólito tanto em sua dimensão textual como elaboração artesanal quanto em sua dimensão ligada à recepção. Além disso, abre espaço para a integração do autor neste processo, como alguém capaz de manipular elementos constitutivos da produção de sentidos e dar forma, nos termos de Umberto Eco, a um leitor-modelo. ALLAN POE E A FICÇÃO DE HORROR Dos quatro autores com os quais trabalhamos, Edgar Allan Poe é o que possui maior reconhecimento, por parte da tradição dos Estudos Literários, de suas qualidades como crítico. Não * Doutor em Literatura Comparada (UFF), Professor Adjunto de Teoria da Literatura (UERJ).

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  • A ARQUITETURA DO LEITOR MODELO:

    A FILOSOFIA DA COMPOSIO DE EDGAR ALLAN POE

    Julio Frana*

    INTRODUO

    A leitura que aqui propomos do ensaio A Filosofia da Composio, de Edgar Allan Poe,

    parte de um trabalho de pesquisa em curso sobre os fundamentos estticos da narrativa literria de

    horror, a partir das obras de quatro ficcionistas-crticos: o prprio Poe, Horace Walpole, H. P.

    Lovecraft e Stephen King quatro geraes de escritores que nos legaram, alm de algumas das

    mais significativas obras ficcionais do gnero, uma reflexo crtica sobre suas prticas.

    As primeiras concluses dessa pesquisa apontam para como a reflexo crtica sobre a

    narrativa ficcional de horror possui orientao aristotlica. A criao literria pensada por uma

    perspectiva que considera em primeiro plano os efeitos de recepo, isto , a obra literria de horror

    encarada como um artefato produtor de uma emoo especfica: o medo e suas variaes.

    O presente trabalho d continuidade a essa investigao, ao avaliar, a partir do ensaio de

    Poe, a pertinncia de se propor reflexes crticas sobre o horror fundadas na recepo das obras.

    Afinal, situar em uma certa predisposio psquica do leitor portanto, fora da obra tanto o trao

    fundamental do gnero quanto o seu valor, pode gerar um certo desconforto metodolgico. Ao se

    adotar uma perspectiva de anlise centrada na recepo, aproximar-se-ia a descrio da literatura de

    horror perigosamente de uma zona de indeterminao em que a subjetividade e as idiossincrasias do

    leitor poderiam ser soberanas e inviabilizariam uma abordagem estritamente literria do tema. Por

    essa razo, a considerao do horror como um efeito no poder jamais estar dissociada da

    compreenso dos mecanismos responsveis por sua constituio. Mais do que uma questo de

    subjetivismos e idiossincrasias, o efeito esttico deveria ser o resultado de um planejamento, isto ,

    o fruto de processos construtivos relacionados criao da obra literria. A considerao da

    composio artstica fazendo uso de uma metfora poeana como uma maquinaria da produo

    de efeitos permite-nos considerar o inslito tanto em sua dimenso textual como elaborao

    artesanal quanto em sua dimenso ligada recepo. Alm disso, abre espao para a integrao do

    autor neste processo, como algum capaz de manipular elementos constitutivos da produo de

    sentidos e dar forma, nos termos de Umberto Eco, a um leitor-modelo.

    ALLAN POE E A FICO DE HORROR

    Dos quatro autores com os quais trabalhamos, Edgar Allan Poe o que possui maior

    reconhecimento, por parte da tradio dos Estudos Literrios, de suas qualidades como crtico. No

    * Doutor em Literatura Comparada (UFF), Professor Adjunto de Teoria da Literatura (UERJ).

  • nos legou, porm, uma reflexo especfica sobre a narrativa ficcional de horror gnero que Poe

    ajudou a consolidar e que viria a lhe consagrar. Seus ensaios, de modo geral, tratam muito mais da

    literatura como um todo e, mais especialmente, da poesia. A importncia de um texto como A

    Filosofia da Composio para um estudo da narrativa de horror , portanto, indireta: necessrio

    compreender a idia mais geral de Poe sobre a literatura como um todo para se chegar

    especificidade de sua compreenso da literatura de horror.

