cintia cardoso vigiani carvalho
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CNTIA CARDOSO VIGIANI CARVALHO
O ALUNO DO CURSO TCNICO DE
ENFERMAGEM E O ESTGIO HOSPITALAR:
EXPERINCIAS PSICANALTICAS DE UM GRUPO
PUC-Campinas
2008
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CNTIA CARDOSO VIGIANI CARVALHO
O ALUNO DO CURSO TCNICO DE
ENFERMAGEM E O ESTGIO HOSPITALAR:
EXPERINCIAS PSICANALTICAS DE UM GRUPO
Dissertao apresentada ao Programa
de Ps-Graduao Stricto Sensu em
Psicologia do Centro de Cincias da
Vida PUC-Campinas, como requisito
para obteno do ttulo de Mestre em
Psicologia como Profisso e Cincia.
Orientador: Prof. Dr. Antonios Trzis
PUC-Campinas
2008
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Ficha Catalogrfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informao - SBI - PUC-Campinas
t616.8915 Carvalho, Cntia Cardoso Vigiani.
C331a O aluno do curso tcnico de enfermagem e o estgio hospitalar: experincias psicanalticas de um grupo / Cntia Cardoso Vigiani Carvalho. - Campinas: PUC- Campinas, 2008. 188p. Orientador: Antonios Trzis. Dissertao (mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Centro de Cincias da Vida, Ps-Graduao em Psicologia. Inclui anexos e bibliografia. 1. Psicanlise de grupo. 2. Enfermagem - Aspectos psicolgicos. 3. Enfermagem - Estgios. 4. Enfermagem - Estudo e ensino. I. Trzis, Antonios. II. Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Centro de Cincias da Vida. Ps- Graduao em Psicologia. III. Ttulo. 22ed. CDD t616.8915
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CNTIA CARDOSO VIGIANI CARVALHO
O ALUNO DO CURSO TCNICO DE ENFERMAGEM E O ESTGIO
HOSPITALAR: EXPERINCIAS PSICANALTICAS DE UM GRUPO
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Presidente Prof. Dr. Antonios Trzis
______________________________________
Profa Dra. Maria Eugnia Scatena Radomile
______________________________________
Profa Dra. Dayse Maria Motta Borges
PUC-Campinas
2008
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Aos meus alunos, to queridos,
com quem eu aprendo e me re-crio
constantemente.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Antonios Trzis, por sua presena constante e
serena, pacincia e carinho com que sempre me recebeu e por todas as
orientaes e contribuies preciosas para a realizao deste trabalho;
A Luiz Carlos Vigiani, por ter me ensinado que com determinao e
dedicao eu poderia chegar aonde quisesse;
Eliana Cardoso Vigiani, por ter me ensinado que sou capaz de realizar
o que quer que eu deseje e com quem aprendo a levar a vida de uma forma
mais leve e divertida;
Andra Vigiani e Thais Vigiani, pela alegria e companheirismo que
trazem minha vida, sem os quais minha caminhada seria muito mais rdua e
sem cor;
Tereza Iochico Hatae Mito, por ter sido a primeira incentivadora da
realizao deste trabalho, quando ele ainda no existia nem mesmo nas
minhas idias; por me apresentar a pesquisa cientfica como uma deliciosa
forma de encontrar respostas s nossas inmeras dvidas;
A Ben-Hesed dos Santos, Mrcia Capellato, Ana Paula Martins Nunes e
Tnia Maria de Souza Silva, por terem aberto as portas de minha profisso de
docente, confiando em meu trabalho e sempre me oferecendo total liberdade
de pr em prtica minhas idias, o que em muito contribuiu para o surgimento
das inquietaes que deram origem a este trabalho;
Ana Carolina Trevisan, por me socorrer em momentos de sufoco,
ajudando-me com as atividades de transcrio e traduo, aliadas a amizade e
incentivo de longa data;
Flvia Perin, pela paciente e dedicada reviso de todo o trabalho;
Clia Marcondes Marques, por me auxiliar a entender os sentidos
ocultos de minha experincia na realizao deste estudo e na vida tornando
possvel e mais suave sua concluso;
Carla Pontes Donnamaria, Cybele Carolina Moretto e Ftima Regina
Mibach do Nascimento, pela companhia na jornada e especialmente por todas
as orientaes, palpites, apoio e consolo que pudemos trocar umas com as
outras;
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Aos professores Leopoldo Fulgncio e Vera Trevisan, por todo o
conhecimento partilhado, que pde contribuir com meu crescimento do ponto
de vista profissional e pessoal;
Aos professores Marly Aparecida Fernandes e Mauro Amatuzzi, pelos
valiosos questionamentos e contribuies na ocasio do exame de
qualificao;
Capes, pelo apoio financeiro dado pesquisa;
direo, coordenao e equipe de trabalho da Escola de Enfermagem
na qual esta pesquisa foi realizada, que muito gentilmente colocou minha
disposio tudo que foi necessrio para sua realizao;
Aos alunos participantes deste estudo, por terem compartilhado comigo
uma parcela da imensa riqueza de seu mundo interior, possibilitando-me
ampliar os limites da minha viso e tornando este trabalho possvel;
Priscila Marchioli e Eduardo Carvalho, por terem de muitas formas me
sustentado durante estes dois anos, sobretudo nos momentos em que eu no
pude fazer isso por mim mesma;
Priscila, especialmente, por sua companhia e amizade, por todas as
conversas e discusses, cientficas ou no, pelos sonhos acalentados juntas e
planos de parcerias futuras; pelo nosso grupo de estudos de Freud, que tanto
nos faz crescer profissional e pessoalmente;
A Eduardo, especialmente, por seu amor que me d foras para superar
qualquer obstculo; por sua presena que me ilumina; por toda pacincia,
compreenso e incentivo durante estes dois anos de percurso;
Os meus mais sinceros agradecimentos.
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SUMRIO
APRESENTAO...........................................................................................................1
1. INTRODUO............................................................................................................7
1.1 Consideraes iniciais sobre a prtica da enfermagem............................................8
1.1.1 Algumas consideraes sobre o desenvolvimento histrico da
enfermagem.............................................................................................................14
1.1.2 Os profissionais da enfermagem....................................................................18
1.2 Dificuldades na prtica da enfermagem e possibilidades de mudanas.................22
1.2.1 Dificuldades encontradas pelo profissional da sade....................................22
1.2.2 Deficincias na formao do profissional da sade.......................................30
1.2.3 Psicologia e Enfermagem: possibilidades de trocas......................................36
1.3 Fundamentao do trabalho com grupos................................................................40
1.3.1 Algumas idias de Freud sobre o funcionamento dos grupos.......................41
1.3.2 A escola inglesa..............................................................................................43
1.3.3 A escola francesa...........................................................................................49
1.3.4 A escola latino-americana..............................................................................53
2. OBJETIVOS..............................................................................................................58
2.1 Objetivo geral..........................................................................................................58
2.2 Objetivos especficos...............................................................................................58
3. MTODO...................................................................................................................60
3.1 Sujeitos....................................................................................................................63
3.2 Instrumentos............................................................................................................64
3.3 Procedimentos.........................................................................................................66
3.4 Anlise dos resultados............................................................................................69
4. RESULTADOS E DISCUSSO.................................................................................73
4.1 Anlise e discusso do primeiro encontro...............................................................73
4.2 Anlise e discusso do segundo encontro..............................................................86
4.3 Anlise e discusso do quinto encontro..................................................................98
4.4 Anlise e discusso do oitavo encontro................................................................108
4.5 Formulaes psquicas do grupo de estagirios...................................................119
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5. CONCLUSO..........................................................................................................125
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................129
ANEXOS......................................................................................................................137
Carta de informao instituio onde ser realizada a pesquisa.............................138
Carta de informao ao sujeito sobre a pesquisa.......................................................139
Transcrio do encontro 1...........................................................................................140
Transcrio do encontro 2...........................................................................................153
Transcrio do encontro 5...........................................................................................167
Transcrio do encontro 8...........................................................................................177
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Carvalho, C.C.V. (2008). O aluno do curso Tcnico de Enfermagem e o estgio
hospitalar: experincias psicanalticas de um grupo. Dissertao de Mestrado,
Pontifcia Universidade Catlica de Campinas.
RESUMO
Este estudo investigou um grupo de alunos do curso Tcnico de Enfermagem
quando em perodo de estgio hospitalar. Teve como objetivo descrever e
compreender os fenmenos manifestados no grupo e na prtica do estgio,
oferecer condies para a descoberta de solues dos problemas vivenciados,
favorecendo um processo transformador na relao do aluno com sua prtica.
Utilizou o mtodo psicanaltico, tendo como instrumento a tcnica de Grupo de
Formao, desenvolvida por Anzieu e Kas. Os participantes foram oito alunos
em perodo de estgio em um curso Tcnico de Enfermagem. Foram
realizados oito encontros, ocorridos duas vezes por semana com durao de
uma hora e quinze minutos, nas dependncias da prpria escola. Para anlise
dos resultados foi utilizada a Tcnica de Anlise de Contedo conforme
descrita por Mathieu. Os resultados principais apontaram para vivncias
regressivas no grupo, que funcionou conforme um arranjo dos pressupostos
bsicos de dependncia e luta e fuga, constitudos de emoes intensas e
primitivas desempenhando papel determinante na organizao do grupo. Foi
observado grande sofrimento emocional, angstias persecutrias e depressivas
e alto nmero de ausncias. As principais defesas utilizadas foram a negao,
projeo e criao de iluso grupal. A tcnica mostrou-se adequada
expresso e elaborao das angstias, favorecendo a evoluo do grupo a um
funcionamento mais racional e em respeito aos princpios da realidade. A
experincia de grupo sensibilizou aos alunos e eles prprios puderam descobrir
meios apropriados para resolver alguns dos problemas surgidos na experincia
de estgio. Conclumos que o grupo de formao se mostrou um mtodo eficaz
de interveno preventiva em Psicologia.
Palavras-chave: grupo, psicanlise, enfermagem, estgio.
