formas de auto-representação e socialidade de músicos em facebook

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ISSN 2358-5285 Anais da Terceira Jornada de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Cidades em Movimento 16-19 de setembro de 2014. GT 6 - Arte, Cultura e Mídia nas Ciências Sociais. “UN MAESTRO DE CARNE Y HUESO” FORMAS DE AUTO-REPRESENTAÇÃO E SOCIALIDADE DE MÚSICOS EM FACEBOOK 1 Ana Luisa Fayet Sallas 2 Paloma Palau Valderrama 3 RESUMO: Este trabalho examina através de uma etnografia virtual a forma com que os músicos que fazem músicas dançáveis em Cali, Colômbia, elaboram a auto-representação de sua profissão nas redes sociais. A análise de fotografias e textos evidencia formas de valorização do oficio destacando-se o corpo como mediador e maneiras de reconhecimento do capital cultural e simbólico que revelam as tramas de socialidade com seus colegas. Palavras-chave: auto-representações, socialidade, redes sociais, músicos. A AUTO-REPRESENTAÇÃO VIRTUAL A criação da web 2.0, que permite o intercâmbio e a participação de usuários na internet, trouxe um aumento exponencial de usuários durante as duas últimas décadas. As redes sociais baseadas nesse modelo, caracterizam-se por permitir a criação de perfis ou sites semipúblicos 4 de apresentação do indivíduo que propiciam a interação com outros usuários através do texto, da imagem e do vídeo. Outras transformações tecnológicas como 1 O presente texto surge da reelaboração do trabalho final da disciplina Sociologia da Imagem e da Fotografia , do Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFPR ministrada pelo professor Angelo da Silva. 2 Doutora em história, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]. 3 Musicóloga, bolsista do Programa Estudantes-Convênio de Pós-Graduação PEC-PG, da CAPES/CNPq Brasil, estudante do Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected] 4 Nos referimos a que o acesso às informações se limita aos contatos no Facebook.

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Formas de Auto-representação e Socialidade de Músicos Em Facebook

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  • ISSN 2358-5285

    Anais da Terceira Jornada de Cincias Sociais da

    Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

    Cidades em Movimento

    16-19 de setembro de 2014.

    GT 6 - Arte, Cultura e Mdia nas Cincias Sociais.

    UN MAESTRO DE CARNE Y HUESO FORMAS DE AUTO-REPRESENTAO

    E SOCIALIDADE DE MSICOS EM FACEBOOK1

    Ana Luisa Fayet Sallas2

    Paloma Palau Valderrama3

    RESUMO: Este trabalho examina atravs de uma etnografia virtual a forma com que os msicos que

    fazem msicas danveis em Cali, Colmbia, elaboram a auto-representao de sua

    profisso nas redes sociais. A anlise de fotografias e textos evidencia formas de

    valorizao do oficio destacando-se o corpo como mediador e maneiras de reconhecimento

    do capital cultural e simblico que revelam as tramas de socialidade com seus colegas.

    Palavras-chave: auto-representaes, socialidade, redes sociais, msicos.

    A AUTO-REPRESENTAO VIRTUAL

    A criao da web 2.0, que permite o intercmbio e a participao de usurios na

    internet, trouxe um aumento exponencial de usurios durante as duas ltimas dcadas. As

    redes sociais baseadas nesse modelo, caracterizam-se por permitir a criao de perfis ou

    sites semipblicos4 de apresentao do indivduo que propiciam a interao com outros

    usurios atravs do texto, da imagem e do vdeo. Outras transformaes tecnolgicas como

    1 O presente texto surge da reelaborao do trabalho final da disciplina Sociologia da Imagem e da Fotografia,

    do Programa de Ps-graduao em Sociologia da UFPR ministrada pelo professor Angelo da Silva. 2 Doutora em histria, professora do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Universidade Federal do Paran. E-mail: [email protected]. 3 Musicloga, bolsista do Programa Estudantes-Convnio de Ps-Graduao PEC-PG, da CAPES/CNPq Brasil, estudante do Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Paran. E-mail:

    [email protected] 4 Nos referimos a que o acesso s informaes se limita aos contatos no Facebook.