    Como Poe se encaixaria na tradio dos ficcionistas-crticos de horror? Os trs outros

    autores por ns estudados Walpole, Lovecraft e King pensam a criao literria por uma

    perspectiva que privilegia francamente os efeitos de recepo e concebem a obra literria de horror

    como um artefato produtor de uma emoo especfica o medo e suas variaes (horror, terror,

    repulsa etc.).

    Ora, no difcil perceber que, ao falarmos em produo de efeitos, estamos diante de uma

    clave aristotlica. A Potica, de Aristteles, o marco inicial da reflexo sobre a literatura

    direcionada aos efeitos produzidos pela obra. Os elementos constitutivos da tragdia principal

    espcie literria estudada pelo filsofo so pensados em funo da resposta emocional que o

    gnero capaz de provocar.

    Em uma obra que reputamos fundamental para o estudo da esttica da narrativa de horror, A

    Filosofia do Horror ou Paradoxos do Corao, o filsofo norte-americano Noel Carroll admite ter

    pretendido estudar a literatura de horror a partir do paradigma aristotlico:

    Tomando Aristteles para propor um paradigma do que a filosofia de um gnero artstico

    possa ser, oferecerei uma explicao do horror em razo dos efeitos emocionais que ele

    destinado a causar no pblico. Isso implicar tanto a caracterizao da natureza desse efeito

    emocional quanto um exame e uma anlise das figuras recorrentes e das estruturas de

    enredo usadas pelo gnero para suscitar os efeitos emocionais que lhe so apropriados. Ou

    seja, no esprito de Aristteles, presumirei que o gnero destinado a produzir um efeito

    emocional; tentarei isolar esse efeito; e tentarei mostrar como as estruturas caractersticas,

    as imagens e as figuras do gnero so arranjadas para causar a emoo que chamarei de

    horror-artstico (art-horror). Embora no espere ter tanta autoridade quanto Aristteles,

    minha inteno tentar fazer com o gnero do horror o que Aristteles fez com a tragdia

    (CARROLL, 1999:21).

    Carrol adota a Potica, de Aristteles, como um paradigma para o estudo filosfico analtico

    do horror artstico. Em nossa pesquisa, chegamos ao filsofo de Estagira por outro caminho: em

    nosso esforo de compreender as poticas da narrativa ficcional de Horror isto , como os autores

    do gnero descrevem, auto-avaliam e justificam suas prticas identificamos o pensamento

    aristotlico como o fundamento comum s reflexes crticas dos autores estudados.

    No caso especfico de nosso presente ensaio, a associao entre A filosofia da composio

    e o paradigma aristotlico j havia sido feita por Umberto Eco, em um congresso na Sorbonne, em

    1990, quando confessou ter sofrido sua experincia aristotlica decisiva ao ler a Philosophy of

    Composition, de Edgar Allan Poe (ECO, 2003: 221). Como Eco bem observa, apesar de jamais

  • nomeado no ensaio, Aristteles o modelo mudo que sustenta o pensamento de Poe. A polmica

    rejeio da inspirao como origem da criao potica e a escandalosa ousadia de declarar a suposta

    espontaneidade do fazer potico como uma construo orientada por clculos rgidos nada mais so

    do que desdobramentos de lies aristotlicas.

    Edgar Allan Poe talvez seja o articulador do modelo mais bem acabado do que chamaremos

    aqui, sem pretenses conceituais, de construtivismo potico. Em A filosofia da composio, o

    poeta, ficcionista e ensasta norte-americano descreve os princpios da construo literria,

    explicitando que a primeira considerao a ser feita antes da elaborao de uma obra refere-se ao

    efeito que se deseja produzir no leitor:

    Eu prefiro comear com a considerao de um efeito. Mantendo sempre a originalidade em

    vista, pois falso a si mesmo quem se arrisca a dispensar uma fonte de interesse to

    evidente e to facilmente alcanvel, digo-me, em primeiro lugar: Dentre os inmeros

    efeitos, ou impresses a que so suscetveis o corao, a inteligncia ou, mais geralmente, a

    alma, qual irei eu, na ocasio atual, escolher? (POE, 1987:110).