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Carvalho, C.C.V. (2008). The Nursing Technician course student and the hospital
internship: psychoanalytical experiences of a group. Masters Thesis, Pontifcia
Universidade Catlica de Campinas.
ABSTRACT
The present paper investigated a group of students of the Nursing Technician
course when serving their hospital internship term. Its purpose was to describe
and understand the phenomena manifested in the group and in the internship
practice, to offer conditions for the discovery of solutions for the issues
experienced, favoring a transforming process in the students relation with the
practice. The psychoanalytical method was applied, using Anzieu and Kas
Formation Group technique as an instrument. The participants were eight
students in internship terms in a Nursing Technician course. Eight meetings
lasting one hour and a quarter were held, twice a week, in the facilities of the
school itself. For analysis of the results, the Content Analysis Technique, as
described by Mathieu, was used. The main results pointed out regressive
experiences in the group, which worked according to an arrangement of the
basic assumptions of dependence and fight or flight, composed of intense and
primal emotions and playing a determining role in the group organization. Great
emotional suffering was noticed, as well as persecutory and depressive
anguishes, and a high number of absences. The main defenses used were
denial, projection and creation of group illusion. The technique proved to be
adequate to the expression and elaboration of anguishes, favoring the evolution
of the group towards a more rational working pattern and respecting the
principles of reality. The group experience sensitized the students and they
were able to discover, by themselves, adequate means to solve some of the
issues that came up during the internship experience. We conclude that the
formation group has proven to be an efficient means for preventive intervention
in Psychology.
Keywords: group, psychoanalysis, nursing, internship.
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APRESENTAO
A idia deste trabalho surgiu da experincia como docente num curso de
formao de tcnicos e auxiliares em enfermagem, oferecido por uma
tradicional escola de enfermagem da cidade de So Paulo. Nossa experincia
nesta instituio conta com trs anos ministrando aulas nas disciplinas de
Psicologia Aplicada Sade e tica e Cidadania, para grupos de nmero,
idade e conhecimento prvio do assunto bastante variados.
Estas disciplinas eram oferecidas na maioria das vezes no incio do
curso, como parte do primeiro mdulo, destinado a disciplinas tericas voltadas
ao auto-cuidado. Tinham como objetivo geral oferecer oportunidade para que
os alunos refletissem sobre seu papel como futuros profissionais de
enfermagem e como cidados. Possuam, como se nota, objetivos bastante
amplos, especialmente em virtude da reduzida carga horria, e no tinham a
pretenso de esgotar o assunto ou oferecer frmulas prontas sobre como ser
um bom profissional e cidado. Ainda que as aulas fossem muitas vezes
introduzidas e sempre pontuadas pelos conhecimentos tericos e cientficos do
assunto em questo, a metodologia utilizada era essencialmente constituda
por discusso, reflexo e dilogo. Isso possibilitou uma relao de abertura
entre professora e alunos, que fez com que pudssemos adentrar um pouco
mais no mundo interno dos futuros auxiliares ou tcnicos e conhecssemos
algumas de suas expectativas, iluses e sentimentos, tanto em relao sua
futura profisso como escola, ao pas e vida de maneira geral.
Os grupos que conduzimos eram de dois tipos principais. O primeiro tipo
era composto por alunos que estavam entrando naquele momento em contato
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com a enfermagem, a maioria sem nenhuma experincia anterior na rea. O
segundo tipo eram grupos de profissionais j formados como auxiliares, mas
que, em virtude da exigncia legal1, vinham dar continuidade formao,
buscando o ttulo de tcnicos. Estes, na maioria, j possuam experincia,
muitas vezes de longos anos ou mesmo dcadas. Algumas vezes, ministramos
tambm cursos para grupos mistos, o que foi importante na motivao para
esta pesquisa, como ser descrito a seguir.
O contato com profissionais em diferentes estgios de sua formao
permitiu o reconhecimento de diferenas bastante significativas nas suas
posturas em relao profisso. Os grupos de alunos que estavam iniciando
na rea da enfermagem manifestavam certa idealizao da profisso e do
alcance de sua atuao. Percebamos nos alunos desejos de salvar, de curar,
inteno de doarem-se de forma integral. Achavam que esta dedicao intensa
no seria difcil e mesmo que bastaria gostar da profisso ou fazer por amor
e no pelo dinheiro para que atingissem aquele ideal de profissional que
apresentavam.
Em contraste, dos profissionais que estavam em contato com a prtica
h mais tempo, muitos manifestavam posturas opostas. Eram cticos quanto
s possibilidades reais de ajuda, possuam uma viso desiludida, algo distante
e desesperanosa. Eram comuns as reaes de irritao e ironia quando o
assunto era o atendimento humanizado, como mostram os comentrios de um
aluno: Quem fica cheio de sorrisos porque no sabe o que fazer. Quem sabe
1 Em 2003, a Resoluo Cofen n 276 resolve conceder apenas Inscrio Provisria aos
auxiliares de enfermagem. Este profissional teria o prazo de cinco anos para comprovar a continuidade dos estudos no curso tcnico ou na graduao, sem a qual no poderia continuar a exercer sua prtica profissional. Esta Resoluo foi revogada quatro anos depois pela Resoluo 314/2007.
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o que fazer, no sorri, faz e O paciente quer que voc realize uma tcnica
correta, e no que voc sorria para ele.
No caso dos grupos mistos a diferena entre as posturas, crenas e
formas de abordar o problema da humanizao era ainda mais evidente. O
grupo dos iniciantes acusava os mais veteranos de no atenderem bem porque
no tinham vontade, por j estarem acostumados com o sofrimento e no se
importarem mais com o outro. Os que j trabalhavam ficavam bastante
incomodados com estas acusaes e, com irritao ou desesperana,
atribuam aos iniciantes uma viso idealizada e impossvel de ser posta em
prtica. Em certo sentido, ambos os grupos tinham razo, mas nem todas as
vezes foram capazes de perceber isso e ampliar sua viso. Algumas vezes os
grupos chegavam a verdadeiros confrontos, fazendo-nos questionar quais
motivaes e sentimentos estavam por trs daquelas discusses.
Outro dado que favoreceu a realizao deste trabalho foi o fato de que,
quando os alunos chegavam ao segundo mdulo e iniciavam as prticas de
estgio, voltavam a nos procurar, agora informalmente pelos corredores da
escola; eles pediam ajuda e diziam que a Psicologia era ainda mais necessria
naquela ocasio diante das dificuldades que enfrentavam no estgio. Isso nos
fez supor que o momento do contato real com os pacientes fazia surgir
sofrimentos para os quais no estavam preparados e com os quais no sabiam
lidar.
A partir destas observaes percebemos que a prtica profissional
estava acarretando sofrimento aos alunos, manifestado tanto atravs da
desiluso, do ceticismo e da desesperana dos que j trabalhavam
profissionalmente quanto da angstia dos que estavam iniciando o estgio.
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Infelizmente, no foi possvel a realizao de uma investigao na poca para
buscar as razes deste sofrimento. No entanto, ficou evidenciada para ns a
necessidade de um melhor preparo dos profissionais da enfermagem, no s
no que diz respeito ao conhecimento tcnico-cientfico, mas tambm em
relao ao seu auto-conhecimento e amadurecimento emocional.
Uma reviso da literatura recente indicou a existncia de diversos
trabalhos sobre o sofrimento psquico do profissional da enfermagem, e da
rea da sade de maneira geral, mas poucos deles tinham como foco os
estudantes e ainda menos trabalhos foram encontrados sobre o nvel tcnico
da enfermagem. Por outro lado, um grande nmero de pesquisas mais
recentes foi desenvolvido pelos prprios profissionais da enfermagem, o que
nos chamou a ateno para a necessidade da contribuio de um ponto de
vista especificamente psicolgico e psicanaltico, que pudesse contribuir com
uma atuao de nvel preventivo, importante tanto Enfermagem quanto
Psicologia.
Levar conhecimentos de Psicologia no apenas com informaes
tcnicas teis diretamente somente aos psiclogos, mas como ferramentas de
reflexo e tomada de conscincia sociedade em geral a forma mais
precoce de interveno em preveno e constituiu uma importante motivao
para a realizao desta pesquisa. Um dos objetivos deste trabalho foi que, ao
oferecer espao para o estudante refletir, questionar, entrar em contato com
seus sentimentos advindos da prtica, pudssemos realizar uma atuao
preventiva na rea da enfermagem, agindo antes ou imediatamente aps o
surgimento de dificuldades.
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Para possibilitar uma atuao preventiva em Psicologia foi fundamental
aproveitarmos e utilizarmos os conhecimentos acerca da grupalidade. No s
pela possibilidade de levar a ateno psicolgica a um maior nmero de
pessoas, mas em funo de um aspecto ainda mais interessante: o grupo, de
acordo com Osrio (2007) o espao da reflexo por excelncia.
Especialmente em uma era que demanda a aprendizagem da convivncia e o
desenvolvimento de competncias interpessoais como vias para a superao
da intolerncia e intransigncia em relao diversidade, sem o que a prpria
sobrevivncia da humanidade est ameaada (p. 169).
O grupo o espao onde os esquemas referenciais so facilmente
trazidos tona, reconhecidos, questionados e possivelmente retificados. um
espao de reflexo e transformao. (Trzis, 2005a). Por outro lado, o contexto
grupal, usado como tcnica de observao, apresenta uma riqueza no
observada em outros mtodos de coleta de dados, j que possibilita, alm de
discursos sobre o material pesquisado, uma observao direta dos fenmenos
em questo, que so reproduzidos no aqui-agora do grupo. (Trzis, 2005b).
Assim, este trabalho pretendeu colaborar com o desenvolvimento dos
conhecimentos sobre a grupalidade, com a compreenso especfica das
dificuldades enfrentadas pelo estudante do curso tcnico de enfermagem, e
com a conscientizao da necessidade de intervenes em nveis mais
precoces na Psicologia.
