formação social da mente

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  • 1. FORMAO SOCIAL DA MENTEL.S. VYGOTSKYCaptulo 6Interao entre aprendizado e desenvolvimentoPara Vygotsky, as concepes sobre a relao entre os processos de aprendizado e desenvolvimentoreduzem-se a trs posies tericas, todas por ele rejeitadas:1a - Parte da premissa que o aprendizado segue a trilha do desenvolvimento, pressupondo que o de-senvolvimento independente do aprendizado. O aprendizado seria um processo externo que seutiliza dos avanos do desenvolvimento mas no o impulsiona nem altera seu curso. Odesenvolvimento (ou maturao) considerado pr-condio para o aprendizado e nunca oresultado dele. Se as funes mentais de uma criana no amadureceram o suficiente para aprenderum determinado assunto, nenhuma instruo se mostrar til. Piaget seria representante desta linha;2a - Postula que aprendizagem desenvolvimento. O desenvolvimento visto como o domnio dosreflexos condicionados. A diferena com relao ao primeiro grupo relaciona-se ao tempo. Para osprimeiros, o desenvolvimento precede a aprendizagem. Para estes, os dois processos sosimultneos. James representa esta linha;3a - Tenta superar os extremos das duas primeiras, combinando-as. Para os defensores desta linha(Koffka, gestaltistas), o desenvolvimento se baseia em dois processos diferentes (maturao eaprendizado), porm relacionados e mutuamente dependentes, sendo que um influencia o outro.Assim, a maturao (desenvolvimento do sistema nervoso) torna possvel o aprendizado e esteestimula a maturao. Assim, ao aprender determinada operao, a criana cria estruturas mentaisde um certo tipo. independentemente dos materiais e elementos envolvidos.Portanto, o desenvolvimento sempre um conjunto maior que o aprendizado.Segundo Vygotsky, essa discusso leva a um velho problema pedaggico: a relao entre disciplinaformal e transferncia de aprendizagem. Movimentos pedaggicos tradicionais tm justificado anfase em disciplinas aparentemente irrelevantes para a vida diria (lnguas clssicas, por exemplo),por sua influncia sobre o desenvolvimento global: se o estudante aumenta sua ateno ao estudargramtica latina, aumentaria sua capacidade de focalizar ateno sobre qualquer outra tarefa. Opressuposto que as capacidades mentais funcionam independentemente do material com queoperam. Para o autor, Thorndike e Woodworth desmontaram esse argumento ao demonstrar, porexemplo, que a velocidade de somar nmeros no est relacionada velocidade de dizer antnimos.Zona de desenvolvimento proximal : uma nova abordagemVigotsky apresenta uma nova posio com relao s trs anteriores. Oaprendizado, diz ele, comeamuito antes de as crianas frequentarem a escola. Qualquer situao de aprendizado escolar temuma histria prvia. Por exemplo, antes de aprender aritmtica a criana j lidou com noes dequantidade, de adio e outras operaes, de comparao de tamanhos etc. A diferena que oaprendizado escolar est voltado para a assimilao de fundamentos do conhecimento cientfico.Diz o autor: "Aprendizagem e desenvolvimento esto inter-relacionados desde o primeiro dia devida da criana" (p. 95). O aprendizado escolar produz algo novo no desenvolvimento da criana,alm da pura sistematizao. Para esclarecer esse "algo novo", Vygotsky apresenta o conceito de

2. zona de desenvolvimento proximal. Para ele, existem dois nveis de desenvolvimento:1 - nvel de desenvolvimento real, que o resultado ou produto final de ciclos dedesenvolvimento j completados. Por exemplo, a idade mental de uma criana medida num teste.Esse nvel dado por aquilo que a criana consegue fazer por si mesma, isto , pela soluoindependente de problemas. Ele caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente.2 - nvel de desenvolvimento proximal, que define as funes que esto em processo dematurao, o estado dinmico de desenvolvimento: a distncia entre o nvel de desenvolvimentoreal e o nvel de desenvolvimento potencial. O nvel de