    A apologia do controle total do fazer potico envolve at mesmo uma idia dominante da

    esttica romntica, a originalidade, que surge aqui como mais um recurso a ser trabalhado em favor

    daquilo que deve nortear a criao literria: o leitor, ou melhor dizendo, o efeito que se busca

    produzir no leitor. Configura-se, em Allan Poe, a melhor definio de um dos plos do espectro da

    criao: se nas doutrinas da inspirao tem-se as fontes criativas do poeta em algum tipo de

    exterioridade, o processo criativo gerido pela tcnica responde pela internalizao radical. Se a

    imagem platnica da criao inspirada a da cadeia magntica dos elos, a metfora poeana da

    composio a da maquinaria teatral da produo de efeitos.

    Seguindo em sua demonstrao, Allan Poe declara jamais ter tido a menor dificuldade em

    relembrar os passos progressivos de qualquer de suas composies (POE, 1987:111). Para

    exemplificar, ele toma aquela que era considerada sua obra-prima, o poema O corvo, sobre a qual

    declara, antes de esmiuar-lhe o processo de realizao: nenhum ponto de sua composio se

    refere ao acaso, ou intuio, (...) o trabalho caminhou, passo a passo, at completar-se, com a

    preciso e a seqncia rgida de um problema matemtico (POE, 1987:111).

    O modo categrico como Poe apresenta a sua defesa construtivista da criao potica tem

    importantes seguidores entre eles, poetas como Paul Valery e T.S.Eliot , uma linhagem de poetas

    que acreditava na poesia como um trabalho de linguagem e como um ato de comunicao. Ao

    mesmo tempo, ele tambm foi capaz de desnortear alguns adeptos da inspirao. Emile Cioran, em

    um artigo demolidor sobre Valry, indignava-se contra a defesa da lucidez e da tcnica do poeta

    francs, e proclamava que toda a obra valeryana se baseara em uma leitura ingnua da Filosofia da

    composio de Poe, um texto onde um poeta zombava de seus leitores crdulos (CIORAN,

    2000:22). Para o filsofo romeno poca um admirador confesso do lirismo desenfreado de

    Shelley o depoimento de Poe s podia ser a hoax: uma mistificao, um logro. Para um adepto do

  • entusiasmo, reduzir o fazer potico maquinaria e matemtica s poderia ser uma tentativa de

    fraude.

    Poe realmente estaria, com a Filosofia da composio, pregando uma pea em seus

    leitores? Seria o ensaio algo semelhante ao conto Como escrever um artigo moda Blackwood,

    de 1838, em que Poe satiriza as frmulas das histrias de horror e de mistrio da revista escocesa

    Blackwoods Magazine (cf. POE, 2001:480-8)? Acreditamos que no. Poe ataca em A Filosofia da

    Composio alvos similares aos que atinge em Como escrever um artigo moda da Blackwood,

    No primeiro caso, a vtima a inspirao, apresentada como uma mistificao de artistas que no

    admitiriam revelar o carter artesanal e planejado de suas prticas. No segundo caso, o objetivo

    satirizar a crena de que a experincia seja a matria-prima do artista. As sensaes, os sentimentos

    e as emoes deveriam ser produzidos no leitor. Representados no autor, no passariam de farsa

    e de histrionismo.

    Como um escritor no auge do Romantismo poderia ter semelhantes idias a respeito da

    literatura? O romantismo de Poe difere muito do de Shelley poeta que representa, para Poe, uma

    espcie de nmesis. Repugnava-o a idia de que o poema pudesse ser a realizao precria de algo

    que no se pode exprimir adequadamente. Qualquer pensamento poderia ser exposto em linguagem.

