fortini, priscila e souza, cintia. vozes da rua - um relato de uma experiência com moradores de rua

8/3/2019 FORTINI, Priscila e SOUZA, Cintia. Vozes da rua - um relato de uma experincia com moradores de rua

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VOZES DA RUA:um relato de experincia com moradores de rua

Estagirias:Cintia Amlia de SouzaPriscila Ferreira Fortini

Supervisora:

Adriana Rodrigues Domingues

Banca Examinadora:Camila Alves Fior

Ellika TrindadeRogrio Bonato


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VOZES DA RUA: Um relato de experincia com moradores de rua

Este trabalho apresenta um relato de uma experincia de estgio realizada com moradores de rua dacidade de Poos de Caldas MG. O Brasil se encontra entre os pases de maior desigualdade nadistribuio de renda, gerando um sistema no qual o capital produzido fica destinado a umaminoria, em detrimento do avano dos quadros de misria e vulnerabilidade social. Neste contexto,percebemos um aumento progressivo de pessoas vivendo em situao de rua no municpio emquesto. O objetivo do trabalho consistiu em promover um espao de dilogo e reflexo junto aspessoas em situao de rua, no que tange as questes referentes s suas vidas. Durante nove meses,realizamos um grupo de reflexo com moradores de rua abrigados em uma instituio depermanncia temporria. O grupo na sua maioria homens era marcadamente atravessado por

experincias de dependncia qumica, sendo esta a principal demanda do mesmo. Conformedefinido pelo grupo, semanalmente os participantes traziam os temas que seriam discutidos e asestagirias atuavam como problematizadoras das questes por eles trazidas. Os principais temas quesurgiram e foram recorrentes no discurso destes moradores de rua foram: a famlia, o trabalho, a ruae as drogas. O tema famlia apresenta-se como lao social do passado que os conectam a um futuromelhor, longe das drogas; o trabalho, visto como identidade e funo social; a rua, surge comoconseqncia do uso abusivo de lcool e drogas e o tema drogas, aparecem como uma possibilidadede enfrentar as dificuldades que a vida apresenta. A partir desta experincia, percebemos que asituao de rua desta cidade difere-se da realidade de grandes centros, conforme literatura referenteao assunto. Assim, observou-se a necessidade de se pensar polticas de preveno mais eficazes noque tange a dependncia qumica e a vulnerabilidade social para o municpio de Poos de Caldas.

Palavras-chave: Morador de rua. Vulnerabilidade social. Grupo de reflexo.


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1 INTRODUO

Na regio central da cidade de Poos de Caldas - MG possvel observar diariamente,

muitos moradores de rua alcoolizados, dormindo em pontos de grande circulao de pessoas ou

pedindo esmolas. Eles circulam em pequenos grupos ou individualmente durante o dia e no perodo

noturno, quando esto dormindo ou embriagados, so levados para uma casa que os abriga por um

tempo mximo de um ms. Desta forma, da noite para o dia, h um esvaziamento desta populao

das ruas da cidade, porm em um curto espao de tempo, possvel rev-las em seus lugares

habituais, circulando por pontos tursticos do municpio e incomodando o olhar de turistas e

comerciantes com sua simples presena.Mas quem so estes sujeitos que vivem nas ruas? Esta questo foi norteadora para a

realizao de um estgio de interveno psicolgica, que pudesse dar voz a esta presena silenciosa

destes sujeitos em situao de rua e vulnerabilidade social.

Deste modo, durante o ano de 2009, realizamos um grupo de reflexo com moradores de

rua, abrigados em uma instituio de permanncia temporria. Neste trabalho, procuramos

problematizar os temas trazidos pelos moradores de rua, a partir da construo de um espao de

convivncia em que eles pudessem dialogar sobre as suas vidas.A situao de rua, em que vivem milhares de pessoas atualmente um quadro social

produzido pelas estratificaes do sistema capitalista, no qual uma minoria da populao detm a

grande parcela das riquezas produzidas. Este sistema produz um alto ndice de pessoas em situao

de vulnerabilidade social e misria.

Atualmente no Brasil, podemos perceber a existncia de um quadro de pobreza e misria

amplamente gritante, quadro este comprovado por dados obtidos atravs de vrios estudos e

pesquisas realizadas. Segundo Gomes e Pereira (2005), em um estudo apresentado pelo economistaDedecca, observa-se no Brasil, durante as ltimas dcadas, um progresso na m distribuio de

renda e, conseqentemente um aumento dos nveis de pobreza e desigualdade entre sua populao.

Esta, por sua vez, sobrevive cruelmente sob condies que negam o direito s condies mnimas

de dignidade e cidadania.

Conforme Barros citado por Gomes e Pereira (2005), o pas encontra-se, nas escalas de

estudo do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada, entre os pases de alta renda e alta pobreza,

como um dos primeiros do mundo em desigualdade social. Constata-se ainda, que a estrutura social

em vigor no pas, atua em um modelo econmico que gera crescimento e riqueza para poucos e

pobreza e misria para muitos.


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Vale ressaltar que, o sistema de desigualdade e a m distribuio de renda nos remete idia

de um verdadeiro apartheid social gerado no pas. Termo este, utilizado por Gomes e Pereira

(2005), que explicita a idia de que a estrutura econmica do pas funciona de modo a gerar riqueza

para algumas minorias, perpetuando uma poltica de renda injusta, na qual no se pode garantir

atendimento s necessidades bsicas da maioria da populao. Neste sistema que alimenta a misriae a pobreza, emergem dissonncias de excluso e desigualdade por todos os nveis da sociedade. A

situao de misria e pobreza, que levam as famlias e seus membros a serem classificados como

sujeitos em situao de vulnerabilidade social, geram uma sociedade vulnervel

O conceito de vulnerabilidade social, segundo Ramos e Carvalho (2008), definido como

uma situao em que os recursos e habilidades de um dado grupo social, neste caso os grupos sem

poder aquisitivo, so insuficientes e inadequados para lidar com as oportunidades oferecidas pela

sociedade. Mostram, desta forma, que o conceito de vulnerabilidade est entrelaado com oconceito de mobilidade social, visto que os indivduos em situao de vulnerabilidade social no

encontram possibilidades de se mobilizar em termos de sua inscrio social.

Neste sentido, a vulnerabilidade social deve ser compreendida e analisada como uma

estrutura multifacetada pelo atravessamento de diversos vetores que dificultam o acesso aos bens e

servios, inclusive educao e sade, ilustrado pelo clssico exemplo da ausncia de educao

formal.

Como afirma Gomes e Pereira (2005), a criana abandonada apenas a contrapartida do

adulto abandonado, da famlia abandonada e da sociedade abandonada. Por isso, a Psicologia Social

prope uma reflexo destas questes em uma dimenso ampla, o que significa pensar na misria

como uma conseqncia das estruturas sociais.