desenvolvimento proximal determinadoatravs da soluo de problemas sob a orientao de adultos e em colaborao com companheirosmais capazes (quando o professor inicia a soluo e a criana completa, por exemplo). Elecaracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente.Assim, aquilo que zona de desenvolvimento proximal hoje ser zona de desenvolvimento realamanh. Ou, em outras palavras, o que a criana faz hoje com assistncia, amanh far sozinha.O conceito de zona de desenvolvimento proximal leva a uma reavaliao do papel da imitao noaprendizado. Para Vygotsky, a imitao no um processo meramente mecnico, uma pessoa sconsegue imitar aquilo que est no seu nvel de desenvolvimento. Por exemplo, se o professor usamaterial concreto para resolver um problema, a criana entende; caso ele utilize processos ma-temticos superiores, a criana no compreende a soluo, no importa quantas vezes a copie.Uma consequncia disso a mudana nas concluses que podem ser tiradas de testes diagnsticosde desenvolvimento. A zona de desenvolvimento real medida pelos testes orienta "o aprendizado deontem", isto , os estgios j completados, sendo, portanto, ineficaz para orientar o aprendizadofuturo. A zona de desenvolvimento proximal permite propor uma nova frmula: o bom aprendizado aquele que se adianta ao desenvolvimento. Assim, para Vygotsky, o aprendizado despertaprocessos internos de desenvolvimento que so capazes de operar somente quando a crianainterage em seu ambiente e em cooperao com seus companheiros, uma vez internalizados, essesprocessos tornam-se aquisies independentes.A grande diferena do homem com o animal que este ltimo no consegue resolver problemas deforma independente, por mais que seja treinado.Resumindo: para Vygotsky, os processos de desenvolvimento no coincidem com os processos deaprendizado. O desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrs de aprendizado.Captulo 7O papel do brinquedo no desenvolvimentoPara Vygotsky, o brinquedo exerce enorme influncia na promoo do desenvolvimento infantil,apesar de no ser o aspecto predominante da infncia. Para ele, o termo brinquedo refere-seessencialmente ao ato de brincar, atividade. Embora mencione modalidades diferentes debrinquedos, como jogos esportivos, seu foco o estudo dos jogos de papis ou brincadeiras de faz-de-conta (mame e filhinha, por exemplo), tpicas de crianas que aprendem a falar e, portanto, jso capazes de representar simbolicamente e envolver-se em situaes imaginrias. A caractersticadefinidora do brinquedo, por excelncia, a situao imaginria.A imaginao uma funo da conscincia que surge da ao. atividade consciente, um modo defuncionamento psicolgico especificamente humano, no presente na conscincia da criana muitopequena (com menos de trs anos) e inexistente nos animais. A criana muito pequena quer asatisfao imediata de seus desejos. Ela no consegue agir de forma independente daquilo que v,h uma fuso entre o que visto e seu significado, um exemplo a seguinte situao: "Tnia estsentada. Pede-se criana que repita a frase: Tnia est de p. Ela mudar a frase para: Tnia estsentada". na idade pr-escolar que ocorre a diferenciao entre o campo de significado e o campo de viso. 3. O pensamento passa, de regido pelos objetos externos, a regido pelas idias. A criana comea autilizar materiais para representar a realidade ausente. Por exemplo, um cabo de vassoura representaum cavalo. Diz o autor: "A criana v um objeto, mas age de maneira diferente daquilo que v.Assim, alcanada uma condio em que a criana comea a agir independentemente daquilo queela v" (p. 110). Mas essa transformao -separar o pensamento (significado da palavra) do objeto -no se realiza de uma s vez. O objeto torna-se o piv da separao entre o pensamento e o objetoreal. Ento, para imaginar um cavalo, a criana usa um "cavalo" de pau. Vygotsky situa o comeoda imaginao humana na idade de trs anos.O brinquedo uma forma de satisfazer os desejos no