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INTRODUO
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1. INTRODUO
A seguir apresentaremos as principais consideraes tericas que
deram origem e servem de fundamento a este trabalho. Faremos isso atravs
de trs captulos. O primeiro captulo destinado a uma apresentao geral do
tema enfermagem, com o objetivo de familiarizar o leitor com as conceituaes
mais aceitas na rea e especificar melhor nosso objeto de estudo.
Apresentaremos um breve resumo do percurso da prtica da enfermagem no
decorrer da histria e explicitaremos as atuais categorias profissionais
existentes com suas respectivas atribuies.
Com o segundo captulo temos o objetivo de apresentar as principais
dificuldades observadas atualmente na prtica da enfermagem, especialmente
atravs de artigos recentemente publicados sobre o tema. Buscamos tambm
apresentar algumas das possibilidades que vislumbramos para contribuir com a
alterao deste quadro.
No terceiro e ltimo captulo apresentaremos as teorias utilizadas neste
estudo para a fundamentao do trabalho com grupos, o que fornecer uma
viso mais sistematizada e organizada de nossas perspectivas tericas dentro
da psicanlise de grupos e orientar a compreenso dos resultados
encontrados.
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1.1 Consideraes iniciais sobre a prtica da enfermagem
Falar da prtica da enfermagem contar uma histria que se confunde
com a prpria histria do homem. Iniciando pelo significado etimolgico da
palavra, de acordo com Figueiredo (1922), a palavra enfermagem um termo
latino composto pelos elementos En, Firm e Agem. No dicionrio Houaiss
(2001) encontramos que o elemento En sugere aproximao, introduo e
transformao; Firm, est ligado idia de firmeza, solidez, persistncia,
fora; e Agem, significa ao ou resultado de ao. Assim, desde a etimologia
do termo, a enfermagem parece ligada a aes slidas e persistentes de
aproximao, contato e transformao de uma dada situao. Sua definio,
entretanto, no simples com poderia parecer primeira vista. Ao longo do
tempo numerosas teorias em filosofia da enfermagem foram desenvolvidas,
com definies e nfases diferentes entre si. O Grande Tratado de
Enfermagem Prtica, de Potter e Perry (2002), uma obra utilizada por
profissionais em formao que rene as principais destas teorias. Algumas
delas sero brevemente apresentadas a seguir, com o intuito de buscar uma
caracterizao mais precisa do que vem a ser enfermagem.
Em 1955, a Associao Americana de Enfermagem (AAE) definiu
oficialmente a profisso da seguinte forma:
A prtica da enfermagem significa qualquer ato de observao, cuidado e
aconselhamento do paciente, traumatizado ou enfermo, para recuperao ou
manuteno da sade ou preveno da doena em outros indivduos,
superviso e ensino, administrao de medicamentos e tratamentos. (...) No
supe a incluso de procedimentos de diagnstico ou prescrio de medidas
teraputicas ou corretivas. (conforme citado em Potter & Perry, 2002, p. 9).
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Vemos aqui elementos comuns aos citados na etimologia da palavra,
como a referncia ao, aproximao, observao, introduo de
medicamentos e transformao ou recuperao da sade.
J Abdellah, em 1960, enfatiza que a assistncia de enfermagem deve
incluir o indivduo como um todo, ou seja, suas necessidades fsicas,
emocionais, intelectuais, sociais e espirituais, tanto do paciente quanto de sua
famlia. A autora e seus colaboradores desenvolveram os chamados 21
problemas de enfermagem de Abdellah, buscando identificar as principais
necessidades do paciente e a conseqente atividade do enfermeiro. Os onze
primeiros problemas identificados por ela tratam de funes ligadas atividade
somtica do paciente, como: manter boa higiene, facilitar a manuteno da
nutrio e oxignio a todas as clulas do corpo, a manuteno e eliminao de
dejetos, etc. A partir do problema de nmero 12, a preocupao se volta a
necessidades de cunho emocional, social e espiritual, como: identificar e
aceitar as expresses, sentimentos e reaes positivas e negativas, facilitar a
comunicao verbal e no-verbal, entender o papel dos problemas sociais
como fatores que influenciam a causa das doenas, etc. Verifica-se nesta
concepo de enfermagem uma preocupao mais ampla com o indivduo, que
inclui claramente nas funes profissionais, no apenas um cuidado com o
corpo doente, mas uma ateno pessoa como um todo, doente ou saudvel,
em suas vrias dimenses de vida.
Em 1964, Henderson define a enfermagem como:
Ajudar o indivduo a desempenhar suas atividades, contribuindo para sua
recuperao (ou para uma morte tranqila), da forma que ele realizaria se
tivesse a fora, o nimo ou o conhecimento necessrios. Proceder de forma
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que o paciente reconquiste sua independncia o mais rpido possvel.
(conforme citado em Potter & Perry, 2002, p. 7).
A autora estabelece as 14 necessidades bsicas de Henderson que
apresenta objetivos tambm voltados para o cuidado com o indivduo total. O
interessante de sua definio a incluso do tema da morte, ainda que
aparecendo de uma forma quase acidental, entre parnteses. O fato de a
autora incluir numa definio de enfermagem a possibilidade de aceitao da
morte nos parece til por indicar que o objetivo final dos cuidados no a
preservao da vida a qualquer custo, mas autonomia e tranqilidade enquanto
houver vida. Parece-nos til tambm estar includa num livro destinado
formao de novos profissionais pois, de certa forma, os desincumbe da tarefa
de salvar todas as vidas e pode ajud-los a aceitar melhor a limitao humana
natural diante da morte.
Em 1965, a Associao Americana de Enfermagem (AAE) publicou uma
nova e longa definio de enfermagem, mais completa que a de 1955, que diz
em seu primeiro pargrafo:
A enfermagem uma profisso de assistncia e, como tal, fornece servios
que contribuem para a sade e bem-estar das pessoas. Ela uma
conseqncia vital para os indivduos que recebem assistncia; preenchendo
as necessidades que no podem ser atendidas pela pessoa, por sua famlia ou
por demais pessoas da comunidade. Os componentes essenciais da profisso
so a assistncia, a cura e a coordenao. O aspecto da assistncia mais do
que tomar conta de algum, mas tambm significa preocupar-se com algum,
cuidar de algum. Ela lida com os seres humanos sob estresse (...), fornece
conforto e apoio em momentos de ansiedade, solido e desamparo. Significa
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ouvir, avaliar e intervir de maneira apropriada. (conforme citado em Potter &
Perry, 2002, p. 9).
Nesta definio digna de nota a afirmao de que assistir em
enfermagem significa preocupar-se com algum. Concordamos que a
assistncia vai alm de tomar conta e que implica cuidado e ateno. Achamos
interessante, porm, incluir a preocupao como atividade central do
profissional enfermeiro. A palavra preocupao remete tanto noo de
cuidado e ateno como idia de aflio, inquietao (Bueno, 1981). A partir
desta definio no s o envolvimento emocional do enfermeiro se torna
inevitvel em seu trabalho, como tambm seu sofrimento. Para quem tem
como funo preocupar-se, torna-se difcil fugir do sofrimento. Por outro lado,
esta definio parece relevante por trazer de forma mais objetiva o que
esperado do profissional, pois esclarece que a profisso busca a assistncia e
a cura atravs de aes definidas e realistas como: fornecer conforto, ouvir,
avaliar, intervir.
A definio de enfermagem de Rogers, de 1970, tambm tem aspectos
importantes a acrescentar e outros teis a esta discusso. Diz a autora:
A enfermagem est relacionada s pessoas todas as pessoas saudveis e
doentes, ricas e pobres, jovens e idosas. O seu campo de atuao estende-se
por todas as reas onde houver pessoas: em casa, na escola, no trabalho, nos
locais de diverso, nos hospitais, nos asilos e clnicas neste planeta e, agora,
pelo espao exterior. (conforme citado em Potter & Perry, 2002, p. 8).
Esta definio parece-nos ter a vantagem de ampliar a atuao da
enfermagem a contextos no hospitalares, mostrando uma preocupao com o
ser humano em seus vrios papis e afirmando uma prtica possivelmente
preventiva, quando inclui o cuidado com a pessoa saudvel. Note-se,
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entretanto, que Rogers escreveu esta definio em 1970, quando o homem
havia recentemente chegado Lua, e terminou por incluir sob os cuidados da
enfermagem o que quer que fosse encontrado alm dos limites do nosso
planeta. Uma definio de profisso como esta pode sugerir a crena numa
atuao profissional idealizada, indicando uma inteno de ao onipotente
que abarque o mundo inteiro e ainda o que houver alm. Estando contida num
livro utilizado na formao de novos profissionais, esta uma definio que
pode distorcer ao aluno sua real capacidade de ao fazendo surgir uma
expectativa pessoal e profissional que ser facilmente frustrada. Ainda sobre a
obra de Potter e Perry (2002), importante ressaltar que todas estas teorias
sobre a enfermagem so apresentadas mas no so discutidas ou criticadas, o
que pode contribuir para formar ou reforar no leitor a idia da enfermagem
como uma prtica de cuidado ilimitado e onipotente.
Atkinson e Murray (1989), a partir de diversas definies de enfermagem
que receberam ampla aceitao, buscaram criar um conceito que englobasse
os principais aspectos de cada definio anterior. Identificaram quatro reas na
atuao do profissional enfermeiro, que elas chamaram de: manuteno da
sade, promoo da sade, recuperao da sade e cuidados com o
moribundo.
Os cuidados para a manuteno da sade so aqueles voltados para os
programas educativos, especialmente como parte de servio de sade para o
estudante. Apresentam vantagens econmicas j que o custo de manter a
sade menor do que o de tratar a doena. Por promoo de sade, as
autoras entendem a possibilidade de elevar o nvel do continuum existente
entre a sade e a doena, ou seja, onde o indivduo encontra-se num estado
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de sade aceitvel, mas, por meio da ajuda do enfermeiro, pode melhorar suas
condies fsicas e/ou psicolgicas. A recuperao da sade a rea que
recebe maior ateno e maiores expectativas por parte da sociedade e do
prprio meio mdico, buscando tratar a doena e restaurar a sade perdida. As
autoras complementam que como no possvel sempre recuperar a sade e
curar, uma ltima atribuio cabe ao profissional da enfermagem: o cuidado
com a pessoa moribunda. Afirmam a importncia de uma assistncia aos
pacientes e suas famlias que possibilite viver de forma to plena e confortvel
quanto possvel os momentos finais da vida (Atkinson & Murray, 1989).