Logo, segundo Varando e Adorno (2004), as pessoas que sobrevivem na pobreza e distantes

de uma suposta rede de proteo social experimentam vnculos sociais extremamente frgeis, que

tendem a se fortalecer ou se romper de acordo com as dificuldades que a realidade lhes apresenta

e conforme o acmulo de experincias desestruturantes ao longo da vida. Os autores utilizam o

termo "experincias desestruturantes" para designar de maneira geral as experincias individuais,

que em vez de fortalecer os recursos pessoais que capacitam o indivduo para enfrentar os

desafios que a vida lhes oferece, minam seu potencial de organizao interna, sua capacidade de

articulao com o meio em que vive, sua auto-imagem, auto-estima e sua identidade dentro do

grupo; esses eventos se inter-relacionam com as questes estruturais da sociedade. Partindo do

pressuposto de que as respostas institucionais questo da pobreza foram sendo "assumidas" pela

assistncia social, por via assistencialista, e observando-se uma reduo da dimenso de um

problema social to complexo quanto a pobreza, a um diagnstico, que pode ser tratado atravs de

preceitos higienistas e sanitaristas. Os autores identificam elementos que concorrem para a


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implementao de polticas pblicas para essa populao, que sejam pautadas na construo de

redes de sociabilidade e suas relaes com processos institucionais, definindo temas e problemas,

no contexto de desigualdades de classe, de gnero, raa, etnia e gerao.

1.1A situao de rua e suas implicaes sociais.

Para melhor compreender alguns dos muitos significados de sobreviver em meio pobreza e

aos espaos de excluso, Laperriere (2007) apresenta o conceito de limiaridade, que pode ser

associado a sujeitos vivendo em situaes limites, neste caso, a rua. Explica a autora que, nos meios

sociais, estas pessoas vivem dois tipos de dimenses: a primeira a dimenso da excluso, e a

segunda da incluso; porm estas duas dimenses, ao contrrio do que parecem, apresentam suastraioeiras especificidades. A excluso se caracteriza por marginalizar e desfavorecer os indivduos

em relao s classes dominantes do espao social, enquanto a incluso, por sua vez, fica incumbida

de inserir estes sujeitos, de modo imprevisvel e incerto, a espaos de transformao.

Assim, ao analisar a eficcia das aes e programas implantados para combater a pobreza,

percebe-se certa efetividade dos mesmos no sentido de suprir as necessidades materiais, porm

ainda apresentam dvidas quanto efetividade dessas aes no sentido da satisfao subjetiva dos

usurios.

Guareschi et al (2007) considera que diante da significao do contexto de excluso,

encontram-se os ideais de segregao, excluso e isolamento das classes pobres, colaborando com a

crena de que nelas esto as doenas, os perigos, as ameaas, a violncia e os incapazes. Afirma

ainda que, na representao que as pessoas em situao de vulnerabilidade social tm de si prprias,

sobre sua existncia permeada pela pobreza e a riqueza, perpassa a idia de contingncia de

natureza humana, ou seja, algo que imutvel e imanente, na qual, o sujeito no tem possibilidade

de se contrapor.

Ademais, as palavras pobre e pobreza aparecem associadas situao de inferioridade e

subordinao no discurso dos usurios. Logo, pessoas que fazem uso dos programas direcionados a

populao de baixa renda, ou seja, populao pobre, estaria tambm assumindo um papel de

subordinao e inferioridade. Tais autores observaram, atravs dos discursos dos usurios, como

acontece o processo de aceitao e negao dos programas, e quais so os motivos para apresentar

uma dessas posturas.

As queixas dos usurios em relao s aes sociais mostram o desejo de autonomia e

afirmao de dignidade por parte dos mesmos, que no aceitam se colocarem em determinadas

situaes, apenas pelo fato de suprir suas necessidades econmicas. Existe tambm, a relao do


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valor simblico dos atos realizados, pois muito alm das necessidades materiais esto s

necessidades subjetivas, ligadas aos contedos de cunho cultural e social, trazendo referncias aos

modos de ser e existir (UCHIMURA; BOSI, 2004).

Walty (2005) afirma que as formas de ser e existir esto intimamente ligadas forma de

exercer a cidadania, que atualmente est ligada de modo direto ao ato de consumir. Ainda segundo aautora, as formas tradicionais de exercer cidadania, atravs da participao em partidos, sindicatos e

associaes de base, vo cedendo lugar a uma nova forma de organizar a sociedade, o consumismo.

Mattos e Ferreira (2004) apontam para o fato de que a populao pobre se depara todos os

dias com contradies bsicas da sociedade capitalista de produo, ou seja, a iluso de que todos

possuem iguais oportunidades. Contudo, apesar da produo ser social a apropriao dos ganhos

sempre individual. Vivendo nestas condies, o sujeito pode vivenciar a mutilao de sua vida de

diversas maneiras, desde o sofrimento tico-poltico a negao imposta socialmente.Neste sentido, podemos perceber que so muitas as questes que atravessam os sujeitos

envolvidos em condies de vulnerabilidade social, o que nos revela uma trama que vai muito alm

da objetividade, pois, tambm nos apresenta cada vez mais o terreno subjetivo, na inteno de

compreender as experincias advindas deste tipo de vivncia.

Ainda dentro desta perspectiva, utilizando-se das palavras de Guareschi et al (2007), cabe a

Psicologia, enquanto campo de saber que permite problematizar e transformar a experincia e a

prpria concepo de sujeito, criar configuraes de novos fazeres, novos contornos e

conseqentemente novas formas de existir.

Neste contexto, torna-se necessrio ressaltar que as formas pelas quais as estruturas sociais

se organizam, influenciam diretamente o modo como os sujeitos so criados por elas e as

experincias s quais cada um deles ser exposto. Pensar em uma sociedade pautada no modelo

capitalista em que vivemos, significa pensar que o sujeito que no faz parte da parcela elitizada da

sociedade participa, portanto, de outra posio.

Deste modo, a situao de misria entendida como um territrio, passa a compor um espao

no somente de experimentao de si prprio, mas tambm um territrio existencial, no qual, so

criados objetivos, anseios, investimentos de desejo, projetos individuais, projetos coletivos, ou

mesmo a falta deles, mediados por um nico fator: a situao de misria e seus resultantes.

A questo da vulnerabilidade social, em crescente desenvolvimento em nosso pas com

todas as suas nuances e consideraes, toma suas propores mais extremas sendo observada nos

sujeitos invisveis de nossa sociedade. Esses se encontram nas praas, sarjetas, viadutos, pedindo e

mendigando, homens e mulheres que esto mostra na sociedade, mas so tratados como

inexistentes. So considerados como moradores de rua aqueles que no tm moradia e pernoitam

em praas, caladas, marquises, jardins, viadutos, casas abandonadas, cemitrios, carcaas de


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veculos, terrenos baldios, depsitos de papelo ou sucata e aqueles que pernoitam em albergues e

abrigos. Mesmo negados, os excludos esto sempre presentes, apertados, encarcerados, includos

at a medula, segundo Walty (2005), que complementa explicando que eles so uma quantidade

significativa de seres humanos desnecessrios minoria que molda a economia e detm o poder

social.Os sobreviventes, lanados a pobreza extrema, encontram como nico meio de

sobrevivncia, a rua, criando nela modos de trabalhar, ser, viver e resistir.

Os habitantes invisveis denominam os espaos em que moram na rua como maloca, logo,

aquele que faz uso dela chamado de maloqueiro. Varanda e Adorno (2004) explicam que a

maloca ou o moc, mobiliado por colches velhos, restos de sofs ou prticas camas de papelo,

que so mais fceis de ser encontradas nas ruas.

