vygostski - a formaÇÃo social da mente

92
7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 1/92  A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE Vygotski, L. S.

Upload: juberto-souza

Post on 03-Apr-2018

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 1/92

 

A FORMAÇÃO

SOCIAL DA MENTEVygotski, L. S.

Page 2: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 2/92

2

A formação social da menteVygotski, L. S.

153.65 - V631

Psicologia e PedagogiaO desenvolvimento dos processos psicológicos superiores

Texto proveniente de:Seção Braille da Biblioteca Pública do Paranáhttp://www.pr.gov.br/bpp e-mail: braillpr.gov.br

Permitido o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual

Texto-base digitalizado por:Funcionários da Seção Braille da BPP - Curitiba - PR

Este material não pode ser utilizado com fins comerciais.

Organizadores: Michael Cole, Vera John-Steiner, Sylvia Scribner, Ellen Souberman Tradução: JoséCipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche

Livraria Martins FontesEditora Ltda.

São Paulo - SP 19914ª edição brasileira

Coordenação da tradução:Grupo de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos - Departamento de Ciências Biomédias USPRevisão da tradução: Monica Stahel M. da Silva

Capa: Alexandre Martins Fontes

Page 3: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 3/92

3

Nota da contra-capa:

Desenvolvimento das funções psicológicassuperiores Há muito tempo o grande psicólogorusso L. S. Vygotski é reconhecido como umpioneiro da psicologia do desenvolvimento.No entanto, sua teoria do desenvolvimento

nunca foi bem compreendida no Ocidente.A Formação Social da Mente vem suprirgrande parte desta falha.Trata-se de uma seleção cuidadosa dos ensaiosmais importantes de Vygotski, editada por umgrupo de eminentes estudiosos da sua obra.

Fragmento da nota de Vygotsky sugerindo,pela primeira vez, a mediação como a base dosprocessos psicológicos superiores. ("N.B. Aessência do método instrumental reside no uso

funcionalmente diferente de dois estímulos,que determinam diferencialmente ocomportamento; disso resulta o domínio doindivíduo sobre as suas próprias operaçõespsicológicas.Sempre admitindo dois estímulos, precisamosresponder às seguintes questões: 1. Como oindivíduo se lembra do estímulo S1 com aajuda do estímulo S2 (onde S1 é o objeto e S2 oinstrumento). 2. Como a atenção se dirige paraS1 com ajuda de S2. 3. Como uma palavra

associada a S1 é rememorada via S2, e assimpor diante.")

À memória de Alexander Romanovich Luria

Prefácio dos organizadores da obra

Lev Semyonovich Vygotsky ganhou destaquena psicologia americana a partir da publicação,em 1962, da sua monografia Pensamento eLinguagem (Thought and Language). Há cinco

anos, por sugestão de Alexander Luria,concordamos em editar uma coletânea deensaios de Vygotsky que representasse toda asua produção teórica geral, na qual a relaçãoentre pensamento e linguagem era um dosaspectos mais importantes. Luria, então,colocou à nossa disposição a traduçãopreliminar de duas obras de Vygotsky. Aprimeira, O Instrumento e o Símbolo noDesenvolvimento das Crianças (1930 ) nuncatinha sido publicada. A segunda, a tradução de

uma monografia intitulada A História doDesenvolvimento das Funções Psicológicas

Superiores, havia sido publicada no segundovolume dos escritos de Vygotsky, no ano de1960, em Moscou. Um breve estudo dessesensaios mais que depressa nos convenceu deque o escopo do trabalho de Vygotskyestendia-se muito além do expresso emPensamento e Linguagem. Além disso, tornou-

se evidente que a imagem que muitos dosnossos colegas faziam de Vygotsky, comosendo um neobehaviorista dodesenvolvimento cognitivo, poderia ser, deforma conclusiva, desfeita por esses doisensaios.

Os quatro primeiros capítulos deste volumeforam elaborados a partir de Instrumento eSímbolo. O quinto capítulo resume osprincipais pontas teóricos e metodológicoscontidos em Instrumento e Símbolo,aplicando-os à reação de escolha, problemaclassicamente estudado em psicologiacognitiva. Esse capítulo foi extraído da seção 3de A História do Desenvolvimento dasFunções Psicológicas Superiores.

Os capítulos 6 e 8 (aprendizado edesenvolvimento e os precursores da escrita aolongo do desenvolvimento) foram extraídos deuma coletânea de ensaios publicados

postumamente intitulada O DesenvolvimentoMental das Crianças e o Processo deAprendizado (1935). O capítulo 9, que trata dobrinquedo, teve como base uma palestraproferida no Instituto Pedagógico deLeningrado, em 1933, e publicada em VoprosiPsilchologii (Problemas de Psicologia) em1966. As referências completas estão nalistagem dos trabalhos de Vygotsky, nasúltimas páginas deste volume.

Em muitos lugares deste livro inserimosmateriais provindos de fontes adicionais, natentativa de tornar mais claro o significado dotexto. Na maioria dos casos, utilizamos outraspartes de A História do Desenvolvimento dasFunções Psicológicas Superiores não incluídasneste volume; outros insertos provieram deensaios contidos nos volumes de 1956 ou 1960de coletâneas de seus trabalhos. Em algunscasos, foram utilizados trechos de trabalhos decolaboradores de Vygotsky, onde estão

explicitados exemplos concretos dosprocedimentos experimentais ou resultadosque no texto original de Vygotsky são descritos

Page 4: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 4/92

4

de forma extremamente breve. As referênciasdessas fontes auxiliares estão citadas nas notasno final deste volume.

O trabalho de reunir obras originalmenteseparadas foi feito com bastante liberdade. Oleitor não deve esperar encontrar umatradução literal de Vygotsky, mas, sim, uma

tradução editada da qual omitimos as matériasaparentemente redundantes e à qualacrescentamos materiais que nos pareceramimportantes no sentido de tornar mais claras asidéias de Vygotsky. Como outros editores jánotaram, o estilo de Vygotsky é extremamentedifícil.

Ele teve uma produção escrita abundante emuitos de seus manuscritos nunca foramadequadamente editados. Além disso, durante

os freqüentes períodos de doença, ele ditavaseus trabalhos -uma prática que resultou numtexto repetitivo, elíptico e denso. Certosespaços em branco nos manuscritos originaisos tornam, hoje em dia, ainda menos acessíveisdo que devem ter sido no tempo em que foramescritos. Devido ao fato de as referências seremraramente citadas nos originais, tentamos, damelhor maneira possível, encontrar as fontesexatas referidas por Vygotsky. O processo deprocurar as fontes originalmente citadas

revelou-se uma tarefa altamenterecompensadora, uma vez que muitos de seuscontemporâneos se mostraramsurpreendentemente modernos em váriosaspectos importantes. Temos, ainda, perfeitanoção de que ao mexer nos originaispoderíamos estar distorcendo a história;entretanto, acreditamos também que, deixandoclaro nosso procedimento e atendo-nos omáximo possível aos, princípios e conteúdosdos trabalhos, não distorcemos os conceitos

originalmente expressos por Vygotsky.Temos uma dívida toda especial para com ofalecido Alexander R. Luria, não só por nos terfornecido uma tradução inicial de grande partedo material incluído nos capítulos de 1 a 5,como, também, pelo seu incansável trabalho depesquisa das referências bibliográficas citadaspor Vygotsky e detalhamento de seusexperimentos, além da leitura de nossomanuscrito.

Os capítulos 6 e 7 foram traduzidos por MartinLopez-Morillas. O capítulo 5 e partes doscapítulos de 1 a 5 foram traduzidos por

Michael Cole. Queremos agradecer a JamesWertsch por sua assistência na tradução einterpretação de passagens especialmentedifíceis.

A edição desses escritos de Vygotsky ocupou-nos por muitos anos. O fato de os editoresterem trabalhado em locais distintos e sido

educados em tradições intelectuais diferentesfez com que cada uma das equipes encontrassediferentes materiais de interesse especial.Como não há apenas uma, mas várias questôesa serem esclarecidas por uxn corpo depensamentos tão complexo, escrevemos doisensaios que refletem vários aspectos do "lerVygotsky".

Vera John-Steiner, Ellen Souberman Universityof New Mexico Michael Cole, Sylvia Scribner

The Rockfeller University

Page 5: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 5/92

5

Índice

Introdução: Michael Cole e Sylvia Scribner ...................................................................... 7Nota biográfica sobre L. S. Vygotsky 17 ........................................................................... 16

PRIMEIRA PARTETeoria básica e dados experimentais1. O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da criança ...................................... 172. O desenvolvimento da percepção e da atenção ........................................................... 243. O domínio sobre a memória e o pensamento .............................................................. 284. Internalização das funções psicológicas superiores .................................................... 38

SEGUNDA PARTEImplicações Educacionais5. Problemas de método ....................................................................................................... 416. Interação entre aprendizado e desenvolvimento ......................................................... 537. O papel do brinquedo no desenvolvimento ................................................................ 618. A pré-história da linguagem escrita ............................................................................... 69

PosfácioVera John-Steiner e Ellen Souberman As obras de Vygotsky ........................................ 80

Page 6: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 6/92

6

"A aranha realiza operações que lembram otecelão, e as caixas suspensas que as abelhasconstroem envergonham o trabalho de muitosarquitetos. Mas até mesmo o pior dosarquitetos difere, de início, da mais hábil das

abelhas, pelo fato de que antes de fazer umacaixa de madeira, ele já a construiumentalmente. No final do processo dotrabalho, ele obtém um resultado que já existiaem sua mente antes de ele começar aconstrução. O arquiteto não só modifica aforma que lhe foi dada pela natureza, dentrodas restrições impostas pela natureza, comotambém realiza um plano que Ihe é próprio,defínindo os meios e o caráter da atividade aosquais ele deve subordinar sua vontade." Karl

Marx, O Capital

"É precisamente a alteração da natureza peloshomens, e não natureza enquanto tal, queconstitui a base mais essencial imediata dopensamento humano." Friedrich Engels,Dialética da Natureza

Page 7: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 7/92

7

INTRODUÇÃO

 Michael Cole e Sylvia Scribner 

Quando Lev S. Vygotsky, advogado e filólogo,iniciou sua carreira como psicólogo após aRevolução Russa de 1917, já havia contribuído

com vários ensaios para a crítica literária. Naépoca em que predominavam Wilheim Wundt,o fundador da psicologia ex-perimental, eWilliam James, representante do pragmatismoamericano, ele era estudante. Na ciência, foramseus contemporâneos, entre outros, IvanPavlov, Wladimir Bekhterev e John B.

Watson, todos adeptos das teoriascomportamentais privilegiadoras daassociação estímuloresposta, além deWertheimer, Kohler, Koffka e Lewin,

fundadores do movimento da Gestalt napsicologia. O leitor poderia esperar, então, queo trabalho de Vygotsky tivesse principalmenteinteresse histórico - talvez enquanto uma brevevisão de como os fundadores da psicologiamoderna influenciaram a psicologia soviéticana Rússia pós-revolucionária. Certamenteesses ensaios têm interesse na perspectiva dahistória intelectual, mas, de forma alguma,constituem relíquias históricas. Pelo contrário,nós os oferecemos como uma contribuição àscontrovérsias e discussões da psicologiacontemporânea.

Com o objetivo de entender como as idéiasdeste livro puderam manter sua relevânciaatravés das distâncias de tempo e de culturaque nos separam de Vygotsky, tivemos que,repetidamente, refletir sobre as condições dapsicologia européia que forneceram o cenárioinicial para as teorias de Vygotsky. Foi-nos degrande valia examinar as condições da

sociedade e da psicologia na Rússia pós-revolucionária, uma vez que eram fonte dosproblemas imediatos com os quais Vygotsky sedefrontava, bem como fonte de inspiração, namedida em que ele e seus colegas procuravamdesenvolver uma teoria marxista dofuncionamento intelectual humano.

 No início do século XIX 

Até a segunda metade do século XIX, o estudo

da natureza humana era um atributo dafilosofia. Os seguidores de John Locke, naInglaterra, desenvolveram sua concepção

empiricista da mente, que enfatizava a origemdas idéias a partir de sensações produzidas porestimulação ambiental. O maior problema daanálise psicológica, para esses empiricistasingleses, era descrever as leis de associaçãopelas quais sensações simples combinam-separa produzir idéias complexas. No continente

europeu, os seguidore de Immanuel Kantafirmavam que idéias de espaço e tempo econceitos de quantidade, qualidade e relaçãooriginavam-se na mente humana e nãopoderiam ser decompostas em elementos maissimples. Ambos os grupos mantinham-seirredutíveis em suas posições. Ambas astradições filosóficas desenvolviam-se tendocomo pressuposto, originado a partir dostrabalhos de René Descartes, que o estudocientífico do homem deveria restringir-se ao

seu corpo físico. À filosofia estava designado oestudo de sua alma.

Apesar de o conflito entre essas duasabordagens se estender até os dias de hoje, ostermos dessa discussão, por volta de 1860,foram mudados irrevogavelmente, pelapublicação quase que simultânea de três livros.

Deles, o mais famoso foi A Origem dasEspécies de Darwin, que argumentava a favorda continuidade essencial entre o homem e

outros animais. Uma conseqüência imediatadessa afirmação foi o esforço de muitosintelectuais para estabelecer descontinuidadesque separassem seres humanos adultos de seusparentes inferiores (tanto ontogenética quantofilogeneticamente). O segundo livro DiePsychophysik, de Gustav Fechner, queapresentava uma descrição detalhada ematematicamente elaborada da relação entreas variações de eventos físicos determináveis eas respostas "psíquicas" expressas

verbalmente. O que Fechner propunha era,nem mais nem menos, a descrição quantitativado conteúdo da mente humana. O terceirolivro, um volume peqúeno, intitulado Reflexosdo Cérebro, foi escrito por um médico deMoscou chamado I. M. Sechenov. Sechenov,que havia estudado com alguns dos maiseminentes fisiologistas europeus, contribuiupara a compreensâo dos reflexossensorimotores simples usando a técnica dapreparação neuromuscular isolada.

Sechenov estava convencido de que osprocessos por ele observados em tecidos

Page 8: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 8/92

8

isolados de rã eram, em princípio, os mesmosque ocorrem no sistema nervoso central dosorganismos intactos, inclusive nos sereshumanos. Se as respostas musculares, em suapreparação, podiam ser explicadas porprocessos de inibição e excitação, porque asmesmas leis não poderiam ser aplicadas às

operações do córtex cerebral humano? Mesmona ausência de evidências diretas para essasespeculações, as idéias de Sechenov sugeriramas bases fisiológicas para a ligação entre oestudo científico natural de animais e osestudos filosóficos humanos anteriores. Ocensor do Czar parece ter compreendido asimplicações materialistas e revolucionárias dasteses de Sechenov, proibindo a sua publicaçãopelo tempo que pôde. Quando finalmente olivro foi publicado, continha uma dedicatória a

Charles Darwin.Esses três livros, de Darwin, Fechner eSechenov, podem ser vistos como constituintesessenciais do pensamento psicológico do finaldo século XIX. Darwin uniu animais e sereshumanos num sistema conceitual únicoregulado por leis naturais; Fechner forneceuum exemplo do que seria uma lei natural quedescrevesse as relações entre eventos físicos e ofuncionamento da mente humana; Sechenov,extrapolando observações feitas empreparações neuromusculares isoladas de rãs,propôs uma teoria fisiológica dofuncionamento de tais processos mentais emseres humanos normais. Nenhum dessesautores se considerava (e tampouco eraconsiderado pelos seus contemporâneos)psicólogo. No entanto, eles forneceram asquestões centrais que preocupariam apsicologia, uma ciência jovem, na segundametade do século: quais são as relações entre o

comportamento humano e o animal? Entreeventos ambientais e eventos mentais? Entreprocessos fisiológicos e psicológicos? Váriasescolas de psicologia atacaram uma ou outradessas questões, contribuindo com respostasparciais dentro de perspectivas teóricaslimitadas.

De tais escolas, a primeira foi fundada porWilhem Wundt, em 1980. Wundt assumiucomp tarefa a descrição do conteúdo daconsciência humana e sua relação com a

estimulação externa. Seu método consistia emanalisar os vários estados de consciência em

seus elementos constituintes, definidos por elemesmo como sensações simples. A priori, eleexcluiu, como elementos de consciência,sensações tais como "sentimento de estarciente" ou "percepção de relações",considerando esses fenômenos como "nadamais do que" subprodutos de métodos falhos

de observação (introspecção). De fato, Wundtpropôs, explicitamente, que as funções mentaiscomplexas, ou, como eram então conhecidas,os "processos psicológicos superiores" (alembrança voluntária e o raciocínio dedutivo,por exemplo) não poderiam, em princípio, serestudadas pelos psicólogos experimentais.

Na sua opinião, só poderiam ser pesquisadasatravés de estudos históricos dos produtosculturais, tais como as lendas, costumes elinguagem.

Por volta do começo da Primeira GuerraMundial os estudos introspeetivos dosprocessos conscientes humanos sofreramataques vindos de duas direções. Tanto nosEstados Unidos quanto na Rússia, psicólogosdescontentes com as controvérsias em tornodas descrições introspectivas corretas dassensações, e com a conseqüente esterilidade dapesquisa resultante, renunciaram ao estudo daconsciência em prol do estudo do

comportamento. Explorando o potencialsugerido pelo estudo de Pavlov dos reflexoscondicionados (desenvolvido a partir deSechenov) e pelas teorias de Darwin sobre acontinuidade evolutiva entre os animais e ohomem, essas correntes psicológicas abrirammuitas áreas para o estudo científico docomportamento animal e humano. Comrelação a um aspecto importante, entretanto,concordavam com os seus antagonistasintrospectivos: sua estratégia básica consistia

em identificar as unidades da atividadehumana (substituindo as sensações pelaunidade estímulo-resposta) e então especificaras regras pelas quais esses elementos secombinam para produzir fenômenos maiscomplexos. Essa estratégia concentrou-se,conseqüentemente, naqueles processospsicológicos compartilhados tanto por animaisquanto por seres humanos, relegando osprocessos psicológicos superiores -pensamento, linguagem e comportamento

volitivo. A segunda linha de ataque sobre adescrição do conteúdo da consciência veio de

Page 9: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 9/92

Page 10: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 10/92

10

conjunto de "átomos" psicológicos. Mas, aomesmo tempo, ele sentia que os gestaltistasnão eram capazes de, a partir da descrição defenômenos complexos, ir além, no sentido desua explicação. Mesmo que se aceitassem ascríticas da Gestalt às outras abordagens, a crisepersistiria, uma vez que a psicologia

continuaria dividida em duas metadesirreconciliáveis: um ramo com característicasde "ciência natural", que poderia explicar osprocessos elementares sensoriais e reflexos, eum outro com características de "ciênciamental", que descreveria as propriedadesemergentes dos processos psicológicossuperiores. O que Vygotsky procurou foi umaabordagem abrangente que possibilitasse adescrição e a explicação das funçõespsicológicas superiores, em termos aceitáveis

para as ciências naturais. Para Vygotsky, essaexplicação tinha o significado de uma grandetarefa Ela deveria incluir a identificação dosmecanismos cerebrais subjacentes a umadeterminada função; a explicação detalhada dasua história ao longo do desenvolvimento, como objetivo de estabelecer as relações entreformas simples e complexas daquilo queaparentava ser o mesmo comportamento; e, deforma importante, deveria incluir aespecificação do contexto eocial em que se deu

o desenvolvimento do comportamento. Asmetas de Vygotsky eram extremamenteambiciosas, talvez até de forma não razoável.Ele não as_ atingiu ( como, aliás, estava bemciente ) : No entanto, conseguiu, de fato,fornecer-nos uma análise arguta E prescienteda psicologia moderna.

A maior razão para a relevância permanentedo trabalho de Vygotsky está no fato de que,em 1924 e na década subseqüente, ele se

dedicou à construção de uma críticapenetranta à noção de que a compreensão defunções psicológicas superiores humanaspoderia ser atingida pela multiplicação ecomplicação dos princípios derivados dapsicologia animal, em particular aquelesprincípios que representam uma combinaçãomecânica das leis do tipo estímulo-resposta.Ao mesmo tempo, ele produziu uma críticadevastadora das teorias que afirmam que aspropriedades das funções intelectuais do

adulto são resultado unicamente damaturação, ou, em outras palavras, estão dealguma maneira préformadas na criança,

esperando simplesmente a oportunidade de semanifestarem.

Ao enfatizar as origem sociais da linguagem edo pensamento, Vygotsky seguia a linha dosinfluentes sociólogos franceses, mas, até ondesabemos, ele foi o primeiro psicólogo modernoa sugerir os mecanismos pelos quais a cultura

torna-se parte da natureza de cada pessoa. Aoinsistir em que as funções psicológicas são umproduto da atividade cerebral, tornou-se umdos primeiros defensores da associação dapsicologia cognitiva experimental com aneurologia e a fisiologia. Finalmente, aopropor que tudo isso deveria ser entendido àluz da teoria marxista da história da sociedadehumana, lançou as bases para uma ciênciacomportamental unificada.

 Estrutura teórica marxista

Ao contrário do estereótipo dos intelectuaissoviéticos que se apressam em fazer suasteorias de acordo com a mais recenteinterpretação do marxismo elaborada peloPolitburo, Vygotsky, desde o início de suacarreira, via o pensamento marxista como umafonte científica valiosa. "Uma aplicação domaterialismo histórico e dialético relevante

para a psicologia", seria um resumo preciso dateoria sócio-cultural de Vygotsky dosprocessos psicológicos superiores.

Vygotsky viu nos métodos e princípios domaterialismo dialético a solução dos paradoxoscientíficos fundamentais com que sedefrontavam seus contemporâneos. Um pontocentral desse método é que todos osfenômenos sejam estudados como processosem movimento e em mudança. Em termos doobjeto da psicologia, a tarefa do cientista seriaa de reconstruir a origem e o curso dodesenvolvimento do comportamento e daconsciência.

Não só todo fenômeno tem sua história, comoessa história é caracterizada por mudançasqualitativas (mudança na forma, estrutura ecaracterísticas básicas) e quantitativas.Vygotsky aplicou essa linha de raciocínio paraexplicar a transformação dos Processospsicológicos elementares em processos

complexos. O cisma entre os estudos científicosnaturais dos processos elementares e a reflexãoespeculativa sobre as formas culturais do

Page 11: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 11/92

11

comportamento poderia ser superado desdeque se acompanhassem as mudançasqualitativas do comportamento que ocorremao longo do desenvolvimento. Assim, quandoVygotsky fala de sua abordagem comoprivilegiadora do "desenvolvimento", isso nãodeve ser confundido com uma teoria do

desenvolvimento da criança. Na concepção deVygotsky, essa abordagem constitui o métodofundamental da ciência psicológica.

A teoria marxista da sociedade (conhecidacomo materialismo histórico) também teve umpapel fundamental no pensamento deVygotsky. De acordo com Marx, mudançashistóricas na sociedade e na vida materialproduzem mudanças na "natureza humana"(consciência e comportamento) . Embora essaproposta geral tivesse sido repetida por outros,Vygotsky foi o primeiro a tentar correlacioná-la a questões psicológicas concretas. Nesse seuesforço, elaborou de forma criativa asconcepções de Engels sobre o trabalho humanoe o uso de instrumentos como os meios pelosquais o homem transforma a natureza e, aofazê-lo, transforma a si mesmo. Nos capítulos 1a 4, Vygotsky explora o conceito deinstrumento de uma maneira que encontraseus antecedentes diretos em Engels: "Aespecialização da mão - que implica oinstrumento, e o instrumento implica aatividade humana específica, a reaçãotransformadora do homem sobre a natureza";(2) "o animal meramente usa a naturezaexterna, mudando-a pela sua simples presença;o homem, através de suas transformações, fazcom que a natureza sirva a seus propósitos,dominando-a. Esta é a distinção final eessencial entre o homem e os outros animais"(p. 291 ) . De maneira brilhante, Vygotsky

estendeu esse conceito de mediação nainteração homem-ambiente pelo uso deinstrumentos, ao uso de signos. Os sistemas designos (a lingua_em, a escrita, o sistema denúmeros), assim como o sistema deinstrumentos, são criados pelas sociedades aolongo do curso da história humana e mudam aforma social e o nível de seu desenvolvimentocultural. Vygotsky acreditava que ainternalização dos sistemas de signosproduzidos culturalmente provoca

transformações comportamentais e estabeleceum elo de ligação entre as formas iniciais etardias do desenvolvimento individual. Assim,

para Vygotsky, na melhor tradição de Marx eEngels, o mecanismo de mudança individualao longo do desenvolvimento tem sua raiz nasociedade e na cultura.

Em capítulos posteriores (particularmente nocapítulo 5 ) Vygotsky generaliza sua concepçãosobre a origem das funções psicológicas

superiores de tal forma que revela a íntimarelação entre a sua naturezafundamentalmente mediada e a concepçãomaterialista dialética de mudança histórica.

Certos psicólogos soviéticos costumavam,algumas vezes, citar em excesso os clássicos domarxismo, procurando, dessa forma, um meiode construir uma psicologia marxista em meioao caos das escolas antagônicas existentes.Ainda que em notas não publicadas, Vygotsky

repudiou o "método das citações" como meiode relacionar marxismo e psicologia, tornandoexplícita a maneira pela qual ele julgava que osseus princípios metodológicos básicospudessem contribuir para a elaboração de umateoria na psicologia:

"Não quero descobrir a natureza da mentefazendo uma colcha de retalhos de inúmerascitações. O que eu quero é, uma vez tendoaprendido a totalidade do método de Marx,saber de que modo a ciência tem que serelaborada para abordar o estudo da mente.

Para criar essa teoria-método de uma maneiracientífica de aceitação geral, é necessáriodescobrir a essência desta determinada área defenômenos, as leis que regulam as suasmudanças, suas características qualitativas equantitativas, além de suas causas. Énecessário, ainda, formular as categorias e osconceitos que lhes são especificamenterelevantes - ou seja, em outras palavras, criar o

seu próprio Capital.O Capital está escrito de acordo com oseguinte método: Marx analisa uma única"célula" viva da sociedade capitalista - porexemplo, a natureza do valor. Dentro dessacélula ele descobre a estrutura de todo osistema e de todas as suas ínstituiçõeseconômicas. Ele diz que, para um leigo, essaanálise poderia parecer não mais do que umobscuro emaranhado de detalhes sutis. De fato,pode até ser que haja esses detalhes sutis; noentanto, eles são exatamente aquelesabsolutamente necessários à "micro-anatomia".

Page 12: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 12/92

12

Alguém que pudesse descobrir qual é a célula"psicológica" - o mecanismo produtor de umaúnica resposta que seja - teria, portanto,encontrado a chave para a psicologia como umtodo" (de cadernos não publicados)."

A leitura cuidadosa deste manuscrito nosfornece provas convincentes da sinceridade de

Vygotsky e da imensa utilidade da estruturapor ele desenvolvida.

O ambiente intelectual e social de seu tempo

Nos anos 20, na União Soviética, Vygotsky nãoera o único a utilizar as abordagens histórica edo desenvolvimento no estudo da naturezahumana. Dentro da psicologia, um seu colegamais velho, P. P. Blonsky, já havìa assumido a

posição de que a compreensão das funçõesmentais complexas requeria uma análise dodesenvolvimento. (3) De Blonsky, Vygotskyadotou a noção de que o "comportamento sópode ser entendido como história docomportamento". Blonsky foi, também, um dosprimeiros a defender a idéia de que asatividades tecnológicas de uma população sãoa chave da compreensão de seu psicológico,uma idéia que Vygotsky explorou a fundo.

Vygotsky e muitos outros teóricos soviéticosda época foram, também, influenciados deforma importante pelo trabalho de sociólogos eantropólogos europeus ocidentais, comoThurnwald (4) Levy-Bruhl, que seinteressavam pela história dos processosmentais reconstruídos a partir de evidênciasantropológicas da atividade initelectual dospovos primitivos. As escassas referências nestelivro não refletem plenamente a extensão dointeresse de Vygotsky no desenvolvimento dosprocessos mentais entendidos historicamente.Esse aspecto de seu trabalho recebeu atençãoespecial numa publicação conjunta com A. R.Luria, em 1930, intitulada Estudos sobre aHistória do Comportamento. Esse interesseserviu de estímulo para as duas expediçõesrealizadas por Luria, em 1931 e 1932, à ânsiaCentral, cujos resultados foram publicadosmuito depois da morte de Vygotsky. (5) Essaênfase histórica era também muito comum nalingüística soviética, cujo interesse centrava-se

no problema da origem da linguagem e na suainfluência sobre o desenvolvimento dopensamento. As discussões em lingüística

tratavam de problemas semelhantes aostratados nos trabalhos de Sapir e Whorf, quecomeçavam, então, a se tornar influentes nosEstados Unidos.

Dá mesma forma que o conhecimento daprodução acadêmica dos anos 30 é útil nacompreensão da abordagem de Vygotsky

sobre a cognição humana, é também essencialconsiderar as condições sócio-políticas daUnião Soviética durante esse tempo. Vygotskytrabalhou numa sociedade onde a ciência eraextremamente valorizada e da qual seesperava, em alto grau, a solução dosprementes problemas sociais e econômicos dopovo soviético. A teoria psicológica nãopoderia ser elaborada independentemente dasdemandas práticas exigidas pelo governo, e oamplo espectro da obra de Vygotsky mostra,claramente, a sua preocupação em produziruma psicologia que tivesse relevância para aeducação e para a prática médica. ParaVygotsky, essa necessidade de desenvolver umtrabalho teórico aplicado a um contexto nãoconstituía, de forma'alguma, uma contradição.Ele tinha começado sua carreira comoprofessor de literatura e muitos dos seusprimeiros artigos cuidavam de problemas daprática educacional, particularmente daeducação de deficientes mentais e físicos.Tinha sido um dos fundadores do Instituto deEstudo das Deficiências, em Moscou, ao qualse manteve ligado ao longo de toda a vida. Emestudos de problemas médicos, tais comocegueira congênita, afasia e retardamentomental severo, Vygotsky viu a oportunidadede entender os processos mentais humanos ede estabelecer programas de tratamento ereabilitação. Dessa forma, estava de acordocom sua visão teórica geral desenvolver seu

trabalho numa sociedade que procuravaeliminar o analfabetismo e elaborar programaseducacionais que maximizassem aspotencialidades de cada criança.

A participação de Vygotsky em debates sobrea formulação de uma psicologia marxistaenvolveu-o em disputas acirradas no fim dosanos 20 e começo dos 30. Nessas discussões,ideologia, psicologia e linhas de ação estavamintrincadamente ligadas, uma vez quediferentes grupos lutavam pelo direito de

representar a psicologia. Com a saída deKornilov do Instituto de Psicologia, em 1930,

Page 13: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 13/92

13

Vygotsky e seus colaboradores estiveram nopoder por um breve tempo, mas em momentoalgum ele foi oficialmente reconhecido comolíder.

Nos anos que imediatamente antecederam suamorte, Vygotsky lecionou e escreveuextensamente sobre problemas da educação,

usando freqüentemente o termo "pedologia",que pode ser grosseiramente traduzido por"psicologia educacional". Pode-se dizer que,em geral, ele era adepto da pedologia queenfatizava os testes de capacidade intelectualpadronizada a partir dos testes de QI, queestavam, então, ganhando evidência na EuropaOcidental e nos Estados Unidos.

Era sua ambição reformar a pedologia deacordo com as linhas sugeridas no capítulo 6

deste volume, mas sua ambição excedeu emmuito suas possibilidades. Por essa concepção,Vygotsky foi erroneamente acusado dedefender a aplicação de testes psicológicos emmassa, e também criticado como o "grandechauvinista russo", pelo fato de ter sugeridoque as populações iletradas ( como aquelasque vivem em regiões não industrializadas naAsia Central) ainda não tinham desenvolvidoas capacidades intelectuais associadas àcivilização moderna. Dois anos após sua

morte, o Comitê Central do Partido Comunistabaixou um decreto proibindo todos os testespsicológicos na União Soviética. Ao mesmotempo, todas as revistas de psicologia maisimportantes deixaram de ser publicadas porquase 20 anos. Um período de fermentaçãointelectual e experimentação chegava ao fim.

Mas as idéias de Vygotsky de forma nenhumamorreram com ele. Mesmo antes de sua morte,ele e seus colaboradores estabeleceram umlaboratório em Kharkov, chefiado inicialmentepor A.N.

Leontiev (atualmente decano da Faculdade dePsicologia na Universidade de Moscou) eposteriormente por A.V. Zaporozhets(atualmente Diretor do Instituto de EducaçãoPré-Escolar). Luria completou sua formaçãomédica na segunda metade da década de 30 e,a partir daí, passou a elaborar seu trabalhopioneiro, mundialmente famoso, no campo dodesenvolvimento e da neuropsicologia. Muitos

dos primeiros colaboradores de Vygotskyocupam posições de destaque no Instituto deEstudo das Deficiências e no Instituto de

Psicologia, ambos da Academia Soviética deCiências Pedagógicas, assim como emdepartamentos de psicologia dasuniversidades, como o da Universidade deMoscou.

A simples observação de qualquer compêndiosobre a pesquisa psicológica soviética mostrará

que Vygotsky influenciou e continua ainfluenciar a pesquisa numa ampla variedadede áreas básicas e aplicadas relacionadas aosprocessos cognitivos, seu desenvolvimento esua desintegração.