  • a inveno de telefones inteligentes ou smartphones dotados com diversos aplicativos

    ligados criao da banda larga mvel que permitem sua conexo permanente e

    onipresente s redes sociais, se apresentam como o futuro da principal forma de

    comunicao mediada e esto incidindo em aspectos relevantes das formas de socializao

    e individualizao, do desenvolvimento cognitivo e das concepes de moral (REIG, 2013,

    p. 23)5. Independente da aquisio do aparelho mencionado, cada vez mais as relaes se

    mantm tanto online, com a mediao de tecnologias digitais, quanto de maneira presencial

    ou offline. Para Reguillo (2012, p. 167) as redes sociais se compem de dois ncleos

    significativos: um, se representa pela velocidade: imediatidade, novidade e leveza,

    evidentes na comunicao, o acesso e troca de informao. O outro se destaca pela

    socialidade: intercmbio, aprendizagem configurativa e interao comunicativa. Tais

    mudanas se enquadram dentro das transformaes que iniciam uma nova poca e

    paradigma dominado pela conexo online permanente, a mediao tecnolgica e a

    velocidade (MARIN, 2013).

    Assim cada pessoa ao acessar s comunidades do mundo virtual, realiza uma auto-

    representao, que na linha proposta pela microssociologia de Goffman (1981) pode

    entender-se com a metfora de uma dramaturgia social em que se faz uma apresentao

    atoral na escolha de certos papis, o desenho de uma fachada para uma exibio em cena

    por parte do indivduo, e sua atuao e interao com outros que a sua vez tem elegido

    representar certos papis. Abordamos essa perspectiva para interpretar as interrelaes dos

    msicos e a representao de sua profisso na rede do Facebook, uma das mais populares

    na atualidade e que oscila entre o pessoal e o profissional (REGUILLO, 2012, p. 150;

    VEGA, 2012). Alguns estudos salientam a vigncia desta perspectiva terica para

    compreender as interaes virtuais (SERRANO, 2012; TORRES, 2013). Para Goffman o

    indivduo cria uma ideia de si baseado nas percepes dos outros e em sua auto-observao.

    Seu comportamento diante aos outros se baseia em tais imaginrios e tende a fazer

    apresentaes idealizadas que pretendem mostrar sua melhor faceta e encaixar no marco

    dos valores morais de sua sociedade. Embora controle s certos gestos e recursos de sua

    5 O Smartphone se converteu para muitos em uma ferramenta fundamental para a vida pessoal e profissional,

    exemplo disso so os dados que demonstram um aumento em seu uso, em meados de 2012 os dispositivos

    mveis com acesso a internet alcanaram os 16,6 milhes de usurios a nvel mundial. (VLCHEZ; REIG,

    2013, p. 9).

  • conduta expressiva, enquanto outros lhe escapem. Goffman os denomina aspectos

    governveis e aspectos ingovernveis do individuo (1981).

    Serrano (2012) se fundamenta na teoria goffmaniana e prope que apresentao

    da pessoa nas redes sociais, se integra pelos dados que completa em seu perfil, que variam

    de acordo solicitao e limitao de informaes de cada rede social, informao que

    brinda em seu estado sobre suas opinies, gostos, recomendaes, e as imagens e vdeos

    que compartilha. Adicionamos a meno a outros sujeitos por meio das tags ou link de seus

    contatos e o recente aplicativo da geolocalizao. Apesar de que a ausncia de corporeidade

    fsica caracteriza o mundo online, as fotografias que mostram pessoa so a representao

    visual mais comum. Desta maneira a fotografia que se apresenta no perfil, tem una funo

    principal em relao s outras que compem a informao fornecida. A atuao do

    individuo se leva a cabo em um cenrio, que para o caso, constitui a prpria rede social, o

    Facebook. Prvio a ele, o individuo ensaia e elege seu papel nos bastidores, momento ao

    que em nossa observao no temos acesso. A fachada se integra pelos elementos que

    estimulam suas formas de expresso, o meio que contm uns adereos fixos, e varia de

    acordo a um momento determinado, que pode corresponder ao desenho do Facebook, o aos

    elementos que integram os documentos compartilhados, e a fachada pessoal composta

    pelas particularidades da atuao do sujeito como gestos, trajes, sexo, idade, entre outras.