Varanda e Adorno (2004) mostram tambm que, alm dos maloqueiros, existem aindaoutras categorizaes feitas pelos moradores como por exemplo, os trecheiros, que so aqueles

moradores que mudam freqentemente de cidade a procura de emprego ou alguma atividade que

possa prover a existncia, do lado oposto os pardais so os se fixam e no trabalham. Alm dessas

nomenclaturas, existem os moradores que freqentam os albergues ou instituies que prestam

servios a essa populao, estes se diferenciam do restante da populao de rua, segundo Nasser

(2001), pelo uso mais freqente do lcool.

Nesta nova configurao de existncia, na vida alternativa, os moradores de rua buscam

outras formas para tomar banho e suprir as necessidades fisiolgicas, geralmente em postos de

gasolina, bicas, torneiras pblicas, chafarizes, igrejas, banheiros pblicos e at mesmo

supermercados. Diante disso, podemos perceber quo comprometida se mostra a manuteno de

uma higiene mnima da maioria dessas pessoas, que cada vez mais sujas e descuidadas se

assemelham ao encardido e fedido lixo urbano. Idia esta, apontada pelos mesmos autores, ao

relatar que a vida na rua e a proximidade com o lixo tornam os moradores de rua, objetos alvo das

aes de limpeza urbana. Os referidos autores fazem analogia entre a remoo do lixo urbano e a

remoo de pessoas dos espaos pblicos e coletivos. Neste sentido, Santos (2003) refere-se a este

descarte humano, como uma das mais perversas dimenses da sociedade capitalista, relacionando o

descarte de produtos e materiais industrializados ao descarte de seres humanos inteis.

Intil apenas um dos diversos adjetivos associados populao de rua, e assim,

percebemos que no imaginrio social, existem ainda muitos outros rtulos atribudos a essas

pessoas, sendo os menos pejorativos os de mendigo e pedinte. O trabalho Vidas de Rua, realizado

por Rosa (1999), traz reportagens nas quais encontram-se notcias veiculadas que fazem associaes

entre os termos vadiagem, delinqncia e desemprego. Os termos usados pela sociedade no param

por a. Ao fazer uma retomada histrica, Stoffels (1977) percebe que a partir dos anos 70, comeam


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a aparecer os termos sem ganho definido e moradores de rua. E finalmente nos anos 80, Escorel

(1999) afirma que, a populao de rua cresce significativamente e sua existncia passa a ser

compreendida como inoportuna e mais do que isso, ameaadora. Em resposta a essa crena,

Quinto (2008) defende o fato de que o morador de rua pouco tem a ver com o rtulo de perigoso,

que lhe impresso. Explica que o perigo existe no nos indivduos, e sim nos locais ou relaes emque esto inseridos, lugares marginalizados permeados pela violncia, o comrcio de drogas ilcitas

e a prostituio, tudo dividindo o mesmo espao.

As tentativas realizadas pela sociedade na inteno de esconder ou banir esses

inconvenientes sujeitos so muitas, desde aes normativas at as mais criativas. Os homeless,

traduzido do ingls como sem lar, so, segundo Quinto (2008), indivduos submetidos

continuamente a mecanismos de evacuao. Essas evacuaes podem ser compreendidas desde

envios a albergues, como reenvio para cidade de origem via assistncia social, ou em geral,expulses de forma violenta quando os indivduos so escorraados de locais pblicos e

comrcios. Ainda nesta modalidade de evacuao, encontram-se as criativas formas arquitetnicas

anti-mendigo, pela qual so apresentados projetos e artefatos que impeam ou dificultem a presena

de nmades mal vistos em determinados locais.

Quinto (2008) traduz as estratgias traadas pela sociedade em relao aos excludos,

dizendo que, ao expulsar os desabrigados, ningum os v, logo no existem. A autora salienta que,

embora por diferentes motivos e contextos, a prtica de alojar a populao de rua em locais isolados

e inspitos desenhando uma mancha de pobreza s margens e prximo ao lixo, trata-se de um

fenmeno global.

No entanto, os sem lar realizam tentativas de resistncia efetivadas atravs da insistncia

em ocupar locais pblicos e visados das cidades, fato para o qual o autor chama ateno. Afinal, se

o espao pblico fornece meios de sobrevivncia aos desabrigados justamente a ele enquanto

homem e cidado proprietrio do espao pblico, assim como outro qualquer cidado, que o pblico

de todos ns negado. Do mesmo modo, que o morador de rua est confinado ao espao pblico

que por sua vez, um dos nicos espaos que lhe restaram, est igualmente destitudo do uso desse

espao.

As tentativas de visibilidade dos excludos, de ser reconhecido por uma sociedade que

insiste em neg-los, so pensadas por Alvares, Alvarenga e Ferrara (2004), como tentativas escusas

de existir nos processos sociais. Assim, enquanto alguns se entregam a bebida ou as drogas, outros

reagem de forma violenta inserindo-se na sociedade atravs do crime, tornando-se assim visveis.

Com isso, recebem o status de existncia e de identidade, mesmo que seja para preencher os dados

do pronturio policial. Vieira, Bezerra e Rosa (1994) relatam sobre os cados que, junto s perdas


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de endereos, certides de nascimento, carteiras de identidade, carteira de trabalho, smbolos de

cidadania, perderam igualmente o sentido da vida, a vontade de viver, perdendo a si mesmos.

Vale ressaltar, de acordo com Mendes e Machado (2004), que para a construo de novas

vias para lidar com a questo dos desabrigados preciso questionar a posio de sujeito a qual

concebemos os excludos da sociedade. Estes autores consideram ser de imensa relevncia medidasque auxiliem os moradores de rua na busca de condies melhores de vida, porm nos atentam para

as aes exercidas que legitimam os sujeitos na condio de alienao e passividade.

Garcia (2000) defende a idia de que o maior inimigo da clnica social, seria a idia de pobre

homem, de vtima a ser mantida sob proteo do sistema, que ainda permanece pautada em uma

idia individualizada de clnica, que neste sentido, desconsidera o social que rodeia o sujeito.

Apoiado por Neto (2005), ao dizer que o convite responsabilizao o que impele o sujeito a sair

da posio de refm, afirma que tal sujeito se encontra paralisado no lugar de quem deve semprereceber algo do outro. Repensar essas questes tambm traar aes que visem promoo

subjetiva, visto que, um dos motivos pelos quais as iniciativas das polticas pblicas no se tornam

efetivas, ocorre justamente pelo fato de se desconsiderar a homogeneidade e a subjetividade dos

indivduos para os quais as propostas so criadas.

Conforme apresentado, percebemos que a cada dia aumenta-se o nmero de moradores de

rua, em conseqncia da desigualdade econmico-social que se revela na estrutura de nossa

sociedade.

Assim, como na cidade de Poos de Caldas, notvel a poltica de higiene social que exclui

os sujeitos que no so mais considerados parte do corpo social e por isso, torna-se relevante o

papel da Psicologia em trabalhar com estas pessoas que neste contexto tornaram-se apenas

moradores de rua.

2 DIAGNSTICO INSTITUCIONAL

Antes de iniciarmos o trabalho em grupo propriamente dito, realizamos algumas reunies

com a equipe, que se apresentou favorvel ao trabalho psicolgico dentro da instituio, bem como,

observaes da rotina institucional.