Sua idéias não deixaram de ser questionadas,nem mesmo pelos seus colaboradores; noentanto, permanecem como um aspecto vivodo pensamento psicológico soviético.

 A utilização do método experimental por Vygotsky

As referências que Vygotsky faz no texto aexperimentos efetuados em seu laboratórioalgumas vezes provocam no leitor uma certainquietação. Ele quase não apresenta os dadosbrutos, e os resumos são muito gerais. Ondeestão os testes estatísticos que dizem se asobservações refletem ou não efeitos "reais"? Oque provariam esses estudos? Será que eles

fornecem, de fato, algum suporte às teoriasgerais de Vygotsky ou estoria ele, apesar deseu repúdio, praticando uma psicologiaespeculativa sem submeter as suas proposiçõescentrais ao teste empírico? Aqueles que no seudia a dia estão imersos na metodologia dapsicologia experimental, como a praticada namaioria dos laboratórios americanos,certamente tenderiam a retirar o termo"experimento" dos estudos de Vygotsky,considerando-os um pouco mais do quedemonstrações interessantes ou estudos-piloto- e de fato o são, em muitos aspectos.

Achamos, no entanto, que é importante tersempre em mente a natureza dos manuscritosque foram usados como base para este livro.Eles não constituem um relato de uma série depesquisas a partir das quais proposições geraissão extrapoladas. Ao invés disso, nessesescritos Vygotsky estava preocupado emapresentar os princípios básicos de seu método

e de sua teoria. Sua referência ao poucotrabalho empírico a que tinha acesso era feitacom o objetivo de ilustrar e apoiar seus

Page 14: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 14/92

14

princípios. As descrições de estudosespecíficos são esquemáticas e os achados são,em geral, apresentados como conclusõesgerais, e não sob a forma de dados brutos.Alguns dos trabalhos citados foram publicadosde forma detalhada pelos seus colaboradores, epoucos são encontrados em inglês. _ A maioria

dos estudos, entretanto, foi realizada por seuscolaboradores como estudos-piloto, que nuncaforam preparados para publicação. Olaboratório de Vygotsky existiu somentedurante uma década, sendo a sua morte portuberculose esperada a qualquer momento. Asimplicações de sua teoria eram tantas e tãovariadas, e `o tempo tão curto, que toda suaenergia concentrou-se em abrir novas linhas deinvestigação ao invés de perseguir uma linhaem particular até esgotá-la. Essa tarefa coube

aos colaboradores e sucessores de Vygotsky,que adotaram suas concepções das maisvariadas maneiras, incorporando-as em novaslinhas de pesquisa.(7) Entretanto, o estilo deexperimentação nesses ensaios representa maisdo que uma resposta às condições de urgêncianas quais eles foram conduzidos. A concepçãoque Vygotsky tinha de experimentação diferiadaquela dos psicólogos americanos, e acompreensão dessas diferenças é fundamentalpara a apreciação adequada da contribuição de

Vygotsky à psicologia cognitivacontemporânea.

Como qualquer aluno de curso introdutório àpsicologia experimental sabe, o propósito dequalquer experimento, comoconvencionalmente é apresentado, édeterminar as condições que controlar ocomportamento. A metodologia deriva dessesobjetivos: as hipóteses experimentais prevêemaspectos do estimulo ou da tarefa que

determinarão aspectos particulares dasrespostas; dessa forma, o experimentadorprocura manter o máximo de controle sobre osestímulos, as tarefas e as respostas, com oobjetivo de testar sua previsão.

A quantificação das respostas é a base para acomparação entre experimentos e para aextração de inferências sobre as relações decausa e efeito. Em resumo, os experimentossão planejados de modo a produzir um certodesempenho sob condições tais que tornem

máximas as suas possibilidades deinterpretação.

Para Vygotsky, o objetivo da experimentação écompletamente diferente. Os princípios de suaabordagem básica (apresentada no capítulo 5deste volume) não surgem puramente dacrítica metodológica às práticas experimentaisestabelecidas; eles derivam de sua teoria danatureza dos processos psicológicos superiores

e da tarefa árdua de explicação científica, empsicologia. Se os processos psicológicossuperiores surgem e sofrem transformações aolongo do aprendizado e do desenvolvimento, apsicologia só poderá compreendê-loscompletamente determinando a sua origem etraçando a sua história. A primeira vista,poderia parecer que tal tarefa exclui o métodoexperimental e requer estudos docomportamento individual por longosperíodos de tempo. Mas Vygotsky acreditava

(e engenhosamente demonstrou) que aoexperimento cabia o importante papel dedesvendar os processos que comumente estãoencobertos pelo comportamento habitual. Eleescreveu que num experimentoadequadamente concebido, o experimentadorpode criar processos que "põem à mostra ocurso real do desenvolvimento de umadeterminada função". Ele chamou esse métodode "genético-experimental", um termo que elecompartilhava com Heinz Werner, um

eminente contemporâneo, cuja abordagempsicológica comparada do desenvolvimentoera muito bem conhecida de Vygotsky.

Para que um experimento sirva como meioefetivo para estudar "o curso dodesenvolvimento de um, processo" ele deveoferecer o máximo de oportunidades para queo sujeito experimental se engaje nas maisvariadas atividades que possam serobservadas, e não apenas rigidamente

controladas. Uma técnica efetivamente usadapor Vygotsky, com esse propósito, foi a deintroduzir obstáculos ou dificuldades na tarefade forma a quebrar os métodos rotineiros desolução de problemas. Por exemplo, no estudoda comunicação infantil e da função da falaegocêntrica, Vygotsky elaborou uma situaçãotal que requeria da criança um engajamentonuma atividade cooperativa com outrascrianças que não conseguiam compartilhar sualinguagem (estrangeiras ou surdas). Um outro

método utilizado era o de fornecer caminhosalternativos para a solução do problema,incluindo vários tipos de materiais (chamados

Page 15: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 15/92

15

por Vygotsky de "auxiliares externos"), quepoderiam ser usados de maneiras diferentespara satisfazer às exigências do teste. Atravésda observação cuidadosa do uso que ascrianças, em diferentes idades e sob diferentescondições de dificuldade, faziam dos auxiliaresexternos, Vygotsky procurou reconstruir a

série de mudanças nas operações intelectuaisque normalmente se expressam,gradativamente, no curso do desenvolvimentobiográfico da criança. Uma terceira técnicautilizada era a de colocar a criança frente auma tarefa que excedesse em muito os seusconhecimentos e capacidades, procurando,com isso, evidenciar o início rudimentar denovas habilidades.

Esse procedimento está bem ilustrado nos seusestudos sobre a escrita (capítulo 7 ) , em quecrianças pequenas recebiam papel e lápis,pedindo-se que fizessem representações deeventos, pondo à mostra assim para opesquisador a compreensão mais precoce quea criança tem da natureza do simbolismográfico.

Com esse conjunto de procedimentos, os dadoscríticos fornecidos pelo experimento não são onível de desempenho como tal, mas osmétodos pelos quais o desempenho é atingido.

Esse contraste entre os trabalhos experimentaisconvencionais (centrados no desempenho emsi) e o trabalho de Vygotsky (preocupado como processo) tem sua expressão contemporâneaem estudos recentes de pesquisadoresamericanos sobre a memória am crianças. Emmuitos estudos (inclusive vários dos nossos)apresentavam-se, para crianças de váriasidades, listas de palavras a serem lembradas eanalisava-se o desempenho, medindo-se onúmero de palavras recordadas e a sua ordem.A partir desses indicadores os pesquisadoresprocuraram inferir se as crianças pequenasengajavam-se ou não, e em que extensão, ematividades organizadoras, como uma estratégiade memória.

Por outro lado, John Flavell e seus colegas,usando procedimentos muito parecidos comaqueles usados pelos colaboradores deVygotsky, apresentavam às crianças oselementos a serem lembrados e as instruiam no

sentido de fazerem o que quisessem paraajudá-las a lembrar.

Observaram então as tentativas das criançaspara classificar os itens, os tipos deagrupamentos realizados por elas e outrosindicadores de sua tendência a usar estratégiasorganizativas no processo de lembrança. Damesma maneira que para Vygotsky, a questãocentral é: o que as crianças estão fazendo?

Como elas tentam satisfazer às exigências datarefa?

Associado a isso gostaríamos de tornar claroum conceito básico do método experimental eda abordagem teórica de Vygotsky que,acreditamos, tem sido amplamenteinterpretado de forma incorreta. Em váriospontos do texto, ao referir-se à estrutura docomportamento, Vygotsky usa um termo quenós traduzimos como "medìado". As vezes,esse termo é acompanhado de um desenhomostrando um estímulo, uma resposta e um"elo de mediação" entre eles ( por exemplo, S-X-R ) . O mesmo termo e virtualmente amesma forma de representação gráfica foramintroduzidos nas teorias norte-americanas deaprendizado nos Estados Unidos no final dosanos 30, tornando-se muito popular nos anos50, na medida em que foram feitas tentativasde estender as teorias baseadas na associaçãoestímulo-resposta do aprendizado acomportamentos humanos complexos,especialmente a linguagem. É importante tersempre em mente que Vygotsky não era umadepto da teoria do aprendizado baseada naassociação estímulo-resposta e não era suaintenção que a sua idéia de comportamentomediado fosse interpretada nesse contexto.

O que ele, de fato, tentou transmitir com essanoção é que, nas formas superiores docomportamento humano, o indivíduo modificaativamente a situação estimuladora como uma

parte do processo de resposta a ela. Foi atotalidade da estrutura dessa atividadeprodutora do comportamento que Vygotskytentou descrever com o termo "mediação".

Várías são as implicações da abordagemteórica e do método experimental de Vygotsky.A primeira é que os resultados experimentaispodem ser tanto quantitativos comoqualitativos. Descrições detalhadas, baseadasem observações cuidadosas, constituem uma

parte importante dos achados experimentais.Para alguns, esses achados poderiam parecermeramente anedóticos; para Vygotsky, no

Page 16: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 16/92

16

entanto, tais observações, se realizadasobjetivamente e com rigor científico, adquiremstatus de fato confirmado.

Uma outra conseqüência dessa novaabordagem experimental é a ruptura dealgumas das barreiras tradicionais entre osestudos de "laboratório" e de "campo". Dessa

forma, a observação e intervençãoexperimental podem ser executadas numasituação de brinquedo, na escola ou numambiente clínico, freqüentemente tão bemquanto ou melhor do que no laboratório. Asobservações sensíveis e as intervençõesimaginativas relatadas neste livro comprovamessa possibilidade.

Finalmente, ao invés do método clássico, ummétodo experimental que procura traçar a

histór:a do desenvolvimento das funçõespsicológicas alinha-se melhor com os outrosmétodos históricos nas ciências sociais -incluindo a história da cultura e da sociedadeao lado da história da criança. Para Vygotsky,os estudos antropológicos e sociológicos eramcoadjuvantes da observação e experimentaçãono grande empreendimento de explicar oprogresso da consciência e do intelectohumanos.

Page 17: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 17/92

17

 Nota biográfica sobre L. S . Vygotsky

Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu a 5 denovembro de 1896, na cidade de Orsha, nonordeste de Minsk, na Bielo-Rússia.Completou o primeiro grau em 1913, emGomel, com medalha de ouro.

Em 1917, após graduar-se na Universidade deMoscou, com especialização em literatura,começou sua pesquisa literária.

De 1917 a 1923, Vygotsky lecionou literatura epsicologia numa escola em Gomel, ondedirigia também a seção de teatro do centro deeducação de adultos, além de dar muitaspalestras sobre os problemas da literatura e daciência. Durante esse período, Vygotskyfundou a revista literária Verask. Foi aí que

publicou sua primeira pesquisa em literatura,mais tarde reeditada com o título de APsicologia da Arte. Também criou umlaboratório de psicologia no Instituto deTreinamento de Professores, onde dava umcurso de psicologia, cujo conteúdo foipublicado mais tarde, na revista PsicologiaPedagógica.

Em 1924, Vygotsky mudou-se para Moscou,trabalhando primeiro no Instituto dePsicologia, e depois no Instituto de Estudosdas Deficiências, por ele criado. Ao mesmotempo, dirigiu um departamento de educaçãode crianças deficientes físicas e retardadasmentais, em Narcompros ( Comitês Popularesde Educação), além de dar cursos na AcademiaKrupskaya de Educação Comunista, naSegunda Universidade Estadual de Moscou(posteriormente chamada de InstitutoPedagógico Estadual de Moscou) e no InstitutoPedagógico Hertzen, em Leningrado. Entre1925 e 1934, Vygotsky reuniu em torno de sium grande grupo de jovens cientistas, quetrabalhavam nas áreas da psicologia e noestudo das a,normalidades físicas e mentais.Simultaneamente, o interesse pela medicinalevou Vygotsky a fazer o curso de rnedicina,primeiro no Instituto Médico, em Moscou, eposteriormente em Kharkov, onde tambémdeu um curso de psicologia na Academia dePsiconeurologia da Ucrânia. Um pouco antesde sua morte, Vygotsky foi convidado para

dirigir o departamento de psicologia noInstituto Soviético de Medicina Experimental.Morreu de tuberculose em 11 de junho de

1934.

A. R. Luria

Page 18: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 18/92

18

PRIMEIRA PARTETeoria básica e dados experimentais

1. O instrumento e o símbolo nodesenvolvimento da criança

O propósito primeiro deste livro é caracterizar

os aspectos tipicamente humanos docomportamento e elaborar hipóteses de comoessas características se formaram ao longo dahistória humana e de como se desenvolvemdurante a vida de um indivíduo.

Essa análise se preocupará com três aspectosfundamentais:

(1) Qual a relação entre os seres humanos e oseu ambiente físico e social? (2) Quais asformas novas de atividade que fizeram com

que o trabalho fosse o meio fundamental derelacionamento entre o homem e a natureza equais são as conseqüências psicológicas dessasformas de atividade? (3) Qual a natureza dasrelações entre o uso de instrumentos e odesenvolvimento da linguagem? Nenhumadessas questões tem sido adequadamentetratada pelos estudiosos preocupados com aeompreensão da psicologia humana e animal.

Karl Stumpf, um eminente psicólogo alemãodo começo do século XX, baseou seus estudos

num conjunto de premissas completamentediferentes daquelas que empregarei aqui_.Comparou o estudo das crianças à botânica,enfatizando o caráter botânico dodesenvolvimento, que ele àssociava àmaturação do organismo como um todo.

O fato, no entanto, é que a maturação per se éum fator secundário no desenvolvimento dasformas típicas e mais complexas docomportamentn humano. O desenvolvimento

desses comportamentos caracteriza-se portransformações complexas, qualitativas, deuma forma de comportamento em outra (oucomo Hegel diria, uma transformação dequantidade em qualidade). A noção correntede maturação como um processo passivo nãopode descrever, de forma adequada, osfenêmenos complexos. Apesar disso, como A.Gesell acertadamente apontou, continuamosainda a utilizar a analogia botânica em nossadescrìção do desenvolvimento infantil (or

exemplo, dizemos que os primeiros anos deeducação de uma criança ocorrem no "jardimde infância"). Atualmente, vários psicólogos

têm sugerido que esse paradigma botânico sejaabandonado.

Em resposta a essa crítica, a psicologiamoderna subiu um degrau na explicaçãocientífica adotando modelos zoológicos comobase de uma nova abordagem geral nacompreensão do desenvolvimento infantil. De

prisioneira da botânica, a psicologia infantiltorna-se, agora, encantada pela zoologia. Asobservações em que esses modelos se baseiamprovêm quase que inteiramente do reinoanimal, e as tentativas de respostas para asquestões sobre as crianças são procuradas naexperimentação animal. Observa-se que tantoos resultados dessa experimentação, como opróprio procedimento para obtê-los, estãosendo transpostos dos laboratórios deexperimentação animal para as creches.

Essa convergência entre a psicologia animal e apsicologia da criança contribuiu de formaimportante para o estudo das bases biológicasdo comportamento humano. Muitos pontos deunião entre o comportamento animal e o dacriança têm sida estabelecidos, em particularno estudo dos processos psicológicoselementares. Como conseqüência, no entanto,surge um paradoxo.

Quando estava em moda o paradigmabotânico, os psicólogos enfatizavam o carátersingular das funções psicológicas superiores eda dificuldade de estudá-los por métodosexperimentais. Porém, a abordagem zoológicados processos intelectuais superiores aquelesque são caracteristicamente humanos - levouos psicólogos a interpretá-los não mais comoalgo singular e sim como uma extensão diretados processos correspondentes nos animaisinferiores. Essa maneira de teorizar apareceparticularmente na análise da inteligênciaprática das crianças, cujo aspecto maisimportante é o uso de instrumentos.

 A inteligência prática nos animais e nas crianças

No estudo da inteligência prática éparticularmente importante o trabalho deWolfgang Kohler (3). Muitos dos seusexperimentos foram feitos com macacosantropóides, durante a Primeira Guerra

Mundial e, por vezes, ele comparou algumasde suas observações do comportamento dechimpanzés com alguns particulares de

Page 19: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 19/92

19

respostas em crianças. Essa analogia diretaentre a inteligência prática na criança erespostas similares apresentadas por macacostornou-se o princípio-guia do trabalhoexperimental nesse campo.

A pesquisa de K. Buhler procurou, também,estabelecer similaridades entre crianças e

macacos antropóides (4). Ele estudou aapreensão manual de objetos por criançaspequenas, sua capacidade de usar viasalternativas quando da consecução de umobjetivo e o uso que elas fazem deinstrumentos primitivos. Essas observações,

 juntamente com o seu experimento clássico noqual solicitava a crianças pequenas quetirassem um anel de um bastão, ilustram umaabordagem muito parecida com a de Kohler.Buhler considerava que as manifestações deinteligência prática em crianças eramexatamente do mesmo tipo daquelasconhecidas em chimpanzés. De fato, há umafase na vida da criança que Buhler chamou de"idade de chimpanzé" (p. 48). Uma criança queele estudou com dez meses de idade foi capazde puxar um cordão para obter um biscoitoamarrado a ele. A capacidade de retirar umanel de um bastão, deslizando-o verticalmente,ao invés de tentar puxá-lo lateralmente, nãoaparece até a metade do segundo ano de vida.Embora esses experimentos tenham sidointerpretados como um apoio para a analogiaentre crianças e macacos, também fizeram comque Buhler descobrisse, como será explicadoem seções posteriores, que o início dainteligência prática na criança (que elechamava de "raciocínio técnico"), assim comono chimpanzé, é independente da fala.

As observações detalhadas de crianças duranteo primeiro ano de vida, feitas por Charlotte

Buhler, vieram apoiar essa conclusão". C.Buhler já encontrou as primeiras manifestaçõesde inteligência prática em crianças de 6 mesesde idade. Entretanto, não é somente o uso deinstrumentos que se desenvolve nesse pontoda história de uma criança; desenvolvem-setambém os movimentos sistemáticos, apercepção, o cérebro e as mãos - na verdade, oseu organismo inteiro. Em conseqüência, osistema de atividade da criança é determinadoem cada estágio específico, tanto pelo seu grau

de desenvolvimento orgânico quanto pelograu de domínio no uso de instrumentos.

Foi K. Buhler quem estabeleceu o princípio,importante para o estudo do desenvolvimento,de que os primeiros esboços da fala inteligentesão precedidos pelo raciocnio técnico e estecostitui a fase inicial do desenvolvimentocognitivo. A sua ênfase nos aspectos docomportamento das crianças semelhantes aos

do chimpanzé tem sido seguida por outros. Éna extrapolação dessa idéia que os perigos dosmodelos zoológicos e de analogias entre oscomportamentos humano e animal encontramsua mais clara expressão. São insignificantes aspossibilidades de erro em pesquisas sobre operíodo pré-verbal do desenvolvimentoinfantil, como as feitas por Buhler. No entanto,as suas conclusões, extraídas de seu trabalhocom crianças muito pequenas, sãoquestionáveis, articularmente a sua afirmação

de que "os sucessos obtidos pelos chimpanzéssão completamente independentes dalinguagem e, no caso do ser humano, mesmomais tardiamente na vida, o raciocínio técnicoou o raciocínio em termos de instrumentos,está longe de vincular-se à linguagem e aconceitos, diferentemente de outras formas deraciocínio". (7) Buhler partiu do pressuposto deque as relações entre a inteligência prática e afala que caracterizam a criança de dez mesesde idade permanecem intactas por toda a vida.

Essa análise, postulando a independência entreação inteligente e fala, opõe-se diretamente aosnossos achados, que, ao contrário, revelamuma integração entre fala e raciocínio práticoao longo do desenvolvimento.

Shapiro e Gerke oferecem uma análiseimportante do desenvolvimento do raciocínioprático em crianças, baseando-se emexperimentos inspirados nos estudos deKohler sobre solução de problemas por

chimpanzés. Afirmam que o raciocínio práticoda criança apresenta alguns pontossemelhantes com o pensamento adulto,diferindo em outros, além de enfatizarem opapel dominante da experiência social nodesenvolvimento humano. De acordo com suavisão, a experiênzia social exerce seu papelatravés do processo de imitação; quando acriança imita a forma pela qual o adulto usainstrumentos e manipula objetos ela estádominando o verdadeiro princípio envolvido

numa atividade particular. Eles sugerem queas ações, quando repetidas, acumulam-se,umas sobre as oufras sbrepondo-se como

Page 20: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 20/92

20

numa fotografia de exposição múltipla; ostraços comuns tornam-se nítidos e asdiferenças tornam-se borradas. O resultado é acristalização de um esquema, um princípiodefinido de atividade. A criança, à medida quese torna mais experiente, adquire um númerocada vez maior de modelos que ela

compreende. Esses modelos representam umesquema cumulativo refinado de todas asações similares, ao mesmo tempo queconstituem um plano preliminar para váriostipos possíveis de ação a se realizarem nofuturo.

Entretanto, essa noção de adaptação deShapiro e Gerke está por demais ligada àconcepção mecanicista de repetição. Para eles,à experiência social cabe somente o papel deprover a criança com esquemas motores; nãolevam em consideração as mudanças queocorrem na estrutura interna das operaçõesintelectuais da criança. Na sua descrição dosprocessos infantis de solução de problemas, noentanto, os autores são forçados a assinalar"um papel especial preenchido pela fala" nosesforços adaptativos e práticos da criança emcrescimento. Mas a sua descrição desse papel éum pouco estranha. "A fala", dizem eles,"compensa e substitui a adaptação real; ela nãoserve como elemento de ligação com aexperiência passada, servindo, simplesmente auma adaptação puramente social que éatingida através do experimentador". Essaanálise não leva em conta a contribuição dafala para o desenvolvimento de uma novaorganização estrutural da atividade prática.

Guillaume e Meyerson oferecem-nosconclusões diferentes quanto ao papel da falana geração das formas tipicamente humanasde comportamento". A partir de seus

experimentos extremamente interessantessobre o uso de instrumentos entre os macacosantropóides, eles concluíram que os métodosutilizados por esses animais para realizar umadeterminada tarefa são similares em princípio,e coincidem, em certos pontos essenciais, comaqueles usados por pessoas afásicas (isto é,indivíduos privados da fala). Seus achadosapóiam minha suposição de que a fala tem umpapel essencial na organização das funçõespsicológicas superiores (10).

Esses exemplos experimentais levam-nos devolta ao começo de nossa revisão das teorias

psicológicas do desenvolvimento infantil. Osexperimentos de Buhler indicam que aatividade prática da criança pequena, antes dodesenvolvimento da fala, é idêntica àquela demacacos antropóides, e Guillaume e Meyersonsugerem que o comportamento desses animaisé semelhante àquele observado em pessoas

privadas da fala. Ambas as linhas de trabalholevam-nos a focalizar nossa atenção sobre aimportância de compreender a atividadeprática das crianças quando na idade decomeçar a falar. Meu trabalho, assím como demeus colaboradores, está dirigido para essesmesmos problemas. No entanto, nossaspremissas diferem daquelas dos pesquisadorescitados acima.

Nossa preocupação primeira é descrever eespecificar o desenvolvimento daquelasformas de inteligência prática especificamentehumanas.'

 A relação entre a fala e o uso de instrumentos

Em seus experimentos clássicos com macacos,Kohler demonstrou a inutilidade da tentativade se desenvolver em animais as formas maiselementares de operações com signos esimbólicas.

Ele concluiu que o uso de instrumentos entremacacos antropóides é independente daatividade simbólica. Tentativas adicionais dedesenvolver uma fala produtiva nessesanimais produziram, também, resultadosnegativos. Esses experimentos mostraram,uma vez ma,is, que o comportamentopropositado dos animais independe da fala oude qualquer atividade utilizadora de signos.

O estudo do uso de instrumentos isolado do

uso de signos, é habitual em trabalhos depesquia sobre a história natural do intelectoprático, assim como no pro_edimento depsicólogos que estudaram o desenvoTvimentodos processos simbólicos na criança:Conseqüentemente, a origem e odesenvolvimento da fala e de todas as outrasatividades que usam signos foram tratadoscomo independentes da organização daatividade prática na criança. Os psicólogospreferiram estudar o desenvolvimento do uso

de signos como um exemplo de intelecto puro,e não como o produto da história dodesenvolvimento da criança. Freqüentemente

Page 21: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 21/92

21

atribuiram o uso de signos à descobertaespontânea, pela criança, da relação entresignos e seus significados. Como W. Sternzfirmava, o reconhecimento do fato de queesses signos verbais têm significado constitui"a maior descoberta da vida da criança" (11).Vários autores localizam esse "momento" feliz

na transição entre o primeiro e o segundo ano,considerando-o como produto da atividademental da criança. Um exame detalhado dodesenvolvimento da fala e de outras formas deuso de signos era considerado desnecessário.Ao invés disso, tem-se admitido que a menteda criança contém todos os estágios do futurodesenvolvimento intelectual; eles existem já nasua forma completa, esperando o momentoadequado para emergir.

Assumia-se não somente que inteligênciaprática e fala tinham origens diferentes, comotambém considerava-se a sua participaçãoconjunta em operações comuns como nãotendo importância psicológica básica ( comono trabalho de Shapiro e Gerke ). Mesmoquando o uso de instrumentos e a fala estavamintimamente ligados numa determinadaoperação, eles eram estudados como processosseparados e pertencentes a duas classescompletamente diferentes de fenômenos. Namelhor das hipóteses, a sua ocorrênciasimultânea era considerada como umaconseqüência de fatores externos fortuitos.

Tanto os estudiosos da inteligência práticacomo os estudiosos do desenvolvimento dafala freqüentemente não reconhecem oembricamento entre essas duas funções.Conseqüentemente, o comportamentoadaptativo das crianças e a atividade de uso designos são tratados como fenômenos paralelos- uma visão que leva ao conceito de fala

"egocêntrica" de Piaget (12). Ele não atribuipapel importante à fala na organização daatividade infantil, como também não enfatizasuas funções de comunicação, embora sejaobrigado a admitir sua importância prática.

Embora a inteligência prática e o uso de signospossam operar independentemente emcrianças pequenas, a unidade dialética dessessistemas no adulto humano constitui averdadeira essência no comportamento

humano complexo. Nossa análise atribui àatividade simbólica uma função organizadoraespecífica que invade o processo do uso de

instrumento e produz formasfundamentalmente novas de comportamento.

 A interação social e a transformação da atividade prática

Tomando por base a discussão apresentada na

seção anterior e ilustrada pelo trabalhoexperimental a ser descrito a seguir, pode-setirar a seguinte conclusão: o momento demaior significado no curso dodesenvolvimento inteLectual, que dá origem àsformas puramente humanas de inteligênciaprática e abstrata, acontece quando a fala e aatividade prática, então duas linhascompletamente independentes dedesenvolvimento, convergem.

Embora o uso de instrumentos pela criançadurante o período pré-verbal seja comparávelàquele dos macacos antropóides, assim que afala e o uso de signos são incorporados aqualquer ação, esta se transforma e se organizaao longo de linhas inteiramente novas. Realiza-se, assim, o uso de instrumentosespecificamente humano, indo além do usopossível de instrumentos, mais limitado, pelosanimais superiores.

Antes de controlar o próprio comportamento,

a criança começa a controlar o ambiente com aajuda da fala. Isso produz novas relações como ambiente, além de uma nova organização dopróprio comportamentó. A criação dessasformas caracteristicamente humanas decomportamento produz, mais tarde, ointelecto, e constitui a base do trabalhoprodutivo: a forma especificamente humanado uso de instrumentos.

A observação de crianças numa situação

similar àquela dos macacos de Kohler mostraque elas não s6 agem na tentativa de atingirseu objetivo como também falam. Como regra,essa fala surge espontaneamente e continuaquase sem interrupção por todo oexperimento. Ela aumenta em intensidade etorna-se mais persistente toda vez que asituação se torna mais complicada e o objetivomais difícil de ser atingido. Qualquer tentativade bloqueá-la (como mostraram osexperimentos do meu colaborador R.E. Levina)

ou é inútil ou provoca uma "paralisação" dacriança.

Page 22: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 22/92

22

Levina propôs alguns problemas práticos paracrianças de 4 e 5 anos, como, por exemplo,pegar um doce num armário. O doce estavafora do alcance direto da criança.À medida quea criança se envolvia cada vez mais natentativa de obter o doce, a fala "egocêntrica"começava a manifestar-se como parte de seu

esforço ativo. Inicialmente, a verbalizaçãoconsistia na descrição e análise da situação,adquirindo, aos poucos o caráter de"planejamento", expressando possíveiscaminhos para a solução do problema.Finalmente, ela passava a ser incluída comoparte da própria solução. Por exemplo, pediu-se a uma menina de quatro anos e meio quepegasse o doce usando como possíveisinstrumentos um banco e uma vara. Adescrição de Levina é a seguinte:

(parada ao lado de um banco, olhando e, com avara, tentanto sentir algo sobre o armário.)"Subir no banco." (Olha para oexperimentador, muda a vara de mão. )"Aquilo é mesmo um doce?" (Hesita.) "Euposso pegá-lo com aquele outro banco, subo epego." (Pega o outro banco.) "Não, não dá. Eupoderia usar a vara." (Pega a vara e esbarra nodoce. ) "Ele vai se mexer agora." (Acerta odoce.) "Moveu-se, eu não consegui.pegá-locom o banco, mas a vara funcionou." (13)Nessas circunstâncias parece que é natural enecessário para a criança falar enquanto age.

No nosso laboratório observamos que a falanão só acompanha a atividade prática como,também, tem um papel específico na suarealização. Nossos experimentosdemonstraram dois fatos importantes:

(1) A fala da criança é tão importante quanto aação para atingir um objetivo. As crianças nãoficam simplesmente falando o que elas estãofazendo; sua fala e ação fazem parte de umamesma função psicológica complexa, dirigidapara a solução do problema em questão.

(2) Quanto mais complexa a ação exigida pelasituação e menos direta a solução, maior aimportância que a fala adquire na operaçãocomo um todo. As vezes a fala adquire umaimportãncia tão vital que, se não for permitidoseu uso, as crianças pequenas não são capazesde resolver a situação.

Essas observações me levam a concluir que ascrianças resolvem suas tarefas práticas com a

ajuda da fala, assim como dos olhos e dasmãos. Essa unidade de percepção, fala e ação,que, em última instância, provoca ainternalização do campo visual, constitui oobjeto central de qualquer análise da origemdas formas caracteristicamente humanas decomportamento.

Para desenvolver o primeiro desses pontosdevemos indagar: o que realmente distingue asações de uma criança que fala das ações de ummacaco antropóide, na solução de problemaspráticos?

A primeira coisa que impressiona oexperimentador é a liberdadeincomparavelmente maior das operações dascrianças, a sua maior independência emrelação à estrutura da situação visual concreta.

As crianças, com a ajuda da fala, criam maiorespossibilidades do que aquelas que os macacospodem realizar com a ação. Uma manifestaçãoimportante dessa maior flexibilidade é que acriança é capaz de ignorar a linha direta entreo agente e o objetivo. Ao invés disso, ela seenvolve em vários atos preliminares, usando oque chamamos de métodos instrumentais oumediados (indiretos). No processo de soluçãode um problema a criança é capaz de incluirestímulos que não estão contidos no seu

campo visual imediato. Usando palavras (umaclasse desses estímulos) para criar um plano deação específico, a criança realiza umavariedade muito maior de atividades, usandocomo instrumentos não somente aquelesobjetos à mão, mas procurando e preparandotais estímulos de forma a torná-los úteis para asolução da questão e para o planejamento deações futuras.

Em segundo lugar, as operações práticas deuma criança que pode falar tornam-se muitomenos impulsivas e espontâneas do que as dosmacacos. Esses, tipicamente, realizam umasérie de tentativas descontroladas de resolver oproblema em questão. Diferentemente. acriança que usa a fala divide sua atividade emduas partes consecutivas. Através da fala, elaplaneja como solucionar o problema e entãoexecuta a solução eiaborada através de umaatividade visível. A manipulação direta ésubstituída por um processo psicológico

complexo através do qual a motivação interiore as intenções, postergadas no tempo,estimulam o seu próprio desenvolvimento e

Page 23: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 23/92

23

realização. Essa forma nova de estruturapsicológica não existe nos macacosantropóides, nem mesmo em formasrudimentares.