J em 2005, Lima escreve que a enfermagem uma cincia humana, de
prtica de cuidado a seres humanos, que engloba desde os estados de sade
at os estados de doena e na qual esto envolvidos aspectos pessoais,
profissionais, cientficos, ticos, estticos e polticos. Ela afirma que o
profissional da rea deve ter como meta a preocupao em evitar ou reduzir as
tenses biofsicas e psicossociais das pessoas que apresentam alteraes do
estado de sade. Para cumprir esta meta, o profissional deve estar apto a
perceber e reconhecer as tenses biofsicas tais como dor, sono, sede,
nusea, insnia, calor, frio, prurido, etc. e as tenses psicossociais como
medo, depresso, raiva, desamparo, constrangimento, frustrao, solido,
vazio, etc. Afirma a autora:
O entendimento da experincia de enfermagem humanstica transcende a
abordagem da cincia cuja marca a impessoalidade e a distncia. Essa
experincia s pode ser compreendida com um toque de sensibilidade da
imaginao criativa, conduzindo o sujeito profissional a se sentir responsvel
pelo seu desejo de cuidar e por seus atos sem se alienar do desejo e dos atos da
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14
pessoa que recebe os cuidados, procurando interpretar seus gestos, seus
signos, seu comportamento e at os seus silncios. (Lima, 2005, p. 72).
Lima (2005) faz uma reflexo sobre a arte e esttica da enfermagem e
percebe que em nossa sociedade a doena da categoria do feio, do que
no deve existir ou no se deve ver. Afirma a importncia de questionarmos
nossa necessidade de beleza e averso feira, uma vez que aceitar a feira
nos ajuda a conviver com a diferena, a desarmonia, a incompletude e
incorreo. Lima amplia a noo de enfermagem, compreendendo-a em nveis
ainda no discutidos pelos autores j citados.
Assim, possvel perceber que a enfermagem no se deixa definir
facilmente. A anlise de suas diversas definies revela como pontos em
comum uma prtica de assistncia aos seres humanos que visa promoo,
manuteno e recuperao da sade, alm de cuidados pr-morte, envolvendo
tanto os procedimentos tcnico-cientficos quanto um cuidado mais subjetivo e
voltado s necessidades da pessoa total.
1.1.1 Algumas consideraes sobre o desenvolvimento histrico da
enfermagem:
A enfermagem, sendo a prtica do cuidado com os seres humanos,
existe desde que o homem existe e manifestou-se de formas variadas durante
o desenvolvimento da humanidade. No perodo pr-cristo as doenas eram
vistas como castigo de Deus ou manifestaes dos maus espritos, sendo
tratadas de forma intuitiva e ritualstica por mdicos-sacerdotes. O tratamento
nesta poca consistia em aplacar as divindades, afastando os maus espritos
por meio de sacrifcios. Era comum o uso de massagens, banhos de gua fria
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15
ou quente, purgativos e substncias provocadoras de nuseas (Conselho
Regional de Enfermagem de So Paulo [Coren], Histria da Enfermagem).
Aps o surgimento de Hipcrates na Grcia (460 a.C.) teve incio a
transformao desta viso e a prtica da sade passou a ser baseada na
experincia, no conhecimento da natureza e no raciocnio lgico. Para
Hipcrates, o princpio fundamental da teraputica consistia em no contrariar
a natureza, mas auxili-la a reagir. O mtodo de Hipcrates contava com
observao do doente, elaborao de diagnstico, prognstico e teraputica,
que consistia em massagens, banhos, ginsticas, dietas, sangrias, ventosas,
vomitrios, purgativos, calmantes, ervas medicinais e medicamentos minerais
(Coren, Histria da Enfermagem).
O perodo cristo foi marcado por um cuidado especial com os pobres e
enfermos, o que contribuiu para o desenvolvimento das prticas de
enfermagem. A Igreja recolhia os enfermos s diaconias (casas particulares) e
oferecia assistncia a todos os tipos de necessitados. A prtica da enfermagem
teve seu desenvolvimento intensificado durante perodos de guerra,
especialmente com o trabalho de Florence Nightingale em 1854, na Inglaterra,
e com Ana Nri no Brasil, entre 1864 e 1870. Em todos estes perodos a
abnegao, o esprito de servio e a obedincia eram considerados atributos
desejveis do cuidador, dando desde o incio uma conotao enfermagem
no de prtica profissional, mas de sacerdcio (Coren, Histria da
Enfermagem).
A regulamentao da prtica da profisso, entretanto, foi construda
lentamente. Em 1955, a Lei Federal n 2604 a primeira com o objetivo de
regular o exerccio da enfermagem profissional no Brasil, definindo as
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categorias autorizadas a realizar atividades de enfermagem no pas. Nesta
poca ainda no era admitida a profisso de tcnico de enfermagem, existindo
outras categorias como: auxiliar de enfermagem, obstetriz, parteira, parteira
prtica, enfermeiros prticos ou prticos de enfermagem (Brasil, Lei n 2604 de
17 de setembro de 1955).
Havia neste perodo uma expectativa de que as categorias profissionais
de enfermagem fossem organizadas e regulamentadas; entretanto, a histria
nos mostra que a lei no foi suficiente para evitar o crescimento desordenado
dos profissionais. Em 1983, 70% dos atendentes de enfermagem no
possuam formao adequada. Estes atendentes eram leigos, formados por
cursos-relmpago em igrejas, centros comunitrios ou mesmo hospitais, muitas
vezes sendo recrutados entre os trabalhadores da rea da limpeza e cozinha.
Trs anos depois, a Lei n 7498/86 novamente buscou regulamentar o
exerccio da profisso, reconhecendo apenas as categorias de enfermeiros,
tcnicos e auxiliares de enfermagem. Foi estipulado um prazo de 10 anos para
a qualificao dos atendentes, perodo em que estes deveriam se transformar
em auxiliares ou tcnicos de enfermagem, sem o que no seriam reconhecidos
como profissionais (Brasil, Pequena Cronologia da Formao Profissional da
Equipe de Enfermagem).
importante ressaltar ainda que, em 1999, o governo brasileiro admitia
a existncia de 225 mil trabalhadores da rea trabalhando em servios de
sade como atendentes de enfermagem sem a devida qualificao. Com o
objetivo de humanizar o atendimento, prover assistncia sade sem riscos
para os usurios e modernizar as instituies formadoras de recursos humanos
em sade, o governo cria o Profae (Projeto de Profissionalizao dos
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17
Trabalhadores da rea de Enfermagem). Este projeto, feito a partir de contrato
de emprstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, teve como
objetivo habilitar 225 mil trabalhadores como auxiliares de enfermagem,
oferecer a complementao de estudos a 90 mil auxiliares de enfermagem para
habilit-los como tcnicos e ainda promover a escolarizao de 95 mil
trabalhadores que no haviam concludo o ensino fundamental (Brasil, Profae:
Ao, Metas e Resultados).
Em 2003, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), atravs da
Resoluo n 276, resolve conceder apenas Inscrio Provisria aos auxiliares
de enfermagem. Estes profissionais teriam o prazo de cinco anos para
comprovar a continuidade dos estudos no curso tcnico ou na graduao, sem
a qual no poderiam continuar a exercer sua prtica profissional. Esta
Resoluo foi revogada quatro anos depois, mas levou, na poca, um grande
nmero de auxiliares a buscar os cursos de complementao profissional, com
o objetivo de habilitar-se como Tcnicos em Enfermagem.
Neste perodo entre 2004 e 2007 trabalhamos como professores no
curso de Tcnico em Enfermagem e recebamos muitos alunos que buscavam
a complementao da qualificao profissional, seja atravs dos recursos do
Profae, seja por recursos prprios. Isto nos possibilitou o contato com alunos
de diferentes faixas etrias, com formao acadmica e experincia
profissional bastante diversas. Tornou evidente o contraste entre a postura dos
alunos que iniciavam na rea de enfermagem e dos alunos que vinham buscar
a complementao da qualificao, que muitas vezes haviam se formado
dcadas antes e atuavam desde ento. Assim, podemos dizer que este
momento especfico na histria da enfermagem no Brasil, em que profissionais
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h muito tempo no mercado voltavam formao acadmica, favoreceu a
identificao das diferenas de posturas entre os que pretendiam atuar como
profissionais da enfermagem e os que j o faziam h tempos. Este contraste
salientou a necessidade de aprofundar os estudos sobre como se d o incio do
contato com a prtica e que sentimentos e transformaes este contato
promove no mundo interno dos estudantes.
O presente trabalho tem como objetivo compreender aspectos
emocionais de estudantes do curso Tcnico de Enfermagem ao entrarem
contato com a prtica e, para isso, importante explicitar as diferenas nas
atividades que cada uma das trs categorias profissionais desenvolve. Esta
no uma tarefa simples, j que, tanto na legislao quanto na prtica, os
traos que marcam estas diferenas no esto bem claros.
1.1.2 Os profissionais da enfermagem:
Em 1986, a lei n 7.498 regulamenta o exerccio da enfermagem e
declara que as atividades realizadas pelos enfermeiros seriam, resumidamente:
direo dos rgos e chefia das unidades de enfermagem;
superviso dos servios tcnicos e auxiliares;
planejamento, execuo e avaliao dos servios de assistncia de
enfermagem;
cuidados diretos a pacientes graves com risco de vida;
participao no planejamento, execuo e avaliao dos programas de
sade pblica.
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O tcnico de enfermagem, segundo a referida lei, teria como atividades
principais:
participar da programao da assistncia de enfermagem;
participar da superviso do trabalho de enfermagem em grau auxiliar;
executar as atividades de assistncia de enfermagem (exceto as
privativas do enfermeiro).