2.1 Caracterizao da Instituio

A instituio onde realizou-se este estgio, atende moradores de rua que so levados para a

mesma, por meio de um servio municipal, que caracteriza-se por um transporte que circula pela

cidade durantes as noites e recolhe pessoas que se encontram dormindo ou alcoolizadas nas ruas.

A instituio tem por funo abrigar estas pessoas, e no visa um tratamento para a dependncia


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qumica.

No que se referem aos objetivos da instituio, percebemos que o mesmo se encontra no

discurso dos funcionrios vinculado a um discurso religioso e assistencialista, de ajudar ao

prximo.

2.2 Histrico da instituio:

O prdio onde hoje se localiza o abrigo para moradores de rua, foi construdo inicialmente

para ser uma clnica de recuperao de dependentes qumicos, financiado e mantido pela Prefeitura

Municipal. Porm este servio foi desativado no ano de 2005.

J em 2006, este prdio foi doado a um albergue para moradores de rua, de cunho religioso,

que hoje mantm as atividades desta instituio com apoio financeiro do governo municipal. Este

prdio denominado por funcionrios e abrigados de a casa, termo este, que utilizaremos nesterelatrio para nos referirmos a este prdio.

2.3 Descrio da instituio

Quando chegamos a casa, em primeiro plano, nos deparamos com o prdio que cedia o

Centro de Referncia da Assistncia Social (CRAS) e em segundo plano, encontramos o prdio do

abrigo.

Entre os dois prdios, encontrava-se uma horta que era cuidada pelos moradores da casa,

mas que hoje encontra-se destruda, devido ao grande volume de chuvas do ms de outubro de

2009.

O prdio grande e possui muitos quartos e salas. No andar de baixo, ficam os quartos para

os moradores que acabaram de chegar da rua, onde os colches so revestidos de plstico. H uma

cozinha industrial, uma lavanderia, e uma sala comum, que possui uma TV, alguns sofs e bancos

de igreja.

No andar de cima, esto outros quartos para os moradores que esto h mais tempo na casa.

Existem trs banheiros, uma sala da coordenao e uma sala da assistente social.

2.4 Estrutura e funcionamento

A casa no possui rotina estipulada. A cada dia a coordenao estipula os afazeres dirios

para os residentes do local. Todos so responsveis pela limpeza, pela cozinha e pela horta. O

horrio de assistir a TV restrito, sendo estipulada a permisso para seu uso, das 14hs s 16hs e das

19hs s 22hs. Aps este horrio, todos devem ir dormir.


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2.5 Equipe de profissionais

A equipe conta com uma coordenadora, uma assistente social, trs enfermeiros e dois vigias

noturnos.

2.6 Caracterizao da clientela institucional

Os usurios da instituio caracterizam-se por serem dependentes de lcool e/ou outras

drogas e que devido ao uso abusivo destas substncias, so hoje moradores de rua. Todos eles so

residentes da cidade de Poos de Caldas, uma vez que, a casa, s pode abrigar pessoas que

nasceram e/ou moram nesta cidade.

A maioria dos residentes homem, havendo poucas mulheres na casa. Suas idades variam

entre 18 e 80 anos, sendo que o nmero de pessoas atendidas flutuante, variando de 15 a 50

pessoas atendidas por dia. A grande maioria possui famlia residente na cidade, j tiveram bonsempregos, porm devido ao uso de substncias, perderam tudo, restando-lhes apenas a rua.

Atualmente, existem, aproximadamente, sete usurios que so moradores fixos da casa,

enquanto o restante vive uma rotina de casa-rua-casa. Na casa, obrigatrio estar em abstinncia,

porm, muitos no suportam tal condio e assim, voltam para a rua. noite quando esto

embriagados, o transporte da prefeitura que circula pelas ruas os trazem novamente para a casa;

sendo esta a vida cotidiana da maioria dos homens que se encontram ali.

3 METODOLOGIA

Utilizamos neste trabalho, a metodologia do Grupo de Reflexo, o qual, segundo Alves Neto

(2001) pode ser entendido como uma modalidade do Grupo Operativo de Pichon-Rivire; todavia, a

tarefa principal deste tipo de trabalho indagar cada um dos membros do grupo, quanto a sua

pertinncia grupal. Conforme este mesmo autor, o Grupo de Reflexo surge historicamente, na

dcada de 60 entre mdicos residentes de um hospital psiquitrico de Buenos Aires, na Argentina.

Afirma Alves Neto (2001, p. 11), a diferena entre o grupo de reflexo e o teraputico:

cabe destacar, entretanto, que em vrias experincias com Grupo de Reflexo observamos

conseqncias teraputicas nos membros do grupo, ainda que no seja este seu objetivo primeiro.

No grupo de reflexo no h tema estipulado anteriormente e nem tempo limitado para as

deliberaes do grupo e embora o grupo no se configure como um frum deliberativo, ele pode

potencializar um espao decisrio.

Assim, o Grupo de Reflexo pode ser entendido como mtodo grupal utilizado para remoo

das dificuldades que impedem a realizao da tarefa e objetivos propostos pelo grupo, bem como,

um espao apropriado para o espelhamento, a ressonncia e a elaborao das dificuldades


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emergentes no campo grupal e que possui um enquadre especfico, o que envolve desde o

referencial terico que d suporte compreenso do processo relacional do grupo at a postura e

experincia pessoal do coordenador do mesmo (ALVES NETO, 2001).

4 DESCRIO DO ESTGIO

Dentro desta perspectiva, propomos aos moradores de rua abrigados nesta casa de transio

temporria, um Grupo de Reflexo no qual eles pudessem ter a liberdade de discutir sobre as suas

vidas na rua, mas tambm, sobre as facetas de sua existncia, que os mesmos tivessem interesse.

Assim, este trabalho visava uma escuta psicolgica destas questes e uma discusso social das

mesmas, podendo fornecer instrumentos de estratgias psquicas, que vislumbrassem com maior

abrangncia o contexto de experincia vivida destes sujeitos em situao de rua e vulnerabilidadesocial.

O grupo acontecia todas as quartas-feiras, iniciando sempre as 13hs30min e finalizando

conforme as questes iam se esgotando. Este grupo ocorreu durante nove meses, de fevereiro a

outubro de 2009.

No local onde realizamos este estgio, no havia um espao onde pudssemos agregar a

todos do grupo. Desta forma, as estagirias juntos aos moradores da casa, retiravam os bancos do

refeitrio e os posicionavam em forma de crculo, em espao aberto, aos fundos da casa. Este

momento acabou se transformando em parte da interveno, posto que, muitos dos moradores

vinham at as estagirias relatar questes de suas vidas que no conseguiam expor no momento

destinado ao grupo.

Logo no incio deste estgio, comeamos a construir com eles a idia deste espao, onde o

grupo poderia dizer, ouvir e pensar sobre suas questes. Isto se deve ao fato de que, apesar de

dividirem o mesmo espao, os moradores da casa no possuam espaos em que pudessem conviver

em grupo, sendo a maioria das atividades realizadas isoladamente.

Percebemos que, no comeo, eles ainda confundiam nosso trabalho com um grupo de auto-

ajuda, como os Alcolatras Annimos. Neste sentido, trabalhamos com eles os objetivos do nosso

trabalho, o respeito fala do outro e sobre a posio de ser grupo dentro de uma instituio.