    Ainda que nos primeiros estudos sobre interaes na rede se observava que nas

    identidades virtuais proliferava a criao de perfis ficcionais ou falsos, se evidencia uma

    mudana em direo de enfatizar na constante da autenticidade, e em boa medida dado que

    as relaes se do entre conhecidos, e porque so um espao de relevncia laboral, que

    responde tendncia a valorizar a independncia, a autogesto e a participao de

    diferentes e simultneos projetos laborais no que Boltanski e Chiapello, denominam o

    terceiro esprito do capitalismo (2002), que uma caracterstica do trabalho musical. Por

    outra parte, os jovens e adolescentes foram os primeiros usurios assduos das comunidades

    virtuais, e agora cada vez mais os adultos se envolvem cada vez mais no espao online

    (MARIN, 2013, p. 2).

  • O CONTRAPONTO ONLINE DOS MSICOS DE CALI.

    O contexto virtual que examinamos um complemento do mundo offline, da

    populao de msicos que interpretam gneros populares, principalmente bailveis na

    cidade de Cali6, na Colmbia. As msicas que interpretam so afroamericanas ou msicas

    mulatas como as denomina Quintero, (2009), que agrupam salsa, a msica colombiana do

    Pacfico sul, o merengue, o son, a timba, o jazz, o bolero, a cumbia, o vallenato, entre

    outras, que se integram e articulam s cenas musicais7 preponderantes da cidade. Nos

    baseamos numa observao no participante, ferramenta da cibernografia, com a qual

    analisamos as interaes de agentes que so visveis em seus perfis e semipblicas no

    espao virtual de dez perfis do Facebook dos que temos contato pelo pertencimento de uma

    das autoras comunidade estudada8. Nos centramos nos textos, fotografias e vdeos

    publicados relativos a seu ofcio do ltimo ano e meio e as respostas a respeito do que

    escrevem seus colegas. Os msicos ganham seu sustento de maneira independente, embora

    alguns exeram outras profisses de maneira simultnea. Os espaos em que se do suas

    apresentaes, so lugares de entretenimento, eventos pblicos ou privados, onde se espera

    que interpretem canes conhecidas nos que geralmente no interpretam msica prpria e

    sim a de outros. Muitos deles divulgam suas prticas musicais na internet que oferece os

    suportes tecnolgicos para mostrar a msica em brochures, vdeos, pginas web e perfis em

    redes sociais. Alm da interpretao, podem desenvolver outras funes do fazer musical

    como a composio, realizao de arranjos, a regncia, a docncia, a gravao e

    amplificao sonora, entre outros. Estes msicos acompanham as apresentaes de artistas

    nacionais ou estrangeiros seja em Cali ou em outras cidades, alm de gravarem

    participaes em projetos especficos, sem que pertenam necessariamente ao grupo.

    A instabilidade e a mobilidade dos msicos entre msicas uma peculiaridade de

    seu oficio em contextos urbanos como assinalam as investigaes de Domnguez (2009) em

    Buenos Aires, de Becker (2011) em Chicago e de Packman (2009) em Salvador na Bahia.

    Por outro lado importante ressaltar que, se bem nos focamos nos que esto em Cali, eles

    6 O nome completo da cidade Santiago de Cali. Neste texto usaremos a palavra Cali, que a forma mais

    comum de referir-se a ela. 7 A cena musical abrange a gama de atividades vinculadas com uma msica num espao geogrfico (Straw,

    1991). 8 Paloma Palau atuou como intrprete de flauta transversal na cidade de Cali entre 2000 e 2014.

  • interatuam com outros que esto em lugares distantes do pas ou do mundo, que so

    caleos9 ou no. Desta maneira, para no perder a conexo com o local no espao virtual,

    nos centralizamos na interao dos que esto em Cali, com outros de sua mesma cidade ou

    de outros lugares.