Ressaltamos que o texto da lei menciona mas no esclarece quais
atividades de assistncia seriam estas. Ainda de acordo com a mesma lei, o
auxiliar de enfermagem seria responsvel por exercer atividades de nvel
mdio, de natureza repetitiva, como:
observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas;
executar aes de tratamento simples;
prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente.
No ano seguinte, o decreto n 94.406/87 traz uma modificao nas
funes do tcnico de enfermagem, que passam a ser: assistir ao enfermeiro
em suas atividades e executar as atividades de assistncia de enfermagem;
mais uma vez, sem esclarecer a quais atividades se refere. A funo do
auxiliar, no mesmo decreto, seria tambm executar as atividades de
assistncia de enfermagem, o que denota uma sobreposio de funes do
tcnico e do auxiliar. As atividades deste ltimo so apresentadas como:
preparar o paciente para consultas, exames e tratamentos;
observar e descrever sinais e sintomas;
fazer curativos;
colher material para exames;
ministrar medicamentos por via oral e parenteral;
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fazer controle hdrico;
aplicar oxigenoterapia, nebulizao, enteroclisma2, enema3 e calor ou
frio;
executar tarefas referentes conservao e aplicao de vacinas;
efetuar o controle de pacientes e de comunicantes em doenas
transmissveis;
circular em sala de cirurgia e, se necessrio, instrumentar;
executar atividades de desinfeco e esterilizao;
prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente e zelar por sua
segurana;
alimentao ou auxlio alimentao;
zelar pela limpeza e ordem do material, de equipamentos e de
dependncias de unidades de sade;
orientar os pacientes na ps-consulta, quanto ao cumprimento das
prescries de enfermagem e mdicas;
participar dos procedimentos ps-morte;
Costa (2003), a partir de depoimentos de tcnicos de enfermagem da
Baixada Santista, identificou que o fazer que executado pelo tcnico de
enfermagem o mesmo fazer aplicado pelo auxiliar de enfermagem e, devido a
este fato, as atividades desenvolvidas por ambos tornam-se as mesmas
(Costa, 2003, p. 53). Peduzzi e Anselmi (2004) efetuaram um estudo com o
objetivo de identificar e analisar as diferenas no trabalho desenvolvido por
auxiliares e tcnicos e concluram que no h diferenas prticas nas
2,3
Procedimentos nos quais se introduz soluo no reto e clon para que a atividade intestinal seja estimulada e para que seja provocado o esvaziamento da parte inferior do intestino.
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atividades e, portanto, ambas categorias profissionais desenvolvem o mesmo
trabalho.
A partir da anlise das atividades realizadas pelas diferentes categorias
profissionais possvel perceber que a natureza da relao entre enfermeiro e
paciente difere da relao deste com o tcnico ou auxiliar. O enfermeiro est
ciente do que ocorre com cada paciente, supervisiona tcnicos e auxiliares, nos
casos mais graves d atendimento direto ao paciente, mas, na maior parte do
tempo, permanece em contato apenas indireto com este. Os tcnicos e
auxiliares de enfermagem esto presentes de forma mais direta e intensa, pois
ministram os cuidados bsicos e passam mais tempo prximos aos pacientes,
conhecendo seus nomes, algumas vezes sua histria e seus sentimentos.
Portanto, neste trabalho, sempre que mencionarmos as funes dos
tcnicos de enfermagem estaremos nos referindo s atividades descritas acima
como sendo prprias do auxiliar. Primeiramente porque as funes de ambos
parecem sobreporem-se e, em segundo lugar, por ser em texto legal a
descrio mais detalhada e prxima do que faz um tcnico de enfermagem em
sua prtica cotidiana.
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1.2 Dificuldades na prtica da enfermagem e possibilidades de
mudanas
1.2.1 Dificuldades encontradas pelo profissional da sade:
Muitos estudos vm sendo dedicados s condies de sade fsica e
mental dos trabalhadores da rea da sade e s dificuldades enfrentadas por
eles em suas prticas profissionais. Repetidamente encontram-se os mesmos
resultados: os profissionais da sade esto em sofrimento. Um dos objetivos
deste trabalho compreender melhor qual este sofrimento, como se
configura, em torno do que se organiza, para que no futuro possam ser
tomadas medidas de preveno, possivelmente ainda na formao do
estudante. Dentre os diversos trabalhos presentes na literatura com objetivo de
descrever e compreender o sofrimento do profissional da sade, citamos
alguns que podem contribuir mais diretamente com a proposta deste estudo.
Nogueira-Martins (2003) escreve um interessante artigo sobre a sade
mental dos mdicos e afirma que, embora cada profisso conserve suas
prprias caractersticas, alguns aspectos das profisses da rea da sade so
semelhantes, por exemplo entre mdicos e enfermeiros. Seu trabalho pode,
portanto, enriquecer a compreenso do sofrimento dos demais profissionais da
sade. O autor faz referncia a inmeras gratificaes psicolgicas inerentes
profisso mdica, que a tornam muito atraente e gratificante, como: poder de
aliviar a dor e o sofrimento, curar e prevenir doenas, salvar vidas, ensinar,
aconselhar, educar, receber reconhecimento e gratido, etc. Comenta que, no
entanto, h um grau de idealizao que pode gerar altas expectativas e estas,
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23
no correspondidas, tendem a produzir decepes e frustraes significativas.
Estes aspectos so facilmente identificados tambm nos tcnicos de
enfermagem.
O autor afirma que uma das caractersticas inerentes tarefa mdica
um ambiente profissional formado por intensos estmulos emocionais
relacionados ao adoecer. Dentre estes estmulos, ele cita: o contato freqente
com a dor e o sofrimento; o contato com a intimidade fsica e emocional; a
necessidade de lidar com pacientes difceis, queixosos, rebeldes, hostis,
reivindicadores, deprimidos, autodestrutivos, no aderentes ao tratamento, etc.;
ter de lidar com as incertezas e limitaes do conhecimento mdico e do
sistema de sade quando as expectativas dos pacientes e familiares desejam
certezas e garantias.
Em estudo anterior (Nogueira-Martins, 1994), realizado com mdicos
durante o curso de residncia, o autor apontou que as principais fontes de
dificuldades encontradas pelos residentes foram:
a quantidade de pacientes;
a comunicao com pacientes de baixo nvel socioeconmico e cultural;
pacientes hostis e/ou reivindicadores;
pacientes que vm a falecer;
pacientes com alterao no comportamento;
comunicaes difceis como as de situaes graves ou morte;
medo de contrair infeces durante o exerccio da funo;
medo de cometer erros;
exigncias internas de ser um mdico que no falha.
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Estes fatores chamam-nos a ateno por todos estarem relacionados,
direta ou indiretamente, com o tema da impotncia, do limite, do que no se
pode fazer ou impedir. Os mdicos residentes em questo pareceram
encontrar dificuldades em aceitar que no eram capazes de atender a todos os
pacientes; que tinham dificuldades de comunicar-se com eles; que no podiam
salvar a todos ou compreender a todos; que poderiam errar, que cometem
falhas e, inclusive, que so vulnerveis s mesmas doenas que tanto tentam
curar. Todas estas situaes remetem quilo que no podem fazer, sua
limitao pessoal, profissional e, em ltima instncia, prpria finitude.
possvel imaginar que preocupaes como estas esto presentes no s nos
mdicos residentes, mas tambm nos enfermeiros, tcnicos e auxiliares de
enfermagem e, possivelmente, em outras profisses ligadas sade. Estes
resultados parecem indicar uma relao entre a constatao da limitao
pessoal e profissional e o surgimento de dificuldades, angstia e estresse,
tema que merece estudos mais aprofundados.
Nogueira-Martins (2003) tambm afirma que o processo de adaptao a
estas dificuldades pode tomar diferentes caminhos dependendo dos
mecanismos e recursos defensivos utilizados pelo indivduo. Uma das
possibilidades a construo de uma couraa impermevel s emoes e
sentimentos (p. 63), que pode ser traduzida como aparente frieza no contato
com os pacientes e pessoas de modo geral. Essa situao bastante
freqente atualmente na relao mdico-paciente e podemos nos perguntar
como um profissional que escolheu e se preparou para trabalhar com o cuidado
do outro pode chegar a ter atitudes at mesmo contrrias ou no mnimo,
bastante distantes ao seu objetivo inicial.
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Para o autor, ao evitar o contato e reflexo sobre as limitaes do
exerccio profissional, criam-se expectativas irrealsticas sobre si, com o
desenvolvimento de atitudes arrogantes e aparentemente insensveis. A ironia
e o humor sarcstico tambm so apontados como dificuldades em lidar com
os sentimentos oriundos da profisso:
O desenvolvimento crescente de um humor negro atravs de uma linguagem
irnica, amarga e do uso de um jargo onde predominam rtulos depreciativos,
revela, em realidade, uma incapacidade de lidar com as frustraes, tristezas e
vicissitudes da tarefa profissional. Traduz, basicamente, a ausncia de um
repertrio de recursos mais amadurecidos para lidar com os sentimentos de
vulnerabilidade e impotncia diante da vida. (Nogueira-Martins, 2003, p. 64).
Estes resultados parecem-nos relevantes pois so muito semelhantes
aos comportamentos observados em nossos alunos: idealizao e expectativas
irrealsticas nos alunos iniciantes e ironia, amargura, irritao nos alunos que j
possuem experincia profissional. Resultados como estes realam a
importncia de aprofundarem-se os estudos sobre a relao existente entre a
idealizao e a imagem onipotente do profissional da sade e o
comportamento irnico, ctico, amargo e distante adotado por muitos
profissionais. O autor defende ainda que as medidas preventivas devem estar
voltadas formao do profissional, incluindo disciplinas de dimenso
psicolgica nos currculos da formao mdica. Este assunto ser melhor
discutido mais adiante.