Nos primeiros encontros propomos que eles decidissem sobre a configurao de cada

encontro. Assim, o grupo decidiu que seriam os participantes que trariam os temas a serem

discutidos em cada encontro, bem como, em consenso grupal denominaram este espao de

Momento da Realidade.

A cada encontro com o grupo novas questes surgiam, uma vez que, por ser a casa um

abrigo temporrio, a cada semana encontrvamos novos moradores que vinham participar do grupo.


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Neste sentido, so pertinentes as contribuies de lvares, Alvarenga e Ferrara (2004), que

afirmam que o trabalho com moradores de rua contribui para que esses assujeitados possam

restabelecer o sentimento de confiana e de fora vital, atravs dos quais seja possvel ressignificar

um novo formato de existncia no mundo. Assim, nascem possibilidades de transformao porque

novos significados e sentimentos passam a fazer parte de si, auxiliando seus projetos de ser nomundo, apontando novos rumos e possibilidades, trazendo a esperana de existir e no resistir.

4.1 Desafios encontrados ao longo do estgio

Na realizao deste estgio, um dos maiores desafios encontrados foi a dificuldade de

estabelecer uma estratgia de interveno eficaz, em um grupo aberto e rotativo como o que

encontramos. Percebemos que, quando em uma semana, alguns participantes conseguiam refletirsobre determinada questo, pensada junto a todos do grupo, na prxima, quando novos membros

participavam deste espao e os temas se repetiam, os primeiros mostravam desinteresse pelo

trabalho, posto que, em muitos momentos o grupo no abria espao para prosseguir com as

reflexes anteriores. Assim, a cada encontro as estagirias possuam um grupo diferente de trabalho,

com temticas novas ou repetidas por sujeitos diferentes, tendo que abordar de modo diversos, os

moradores que j estavam h mais tempo na casa e os recm chegados.

Muitas das histrias de vida dos moradores apresentaram grande semelhana, no que se diz

respeito a intolerncia da famlia, a perda do emprego, a recada no uso da substncia e as

frustraes da vida; alguns dos participantes, de modo especial aqueles que j estavam h algum

tempo na casa mantendo-se longe das ruas e das drogas demonstravam maior percepo da

realidade de suas vidas.

Esta questo trouxe muitos empecilhos a nossa interveno, uma vez que conduzir o grupo

de modo a ser interessante para todos os participantes tornou-se uma tarefa a cada encontro mais

difcil.

Assim, a nossa compreenso sobre o espao de interveno e nosso papel na mediao das

questes foi uma tarefa realizada no cotidiano e nas tentativas de novas aes e novos fazeres. Com

o desenvolvimento do estgio, percebemos a necessidade e a importncia de realizar fechamentos

com o grupo e tambm algumas abordagens individuais. Tais abordagens ocorriam nos momentos

em que chegvamos a casa e encontrvamos os participantes na realizao de sua tarefas dirias,

como cuidar da horta, da lavanderia ou na cozinha, ou quando estvamos indo embora, aps a

finalizao do grupo. Nestes momentos, os moradores se aproximavam de ns e discorriam um

pouco sobre suas vidas, seus sofrimentos, porm com o desenrolar do projeto, comearam a nos

contar sobre as suas conquistas e tambm sobre a importncia do que havia sido dito no grupo.


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A relao com a equipe tambm se apresentou como um desafio para ns, pois a

coordenao, apesar de ser favorvel a nossa presena, apresentava-se sempre com

indisponibilidade de horrios para realizar uma reunio entre todos os funcionrios da instituio e

as estagiarias, sempre solicitada por ns.

A inexistncia de um espao de reflexo da equipe tornou-se evidente quando, aoindagarmos a respeito dos objetivos da instituio, esta no sabia responder sobre o que a casa e

suas atividades se destinavam, apenas citavam as atividades realizadas pela instituio, embora no

explicitando seus objetivos.

Fato este identificado tambm como um complicador na realizao do estgio, pois toda e

qualquer iniciativa pensada tornava-se complexa, por no sabermos se iramos de encontro com aos

objetivos da instituio, j que estes por sua vez no se mostravam claros para as estagiarias.

Outro fator preponderante foi enfrentar a rotina dos moradores que se caracteriza pelo ciclorua-casa-rua, o que muitas vezes impediu que as questes levantadas pelas estagirias pudessem ter

o tempo necessrio para serem refletidas. Embora tal fato nos coloque a questo de como enfrentar

tal situao.

4.2 A situao de rua de Poos de Caldas-MG

Os resultados obtidos neste trabalho extrapolam os limites da escuta do grupo, pois a

percepo das estagirias sobre a situao de rua da referida cidade tambm se fazem presentes.

preciso ressaltar que a situao de pobreza do municpio fica velada a uma poltica de

higiene social, na qual preciso limpar a cena de miserabilidade de muitos dos cidados da

referida cidade. Esta poltica (implcita) cria estratgias de ocultamento da pobreza, a fim de retirar

pessoas que apresentam estigmas de miserabilidade do olhar daqueles que no querem ver que esta

situao existe.

A poltica municipal visa limpar a cidade daqueles que no mais produzem e que no so

mais condizentes com o sistema consumista em que nossa sociedade vive. Todos aqueles que no

mais oferecem a beleza que a cidade tem a oferecer aos seus turistas possuem um mesmo destino: a

excluso do olhar social.

E se no existe mais agora a nau dos loucos, como nos traz Foucault (1997), possumos em

Poos de Caldas, espaos que abrigam moradores de rua, os quais, no mesmo sentido, visam

oferecer um lugar para as pessoas serem ningum. L, encontram-se pessoas, moradores de ruas,

alcolatras, cachaceiros, pois no h lugar para serem sujeitos, donos de sua prpria vida. No h

nomes prprios, restam apenas os estigmas que a sociedade imps a eles sem que, ao menos, lhe

dessem o direito de reivindicar tais nomenclaturas.


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5 A VOZ DAS RUAS: Percepes sobre o discurso dos moradores de rua

Ao longo de nove meses de trabalho no abrigo, muitos temas foram levantados pelosmoradores que participaram dos encontros propostos por este projeto. Neste sentido, optamos por

descrever a percepo dos mesmos no que se refere aos temas abordados, afim de uma compreenso

mais abrangente da vivncia destes moradores, permeadas ainda, pela configurao da instituio

que freqentam e da realidade do municpio de Poos de Caldas. Apresentamos aqui, os quatro

principais temas levantados pelo grupo e a significao subjetiva que os moradores de rua atribuem

a eles.

5.1 Famlia

Segundo Anderson e Snow (1998), torna-se necessrio se pensar em algumas dimenses da

condio de morador de rua que no somente o fato da no habitao, pois alm deste fator,

percebe-se falhas na rede de apoio familiar e de outros laos criados com a sociedade atravs dos

relacionamentos e, por ltimo, falhas na dimenso moral, na qual o morador de rua se apresenta

como indigno e sem valor.