    A representao do que denominamos o personagem de msico, motivo de

    tenses e disputas simblicas, pois ter um ttulo de uma instituio de ensino no garantia

    nem exigncia para exercer a profisso musical e ter reconhecimento na comunidade de

    profissionais. O status do oficio no aceito de maneira tcita, em seu processo de

    consecuo entram em jogo diferentes conjuntos de valorizaes estticas, sociais,

    econmicas entre outras. De tal maneira que, h certa presso implcita do meio por testar

    uma e outra vez o mrito de ser chamado msico. Os agentes se empenham por aprender e

    demonstrar o conjunto de prticas de sua ocupao e procuram fortalecer suas relaes ao

    saudar e agradecer publicamente aos companheiros, isto , por investir no capital cultural e

    capital simblico em termos bourdieanos (BOURDIEU, 1996). Neste sentido, se observa

    que os perfis tendem a mostrar certa dramatizao na atuao virtual, que implica a amostra

    de sinais e fatos confirmativos com o fim de que no passem inadvertidos (GOFFMAN,

    1981, p. 42). Assim eles partilham a mide informaes que pretendem demostrar o que

    fazem por meio de comentrios, fotografias e vdeos em pleno exerccio de distintas

    atividades musicais.

    Os msicos dramatizam seu papel ao exibir suas experincias musicais nas redes

    sociais no para um pblico, seno para comunicar a seus colegas sua disponibilidade

    laboral, mas para mostrar que habilidades tm evidenciadas em seu manejo de instrumentos

    e os tipos de msicas que interpretam, sua experincia e relacionamentos, com quem tocam

    e os projetos musicais dos que fazem parte, em que eventos o lugares se apresentam, com

    quem ensaiam ou gravam. A publicao das movimentaes permite que seus contatos

    conheam e avaliem seu trabalho, os apoiem ou no, e abre a possibilidade para que

    considerem vincula-los a seus grupos, as apresentaes. Desta maneira, necessrio

    compreender as interaes no s como a promoo comercial do trabalho individual, mas

    9 gentlico de Cali.

  • como elementos com o objetivo de que se valorize sua profisso e uma perseverana para

    alcanar o prestgio no meio.

    O TECIDO DINMICO DAS MEDIAES

    Hennion (2002) aponta que a msica dada sua imaterialidade, um objeto esquivo

    construdo por mediaes que em diferentes contextos concebido, encontrado e

    codificado por seus atores em distintos mediadores, desde indivduos a objetos que se

    conectam uns a outros numa rede que a suporta. De tal maneira que a msica esta para uns

    na partitura, na gravao sonora e o instrumento, para outros no evento musical e no

    mesmo corpo do intrprete, entre outras possibilidades. Para os intrpretes nas msicas

    populares bailveis, os mediadores que se destacam e tecem os pontos de encontro com a

    msica, so a encenao, os instrumentos musicais e o corpo e o repertrio. Os trs

    primeiros emergem de maneira recorrente nas fotografias, e dilogos dos msicos que se

    desenrolam em Cali a travs da mediao virtual. As redes sociais virtuais, seus textos e

    imagens constituem a sua vez mediaes que entrelaam o mundo online e offline e

    expandem o espao de ao social do fenmeno musical.

    A apresentao dos perfis analisados contem principalmente informaes de cunho

    profissional o que indica que essa pessoa musicista, s vezes com o adjetivo adicional de

    independente, freelance musician ou que se emprega em orquestras. Goffman (1981)

    adverte a tendncia dos sujeitos a apresentar uma imagem idealizada de si. Assim tanto nas

    fotografias de seu ofcio como nas que esto com familiares e amigos, os msicos cuidam

    de sua imagem pessoal, tentam parecer belos e suas expresses so de alegria ou de

    solenidade. As fotografias so a oportunidade de apresentar-se dignamente, pois as

    pessoas so o que imaginam ser e o que querem que os outros pensem que so (SOUZA,

    2008, p. 49). Os elementos que so possveis de visualizar e do conta de sua atividade

    geralmente se exibem na fotografia de perfil, a pessoa com seu instrumento durante uma

    apresentao musical. Os indivduos se apoiam neles para decorar o meio de seu cenrio. A

    representao do personagem do msico mostra aspectos da valorizao de seu oficio, uma

    roupa adequada para a ocasio, a segurana em sua expresso facial e corporal, o domnio

    tcnico e cnico no palco. Neste texto continuamos o uso documental da fotografia que

    fazem os msicos ao expor algumas delas junto com seus comentrios para demostrar estes

  • argumentos. Fazemos uso de um modelo estrutural10

    (SAMAIN, 2004, p. 56) para mostrar

    fotografias de distintos perfis relativas noo da auto-representao do indivduo11

    .