Outro estudo interessante o realizado por Beck (2001), que em sua
tese de doutorado buscou compreender melhor o sofrimento psquico
vivenciado pelo profissional da rea de enfermagem. Ela empreendeu este
estudo atravs de uma extensa coleta de dados que incluiu: observao no
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participante, entrevistas semi-estruturadas e formulrio de anlise de sinais
vitais dos profissionais antes e depois do perodo de trabalho. Teve como
sujeitos 46 profissionais entre enfermeiros, tcnicos e auxiliares de
enfermagem de dois hospitais do interior do Rio Grande do Sul.
A autora constata que os profissionais esto vivenciando sofrimento.
Observa tentativas de lidar com este sofrimento atravs de mecanismos de
defesa como a negao e a sublimao. Os profissionais pareciam negar seu
sofrimento, dando-lhe um ar de naturalidade, como se tudo fizesse parte da
rotina de trabalho. Isso pde ser percebido atravs de expresses como: isso
natural na unidade, faz parte da rotina e um morre e o outro vem. Alm
disso, a autora acrescenta que o fato de os trabalhadores usarem o pronome
tu em vez de eu para referirem-se aos prprios sentimentos sinaliza
aspectos desta negao e distanciamento. Beck (2001) chama a ateno para
a banalizao do sofrimento observada e que parece estar sendo utilizada
como um recurso de defesa.
Costa e Lima (2005), em seu estudo sobre como o profissional da
enfermagem vivencia o luto frente morte de seus pacientes (crianas e
adolescentes), perceberam que o estabelecimento de vnculo entre profissional
e paciente inevitvel. Ainda que alguns profissionais tentassem envolver-se
emocionalmente o mnimo possvel, sob o imperativo de serem profissionais,
muitos sentiam a morte do paciente como se fosse de algum de sua prpria
famlia. Os resultados mostraram que acompanhar o processo de morte e
morrer dos pacientes provocou sentimentos de frustrao, desapontamento,
derrota, tristeza, pesar, cobrana, pena e d. Atravs da pesquisa foi possvel
identificar tambm que alguns profissionais no estavam vivenciando o
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processo natural de luto, pois acreditavam que agindo com uma postura mais
tcnica evitavam que suas tarefas fossem prejudicadas pela emoo. Para
estes, procurar ajuda seria uma demonstrao de fraqueza, e acreditavam que
vivenciarem sozinhos o sofrimento fazia parte da profisso.
As autoras observam que os profissionais receberam pouco preparo
para trabalhar as situaes de perda e acabavam por realizar suas tarefas e
buscar ajuda de forma solitria. Notam que os profissionais de enfermagem
entrevistados esto vivenciando sofrimento e precisando de ajuda. A concluso
a que chegam que mudanas devem ocorrer a partir das instituies de
formao.
As mudanas precisam ocorrer simultaneamente nas escolas e nas instituies
hospitalares, ou seja, as escolas deveriam preparar seus alunos para atuarem
com a vida e a morte nos hospitais, enquanto que as instituies hospitalares
poderiam, com o auxlio da educao permanente, ajudar os profissionais a
realizarem reflexes sobre o luto. (Costa & Lima, 2005, p. 157).
Em diversos trabalhos foi possvel constatar que no discurso de
profissionais da enfermagem ser profissional muitas vezes aparecia como
sinnimo de no se envolver emocionalmente. Isso pde ser percebido no
estudo empreendido por Filizola e Ferreira (1997) com o objetivo de verificar o
que os profissionais de enfermagem (enfermeiros, auxiliares e atendentes)
pensam sobre o envolvimento emocional do profissional com o paciente. As
autoras esperavam encontrar nos profissionais enfermeiros, em virtude de um
tempo maior dedicado educao formal, uma postura mais amadurecida, que
inclusse um envolvimento genuno com o paciente ainda que com limites que
garantissem seu bem-estar emocional. Surpreenderam-se ao constatar um
discurso que defende claramente o no-envolvimento, com a justificativa de
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que envolver-se doloroso, traz mais um problema a resolver e atrapalha o
servio. Entre os auxiliares de enfermagem, o resultado observado foi
semelhante. Eles tambm pareciam adotar uma poltica de no-envolvimento,
alegando, alm dos motivos j expostos pelos enfermeiros, que isso poderia
atrapalhar sua vida extra-hospitalar.
Entre os atendentes de enfermagem houve algumas diferenas. Por um
lado, metade dos atendentes manifestou opinies que confirmavam a poltica
do no-envolvimento j observada entre enfermeiros e auxiliares. Entretanto, a
outra metade dos atendentes afirmou ser o envolvimento essencial, inevitvel e
mesmo benfico relao de cuidado. Alguns relatos de atendentes incluam
ainda uma preocupao com os limites deste envolvimento, mostrando-se
capazes de um vnculo mais maduro, no qual havia aproximao e afastamento
em uma medida satisfatria, como mostram as falas: o paciente precisa de um
carinho profissional porque ele carente, mas sem deixar ele confundir e
misturar as coisas; se eu no me emocionar no vou conseguir atender bem
e se no usarmos o lado emocional fica como se no lidssemos com pessoas
e sim com mquinas (Filizola & Ferreira, 1997, p. 13).
As autoras, buscando compreender os motivos que justificam estas
posturas, levantam duas possibilidades. A primeira seria que o fato de os
atendentes estarem mais prximos dos pacientes pode justificar seu maior
envolvimento com eles, uma vez que durante procedimentos dirios de cuidado
o paciente tem oportunidades de conversar e se vincular com o profissional. O
segundo fator a possibilidade de, por terem recebido uma menor carga
horria de estudo formal de enfermagem, os atendentes no teriam aprendido
a controlar suas emoes. Neste caso, parece-nos que os profissionais
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estariam utilizando-se mais de seu prprio bom senso e de recursos internos
para lidar com o outro e estariam menos influenciados pela poltica do no-
envolvimento notada nos outros nveis profissionais. Esta possibilidade torna-
se importante porque nos faz questionar o papel que a educao formal em
enfermagem tem desempenhado e que valores ou conceitos tem transmitido a
seus alunos.
A enfermagem executa um trabalho cansativo e desgastante devido
convivncia constante com a dor e sofrimento dos pacientes. Quando uma
pessoa decide ingressar nesta rea, entretanto, a conscincia destas
dificuldades bastante restrita, como mostra um estudo sobre as concepes
de acadmicos sobre o que ser enfermeiro (Rosa & Lima, 2005). As autoras
constataram que os alunos do primeiro semestre da graduao em
enfermagem possuem uma viso vaga e idealizada do trabalho deste
profissional, referindo-se apenas dimenso humanitria, acompanhada de
idias de doao, cuidado e abnegao, como possvel verificar em
definies como: ser enfermeiro ser cuidador vinte e quatro horas por dia e
preocupar-se em viver plenamente como cuidador; uma profisso que
necessita disponibilidade, amor e disciplina (p.127). As autoras citam tambm
a comparao do enfermeiro com anjos e super-heris.
Diante de tal idealizao possvel imaginar que estes alunos tendem a
se decepcionar, aps conviverem com a realidade do cotidiano onde nem
sempre podem curar e salvar. Esta situao aponta para a necessidade de se
preparar melhor os alunos, tanto no sentido de esclarecer melhor seu papel
quanto, principalmente, ajud-los a entrar em contato, compreender e lidar
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mais adequadamente com seus sentimentos oriundos da prtica. Isso,
entretanto, no parece ser o que acontece.
1.2.2 Deficincias na formao dos profissionais da sade:
Quando o assunto a formao do profissional da rea da sade, vem-
nos mente uma conversa informal com um amigo, na poca finalizando o
curso de residncia mdica numa das maiores e mais conceituadas escolas de
medicina da cidade de So Paulo. Falvamos a respeito das aulas que
ministrvamos no curso Tcnico em Enfermagem, especificamente as
reflexes sobre a morte e as tentativas de preparao dos alunos, ajudando-os
a refletir sobre o significado de acompanharem processos de morte e morrer.
Para nossa surpresa, disse ele: Depois de seis anos cursando Medicina e
quase trs anos cursando a residncia, sabe quantas aulas tive sobre a morte?
Nenhuma. Esta no parece ser uma experincia isolada, mas ao contrrio,
vem sendo corroborada pelas pesquisas sobre a formao do profissional da
sade.
Num estudo sobre o preparo dos acadmicos de enfermagem para
vivenciarem o processo morte-morrer (Bernieri & Hirdes, 2007), ficou
demonstrado que os alunos no esto preparados para vivenciar a morte de
seus futuros clientes em funo da ausncia de oportunidades de discutir tal
tema na graduao. Os alunos relatam que durante o curso maior nfase
dada s tcnicas de enfermagem e aos cuidados com o corpo fsico, ficando
uma lacuna quanto ao cuidado psicolgico que deveria ser oferecido aos
pacientes e seus familiares. O estudo mostrou que os graduandos desejam
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prestar atendimento mais humanizado e integral, mas sentem dificuldades em
lidar com a situao, no sabendo como abordar os familiares e menos ainda
como lidar com os prprios sentimentos (Bernieri & Hirdes, 2007).
Kovcs (2003), h vinte anos estudando o tema da morte,
especialmente no que tange ao profissional em contato com ela, chega a
concluses parecidas. A autora afirma que o contexto hospitalar convencional
no incentiva uma discusso sobre como lidar com o sofrimento fsico e
psquico dos pacientes gravemente enfermos. O contato com a dor e a morte
traz aos profissionais a vivncia de suas prprias fragilidades, medos e
incertezas, os quais, na maior parte das vezes, no encontram uma
oportunidade de compartilhar. Dessa forma, os sentimentos precisam ser
abafados, negados, j que sua presena sentida como capaz de prejudicar a
eficcia dos cuidados. A autora chama a ateno para a prevalncia da
depresso nos profissionais da sade e relaciona-a com os lutos mal-
elaborados. Acredita que grande nmero de profissionais adoecem em funo
de uma excessiva carga de sofrimento sem possibilidade de elaborao.
Segundo ela, assim como nos hospitais, os cursos de Medicina e Enfermagem
tm priorizado os procedimentos tcnicos em detrimento de uma formao
mais humanista.