Finalmente, é muito importante observar que afala, além de facilitar a efetiva manipulação deobjetos pela criança, controla, também, o

comportamento da própria criança. Assim,com a ajuda da fala, as crianças,diferentemente dos macacos, adquirem acapacidade de ser tanto sujeito como objeto deseu próprio comportamento.

A investigação experimental da falaegocêntrica de crianças envolvidas ematividades, como àquelas descritas por Levina,produziu o segundo fato de grandeimportância demonstrado por nossos

experimentos: a quantidade relativa de falaegocêntrica, medida pelo método de Piaget,aumenta em relação direta com a dificuldadedo problema prático enfrentado pela criança(14). Tomando por base esses experimentos, eue meus colaboradores desenvolvemos ahipótese de que a fala egocêntrica das criançasdeve ser vista como uma forma de transiçãoentre a fala exterior a interior. Funcionalmente,a fala egocêntrica é a base para a fala interior,enquanto que na sua forma externa está

incluída na fala comunicativa.Uma maneira de aumentar a produção de falaegocêntrica é complicar a tarefa de tal formaque a criança não possa usar, de forma direta,os instrumentos para solucioná-la. Diante detal desafio, aumenta o uso emocional daiinguagem pelas crianças, assim comoaumentam seus esforços no sentido de atingiruma solução mais inteligente, menosautomática. Elas procuram verbalmente umnovo plano de ação, e a sua verbalização revelaa conexão íntima entre a fala egocêntrica e asocializada. Isso é melhor notado quando oexperimentador deixa a sala ou não respondeaos apelos de ajuda das crianças. Uma vezimpossibilitadas de se engajar numa falasocial, as crianças, de imediato, envolvem-sena fala egocêntrica.

Enquanto nessa situação a inter-relação dessasduas funções da linguagem é evidente, éimportante lembrar que a fala egocêntrica está

ligada à fala social das crianças através demuitas formas de transição. O primeiroexemplo significativo dessa ligação entre essas

duas funções da linguágem é o que ocorrequando as crianças descobrem que sãoincapazes de resolver um problema por simesmas. Dirigem-se então a um adulto e,verbalmente, hescrevem o método que,sozinhas, não foram capazes de colocar emação. A maior mudança na capacidade das

crianças para usar a linguagem como uminstrumento para a solução de problemasacontece um pouco mais tarde no seudesenvolvimento, no momento em que a falasocializada (que foi previamente utilizada paradirigir-se a um adulto) é internalizada. Aoinvés de apelar para o adulto, as criançaspassam a apelar a si mesmas; a linguagempassa, assim, a adquirir uma funçãointrapessoal além do seu uso interpessoal. Nomomento em que as crianças desenvolvem um

método de comportamento para guiarem a simesmas, o qual tinha sido usado previamenteem relação a outra pessoa, e quando elasorganizam sua própria atividade de acordocom uma forma social de comportamento,conseguem, com sucesso, impor a si mesmasuma atitude social. A história do processo deinternalização da jala social é também ahistória da socialização do intelecto prático dascrianças.

A relação entre fala e ação é dinâmica nodecorrer do desenvolvimento das crianças. Arelação estrutural pode mudar mesmo duranteum experimento. A mudança crucial ocorre daseguinte maneira: num primeiro estágio, a falaacompanha as ações da criança e reflete asvicissitudes do processo de solução doproblema de uma forma dispersa e caótica.Num estágio posterior, a fala desloca-se cadavez mais em direção ao início desse processo,de modo a, com o tempo, vreceder a ação. Ela

funciona, então, como um auxiliar de umplano já concebido mas não realizado, ainda, anível comportamental. Uma analogiainteressante pode ser encontrada na fala dascrianças enquanto desenham (veja, também, ocapítulo 8).

As crianças pequenas dão nome a seusdesenhos somente após completá-los; elas têmnecessidade de vêlos antes de decidir o queeles são. æ medida que as crianças se tornammais velhas, elas adquirern a capacidade de

decidir previamente o que vão desenhar. Essedeslocamento temporal do processo de

Page 24: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 24/92

24

nomeação significa uma mudança na funçãoda fala.

Inicialmente a fala segue a ação, sendoprovocada e dominada pela atividade.Posteriormente, entretanto, quando a fala sedesloca para o início da atividade, surge umanova relação entre palavra e ação. Nesse

instante a fala dirige, determina e domina ocurso da ação; surge a função vlanejadora dafala, além da função já existente da linguagem,de refletir o mundo exterior (15).

Assim como um molde dá forma a umasubstância, as palavras podem moldar umaatividade dentro de uma determinadaestrutura. Entretanto, essa estrutura pode, porsua vez, ser mudada e reformada quando ascrianças aprendem a usar a linguagem de um

modo que lhes permita ir além dasexperiências prévias ao planejar uma açãofutura. Em contraste com a noção dedescoberta súbita, popularizada por Stern,concebemos a atividade intelectual verbalcomo uma série de estágios nos quais asfunções emocionais e comunicativas da falasão ampliadas pelo acréscimo da funçãoplanejadora. Como resultado a criança adquirea capacidade de engajar-se em operaçõescomplexas dentro de um universo temporal.

Diferentemente dos macacos antropóides, que,segundo Kohler, são "os escravos do seupróprio campo de visão", as crianças adquiremindependência em relação ao seu ambienteconcreto imediato; elas deixam de agir emfunção do espaço imediato e evidente. Umavez que as crianças aprendem a usar,efetivamente, a função planejadora de sualinguagem, o seu campo psicológico mudaradicalmente. Uma visão do futuro é, agora,parte integrante de suas abordagens aoambiente imediato. Em capítulossubseqüentes, descreverei com mais detalhes odesenvolvimento de algumas dessas funçõespsicológicas centrais.

Resumindo o que foi dito até aqui nesta seção:a capacitação especificamente humana para alinguagem habilita as crianças aprovidenciarem instrumentos auxiliares nasolução de tarefas difíceis, a superar a açãoimpulsiva, a planejar uma solução para um

problema antes de sua execução e a controlarseu próprio comportamento. Signos e palavrasconstittzem para as crianças, primeiro e acima

de tudo, um meio de contato social com outraspessoas. As funções cognitivas e comunicativasda linguagem tornam-se, então, a base de umaforma nova e superior de atividade nascrianças, distinguindo-as dos animais.

As mudanças que descrevi não ocorrem demaneira unidimensional e regular. Nossa

pesquisa mostrou que crianças muitopequenas solucionam problemas usando umacombinação singular de processos. Emcontraste com os adultos, que reagemdiferentemente a objetos e a pessoas, ascrianças pequenas muito provavelmentefundirão ação e fala em resposta tanto a objetosquanto a seres sociais. Essa fusão da atividadeé análoga ao sincretismo na percepção,descrito por muitos psicólogos dodesenvolvimento.

A irregularidade à qual estou me referindo éclaramente observada numa situação em quecrianças pequenas, quando incapazes deresolver facilmente o problema colocado,combinam tentativas diretas de obter o fimdesejado com uma confiança e dependência nafala emocional. às vezes, a fala expressa osdesejos da criança; outras vezes, ela adquire opapel de substituto para o ato real de atingir oobjetivo. A criança pode tentar solucionar o

problema através de formulaçõec verbais e porapelos ao experimentador. Essa combinação dediferentes formas de atividades parecia-nos, aprincípio, confusa; no entanto, observaçõesadicionais direcionaram nossa atenção parauma seqüência de ações que tornou claro osignificado do comportamento das crianças emtais circunstâncias. Por exemplo, após realizarvárias ações inteligentes e inter-relacionadasque poderiam ajudá-la a solucionar comsucesso um determinado problema,

subitamente a criança, ao defrontar-se comuma dificuldade, cessa todas as tentativas epede ajuda ao experimentador. Qualquerobstáculo aos esforços da criança parasolucionar o problema pode interromper suaatividade. O apelo verbal da criança a outrapessoa constitui um esforço para preencher ohiato que a sua atividade apresentou.

Ao fazer uma pergunta, a criança mostra que,de fato, formulou um plano de ação para

solucionar o problema em questão, mas que éincapaz de realizar todas as operaçõesnecessárias.

Page 25: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 25/92

25

Através de experiências repetidas, a criançaaprende, de forma não expressa(mentalmente), a planejar sua atividade. Aomesmo tempo ela requisita a assistência deoutra pessoa, de acordo com as exigências doproblema proposto. A capacidade que acriança tem de controlar o comportamento de

outra pessoa torna-se parte necessária de suaatividade prática.

Inicialmente, esse processo de solução doproblema em conjunto com outra pessoa não édiferenciado pela criança no que se refere aospapéis desempenhados por ela e por quem aajuda; constitui um todo geral e sincrético.Mais de uma vez observamos que, durante oprocesso de solução de um problema, ascrianças se confundem, porque começam afundir a lógica do que elas estão fazendo com alógica necessária para resolver o problema coma cooperação de outra pessoa. Algumas vezesa ação sincrética se manifesta quando ascrianças constatam a ineficácia total dos seusesforços diretos para solucionar o problema.Como no exemplo mostrado no trabalho deLevina, as crianças se dirigem para os objetosde sua atenção tanto com palavras como com oinstrumento, determinando a uniãofundamental e ínseparável entre fala e ação naatividade da criança; essa união torna-separticularmente clara quando comparada coma separação desses processos nos adultos.

Em resumo, quando as crianças se confrontamcom um problema um pouco mais complicadopara elas, apresentam uma variedadecomplexa de respostas que incluem:

tentativas diretas de atingir o objetivo, uso deinstrumentos, fala dirigida à pessoaque.conduz o experimento ou fala quesimplesmente acompanha a ação e apelosverbais diretos ao objeto de sua atenção.

Quando analisado dinamicamente, esseamálgama de fala e ação tem uma funçãomuito específica na história dodesenvolvimento da criança;

demonstra, também, a lógica da sua própriagênese. Desde os primeiros dias dodesenvolvimento da criança, suas atividadesadquirem um significado próprio num sistemade comportamento social e, sendo dirigidas aobjetivos definidos, são refratadas através doprisma do ambiente da criança. O caminho do

objeto até a criança e desta até o objeto passaatravés de outra pessoa. Essa estruturahumana complexa é o produto de um processode desenvolvimento profundamente enraizadonas ligações entre história individual e históriasocial.

2 - O desenvolvimento da percepção e daatenção

A relação entre o uso de instrumentos e a falaafeta várias funções psicológicas, em particulara percepção, as operações sensório-motoras e aatenção, cada uma das quais é parte de umsistema dinâmico de comportamento.Pesquisas experimentais do desenvolvimentoindicam que as conexões e relações entrefunções constituem sistemas que se modificam,

ao longo do desenvolvimento da criança, tãoradicalmente quanto as próprias funçõesindividuais. Considerando uma das funções decada vez, examinarei como a fala introduzmudanças qualitativas na sua forma e na suarelação com as outras funções.

O trabalho de Kohler enfatizou a importânciada estrutura do campo visual na organizaçãodo comportamento prático de macacosantropóides. A totalidade do processo de

solução de problemas foi, essencialmente,determinada pela percepção. Quanto a isso,Kohler tinha muitas evidências para acreditarque esses animais eram muito mais limitadospelo seu campo sensorial do que os adultoshumanos. São incapazes de modificar o seucampo sensorial através de um esforçovoluntário. De fato, talvez fosse útil encararcomo regra geral a dependência de todas asformas naturais de percepção em relação àestrutura do campo sensorial.

Entretanto, a percepção de uma criança,porque ela é um ser humano, não sedesenvolve como uma continuidade direta eaperfeiçoada das formas de percepção anirnal,nem mesmo daqueles animais que estão maispróximos da espécie humana. Experimentosrealizados para esclarecer esse problema,levaram-nos a descobrir algumas leis básicasque caracterizam as formas humanassuperiores de percepção.

O primeiro conjunto de experimentosrelacionou-se aos estágios do desenvolvimentoda percepção de figuras pelas crianças.

Page 26: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 26/92

26

Experimentos similares, descrevendo aspectosespecíficos da percepção em crianças pequenase sua dependência de mecanismos psicológicossuperiores, foram realizados anteriormente porBinet, e analisados em detalhe por Stern (1).Ambos observaram que a maneira pela qualcrianças pequenas descrevem uma figura

difere em estágios sucessivos de seudesenvolvimento. Uma criança com dois anosde idade, comumente limita sua descrição aobjetos isolados dentro do conjunto da figura.Crianças mais velhas descrevem ações eindicam as relações complexas entre osdiferentes objetos de uma figura. A partirdessas observações, Stern nferiu que o estágioem que as crianças percebem objetos isoladosprecede o estágio em que elas percebem açõese relações, além dos próprios objetos, ou seja,

quando elas são capazes de perceber a figuracomo um todo. Entretanto, várias observaçõespsicológicas sugerem que os processosperceptivos da criança são inicialmentefundidos e só mais tarde se tornam maisdiferenciados.

Nós solucionamos a contradição entre essasduas posições através de um experimento quereplicava o estudo de Stern sobre as descriçõesde figuras por crianças. Nesse experimentopedíamos às crianças que procurassemcomunicar o conteúdo de uma figura sem usara fala.

Sugeríamos que a descrição fosse feita pormímica. A criança com dois anos de idade,que, de acordo com o esquema de Stern, aindaestá na fase do desenvolvimento da percepçãode "objetos" isolados, percebe os aspectosdinâmicos da figura e os reproduz comfacilidade por mímica. O que Stern entendeuser uma característica das habilidades

perceptuais da criança provou ser, na verdade,um produto das limitações dodesenvolvimento de sua linguagem ou, emoutras palavras, um aspecto de sua perceloçãoverbalizada.

Um conjunto de observações correlatas revelouque a rotulação é a função primária da fala nascrianças pequenas. A rotulação capacita acriança a escolher um objeto específico, isolálode uma situação global por ela percebida

simultaneamente; entretanto, a criançaenriquece suas primeira palavras com gestosmuito expressivos, que compensam sua

dificuldade em comunicar-se de formainteligível através da linguagem. Pelaspalavras, as crianças isolam elementosindividuais, superando, assim, a estruturanatural do campo sensorial e formando novos(introduzidos artificialmente e dinâmicos)centros estruturais. A criança começa a

percebez- o mundo não somente através dosolhos, mas também através da fala. Comoresultado, o imediatismo da percepção"natural" é suplantado por um processocomplexo de mediação; a fala como tal torna-separte essencial do desenvolvimento cognitivoda criança.

Mais tarde, os mecanismos intelectuaisrelacionados à fala adquirem uma novafunção; a percepção verbalizada, na criança,não mais se limita ao ato de rotular. Nesseestágio seguinte do desenvolvimento, a falaadquire uma função sintetizadora, a qual, porsua vez, é instrumental para se atingiremformas mais complexas da percepçãocognitiva. Essas mudanças conferem àpercepção humana um caráter inteiramentenovo, completamente distinto dos processosanálogos nos animais superiores.

O papel da linguagem na percepção ésurpreendente, dadas as tendências opostas

implícitas na natureza dos processos depercepção visual e da linguagem. Elementosindependentes num campo visual sãopercebidos simultaneamente; nesse sentido, apercevção visual é integral. A fala, por outrolado, requer um processamento seqüencial. Oselementos, separadamente, são rotulados e,então, conectados numa estrutura de sentença,tornando a fala essencialmente analitica.

Nossa pesquisa mostrou que, mesmo nosestágios mais precoces do desenvolvimento,linguagem e percepção estão ligadas. Nasolução de problemas não verbais, mesmo queo problema seja resolvido sem a emissão denenhum som, a linguagem tem um papel noresultado. Esses achados substanciam a tese dalingüística psicológica, como a formuladamuitos anos atrás por A. Potebnya, quedefendia a inevitável interdependência entre opensamento humano e a linguagem (2).

Um aspecto especial da percepção humana -

que surge em idade muito precoce - é apercevção de objetos reais. Isso é algo que nãoencontra correlato análogo na percepção

Page 27: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 27/92

27

animal. Por esse termo eu entendo que omundo não é visto simplesmente em cor eforma, mas também como um mundo comsentido e significado.

Não vemos simplesmente algo redondo e pretocom dois ponteiros; vemos um relógio epodemos distinguir um ponteiro do outro.

Alguns pacientes com lesão cerebral dizem,quando vêem um relógio, que estão vendoalguma coisa redonda e branca com duaspequenas tiras de aço, mas são incapazes dereconhecê-lo como um relógio; tais pessoasperderam seu relacionamento real com osobjetos. Essas observações sugerem que todapercepção humana consiste em percepçõescategorizadas ao invés de isoladas.

A transição, no desenvolvimento para formas

de comportamento qualitativamente novas,não se restringe a mudanças apenas napercepção. A percepção é parte de um sistemadinâmico de comportamento; por isso, arelação entre as transformações dos processosperceptivos e as transformações em outrasatividades intelectuais é de fundamentalimportância. Esse ponto é ilustrado por nossosestudos sobre o comportamento de escolha,que mostram a mudança na relação entre apercepção e a ação motora em crianças

pequenas.

Estudos do comportamento de escolha em crianças

Pedimos a crianças de quatro e cinco anos deidade que pressionassem uma de cinco teclasde um teclado assim que identificassem cadauma de uma série de figuras-estímulo, cadauma correspondendo a uma tecla. Como essatarefa excede a capacidade das crianças, elaprovoca sérias dificuldades e exige esforçointenso para solucionar o problema. Oresultado mais notável talvez seja que todo oprocesso de seleção pela criança é eterno econcentrado na esfera motora, permitindo aoexperimentador observar nos movimentos dacriança a verdadeira natureza do próprioprocesso de escolha. A criança realiza suaseleção à medida que desenvolve qualquer umdos movimentos que a escolha requer.

A estrutura do processo de decisão na criança

nem de longe se assemelha àquela do adulto.Os adultos tomam uma decisão preliminar

internamente e, em seguida, levam adiante aescolha na forma de um único movimento quecoloca o plano em execução. A escolha dacriança parece uma seleção dentre seuspróprios movimentos, de certa formaretardada. As vacilações na percepçãorefletem-se diretamente na estrutura do

movimento. Os movimentos da criança sãorepletos de atos motores hesitantes e difusosque se interrompem e recomeçam,sucessivamente. Passar os olhos por umgráfico dos movimentos de uxna criança ésuficiente para qualquer um se convencer danatureza motora básica do processo.

A principal diferença entre os processos deescolha no adulto e na criança é que, nesta, asérie de movimentos tentativos constitui opróprio processo de seleção. A criança nãoescolhe o estímulo (a tecla necessária) comoponto de partida para o movimentoconseqüente, mas seleciona o movimento,comparando o resultado com a instrução dada.

Dessa forma, a criança resolve sua escolha nãoatravés de um processo direto de percepçãovisual, mas através do movimento; hesitandoentre dois estímulos, seus dedos pairam sobreo teclado, movendo-se de uma tecla paraoutra, parando a meio caminho e voltando.

Quando a criança transfere sua atenção paraum outro lugar, criando dessa forma um novofoco na estrutura dinâmica de percepção, suamão, obedientemente, move-se em direção aesse novo centro, junto com seus olhos. Emresumo, o movimento não se separa dapercepção: os processos coincidem quase queexatamente.

No comportamento dos animais superiores, apercepção visual constitui, de forma

semelhante, parte de um todo mais complexo.O macaco antropóide não percebe a situaçãovisual passivamente; uma estruturacomportamental complexa consistindo defatores reflexos, afetivos, motores e intelectuaisé dirigida no sentido de obter o objeto que oatrai.

Seus movimentos constituem uma combinaçãodinâmica imediata de sua percepção. Nascrianças, essa resposta inicial é difusamenteestruturada, sofrendo uma mudançafundamental tão logo funções psicológicasmais complexas sejam utilizadas no processo

Page 28: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 28/92

28

de escolha. O processo natural encontrado nosanimais é, então, transformado numa operaçãopsicológica superior.

Em seguida ao experimento descríto acima,tentamos simplificar a tarefa de seleçãomarcando cada tecla com um sinalcorrespondente, com o objetivo de servir como

estímulo adicional que poderia dirigir eorganizar o processo de escolha. Pedia-se àcriança que, assim que aparecesse o estímulo,apertasse a tecla marcada com o sinalcorrespondente. As crianças de cinco ou seisanos já são perfeitamente capazes de realizaressa tarefa com facilidade. A inclusão dessenovo elemento mudou radicalmente aestrutura do processo de escolha. A operaçãoelementar "natural" é substituída por umaoperação nova e mais complicada. A tarefamais fácil de resolver evoca uma respostaestruturada de forma mais complexa. Quandoa criança presta atenção ao signo auxiliar como objetivo de encontrar a tecla correspondenteao estímulo dado, ela não mais apresentaaqueles impulsos motores que surgem comoconseqüência direta da percepção. Não hámovimentos hesitantes e incertos, comoobservamos na reação de escolha em que nãoforam usados estímulos auxiliares.

O uso de signos auxiliares rompe com a fusãoentre o campo sensorial e o sistema motor,tornando possível assim, novos tipos decomportamento. Cria-se uma "barreirafuncional" entre o momento inicial e omomento final do processo de escolha; oimpulso direto para mover-se é desviado porcircuitos preliminares. A criança queanteriormente solucionava o problemaimpulsivamente, resolveo, agora, através deuma conexão estabelecida internamente entre

o estímulo e o signo auxiliar correspondente. Omovimento, que era anteriormente a própriaescolha, é usado agora somente para realizar aoperação já preparada. O sistema de signosreestrutura a totalidade do processopsicológico, tornando a criança capaz deprocessar seu movimento. Ela reconstrói oprocesso de escolha em bases totalmentenovas.

O movimento descola-se, asim, da percepção

direta, submetendo-se ao controle das funçõessimbólicas incluídas na resposta de escolha.Esse desenvolvimento representa uma ruptura

fundamental com a história natural docomportamento e inicia a transição docomportamento primitivo dos animais para asatividades intelectuais superiores dos sereshumanos.

Dentre as grandes funções da estruturapsicológica que embasa o uso de instrumentos,

o primeiro lugar deve ser dado à atenção.Vários estudiosos, a começar por Kohler,notaram que a capacidade ou incapacidade defocalizar a própria atenção é um determinanteessencial do sucesso ou não de qualqueroperação prática. Entretanto, a diferença entrea inteligência prática das crianças e dosanimais é que, aquelas são capazes dereconstruir a sua percepção e, assim,libertarem-se de uma determinada estruturade campo perceptivo.

Com o auxílio da função indicativa daspalavras, a criança começa a dominar suaatenção, criando centros estruturais novosdentro da situação percebida. Como K. Koffkatão bem observou, a criança é capaz dedeterminar para si mesma o "centro degravidade" do seu campo perceptivo; o seucomportamento não é regulado somente pelaconspicuidade de elementos individuaisdentro dele. A criança avalia a importância

relativa desses elementos, destacando, dofundo, "figuras" novas, ampliando assim aspossibilidades de controle de suas atividades(3).

Além de reorganizar o campo visuo-espacial, acriança, com o auxílio da fala, cria um campotemporal que lhe é tão perceptivo e real quantoo visual. A criança que fala tem, dessa forma, acapacidade de dirigir sua atenção de umamaneira dinâmica.

Ele pode perceber mudanças na sua situaçãoimediata do ponto de vista de suas atividadespassadas, e pode agir no presente com aperspectiva do futuro.

Para o macaco antropóide a tarefa é insolúvel,a não ser que o objetivo e o instrumento paraatingi-lo estejam, simultaneamente, à vista. Acriança pode facilmente superar essa situaçãocontrolando verbalmente sua atenção e,conseqüentemente, reorganizando o seucampo perceptivo. O macaco perceberá a varanum momento, deixando de prestar-lheatenção assim que mude seu campo visual

Page 29: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 29/92

29

para o objeto-meta. O macaco precisanecessariamente ver a vara para prestaratenção nela; a criança deve prestar atençãopara poder ver.

Assim, o campo de atenção da criança englobanão uma, mas a totalidade das séries decampos perceptivos potenciais que formam

estruturas dinâmicas e sucessivas ao longo dotempo. A transição da estrutura simultânea docampo visual para a estrutura sucessiva docampo dinâmico da atenção é conseguidaatravéés da reconstrução de atividadesisoladas que constituem parte das operaçõesrequeridas. Quando isso ocorre, podemosdizer que o campo da atenção deslocou-se docampo perceptivo e desdobrou-se ao longo dotempo, como um componente de sériesdinâmicas de atividades psicológicas.

A possibilidade de combinar elementos doscampos visuais presente e passado (porexemplo, o instrumento e o objeto-alvo) numúnico campo de atenção leva, por sua vez, àreconstrução básica de uma outra funçãofundamental, a memória ( ver capítulo 3. )Através de formulações verbais de situações eatividades passadas, a criança liberta-se daslimitações da lembrança direta; ela sintetizacom sucesso, o passado e o presente de modo

conveniente a seus propósitos. As mudançasque ocorrem na memória são similares àquelasque ocorrem no campo perceptivo da criança,onde os centros de gravidade são deslocados eas relações figura-fundo alteradas. A memóriada criança não somente torna disponíveisfragmentos do passado como, também,transforma-se num novo método de unirelementos da experiência passada com opresente.

Criado com o auxílio da fala, o campotemporal para a ação estende-se tanto paradiante quanto para trás. A atividade futura,que pode ser incluída na atividade emandamento, é representada por signos. Comono caso da memória e da atenção, a inclusão designos na percepção temporal não leva a umsimples alongamento da operação no tempo;

mais do que isso, cria as condições para odesenvolvimento de um sistema único queinclui elementos efetivos do passado, presente

e futuro. Esse sistema psicológico emergentena criança engloba, agora, duas novas funções:as intenções e as representações simbólicas das

ações propositadas.

Essa mudança na estrutura do comportamentoda criança relaciona-se às alterações básicas desuas necessidades e motivações. QuandoLindner comparou os métodos usados porcrianças surdas na solução de problemas aosusados ,pelos macacos de Kohler, notou que as

motivações que levavam a perseguir o objetivoeram diferentes nas crianças e nos macacos(4).As premências "instintivas" predominantes nosanimais tornamse secundárias nas crianças.Novas motivações, socialmente enraizadas eintensas, dão direção à criança. K. Lewindescreveu essas motivações como QuasiBeduerfnisse (quase-necessidades) e defendeuque a sua inclusão em qualquer tarefa leva auma reorganização de todo o sistemavoluntário e afetivo da criança(5). Eleacreditava que, com o desenvolvimento dessasquase necessidades, a impulsão emocional dacriança desloca-se da preocupação com oresultado para a natureza da solução. Emessência, a "tarefa" (Aufgabe) nosexperimentos com macacos antropóides sóexiste aos olhos do experimentador; no que dizrespeito ao animal, existe somente a isca e osobstáculos interpostos no seu caminho. Acriança, entretanto, esforça-se por resolver oproblema dado, tendo, assim, um propósitocompletamente diferente. Uma vez sendocapaz de gerar quase-necessidades, a criançaestá capacitada a dividir a operação em suaspartes componentes, cada uma das quaistorna-se um problema independente que elaformula a si mesma com o auxílio da fala.

Na sua excelente análise da psicologia daatividade propositada, Lewin nos dá uma claradefinição de atividade voluntária como umproduto do desenvolvimento histórico-cultural

do comportamento e como um aspectocaracterístico da psicologia humana. Afirmaser desconcertante o fato de o homem exibiruma liberdade extraordinária, mesmo comrespeito à intenções sem o menor sentido. Essaliberdade é incomparavelmente menoscaracterístico nas crianças e, provavelmente,em adultos iletrados. Há razões para acreditar-se que a. atividade voluntária, mais do que ointelecto altamente desenvolvido, diferencia osseres humanos dos animais filogeneticamente

mais próximos.

Page 30: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 30/92

30

3. O domínio sobre a memória e opensamento

A luz do que eu e meus colaboradoresaprendemos sobre as funções da fala nareorganização da percepção e na criação denovas relações entre as funções psicológicas,realizamos em crianças um amplo estudo de

outras formas de atividades que usam signos,em todas as suas manifestações concretas(desenho, escrita, leitura, o uso de sistemas denúmeros, etc. ). .Preocupamo-nos também emobservar se outras operações não relacionadasao intelecto prático poderiam mostrar asmesmas leis do desenvolvimento que tínhamosdescoberto quando analisamos o intelectoprático.

Muitos dos experimentos que realizamos

trataram desse problema e, agora, com basenos dados obtidos, podemos descrever deforma esquemática as leis básicas quecaracterizam a estrutura e o desenvolvimentodas operações com signos na criança.

Essas leis serão apresentadas no decorrer dadiscussâo do fenômeno de memória,excepcionalmente apropriado para o estudodas mudanças introduzidas pelos signos nasfunções psicológicas básicas, uma vez querevela com clareza a. origem social dos signos

e o seu papel crucial no desenvolvimentoindividual.

 As origens sociais da memória indireta (mediada)

O estudo comparativo da memória humanarevela que, mesmo nos estágios maisprimitivos do desenvolvimento social, existemdois tipos fundamentalmente diferentes dememória.

Uma delas, dominante no comportamento depovos iletrados, caracteriza-se pela impressãonão mediada de materiais, pela retenção dasexperiências reais como a base dos traçosmnemônicos (de memória ).

Nós a chamamos de memória natural, e elaestá claramente ilustrada nos estudos sobre aformação de imagens eidéticas feitos por E.R.

 Jaensch(1) Esse tipo de memória está muitopróximo da percepção, uma vez que surge

como conseqizência da influência direta dosestímulos externos sobre os seres humanos.

Do ponto de vista da estrutura, o processotodo caracteriza-se pela qualidade deimediatismo.

No entanto, mesmo no caso de homens emulheres iletrados,a memória natural não é oúnico tipo encontrado. Ao contrário, coexistemcom ela outros tipos de memória pertencentes

a linhas de desenvolvimento completamentediferentes. O uso de pedaços de madeiraentalhada e nós(2) a escrita primitiva eauxiliares mnemônicos simples, demonstram,no seu eonjunto, que mesmo nos estágios maisprimitivos do desenvolvimento histórico osseres humanos foram além dos limites dasfunções psicológicas impostas pela natureza,evoluindo para uma organização nova,culturalmente elaborada, de seucomportamento. A análise comparativa mostraque tal tipo de atividade está ausente mesmonas espécies superiores de animais;acreditamos que essas operações com signossão produto das condições específicas dodesenvolvimento social.

Mesmo essas operações relativamente simples,como atar nós e marcar um pedaço de madeiracom a finalidade de auxíliares mnemônicos,modificam a estrutura psicológica do processode memória. Elas estendem a operação de

memória para além das dimensôes biológicasdo sistema nervoso humano, permitindoincorporar a ele estímulos artificiais, ouautogerados, que chamamos de signos. Essaincorporação, característica dos sereshumanos, tem o significado de uma formainteiramente nova de comportamento. Adiferença essencial entre esse tipo decomportamento e as funções elementares seráencontrada nas relações entre os estímulos e asrespostas em cada um deles. As funções

elementares têm como característicafundamental o fato de serem total ediretamente determinadas pela estimulaçãoambiental. No caso das funções superiores, acaracterística essencial é a estimulaçãoautogerada, isto é, a criação e o uso deestímulos artificiais que se tornam a causaimediata do comportamento.

 A estrutura das operações com signos

Toda forma elementar de comportamentopressupõe uma reação direta à situação-

Page 31: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 31/92

31

problema defrontada pelo organismo (o quepode ser representado pela fórmula simples (S--R). Por outro lado, a estrutura de operaçõescom signos requer um elo intermediário entreo estímulo e a resposta.

Esse elo intermediário é um estímulo desegunda ordem ( signo ), colocado no interior

da operação, onde preenche uma funçãoespecial; ele cria uma nova relação entre S e R.O termo "colocado" indica que o indivíduodeve estar ativamente engajado noestabelecimento desse elo de ligação. Essesigno possui, também, a característicaimportante de ação reversa ( isto é, ele agesobre o indivíduo e não sobre o ambiente ) .

Conseqüentemente, o processo simplesestímulo-resposta é substituído por um ato

complexo, mediado, que representamos daseguinte forma:

A figura 1 mostra um triângulo com os lados S- R e X

Nesse novo processo o impulso direto parareagir é inibido, e é incorporado um estímuloauxiliar que facilita a complementação daoperação por meios indiretos.

Estudos cuidadosos demonstram que esse éum tipo básico de organização para todos osprocessos psicológicos superiores, ainda quede forma muito mais elaborada do que amostrada acima. O elo intermediário nessafórmula não é simplesmente um método paraaumentar a eficiência da operação préexistente,tampouco representa meramente um eloadicional na cadeia S -- R.

Na medida em que esse estímulo auxiliarpossui a função específica de ação reversa, ele

confere à operação psicológica formasqualitativamente novas e superiores,permitindo aos seres humanos, com o auxíliode estímulos extrínsecos, controlar o seupróprio comportamento. O uso de signosconduz os seres humanos a uma estruturaespecífica de comportamento que se destaca dodesenvolvimento biológico e cria novas formasde processos psicológicos enraizados nacultura.

 As primeiras operações com signos em crianças

Os experimentos seguintes, conduzidos porA.N. Leontiev em nossos laboratórios,demonstram com particular clareza o papeldos signos na atenção voluntária e namemória(3)

Pedia-se a crianças que participassem de um jogo, no qual elas tinham que responder a um

conjunto de questões, sem usar determinadaspalavras. Via de regra, cada criança recebiatrês ou quatro tarefas que diferiam quanto àsrestrições impostas a suas respostas e quantoaos tipos de estímulos auxiliares em potencialque poderiam usar. Cada tarefa consistia dedezoito questões, sete delas referentes a cores (por exemplo, "Qual a cor...?" ) .