realizveis da criana, de suprir anecessidade que ela tem de agir em relao mundo adulto, extrapolando o universo dos objetos aque ela tem acesso. atravs do brinquedo que ela pode dirigir um carro ou preparar uma refeio,por exemplo. A brincadeira uma forma de resolver um impasse: a necessidade de ao da criana,com gratificao imediata versus a impossibilidade de executar essas aes na vida real e lidar comdesejos que s podem ser satisfeitos no futuro. Essa contradio explorada e resolvidatemporariamente atravs do brinquedo.Projetando-se nas atividades adultas de sua cultura, a criana procura ser coerente com os papisassumidos e seguir as regras de comportamento adequadas situao representada. Por exemplo, aoimaginar-se como me de sua boneca, a menina faz questo de obedecer as regras docomportamento maternal. Ensaia, assim, seus futuros papis e valores. Nesse processo, a imitaotambm ganha destaque: imitar os mais velhos gera desenvolvimento intelectual e do pensamentoabstrato. O esforo de manter a fidelidade ao que observa faz com a criana atue num nvel maisavanado ao habitual para sua idade. "No brinquedo como se ela fosse maior do que narealidade" (p. 117), diz Vygotsky. Assim, ao atuar no mundo imaginrio, seguindo suas regras, cria-se uma zona de desenvolvimento proximal, pois h o impulso em direo a conceitos e processosem desenvolvimento.O prazer no a caracterstica que define o brinquedo. Ele preenche uma necessidade da criana.Para Vygotsky, o mais importante no jogo de papis de que as crianas participam induzi-las aadquirir regras de comportamento. Toda situao imaginria contm regras de comportamento,assim como todo jogo de regras contm uma situao imaginria. No brinquedo a criana tem queter autocontrole, tem que agir contra o impulso imediato, uma vez que deve seguir as regras.Satisfazer as regras torna-se um desejo para a criana e esse o atributo essencial do brinquedo.Para Vygotsky, o brinquedo o mais alto nvel de desenvolvimento pr-escolar. "A crianadesenvolve-se, essencialmente, atravs da atividade de brinquedo" (p. 117), diz ele. E mais adiante:"Na idade escolar, o brinquedo no desaparece mas permeia a atitude em relao realidade" (p.118). A instruo e o aprendizado na escola tambm esto avanados em relao aodesenvolvimento cognitivo. Tanto o brinquedo quanto a instruo escolar criam uma zona dedesenvolvimento proximal.Captulo 8A pr-histria da linguagem escritaA conquista da linguagem um marco no desenvolvimento do homem. Ela possibilita, dentre outrascoisas, que o homem planeje a soluo para um problema antes de sua execuo. O domnio dalinguagem oral promove mudanas profundas, pois permite criana organizar seu modo de agir epensar e formas mais complexas de se relacionar com o mundo.A aquisio da linguagem escrita representa um novo salto no desenvolvimento da pessoa e provocauma mudana radical das caractersticas psicointelectuais da criana. Para Vygotsky, esse complexosistema de signos que a linguagem escrita fornece um novo instrumento de pensamento criana,permite outra forma de acesso ao patrimnio cultural da humanidade (contido nos livros e outrostipos de textos) e promove novas formas de relacionamento com as outras pessoas e com o conheci-mento. 4. O aprendizado da escrita - produto cultural construdo ao longo da histria da humanidade - umprocesso bastante complexo e comea muito antes de o professor colocar um lpis na mo dacriana pela primeira vez. Vigotsky critica o ensino da escrita apenas como habilidade motora. Dizele: "Ensina-se a criana a desenhar letras e a construir palavras com elas, mas no se ensina alinguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecnica de ler o que est escrito que acaba-seobscurecendo a linguagem escrita como tal" (p. 119). A linguagem escrita diferente da falada, poisexige um "treinamento artificial" que requer esforos e ateno enormes por parte do aluno e doprofessor. Ento h o perigo de relegar-se a linguagem