Os cursos de formao dos profissionais da rea da sade s recentemente
tm aberto espao para discusso do tema da morte e dos cuidados no fim da
vida. Em muitos casos, durante os estgios e os primeiros anos da prtica
hospitalar, os jovens profissionais so ensinados a controlarem seus
sentimentos e a no se envolverem com seus pacientes. (Kovcs, 2003, p. 32).
As observaes de Kovcs (2003) coincidem com os resultados
encontrados no estudo j citado de Filizola e Ferreira (1997) quanto ao
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ensinamento do no-envolvimento pelos cursos de formao. Acreditamos que
exigir de um aluno o controle de seus sentimentos sem dar oportunidade para
que ele os reconhea, aceite e encontre formas de lidar com eles parece ser
um meio fcil de propiciar defesas inapropriadas como a negao, o que
condena o estudante a um sofrimento solitrio e sem perspectivas de
elaborao. Quando falamos de deficincias na formao do profissional da
sade no queremos dizer apenas ausncia de discusso sobre o tema da
morte. Este sem dvida importante, porque rene em si mesmo as angstias
ligadas limitao, impotncia, impossibilidades. Acreditamos, porm, que falta
aos cursos de formao atuais uma preocupao em geral com a dimenso
humana do aluno.
Milharci (2004) desenvolve um estudo buscando refletir sobre a
dimenso humana na formao do tcnico de enfermagem, entendendo
dimenso humana como uma preocupao e valorizao das relaes
humanas em oposio a uma formao prioritariamente tcnica. A autora faz
uma minuciosa anlise sobre a trajetria histrica dos cursos de Auxiliar e
Tcnico de Enfermagem no Brasil e identifica que, desde o incio da educao
formal de nvel mdio em enfermagem, os contedos ministrados estavam
voltados formao tcnica em detrimento da humana:
Com a apresentao do histrico da legislao do Curso Auxiliar e Tcnico de
Enfermagem, observamos o predomnio das disciplinas tcnicas em detrimento
das humanas. (...) Diz o texto que tica e relaes humanas imprescindvel,
porm no h tempo, com a carga horria reduzida, para manter a disciplina de
Psicologia, a nica que oficialmente representa uma possibilidade de abertura
da dimenso humana na formao do profissional de nvel mdio de
Enfermagem. (Milharci, 2004, p. 20).
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A autora credita essa nfase na formao tecnicista aos interesses
governamentais que, por sua vez, recebem restries das agncias
financiadoras de nossos projetos educacionais. Para ela, ao atender s
exigncias de formao em massa do Banco Mundial, a capacitao em
servio sobressai-se formao inicial e os currculos escolares passam a ter
como ponto central os contedos, dificultando a formao crtico-reflexiva. A
autora acrescenta que, quando a dimenso humana encontrada nos cursos,
enfatiza a relao do aluno com o paciente, no levando em conta a relao do
aluno consigo mesmo ou com a equipe de trabalho. Limitar a humanizao
humanizao do cuidado com o paciente, para ela, gera angstia no aluno e
necessidade de mudana neste quadro. Em suas consideraes finais, Milharci
declara que as dimenses humanas so importantes, mas esto ficando mais
no plano discursivo e no ocorrendo na prtica, o que vem corroborar os
achados apresentados acima.
Esperidio e Munari (2004), em seu estudo sobre as percepes do
aluno de graduao em Enfermagem em relao sua formao como pessoa
e profissional, ressaltam que os educadores e profissionais com que os alunos
tm contato durante o curso pouco os estimulam a considerar o que pensam e
o que sentem quando se deparam com a vulnerabilidade humana. Citam um
aspecto interessante da relao professor-aluno-paciente, frisando que, se o
enfermeiro no pode considerar seu aluno como um ser humano total, este
dificilmente poder fazer isso com seu paciente. Afirmam que s podemos dar
o que recebemos e que no se pode exigir que o aluno ou enfermeiro seja
afetivo se ele no recebeu e no aprendeu a valorizar isso.
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A partir de entrevistas com 21 estudantes do segundo ao quinto ano do
curso de graduao, as autoras chegam a concluses interessantes. Em
primeiro lugar, constatam como os demais autores que a formao do
aluno est mais voltada para o que ela chama de questes profissionais, ou
seja, conhecimentos tericos e prticos de tcnicas de enfermagem, muitas
vezes atravs de aulas exaustivas, desarticuladas entre si e sem a relevncia
de seu significado real. Encontram indcios de que a formao ocorre de forma
desintegrada, como demonstra o comentrio de um aluno:
como se algumas disciplinas preparassem para o desempenho de tarefas
prticas e outras se preocupassem com a pessoa do aluno (...) s que na
prtica que aparecem os medos e l a pessoa no trabalhada (...) no
conseguimos integrar os conhecimentos. (Esperidio & Munari, 2004, p. 336).
Outro resultado encontrado diz respeito ao que as autoras chamaram de
holismo s na teoria, ou seja, uma percepo por parte dos alunos de que
apesar dos ensinamentos dos professores e cobranas para que os alunos
vissem seus pacientes de forma total, isto no acontecia dentro dos limites da
escola:
Acho que h muita preocupao na questo do paciente... voc trabalha o
fsico do paciente, o psicolgico do paciente, mas o psicolgico do estudante,
ele no trabalhado... cobrado da gente que cuidemos desses pacientes de
maneira holstica, voc v-lo como um todo. S que aqui dentro (...) a maioria
dos professores no vem a gente como um todo. (Esperidio & Munari, 2004,
p. 336).
Uma ltima fala, que revela certa fragilidade na formao emocional do
curso de graduao, digna de ser citada:
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O professor ensina bem, mas toda vez que vou para o campo, fico ansiosa (...)
vrios blocos de estgio e cada um um terror pra mim (...) s vezes eu chego
a passar mal (...) o curso no trabalha isso. (Esperidio & Munari, 2004, p.
336).
Evidentemente precisamos levar em conta o aspecto pessoal de tal
declarao e no consider-lo como unicamente decorrente de falhas na
formao profissional, nem como manifestao da maioria dos alunos.
Entretanto, isso no invalida o fato de que, neste caso especfico, a aluna sente
que no recebeu a ateno emocional que precisava. Certamente o curso no
responsvel por eliminar seu medo ou suas ansiedades, mas acreditamos
fazer parte das responsabilidades de um curso de formao um espao para
que estes sentimentos sejam observados e compartilhados; onde se possa
discutir e refletir sobre seus significados e, se for o caso, receber orientao e
encaminhamento para outros atendimentos mais adequados. Acreditamos que
espaos como este, onde a preocupao com a dimenso humana do
profissional em formao central, possam ajudar os alunos a adquirirem
conscincia de suas angstias, encontrarem por si mesmos e com a ajuda
uns dos outros orientaes para suas incertezas e significados para suas
vivncias.
A necessidade deste tipo de preparo emocional apontada inmeras
vezes nos estudos sobre o tema. Para Costa e Lima (2005) as propostas de
melhora devem estar centradas nas instituies de formao, tanto nas escolas
como nos hospitais. As escolas deveriam preparar os alunos para lidar com a
vida e a morte nos hospitais e estes tambm poderiam contribuir por meio de
programas de educao permanente.
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Nogueira-Martins (2003) acredita que as medidas profilticas devem
comear pela incluso da dimenso psicolgica na formao do estudante,
sensibilizando-o quanto aos seus aspectos psicolgicos e suas reaes
vivenciais durante o curso de graduao. Ele sugere a incluso da disciplina
Psicologia Mdica nos cursos de Medicina, que propiciasse ao estudante
espao para entrar em contato com os sentimentos surgidos diante dos outros
seres humanos que comea a atender. Aponta que as estratgias principais
deveriam ser a reflexo e troca de experincias, usando a vivncia como
instrumento de aprendizado.
Bernieri e Hirdes (2007) tambm fazem sugestes para modificar este
quadro: a incluso da temtica da morte na grade curricular, a troca de
experincias entre professores e alunos, a realizao de grupos para debater o
assunto, um olhar mais atento dos professores e supervisores aos acadmicos
que experienciam a morte em seus campos de estgio, etc. Concordamos com
estes apontamentos e temos a proposta de, com este trabalho, contribuir para
a compreenso das dificuldades vivenciadas no momento da formao, bem
como oferecer um espao de reflexo e acolhimento das angstias destes
estudantes, com o intuito de j ampliar a ateno dimenso humana em sua
formao.
1.2.3 Psicologia e Enfermagem: possibilidades de trocas:
Diante do exposto at aqui parecem ficar claras a importncia de
reavaliao das prticas de formao em Enfermagem e a necessidade de sua
ampliao, de modo a incluir uma ateno maior ao auto-conhecimento,
reflexo e cuidado com o emocional dos estudantes. A Psicologia a cincia
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por excelncia que se presta a desenvolver conhecimentos sobre as emoes,
bem como promover o auto-conhecimento e amadurecimento emocional.
Assim, a Psicologia parece bem equipada a ajudar na preparao emocional
dos estudantes da rea da enfermagem para sua prtica.
Voltando nossa ateno agora Psicologia, as ltimas pesquisas
nacionais realizadas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) vm
demonstrando que o exerccio profissional do psiclogo no pas ainda no
explora suficiente ou adequadamente todo o potencial de conhecimentos que a
Psicologia j tornou disponvel sociedade (Achcar, 2006). A atividade clnica
ainda a principal ocupao do psiclogo e ocorre, em sua maioria, no
contexto dos consultrios particulares, desenvolvendo atividade de psicoterapia
a uma clientela adulta e de classe mdia. Dentro deste contexto, numa
populao de mais de 180 milhes de habitantes, no nos parece possvel que
todas as pessoas possam ser atendidas e auxiliadas quando precisarem ou
desejarem ajuda teraputica.