A criança deveria responder prontamente acada questão, usando uma única palavra. A

tarefa inicial foi conduzida exatamente dessamaneira. A partir da segunda tarefa,introduzimos regras adicionais que deviam serobedecidas para que a criança acertasse aresposta. Por exemplo, a criança estavaproibida de usar o nome de duas cores enenhuma cor poderia ser usada duas vezes. Aterceira tarefa tinha as mesmas regras que asegunda, e forneciam-se às crianças nove¨cartões coloridos como auxiliares para o jogo("estes cartôes podem ajudar você a ganhar o

 jogo").A quarta tarefa era igual à terceira, e foiutilizada nos casos em que a criança não usouadequadamente os cartões coloridos oucomeçou a fazê-lo tardiamente na terceirasituação. Antes e depois de cada tarefafazíamos perguntas com o objetivo dedeterminar se as crianças lembravam dasinstruções e se as tinham entendido.

Um conjunto de questões de uma tarefa típica

é o seguinte ( nesse caso as cores proibidaseram o verde e o amarelo ): ( 1 ) Você tem umamigo? ( 2 ) Qual é a cor da sua camisa? ( 3 )Você já viajou de trem? ( 4 ) Qual é a cor dosvagões? ( 5 ) Você quer crescer? (6) Você já foialguma vez ao teatro? (7) Você gosta de brincarno quarto? ( 8 ) Qual é a cor do châo? ( 9 ) Edas paredes? ( 10 ) Você sabe escrever? ( 11 )Você já viu uma flor chamada lilás? ( 12 ) Qualé a cor do lilás? ( 13 ) Você gosta de doces?

(14) Você já esteve num sítio? (15) Quais sâo ascores das folhas? ( 16 ) Você sabe nadar? ( 17 )Qual é a sua cor preferida? ( 18 ) Para que a

Page 32: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 32/92

32

gente usa o lápis?

As cores dos cartões usados como auxiliares naterceira e quarta tarefas foram: preto, branco,vermelho, azul, amarelo, verde, lilás, marrom ecinza.

Os resultados obtidos com trinta indivíduos

com idades variando entre cinco e vinte e seteanos estão resumidos na tabela 1, sob a formado número médio de erros na segunda eterceira tarefas e a diferença entre eles.Observando primeiramente os dados da tarefa2, vemos que o número de erros diminuiligeiramente dos cinco para os treze anos, eabruptamente quando se trata de adultos. Natarefa 3, a queda mais abrupta no númeromédio de erros ocorre entre os grupos de idadede cinco para seis e oito para nove anos. A

diferença entre o número de erros das tarefas 2e 3 é pequena tanto para as criançaspréescolares quanto para os adultos.

Os processos que deram origem a essesnúmeros são prontamente revelados quandose analisam os protocolos experimentaisrepresentativos de cada grupo de crianças. Ascrianças em idade pré-escolar ( cinco para seisanos ) não eram, em geral, capazes dedescobrir como usar os cartões coloridosauxiliares e `tiveram grande dificuldade emambas as tarefas.

Tabela 1 Erros na tarefa das cores proibidas

Idade (A) 5-6 (B) 8- 9 (C) 10-13 (D) 20-27

Número de Indivíduos (A) 7 (B) 7 (C) 8 (D) 8

Erros(média) Tarefa 2 (A) 3,9 (B) 3,3 (C) 3,1 (D)1,4

Tarefa 3 (A) 3,6 (B) 1,5 (C) 0,3 (D) 0,6Diferença (A) 0,3 (B) 1,8 (C) 2,8 (D) 0,8

Mesmo quando tentávamos explicar-lhes deque forma os cartões poderiam ajudá-las, ascrianças nessa idade não eram capazes de usaresses estímulos externo para organizar opróprio comportamento.

Segue-se a transcrição do protocolo de um

menino de cinco anos de idade:

Tarefa 4. Cores proibidas: azul e vermelho(com cartões).

2. Qual é a cor das casas? -- Vermelho (semolhar para as cores proibidas) 3. O sol estáforte hoje? -- Sim.

4. Qual é a cor do céu? -- Branco (sem olhar

para o cartão; no entanto, procura o cartãobranco). Olha ele aqui! (Pega-o e segura-o namão.) 8. Qual é a cor de um tomate? --Vermelho (Dá uma olhada para os cartões).

9. E qual é a cor de um caderno? -- Branco -como isso! (indicando o cartão branco) 12.Qual é a cor de uma bola? -- .Branco.(Olhandopara o cartão).

13. Você vive aqui na cidade? -- Não.

Como é? Você acha que ganhou? -- Não sei -acho que sim.

O que é que você não poderia fazer paraganhar? -- Não deveria dizer vermelho ouazul.

E o que mais? -- Não deveria dizer a mesmapalavra duas vezes.

Essa transcrição sugere que os "auxiliares" naverdade prejudicaram essa criança. O usorepetido do "branco" como resposta ocorriaquando sua atenção estava fixa no cartãobranco. Os cartões auxiliares constituíram paraela um aspecto meramente casual na situação.Ainda assim, não há dúvida de que, algumasvezes, as crianças em idade préescolar,mostram alguns precursores do uso de signosexternos. Desse ponto de vista, alguns casosapresentam interesse especial. Por exemplo,

após sugerirmos a uma criança que usasse oscartões ("tome estes cartões, eles vão ajudarvocê a ganhar"), ela procurou os cartões com ascores proibidas e os colocou fora de sua visão,como que tentando impedir a si mesma dedizer seus nomes.

Apesar de uma aparente variedade, osmétodos de uso dos cartões pelas criançaspodem ser reduzidos a dois tipos básicos.Primeiro a criança pode pôr as cores proibidasfora de sua visão, pôr os outros à vista e, à

medida que vai respondendo às questões,colocar de lado os cartões com as cores jámencionadas. Esse método é o menos eficaz;

Page 33: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 33/92

33

no entanto, é o método mais cedo utilizado. Oscartões, nesse caso, servem somente pararegistrar as cores mencionadas. De início, ascrianças, em geral, não se voltam para oscartões antes de responder à questão sobre cor,e somente após fazê-lo folheiam os cartões,virando, movendo ou pondo de lado o

correspondente à cor mencionada.Esse é, sem dúvida, o ato de memorizaçãomais simples usando o auxílio de meiosexternos. É só um pouco mais tarde que ascondições do experimento conferem aoscartões uma segunda e nova função. Antes dedizer uma cor, a criança faz uma seleção com oauxílio dos cartões. Tanto faz se a criança olhapara os cartões até então não usados ou paraos cartões cujas cores já foram mencionadas.Em qualquer dos casos, os cartões sãointerpastos no processo e são usados comomeio para regular a atividade. A característicaevidente do primeiro método, que é o deesconder preliminarmente as cores proibidas,não leva ainda a uma substituição completa daoperação menos amadurecida por outra, maiscomplexa; representa meramente um passonessa direção. A sua ocorrência é, em parte,explicada pela maior simplicidade dessaoperação no controle da memória e, em parte,também pelas atitudes "mágicas",freqüentemente apresentadas pelas crianças,em relação a vários auxiliares em potencialnum processo de solucionar um problema.

Os exemplos que se seguem, de uma estudantede treze anos, ilustram esse pontos:

Tarefa 2. Cores proibidas: verde e amarelo(sem cartões).

1. Você tem amigos? -- Sim.

2. Qual é a cor da sua blusa? -- Cinza.

3. Você já andou de trem? -- Sim.

4. Qual é a cor dos vagões? -- Cinza (Nota querepetiu a mesma cor duas vezes, e ri.) 5. Vocêquer crescer? -- Sim.

6. Você já foi ao teatro? -- Sim.

7. Você gosta de brincar no quarto? -- Sim.

8. Qual é a cor do chão? -- Cinza (Hesita.) De

novo! - repeti.9. E das paredes? -- Branco.

10. Você sabe escrever? -- Sim.

11. Você já viu uma flor chamada lilás? -- Sim.

12. Qual é a cor do lilás? -- Lilás.

13. Você gosta de doces? -- Sim.

14. Você já esteve num sítio? -- Sim.

15. E quais são as cores das folhas? -- Verde -oh não, não devia ter dito verde - marrom, àsvezes vermelhas.

16. Você sabe nadar? -- Sim.

17. Qual é a sua cor preferida? -- Amarelo! Nãopodia! (Leva as mãos à cabeça.) 18. O que sepode fazer com um lápis? -- Escrever.

O que você acha, ganhou ou perdeu? -- Perdi.

O que você não poderia ter falado? -- Verde e

amarelo.E o que mais? -- Não devia ter repetido.

Tarefa 3. Cores proibidas: azul e vermelho(com cartões).

A menina colocou os cartões com as coresproibidas de um lado e enfileirou restantes àsua frente.

1. Você costuma passear na rua? -- Sim 2. Qualé a cor das casas? -- Cinza. (Após responder,

olha para os cartões e vira o cinza.) 3. O solestá forte hoje? -- Forte.

4. Qual é a cor do céu? Branco. -- (Olhaprimeiro para o cartão e depois o vira.) 5. Vocêgosta de bala? -- Sim.

6. Você já viu uma rosa? -- Sim 7. Você gostade verdura? -- Sim.

8 Qual é a cor do tomate? -- Verde. (Vira ocartão) 9. E de um caderno? -- Amarelo.(Vira ocartão) 10. Você tem brinquedos? -- Não.

11. Você joga bola? -- Sim.

12. E qual é a cor da bola? -- Cinza.(Sem olharos cartões; depois de responder dá uma olhadae constata o erro).

13. Você vive na cidade? -- Sim 14. Você viu odesfile? -- Sim.

15. Qual era a cor das bandeiras? --Pretas.(Olha primeiro para os cartões e entãovira um.) 16. Você tern um livro? -- Sim.

17. Qual é a cor da capa? -- Lilás (virando ocartão.) 18. Quando é que fica escuro? -- À

Page 34: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 34/92

34

noite.

Nossos resultados, como mostram osprotocolos e a tabela 1, indicam a existência doprocesso de lembrança mediada. No primeiroestágio ( idade pré-escolar ) , a criança não é

capaz de controlar o seu comportamento pelaorganiza.ção de estímulos especiais. Os cartõescoloridos, que poderiam ajudá-la em suatarefa, Embora agindo como estímulo, eles nãoadquirem a função instrumental. O segundoestágio do desenvolvimento caracteriza-se pelanítida diferença nos índices obtidos nas duastarefas principais.

A introdução dos cartões, como um sistema deestímulos externos auxiliares, aumentouconsideravelmente a eficácia da atividade da

criança. Nesse estágio predominam os signosexternos.O estímulo auxiliar é um instrumentopsicológico que age a partir do meio exterior.

No terceiro estágio ( adulto ) , diminui adiferença entre o desempenho nas duas tarefase seus coeficientes tornam-se praticamenteiguais, sendo que agora o desempenho se dáem bases novas e superiores. Isso não significaque o comportamento das adultos torna-senovamente direto e natural. Nesse estágio

superior do desenvolvimento, ocomportamento permanece mediado. Mas,agora, vemos que na terceira tarefa osestímulos auxiliares são emancipados de suasformas externas primárias. Ocorre o quechamamos de internalização; os signosexternos, de que as crianças em idade escolarnecessitam, transformam-se em signosinternos, produzidos pelo adulto como ummeio de memorizar. Essa série de tarefasaplicadas a pessoas de diferentes idades

mostra como se desenvolvem as formasexternas de comportamento mediado.

 A história natural da operação com signos

Embora o aspecto indireto ( ou mediado ) dasoperações psicológicas constitua umacaracterística essencial dos processos mentaissuperiores, seria um grande erro, como jáassinalei em relação ao início da fala, acreditarque as operações indiretas surge comoresultado de uma lógica pura. Elas não sãoinventadas ou descobertas pela criança na

forma de um súbito rasgo de discernimento oude uma adivinhação rápida como um raio (aassim chamada reação do "aha" ) . A criançanão deduz, de forma súbita e irrevogável, arelação entre o signo e o método de usá-lo.

Tampouco ela desenvolve intuitivamente umaatitude abstrata originada, por assim dizer,

"das profundezas da mente da própriacriança". Esse ponto de vista metafísico,segundo o qual esquemas psicológicosinerentes existem anteriormente a qualquerexperiência, leva inevitavelmente a umaconcepção apriorística das funções psicológicassuperiores.

Nossa pesquisa levou-nos a conclusõescompletamente diferentes. Observamos que asoperações com signos aparecem como o

resultado de um processo prolongado ecomplexo, sujeito a todas as leis básicas daevolução psicológica. Isso significa que aatividade de utilização de signos nas criançasnão é inventada e tampouco ensinada velosadultos; ao invés disso, ela surge de algo queoriginalmente não é uma operação com signos,tornando-se uma operação desse tipo somenteapós uma série de transformações qualitativas.

Cada uma dessas transformações cria ascondições para o próximo estágio e é, em simesma, condicionada pelo estágio precedente;dessa forma, as transforma estão ligadas comoestágios de um mesmo processo e são, quantoà sua natureza, históricas. Com relação a isso,as funções psicológicas superiores nãoconstituem exceção à regra geral aplicada aosprocessos elementares; elas também estãosujeitas à lei fundamental do desenvolvimento,que não conhece exceções, e surgem ao longodo curso geral do desenvolvimento psicológicoda criança como resultado do mesmo processodialético, e não como algo que é introduzidode fora ou de dentro.

Se incluirmos essa história das funçõespsicológicas superiores como um fator dedesenvolvimento psicológico, certamentechegaremos a uma nova concepção sobre opróprio processo de desenvolvimento. Podem-se distinguir, dentro de um processo geral dedesenvolvimento, duas linhasqualitativamente diferentes de

desenvolvimento, diferindo quanto à suaorigem: de um lado, os processos elementares,que são de origem biológica; de outro, as

Page 35: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 35/92

35

funções psicológicas superiores, de origemsócio-cultural. A história do comportamentoda criança nasce do entrelaçamento dessasduas linhas. A história do desenvolvimentodas funções psicológicas superiores seriaimpossível sem um estudo de sua pré-história,dé suas raízes biológicas, e de seu arranjo

orgânico.As raízes do desenvolvimento de duas formasfundamentais, culturais, de comportamento,surge durante a infância: o uso deinstrumentos e a fala humana. Isso, por si só,coloca a infância no centro da pré-história dodesenvolvimento cultural.

A potencialidade para as operações complexascom signos já existe nos estágios mais precocesdo desenvolvimento individual. Entretanto, as

observações mostram que entre o nível inicial (comportamento elementar ) e os níveissuperiores ( formas mediadas decomportamento) existem muitos sistemaspsicológicos de transição. Na história docomportamento, esses sistemas de transiçãoestão entre o biologicamente dado e oculturalmente adquirido. Referimo-nos a esseprocesso como a história natural do signo.

Outro paradigma experimental, criado paraestudar o processo mediado de memorização,nos dá a oportunidade de observar essahistória natural do signo. M. G. Morozovaapresentava para crianças palavras a seremlembradas e figuras auxiliares que podiam serusadas como mediadores(4). Ela observou que,durante os anos pré-escolares, a idéia de usarpropositalmente as figuras auxiliares (signos)como meio de memorização é ainda estranhaàs crianças. Mesmo quando a criança lançamão de uma figura auxiliar para memorizaruma determinada palavra, não énecessariamente fácil para ela realizar aoperação inversa.

Nesse estágio, não é comum a criança lembraro estímulo primário quando lhe é mostrado oestímulo auxiliar. Ao invés disso, o signoevoca uma série associativa nova ou sincrética,representada pelo seguinte esquema:

Figura 2 (dois segmentos: a primeira

descendente de A a X e outra plana de X a Y

A operação ainda não progrediu para um nívelmais avançado, mediado, usando aspectosculturalmente elaborados. Em contraste com afigura 2, o esquema usual para a memorizaçãomediada pode ser representado como se segue:

Figura 3 (dois segmentos: a primeiradescendente de A a X e a segunda ascendentede X a A

Durante o processo representado na figura 2,Y, poderia levar a toda uma série nova deassociações, sendo que o indivíduo poderia atéchegar ao ponto inicial A. Entretanto, essaseqüência está destituída ainda de seu caráterproposital e instrumental. No segundo

esquema, o signo auxiliar da palavra, X, possuia qualidade de ação reversa, de tal forma que oindívíduo pode, confiavelmente, relembrar A.

Os passos que levam de um esquema do tipoda Figura 2 para um do tipo da Figura 3podem ser ilustrados pelos exemplosseguintes, tirados dos trabalhos de meuscolaboradores. L. V. Zankov demonstrou quecrianças menores, particularmente entre quatroe seis anos, devem basear-se em elos prontos,com significado, entre o signo "evocativo" e a

palavra a ser lembrada (5).Se figuras sem significado são apresentadascomo estímulos auxiliares à memorização, ascrianças freqüentemente se negam a fazer usodelas; não procuram estabelecer conexõesentre a figura e a palavra que se espera quememorizem. Ao contrário, tentam transformaressas figuras em cópias diretas da palavraa serlembrada.

Por exemplo, a figura (desenho), apresentada

como um signo "evocativo" da palavra "balde",foi virada de cabeça para baixo, cumprindo afunção de lembrá-las da palavra somentequando a figura (desenho) realmentecomeçava a assemelhar-se a um balde. Damesma forma, a figura tornou-se o signo dapalavra "banco" só quando foi virada de cabeçapara baixo (desenho ). Em todos esses casos, ascrianças associaram as figuras àspalavrasestímulo modificando o significado dosigno, ao invés de usar o elo de mediaçãooferecido pelo experimentador. A introduçãodessas figuras sem significado estimulou as

Page 36: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 36/92

36

crianças a se engajarem numa atividademnemônima mais ativa, ao invés de confiarnos elos já formados, mas também levou-as atratar o signo como uma representação diretado objeto a ser lembrado. Quando isso não erapossível, a criança negava-se a memorizar.

Observa-se um fenômeno muito parecido no

estudo não publicado de U. C. Yussevich comcrianças pequenas. Os estímulos auxiliares,que eram figuras sem nenhuma relação diretacom as palavras apresentadas, foramraramente usadas como signos. A criançaolhava para a figura e procurava reconhecernela o objeto a ser memorizado. Por exemplo,quando se pediu a uma criança quememorizasse a palavra "sol" com o auxílio deuma figura mostrando um machado, elaconseguiu fazê-lo de forma muito fácil;apontou uma pequena mancha amarelada nodesenho e disse: "Olha ele aqui, o sol". Acriança substituiu um processo dememorização instrumental, potencialmentemais complexo, pela procura de umarepresentação direta do estímulo ( semelhantea uma imagem eidética). A criança procurouuma representante eidética no signo auxiliar.Em ambos os ezemplos de Zankov eYussevich, a criança reproduziu a palavrasolicitada através de um processo derevresentação direta, ao invés de umasimbolização mediada. As leis que descrevemo papel das operações com signos nesseestágio do desenvolvimento sãocompletamente diferentes das leis quedescrevem o processo de associação que acriança faz entre uma palavra e um signo nasoperações com signos completamentedesenvolvidos. As crianças, nos experimentosdescritos, apresentam um estágio de

desenvolvimento intermediário, entre oprocesso elementar e o çompletamenteinstrumental, a partir do qual, mais tarde, sedesenvolverão as operações completamentemediadas.

O trabalho de Leontiev sobre odesenvolvimento das operações com signos noprocesso de memorização nos forneceexemplos que vêm em apoio aos pontosteóricos discutidos acima, exemplificandotambém estágios posteriores do

desenvolvimento da operação com signosdurante a memorização. Ele apresentava para

crianças de diferentes idades e níveis decapacidade mental, um conjunto de vintepalavras para serem lembradas. O material foiapresentado de três maneiras. Na primeira, aspalavras eram simplesmente ditas, a intervalosde aproximadamente três segundos, e pedia-seque a criança as lembrasse. Numa segunda

tarefa, dava-se à criança um conjunto de vintefiguras, dizendo-lhe que as usasse para ajudálaa lembrar as palavras. As figuras não eramrepresentações diretas das palavras, masestavam relacionadas a elas. Na terceira sérieusava-se um conjunto de vinte figuras que nãomantinham nenhuma relação óbvia com aspalavras a serem memorizadas. As questõesbásicas nesses experimentos foram: 1) até queponto podem as crianças converter o processode lembrança numa atividade mediada,

usando-o figuras como elementos auxiliares noprocesso de memorização e 2 ) até que ponto oseu sucesso dependeria de diferentes graus dedificuldade apresentados pelas duas séries,potencialmente, mediadas.

Como era de se esperar, os resultadosdiferiram dependendo do grupo de crianças eda dificuldade de lembrança representada porcada tarefa. Crianças normais (de dez a dozeanos de idade) lembraram duas vezes maispalavras quando as figuras foram fornecidascomo auxilires. Elas foram capazes de usarigualmente bem as duas séries de figuras.Crianças ligeiramente retardadas, da mesmaidade, beneficiaram-se pouco, se é que sebeneficiaram, da presença das figuras; equanto a crianças severamente retardadas, osestímulos auxiliares, na realidade, interferiramnegativamente no seu desempenho.

Os protocolos originais desses estudosmostram, claramente, níveis intermediários de

funcionamento, nos quais a criança prestaatenção ao estímulo da figura auxiliar.,chegando mesmo, às vezes, a associá-lo com apalavra a ser lembrada, mas não é capaz deintegrar o estímulo ao seu sistema delembrança. Assim, por exemplo, uma criançaescolheu uma figura de cebola para lembrar apalavra "jantar". Quando lhe foi perguntadopor que havia escolhido aquela figura, ela deuuma resposta perfeitamente satisfatória:"Porque eu como cebola". No entanto, ela foi

incapaz de lembrar a palavra "jantar" duranteo experimento.

Page 37: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 37/92

37

Esse exemplo mostra que a capacidade deformar associações elementares não ésuficiente para garantir que a relaçãoassociativa possa vir a preencher a funçãoinstrumental necessária à produção dalembrança. Esse tipo de evidência leva-nos aconcluir que o desenvolvimento de funções

psicológicas mediadas (nese caso, a memóriamediada) representa uma linha especial dedesenvolvimento que não coincide, de formacompleta, com o desenvolvimento dosprocessos elementares.

Devo mencionar ainda que a adição de figurascomo instrumentos auxiliares à memorizaçãonão facilita o processo de lembrança deadultos. A razâo disto é diretamente oposta àsrazões da ineficiência dos instrumentosauxiliares para a memorização em criançasseveramente retardadas. No caso de adultos, oprocesso de memorização mediada está tãocompletamente desenvolvido que ocorremesmo na ausência de auxiliares externosespeciais.

 A .memória e o ato de pensar 

A medida que a criança cresce, não somentemudam as atividades evocadoras da memória,

como também o seu papel no sistema dasfunções psicológicas. A memória não mediadaocorre num contexto dé operações psicológicasque podem não ter nada em comum com asoperações psicológicas que acompanham amemória mediada; conseqüentemente,resultados experimentais poderiam dar aentender que algumas funções psicológicas sãosubstituídas por outras. Em outras palavras,com uma mudança no nível dedesenvolvimento, ocorre uma mudança não

tanto na estrutura de uma função isolada (quepoderia, no caso, ser a memória), mas,também, no caráter daquelas funções com aajuda das quais ocorre o processo delembrança; de fato, o que muda são as relaçõesinterfuncionczis que conectam a memória aoutras funções.

A memória de crianças mais velhas não éapenas diferente da memória de crianças maisnovas; ela assume também um papel diferentena atividade cognitiva. A memória, em fasesbem iniciais da infância, é uma das funçõespsicológicas centrais, em torno da qual se

constroem todas as outras funções. Nossasanálises sugerem que o ato de pensar nacriança muito pequena é, em muitos aspectos,determinado pela sua memória e, certamente,não é igual à mesma ação em crianças maiores.Para crianças muito pequenas, pensar significalembrar; em nenhuma outra fase, depois dessa

muito inicial da infância, podemos ver essaconexão íntima entre essas duas funçõespsicológicas.

Darei, a seguir, três exemplos. O primeiro tratada definição de conceitos nas crianças,processo que está baseado nas suaslembranças. Se você pergunta a uma criança oque é um caracol, ela dirá que é pequeno, quese arrasta no chão, que sai da "casa"; se vocêlhe pergunta o que é uma avó, ela pode muitobem responder, "ela tem um colo macio". Emambos os casos, a criança expressa um resumomuito claro, das impressões deixadas nela pelotema em questão, e que ela é capaz de lembrar.O conteúdo do ato de pensar na criança,quando da definição de tais conceitos, édeterminado não tanto pela estrutura lógica doconceito em si, como o é pelas suas lembrançasconcretas. Quanto a seu caráter, ele é sincréticoe reflete o fato de o pensar da criançaelepender, antes de mais nada, de suamemória.

Um outro exemplo trata do desenvolvimentode conceitos visuais na criança muito pequena.Pesquisas sobre o ato de pensar tal comoocorre em crianças quando são solicitadas atranspor uma relação aprendida com umdeterminado conjunto de estímulos para umoutro conjunto similar, mostraram que esseprocesso de transferência se dá, nada maisnada menos, através da lembrança deexemplos isolados. As suas representações

gerais do mundo baseiam-se na lembrança deexemplos concretos, não possuindo, ainda, ocaráter de uma abstração.

O último exemplo tem a ver com a análise dosignificado das palavras. Pesquisas nessa áreamostram que as associações que estão por trásdas palavras são fundamentalmente diferentesconforme se trate de crianças pequenas ou deadultos. Os conceitos das crianças estãoassociados a uma série de exemplos e são

construídos de maneira semelhante àquelapela qual representamos os nomes de classesde elementos. Emitir palavras, para as crianças,

Page 38: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 38/92

38

não é tanto indicar conceitos conhecidos comoé nomear classes conhecidas ou grupos deelementos visuais relacionados entre si porcertas característi^as visualmente comuns.

Dessa forma, a experiência da criança e ainfluência "não mediada" dessa experiênciaestão registradas na sua memória e

determinam diretamente toda a èstrutura dopensamento da criançapequena.

Todos esses fatos sugerem que, do ponto devista do desenvolvimento psicológico, amemória, mais do que o pensamento abstrato,é característica definitiva dos primeirosestágios do desenvolvimento cognitivo.

Entretanto, ao longo do desenvolvimentoocorre uma transformação, especialmente naadolescência. Pesquisas sobre a memória nessa

idade mostraram que no final da infância asrelações interfuncionais envolvendo amemória invertem sua direção. Para ascrianÇas, pensar significa lembrar; no entanto,para o adolescente, lembrar significa pensar.

Sua memória está tão "carregada de lógica"que o processo de lembrança está reduzido aestabelecer e encontrar relações lógicas; oreconhecer passa a consistir em descobriraquele elemento que a tarefa exige que seja

encontrado.Essa logicização é indicativa de como asrelações entre as funções cognitivas mudam nocurso do desenvolvimento. Na idade 4 detransição, todas as idéias e conceitos, todas asestruturas mentais, deixam de ser organizadasde acordo com os tipos de classes e tornam-seorganizadas como conceitos abstratos.

Não há dúvida de que lembrar de umelemento isolado, pensando em conceitos, é

completamente diferente de pensar emcomplexos, embora sejam processoscompatíveis (8).

Portanto, o desenvolvimento da memória dascrianças deve ser estudado não somente comrespeito às mudanças que ocorrem dentro dopróprio sistema de memória mas, também,com respeito à relação entre memória e outrasfunções. Ao comparar os princípios Quandouma pessoa ata um nó no lenço para ajudá-la alembrar de algo, ela está, essencialmente,construindo o processo de memorização,fazendo com que um objeto externo relembre-a

de algo; ela transforma o processo delembrança numa atividade externa.

Esse fato, por si só, é suficiente parademonstrar a característica fundamental dasformas superiores de comportamento. Naforma elementar alguma coisa é lembrada; naforma superior os seres humanos lembram

alguma coisa. No primeiro caso, graças àocorrência simultânea de dois estímulos queafetam o organismo, um elo temporário éformado; no segundo caso, os seres humanos,por si mesmos, criam um elo temporárioatravés de uma combinação artificial deestímulos.

A verdadeira essência da memória humanaestá no fato de os seres humanos seremcapazes de lembrar ativamente com a ajuda de

signos. Poder-se-ia dizer que a característicabásica do comportamento humano em geral éque os próprios homens influenciam suarelação com o ambiente e, através desseambiente, pessoalmente modificam seucomportamento, colocando-o sob seu controle.Tem sido dito que a verdadeira essência dacivilização consiste na construção propositadade monumentos de forma a não esquecer fatoshistóricos. Em ambos os casos, do nó e domonumento, temos manifestações do aspecto

mais fundamental e característico quedistingue a memória humana da memória dosanimais.

4. Internalização das funções psicológicassuperiores

Ao compararos princípios reguladores dosreflexos condicionados e incondicionados,Pavlov usa o exemplo de uma ligaçãotelefônica.

Uma possibilidade é que a ligação telefônicaseja completada pela conexão de dois pontos,diretamente, via uma linha especial. Issocorresponde a um reflexo incondicionado. Aoutra possibilidade é que a ligação se completeatravés de uma estação central especial, com oauxílio de conexões temporárias e devariabilidades sem limites. Isso corresponde aum reflexo condicionado. O córtex cerebral,sendo o órgão que completa os circuitos do

reflexo condicionado, cumpre o papel dessaestação central especial.

Page 39: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 39/92

39

A mensagem fundamental da nossa análisedos processos subjacentes à criação de signos (signalização ) poderia ser expressa por umaforma mais generalizada da mesma metáfora.Tomemos os exemplos de atar um nó paraajudar a lembrar de algo ou um sorteio casualcomo meio de tomar uma decisão. Não há

dúvida de que, em ambos os casos, forma-seuma associação condicionada temporária, ouseja, uma associação do segundo tipo dePavlov.

Mas se queremos apreender os aspectosessenciais do que está se passando aqui, somosforçados a considerar não somente a função domecanismo telefônico mas, também, a funçãoda telefonista que manipula os conectores e,assim, completa a ligação.

No nosso exemplo, a associação foiestabelecida pela pessoa que atou o nó. Esse éo aspecto que distingue as formas superioresde comportamento das formas inferiores.

A invenção e o uso de signos como meiosauxiliares para solucionar um dado problemapsicológico ( lembrar, comparar coisas, relatar,escolher, etc.) é análoga à, invenção e uso deinstrumentos, só que agora no campopsicológico.

O signo age como um instrumento daatividade psicológica de maneira análoga aopapel de um instrumento no trabalho. Masessa analogia, como qualquer outra, nãaimplica uma identidade desses conceitossimilares. Não devemos esperar encontrarmuitas semelhanças entre os instrumentos eaqueles meios de adaptação que chamamossignos. E, mais ainda, além dos aspectossimilares e comuns partilhados pelos dois tiposde atividade, vemos diferenças fundamentais.

Gostaríamos, aqui, de ser o mais precisopossível.

Apoiando-se no significado figurativo dotermo, alguns psicólogos usaram a palavra"intrumento" ao referir-se à função indireta deum objeto como meio para se realizar algumaatividade. Expressões como "a língua é oinstrumento do pensamento" ou "aides dememoire" são, comumente, desprovidas dequalquer conteúdo definido e quase nuncasignificam mais do que aquilo que elasrealmente são: simples metáforas e maneirasmais interessantes de expressar o fato de certos

objetos ou operações terem um papel auxiliarna atividade psicológica.

Par outro lado, tem havido muitas tentativasde se dar a tais expressões um significadoliteral, igualando o signo com o instrumento.Fazendo desaparecer a distinção fundamentalentre eles, essa abordagem faz com que se

percam características específicas de cada tipode atividade, deixando-nos com uma únicaforma de determinação psicológica geral. Essaé a posição assumida por Dewey, um dosrepresentantes do pragmatismo. Ele consideraa língua como o instrumento dos instrumentos,transpondo a definição de Aristóteles da mãohumana para a fala.

Eu gostaria de deixar claro que a analogiaentre signo e instrumento proposta por mim é

diferente das duas abordagens discutidasacima. O significado incerto e indistinto quecomumente se depreende do uso figurativo dapalavra "instrumento" não facilita em nada atarefa do pesquisador. Sua tarefa é a de pôr àsclaras as relações reais, não as figurativas, queexistem entre o comportamenta e seus meiosauxiliares. Deveríamos entender quepensamento ou memória são análogos àatividade externa?

Teriam os meios de atividade simplesmente opapel indefinido de embasar os processospsicológicos? Qual é a natureza desse suporte?O que significa, em geral, ser um "meio" depensamento ou de memória? Os psicólogosque tanto se comprazem em usar essasexpressões confusas não nos fornecem asrespostas a essas questões.

Mas a posição dos psicólogos que conferemàquelas expressões significado literal chega aser muito mais geradora de confusão.

Conceitos aparentemente psicológicos, masque realmente não pertencem à psicologia -como "técnicá" são "psicologizados" semembasamento absolutamente nenhum.

Só é possível igualar fenômenos psicológicos enão psicológicos na medida em que se ignora aessência de cada forma de atividade, além dasdiferenças entre suas naturezas e papéishistóricos. As distinções entre os instrumentoscomo um meio de trabalho para dominar a

natureza, e a linguagem como um meio deinteração social, dissolvem-se no conceito geralde artefatos, ou adaptações artificiais.