    Fotografias de perfil consultadas o 5 de junio de 2014.

    Os instrumentos musicais como veculos mediadores da msica aparecem

    continuamente fotografados, inclusive de una maneira idealizada e maquiada da mesma

    forma que as pessoas. Representam imagens do instrumento que se quisera ter, ou do que se

    tem atingido ter.

    A FOTOGRAFIA NA CONSTRUO DE SOCIALIDADES.

    O fazer musical no se d sozinho, tem sua realizao plena na ao coletiva.

    Desta maneira, se configura uma socialidade, entendida como la multiplicidad de modos y

    sentidos en que la colectividad se hace y se recrea, la diversidad y polisemia de la

    interaccin social12 (MARTN BARBERO, 1990, p. 12). Os textos e imagens

    compartilhados e comentados nas redes virtuais funcionam como reforo dos laos sociais

    que so significativos para seus agentes e contribuem construo de socialidades online.

    Os textos, constituem os escritos na seo da timeline ou linha do tempo ou os

    que acompanham aos enlaces que compartilham. Mostram as apresentaes musicais mas

    10

    Samain (2004, p. 56) denomina modelo sequencial e modelo estrutural a forma de apresentao de

    fotografas no texto. O primeiro expe as imagens de um acontecimento organizadas segundo seu acontecer

    temporal. O modelo estrutural agrupa fotografias de diferentes momentos, de acordo a uma categoria de

    anlise. 11

    Todas as fotografias e exemplos foram aprovados por seus protagonistas para ser usados neste trabalho. 12

    A multiplicidade de modos e sentidos em que a coletividade se faz e se recria, a diversidade e a polisemia da interao social Traduo nossa.

  • tambm dos encontros com os companheiros e amigos, por isto a maioria dos comentrios

    usam um tom jocoso e desinibido, neles se encontram dilogos que no esto presentes em

    suas pginas web oficiais, porm no se expem outros que poderiam ser polmicos e

    prejudiciais como crticas ou juzos negativos a parceiros. Desta maneira nossa observao

    se limita s valoraes sobre sua profisso que fazem pblicas no Facebook.

    As fotografias e vdeos que mostram seu exerccio profissional e tm sido tiradas

    pelos prprios atores, incluem a seu lado os comentrios de colegas, so documentos

    sociais de tipo emique (GURAN 2002), que esto permeados por suas formas de ver e seus

    valores culturais, que junto com o que expressam seus textos e dilogos, consideramos que

    nos acercam a seus modos de olhar e aos elementos que querem destacar nas fotografias.

    Embora nosso interesse nas fotografias observadas no seja sua qualidade tcnica

    nem esttica, seno uma leitura sociolgica (BOURDIEU; BOURDIEU, 2006, p. 34), a

    profisso musical em si uma expresso na busca da exaltao de valores estticos que

    impregnam tanto a apresentao das pessoas quanto o fato musical ao vivo. O tipo de

    fotografias e vdeos que examinamos, tm uma funo documental (GURAN, 2002, p. 96),

    no sentido em que os msicos buscam que seja uma amostra de seu trabalho vigente, e

    alm, a prova do que so capazes de tocar ou cantar e que relaciona pessoas, lugares e

    eventos especficos, para maior certeza. Rouill (2009) nos alerta acerca de que a fotografia

    no informa uma verdade, devido a que sua tentativa de reproduo da realidade sempre se

    d num processo que envolve as eleies do fotgrafo, o que tenta comunicar, os ngulos e

    momentos que elege, os textos que a acompanham e seus contextos de circulao, de

    maneira que o verdadeiro de um fato no se desvenda totalmente s pelo seu registro.

    Destarte toda imagem no uma reproduo, mas uma transformao do real (ROUILL,

    2009, p. 77), que neste caso ao estar impregnada por seus valores ganha uma maior fora

    documental.