Neste sentido, percebemos que a temtica da famlia recorrente nas falas dos moradores,

embora seja vista de diferentes formas. Para alguns, famlia apresentada como aquela que os

abandona e no compreende a doena que eles vivem: a dependncia qumica. Ao se referirem a

ela, a famlia a qual perderam devido ao seu vcio, colocam-se em uma posio de vtima, como

pessoas doentes e incompreendidas. Por exemplo, a fala de R.: vocs poderiam fazer um

trabalho com as famlias de dependentes qumicos, para eles entenderem que a gente doente;

representa um discurso que confere s estagirias a capacidade de mudar o pensamento destas

famlias, as quais, para os moradores, deveriam estar junto a eles neste momento. Na fala de D.

percebemos que a famlia tambm no o compreende: a gente sabe que a bebida incomoda, mas

eles (a famlia), tambm podia entender a gente, porqu este vcio tambm no fcil....

Por outro lado, ao se referirem idia de famlia como composta pelos filhos e a esposa,

demonstram um sentimento de saudosismo e arrependimento, por mais que saibam que o vcio

acarretou a perda desta famlia, ainda assim, dizem querer restaurar o passado. Neste sentido,

percebemos uma idealizao da antiga famlia, pois ela se apresenta como uma forma de

convivncia harmoniosa, sem problemas ou frustraes. Tal situao pode ser percebida na fala de

E.: era tudo certo, tinha minha mulher, meus filhos... mais a depois que minha mulher morreu...

a ficou tudo muito difcil... tiraram meus filhos...; na fala de S., tambm nota-se uma idealizao


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da famlia: todo mundo que ta aqui no ta a toa... porqu se tivesse a seu cantinho, a sua famlia,

o seu servio... ningum era deste jeito...

H tambm, no s uma idealizao da famlia do passado, como tambm, uma idealizao

da famlia futura. Neste contexto, perceptvel que esta famlia do futuro vista como algo que vai

tir-los desta vida de droga, lcool e rua , e desta forma salv-los. Assim, a famlia vistacomo a responsvel por afast-los das drogas e mudarem sua situao de vida, e no eles mesmos;

tambm considerada como responsvel pelo controle do vcio, sob o qual, eles mesmos no tm

controle. A fala de D., corrobora com esta percepo: se eu tivesse minha mulher e meu filho, tudo

seria diferente; porque a eu ia fica em casa, ela ia me controla para eu beber menos.... No

discurso de C.R., tambm percebida esta idealizao: pelo menos se eu tivesse uma mulher, que

me ajudasse, quando eu recebesse fosse l comigo pegar o dinheiro, a eu poderia at no gastar o

dinheiro todo com bebida.Assim, observamos que o discurso deles atravessado por um sentimento de

arrependimento, de vontade de sempre voltar atrs, mas no h nenhum movimento neste sentido. A

fala sempre busca o passado como algo positivo, embora as aes perpetuem o presente inslito.

5.2 Trabalho

O trabalho apresenta-se como algo muito importante na vida dos moradores de rua por

garantir uma identidade e funo social.

Segundo Guareschi et al (2007), o trabalho uma das mais nobres virtudes enaltecidas pelo

capitalismo, por esse motivo, observa-se uma nfase e prestgio para quem tem a oportunidade de

t-lo. Salientam que o indivduo no trabalhador encerrado pela ideologia dominante numa

situao perifrica, e estigmatizado como ser desviante, degenerado e residual. Ele se v e sente

como elemento segregado, portador de uma identidade atrofiada.

Percebemos que o trabalho para estes moradores de rua, apresenta-se como algo que gera

rotina e uma vida normal, como na fala de A.: o homem que no trabalha uma engrenagem

enferrujada na sociedade, ou ainda: o homem precisa de trabalho, n!? O trabalho ocupa a

cabea... faz a gente se sentir bem...; e tambm na fala de S.: todo mundo que tem sua vida

normal, tem que ter seu trabalho, sua rotina.

Neste contexto, o que se observa que o trabalho demonstra a dignidade do homem e,

embora muitos deles no trabalhem, a atividade algo que os coloca no lugar de sujeito perante o

olhar social; assim, referem-se ao trabalho como uma possibilidade de retomar a vida. o primeiro

indcio de que as suas vidas podem se configurar de forma diferente da situao de rua, pois para

eles, o trabalho a anttese da rua, como percebemos na fala de J.: agora que eu j to algum tempo


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aqui (no abrigo), colocando a minha cabea no lugar, vou arrumar um trabalho, monta minha casa

de novo e segui minha vida.

Embora seja muito importante, no h movimento dos mesmos na busca por um trabalho

que garanta este lugar social e, se o conseguem, acabam por perd-lo ao usarem drogas durante o

perodo do expediente. Tal fato revela novamente uma contradio entre o discurso e a ao, postoque os mesmos no buscam o trabalho e no conseguem manter sua permanncia no mesmo.

5.3 A rua

Segundo Varanda e Adorno (2004), o sujeito em situao de rua ocupa uma posio de sem

lar, sem laos e sem dignidade, sendo que o nico lugar que lhe resta para tentar existir de algum

modo a rua. Consideram ainda que entrar na rua significa desenvolver um processo compensatrio

em relao s perdas e criar novos recursos de sobrevivncia ou subsistncia.Porm, para os moradores de rua com os quais trabalhamos, a rua sempre algo que deriva

como conseqncia da droga. Quando eles escolhem a droga a tudo que tinham na sua vida, a rua

aparece como lugar de possibilidade de ser livre em relao ao uso de substncias que suas famlias

no aceitam; como podemos perceber no discurso de J. a eu comecei a fazer uso cada vez mais,

cada vez mais, at que fiquei pra rua direto... ca no mundo de vez, e ainda na fala de A.: comecei

a beber muito, a minha mulher no me quis mais, a comecei a ficar para rua....

Avaliam que a rua tem um lado negativo e um lado positivo. No primeiro, a rua sinnimo

de desconforto, descuido, falta de lugar para dormir, falta de higiene pessoal, desprezo social,

humilhao por ter que pedir dinheiro como, por exemplo, nestas falas:

A.:aqui na casa muito bom, porque a gente tem um lugarzinho limpinho para dormir,

pode toma um banho no fim do dia, agora na rua no, tem que dormi em qualquer lugar, passa

trs, quatro dias sem tomar banho;

ou a fala de C.: a gente tem que beber pra pode pedir (dinheiro), porqu a a gente tem

vergonha de pedir de cara limpa...;

ou ainda a fala de J.: na rua, vai indo, a gente esquece de tudo, deixa de lado a higiene

pessoal.

Por outro lado, encontramos nos aspectos positivos que a rua adquire sinnimos de

liberdade, falta de responsabilidade e cobrana, amizades e conversa fcil derivada do uso do

lcool, no enfrentamento as dificuldades da vida que sempre os frustram. Neste sentido, estas falas

ilustram o que foi apresentado:

M.: Na rua a gente no tem que pagar uma conta de gua, uma conta de luz... a gente no

tem responsabilidade com nada.


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P.: Na rua melhor, n!? Porque quando a gente t de cara limpa, parece que fica

esquisito, sem assunto, quando a gente bebe a tem o que conversar; vai chegando um, vai

chegando outro na rodinha....

R.: que na rua a gente no v o tempo passar, fica de galera... vai num bar, vai no

outro....

MD. a rua traz sempre uma iluso, porque a liberdade voc pode encontrar em qualquer

lugar...

Assim, podemos perceber que, para estas pessoas, a rua se apresenta como um lugar

permeado por aspectos tanto negativos como positivos, mas tambm, como nica forma de suportar

as conseqncias do uso abusivo de substncias.