    A dificuldade em express-lo seria um ndice apenas de falta de mtodo ou de reflexo (cf. POE,

    1977:312). Sob a perspectiva de Poe, Shelley era o gnio sem habilidade construtiva, o poeta sem

    o clculo do efeito, o artista que no considera o seu pblico. Sendo apenas instinto sem arte,

    Shelley estava aqum das exigncias do construtivismo potico, que se constitui fundamentalmente

    como um sistema de produo e percepo de efeitos.

    A Filosofia da Composio parece-nos, portanto, absolutamente coerente com a

    perspectiva construtivista de Allan Poe e tributria de uma compreenso aristotlica da literatura.

    Entretanto, mesmo que recusemos a entend-lo como uma pea satrica, o ensaio apresenta-nos

    outras dificuldades. Como, afinal, ele deve ser lido? Como prescries para outros poetas ou uma

    teoria implcita da arte em geral, extrapolada de uma experincia pessoal de escritura, por parte de

    um escritor que se coloca como leitor crtico da prpria obra? (ECO, 2003:222) pergunta-se

    Umberto Eco. Ou, colocando a questo em outros termos: para quem Poe escreveu a Filosofia da

    Composio? Para os leitores de O Corvo? Para seus crticos? Para os artistas? Com quem Poe

    dialoga neste ensaio?

    UMBERTO ECO E A ARQUITETURA DO LEITOR-MODELO

    Voltemos a Umberto Eco, que talvez nos ajude a entender o ensaio. Para Eco, Poe pode no

    ter sido to sincero em A Filosofia da Composio. Ao contrrio do que alardeia no ensaio,

    talvez no tivesse conscincia plena de cada passo construtivo de O Corvo enquanto o escrevia,

  • mas somente aps a obra pronta teria agido como um leitor-crtico de si mesmo e desmontado,

    analiticamente, o poema. Ao proceder assim, obteve uma prtica de escritura da qual o seu

    pequeno poema era um exemplo e identificou estratgias que caracterizam o procedimento

    artstico em geral (ECO, 2003:222).

    Umberto Eco retornou Filosofia da Composio na segunda conferncia de Seis passeios

    pelos bosques da fico, quando procurou entender o ensaio de Poe como um conjunto de

    instrues do autor-emprico ao leitor-modelo. Acho que Poe s quis expor o que esperava que o

    leitor do primeiro nvel [o emprico] sentisse e o leitor do segundo nvel [o modelo] descobrisse em

    seu poema (ECO, 1994:50). A Filosofia da Composio no seria, portanto, um manual de

    instrues sobre como o leitor deve-se comportar diante de O Corvo:

    Poe no est nos dizendo como parece a princpio que efeitos deseja criar na alma de

    seus leitores empricos; se fosse assim, teria mantido seu segredo e considerado a frmula

    do poema to secreta quanto a da Coca-Cola. Quando muito, ele nos revela como produziu

    o efeito que deve impressionar e seduzir seu leitor do primeiro nvel (...). Talvez tenha

    decidido revelar seu mtodo porque at ento no havia encontrado seu leitor ideal e queria

    agir como o melhor leitor de seu prprio poema. Sendo assim, seu gesto foi um ato pattico

    de terna arrogncia e orgulho humilde; ele nunca devia ter escrito A filosofia da

    composio e devia ter deixado para ns a tarefa de entender seu segredo (ECO, 1994, p.

    52-3)

    Allan Poe, na provocativa explicitao das intencionalidades autorais, teria pretendido realizar

    aquele seria o inconfessvel desejo de qualquer autor? Ser completamente compreendido (nos seus

    prprios termos) e garantir que todos os gatilhos produtores de emoes que plantou em sua obra

    fossem encontrados e disparados? A hiptese do desejo pelo controle total via revelao das

    intenes autorais, suas concretizaes textuais e o tipo de recepo esperada coaduna-se com a

    inteno de Poe em agradar tanto ao gosto do pblico quanto ao gosto da crtica, explicitada em

    trechos em que fala na inteno de compor um poema que, a um tempo, agradasse ao gosto do

    pblico e da crtica (POE, 1987:111), ou na busca por um grau de excitao que no colocava

    acima do gosto popular nem abaixo do gosto crtico (POE, 1987:112) ou no desejo de tornar a

    obra aprecivel por todos (POE, 1987:112).