Page 40: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 40/92

40

Nosso propósito é entender o papelcomportamental do signo em tudo aquilo queele tem de característico. Esse objetivo motivounossos estudos empíricos para saber como osusos de instrumentos e signo estãomutuamente ligados, ainda que separados, nodesenvolvimento cultural da criança.

Admitimos três condições como ponto departida para esse trabalho. A primeira estárelacionada à analogia e pontos comuns aosdois tipos de atividade; a segunda esclarecesuas diferenças básicas, e a terceira tentademonstrar o elo psicológico real existenteentre uma e outra, ou pelo menos dar umindício de sua existência.

Como já analisamos, a analogia básica entresigno e instrumento repousa na funçãomediadora que os caracteriza. Portanto, elespodem, a partir da perspectiva psicológica, serincluídos na mesma categoria. Podemosexpressar a relação lógica entre o uso de signose o de instrumentos usando o esquema dafigura 4, que mostra esses conceitos incluídosdentro do conceito mais geral de atividadeindireta (mediada).

Figura 4 - Atividade mediada ligada a - Signo eInstr.

Esse conceito, muito corretamente, foiinvestido do mais amplo significado geral porHegel, que viu nele um aspecto característicoda razão humana: "A razão", ele escreveu, "étão engenhosa quanto poderosa. A suaengenhosidade consiste principalmente em suaatividade mediadora, a qual, fazendo com queos objetos ajam e reajam uns sobre os outros,respeitando sua própria natureza e, assim, semqualquer interferência direta no processo,realiza as intenções da razão"(1). Marx cita essadefinição quando fala dos instrumentos detrabalho para mostrar que os homens "usam aspropriedades mecânicas, físicas e químicas dosobjetos, fazendo-os agirem como forças queafetam outros objetos no sentido de atingirseus objetivos pessoais"(2).

Essa análise fornece uma base sólida para quese designe o uso de signos à categoria de

atividade mediada, uma vez que a essência doseu uso consiste em os homens afetarem o seucomportamento através dos signos. A função

indireta ( mediada ) , em ambos os casos,torna-se evidente. Nâo especifícarei commaiores detalhes a relação entre esses doisconceitos, ou a sua relação com o conceito maisgenérico de atividade mediada. Gostariasomente de assinalar que nenhum deles pode,sob qualquer circunstância, ser considerado

isomórfico com respeito às funções querealizam, tampouco podem ser vistos comoexaurindo completamente o conceito deatividade mediada. Poder-se-iam arrolar váriasoutras atividades mediadas; a atividadecognitiva não se limita ao uso de instrumentosou signos.

No plano puramente lógico da relaçâo entre osdois conceitos, nosso esquema representa osdois meios de adaptação como linhasdivergentes da atividade mediada. Essadivergência é a base da segunda das nossastrês condições iniciais. A diferença maisessencial entre signo e instrumento, e a base dadivergência real entre as duas linhas, consistenas diferentes maneiras com que eles orientamo comportamento humano. A função doinstrumento é servir como um condutor dainfluência humana sobre o objeto da atividade;ele é orientado eþternczmente; devenecessariamente levar a mudanças nos objetos.Constitui um meio pelo qual a atividadehumana externa é dirigida para o controle edomínio da natureza. O signo, por outro lado,não modifica em nada objeto da operaçãopsicológica. Constitui um meio da atividadeinterna dirigido para o controle do próprioindivíduo; o signo é orientado internamente.Essas atividades são tâo diferentes uma daoutra, que a natureza dos meios por elasutilizados não pode ser a mesma.

Finalmente, o terceiro ponto trata da ligação

real entre essas atividades e, por isso, trata daligação real de seus desenvolvimentos nafilogênese e na ontogênese. O controle danatureza e o controle do comportamento estãomutuamente ligados, assim como a alteraçãoprovocada pelo homem sobre a natureza alteraa própria natureza do homem. Na filogênese,podemos reconstruir uma ligaçâo através deevidências documentais fragmentadas, porémconvincentes, enquanto na ontogênesepodemos traçá-la experimentalmente.

Uma coisa já é certa. Da mesma forma como oprimeiro uso de instrumentos refuta a noção

Page 41: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 41/92

41

de que o desenvolvimento representa o merodesdobrar de um sistema de atividadeorganicamente predeterminado da criança, oprimeiro uso de signos demonstra que nãopode existir, para cada função psicológica, umúnico sistema interno de atividadeorganicamente predeterminado. O uso de

meios artificiais - a transição para a atividademediada - muda, fundamentalmente, todas asoperações psicológicas, assim como o uso deinstrumentos amplia de forma ilimitada agama de atividades em cujo interior as novasfunçôes psicológicas podem operar. Nessecontexto, podemos usar o termo funçàopsicológica superior, ou comportamentosu,vericr com referência à combinação entre oinstrumento e o signo na atividade psicológica.

Descrevemos, até agora, várias fases dasoperações com o uso de signos. Na fase inicialo esforço da criança depende, de forma crucial,dos signos externos. Através dodesenvclvimento. Porém, essas operaçõessofrem mudanças radicais: a operação daatividade mediada (por exemplo, amemorizaçâo) como um todo começa a ocorrercomo um processo puramente interno.Paradoxalmente, os últimos estágios docomportamento da criança assemelham-se aosprimeiros estágios de memorização, quecaracterizavam-se por um processo direto. Acriança muito pequena não depende de meiosexternos; ao invés disso, ela usa umaabordagem "natural", "eidética". Julgando5omente pelas aparências externas, parece quea criança mais velha começou, simplesmente, amemorizar mais e melhor; ou seja, que ela, dealguma maneira, aperfeiçoou e desenvolveuseus velhos métodos de memorização. Nosníveis mais superiores, parece que ela deixou

de ter qualquer dependência em relação aossignos. Entretanto, essa aparência é apenasilusória. O desenvolvimento, neste caso, comofreqüentemente acontece, se dá não em círculo,mas em espiral, passando por um mesmoponto a cada nova revolução, enquanto avançapara um nível superior.

Chamamos de internalização a reconstruçãointerna de uma operação externa. Um bomexemplo desse processo pode ser encontradono desenvolvimento do gesto de apontar.

Inicialmente,este gesto não é nada mais do queuma tentativa sem sucesso de pegar alguma

coisa, um movimento dirigido para um certoobjeto, que desencadeia a atividade deaproximação. A criança tenta pegar um objetocolocado além de seu alcance; suas mãos,esticadas em direção àquele objeto,permanecem paradas no ar. Seus dedos fazemmovimentos que lembram o pegar. Nesse

estágio inicial, o apontar é representado pelomovimento da criança, movimento este que fazparecer que a criança está apontando umobjeto - nada mais que isso.

Quando a mãe vem em ajuda da criança, enota que o seu movimento indica algumacoisa, a situação muda fundamentalmente. Oapontar torna-se um gesto para os outros. Atentativa mal-sucedida da criança engendrauma reação, não do objeto que ela procura,mas de uma outra pessoa.

Conseqüentemente, o significado primáriodaquele movimento malsucedido de pegar éestabelecido por outros. Somente mais tarde,quando a criança pode a,ssociar o seumovimento à situação objetiva como um todo,é que ela, de fato, começa a compreender essemovimento como um gesto de apontar. Nessemomento, ocorre uma mudança naquelafunção do movimento: de um movimentoorientado pelo objeto, torna-se um movimento

dirigido para uma outra pessoa, um meio deestabelecer relações. O movimento de pegartransforma-se no ato de apontar. Comoconseqüência dessa mudança, o própriomovimento é, então, fisicamente simplificado,e o que resulta é a forma de apontar quepodemos chamar de um verdadeiro gesto. Defato, ele só se torna um gesto verdadeiro apósmanifestar objetivamente para os outros todasas funções do apontar, e ser entendido tambémpelos outros como tal gesto. Suas funções e

significado são criados a princípio, por umasituação objetiva, e depois pelas pessoas quecircundam a criança.

Como a descrição do apontar ilustra, oprocesso de internalização consiste numa sériede,transformações:

a) Uma operação que inicialmente representauma atividade externa é reconstruída e começaa ocorrer internamente. É de particularimportância para o desenvolvimento dos

processos mentais superiores a transformaçãoda atividade que utiliza signos, cuja história ecaracterísticas são ilustradas pelo

Page 42: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 42/92

42

desenvolvimento da inteligência prática, daatenção voluntária e da memória.

b) Um processo interpessoal é transformadonum processo intrapessoal. Todas as funçõesno desenvolvimento da criança aparecem duasvezes: primeiro, no nível social, e, depois, nonível individual; primeiro, entre pessoas

(inter,vsicológica), e, depois, no interior dacriança (intrapsicológica). Isso se aplicaigualmente para a atenção voluntária, para amemória lógica e para a formação de conceitos.Todas as funções superiores originam-se dasrelações reais entre indivíduos humanos.

c ) A transformação de um processointerpessoal num processo intrapessoal é oresultado de uma longa série de eventosocorridos ao longo do desenvolvimento. O

processo, sendo transformado, continua aexistir e a mudar como uma forma externa deatividade por um longo período de tempo,antes de internalizar-se definitivamente. Paramuitas funções, o estágio de signos externosdura para sempre, ou seja, é o estágio final dodesenvolvimento.

Outras funções vão além no seudesenvolvimento, tornando-se gradualmentefunções interiores. Entretanto, elas somenteadquirem o caráter de processos internos comoresultado de um desenvolvimento prolongado.Sua transferência para dentro está ligada amudanças nas leis que governam suaatividade; elas são incorporadas em um novosistema com suas próprias leis.

A internalização de formas culturais decomportamento envolve a reconstrução daatividade psicológica tendo como base asoperações com signos. Os processospsicológicos, tal como aparecem nos animais,

realmente deixam de existir; sâo incorporadosnesse sistema de comportamento e sãoculturalmente reconstituídos e desenvolvidospara formar uma nova entidade psicológica. Ouso de signos externos é também reconstruídoradicalmente. As mudanças nas operações comsignos durante o desenvolvimento sãosemelhantes àquelas que ocorrem nalinguagem. Aspectos tanto da fala externa oucomunicativa como da fala egocêntrica"interiorizam-se", tornando-se a base da fala

interior.A internalização das atividades socialmente

enraizadas e historicamente desenvolvidasconstitui a aspecto característico da psicologiahumana; é a base do salto qualitativo dapsicologia animal para a psicologia humana.Até agora, conhece-se apenas um esboço desseprocesso.

5. Problemas de método

Em geral, qualquer abordagemfundamentalmente nova de um problemacientífico leva, inevitavelmente, a novosmétodos de investigação e análise. A criaçãode novos métodos, adequados às novasmaneiras de se colocar os problemas, requermuito mais do que uma simples modificaçãodos métodos previamente aceitos.

Com respeito a isso, a experimentaçãopsicológica contemporânea não constituiexceção; seus métodos sempre refletiram amaneira pela qual os problemas psicológicosfundaméntais eram vistos e resolvidos.Portanto, nossa crítica das visões correntes danatureza essencial e do desenvolvimento dosprocessos psicológicos deve, inevitavelmente,resultar num reexame dos métodos depesquisa.

Apesar da grande diversidade dos detalhes de

procedimento, virtualmente todos osexperimentos psicológicos baseiam-se no quechamaremos de uma estrutura estímulo-resposta. Com isso queremos dizer que,independentemente do processo psicológicoem discussão, o psicólogo prpcura confrontar osujeito com algum tipo de situação-estímuloplanejada para influenciá-lo de umadeterminada maneira, e, então, examinar eanalisar a (s) resposta (s) eliciada (s) por aquelasituação estimuladora. Afinal de contas, averdadeira essência da experimentação éevocar o fenômeno em estudo de uma maneiraartificial (e, portanto, controlável) e estudar asvariações nas respostas que ocorrem, emrelação às várias mudanças nos estímulos.

A princípio poderia parecer que várias escolaspsicológicas não concordariam de maneiranenhuma com essa metodologia. A psicologiaobjetiva de Watson, Bekhterev, e outros, porexemplo, foi elaborada em oposição às teorias

subjetivas de Wundt e da escola de Wurzburg.Porém, um exame mais detalhado dasdiferenças entre as escolas psicológicas revela

Page 43: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 43/92

43

que tais diferenças surgem da interpretaçãoteórica dada pelos psicólogos às conseqüênciasde várias situações estimuladoras, e não devariações na abordagem metodológica geralcom que as observações são feitas.

A confiabilidade na estrutura estímulo-resposta é um aspecto óbvio daquelas escolas

de psicologia cujas teorias e experimentosbaseiam-se em interpretações do tipo estímulo-resposta do comportamento. A teoriapavloviana, por exemplo, utilizou a noção deexcitação cortical induzida por váriosestímulos para explicar a formação deconexões cerebrais que tornam o organismocapaz de aprender a responder a estímulos atéentâo neutros. Parece menos óbvio queexatamente a mesma estrutura se aplique àpsicologia íntrospectiva, uma vez que, nestecaso, estrutura e teoria parecer não coincidir.Entretanto, tomando Wundt como exemplo,observamos que é a estrutura estímulo-resposta que dá o contexto dentro do qual oteórico-experimentador pode obter descriçõesdos processos que, presume-se, teriam sidoeliciados pelos estímulos.

A adoção da estrutura estímulo-resposta pelapsicologia introspectiva nos idos de 1880 foipara a psicologia um avanço revolucionário,

uma vez que a trouxe para mais perto dométodo e espírito das ciências naturaís epreparou o caminho para as abordagenspsicológicas objetivas que se seguiram. Noentanto, afirmar que a psicologia introspectivae a objetiva compartilham uma estruturametodológica comum não implica, de maneiraalguma, que não haja diferenças importantesentre elas. Enfatizo sua estrutura metodológicacomum porque o seu reconhecimento ajudanosa apreciar o fato de que a psicologia

introspectiva teve suas raízes no solo firme dasciências naturais, e que os processospsicológicos têm sido entendidos há muitotempo dentro de um contexto reativo. Tambémé importante notar que o método experimentalfoi pela primeira vez formulado pelospsicólogos introspectivos, naquelas áreas dapsicofísica e 'psicofisiologia que tratam dosfenômenos psicológicos mais simples, os quaispodem, de forma plausível, ser interpretadoscomo ligados direta e univocamente a agentes

externos. Wundt, por exemplo, viu averdadeira essência do método psicológico no

fato de alterações sistemáticas dos estímulosgerarem mudanças no processo psicológicoligado a eles. Ele procurou registrar damaneira mais objetiva possível asmanifestações externas desses processosinternos, que para ele eram os relatosintrospectivos do sujeito.

Ao mesmo tempo, é importante ter em menteque, para Wundt, o estímulo e a respostatinham unicamente a função de criar aestrutura dentro da qual eventos importantes -os processos psicológicos poderiam serestudados de uma maneira confiável econtrolada. Os relatos introspectivosconstituíam a evidência primordial danatureza desses processos - uma interpretaçãonão compartilhada pelos pesquisadores quesurgiram mais tarde.

A nossa abordagem da estrutura básica daexperimentação psicológica tal como épraticada por Wundt implica limitações na suaaplicação: tal experimentação só foiconsiderada adequada ao estudo dos processoselementares com característicaspsicofisiológicas. As funções psicológicassuperiores não admitiam estudos desse tipo,permanecendo assim um livro fechado, pelomenos no que se refere à psicologia

experimental. Se lembrarmos os tipos deexperimentação sobre o desenvolvimentocognitivo das crianças que caracterizaram aspesquisas recapituladas nas primeiroscapítulos deste livro, poderemos facilmenteentender por que aqueles pesquisadoresconcentraram-se nas funções psicológicaselementares; essa limitação é um aspectointrínseco ao método experimental tal comoera geralmente aceito na psicologia.

Wundt compreendeu e aceitou esse fato, razãopela qual evitou os estudos experimentais dasfunçôes psicológicas superiores.

A partir do que foi dito, deve estar claro queuma estrutura estímulo-resposta para aconstrução de observações experimentais nãovode servir como base para o estudo adequadodas formas superiores, especificamentehumanas, de comportamento. Na melhor dashipóteses, ela pode somente nos ajudar aregistrar a existência de formas subordinadas,

inferiores, as quais não contém a essência dasformas superiores. Usando os métodoscorrentes, só podemos determinar variações

Page 44: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 44/92

44

quantitativas na complexidade dos estímulos enas respostas de diferentes animais e sereshumanos em diversos estágios dedesenvolvimento.

Baseado na abordagem materialista dialéticada análise da história humana, acredito que ocomportamento humano difere

qualitativamente do comportamento animal,na mesma extensão em que diferem aadaptabilidade e desenvolvimento dosanimais, O desenvolvimento psicológico doshomens é parte do desenvolvimento históricogeral de nossa espécie e assim deve serentendido. A aceitação dessa proposiçáosignifica termos que encontrar uma novametodologia para a experimentaçãopsicológica.

O elemento-chave do nosso método, que eutentarei descrever analiticamente nas seçõesseguintes, decorre diretamente do contrasteestabelecido por Engels entre as abordagensnaturalística e dialética para a compreensão dahistória humana. Segundo Engels, onaturalismo na análise histórica manifesta-sepela suposição de que somente a naturezaafeta os seres humanos e de que somente ascondiçôes naturais são os determinantes dodesenvolvimento histórico. A abordagem

dialética, admitindo a influência da naturezasobre o homem, afirma que o homem, por suavez, age sobre a natureza e cria, através dasmudanças provocadas þ por ele na natureza,novas condições naturais para sua existêncial.Essa posição representa o elemento-chave denossa abordagem do estudo e interpretaçãodas funçôes psicológicas superiores do homeme serve como base dos novos métodos deexperimentação e análise que defendemos.

Todos os métodos do tipo estímulo-respostapartilham da inadequabilidade que Engelsatribui à abordagem naturalística da história.Nota-se em ambos que a relação entrecomportamento e natureza éunidirecionalmente reativa. Entretanto, eu emeus colaboradores acreditamos que ocomportamento humano tem aquela "reaçãotransformadora sobre a natureza" que Enbelsatribuiu aos instrumentos. Portanto, temos queprocurar métodos adequados à nossa

concepção. Conjuntamente com os novosmétodos, necessitamos também de uma novaestrutura analítica.

Tenho enfatizado que o objetivo básico danossa pesquisa é fornecer uma análise dasformas superiores de comportamento, mas asituação na psicologia contemporânea é tal,que o problema da análise em si mesmo deveser discutido se quisermos que nossaabordagem seja generalizada para além dos

exemplos específicos apresentados.

Três princípios formam a base de nossa abordagemna análise das funções psicológicas superiores.

Analisar processos e não objetos. O primeiroprincípio leva-nos a distinguir entre a análisede um objeto e a análise de um processo.

Segunda Koffka, a análise psicológica quase

sempre tratou os processos como objetosestáveis e fixos. A tarefa da análise consistiasimplesmente em separá-los nos seuselementos componentes. A análise psicológicade objetos deve ser diferenciada da análise deprocessos, a qual requer uma exposiçãodinâmica dos principais pontos constituintesda história dos processos.

Conseqüentemente, a psicologia dodesenvolvimento, e não a psicologia

experimental, é que fornece a abordagem daanálise que necessitamos. Assim como Werner,estamos defendendo a abordagem dodesenvolvimento como um adendo essencial à,psicologia experimentalz. Qualquer processopsicológico, seja o desenvolvimento dopensamento ou do comportamento voluntário,é um processo que sofre mudanças a olhosvistos. O desenvolvimento em questão podelimitar-se a poucos segundos somente, oumesmo frações de segundos ( como no caso da

percepção normal ) . Pode também ( como nocaso dos processos mentais complexos ) durarmuitos dias e mesmo semanas. Sob certascondições torna-se possível seguir essedesenvolvimento.

O trabalho de Werner fornece um exemplo decomo uma abordagem do desenvolvimentopode ser aplicada à pesquisa experimental.Usando tal abordagem, pode-se, em condiçõesde laboratório, provocar o desenvolvimento.

Nosso método pode ser chamado de método"desenvolvimento experimental", no sentidode que provoca ou cria artificialmente um

Page 45: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 45/92

45

processo de desenvolvimento psicológico. Essaabordagem também é apropriada ao objetivobásico da análise dinâmica. Se substituímos aanálise de objeto pela análise de processo,então, a tarefa básica da pesquisa obviamentese torna uma reconstrução de cada estágio nodesenvolvimento do processo: deve-se fazer

com que o processo retorne aos seus estágiosiniciais.

Explicação versus descrição. Na psicologiaintrospectiva e associacionista, a análiseconsiste, essencialmente, numa descrição e nãonuma explicação como nós a entendemos. Amera descrição não revela as relaçõesdinâmico-causais reais subjacentes aofenômeno.

K. Lewin diferencia a análise fenomenológica,

que se baseia em características externas(fenótipos), daquilo que chamamos análisegenotípica, através da qual um fenômeno éexplicado com base na sua origem, e não nasua aparência externa(3). A diferença entreesses dois pontos de vista pode ser elucidadapor qualquer exemplo biológico. Uma baleia,do ponto de vista de sua aparência externa,situa-se mais próxima dos peixes do que dosmamíferos;

mas, quanto à sua natureza biológica está maispróxima de uma vaca ou de um veado do quede uma barracuda ou de um tubarão.

Baseando-nos em Lewin, podemos aplicar àpsicologia essa distinção entre os pontos devista fenotipico (descritivo) e genotípico(explicativo). Quando me refiro a estudar umproblema sob o ponto de vista dodesenvolvimento, quero dizer revelar umproblema sob o ponto de vista dodesenvolvimento, quero dizer revelar a sua

gênese e suas bases dinâmico-causais. Poranálise fenotípica entendo aquela que começadiretamente pelas manifestações e aparênciascomuns de um objeto. É possível dar muitosexemplos, em psicologia, de sérios erroscausados pela confusão entre esses dois pontosde vista. Em nosso estudo do desenvolvimentoda fala, enfatizamos a distinção entresimilaridades fenotípicas e genotípicas.

Quanto a seus aspectos externos, descritivos,as primeiras manifestações da fala na criançade um ano e meio a dois anos são similares àfala do adulto. Com base nessas similaridades,

pesquisadores sérios, como Stern, concluíramque, em essência, a criança de 18 meses já estáconsciente da relação entre signo esignificado4. Em outras palavras, ele classificana mesma categoria fenômenos que não têmabsolutamente nada em comum do ponto devista do desenvolvimento. Por outro lado, a

fala egocêntrica - que, em suas manifestaçõesexternas difere essencialmente da fala interior -deve ser, do ponto de vista dodesenvolvimento, classificada em conjuntocom a fala interior.

Nossa pesquisa da fala de crianças pequenasleva-nos ao princípio básico formulado porLewin: dois processos fenotipicamenteidênticos ou similares podem ser radicalmentediferentes em seus aspectos dinâmico-causaise, vice-versa, dois processos muito próximosquanto à sua natureza dinâmico-causal podemser muito diferentes fenotipicamente.

Eu disse que a abordagem fenotípicacategoriza os processos de acordo com suassimilaridades externas. Marx comentou deforma mais geral a abordagem fenotípica,quando afirmou que se a essência dos objetoscoincidisse com a forma de suas manifestaçõesexternas, então, toda ciência þeria supérflua" -uma observação extremamente razoável. Se

todos os objetos fossem fenotípica. egenotipicamente equivalentes (isto é, se osverdadeiros princípios de sua construção eoperação fossem expressos por suasmanifestações externas), entâo, a experiênciado dia a dia seria plenamente suficiente parasubstituir a análise científica. Tudo o quevimos teria sido sujeito do conhecimentocientífico.

Na realidade, a psicologia nos ensina a cadainstante que, embora dois tipos de atividadespossam ter a mesma manifestação externa, asua natureza pode diferir profundamente, sejaquanto à sua origem ou à sua essência. Nessescasos são necessários meios especiais deanálise científica para pôr a nu as diferençasinternas escondidas pelas similaridadesexternas. A tarefa da análise é revelar essasrelações. Nesse sentido, a análise científica realdifere radicalmente da análise introspectivasubjetiva, que pela sua natureza não pode

esperar ir além da pura descrição. O tipo deanálise objetiva que defendemos procuramostrar a essência dos fenômenos psicológicos

Page 46: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 46/92

46

ao invés de suas características perceptíveis.

Não estamos interessados na descrição daexperiência imediata eliciada, por exemplo,por um lampejo luminoso, tal como ela nos érevelada pela análise introspectiva; ao invésdisso, procuramos entender as ligações reaisentre os estímulos externos e as respostas

internas que são a base das formas superioresde comportamento, apontadas pelas descriçõesintrospectivas. Assim, para nós, a análisepsicológica rejeita descrições nominais,procurando, ao invés disso, determinar asrelações dinâmico-causais.

Entretanto, tal explicação seria tambémimpossível se ignorássemos as manifestaçõesexternas das coisas.

Necessariamente, a análise objetiva inclui uma

explicação científica tanto das manifestaçõesexternas quanto do processo em estudo. Aanálise não se limita a uma perspectiva dodesenvolvimento. Ela não rejeita a explicaçãodas idiossincrasias fenotípicas correntes, mas,ao contrário, subordina-as à descoberta de suaorigem real.

O problema do "comportamento fossilizado".O terceiro princípio básico de nossaabordagem analítica fundamenta-se no fato de

que, em psicologia, defrontamo-nosfreqüentemente com processos queesmaeceram ao longo do tempo, isto é,processos que passaram através de um estágiobastante longo do desenvolvimento histórico etornaram-se fossilizados. Essas formasfossilizadas de comportamento são maisfacilmente observadas nos assim chamadosprocessos psicológicos automatizados oumecanizados, os quais, dadas as suas origensremotas, estão agora sendo repetidos pela

enésima vez e tornaram-se mecanizados. Elesperderam sua aparência original, e a suaaparência externa nada nos diz sobre a suanatureza interna. Seu caráter automático criagrandes dificuldades para a análisepsicológica.

Os processos que tradicionalmente têm sidodescritos como atenção voluntária einvoluntária constituem um exemploelementar que demonstra como processosessencialmente diferentes adquiremsimilaridades externas em conseqüência dessaautomação. Do ponto de vista do

desenvolvimento, esses dois processos diferemprofundamente. Mas na psicologiaexperimental considera-se um fato, tal comoformulou Titchener, que a atenção voluntária,uma vez estabelecida, funciona exatamentecomo a atenção involuntária.

Segundo Titchener, a atenção "secundária"

transforma-se constantemente em atenção"primária". Uma vez tendo descrito ediferenciado os dois tipos de atenção,Titchener diz: "Existe, entretanto, um terceiroestágio no desenvolvimento da atenção, e elenada mais é do que um retorno ao primeiroestágio". O último e mais alto estágio nodesenvolvimento de qualquer processo podedemonstrar uma semelhança puramentefenotípica com os primeiros estágios ouestágios primáríos, e, se adotamos umaabordagem fenotípica, torna-se impossíveldistinguir as formas ínferiores das formassuperiores desse processo. A única maneira deestudar esse terceiro e mais alto estágio nodesenvolvimento da atenção é entendê-lo emtodas as suas idiossincrasias e diferenças. Emresumo, precisamos compreender sua origem.Constantemente, precisamos concentrar-nosnão no produto do desenvolvimento, mas nopróprio processo de estabelecimento dasformas superiores. Para isso, o pesquisador éfreqi.ientemente forçado a alterar o caráterautomático, mecanizado e fossilizado dasformas superiores de comportamento,fazendo-as retornarem à sua origem através doexperimento. Esse é o objetivo da análisedinâmica.

As funções rudimentares, inativas,permanecem não como remanescentes vivosda evolução biológica, mas comoremanescentes do desenvolvimento histórico

do comportamento.Consequentemente, o estudo das funçõesrudimentares deve ser o ponto de partida parao desenvolvimento de uma perspectivahistórica nos experimentos psicológicos. E aquique o passado e o presente se fundem e opresente é visto à luz da história. Aqui nosencontramos simultaneamente em dois planos:aquele que é e aquele que foi. A formafossilizada é o final de uma linha que une o

presente ao passado, os estágios superiores dodesenvolvimento aos estágios primários.

O conceito de uma psicologia historicamente

Page 47: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 47/92

47

fundamentada é mal interpretado pela maioriados pesquisadores que estudam odesenvolvimento da criança. Para eles, estudaralguma coisa historicamente significa pordefinição, estudar algum evento do passado.Por isso, eles sinceramente imaginam existiruma barreira intranspanível entre ó estudo

histórico e o estudo das formascomportamentais presentes. Estudar algumacoisa historicamente significa estudá-la noprocesso de mudança; esse é o requisito básicodo método dialético. Numa pesquisa, abrangero processo de desenvolvimento de umadeterminada coisa, em todas as suas fases emudanças - do nascimento à morte - significa,fundamentalmente, descobrir sua natureza,sua essência, uma vez que "é somente emmovimento que um corpo mostra o que é".

Assim, o estudo histórico do comportamentonão é um aspecto auxiliar do estudo teórico,mas sim sua verdadeira base. Como afirmouP.P. Blonsky, "o comportamento só pode serentendido como a história do comportamento"(7).

A procura de um método torna-se um dosproblemas mais importantes de todoempreendimento paa a compreensão dasformas caracteristicamente humanas deatividade psicológica. Nesse caso, o método é,ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, oinstrumento e o resultado do estudo.

Em resumo, então, o objetivo e os fatoresessenciais da análise psicológica são osseguintes: (1) uma análise do processo emoposição a uma análise do objeto; (2) umaanálise que revela as relações dinâmicas oucausais, reais, em oposição à enumeração dascaracterísticas externas de um processo, isto é,uma análise explicativa e não descritiva; e (3)

uma análise do desenvolvimento quereconstrói todos os pontos e faz retornar àorigem o desenvolvimento de umadeterminada estrutura.

O resultado do desenvolvimento não será umaestrutura puramente psicológica, como apsicologia descritiva considera ser, nem asimples soma de processos elementares, comoconsidera a psicologia associacionista, e simuma forma qualitativamente nova que aparece

no processo de desenvolvimento.

 A psicologia. das respostas de escolha complexas

Para ilustrar as abordagens contrastantes daanálise psicológica, discutirei, com algumdetalhe, duas aná,lises diferentes de umamesma tarefa. Na tarefa que escolhi, oindivíduo encontra-se frente a um ou maisestímulos (via de regra, visuais ou auditivos).

A resposta requerida difere de acordo com onúmero de estímulos e o interesse dopesquisador: algumas abordagens procuramdecompor a reação numa série de processoselementares, cujas duraçôes podem sersomadas e subtraídas para estabelecer as leisde sua combinação;

outras procuram descrever a reação emocionaldo sujeito quando ele responde ao estímulo.Em ambos os casos, usam-se eomo dados

básicos as análises introspectivas que ospróprios sujeitos fazem de suas respostas.Nesses experimentos, a inadequação dasformulações até então usadas ilustram, deforma útil, os nossos princípios analíticosbásicos.

É também característico dessas análises querespostas simples e complexas sejamdistinguidas, primariamente, de acordo com acomplexidade quantitativa do estímulo: diz-seque ocorre uma reação simples quando seapresenta um único estímulo, a que acomplexidade da resposta aumenta aoaumentar o número de estímulos. Umpressuposto inicial dessa linha de pensamentoé que a complexidade da tarefa é idêntica àcomplexidade da resposta interna do sujeito.

Essa identidade está claramente expressa nasfórmulas algébricas comumente usadas naanálise das respostas de tais tarefas. Se umúnico estímulo é apresentado, podemos

escrever uma equação onde a reação complexaé igual a uma reação simples (reconhecimentosensorial ) : Rt = Rs, onde Rt é o tempo deresposta para a reação complexa total e Rs é otempo de resposta da reação dereconhecimento de um estímulo. Se sãoapresentados dois ou mais estímulos, dosquais o sujeito deve selecionar um, essaequação se torna: Rt = Rs mais D, onde D é otempo usado na discriminação entre oestímulo alvo e os outros. Usando essas duas

equaçôes, podemos estabelecer o temporequerido tanto para uma reaçâo simples comopara uma reação discriminativa.

Page 48: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 48/92

48

Se complicamos a tarefa, solicitando que osujeito apresente uma resposta diferente paracada estímulo (por exemplo, pressionar a teclada esquerda para o estímulo A e a da direitapara o estímulo B), obtemos a fórmula clássicada reação de escolha: Rt = Rs mais D mais E,onde E é o tempo necessário para a escolha do

movimento correto, como, por exemplo,pressionar a tecla correspondente ao estímuloapresentado.

Uma descrição verbal da teoria quefundamenta esse conjunto de fórmulas é aseguinte; a resposta de discriminação é umareação simples mais a discriminação; a reaçãode escolha é urna reação simples mais adiscriminação e mais a escolha. A respostasuperior, mais complexa, é vista como a somaaritmética de seus componentes elementares.

Os proponentes dessa abordagem analíticaaplicam-na de forma bem ampla. Cattell, porexemplo, acredita que, subtraindo-se o temponecessário para compreender e verbalizar umapalavra do tempo necessário paracompreender, traduzir uma palavra de umalíngua para outra e verbalizá-la, obtém-se umamedida pura do processo de tradução". Erizresumo, até mesmo os processos superiorescomo a compreensão e produção da fala

podem ser analisados por esse método. Édifícil imaginar uma concepção maismecanicista das formas superiores, complexas,do comportamento.