5.4 A DrogaNo discurso dos moradores de rua, as drogas incluindo aqui substncias ilcitas e licitas ,

representam a possibilidade de enfrentar a vida perante as dificuldades em lidar com os obstculos

que a mesma apresenta. A droga aqui, no apenas um consolo, mas a forma que encontraram de

continuar a preservar as suas prprias vidas, mesmo que esta se configure como uma vida

assujeitada e alienada; a droga se configura como o que resta das suas vidas, sob a qual, a suas

subjetividades se inscrevem.

No h uma fala que represente isto, sendo esta uma percepo nossa a partir dos discursos

dos mesmos, pois percebemos que eles no assumem a responsabilidade pela prpria vivncia. A

droga sempre a nica possibilidade de representar a frustrao e as dificuldades da vida, como por

exemplo, nesta fala de B.todo dependente qumico, tem um problema, no suporta ouvir um

no..., ou ainda, a voc t tentando, tentando, a no d certo... c cai na bebida de novo....

Conforme Nasser (2001), moradores de rua que freqentam albergues tm como

caracterstica principal o uso abusivo do lcool. Doravante, Varanda e Adorno (2004) afirmam que

na maioria dos casos, a bebida aparece desde cedo na vida familiar e passa a ser um hbito mais

intenso com a idade, trazendo a sensao de prazer imediato, alm do fcil consumo pelo baixo

custo. Alm do lcool, as ruas tambm so espaos de consumo de outras drogas como a maconha,

o crack e a cocana. Consideram que na experincia de rua, a bebida alm de desinibir atua como

anestsico para que os moradores suportem todas as imprevisibilidades e desconfortos da rua, como

a sujeira, a insegurana, as doenas e o frio.

Em nosso trabalho, percebemos certa resignao diante da dependncia das drogas, a qual

considerada por eles como uma doena, como um vcio que age independe de sua vontade e, como

algo externo, no apresenta qualquer possibilidade de cura.


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Cabe salientar ainda, a percepo de que, para os moradores de rua abrigados, a droga no

o objeto de uso, mas sim, eles mesmos so objetos de uso da droga, como na fala de CR.: esse

vcio muito difcil de controlar... porque parece que ele te domina.... Tal frase representa a

prpria situao de assujeitamento, porm, uma situao em que ainda faz com que tenham algum

tipo de experincia com a vida.

6 CONSIDERAES FINAIS

Ao longo desses nove meses de estgio, muitas questes foram surgindo durante as

discusses da superviso e entre as estagirias. Estas ltimas, por serem residentes da cidade de

Poos de Caldas, muitas vezes encontraram os moradores da casa andando ou dormindo pelas ruasda cidade. Deste modo, as questes aqui apresentadas, extrapolam o espao em que as intervenes

foram feitas, e referem-se tambm s observaes realizadas pelas ruas da cidade.

Percebemos, neste projeto, que a questo dos moradores de rua da cidade de Poos de

Caldas configura-se de forma diferente do que foi encontrado na literatura referente ao assunto. Os

autores Varanda e Adorno (2004), atravs de pesquisa realizada com a populao adulta de rua da

cidade de So Paulo, observaram que a ida para as ruas acontece no universo das redes de relaes

das classes populares, ou seja, nas relaes construdas pela realidade brasileira, na qual as pessoas

que nascem num contexto familiar cujos membros j se encontram fora do mercado formal de

trabalho, encontram uma realidade de ausncia de polticas de suporte social. Todavia, os

moradores participantes deste projeto, na sua maioria, chegaram as ruas pelos uso abusivo de

drogas, e no necessariamente por falta de suporte social.

Assim, uma das principais divergncias que encontramos em relao a esta experincia e

outras, referente aos moradores de rua que a questo da drogadico vem antes da situao de rua,

como o motivo que levou aqueles sujeitos a viverem nesta condio, o que deste modo diverge da

literatura referente a este assunto. Pois, como mostra Neves (1983), os primeiros estudos sobre a

populao de rua do Brasil j identificavam ex-trabalhadores vivendo de maneira socializada na rua

e associa a mendicncia uma ciclo de degradao das condies de trabalho ao longo de duas a

trs geraes, motivos que levaram a viver na rua, diferentes dos motivos encontrados na populao

de rua encontrada neste trabalho. Cabe salientar que, neste projeto, a rua foi representada como um

meio de existncia, porm no como o nico modo sentenciado pela excluso ou pela misria, mas,

na grande maioria dos casos, como um modo de vida no qual o indivduo encontra uma forma de

fugir dos problemas cotidianos, familiares e humanos.


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Tal fato diverge das consideraes de Varanda e Adorno (2004) que, ao discorrerem sobre a

situao de rua, trazem o conceito de desqualificao social, o qual caracteriza-se pelo movimento

de expulso gradativa para fora do mercado de trabalho bem como, pelo apoio assistencialista que

recebem durante este processo. Concluem que o processo de ida para a rua consiste em trs fases: a

de fragilidade, relacionada perda do emprego; a de dependncia dos servios sociais e aquelacaracterizada pela ruptura dos vnculos sociais.

No caso especfico de Poos de Caldas, a rua o que possibilita o uso abusivo de lcool e/ou

outras drogas at a degradao parcial do organismo destes sujeitos. Tal circunstancia mantida,

uma vez que a acolhida assistencialista para o abrigo faz com que eles se recuperem fisicamente e

voltem s ruas e ao uso de substncias.

Longe da tentativa de simplificar a questo da excluso e da vulnerabilidade social, o que se

percebe que, diante das experincias vividas pela populao de rua da cidade de Poos de Caldas,a realidade das ruas se apresenta para alm da situao de excluso social. Ou seja, estes sujeitos

no passaram por uma fase de fragilidade, dependncia de servios sociais e ruptura de vnculos.

Esta ruptura e fragilidade ocorreram devido ao uso de drogas, que os levaram as ruas e

conseqentemente, a dependncia de servios assistencialistas.

Alm disso, a diferena desta populao em relao s caractersticas da populao de rua de

outras cidades, geralmente grandes centros, bastante perceptvel. O Censo dos Moradores de Rua

da Cidade de So Paulo (SAS/FIPE, 2000), adota o termo "populao moradora de rua" para todas

as pessoas que no tm moradia e que fazem morada nos logradouros da cidade, constituindo

moradia prxima aos rios e viadutos, casas de papelo e outras adaptaes. Diferentes destas

populaes de rua, os moradores de rua da cidade em questo, no constroem moradia fixa. A rua

utilizada por um curto perodo de tempo, sendo apenas um meio de transitar, geralmente nas

situaes em que existe o uso mais intenso e prolongado de drogas e lcool. Sendo assim, no so

construdas mocs e cavernas, os quais servem de casa fixa e local para alojar os pertences,

alm de existir um espao reservado para a preparao de alimentos. No h tambm, casas de

papelo localizadas as margens ou em locais distantes, posto que, o que se percebe, a presena de

pessoas alcoolizadas dormindo em locais pblicos como praas e o terminal de linhas urbanas.

Contudo, essas pessoas so semanalmente recolhidas das ruas pela Assistncia Social da cidade.

Aps serem recolhidas, so encaminhadas as instituies assistencialistas, onde passam alguns dias,

tendo acesso alimentao, banho e local para dormir; local este, como a casa, onde foi realizado o

referido estgio.