    Hoje de conhecimento pblico a manipulabilidade da fotografia, sua

    questionvel posio em torno do verdadeiro e a dvida que gera sua autenticidade

    (FONTCUBERTA, 2010, p.10). So manifestas as capacidades de sua modificao em

    softwares, em escndalos polticos sobre montagens, e no realismo das imagens

    proporcionado nos filmes. A msica tampouco est livre das intervenes tecnolgicas em

    suas gravaes, que pode melhorar o engenheiro de som, ou ao vivo, com as pistas que

  • substituem os instrumentos, as dublagens ou playback que transformam ao msico em um

    ator ou em um mmico, e os softwares que corrigem as desafinaes. Porm, o sentido

    confirmativo das imagens exibidas pelos msicos no Facebook tem um carter documental

    no porque seja uma representao da realidade exata e fiel mas porque obedece a sua

    verossimilitude, ao procedimento de crena da comunidade de msicos (ROUILL, 2009,

    p. 67). O halo de crena ao redor dela se suporta no processo de mediaes encadeadas que

    comunicam o momento, a captura da imagem, o dispositivo, os indivduos com seus

    instrumentos, sua escolha entre outras imagens, sua publicao ao lado de legendas que

    identificam os outros e sua aceitao e comentrios. uma circulao de mediadores em

    um contexto que valida que nessa imagem determinada, soa uma msica. Desta maneira, a

    fotografia no representa exatamente uma coisa preexistente, ela produz uma imagem no

    decorrer de um processo que coloca a coisa em contato, e em variaes, com outros

    elementos materiais e inmateriais (ROUILL, 2009, p. 73). A crena nas fotografias e

    vdeos permanece, acentuado por seu papel documental e sua dramatizao no mundo

    offline ou real.

    ME ACABAN DE DECIR MSICO! QU HONOR!

    Consultado junho 27 de 2014

    A socialidade dos msicos se cria no dilogo permanente sobre imagens e textos,

    os comentrios de outros so parte da construo da veracidade do instante representado,

    corroboram e legitimam suas habilidades com expresses de admirao. O cumprimento a

    outros, a criao de legendas que os hipervinculam e informam que compartilharam com

    eles uma gravao sonora, uma produo musical, ou um concerto significativa em tanto

    que da conta de formas de socializao ao reconhecer ao outro ao confirmar sua

  • importncia na realizao grupal do que precisa a realizao musical, e corroborar que se

    tem presente ao outro pois no nunca uma ao solitria. So recorrentes os comentrios

    que expressam admirao, agradecimento, respeito, e inclusive solicitaes de contrataes

    a pares para participarem de mais apresentaes musicais na gria prpria dos msicos. As

    fotografias funcionam tambm a modo de sociogramas nos que se expem as relaes e

    papeis sociais (BOURDIEU; BOURDIEU, 2006, p. 34). Se destacam as fotografias com

    msicos famosos ou com pessoas consideradas autoridades na matria a nvel local. De

    maneira que as fotografias dos grupos musicais, a mide o regente ou os vocalistas, pois

    representam os papeis mais importantes, se localizam no centro. Tais comunicaes podem

    entender-se como prticas encaminhadas a demostrar um capital cultural confirmado pela

    relao com atores do meio durante o trabalho musical e como sinais de deteno do capital

    simblico de alguns agentes ao serem admirados publicamente. J que a comunidade que

    a legitima, as saudaes e felicitaes apontam ao reconhecimento do outro. No seguinte

    exemplo a valorizao de um se acentua com certo sarcasmo e humor numa parabenizao

    pelo dia do msico.

    Consultado junho 3 de 2014

    Quando o primeiro msico manifesta sentir-se honrado com a parabenizao, se

    evidencia que o prprio estatuto da profisso se refora com o reconhecimento dos colegas.

  • O CORPO COMO MEDIADOR PRIVILEGIADO

    A realizao de atividades que compem seu ofcio, e uma continua exposio de

    seu exerccio, avalizada pelos comentrios de conhecidos, so a prova de seu

    reconhecimento. Embora no haja juzos explcitos sobre companheiros que no so

    considerados bons msicos, se observam comentrios sobre as valorizaes de seu ofcio

    que destacam a atividade do intrprete instrumentista ou vocalista, principalmente no

    evento ao vivo, o que se exalta na mediao do processo musical em cena, suportada no

    domnio e o manejo de seu corpo e na capacidade do intrprete de comover audincia. A

    interpretao, ao que se executa frente ao escrutnio dos pares que conhecem os truques e

    maquiagens tecnolgicos, a nica que pode comprovar sua qualidade sem a ajuda de

    corretivos.