Entretanto, essa abordagem analítica temlevado a várias dificuldades. A observaçãoempírica mais básica que contradiz essa teoriavem de Titchener, que mostrou que o tempopara executar uma reação de escolhacuidadosamente preparada poderia ser igualao tempo para a execução de uma respostasensorial simples. Isso seria irnpossível, pelalógica da análise resumida nas equações acima.

Do nosso ponto de vista, a premissa básica quefundamenta toda essa linha de análise éincorreta. Não é verdade que uma reaçãocomplexa seja constituída de uma cadeia deprocessos separados os quais podem ser,arbitraríamente, somados e subtraídos.Qualquer reação desse tipo reflete processosque dependem do processo inteiro de

aprendizado que se dá ao longo de todos osníveis da tarefa. Essa análise mecânicasubstitui as relações reais que estão na base do

processo de escolher pelas relações existentesentre os estímulos. Esse tipo de substituiçãoreflete uma atitude intelectual geral empsicologia que procura a compreensão dosprocessos psicológicos nas manipulações queconstituem o próprio experimento; osprocedimentos experimentais tornam-se

substitutos dos processos psicológicos.Vários estudiosos, ao mesmo tempo quedemonstram a inadequação da análisepsicológica baseada na decomposiçãomecânica das respostas em seus elementoscomponentes, defrontam-se se com o problemade que suas análises introspectivas de reaçõescomplexas tenham que se restringir àdescrição: nesse caso, a descrição das respostasexternas é substituída pela descrição dossentimentos internos. Ambos os casosrestringem-se à análise psicológica fenotípica.

A análise introspectiva, na qual observadoresaltamente treinados são instruídos a notartodos os aspectos da sua própria experiênciaconsciente, não pode levar-nos muito longe.Um resultado curioso desse tipo de trabalho,como Ach assinalou ao discutir os estudos dareação de escolha, é a descoberta de que não hásentimentos conscientes de escolha na reaçãode escolha (10). Titchener enfatizou que se

deve ter em mente o fato de que os nomesdados a uma reação complexa ou simples (porexemplo, "diferenciação" ou "escolha")referem-se às condições externas da tarefa. Nósnão diferenciamos na reação de diferenciação enós não escolhemos na reação de escolha.

Esse tipo de análise rompe a identidade entreos procedimentos experimentais e os processospsicológicos. Nomes de processos como"escolher" e "diferenciar" são tratados comoresquícios de uma era anterior da psicologia,em que a experimentação ainda eradesconhecida: observadores eram, entâo,treinados a fazer uma distinção clara entre osnomes de processos e sua experiênciaconsciente, de modo a contornar esseproblema.

Esses estudos introspectivos levaram àconclusão de que uma situação que parecerequerer processos de escolha não forneceelementos para se falar de uma resposta

psicológica de escolha;a discussão de tais respostas foi substituída

Page 49: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 49/92

49

pela descrição dos sentimentos do sujeitodurante o experimento. No entanto, ninguémpôde dar qualquer evidência de que essessentimentos tivessem constituído parteintegrante do processo particular de resposta.

Parece mais provável que eles sejam somenteum de seus componentes, e que eles mesmos

necessitem de explicação. Somos levados aconcluir que a introspecçâo é, frequentemente,incapaz de prover uma descrição acurada, nãose preocupando com uma explicação correta,mesmo em relação ao aspecto subjetivo daresposta. Pelas mesmas razões, seria de seesperar as frequentes discrepâncias entre asdescrições introspectivas de váriosobservadores que, aliás, constituem umproblema nessa área de pesquisa. Deve ficarclaro que a análise introspectiva não fornece aexplicação dinâmica ou causal real de umprocesso; para que isso ocorra, devemos deixarde basear-nos nas aparências fenotípicas emover-nos para um ponto de vista de análisedo desenvolvimento.

As pesquisas sobre as reações complexastambém ilustram que a psicologia. só dependeda análise de processos depois que eles setenham tornado fossilizados.

Este ponto foi notado por Titchener, queobservou terem os pesquisadores concentradoseu estudo no tempo de reaçâo das respostas, enão nos processos de aprendizado ou noconteúdo da própria reação. Isso pode serclaramente visto, também, na práticaestabelecida de se desprezar os dados dasprimeiras sessões, quando as respostas estãosendo estabelecidas. O que se procura é auniformidade, de tal forma que nunca épossível captar o processo em andamento; aocontrário, os pesquisadores, rotineiramente,desprezam os tempos críticos do aparecimentodas reações, quando suas ligações funcionaissão estabelecidas e ajustadas. Tais práticaslevam-nos a caracteriza.r as respostas como"fossilizadas". Elas refletem o fato de que essespsicólogos não estão interessados nas reaçõescomplexas como um processo dedesenvolvimento. Essa abordagem é, também,a causa maior das confusões relativas àsreações simples e complexas superficialmente

semelhantes. Poderse-ia dizer que as reaçôescomplexas têm sido estudadas pvostmortem.

Uma outra perspectiva sobre esse mesmo

assunto pode ser obtida através dacomparação entre reações complexas ereflexos, que são psicologicamente diferentesem muitos aspectos. Para efeito de ilustração,será suficiente compararmos um ponto. Sabe-se que o período de latência de uma reaçãocomplexa é mais longo que o período de

latência de um reflexo. No entanto, há muitotempo Wundt demonstrou que o período delatência de uma reação complexa decresce coma prática. Conseqüentemente, a latência dareação complexa e do reflexo simples tornam-se equivalentes. Comumente, as diferençasmais importantes entre uma reação complexa eum reflexo são mais evidentes quando a reaçãoestá em seus estágios iniciais; com a prática, asdiferenças tornam-se cada vez maisobscurecidas. Portanto, as diferenças entre

essas duas formas de comportamento devemser procuradas na análise de seudesenvolvimento. No entanto, as pesquisassobre as reações de escolha bem estabelecidas eos reflexos, ao invés de aumentarem asdiferenças discerníveis entre os doisfenômenos, escondem-nas. Os ensaiospreparatórios requeridos pelos métodosexperimentais habituais, freqüentemente seestendem por várias sessões de longa duração.Se esses dados então são descartados ou

ignorados, resta ao pesquisador uma reaçãoautomatizada que, em relaçâo a um reflexo,perdeu as diferenças expressadas no seudesenvolvimento, e adquiriu uma similaridadefenotípica superficial. Esses fatores levaram ànossa afirmativa de que pesquisadoresanteriores estudaram as reações emexperimentos psicológicos somente depois deelas terem se tornado fossilizadas.

Essa discussão da análise tradicional de

reações complexas define, ainda que de formanegativa, as tarefas básicas com as quais nosdefrontamos. Para obtermos o tipo de análisedinâmico causal que defendemos, teremos quedeslocar o foco de nossa pesquisa.

O estudo dinâmico-causal das reações de escolha

Obviamente, as primeiras sessões de formaçãode uma reação possuem uma importânciacrucial, porque somente os dados desse

período revelarão a verdadeira origem dareação e suas ligações com outros processos.Através de um estudo objetívo de toda a

Page 50: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 50/92

50

história de uma reação, podemos obter umaexplicação integrada das suas manifestaçõesinternas e de superfície. Dessa forma,queremos estudar a reação como ela apareceinicialmente, como toma forma, e depois queestá firmemente estabelecida, tendo sempre emmente o fluxo dinâmico de todo o processo de

seu desenvolvimento.Fica claro, pela minha discussão prévia. outraparte da tarefa: a reação complexa tem que serestudada como um processo; vivo, e não comoum objeto. Se encontramos a reação na formaautomatizada, temos que fazê-la voltar à suaforma original.

Quando examinamos os processosexperimentais usados em reações complexas,vemos que todos baseiam-se no

estabelecimento de conexões sem significadoentre estímulos e respostas.

Apresentam-se ao sujeito vários estímulos, aosquais ele deve responder de diferentesmaneiras: do ponto de vista do sujeito, nem asrelações entre o estímulo e a respostasolicitada, nem a seqüência na qual osestímulos são apresentados, têm qualquersignificado.

Quando uma resposta motora é exigida, como,

por exemplo, pressionar ume. tecla, osindivíduos podem executar o movimento damaneira que quiserem. Essas convençõestornam mecânicas as relações entre oselementos do problema, colocando essesprocedimentos no mesmo plano de umapesquisa sobre a memória que usasseestímulos sem sentido.

Essa analogia entre os estudos da reação deescolha e da memória pode ser entendidaconsiderando-se as similaridades do papel darepetição nas duas tarefas. Embora ninguémtenha se dedicado ao estudo do treinamentoprático de uma reação de escolha, pode-seconcluir com segurança que, se a reação éformada através de um treinamento repetido (ou treinamento mais instrução escrita ou oral) ,ela é aprendida como que por decoração, assimcomo se aprende a conexão entre duas sílabassem sentido por um processo de decoração. Se,por outro lado, reações simples estivessemenvolvidas e se ao sujeito fosse dadaantecipadamente uma extensa explicação, detal forma que a relação entre o estímulo e a

resposta fosse compreensível (por exemplo,apertar a tecla número 1 quando eu disser"um", apertar a tecla número 2 quando eudisser "dois"), estaríamos lidando com ligaçõespreviamente existentes. No entanto, emnenhum dos casos poderíamos estudar oprocesso de organização da reação, durante o

qual seriam descobertas suas ligaçõessubjacentes. Para tornar tudo isso mais claro,seguiremos os estágios através dos quais asreações de escolha se movem, primeiro emexperimentos com adultos e em seguida comcrianças. Se elaboramos uma reação de escolharelativamente simples, digamos, pressionarum botão com a mão esquerda quando umestímulo vermelho é mostrado e pressionarcom a mão direita quando um estímulo verdeé mostrado, os adultos rapidamente adquirem

uma resposta estável. Suponhamos, entretanto,que aumentemos o número de estímulos erespostas para cinco ou seis e diversifiquemosas respostas de modo que o sujeito tenha queresponder não só com ambas as mãos, mastambém às vezes pressionando um botão e àsvezes simplesmente movendo um dedo.

Com tal número de pareamentos entreestímulos e respostas, a tarefa torna-seconsideravelmente mais difícil. Suponhamos,ainda, que ao invés de um período longo detreinamento prévio, no qual se permitisse aosujeito aprender as relações entre estímulos erespostas, nós lhe déssemos somente ummínimo de instruções.

Diante dessa situação, os adultosfreqüentemente se recusam até mesmo a tentarlidar com o problema, objetando que poderiamnão lembrar do que fazer. Mesmo após asessão ter começado, permanecem repetindopara si mesmos as instruções, perguntando

sobre aspectos da tarefa que esqueceram,geralmente procurando dominar o sistema derelações como um todo até que se adaptem àtarefa tal como foi inicialmente concebida.

Entretanto, quando colocávamos estímulosadicionais nas teclas e botões de respostas demaneira análoga aos procedimentos nosestudos de memória previamente descritos, osadultos imediatamente usavam esses meiosauxiliares para lembrar as relações necessárias

entre estímulos e respostas.Com crianças a situação é diferente. Emprimeiro lugar, apresentávamos o problema,

Page 51: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 51/92

51

como para os adultos, solicitando à criança queexecutasse várias respostas diferentes paradiferentes estímulos. Diferentemente dosadultos, crianças de 6 a 8 anos de idadefreqüentemente começavam a tarefaimediatamente após escutarem as instruções etentavam segui-las sem a menor hesitação.

Assim que o experimento começava, a maioriadas crianças via-se frente a grandesdificuldades.

Quando uma criança lembrava uma ou duasdas relações solicitadas e respondiacorretamente àqueles estímulos, inocentementeperguntava pelos outros estímulos, tratandocada um deles isoladamente. Essecomportamento era diferente daquele dosadultos, que geralmente não conseguiam lidar

efetivamente com os estímulos individuais,enquanto não consoguissem dominar todas asrelações necessárias. Vemos estecomportamento nas crianças como umaevidência de que elas estão no estágio deresponder à tarefa de uma maneira natural ouprimitiva, porque dependem da memória nãomediada dos elementos da tarefa. O fato de ascrianças terem aceitado, sem hesitaçãonenhuma, o desafio de estabelecer umaresposta de escolha complexa com até dez

estímulos, sugere que elas ainda não têmconhecimento de suas próprias capacidades elimitações. Operam tarefas complexas damesma maneira que operam tarefas simples.

Quando introduzimos estímulos auxiliares, ocomportamento da criança também difere docomportamento do adulto, embora possamosdiscernir o início da reestruturação quecaracteriza o adulto.

Primeiro, introduzimos estímulos auxiliares

que mantinham uma relação clara com osestímulos primários com os quais começamos.

Por exemplo, se o estímulo primário fosse umcavalo, ao qual esperava-se que a criançarespondesse pressionando uma tecla com odedo indicador da mão esquerda, colávamosnessa tecla a figura de um trenó. Na teclacorrespondente a um filão de pão, colávamos afigura de uma faca. Nesse caso, a criançaentende que o trenó se relaciona com o cavalo,a faca com o pão, e assim por diante. Asreações de escolha são tranqüilamenteestabelecidas desde o começo. Além disso, não

importa quantos estímulos e respostas estãoenvolvidos; os aspectos qualitativos daresposta permanecem os mesmos. A criançarapidamente elabora uma regra para a soluçãodo problema e passa a fazer sua escolha combase nessa regra.

Entretanto, seria incorreto admitir que a

criança passou a dominar um sistema mediadode comportamento em sua forma adulta plena.Basta mudar as relações entre os estímulosprimários e auxiliares para descobrir os limitesdo sistema de respostas da criança. Separeamos os estímulos de uma maneiradiferente (digamos, cavalo com faca, pão comtrenó), a criança deixa de usar os estímulosauxiliares de maneira apropriada. A criançalembra somente que, de alguma maneira, ocavalo ajudou-a a encontrar o trenó. Ela revela,por suas respostas, que usou a associaçãoconvencional de cavalo e trenó para guiar suaescolha, mas que não dominou a lógica internade usar um estímulo para mediar a resposta aoutro.

Se prolongamos nosso experimento por temposufíciente, co meçamos a notar mudanças namaneira da criança responder. No primeiroestágio de respostas a estímulosarbitrariamente relacionados, a criança nâo

tem 2xperiência suficiente com a tarefa paraorganizar eficazmente o seu camportamento.Ela usa a experiência de forma ingênua. Nodecorrer do experimento, no entanto, elaadquire a experiência necessáría parareestruttþ.rar seu comportamento. Assimcomo a criança adquire um conhecimentofísico simples ao operar com objetos, à medidaque se esforça para realizar a tarefa da reaçãode escolha adquire conhecimento dasoperações psicológicas. A medida que tenta

lembrar que estímulos estão ligados a querespostas, a criança começa a aprender osignificado do processo de lembrança nessasituação e começa a usar de forma eficaz umou outro dos estímulos auxiliares. A criançacomeça a perceber que certas relações entre osestímulos e as figuras auxiliares produzemrespostas de escolha corretas, enquanto outrasnão. Logo começa a reclamar do arranjo dasfiguras, pedindo que as figuras coladas sobreas teclas sejam arranjadas de modo a ajustarse

aos estímulos primários associados às teclas.Quando se diz à criança que pressione a tecla

Page 52: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 52/92

52

do pão em resposta à figura do cavalo, elaresponde: "Não, eu quero a tecla do trenó". Issomostra que a criança está acumulandoexperiência, que está mediando a estrutura desua própria memorização.

Tendo compreendido, de maneira ingênua, oque as operações de memorização requerem, a

criança passa para o estágio seguinte. Diantede estímulos primários e auxiliares numarranjo que parece ser casual, a criança pedirápara colocá-los numa ordem especial,estabelecendo assim, pessoalmente, umarelação específica entre eles. Nesse ponto acriança mostra que sabe que certos signos aajudarão a realizar certas operações. Emresumo, ela está começando a memorizaratravés do uso de signos.

Uma vez que isso acontece, a criança não sentemais dificuldade em criar relações e em usá-las. Diante de alguns pareamentos entreestímulos primários e auxiliares, a criança nãomais se restringe ao uso de relações jádisponíveis (tal como cavalo-trenó), mas écapaz de criar suas próprias relações. Pode-sechamar isso de estágio do uso de signosexternos. Ele se caracteriza pela formaçãoindependente de relações novas nas operaçõesinternas da criança usando signos

apresentados externamente. Agora a criançaorganiza ós estímulos externos para levaravante as suas respostas. Esse estágiofundamental é seguido, então, pelo estágio noqual a criança começa a organizar os estímulosde maneira interna.

Essas mudanças manifestam-se no decorrerdos experimentos de reação de escolha. Apósuma prática considerável nos experimentos deescolha, o tempo de reação começa a diminuircada vez mais. Se o tempo de reação a umdeterminado estímulo tinha sido de 500milissegundos ou mais, ele se reduz a unsmeros 200 milissegundos. O tempo de reaçãomais longo refletia o fato de a criança estarusando meios externos para realizar asoperações de lembrar que tecla apertar.Gradualmente, a criança deixa de lado osestímulos externos, nâo prestando maisatenção a eles. A resposta aos estímulosauxiliares externos é substituída por uma

resposta a estímulos produzidos internamente.Na sua forma mais desenvolvida, estaoperação interna consiste em a criança captar a

verdadeira estrutura do processo, aprendendoa entender as leis de acordo com as quais ossignos externos devem ser usados. Quandoesse estágio é atingido, a criança dirá: "Eu nãopreciso mais de figuras. Eu o farei por mimmesma".

Características do novo método

Tentei demonstrar que o curso dodesenvolvimento da criança caracteriza-se poruma alteração radical na própria estrutura docomportamento; a eada novo estágio, a criançanão só muda suas respostas, como também asrealiza de maneiras novas, gerando novos"instrumentos" de comportamento esubstituindo sua função psicológica por outra.Operações psicológicas que em estágios

iniciais eram realizadas através de formasdiretas de adaptação mais tarde são realizadaspor meios indiretos. A complexidade crescentedo comportamento das crianças reflete-se namudança dos meios que elas usam pararealizar novas tarefas e na eorrespondentereconstrução de seus processos psicológicos.

Nosso conceito de desenvolvimento implica arejeição do ponto de vista comumente aceitode que o desenvolvimento cognitivo é o

resultado de uma acumulação gradual demudanças isoladas.

Acreditamos que o desenvolvimento dacriança é um processo dialético complexocaracterizado pela periodicidade, desigualdadeno desenvolvimento de diferentes funções,metamorfose ou transformação qualitativa deuma forma em outra, embricamento de fatoresinternos e externos, e processos adaptativosque superam os impedimentos que a criançaencontra. Dominados pela noção de mudançaevolucionária, a maioria dos pesquisadores empsicologia da criança ignora aqueles pontos deviragem, aquelas mudanças convulsivas erevolucionárias que são tão freqi.ientes nodesenvolvimento da criança. Para a menteingênua, evolução e revolução parecemincompatíveis e o desenvolvimento históricosó está ocorrendo enquanto segue uma linhareta.

Onde ocorrem distúrbios, onde a trama

histórica é rompida, a mente ingênua vêsomente catástrofe, interrupção edescontinuidade. Parece que a história pára de

Page 53: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 53/92

53

repente, até que retome, uma vez mais, a viadireta e linear de desenvolvimento.

O pensamento científico, ao contrário, vêrevolução e evolução como duas formas dedesenvolvimento mutuamente relacionadas,sendo uma pressuposto da outra, e vice-versa.Vê, também, os saltos no desenvolvimento da

criança como nada mais do que um momentona linha geral do desenvolvimento.

Como tenho enfatizado repetidamente, ummecanismo essencial dos processosreconstrutivos que ocorre durante odesenvolvimento da criança é a criação e o usode vários estímulos artificiais. Esses estímulosdesempenham um papel auxiliar que permiteaos seres humanos dominar seu própriocomportamento, primeiro através de meios

externos e posteriormente através deoperações internas mais complexas. Nossaabordagem do estudo das funções cognitivasnão requer que o experimentador forneça aossujeitos os meios já prontos, externos ouartificiais, para que eles possam completar comsucesso uma tarefa dada. O experimento éigualmente válido se, ao invés doexperimentador fornecer às crianças meiosartificiais, esperar até que elas,espontaneamente, apliquem algum método

auxiliar ou símbolo novo que elas passam,entâo, a incorporar em suas operações.

Não importa a área específica em queaplicamos essa abordagem.

Poderíamos estudar o desenvolvimento damemorização em crianças fornecendo-lhesnovos meios de solucionar a tarefa dada, e,então, observando o grau e o caráter de seusesforços na solução do problema. Poderíamostambém usar esse método para estudar a

maneira pela qual as crianças organizam suaatenção ativa com o auxílio de meios externos.Poderíamos, ainda, seguir o desenvolvimentode habilidades aritméticas em criançaspequenas fazendo-as manipular objetos eaplicar métodos que lhes sejam sugeridos ouque elas "inventem". O que é crucial, noentanto, é que temos que nos ater, em todosesses casos, a um princípio.

Estudamos nâo somente o final da overação,mas também a sua estrutura vsicológicaesvecifica. Em todos esses casos, a estruturapsicológica do desenvolvimento aparece com

muito mais riqueza e variedade do que nométodo clássico do experimento simples deassociação estímulo-resposta. Embora estaúltima metodologia torne extremamente fácilverificar as respostas do sujeito, ela se mostrasem utilidade quando o objetivo é descobrir osmeios e os métodos utilizados pelos sujeitos

para, organizar o seu próprio comportamento.Nossa abordagem para estudar esses processosé usar o que chamamos de método juncionalda estimulação dupla.

A tarefa com a qual a criança se defronta nocontexto experimental está, via de regra, alémde sua capacidade do momento, e não pode serresolvida com as habilidades que ela possui.Nesses casos, um objeto neutro é colocadopróximo da criança, e freqüentemente

podemos observar como o estímulo neutro éincluído na situação e adquire a função de umsigno. Assim, a criança incorpora ativamenteesses objetos neutros na tarefa de solucionar oproblema.

Poderíamas dizer que, quarido surgemdificuldades, os estímulos neutros adquirem afunção de um signo e a partir desse ponto aestrutura da operação assume um caráterdiferente em essência.

Ao usar essa abordagem, não nos limitamos aométodo usual que oferece ao sujeito estímulossimples dos quais se espera uma respostadireta. Mais que isso, oferecemossimultaneamente uma segunda série deestimulos que têm uma função especial. Dessamaneira, podemos estudar o vrocesso derealização de uma tarefa com a ajuda de meiosauþiliares especificos; assim, também seremoscapazes de descobrir a estrutura interna e odesenvolvimento dos processos psicológicos

superiores.O método da estimulação dupla provocamanifestações dos processos cruciais nocomportamento de pessoas de todas as idades.

Em crianças e adultos, o ato de atar um nócomo um evocador mnemônico é apenas umexemplo de um princípio regulatórioamplamente difundido no comportamentohumano, o da significação, através do qual aspessoas, no contexto de seus esforços para

solucionar um problema, criam ligaçõestemporárias e dão significado a estímulospreviamente neutros.

Page 54: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 54/92

54

Entendemos que nosso método é importanteporque ajuda a tornar objetivos os processospsicológicos interiores; os métodos deassociação entre estímulos e respostas sãoobjetivos, limitando-se, no entanto, ao estudodas respostas externas já contidas no repertóriodo sujeito. Quanto às metas da pesquisa

psicológica, acreditamos que a nossaabordagem, que torna objetivos os processospsicológicos interiores, é muito mais adequadado que os métodos que estudam as respostasobjetivas pré-existentes".

Somente a "objetificação" dos processosinteriores garante o acesso às formasespecíficas do comportamento superior emcortraposição às formas subordinadas.

SEGUNDA PARTEImplicações educacionais

6. Interação entre aprendizado edesenvolvimento

Os problemas encontrados na análisepsicológica do ensino não podem sercorretamente resolvidos ou mesmo formuladossem nos referirmos à relação entre oaprendizado e o desenvolvimento em criançasem idade escolar. Este ainda é o maiz obscurode todos os problemas básicos necessários àaplicação de teorias do desenvolvimento dacriança aos processos educacionais. Edesnecessário dizer que essa falta de clarezateórica não significa que o assunto estejacompletamente à margem dos esforçoscorrentes de pesquisa em aprendizado;

nenhum dos estudos pode evitar essa questãoteórica central. No entanto, a relação entreaprendizado e desenvolvimento permanece,do ponto de vista metodológico, obscura, umavez que pesquisas concretas sobre o problemadessa relação fundamental incorporarampostulados, premissas e soluções exóticas,teoricamente vagos, não avaliados criticamentee, algumas vezes, internamente contraditórios:disso resultou, obviamente, uma série de erros.

Essencialmente, todas as concepções correntes

da relação entre desenvolvimento eaprendizado em crianças podem ser reduzidasa três grandes posições teóricas.

A primeira centra-se no pressuposto de que osprocessos de desenvolvimento da criança sâoindependentes do aprendizado.

O aprendizado é considerado um processopuramente externo que não está envolvidoativamente no desenvolvimento. Elesimplesmente se utilizaria dos avanços do

desenvolvimento ao invés de fornecer umimpulso para modificar seu curso.

Em estudos experimentais sobre odesenvolvimento do ato de pensar em criançasem idade escolar, tem-se admitido queprocessos como dedução, compreensão,evolução das noções de mundo, interpretaçãoda casualidade física, o domínio das formaslógicas de pensamento e o domínio da lógícaabstrata ocorrem todos por si mesmos, sem

qualquer influência do aprendizado escolar.Um exemplo dessa. posição são os princípiosteóricos extremamente complexos einteressantes de Piaget, os quais, por sinal,determinam a metodologia experimental queele emprega.

As perguntas que Piaget faz às criançasdurante suas "conversações clínicas" ilustramclaramente sua abordagem.

Quando se pergunta a uma criança de 5 anos

de idade por que que o sol não cai, tem-secomo pressuposto que a criança não tem umaresposta pronta e nem a capacidade deformular uma questão desse tipo. A razão dese fazerem perguntas que estão muito além doalcance das habilidades intelectuais da criançaé tentar eliminar a influência da experiência edo conhecimento prévios. O experimentadorprocura obter as tendências do pensamentodas crianças na forma "pura", completamenteindependente do aprendizado (l).

De forma similar, os clássicos da literaturapsicológica, tais como os trabalhos de Binet eoutros, admitem que o desenvolvimento ésempre um pré-requisito para o aprendizado eque, se as funções mentais de uma criança (operações intelectuais ) não amadureceram aponto de ela ser capaz de aprender um assuntoparticular, então nenhuma instrução semostrará útil. Eles temem, especialmente, asinstruções prematuras, o ensino de um assuntoantes que a criança esteja pronta para ele.Todos os esforços concentram-se em encontraro limiar inferior de uma capacidade de

Page 55: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 55/92

55

aprendizado, ou seja, a idade na qual um tipoparticular de aprendizado se torna possívelpela primeira vez.

Uma vez que essa abordagem se baseia napremissa de que o aprendizado segue a trilhado desenvolvimento e que o desenvolvimentosempre se adianta ao aprendizado, ela exclui a

noção de que o aprendizado pode ter um papelno curso do desenvolvimento ou maturaçãodaquelas funções ativadas durante o próprioprocesso de aprendizado. O desenvolvimentoou a maturação são vistos como uma pré-condição do aprendizado, mas nunca comoresultado dele. Para resumir essa posição: oaprendizado forma uma superestrutura sobreo desenvolvimento, deixando este últimoessencialmente inalterado.

A segunda grande posição teórica é a quepostula que aprendizado é desenvolvimento.Essa identidade é a essência de um grupo deteorias que, na sua origem, são completamentediferentes.

Uma dessas teorias se baseia no conceito dereflexo, uma noção essencialmente velha, que,recentemente, tem ido extensivamenterevivida. O desenvolvimento é visto como odomínio dos reflexos condicionados, nãoimportando se o que se considera é o ler, oescrever ou a aritmética, isto é, o processo deaprendizado está completa e inseparavelmentemisturado com o processo dedesenvolvimento. Essa noção foi elaborada por

 James, que reduziu o processo de aprendizadoà formação de hábitos e identificou o processode aprendizado com desenvolvimento.

As teorias que se baseiam no conceito dereflexo têm pelo menos um ponto em comumcom aquelas teorias do tipo de Piaget:

em ambas o desenvolvimento é concebidocomo elaboração e substituição de respostasinatas. Ou, como James expressou:

"Em resumo não existe melhor maneira dedescrever a educação do que considerá-lacomo a organização dos hábitos de conduta etendências comportamentais adquiridos"z. Odesenvolvimento reduz-se, primariamente, àacumulação de todas as respostas possíveis.Considera-se qualquer resposta adquirida,

como uma fórma mais complexa ou como umsubstituto de uma resposta inata.

No entanto, apesar da similaridade entre aprimeira e a segunda posições teóricas, há umagrande diferença entre seus pressupostos,quanto às relações temporais entre osprocessos de aprendizado e dedesenvolvimento. Os teóricos que mantêm oprimeiro ponto de vista afirmam que os ciclos

de desenvolvimento precedem os ciclos deaprendizado; a maturação precede oaprendizado e a instrução deve seguir ocrescimento mental. Para o segundo grupo deteóricos, os dois processos ocorremsimultaneamente; aprendizado edesenvolvimento coincidem em todos ospontos, da mesma maneira que duas figurasgeométricas idênticas coincidem quandosuperpostas.

A terceira posição teórica sobre a relação entreaprendizado e desenvolvimento tenta superaros extremos das outras duas, simplesmentecombinando-as. Um exemplo claro dessaabordagem é a teoria de Koffka, segundo aqual o desenvolvimento se baseia em doisprocessos inerentemente diferentes, emborarelacionados, em que cada um influencia ooutroþ; - de um lado a maturação, quedepende diretamente do desenvolvimento dosistema nervoso; de outro o aprendizado, que éem si mesmo, também um processo dedesenvolvimento.

Três aspectos dessa teoria são novos. Oprimeiro, como já assinalamos, é a combinaçãode dois pontos de vista aparentementeopostos, cada um dos quais tem sidoencontrado separadamente na história daciência. A verdade é que, se esses dois pontosde vista podem ser combinados em uma teoria,é sinal de que eles não são opostos e t mtuamente excludentes, mas têm algo de

essencial em comum. Também é nova a idéiade que os dois processos que constituem odesenvolvimento são interagentes emutuamente dependentes. Evidentemente, anatureza da interação é deixada quase queinexplorada no trabalho de Koffka, que selimita unicamente aos aspectos bem gerais darelação entre esses dois processos. Está claroque para Koffka o processo de maturaçãoprepara e torna possivel um processoespecífico de aprendizado. O processo de

aprendizado, e 3 o, estimula e empurra para afrente o processo de maturação terceiro e mais

Page 56: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 56/92

56

importante aspecto novo dessa teoria é oamplo papel que atribui ao aprendizado nadesenvolvimento a criança. Essa ênfase leva-nos diretamente a um velho problemapedagógico, o da disciplina formal e oproblema da transferência.

Os movimentos pedagógicos que enfatizaram

a disciplina formal e forçaram o ensino daslínguas clássicas, das civilizações antigas e damatemática, assumiam que apesar dairrelevância desses assuntos para a vida diária,eles eram de grande valor paradesenvolvimento estão inter-relacionadosdesde o primeiro dia de em questão a validadedessa idéia. Demonstrou-se que o aprendizadonuma área em particular influencia muitopouco o desenvolvimento como um todo. Porexemplo, Woodworth e Thorndike, adeptos dateoria baseada no conceito de reflexo,observaram que adultos que após treinosespeciais conseguiam determinar comconsiderável sucesso o comprimento de linhascurtas, quase não progrediam na suacompetência em determinar o comprimento delinhas longas. Estes mesmos adultos foramtreinados, com sucesso para estimar o tamanhode um determinada figura bidimensional;porém esse treinamento não os tornou capazesde estimar o tamanho de outras figurasbidimensionais de tamanhos e formasvariadas.

De acordo com Thorndike, teóricos empsicologia e educação acreditam que todaaquisição de uma resposta em particularaumenta diretamente e em igual medida acapacidade global. Os professores acreditavame agiam com base na teoria de que a mente éum conjunto de capacidades - poder deobservação, atenção, memória, pensamento, e

assim por diante - e que qualquer melhora emqualquer capacidade específica resulta numamelhora geral de todas as capacidades.Segundo essa teoria, se o estudanteaumentasse a atençâo prestada à gramáticalatina, ele aumentaria sua capacidade defocalizar a atenção sobre qualquer tarefa.

Costuma-se dizer que as palavras "precisão","esperteza", "capacidade de raciocínio","memória", "poder de observação", "atenção",

"concentração", e assim por diante denotamcapacidades fundamentais reais que variam deacordo com o material com o qual operam;

essas aptidões básicas sâo substancialmentemodificadas pelo estudo de assuntosparticulares, e retêm essas modificaçôesquando são dirigidas para outras áreas.Portanto, se alguém aprende a fazer bem umaúnica coisa, também será capaz de fa.zer bemoutras coisas sem nenhuma relação, como

resultado de alguma conexão secreta. Assume-se que as capacidades mentais funcionamindependentemente do material com que elasoperam, e que o desenvolvimento de umacapacidade promove o desenvolvimento deoutras.