Sendo assim, a passagem destas pessoas por estas instituies, passa a funcionar como um

ciclo: passam pela instituio por alguns dias, se restabelecem da fragilidade da condio fsica,

debilitada devido a m alimentao das ruas e ao uso de drogas, e, aps a recuperao, voltam


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novamente para as ruas por onde ficam por mais um tempo, at serem recolhidas novamente. Este

um ciclo vivido por todos os membros que participaram deste projeto.

Ao contrrio da crena do imaginrio social, que acredita que a rua torna-se meio de vida

para aqueles que so arremessados nela, na realidade de Poos de Caldas, a rua apresenta-se como

conseqncia da iniciao nas drogas e no lcool, bem como, uma opo de existncia para aquelesque, de algum modo, mantm-se afastados da famlia e transitam entre as instituies de acolhida e

a rua.

Neste sentido, no estamos aqui negando que nos trajetos pessoais de cada indivduo, a

excluso e a vulnerabilidade social no foram presentes. Embora seja perceptvel que rua tambm

uma escolha de vida, nesta escolha, vivem desvantagens e privaes, assim como o prazer e alvio

imediato diante de determinadas situaes, posto que no h responsabilidades as quais responder.

E, no caso de Poos de Caldas, temos o agravante esforo da Assistncia Social em acolher essapopulao, tornando, de certa forma, esta condio um pouco mais confortvel.

Durante todo o estgio, a questo do lcool e da droga aparece recorrentemente na realidade

destes indivduos, e com mais intensidade do que na realidade de grandes capitais. Nestas, a

populao faz uso do lcool e de substncias ilcitas como uma conseqncia da ida para a rua e

para a manuteno dela, pois, para sobreviver as condies que a rua oferece, como o desconforto, o

frio, a insalubridade, a insegurana e o medo que a rua tambm proporciona, torna-se necessrio

estar anestesiado, sendo o lcool e as drogas grandes anestsicos.

Neste sentido, Varanda e Adorno (2004) elucidam que, se culturalmente a bebida estimula a

libido, na rua a bebida atua na censura, quando se faz necessrio ignorar o desconforto, a sujeira, a

proximidade de outras pessoas, a possibilidade de contrair doenas ou para compensar a dificuldade

de escolher o parceiro ou parceira.

Em contrapartida, se para a populao dos grandes centros a ida para a rua est ligada, na

maioria das vezes, a golpes financeiros e a falta de oportunidade das grandes cidades, tal condio

se difere dos moradores de rua que participaram do grupo. Os participantes relatam que possuram

bons empregos, famlia, embora tenham abandonado tudo pelo lcool e as droga. Os discursos

destes moradores trazem grande peso ao significado da bebida e da droga, como se, aps o uso e o

vcio, a experincia trouxesse a sensao de estarem vivos, e assim todas as outras experincias

parecem ficar distantes deste novo modo de existir.

Concordamos com Nasser (2001), ao afirmar que a bebida introduzida ainda cedo na vida

de muitos moradores de rua como um hbito familiar cultivado desde a tenra idade, e que, com o

passar dos anos, foi se intensificando, at intermediar, na fase adulta, a relao entre o trabalho e a

vida domstica.


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Porm, este autor nos aponta para existncia de indivduos que vivem nas ruas ou em

albergues e no fazem uso de lcool, populao esta que distingue dos albergados por ter uma maior

concentrao de alcoolistas crnicos. Tal evidncia no foi encontrada neste projeto, visto que todos

os participantes eram alcoolistas e/ou dependentes de outras substncias.

Assim, nos parece que, diante da populao especificamente aqui contextualizada, aproblemtica das drogas e do lcool se mostra como fator de maior significncia em relao a

questo da excluso e da misria em nossa sociedade.

Sob o efeito da droga e do lcool, tudo o mais parece no ter sentido; por isso, o uso

necessita ser cada vez mais constante, sem suportar a abstinncia, pois, ficar sem a sensao que as

drogas trazem tambm sensao de no estar vivo. Quando em abstinncia, relatam estar

acabando com suas vidas no uso desenfreado do lcool e das outras drogas, mas mesmo estando

cientes disso, logo no primeiro sinal de restabelecimento voltam para as ruas e para o uso dosmesmos, como dizem voltam para o veneno.

Ao longo do estgio, houve vrias tentativas de reunies com a equipe da casa, porm esta

sempre se esquivava dos encontros propostos. Identificamos a necessidade de um trabalho com a

equipe, afim de que se possa discutir o seu fazer dirio, os objetivos da instituio e o trabalho com

os moradores de rua. A equipe trabalha sob uma perspectiva assistencialista, a qual, apesar de

haverem regras estipuladas pela coordenao, as mesmas no so cumpridas. Todas as regras so

explicitadas, sob as ordens da coordenao. Percebemos que os moradores so vistos como

coitados, pessoas pobres de famlia desestruturada, ou sem perspectivas de vida. Assim, um

trabalho da Psicologia com os funcionrios poderia ser mais eficaz, do que o trabalho direto com os

moradores, pois so os funcionrios que tm contato contnuo com os mesmos.

Em suma, observamos que a grande questo dos moradores a dependncia qumica e em

segundo lugar, a volta ao mercado de trabalho e a reconstituio de suas famlias. A rua sempre

vem como conseqncia destes fatores: a dependncia qumica, perda do trabalho e da famlia.

preciso salientar que este estgio atravessou muitas dificuldades, devido prpria

limitao do grupo, que possua novos membros a cada semana e sempre se apresentava com um

novo arranjo a cada encontro. Ademais, o discurso deles sempre repetitivo, em torno da

dependncia qumica, como a grande vil de suas vidas, ou seja, para eles, sem a droga, tudo

estaria perfeito em suas vidas, como um passe de mgica.

Esse pensamento mgico muitas vezes difcil de ser trabalhado, pois ele se apresenta

intransponvel, mesmo diante de nosso trabalho. O conformismo deles algo que aniquila o desejo

dos mesmos, por isso. a fala morta, como se no houvesse subjetividades ali presentes.

Contudo, a questo que nos trouxe maior significado, durante o perodo em que foi realizado

este estgio, foi repensar nossas estratgias de interveno. Consideramos que foi muito vlido


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oferecer um espao de reflexo e escuta para estes sujeitos, porm, ainda assim, percebemos poucos

resultados em relao s mudanas de discursos e a auto-percepo sobre suas condies.

O que vale salientar desta experincia, que torna-se necessrio estabelecer estratgias que

visem uma preveno deste quadro, ou seja, um trabalho que venha antes da dependncia instalada.

Prevenir repensar o quadro de vulnerabilidade social e pessoal em que vivem as pessoas, vistoque, em muitos discursos dos moradores da casa, tal necessidade se fez visvel. Tambm

necessrio que, durante a graduao, ns, estagirios, possamos refletir sobre estas questes que

sero parte da nossa clnica do futuro.

Por fim, neste contexto de uma estruturao social segregria, papel tico da Psicologia

promover espaos que possam conscientizar as pessoas dos aspectos histrico-sociais que

atravessam as suas possibilidades de ser no mundo, bem como, contribuir para a manifestao

destas subjetividades excludas, a fim de que o poder pblico tambm possa re-pensar suasestratgias de atendimento a estas pessoas.

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