As pesquisas realizadas apontam a existncia de prticas inovadoras,
mais adequadas realidade brasileira tanto em relao dimenso
quantitativa da demanda quanto s caractersticas especficas das dificuldades
encontradas em nosso pas. Entretanto essas transformaes incipientes ainda
no parecem transformar a realidade da Psicologia no Brasil. Afirma Achcar
(2006):
A busca de alternativas ao fazer clssico (...) ainda no consolidou um novo
padro de atuao que seja largamente dominante. Assim, nas pesquisas de
tipo surveys realizadas, o peso estatstico dos que esto realizando trabalhos
inovadores insignificante. (p. 304).
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Uma vez que as necessidades so muitas, a populao imensa e os
recursos financeiros poucos, faz-se necessrio criar novas maneiras de
fazer com que a Psicologia chegue s pessoas e cumpra melhor seu papel
social. Na busca de solues para tal situao, uma alternativa fundamental
o investimento em trabalhos de preveno. Atualmente, a grande nfase
no atendimento psicolgico est voltada para trabalhos em nvel de
preveno terciria, quando as dificuldades j esto instaladas e requerem
medidas de reabilitao, ficando em segundo plano os trabalhos no nvel de
preveno secundria diagnstico e intervenes precoces e em
preveno primria, ou seja, interveno anterior ao surgimento de
dificuldades, que buscam evitar seu aparecimento.
Esta disposio da situao acarreta um grande gasto com
atendimentos de nvel tercirio, que so geralmente caros. Entretanto, mais do
que uma medida econmica, o investimento em preveno deveria configurar-
se como prioridade de qualquer profissional de sade, j que seu objetivo
principal a preservao da sade e no apenas a cura de doenas. De
acordo com Bleger (1984):
A funo social do psiclogo clnico no deve ser basicamente a terapia e sim
a sade pblica (...) O psiclogo deve intervir intensamente em todos os
aspectos e problemas que concernem a psico-higiene e no esperar que a
pessoa adoea para recm poder intervir. (p. 20).
A possibilidade de levar uma ateno psicolgica a estudantes de
enfermagem, que ainda no manifestaram ou que comeam a manifestar
dificuldades, uma excelente oportunidade para que a Psicologia ponha em
prtica outras modalidades de atendimento que no o clnico remediativo; para
que desenvolva e investigue o alcance e as limitaes deste novo mtodo e
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para que sua eficcia seja avaliada e desenvolvida. Alm dos objetivos de
compreenso da experincia emocional do aluno ao entrar em contato com a
prtica, este trabalho prope-se a criar um espao de reflexo dentro dos
limites da formao profissional e, como tal, pode ser considerado uma
interveno que agrega um carter preventivo. Entretanto, no se prope a
empreender uma avaliao especfica do alcance e das limitaes desta
prtica inovadora, o que certamente merece estudos mais sistematizados e
aprofundados.
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1.3 Fundamentao do trabalho com grupos
A Psicologia uma cincia que teve seu desenvolvimento inicial pautado
nas pesquisas e descobertas sobre o funcionamento psquico individual e,
ainda hoje, tem grande parte de seus estudos orientados nesta direo. O ser
humano, porm, um ser gregrio; suas vivncias se do dentro de ambientes
sociais, so decorrentes destes ambientes e, ao mesmo tempo, as
transformam e determinam. Dentro da Psicologia, o trabalho com grupos est
em franca expanso, seja por solicitaes da sociedade de um tipo de
atendimento mais adequado s suas necessidades, seja pelas vantagens
repetidamente encontradas por aqueles que optam em trabalhar com esta
tcnica.
A palavra grupo, segundo Anzieu (1993), um termo que surgiu
lentamente. Antes dele havia apenas a oposio entre indivduo e cidade. De
acordo com Anzieu, o termo grupo surgiu nos idiomas francs, ingls e
alemo apenas no final do sculo XVII, como um termo tcnico italiano das
belas-artes, significando um conjunto de pessoas pintado ou esculpido. A
palavra grupo est relacionada com um antigo vocbulo group, que significa
lao ou n, e deriva do germano ocidental kruppa, que significa massa
circular. Portanto, na etimologia da palavra grupo esto presentes as duas
idias principais do conceito de grupo: a ligao que demonstra a coeso e
o crculo, que representa o espao fechado (Anzieu, 1993).
Ao longo da histria da Psicologia muitos trabalhos grupais foram
empreendidos e diversas teorias foram desenvolvidas com o intuito de
compreender os fenmenos manifestados no contexto grupal. Este trabalho
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ter a teoria psicanaltica como referencial terico e, portanto, nos centraremos
nas contribuies desenvolvidas pelas escolas inglesa, francesa e latino-
americana de psicanlise de grupo. Antes disso, porm, apresentaremos
algumas consideraes de Freud sobre o funcionamento e os dinamismos
grupais.
1.3.1 Algumas idias de Freud sobre o funcionamento dos grupos:
O interesse da psicanlise pela psicologia dos grupos surge j em Freud
em obras como Totem em Tabu (1913) e Psicologia de Grupo e Anlise do Ego
(1921). Freud interessou-se pela influncia que um grande nmero de pessoas
reunidas exerce num indivduo e, ainda que nunca tenha trabalhado
diretamente com grupos, afirmou que as diferenas entre a psicologia individual
e de grupo no so to marcantes quanto poderia parecer primeira vista.
Em 1921, Freud afirma que sempre existe algo mais na vida mental de
um sujeito, seja um objeto, um modelo, um oponente, que faz com que a
psicologia individual seja desde o incio uma psicologia grupal. Na mesma obra,
Freud faz referncia aos estudos de Le Bon sobre a mente coletiva e parece
concordar com o fato de que quando uma reunio de pessoas se torna um
grupo, este se configura como um novo ser, uma unidade diferente da soma
de cada um dos indivduos que o compem. Esta unidade caracteriza o
aparecimento de uma mente coletiva, que faz com que um indivduo aja no
grupo de forma muito diferente da habitual. Freud assinala que, no grupo, o
que dessemelhante em cada indivduo particular desaparece e as
funes inconscientes, que so semelhantes em todos, ficam evidenciadas. Ele
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deixa claro que o grupo possui condies que fazem diminuir a represso aos
impulsos inconscientes.
Citando os estudos de Le Bon, Freud descreve o grupo como mutvel e
impulsivo; como portador de desejos imperiosos e urgentes e com grande
sensao da onipotncia. Afirma ser o grupo crdulo, influencivel e sem
capacidade crtica, o que confere a ele uma tendncia natural a obedecer e
buscar o estabelecimento de um lder. Por outro lado, declara que a mente
coletiva possui um outro aspecto, bem mais elevado; capaz de gnio criativo
e produz grandes criaes, como a linguagem, o folclore, etc. Ressalta a
caracterstica de sugestionabilidade do grupo, sua capacidade de fazer com
que seus membros ajam sempre da mesma forma. Afirma que o grupo
representa para o indivduo um poder ilimitado e perigo insupervel. a
representao de toda a sociedade humana, detentora da autoridade e cujos
castigos cada indivduo teme. Portanto, parece perigoso opor-se ao grupo e,
por segurana, os indivduos preferem seguir o exemplo daqueles que os
cercam (Freud, 1921).
Em Totem e Tabu (1913) Freud acrescenta algumas idias
interessantes, que colocam os dinamismos grupais como centrais na fundao
da civilizao humana. Ele chama estas idias de mito cientfico, no qual cria
algumas suposies que possam ser teis sua compreenso da organizao
psquica humana. A partir das hipteses de Darwin sobre o incio da
humanidade ter se organizado em torno de hordas pequenas, onde o homem
mais velho era casado com tantas esposas quanto pudesse sustentar e as
guardava de relaes sexuais com quaisquer outros homens, Freud sups que
certo dia os irmos se reuniram e, pela fora do grupo, mataram e devoraram o
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pai. Com o sentimento de culpa decorrente, criaram dois tabus principais: a
proibio de matar o totem do grupo identificado com o pai e que mais tarde
veio se transformar na proibio do assassinato de maneira geral e a
proibio de possuir qualquer das mulheres do cl que com o tempo se
converteu no tabu do incesto. Segundo Freud (1913), estas proibies arcaicas
deram origem a todas as outras normas de convivncia e teriam fundado a
possibilidade de vida civilizada. Estas idias iniciais sobre os dinamismos
grupais de alguma forma ainda esto presentes nas teorias atuais que buscam
compreender o funcionamento dos grupos e foram os fundamentos para
grande quantidade de desenvolvimentos posteriores.
1.3.2 A escola inglesa:
Dentro da escola inglesa, destacamos o pensamento de dois autores
principais: Foulkes e Bion, que desenvolveram seus trabalhos a partir de
experincias com grupos teraputicos analiticamente orientados. Ainda que o
foco deste estudo no seja uma experincia de grupo teraputico, os
desenvolvimentos efetuados pelos autores contribuem significativamente com a
compreenso dos fenmenos manifestados em todos os tipos de grupo e
colaboram com um adequado entendimento do processo grupal descrito neste
trabalho.
Foulkes e Anthony (1965) afirmam que embora haja inmeras
divergncias entre os analistas de grupo, existem alguns pontos de consenso
sobre o que caracteriza uma psicoterapia grupal de orientao analtica. Para
os autores, h trs caractersticas fundamentais a serem destacadas: a
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primeira a fala livre, como um equivalente da livre associao na psicanlise.
No grupo, a diferena que haver uma associao de grupo ou livre
discusso circulante, que indica que as associaes ocorrero de forma livre
entre os participantes, onde o pensamento de um influenciar e dar
continuidade associao dos demais participantes. A segunda caracterstica
que o material produzido pelo grupo ser analisado, ou seja, no apenas os
processos do grupo sero parte integrante da atividade teraputica, mas
tambm sua anlise. A diferena, no grupo, que os prprios participantes
tambm formulam, estudam e interpretam o material, deixando a interpretao
de ser prerrogativa do terapeuta. A ltima caracterstica fundamental, para
Foulkes e Anthony (1965), que os temas abordados no so tratados apenas
em seu contedo manifesto, mas em seu sentido latente, ou seja, a ateno
est voltada ao contedo inconsciente revelado, o que caracteriza efetivamente
a atividade de anlise.
Os autores relacionam tambm alguns fatores que so especficos da