O próprio Thorndike se opôs a esse ponto devista. Através de vários estudos ele mostrouque formas particulares de atividade, comopor exemplo soletrar, dependem do domíniode habilidades específicas e do materialnecessário para o desempenho daquela tarefaem particular. O desenvolvimento de umacapacidade específica raramente significa odesenvolvimento de outras.

Thorndike afirmava que a especialização nascapacidades é ainda muito maior do que aobservação superficial poderia indicar. Porexemplo, se entre uma centena de indivíduosescolhermos dez que apresentam a capacidadede detectar erros de soletração ou de medir

comprimentos, é improvável que esses dezapresentem uma melhor capacidade quanto àestimativa do peso de objetos. Da mesmamaneira, a velocidade e precisão para somarnúmeros não estão, de forma alguma,relacionadas com a velocidade e precisão dedizer antônimos.

Essa pesquisa mostra que a mente não é umarede complexa de capacidades gerais comoobservação, atenção, memória, julgamento, eetc., mas um conjunto de capacidadesespecíficas, cada uma das quais, de algumaforma, independe das outras e se desenvolveindependentemente. O aprendizado é mais doque a aquisição de capacidade para pensar; é aaquisição de muitas capacidadesespecializadas para pensar sobre várias coisas.O aprendizado não altera nossa capacidadeglobal de focalizar a atenção; ao invés disso, noentanto, desenvolve várias capacidades defocalizar a atenção sobre várias coisas. De

acordo com esse ponto de vista, um treinoespecial afeta o desenvolvimento globalsomente quando seus elementos, seus

Page 57: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 57/92

57

materiais e seus processos são similares nosvários campos específicos; o hábito nosgoverna.

Isso leva à conclusão de que, pelo fato de cadaatividade depender do material com o qualopera, o desenvolvimento da consciência é odesenvolvimento de um conjunto de

determinadas capacidades independentes oude um conjunto de hábitos específicos. Amelhora de uma função da consciência ou deum aspecto da sua atividade só pode afetar odesenvolvimento de outra na medida em quehaja elementos comuns a ambas as funções ouatividades.

Os teóricos do desenvolvimento, como Koffkae os gestaltistas que defendem a terceiraposição teórica delineada anteriormente

opõem-se ao ponto de viþta de Thorndike.Afirmam que a influência do aprendizadonunca é específica. A partir de seus estudosdos princípios estruturais, afirmam que oprocesso de aprendizado não pode, nunca, serreduzido simplesmente à formação dehabilidades, mas incorpora uma ordemintelectual que torna possível a transferênciade princípios gerais descobertos durante asolução de uma tarefa para várias outrastarefas. Desse ponto de vista, a criança,

durante o aprendizado de uma determinadaoperação, adquire a capacidade de criarestruturas de um certo tipo,independentemente dos materiais com osquais ela está trabalhando e dos elementosparticulares envolvidos. Assim, Koffka nãoimaginava o aprendizado como limitado a umprocesso de aquisição de hábitos e habilidades.A relação entre o aprendizado e odesenvolvimento por ele postulada não é a deidentidade, mas uma relação muito mais

complexa. De acordo com Thorndike,aprendizado e desenvolvimento coincidem emtodos os pontos, mas, para Koffka, odesenvolvimento é sempre um conjunto maiorque o aprendizado. Esquematicamente, arelação entre os dois processos poderia serrepresentada por dois círculos concêntricos, omenor símbolizando o processo deaprendizado e o maior, o processo dedesenvolvimento evocado pelo aprendizado.

Uma vez que uma criança tenha aprendido arealizar uma operação, ela passa a assimilaralgum princípio estrutural cuja esfera de

aplicação é outra que não unicamente a dasoperações do tipo daquela usada como basepara assimilação do princípio.

Consequentemente, ao dar um passo noaprendizado, a criança dá dois nodesenvolvimento, ou seja, o aprendizado e odesenvolvimento não coincidem. Esse conceito

é o aspecto essencial do terceiro grupo deteorias que discutimos.

Zona de desenvolvimento proximal: uma novaabordagem

Embora rejeitemos todas as três posiçõesteóricas discutidas acima, a sua análise nosleva a uma visão mais adequada da relaçãoentre aprendizado e desenvolvimento. A

questão a ser formulada para chegar à soluçãodesse problema é complexa. Ela é constituídapor dois tópicos separados: primeiro, a relaçãogeral entre aprendizado e desenvolvimento; e,segundo, os aspectos específicos dessa relaçãoquando a criança atinge a idade escolar.

O ponto de partida dessa discussão é o fato deque o aprendizado das crianças começa muitoantes delas frequeentarem a escola.

Qualquer situação de aprendizado com a qual

a criança se defronta na escola tem sempreuma história prévia. Por exemplo, as criançascomeçam a estudar aritmética na escola, masmuito antes elas tiveram alguma experiênciacom quantidades elas tiveram que lidar comoperações de divisão, adição, subtração, edeterminação de tamanho.

Conseqüentemente, as crianças têm a suaprópria aritmética préescolar, que somentepsicólogos míopes podem ignorar.

Continua-se afirmando que o aprendizado talcomo ocorre na idade pré-escolar diferenitidamente do aprendizado escolar, o qualestá voltado para a assimilação defundamentos do conhecimento científico. Noentanto, já no período de suas primeirasperguntas, quando a criança assimila os nomesde objetos em seu ambiente, ela estáaprendendo. De fato, por acaso é de se duvidarque a criança aprende a falar com os adultos;ou que, através da formulação de perguntas e

respostas, a criança adquire váriasinformações; ou que, através da imitação dosadultos e através da instrução recebida de

Page 58: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 58/92

58

como agir, a criança desenvolve um repositóriocompleto de habilidades? De fato, aprendizadoe desenvolvimento estão inter-relacionadosdesde o primeido dia de vida da criança.

Ao tentar tornar claras as leis do aprendizado,a criança e sua relação com o desenvolvimentomental, Koffka concentra sua atenção nos

processos mais simples de aprŠndizadþ, ouseja, aqueles que ocorrem nos anos pré-escolares. Enquanto ele nota uma similaridadeentre o aprendizado pré-escolar e escolar, erraao não perceber a diferença entre eles - nãoconsegue ver os elementos especificamentenovos que o aprendizado escolar introduz.Koffka e outros admitem que a diferença entreo aprendizado pré-escolar e o escolar está nofato de o primeiro ser um aprendizado nãosistematizado e o último um aprendizadosistematizado. Porém, a sistematização não é oúnico fator; há também o fato de que oaprendizado escolar produz algofundamentalmente novo no desenvolvimentoda criança. Para elaborar as dimensões doaprendizado escolar, descreveremos umconceito novo e de excepcional importância,sem o qual esse assunto não pode serresolvido:þa zona de desenvolvimentoproximal.

Um fato empiricamente estabeIecido e bemconhecido é que o aprendizado deþe sercombinado de alguma maneira com o nível dedesenvolvimento da criança. Por exemplo,afirma-se que seria bom que se iniciasse oensino de leitura, escrita e aritmética numafaixa etária específica. Só recentemente,entretanto, tem-se atentado para o fato de quenão podemos limitar-nos meramente àdeterminação de níveis de desenvolvimento, seo que queremos é descobrir as relações reais

entre o processo de desenvolvimento e acapacidade de aprendizado. Temos quedeterminar pelo menos dois níveis dedesenvolvimento.

O primeiro nível pode ser chamado de nível dedesenvolvimento real, isto é, o nível dedesenvolvimento das funçôes mentais dacriança que se estabeleceram como resultadode certos ciclos de desenvolvimento jácompletados.

Quando determinamos a idade mental de umacriança usando testes, estamos quase sempretratando do nível de desenvolvimento real.

Nos estudos do desenvolvimento mental dascrianças, geralmente admite-se que só éindicativo da capacidade mental das criançasaquilo que elas conseguem fazer por simesmas.

Apresentamos às crianças uma bateria detestes ou várias tarefas com graus variados de

dificuldades e julgamos a extensão de seudesenvolvimento mental baseados em como ecam que grau de dificuldade elas os resolvem.

Por outro lado, se a criança resolve o problemadepois de fornecermos pistas ou mostrarmoscomo o problema pode ser solucionado, ou seo professor inicia a solução e a criança acompleta, ou, ainda, se ela resolve o problemaem colaboração com outras crianças - emresumo, se por pouco a criança não é capaz de

resolver o problema sozinha - a solução não évista como um indicativo de seudesenvolvimento mental. Esta "verdade"pertencia ao senso comum e era por elereforçada. Por mais de uma década, mesmo os.pensadores mais sagazes nunca questionaramesse fato;

nunca consideraram a noção de que aquilo quea criança consegue fazer com ajuda dos outrospoderia ser, de alguma maneira, muito maisindicativo de seu desenvolvimento mental doque aquila que consegue fazer sozinha.

Tomemos um exemplo. Suponhamos que eupesquise duas crianças assim que elasentrarem para a escola, ambas com dez anosde idade cronológica e (8) anos em termos dedesenvolvimento mental. Será que eu poderiadizer que elas têm a mesma idade mental?Naturalmente. Mas, o que isso significa? Issosignifica que elas podem lidar, de formaindependente, com tarefas até o grau de

dificuldade que foi padronizado para o nívelde oito anos de idade.

Se eu parasse nesse ponto, as pessoaspoderiam imaginar que o curso subseqiientedo desenvolvimento mental e do aprendizadoescolar para essas crianças seria o mesmo, umavez que ele depende dos seus intelectos. Claroque poderia haver outros fatores, como, porexemplo, o fato de uma criança ficar doentepor meio ano e a outra nunca faltar à escola; noentanto, de maneira geral, o destino dessascrianças poderia ser o mesmo. Imagine, agora,que eu não terminasse meus estudos nesse

Page 59: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 59/92

59

ponto, mas que somente começasse por ele.Essas crianças parecem ser capazes de lidarcom problemas até o nível de oito anos deidade, e não além disso. Suponhamos que eulhes mostre várias maneiras de tratar oproblema. Diferentes experimentadorespoderiam empregar diferentes modos de

demonstração em diferentes casos: algunspoderiam realizar uma demonstração inteira epedir à criança para repeti-la, outros poderiaminiciar a solução e pedir à criança paraterminá-la ou, ainda, fornecer pistas.

Em resumo, de uma maneira ou de outra,proponho que as crianças solucionem oproblema com a minha assistência. Nessascircunstâncias, torna-se evidente que aprimeira criança pode lidar com problemas atéo nível de 12 anos de idade e a segunda até onível de 9 anos de idade. E agora, teriam essascrianças a mesma idade mental?

Quando se demonstrou que a capacidade decrianças com iguais níveis de desenvolvimentomental, para aprender sob a orientação de umprofessor, variava enormemente, tornou-seevidente que aquelas crianças não tinham amesma idade mental e que o cursosubseqizente de seu aprendizado seria,obviamente, diferente. Essa diferença entre

doze e oito ou entre nove e oito, é o que nóschamamos a zona de desenvolvimentoproþimal. Ela é a distância entre o nivel dedesenvolvimento real, que se costumadeterminar através da solução independentede problemas, e o nível de desenvolvimentopotencial, determinado através da solução deproblemas sob a orientaçâo de um adulto ouem colaboração com companheiros maiscapazes.

Se ingenuamente perguntarmos o que é nívelde desenvolvimento real, ou, formulando deforma mais simples, o que revela a solução deproblemas pela criança de forma maisindependente, a resposta mais comum seriaque o nível de desenvolvimento real de umacriança define funçôes que já amadureceram,ou seja, os produtos finais dodesenvolvimento. Se uma criança pode fazertal e tal coisa, independentemente, issosignifica que as funções para tal e tal coisa já

amadureceram nela. O que é, então, definidopela zona de desenvolvimento proximal,determinada através de problemas que a

criança não pode resolver independentemente,fazendo-o somente com assistência? A zona dedesenvolvimento proximal define aquelasfunções que ainda não amadureceram, masque estão em processo de maturação, funçõesque amadurecerão, mas que estãopresentemente em estado embrionário. Essas

funções poderiam ser chamadas de "brotos" ou"flores" do desenvolvimento, ao invés de"frutos" do desenvolvimento. O nível dedesenvolvimento real caracteriza odesenvolvimento mental retrospectivamente,enquanto a zona de desenvolvimento proximalcaracteriza o desenvolvimento mentalprospectivamente.

A zona de desenvolvimento proximal provêpsicólogos e educadores de um instrumentoatravés do qual se pode entender o cursointerno do desenvolvimento. Usando essemétodo podemos dar conta não somente dosciclos e processos de maturação que já foramcompletados, como também daquelesprocessos que estão em estadó de formação, ouseja, que estão apenas começando aamadurecer e a se desenvolver.

Assim, a zona de desenvolvimento proximalpermite-nos delinear o futuro imediato dacriança e seu estado dinâmico de

desenvolvimento, propiciando o acesso nãosomente ao que já foi atingido através dodesenvolvimento, como também àquilo queestá em processo de maturação. As duascrianças em nosso exemplo apresentavam amesma idade mental do ponto de vista dosciclos de desenvolvimento já completados, masas dinâmicas de desenvolvimento das duaseram completamente diferentes. O estado dedesenvolvimento mental de uma criança sópode ser determinado se forem revelados os

seus dois níveis: o nível de desenvolvimentoreal e a zona de desenvolvimento proximal.

Discutirei um estudo de crianças em idade pré-escolar para demonstrar que aquilo que é azona de desenvolvimento proximal hoje, será onível de desenvolvimento real amanhã - ouseja, aquilo que uma criança pode fazer comassistência hoje, ela será capaz de fazer sozinhaamanhã.

A pesquisadora americana Dorothea McCarthy

mostrou que em crianças entre as idades detrês e cinco anos distinguem-se dois grupos defunções: aquelas que as crianças já dominam, e

Page 60: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 60/92

60

aquelas que elas só podem pôr em ação soborientação, em grupos, e em colaboração umascom as outras, ou seja, que elas nãodominaram de forma independente. O estudode McCarthy demonstrou que esse segundogrupo de funções situa-se no nível dedesenvolvimento real de crianças de cinco a

sete anos de idade.Aquilo que as crianças só conseguiam fazersomente sob orientação, em colaboração, e emgrupos entre as idades de três e cinco anos,conseguiriam fazer de forma independentequando atingissem as ídades de cinco a seteanos þ. Dessa forma, se nossa preocupaçãofosse somente a de determinar a idade mentalisto é, somente funções que já amadureceram -não teríamos mais do que um resumo dodesenvolvimento já completado; por outrolado, se determinarmos as funções emmaturação, poderemos prever o queacontecerá a essas crianças nas idades de cincoa sete anos, desde que sejam mantidas asmesmas condiçôes de desenvolvimento. Azona de desenvolvimento proximal pode,portanto, tornar-se um conceito poderoso naspesquisas do desenvolvimento, conceito esteque pode aumentar de forma acentuada aeficiência e a utilidade da aplicação demétodos diagnósticos do desenvolvimentomental a problemas educacionais.

Uma compreensão plena do conceito de zonade desenvolvimento proximal deve levar àreavaliação do papel da imitação noaprendizado. Um princípio intocável dapsicologia clássica é o de que somente aatividade independente da criança, e não suaatividade imitativa, é indicativa de seu nível

Ao avaliar-se o desenvolvimento mental,consideram-se somente aquelas soluções deproblemas que as crianças conseguem realizarsem a assistência de outros, sem demonstraçãoe sem o fornecimento de pistas. Pensa-se naimitação e no aprendizado como processospuramente mecânicos. recentemente, noentanto, psicólogos têm demonstrado que umapessoa só consegue imitar aquilo que está noseu nível de desenvolvimento.

Por exemplo, se uma criança tem dificuldadecom um problema de aritmética e o professor o

resolve no quadro-negro, a criança pode captara solução num instante. Se, no entanto, oprofessor solucionasse o problema usando a

matemática superior, a criança seria incapaz decompreender a solução, não importandoquantas vezes a copiasse.

A psicologia animal, e Kohler em particular,trataram muito bem dessa questão daimitação(6) Os experimentos de Kohlerprocuraram determinar se os primatas são

capazes de ter pensamento ideográfico. Aprincipal questão era saber se os primatassolucionavam problemas de formaindependente ou se eles simplesmenteimitavam soluções que tinham visto serrealizadas anteriormente, como, por exemplo,observando outros animais ou seres humanosusando varas e outros instrumentos, e, entâo,imitando-os. Os experimentos especiais deKohler, planejados para determinar o que osprimatas poderiam imitar, revelam que essesanimais são capazes de usar a imitação parasolucionar somente aqueles problemas queapresentam o mesmo grau de dificuldade dosproblemas que eles são capazes de resolversozinhos.

Entretanto, Kohler não notou o fato importantede que os primatas não podem ser ensinados(no sentido humano da palavra) através daimitação, tampouco são capazes de ter o seuintelecto desenvolvido, uma vez que não têm

zona de desenvolvimento proximal. Umprimata pode aprender bastante através dotreinamento, usando as suas habilidadesmotoras e mentais; no entanto, não se podefazê-lo mais inteligente, isto é, não se podeensiná-lo a resolver, de forma independente,problemas mais avançados. Por isso, osanimais são incapazes de aprendizado nosentido humano do termo; o aprendizadohumano pressupõe uma natureza socialespecífica e um processo através do qual as

crianças penetram na vida intelectual daquelasque as cercam.

As crianças podem imitar uma variedade deações que vão muito além dos limites de suaspróprias capacidades. Numa atividade coletivaou sob a .orientação de adultos, usando aimitação, as crianças são capazes de fazermuito mais coisas. Esse fato, que parece terpouco significado em si mesmo, é defundamental importância na medida em que

demanda uma alteração radical de toda adoutrina que trata da relação entreaprendizado e desenvolvimento em crianças.

Page 61: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 61/92

Page 62: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 62/92

62

superiores, a qual achamos quepode seraplicada em sua totalidade aos processos deaprendizado das crianças. Propomos que umaspecto essencial do aprendizado é o fato deele criar a zona de desenvolvimento proximal;ou seja, o aprendizado desperta váriosprocessos internos de desenvolvimento, que

são capazes de operar sómente quando acriança interage com pessoas em seu.ambientee quando em operação com seuscompanheiros. Uma vez internalizados, essesprocessos tornam-se parte das aquisições dodesenvolvimento independente da criança.

Desse ponto de vista, aprendizado não édesenvolvimento;

entretanto, o aprendizado adequadamenteorganizado resulta em desenvolvimento

mental e põe em movimento vários processosde desenvolvimento que, de outra forma,seriam impossíveis de acontecer. Assim, oaprendizado é um aspecto necessário euniversal do processo de desenvolvimento dasfunções psicológicas culturalmenteorganizadas e especificamente humanas.

Resumindo, o aspecto mais essencial de nossahipótese é a noção de que os processos dedesenvolvimento nao coincidem com osprocessos de aprendizado. Ou melhor, oprocesso de desenvolvimento progride deforma mais lenta e atrás do processo deaprendizado; desta seqüenciação resultam,então, as zonas de desenvolvimento proximal.Nossa análise modifica a visão tradicional,segundo a qual, no momento em que umacriança assimila o significado de uma palavra,ou domina uma operação tal como a adição oua linguagem escrita, seus processos dedesenvolvimento estão basicamentecompletos. Na verdade, naquele momento elesapenas começaram. A maior conseqüência dese analisar o processo educacional destamaneira, é mostrar que, por exemplo, odomínio inicial das quatro operaçõesaritméticas fornece a base para odesenvolvimento subseqüente de váriosprocessos internos altamente complexos nopensamento das crianças.

Nossa hipótese estabelece a unidade mas não aidentidade entre os processos de aprendizado

e os processos de desenvolvimento interno. Elapressupõe que um seja convertido no outro.

Portanto, torna-se uma preocupaçãoimportante na pesquisa psicológica mostrarcomo se internalizam o conhecimento externoe as capacidades nas crianças.

Toda pesquisa tem por objetivo exploraralguma esfera da realidade. Um objetivo daanálise psicológica do desenvolvimento é

descrever as relações internas dos processosintelectuais despertados pelo aprendizadoescolar. Quanto a isso, tal análise deve serdirigida para dentro e é análaga ao uso deraios-X. Se bem-sucedida, deve revelar aoprofessor como os processos dedesenvolvimento estimulados peloaprendizado escolar são "embutidos na cabeça"de cada criança. A revelação dessa rede internae subterrânea de desenvolvimento de escolaresé uma tarefa de importância primordial para aanálise psicológica e educacional.

Um segundo aspecto essencial de nossahipótese é a noção de que, embora oaprendizado esteja diretamente relacionado aocurso do desenvolvimento da criança, os doisnunca são realizados em igual medida ou emparalelo. O desenvolvimento nas criançasnunca acompanha o aprendizado escolar damesma maneira como uma sombra acompanhao objeto que o projeta. Na realidade, existem

relações dinâmicas altamente complexas entreos processos de desenvolvimento e deaprendizado, as quais não podem serenglobadas por uma formulação hipotéticaimutável.

Cada assunto tratado na escola tem a suaprópria relação específica com o curso dodesenvolvimento da criança, relação essa quevaria à medida que a criança vai de um estágiopara outro.

Isso leva-nos direta.mente a reexaminar oproblema da disciplina formal, isto é, aimportância de cada assunto em particular doponto de vista do desenvolvimento mentalglobal. Obviamente, o problema não pode sersolucionado usando-se uma fórmula qualquer;para resolver essa questão são , necessáriaspesquisas concretas altamente diversificadas eextensas, baseadas no conceito de zona dedesenvolvimento proximal.

7. O papel do brinquedo no desenvolvimento

Page 63: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 63/92

63

Definir o brinquedo como uma atividade quedá prazer à criança é incorreto por duas razões.Primeiro, muitas atividades dão à criançaexperiências de prazer muito mais intensas doque o brinquedo, como por exemplo, chuparchupeta, mesmo que a criança não se sacie. E,segundo, existem jogos nos quais a própria

atividade não é agradável, como por exemplopredominantemente no fim da idade pré-escolar, jogos que só dão prazer à criança se elaconsidera o resultado interessante. Os jogosesportivos (não somente os esportes atléticos,mas também outros jogos que podem serganhos ou perdidos) são, com muitafreqüência, acompanhados de desprazer,quando o resultado é desfavorável para acriança.

No entanto, enquanto o prazer não pode servisto como uma característica definidora dobrinquedo, parece-me que as teorias queignoram a fato de que o brinquedo preenchenecessidades da criança, nada mais são do queuma intelectualização pedante da atividade debrincar. Referindo-se ao desenvolvimento dacriança em termos mais gerais, muitos teóricosignoram, erroneamente, as necessidades dascrianças - entendidas em seu sentido maisamplo, que inclui tudo aquilo que é motivopara a ação. Freqüentemente descrevemos odesenvolvimento da criança como o de suasfunções intelectuais; toda criança se apresentapara nós como um teórico, caracterizado pelonível de desenvolvimento intelectual superiorou inferior, que se desloca de um estágio aoutro. Porém, se ignoramos as necessidades dacriança e os incentivos que são eficazes paracolocá-la em ação, nunca seremos capazes deentender seu avanço de um estágio dodesenvolvimento para outro, porque todo

avanço está conectado com uma mudançaacentuada nas motivações, tendências eincentivos.

Aquilo que é de grande interesse para um bebêdeixa de interessar uma criança um poucomaior. A maturação das necessidades é umtópico predominante nessa discussão, pois éimpossível ignorar que a criança satisfaz certasnecessidades no brinquedo. Se nãoentendemos o caráter especial dessasnecessidades, não podemos entender a

singularidade do brinquedo como uma formade atividade.

A tendência de uma criança muito pequena ésatisfazer seus desejos imediatamente;normalmente, o intervalo entre um desejo e asua satisfação é extremamente curto.Certamente ninguém jamais encontrou umacriança com menos de três anos de idade quequisesse fazer alguma coisa dali a alguns dias,

no futuro. Entretanto, na idade pré-escolarsurge uma grande quantidade de tendências edesejos não possíveis de serem realizadas deimediato. Acredito que, se as necessidades nãorealizáveis imediatamente não sedesenvolvessem durante os anos escolares, nãoexistiriam os brinquedos, uma vez que elesparecem ser inventados justamente quando ascrianças começam a experimentar tendênciasirrealizáveis. Suponha que uma criança muitopequena (talvez com dois anos e meio de

idade) queira alguma coisa - por exemplo,ocupar o papel de sua mãe. Ela quer issoimediatamente. Se não puder tê-lo, poderáficar muito mal humorada; no entanto,comumente, poderá ser distraída e acalmadade forma a esquecer seu desejo. No início daidade pré-escolar, quando surgem os desejosque não podem ser imediatamente satisfeitosou esquecidos, e permanece ainda acaracterística do estágio precedente de umatendência para a satisfação imediata desses

desejos, o comportamento da criança muda.Para resolver essa tensão, a criança em idadepré-escolar envolve-se num mundo ilusório eimaginário onde os desejos não realizáveispodem ser realizados, e esse mundo é o quechamamos de brinquedo. A imaginação é umprocesso psicológico novo para a criança;representa uma forma especificamentehumana de atividade consciente, não estápresente na consciência de crianças muitopequenas e está totalmente ausente em

animais. Como todas as funções daconsciência, ela surge originalmente da ação. Ovelho adágio de que o brincar da criança éimaginação em ação deve ser invertidopodemos dizer que a imaginação, nosadolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo sem ação.

A partir dessa perspectiva, torna-se claro que oprazer derivado do brinquedo na idade pré-escolar é controlado por motivações diferentes

daquelas do simples chupar chupeta. Isso nãoquer dizer que todos os desejos não satisfeitosdão origem a brinquedos (como, por exemplo,

Page 64: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 64/92

64

quando a criança quer andar de trole, e essedesejo não é imediatamente satisfeito, então, acriança vai para o seu quarto e faz de contaque está andando de trole).

Raramente as coisas acontecem exatamentedessa maneira.

Tampouco a presença de tais emoçoesgeneralizadas no brinquedo significa que aprópria criança entende as motivações que dãoorigem ao jogo. Quanto a isso, o brinquedodifere substancialmente do trabalho e deoutras formas de atividade.

Assim, ao estabelecer critérios para distinguiro brincar da criança de outras formas deatividade, concluímos que no brinquedo acriança cria uma situação imaginária. Esta nãoé uma idéia nova, na medida em que situações

imaginárias no brinquedo sempre foramreconhecidas; no entanto, sempre foram vistassomente como um tipo de brincadeira. Asituação imaginária não era considerada comouma característica definidora do brinquedo emgeral, mas era tratada como um atributo desubcategorias específicas do brinquedo.

Considero essas idéias insatisfatórias sob trêsaspectos. Primeiro, se o brinquedo é entendidocomo simbólico, existe o perigo de que ele

possa vir a ser considerado como umaatividade semelhante à álgebra; isto é, obrinquedo, como a álgebra, poderia serconsiderado como um sistema de signos quegeneralizam a realidade, sem nenhumacaracterística que eu considero específica dobrinquedo. A criança poderia ser vista comoum desafortunado especialista em álgebra que,não conseguindo escrever os símbolos,representa-os na ação. Acredito que obrinquedo não é uma ação simbólica no

sentido próprio do termo, de forma que setorna essencial mostrar o papel da motivaçãono brinquedo. Segundo, esse argumento,enfatizando a importância dos processoscognitivos, negligencia não somente amotivação como também as circunstâncias daatividade da criança. E, terceiro, essasabordagens não nos ajudam a compreender opapel do brinquedo no desenvolvimentoposterior.

Se todo brinquedo é, realmente, a realização nabrincadeira das tendências que não podem serimediatamente satisfeitas, então os elementos

das situações imaginárias constituirão,automaticamente, uma parte da atmosferaemocional do próprio brinquedo.Consideremos a atividades da criança duranteo brinquedo. Qual o significado docomportamento de uma criança numa situaçãoimaginária? Sabemos que o desenvolvimento

do jogar com regras começa no fim da idadepré-escolar e desenvolvese durante a idadeescolar. Vários pesquisadores, embora nãopertencentes ao grupo dos materialistasdialéticos, trataram esse assunto segundolinhas de abordagem recomendadas por Marx,quando ele dizia que "a anatomia do homem éa chave para a anatomia dos macacosantropóides". Começaram seus estudos dasprimeiras atividades de brinquedo à luz dobrinquedo baseado em regras que se

desenvolve posteriormente, e concluíram queo brinquedo envolvendo uma situaçãoimaginária é, de fato, um brinquedo baseadoem regras.

Pode-se ainda ir além, e propor qué não existebrinquedo sem regras. A situação imagináriade qualquer forma de brinquedo já contémregras de comportamento, embora possa nãoser um jogo com regras formais estabelecidas apriori. A criança imagina-se como mãe e aboneca como criança e, dessa forma, deveobedecer as regras do comportamentomaternal. Sully já observara que,notavelmente, crianças pequenas podem fazercoincidir a situação de brinquedo e arealidade(1). Ele descreveu um caso em queduas irmãs, com idades de þcinco e sete anos,disseram uma para outra:

"Vamos brincar de irmãs?". Elas estavamencenando a realidade. É muito fácil, porexemplo, fazer uma criança brincar de ser

criança enquanto a mãe representa o papel demãe, ou seja, brincar do que é realmenteverdadeiro. A diferença fundamental, comoSully descreve, é que, ao brincar, a criançatenta ser o que ela pensa que uma irmã deveriaser. Na vida, a criança comporta-se sem pensarque ela é a irmã de sua irmã. Entretanto, no

 jogo em que as irmãs brincam de "irmãs",ambas estão preocupadas em exibir seucomportamento de irmã; o fato de as duasirmãs terem decidido brincar de irmãs

induziu-as a adquirir regras decomportamenta.

Page 65: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 65/92

65

Somente aquelas ações que se ajustam a essasregras são aceitáveis para a situação debrinquedo: elas se vestem como, falam como,enfim, encenam tudo aquilo que enfatiza suasrelações como irmãs à vista de adultos eestranhos. A mais velha, segurando a maisnova pela mão, pode falar, referindo-se a

outras pessoas: "Aquilo é delas, nâo nosso".Isso significa: "Eu e minha irmã agimos damesma maneira e somos tratadas da mesmamaneira, mas os outros são tratados demaneira diferente." Neste exemplo a ênfaseestá na similitude de tudo aquilo que estáligado ao conceito que a criança tem de irmã;como resultado do brincar, a criança passa aentender que as irmãs têm entre elas umarelação diferente daquela que têm com outraspessoas. O que na vida real passa despercebido

pela criança torna-se uma regra decomportamento no brinquedo.

O que restaria se o brinquedo fosseestruturado de tal maneira que não houvessesituações imaginárias? Restariam as regras.Sempre que há uma situação imaginária nobrinquedo, há regras - não as regraspreviamente formuladas e que mudamdurante o jogo, mas aquelas que têm suaorigem na própria situação imaginária.

Portanto, a noção de que uma þcriança pode secomportar em uma situação imaginária semregras é simplesmente incorreta. Se a criançaestá representando o papel de mãe, então elaobedece as regras de comportamento maternal.O papel que a criança representa e a relaçãodela com um objeto (se o objeto tem seusignificado modificado) originar-se-ão sempredas regras.

A princípio parecia que a única tarefa dopesquisador ao analisar o brinquedo erarevelar as regras ocultas em todo brinquedo;no entanto, tem-se demonstrado que os assimchamados jogos puros com regras são,essencialmente, jogos com situaçõesimaginárias. Da mesma forma que umasituação imaginária tem que conter regras decomportamento, todo jogo com regras contémuma situação imaginária. Jogar xadrez, porexemplo, cria uma situação imaginária. Porquê? Porque o cavalo, o rei, a rainha, etc. só

podem se mover de maneiras determinadas;porque proteger e comer peças são,puramente, conceitos de xadrez.

Embora no jogo de xadrez não haja umasubstituição direta das relações da vida real,ele é, sem dúvida, um tipo de situaçãoimaginária. O mais simples jogo com regrastransforma-se imediatamente numa situaçãoimaginária, no sentido de que, assim que o

 jogo é regulamentado por certas regras, várias

possibilidades de ação são eliminadas.Assim como fomos capazes de mostrar, nocomeço, que toda situação imaginária contémregras de uma forma oculta, tambémdemonstramos o contrário - que todo jogo comregras contém, de forma oculta, uma situaçãoimaginária. O desenvolvimento a partir de

 jogos em que há uma situação imaginária àsclaras e regras ocultas para jogos com regras àsclaras e uma situação imaginária ocultadelineia a evolução do brinquedo das crianças.

 Ação e significado no brinquedo

É enorme a influência do brinquedo nodesenvolvimento de uma criança. Para umacriança com menos de três anos de idade, éessencialmente impossível envolver-se numasituação imaginária, uma vez que isso seriauma forma nova de comportamento queliberaria a criança das restriçpes impostas pelo

ambiente imediato.O comportamento de uma criança muitopequena é determinado, de maneiraconsiderável - e o de um bebê, de maneiraabsoluta - pelas condições em que a atividadeocorre, como mostraram os experimentos deLewin e outros(2). Por exemplo, a grandedificuldade que uma criança pequena tem emperceber que, para sentar-se numa pedra, épreciso primeiro virar de costas para ela, comodemonstrou Lewin, ilustra o quanto a criançamuito pequena está limitada em todas as açõespela restrição situacional. É dificil imaginar umcontraste maior entre o que se observa nobrinquedo e as restrições situacionais naatividade mostrada pelos experimentos deLewin. É no brinquedo que a criança aprende aagir numa esfera cognitiva, ao invés de numaesfera visual externa, dependendo dasmotivações e tendências internas, e não dosincentivos fornecidos pelos objetos externos.