    A ostensiva preocupao com a recepo favorvel da obra de arte sempre irritou alguns

    crticos. Kenneth Burke, em um ensaio de 1961, questionava se a Filosofia da Composio

    deveria, de fato, ser lido como uma Potica. Para Burke, uma potica deveria tomar como objeto

    a prpria linguagem do gnero, a natureza de um modo discursivo especfico e no se ocupar em

    conquistar aprovaes pblicas. Tal crtica ressalta as influncias aristotlicas de Poe, uma vez que

    a Potica, de Aristteles, tanto uma reflexo descritiva do gnero quanto uma cincia normativa,

    isto , o pensamento Aristotlico est voltado tanto para o que a obra literria quanto para o que

    ela deve ser. Em outros termos, o que a obra deve ser refere-se, fundamentalmente, ao que produz

  • como efeito e, consequentemente, uma recepo favorvel est indissociavelmente ligada

    produo das emoes buscadas.

    No por acaso, tanto Aristteles quanto Poe so alvos da acusao de produzirem reflexes

    no sobre alta arte, mas sobre espcies menos nobres e mais populares a tragdia grega, os

    contos de horror. De fato, como bem observa Eco, se nos ativermos s ideias aristotlicas para a

    construo de um mythos que produza um ergon eficaz, cai-se inevitavelmente no miditico (ECO,

    2003:230). Tomar A Filosofia da Composio como uma pea em que se defende que a arte

    exclusivamente produo de emoes seria igualar Poe, nas palavras de Eco, a um roteirista de

    Dallas (ECO, 2003:230).

    Para Eco, Poe escaparia da armadilha miditica porque, assim como Aristteles, possua

    em mente outros princpios formais, como o clculo dos versos, a anlise da musicalidade do never

    more, o calculado contraste visual entre o busto branco de Pallade e o negror do corvo, e todo o

    resto que faz de O corvo uma composio potica e no um filme de terror (ECO, 2003:230).

    Sob o ponto de vista de nossa pesquisa em curso, o mistrio que o ensaio de Poe no revela

    justamente quais so os outros princpios formais da narrativa de horror. Fiel a lio aristotlica,

    Poe nos deu as diretrizes bsicas: o enredo o elemento dominante, as emoes do leitor so as

    metas a serem buscadas. Mas o que permitiria narrativa de horror escapar da armadilha

    miditica e ser mais do que um artefato produtor de sustos?

    Poe legou-nos, com A Filosofia da Composio, um mtodo de desmontagem de seus

    prprios textos ficcionais. Neles estejam talvez os outros princpios formais da narrativa de horror, a

    prpria chave de sua Potica do Horror. Seus contos, como corvos hirtos e sombrios, sobre o alvo

    busto de Palas, aguardam que lhes faamos as perguntas corretas.

    Referncias Bibliogrficas:

    CARROLL, Nol. A filosofia do horror ou paradoxos do corao. Traduo de Roberto Leal

    Ferreira. Campinas: Papirus Editora, 1999.

    CIORAN, Emile. Valry diante de seus dolos. Exerccios de admirao; ensaios e perfis. Prefcio

    e traduo de Jos Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. pp. 48-55.

    ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da fico. Traduo Hildegard Feist. So Paulo:

    Companhia das Letras, 1994.

  • ______. A Potica e ns. In:____. Sobre a literatura. Traduo de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro:

    Record, 2003. pp. 219-34.

    POE, Edgar Allan. Como escrever um artigo moda Blackwood. In:____. Fico completa, poesia e

    ensaios. Trad. Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. pp. 480-8.

    _____. A Filosofia da composio. In:____. Poemas e ensaios. Traduo de Oscar Mendes, Milton

    Amado. 2 ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987.

    ______. Poems and Essays. London: Dent, New York: Dutt; 1977.