    Consultado junho 7 de 2014

    A frase final de carne y hueso acentua a importncia do corpo como um

    mediador da msica. O corpo deve manejar a tcnica e trascender a uma interpretao

    musical.

    Porm tocar um instrumento no garantia de ser reconhecido como msico por

    outros profissionais. Outras afirmaes consideram msica como um ofcio que alm da

    interpretao, inclui a autogesto, o que embora muitas vezes no mencionado, faz parte

    da dramatizao com a que se apresentam no Facebook.

    A NARRAO CONTINUA

    A inteno documental junto imediatidade e socialidade das redes sociais

    (REGUILLO, 2012), adquire uma dimenso narrativa de atualizar o presente, de

    confirmar a realidade e dilatar a experincia (FONTCUBERTA, 2010, p. 30). Se

  • registra o que est acontecendo. Cada atividade documentada, desde a mais relevante

    para o msico, a apresentao musical ou a encenao da que se expem vrios

    momentos do evento musical, antes dela, durante, desde o palco o desde o pblico.

    Sobressaem tambm o ensaio, a gravao, e as apresentaes em eventos importantes. Em

    ocasies as fotografias se organizam em conjuntos como num modelo sequencial

    (SAMAIN, 56). O seguinte um conjunto de fotografias tomadas ao longo de um dia e

    exibidas em sua sequncia temporal. Primeiro a passagem de som sem o pblico. Depois o

    msico j com o traje de apresentao, seguida da imagem com o grupo antes da

    apresentao no vestirio. E por fim a imagem que registra a perspectiva do msico a partir

    do palco com a plateia cheio de espectadores.

    1. 2.

    3. 4.

    Consultado junho 8 de 2014

  • CONCLUSIES

    A apresentao do indivduo no mundo virtual das redes se pode observar com

    as informaes com as que completa seus dados bsicos, a fotografia de seu perfil, as

    comunicaes que compartilha e suas interaes com outros. Estes espaos tm

    ganhado cada vez maior relevncia dado seu crescente uso e as possibilidades que

    brindam os telefones inteligentes que conectam o usurio com a rede por meio de banda

    larga mvel de maneira ubqua. Os msicos aproveitam as redes para criar comunidades

    virtuais onde dramatizam suas auto-representaes continuamente no esforo por obter

    reconhecimento e vigncia no meio.

    As fotografias e os vdeos que apresentam, encenam as inter-relaes e a

    socialidade da que precisa a msica para ser levada a cabo, e que se tece e refora com os

    cumprimentos, felicitaes e agradecimentos semipblicos. Neles se reconhece ao outro

    como colega, se mostram elementos que criam uma boa reputao, como o encontro e

    apresentaes musicais com companheiros e msicos famosos, eventos e lugares de

    prestgio, manifestaes da deteno de capital cultural e capital simblico. As imagens tm

    uma funo documental que prova a habilidade de realizar uma boa interpretao e outros

    papeis do oficio musical. Tal funo obedece principalmente crena que depositam nela

    ao circular na rede social e complementariedade do mundo online e o offline, antes que a

    sua verdade como reproduo do mundo, por quanto sempre implicam uma transformao

    do real.

    Alguns argumentos exaltam o valor do intrprete e o corpo como mediador

    privilegiado da msica. Embora, o Facebook funcione como cenrio virtual salienta

    tenses implcitas j que a preparao do indivduo fica oculta nos bastidores ou no mundo

    offline. De maneira que se excluem opinies, disputas e valoraes da profisso que no se

    apresentam de maneira explcita e podem ser polmicos. A imediatidade e a velocidade da

    internet e os dispositivos eletrnicos atuais, permitem transmitir de maneira simultnea o

    que acontece. Neste sentido alguns msicos narram instantes dos eventos relevantes

    permitindo uma dimenso narrativa que atualiza o presente de maneira continua.

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