escrita viva a um segundo plano, com nfasena tcnica (como aprender a tocar piano).A escrita um sistema de representao simblica da realidade bastante sofisticado. O processo dedesenvolvimento da linguagem escrita pode parecer desconexo e confuso mas possui uma linhahistrica unificada que conduz s formas superiores da linguagem escrita. Isso significa que: num primeiro momento, a linguagem escrita constitui um simbolismo de segunda ordem, ouseja, um sistema de signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada; alinguagem falada constitui um sistema de smbolos de primeira ordem, isto , signos de en-tidades reais e suas relaes; gradualmente h uma reverso a um estgio de primeira ordem: a lngua falada desaparececomo elo intermedirio e a linguagem escrita adquire um carter de simbolismo direto,passando a ser percebida da mesma maneira que a linguagem falada.Vygotsky aponta uma continuidade entre as diversas representaes simblicas da realidade que acriana realiza: gestos, desenhos, brinquedos. Estas atividades, como formas de representaosimblica, contribuem para o processo de aquisio da linguagem escrita. A histria dodesenvolvimento da linguagem escrita na criana comea com o aparecimento do gesto como"signo visual inicial que contm a futura escrita da criana como uma semente contm um futurocarvalho" (p. 121). Os signos so a fixao de gestos. Para Vygotsky, h uma ntima relao entre arepresentao por gestos e a representao plos primeiros rabiscos e desenhos das crianas.O brinquedo, ao exercer uma funo simblica, tambm est ligado linguagem escrita. Obrinquedo simblico uma espcie de "fala" atravs de gestos que d significado aos objetosusados para brincar. Por exemplo: um livro designa uma casa, um lpis significa uma pessoa.A criana s comea a desenhar quando a linguagem falada j alcanou grande progresso. A esserespeito, Vygotsky diz: "O desenho uma linguagem grfica que surge tendo por base a linguagemverbal" (p. 127), sendo considerado, portanto, um estgio preliminar no desenvolvimento da lin-guagem escrita. Para Vygotsky (citando Hetzer), a fala a representao simblica primria, base detodos os demais sistemas de signos. Na idade escolar, a criana apresenta uma tendncia de passarde uma escrita pictogrfica (baseada na representao simplificada dos objetos da realidade) parauma escrita ideogrfica (representaes atravs de sinais simblicos abstratos). Gradualmente ascrianas substituem traos indiferenciados por rabiscos simbolizadores, substitudos, por sua vez,por pequenas figuras e desenhos e, finalmente, pelos signos. Para chegar a isso, a criana precisadescobrir que, alm de coisas, pode-se desenhar a fala. O desenvolvimento da linguagem escrita sed pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. Assim, o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita so momentos diferentes de um processo unificado dedesenvolvimento da linguagem escrita. Desenhar e brincar so, portanto, estgios preparatrios aodesenvolvimento da linguagem escrita.A partir dessas descobertas, Vygotsky chega a trs concluses de carter prtico:1 - seria natural transferir o ensino da escrita para a pr-escola, pois as crianas mais novas j socapazes de descobrir a funo simblica da escrita; 5. 2 - a escrita deve ter significado para as crianas, a necessidade de aprender a escrever deve serdespertada e vista como necessria e relevante para a vida: "S ento poderemos estar certos de queela se desenvolver no como hbito de mos e dedos, mas como uma forma nova e complexa delinguagem" (p. 133);3 - h necessidade de a escrita ser ensinada naturalmente: os aspectos motores devem ser acopladosao brinquedo e o escrever deve ser "cultivado" ao invs de "imposto". A criana deve ver a escritacomo momento natural de seu desenvolvimento e no como treinamento imposto de fora paradentro: "o que se deve fazer ensinar s crianas a linguagem escrita, e no apenas a escrita dasletras" (p. 134), diz Vygotsky.