Um estudo de Lewin sobre a naturezamotivadora dos objetos para uma criançamuito pequena conclui que os objetos ditam à

Page 66: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 66/92

66

criança o que ela tem que fazer: uma portasolicita que a abram e fechem, uma escada, quea subam, uma campainha, que a toquem.

Resumindo, os objetos têm uma tal forçamotivadora inerente, no que diz respeita àsações de uma criança muito pequena, edeterminam tão extensivamente o

comportamento da criança, que Lewin chegoua criar uma topologia psicológica: eleexpressou, matematicamente, a trajetória domovimento da criança num campo, de acordoþcom a distribuição dos objetos, comdiferentes forças de atração ou repulsão.

A raiz das restrições situacionais sobre umacriança situa-se no aspecto principal daconsciência característica da primeira infância:a união de motivações ù e percepção. Nesta

idade, a percepção não é, em geral, um aspectoindependente, mas, ao contrário, é um aspectointegrado de uma reação motora. Toda apercepção é um estímulo para a atividade.Uma vez que uma situação é comunicadapsicologicamente através da percepção, edesde que a percepção não está separada daatividade motivacional e motora, écompreensível que a criança, com suaconsciência estruturada dessa maneira, sejarestringida pela situação na qual ela se

encontra.No brinquedo, no entanto, os objetos perdemsua força determinadora. A criança vê umobjeto, mas age de maneira diferente emrelação àquilo que ela vê. Assim, é alcançadauma condição em que a criança começa a agirindependentemente daquilo que ela vê. Certospacientes (com lesão cerebral) perdem acapacidade de agir independentemente do quevêem. Considerando tais pacientes, pode-seavaliar que a liberdade de ação que os adultose as crianças mais maduras possuem não éadquirida num instante, mas tem que seguirum longo processo de desenvolvimento.

A ação numa situação imaginária ensina acriança a dirigir seu comportamento nâosomente pela percepção imediata dos objetosou pela situação que a afeta de imediato, mastambém pelo significado dessa situação.Observações do dia-a-dia e experimentosmostram, claramente, que é impossível para

uma criança muito pequena separar o campodo significado do campo da percepção visual,uma vez que há uma fusão muito íntima entre

o significado e o que é visto. Quando se pede auma criança de dois anos que repita a sentença"Tânia está de pé", quando Tânia está sentadana sua frente, ela mudará a frase para "Tâniaestá sentada". Exatamente a mesma situação éencontrada em certas doenças.

Goldstein e Gelb descreveram vários pacientes

que eram incapazes de afirmar alguma coisaque não fosse verdadeira. Gelb possui dadosde um paciente que era canhoto e incapaz deescrever a sentença "Eu consigo escrever bemcom minha mão direita". Ao olhar pela janelanum dia bonito, ele é incapaz de repetir "Otempo está feio hoje", mas dirá "O tempo estábonito". Observamos, frequentemente, que umpaciente com distúrbios na fala é incapaz derepetir frases sem sentido, como, por exemplo,"A neve é preta", enquanto outras frases commesmo grau de dificuldade em sua construçãogramatical e semântica podem ser repetidas.Esta ligação entre percepção e significado podeser vista no processo de desenvolvimento dafala nas crianças. Quando você diz para acriança, "relógio", ela passa a olhar para orelógio. A palavra tem o significado,originalmente, de uma localização espacialparticular.

Na idade pré-escolar ocorre, pela primeira vez,

uma divergência entre os campos dosignificado e da visâo. No brinquedo, opensamento está separado dos objetos e a açãosurge das idéias e não das coisas: um pedaçode madeira torna-se um boneco e um cabo devassoura torna-se um cavalo. A ação regidapor regras começa a ser determinada pelasidéias e não pelos objetos. Isso representa umatamanha inversão da relação da criança com asituação concreta, real e imediata, que é difícilsubestimar seu pleno significado. A criança

não realiza toda esta transformação de uma sóvez porque é extremamente difícil para elaseparar o pensamento (o significado de umapalavra) dos objetos.

O brinquedo fornece um estágio de transiçãonessa direção sempre que um objeto (um cabode vassoura, por exemplo) torna-se um pivôdessa separação (no caso, a separação entre osignificado "cavalo" de um cavalo real ) . Acriança não consegue, ainda, separar o

pensamento do objeto real. A debilidade dacriança está no fato de que, para imaginar umcavalo, ela precisa definir a sua ação usando

Page 67: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 67/92

67

um "cavalo-de-pau" como pivô. Nesse pontocrucial a estrutura básica determinante darelação da criança com a realidade estáradicalmente mudada, porque muda aestrutura de sua percepção.

Como discuti nos capítulos anteriores, umaspecto especial da percepção humana, que

surge muito cedo na vida da criança, é a assimchamada percepção dos objetos reais, ou seja,não somente a percepção de cores e formas,mas também de significados. Isso é algo para oque não há analogia na percepção animal.

Os seres humanos não vêem meramentealguma coisa redonda e branca com doisponteiros; eles vêem um relógio e podemdistinguir uma coisa da outra. Assim, aestrutura da percepção humana pode ser

expressa, figurativamente, como uma razão naqual o objeto é o numerador e o significado é odenominador (objeto/significado )

Essa razão simboliza a idéia de que toda apercepção humana é feita de percepçõesgeneralizadas e não isoladas. Para a criança, oobjeto é dominante na razão objeto/significadoe o significado subordina-se a ele. Nomomento crucial em que, por exemplo, umcabo de vassoura torna-se o pivô da separaçãodo significado "cavalo" do cavalo real, essarazão se inverte e o significado passa apredominar, resultando na razãosignificado/objeto.

Isso não quer dizer que as propriedades dascoisas como tais não têm significado. Qualquercabo de vassoura pode ser um cavalo mas, porexemplo, um cartão postal não pode ser umcavalo para uma criança. E incorreta aafirmação de Goethe de que no brinquedoqualquer objeto pode ser qualquer coisa para

uma criança. E claro que, para os adultos quepodem fazer um uso consciente dos símbolos,um cartão postal pode ser um cavalo. Se euquiser representar, alguma coisa, eu posso, porexemplo, pegar um palito de fósforo e dizer:"Isto é um cavalo". Isto seria suficiente.

Para uma criança, entretanto, o palito de.fósforo não pode ser um cavalo uma vez quenão pode ser usado como tal, diferentementede um cabo de vassoura; devido a essa falta desubstituição livre, o brinquedo e não asimbolização, é a atividade da criança. Umsímbolo é um signo, mas o cabo de vassoura

não funciona como signo de um cavalo para acriança, a qual considera ainda a propriedadedas coisas mudando no entanto, seusignificado. No brinquedo, o significado torna-se o ponto central e os objetos são deslocadosde uma posição dominante para uma posiçãosubordinada.

No brinquedo, a criança opera comsignificados desligados dos objetos e ações aosquais estão habitualmente vinculados;

entretanto, uma contradição muito interessantesurge, uma vez que, no brinquedo, ela inclui,também, ações reais e objetos reais.

Isto caracteriza a natureza de transição daatividade do brinquedo:

é um estágio entre as restrições puramente

situacionais da primeira infância e opensamento adulto, que pode ser totalmentedesvinculado de situações reais.

Quando um cabo de vassoura torna-se o pivôda separação do significado "cavalo" do cavaloreal, a criança .faz com que um objetoinfluencie outro semanticamente. Ela não podeseparar o significado de um objeto, ou umapalavra do objeto, exceto usando alguma outracoisa como pivô. A transferência designificados é facilitada pelo fato de a criança

reconhecer numa palavra a propriedade de umobjeto; ela vê não a palavra, mas o objeto queela designa. Para uma criança, a palavra"cavalo" aplicada ao cabo de vassoura significa"eis um cavalo", porque mentalmente ela vê oobjeta por trás da palavra.

Um estágio vital de transição em direção àoperação com significados ocorre quando, pelaprimeira vez, a criança lida com os significadoscomo se fossem objetos (como, por exemplo,

ela lida com o cabo de vassoura pensando serum cavalo ) . Numa fase posterior ela realizaesses atos de forma consciente. Nota-se essamudança, também, no fato de que, antes de acriança ter adquirido linguagem gramatical eescrita, ela sabe como fazer várias coisas semsaber que sabe. Ou seja, ela nâo domina essasatividades voluntariamente. No brinquedo,espontaneamente, a criança usa suacapacidade de separar significado do objetosem saber que o está fazendo, da mesma forma

que ela não sabe estar falando em prosa e, noentanto, fala, sem prestar atençâo às palavras.Dessa forma, através do brinquedo, a criança

Page 68: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 68/92

68

atinge uma definição funcional de conceitos oude objetos, e as palavras passam a se tornarparte de algo concreto.

A criação de uma situação imaginária não éalgo fortuito na vida da criança; pelo contrário,é a primeira manifestação da emancipação dacriança em relação às restrições situacionais. O

primeiro paradoxo contido no brinquedo é quea criança opera com um significado alienadonuma situaçâo real. O segundo é que, nobrinquedo, a criança segue o caminho domenor esforço - ela faz o que mais gosta defazer, porque o brinquedo está unido ao prazer- e, ao mesmo tempo, ela aprende a seguir oscaminhos mais difíceis, subordinando-se aregras e, por conseguinte, renunciando ao queela quer, uma vez que a sujeição a regras e arenúncia à ação impulsiva constitui o caminhopara o prazer no brinquedo.

Continuamente a situação de brinquedo exigeque a criança aja contra o impulso imediato. Acada passo a criança vê-se frente a um conflitoentre as regras do jogo e o que ela faria sepudesse, de repente, agir espontaneamente.No jogo, ela age de maneira contrária à quegostaria de agir. O maior autocontrole dacriança ocorre na situaçâo de brinquedo. Elamostra o máximo de força de vontade quando

renuncia a -ma atração imediata do jogo(como, por exemplo, uma bala que, pelasregras, é proibido comer, uma vez que se tratade algo não comestível ) . Comumente, umacriança . experiencia subordinação a regras aorenunciar a algo que quer, mas, aqui, asubordinaçâo a uma regra e a renúncia de agirsob impulsos imediatos são os meios de atingiro prazer máximo.

Assim, o atributo essencial do brinquedo é queuma regra torna-se um desejo. As noções deSpinoza de que "uma idéia que se tornou umdesejo, um conceito que se transformou numapaixão", encontram seu protótipo nobrinquedo, que é o reino da espontaneidade eliberdade.

Satisfazer as regras é uma fonte de prazer. Aregra vence porque é o impulso mais .forte. Talregra é uma regra interna, uma regra deautacontenção e autodeterminação, como dizPiaget, e não uma regra que a criança obedece

à semelhança de uma lei física. Em resumo, obrinquedo cria na criança uma nova forma dedesejos. Ensina-a a desejar, relacionando seus

desejos a um "eu" fictício, ao seu papel no jogoe suas regras. Dessa maneira, as maioresaquisições de uma criança são conseguidas nobrinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.

Separando ação e significadoPodemos, agora, dizer sobre a atividade dacriança o mesmo que dissemos sobre asobjetos. Assim como tínhamos a razãoobjeto/significo temos também a razãoação/significado. Enquanto no iníciosignificado significado do desenvolvimentodomina a ação, posteriormente essa estruturase inverte: o significado torna-se o numerador,enquanto a ação ocupa o lugar dedenominador.

Numa criança em idade escolar, inicialmente aação predomina sobre o significada e não écompletamente compreendida.

A criança é capaz de fazer mais do que elapode compreender.

Mas é nessa idade que surge pela primeira vezuma estrutura de ação na qual o significado é odeterminante, embora a influência dosignificado sobre o comportamento da criança

deva-se dar dentro dos limites fornecidos pelosaspectos estruturais da ação. Tem-se mostradoque crianças, ao brincar de comer, realizamcom suas mãos ações semiconscientes docomer real, sendo impossíveis todas as açõesque não represente o comer. Assim, mostrou-se não ser possível, por exemplo, colocar-se asmãos para trás ao invés de estendê-las emdireção ao prato, uma vez que tal ação teriaum efeito destrutioo sobre o jogo. Uma criançanão se comporta de forma puramente

simbólica no brinquedo; ao invés disso, elaquer e realiza seus desejos, permitindo que ascategorias básicas da realidade passem atravésde sua experiência. A criança, ao querer,realiza seus desejos. Ao pensar, ela age. Asações internas e externas são inseparáveis: aimaginação, a interpretação e a vontade sãoprocessos internos conduzidos pela açãoexterna. O que foi dito sobre a separação dosignificado dos objetos aplica-se igualmente àspróprias ações da criança. Uma criança que

bate com os pés no chão e imagina-secavalgando um cavalo, inverteu, porconseguinte, a razão/ação/significado para a

Page 69: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 69/92

69

razão significado/ação.

A história do desenvolvimento da relaçãoentre significado e ação é análoga à história dodesenvolvimento da relaçãosignificado/objeto. Para separar o significadode uma ação real (cavalgar um cavalo, sem aoportunidade de fazê-lo), a criança necessita

de um pivô na forma de uma ação quesubstitui a acão real. Enquanto a ação começacomo numerador da estruturasignificado/ação, neste momento a estruturase inverte e o significado torna-se onumerador. A ação recua para o segundoplano e torna-se o pivô; novamente,significado separa-se da ação através de umaação diferente. Este é outro exemplo damaneira pela qual o comportamento humanopassa a depender de operações baseadas emsignificados, onde as motivações que iniciam ocomportamento estão nitidamente separadasda realização.

Entretanto, separar significado de objeto temconseqüências diferentes da separação entresignificado e ação. Assim como operar com osignificado de coisas leva ao pensamentoabstrato, observamos que o desenvolvimentoda vontade, a capacidade de fazer escolhasconscientes, ocorre quando a criança opera

com o significado de ações. No brinquedo,uma ação substitui outra ação, assim como umobjeto substitui outro objeto.

Como a criança se desloca de um objeto paraoutro, de uma ação para outra? Isto se dágraças a um movimento no campo dosignificado - o qual subordina a ele todos osobjetos e ações reais. O comportamento não édeterminado pelo campo perceptivo imediato.

No brinquedo, predomina esse movimento no

campo do significado.Por um lado, ele representa movimento numcampo abstrato ( o qual, assim, aparece nobrinquedo antes do aparecimento da operaçãovoluntária com significados). Por outro lado, ométodo do movimento é situacional econcreto. (É uma mudança afetiva e nãológica). Em outras palavras, surge o campo dosignificado, mas a ação dentro dele ocorreassim como na realidade. Por este fato obrinquedo contribue com a principalcontradição para o desenvolvimento.

Conclusão

Eu gostaria de concluir esta discussão sobre obrinquedo mostrando, primeiro, que ele não éo aspecto predominante da infância, mas é umfator muito importante do desenvolvimento.

Em segundo lugar, quero demonstrar o

significado da mudança que ocorre nodesenvolvimento do próprio brinquedo, deuma predominância de situaçôes imagináriaspara a predominância de regras. E, em terceiro,quero mostrar as transformações internas nodesenvolvimento da criança que surgem emconseqüência do brinquedo.

De que forma o brinquedo está relacionado aodesenvolvimento? O comportamento dacriança nas situações do dia-a-dia é, quanto aseus fundamentos, oposto a seu

comportamento no brinquedo.No brinquedo, a ação está subordinada aosignificado; já, na vida real, obviamente a açãodomina o significado. Portanto, éabsolutamente incorreto considerar obrinquedo como um protótipo e formapredominante da atividade do dia-a-dia dacriança.

Esta é a principal incorreção na teoria deKoffka. Ele considera o brinquedo como o

outro mundo da criança (4). Tudo o que dizrespeito à criança é realidade de brincadeira,enquanto tudo o que diz respeito ao adulto érealidade séria. Um dado objeto tem umsignificado no brinquedo e outro significadofora dele.

No mundo da criança, a lógica dos desejos e oímpeto de satisfazêlos domina, e não a lógicareal. A natureza ilusória do brinquedo étransferida para a vida, Tudo isso seria

verdade se o brinquedo fosse de fato a formapredominante da atividade da criança. Noentanto, é difícil aceitar esse quadro insano quenos vem à mente na medida em queadmitimos essa forma de atividade como apredominante no dia-a-dia da criança, mesmose parcialmente transferida para a vida real.

Koffka dá vários exemplos para mostrar comouma criança transfere uma situação debrinquedo para a vida. Mas a transferênciaubíqua do comportamento de brinquédo paraa vida real só poderia ser considerada comoum sintoma doentio.

Page 70: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 70/92

70

Comportar-se numa situação real como numasituação ilusória é o primeiró sinal de delírio.Situações de brinquedo na vida real só sãoencontradas habitualmente num tipo de jogoem que as crianças brincam aquilo que de fatoestâo fazendo, criando, de forma evidente,associações que facilitam a execução de uma

ação desagradável (como, por exemplo,quando as crianças não querem ir para a camae dizem: "Vamos fazer-de-conta que é noite eque, temos que ir dormir" ). Assim, parece-meque o brinquedo não é o tipo de atividadepredominante na idade pré-escolar. Somenteas teorias que afirmam que a criança não temque satisfazer as necessidades básicas da vida,mas pode viver à procura do prazer, poderiamsugerir, possivelmente, que o mundo dacriança é o mundo do brinquedo.

Considerando esse assunto a partir de umaperspectiva oposta, será que poderia supor queo comportamento da criança é sempre guiadopelo significado? Que o comportamento deuma criança em idade pré-escolar é tão áridoque ela nunca se comporta espontaneamente,simplesmente porque pensa que poderiaeomportar-se de outra maneira?

Essa subordinação estrita às regras é quaseimpossível na vida; no entanto, torna-se

possível no brinquedo. Assim, o brinquedocria uma zona de desenvolvimento proximalda criança. No brinquedo, a criança sempre secomporta além do comportamento habitual desua idade, além de seu comportamerito diário;no brinquedo é como se ela fosse maior do queé na realidade. Como no foco de uma lente deaumento, o brinquedo contém todas astendências do desenvolvimento sob formacondensada, sendo, ele mesmo, uma grandefonte de desenvolvimento.

Apesar da relação brinquedo-desenvolvimentopoder ser comparada à relação instruçâo-desenvolvimento, o brinquedo fornece amplaestrutura básica para mudanças dasnecessidades e da consciência. A ação na esferaimaginativa, numa situação imaginária, acriação das intenções voluntárias e a formaçãodos planos da vida real e motivações volitivas -tudo aparece no brinquedo, que se constitui,assim, no mais alto nível de desenvolvimento

pré-escolar. A criança desenvolve-se,essencialmente, através da atividade debrinquedo. Somente neste sentido o brinquedo

pode ser considerado uma atividadecondutora que determina o desenvolvimentoda criança.

Como muda o brinquedo? E notável que acriança comece com uma situação imagináriaque, inicialmente, é tão próxima da situaçãoreal. O que ocorre é uma reprodução da

situação real.Uma criança brincando com uma boneca, porexemplo, repete quase exatamente o que suamãe faz com ela. Isso significa que, na situaçãooriginal, as regras operam sob uma formacondensada e comprimida. Há muito pouco deimaginário. É uma situação imaginária, mas écompreensível somente à luz de uma situaçãoreal que, de fato, tenha acontecido. Obrinquedo é muito mais a lembrança de

alguma coisa que realmente aconteceu do queimaginação. É mais a memória em ação do queuma situação imaginária nova.

À medida que o brinquedo. se desenvolve,observamos um movimento em direção àrealização consciente de seu propósito.

E incorreto conceber o brinquedo como umaatividade sem propósito. Nos jogos atléticos,pode-se ganhar ou per der; numa corrida,pode-se chegar em primeiro, segundo ou

último lugar. Em resumo, o propósito decide o jogo e justifica a atividade. O propósito, comoobjetivo final, determina a atitude afetiva dacriança no brinquedo. Ao correr, uma criançapode estar em alto grau de agitação oupreocupação e restará pouco prazer, uma vezque ela ache que correr é doloroso; além disso,se ela for ultrapassada experimentará poucoprazer funcional. Nos esportes, o propósito do

 jogo é um de seus aspectos dominantes, sem oqual ele não teria sentido - seria como

examinar um doce, colocá-lo na boca, mastigá-lo e então cuspi-lo. Naquele brinquedo, oobjetivo, que é vencer, é previamentereconhecido.

No final do desenvolvimento surgem asregras, e, quanto mais rígidas elas são, maior aexigência de atenção da criança, maior aregulação da atividade da criança, mais tenso eagudo torna-se o brinquedo. Corrersimplesmente, sem propósito ou regras, éentediante e não tem atrativo para a criança.Conseqüentemente, na forma mais avançadado desenvolvimento o brinquedo, emerge um

Page 71: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 71/92

71

complexo de aspectos originalmente nãodesenvolvidos - aspectos que tinham sidosecundários ou incidentais no início, ocupamuma posição central no fim e vice-versa.

Ém um sentido, no brinquedo a criança é livrepara determinar suas próprias ações. Noentanto, em outro sentido, é uma escrita

liberdade ilusória, pois suas ações são, de fato,subordinadas aos significados dos objetos, e acriança age de acordo com eles.

Sob o ponto de vista do desenvolvimento, acriação de uma situação imaginária pode serconsiderada como um meio para desenvolvero pensamento abstrato. O desenvolvimentocorrespondente de regras conduz a ações, combase nas quais tornase possível a divisão entretrabalho e brinquedo, divisão esta encontrada

na idade escolar como um fato fundamental.Tal como disse, em sentido figurado, umpesquisador, para uma criança com menos detrês anos de idade o brinquedo é um jogo sério,assim como o é para um adolescente, embora,é claro, num sentido diferente da palavra; parauma criança muito pequena, brinquedo sériosignifica que ela brinca sem separar a situaçãoimaginária da situação real. Para uma criançaem idade escolar escolar, o brinquedo torna-seuma forma de atividade mais limitada,predominantemente do tipo atlético, quepreenche um papel situações específico em seudesenvolvimento, e que não tem o mesmosignido do brinquedo para uma criança emidade préescolar. Na idade escolar, obrinquedo não desaparece, mas permeia àrealidade. Ele tem sua própria continuaçãointerior na instrução escolar e no trabalho (atividade compulsória baseada em regras).Aessência do brinquedo é a criação de uma novarelação entre o campo do significado e ocampo da percepção visual - ou seja, entresituações no pensamento e situações reais.

Superficialmente, o brinquedo tem poucasemelhança com a forma, tornar fechado emforma de pensamento e a volição complexas emediadas a que o conduz.

Somente uma análise profunda torna possíveldeterminar o seu curso de mudanças e seupapel no desenvolvimento.

8. A pré-história da linguagem escrita

Até agora, a escrita ocupou um lugar muitoestreito na prática escolar, em relação ao papelfundamental que ela desempenha nodesenvolvimento cultural da criança. Ensina-seas crianças a desenhar letras e construirplavras com elas, mas não se ensina alinguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a

mecánica de ler o que está escrito que acaba-seobscurecendo a linguagem escrita como tal.

Algo similar tem acontecido com o ensino delinguagem falada para surdos-mudos. Aatenção tem se concentrado inteiramente naprodução de letras em particular, e na suaarticulação distinta. Nesse caso, os professoresde surdos-mudos não distinguem, por trásdessas técnicas de pronúncia, a linguagemfalada, e o resultado é a produção de uma falamorta.

Explica-se essa situação, primariamente, porfatores históricos especificamente pelo fato deque a pedagogia prática, apesar da existênciade muitos métodos de ensinar a ler e escrever,tem ainda de desenvolver um procedimentocientífico efetivo para o ensino de linguagemescrita às. crianças. Diferentemente do ensinoda linguagem falada, no qual a criança pode sedesenvolver por si mesma, o ensino dalinguagem escrita depende de um treinamento

artificial. Tal treinamento requer atenção eesforços enormes, por parte do professor e doaluno, podendo-se, dessa forma, tornarfechado em si mesmo, relegando a linguagemescrita viva a segundo plano. Ao invés de sefundamentar nas necessidades naturalmentedesenvolvidas das crianças, e na -sua própriaatividade, a escrita lhes é imposta de fora,vindo das mãos dos professores. Essa situaçãolembra muito o processo de desenvolvimentode uma habilidade técnica, como, por exemplo,

o tocar piano: o aluno desenvolve a destrezade seus dedos e aprende quais teclas devetocar ao mesmo tempo que lê a partitura; noentanto, ele não está, de forma nenhuma,envolvido na essência da própria música.

Esse entusiasmo unilateral pela mecânica daescrita causou impacto não só no ensino, comona própria abordagem teórica do problema.Até agora a psicologia tem considerado aescrita simplesmente como uma complicada

habilidade motora.Notavelmente, ela tem dado muito poucaatenção à linguagem escrita como tal, isto é,

Page 72: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 72/92

72

um sistema particular de símbolos e signoscuja dominação prenuncia um ponto crítico emtodo o desenvolvimento cultural da criança.

Um aspecto desse sistema é que ele constituium simbolismo de segunda ordem que,gradualmente, torna-se um simbolismo direto.Isso significa que a linguagem escrita é

constituída por um sistema de signos quedesignam os sons e as palavras da linguagemfalada, os quais, por sua vez, são signos dasrelações e entidades reais. Gradualmente,esseelo intermediário ( a linguagem falada)desaparece e a linguagem escrita converte-senum sistema de signos que simbolizadiretamente as entidades reais e as relaçõesentre elas. Parece claro que o domínio de umtal sistema complexa de signos não pode seralcançado de maneira puramente mecânica eexterna; ao invés disso, esse domínio é oculminar, na criança, de um longo processo dedesenvolvimento de funções comportamentaiscomplexas. A única forma de nos aproximar deuma solução correta para a psicologia daescrita é através da compreensão de toda ahistória do desenvolvimento dos signos nacriança.

Entretanto, a história do desenvolvimento dalinguagem escrita impõe dificuldades enormes

à pesquisa. Até onde podemos julgar com omaterial disponível, ela não segue uma linhaúnica direta na qual se mantenha algo comouma continuidade clara de formas. Ao invésdisso, ela nos oferece as metamorfoses maisinesperadas, isto é, transformações de algumasformas particulares de linguagem escrita emoutras. Para citar a adequada expressão deBaldwin referente ao desenvolvimento dascoisas, ela é constituída tanto de involuçõescomo de evoluções(1). Isso significa que,

 juntamente com processos de desenvolvimento- movimento progressivo - e o aparecimento deformas novas, podemos distinguir, a cadapasso, processos de redução, desaparecimentoe desenvolvimento reverso de velhas formas.A história do desenvolvimento da linguagemescrita nas crianças é plena dessasdescontinuidades. Às vezes, a sua linha dedesenvolvimento parece desaparecercompletamente, quando, subitamente, comoque do nada, surge uma nova linha; e a

princípio parece não haver continuidadealguma entre a velha e a nova.

Mas somente a visão ingênua de que odesenvolvimento é um processo puramenteevolutivo, envolvendo nada mais do queacúmulos graduais de pequenas mudanças euma conversão gradual de uma forma emoutra, pode esconder-nos a verdadeiranatureza desses processos.

Esse tipo revolucionário de desenvolvimento,no entanto, de maneira nenhuma é novo para aciência em geral; é novo somente para apsicologia da criança. Portanto, apesar dealgumas tentativas ousadas, a psicologiainfantil não possui uma visão convincente dodesenvolvimento da linguagem escrita comoum processo histórico, como um processounificado de desenvolvimento.

A primeira tarefa de uma investigação

científica é revelar essa pré-história dalinguagem escrita; mostrar o que leva ascrianças a escrever; mostrar os pontosimportantes pelos quais passa essedesenvolvimento pré-histórico e qual a suarelação com o aprendizado escolar.Atualmente, apesar dos vários estudosexistentes, ainda não estamos em condições deescrever uma história coerente ou completa dalinguagem escrita nas crianças.

Conseguimos somente distinguir os pontosimportantes nesse desenvolvimento e discutiras suas grandes mudanças. Essa históriacomeça com o aparecimento do gesto como umsigno visual para a criança.

Gestos e signos visuais

O gesto é o signo visual inicial que contém afutura escrita da criança, assim como umasemente contém um futuro carvalho.

Como se tem corretamente dito, os gestos são aescrita no ar, e os signos escritos são,freqizentemente, simples gestos que foramfixados. Ao discutir a história da escritahumana, Wurth assinalou a ligação entre osgestos e a escrita pictórica ou pictográfica(2).

Ele mostrou que, freqüentemente, os gestosfigurativos denotam simplesmente areprodução de um signo gráfico; por outrolado, os signos freqüentemente são a fixação

de gestos. Uma linha que designa "indicação"na escrita pictográfica denota o dedo indicadorem posição. De acordo com Wurth, todas essas

Page 73: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 73/92

73

designações simbólicas na escrita pictórica sópodem ser explicadas como derivadas dalinguagem gestual, mesmo quando,subseqüentemente, tornam-se separadas dela,funcionando de maneira independente.

Existem dois outros domínios onde os gestosestão ligados à origem dos signos escritos. O

primeiro é o dos rabiscos das crianças.Em experimentos realizados para estudar o atode desenhar, observamos que, freqüentemente,as crianças usam a dramatização,demonstrando por gestos o que elas deveriammostrar nos desenhos; os traços constituemsomente um suplemento a essa representaçãogestual.

Eu poderia citar muitos outros exemplos.

Uma criança que tem de desenhar o ato decorrer começa por demonstrar o movimentocom os dedos, encarando os traços e pontosresultantes no papel como uma representaçãodo correr.

Quando ela tem de desenhar o ato de pular,sua mão começa por fazer os movimentosindicativos do pular; o que acaba aparecendono papel, no entanto, é a mesma coisa: traços epontos. Em geral, tendemos a ver os primeirosrabiscos e desenhos das crianças mais como

gestos do que como desenhos no verdadeirosentido da palavra. Também tendemos aimputar ao mesmo tipo de fenômeno o fato,experimentalmente demonstrado, de ascrianças, ao desenharem objetos complexos,não o fazerem pelas suas partes componentes esim pelas suas qualidades gerais, como, porexemplo, a impressão de redondo, etc. Quandouma criança desenha uma lata cilíndrica comouma curva fechada que lembra um círculo elaestá, asim, desenhando sua propriedade deredonda.

Essa fase do desenvolvimento coincide comtodo o aparato motor geral que caracteriza ascrianças dessa idade e que governa toda anatureza e o estilo dos seus primeirosdesenhos. Ao desenhar conceitos complexosou abstratos, as crianças comportam-se damesma maneira. Elas não desenham, elasindicam, e o lápis meramente fixa o gestoindicativo. Quando solicitada a desenhar um

"bom tempo" a criança indicará o pé da páginafazendo um movimento horizontal com a mão,explicando: "Esta é a Terra"; então depois de

realizar vários movimentos verticais para cimae para baixo, confusos: "E este é o bom tempo".Tivemos ocasião de verificar maisprecisamente, em experimentos, a íntimarelação entre a representação por gestos e arepresentação pelo desenho, e obtivemos arepresentação simbólica e gráfica através de

gestos em crianças com cinco anos de idade.

O desenvolvimento do simbolismo no brinquedo

A segunda esfera de atividades que une osgestos e a linguagem escrita é a dos jogos dascrianças. Para elas, alguns objetos podem, depronto, denotar outros, substituindo-os etornando-se seus signos; não é importante ograu de similaridade entre a coisa com que sebrinca e o objeto denotado. O mais importante

é a utilização de alguns objetos comobrinquedos e a possibilidade de executar, comeles, um gesto representativo. Essa é a chavepara toda a função simbólica do brinquedo dascrianças. Uma trouxa de roupas ou um pedaçode madeira torna-se, num jogo, um bebê,porque os mesmos gestos que representam osegurar uma criança ou o dar-lhe de mamarpodem ser aplicados a eles. própriomovimento da criança, seus próprios gestos, éque atribuem a função de signo ao objeto e lhedão significado. Toda atividade representativasimbólica é plena desses gestos indicativos: porexemplo, para a criança, um cabo de vassouratransforma-se num cavalo de pau porque elepode ser colocado entre as pernas, podendo acriança empregar um gesto que comunica ofato de, neste exemplo, o cabo de vassouradesignar um cavalo.

Desse ponto de vista, portanto, o brinquedosimbólico das crianças pode ser entendido

como um sistema muito complexo de "fala"através de gestos que comunicam e indicam ossignificados dos objetos usados para brincar. Ésomente na base desses gestos indicativos queesses objetos adquirem, gradualmente, seusignificado - assim como o desenho que, deinício apoiado por gestos, transforma-se numsigno independente.

Tentamos estabelecer, experimentalmente, esseestágio especial particular, nas crianças, deescrita com objetos. Conduzimos brinquedos-experimentos nos quais; brincando,representamos as coisas e as pessoas enolvidas

Page 74: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 74/92

74

por objetos familiares. Por exemplo, um livroem pé designava uma casa; chavessignificavam crianças; um lápis, umagovernanta; um relógio de bolso designavauma farmácia; uma faca, o médico; uma tampade tinteiro, uma carruagem; e assim por diante.A seguir, através de gestos figurativos,

usando-se esses objetos, representava-se umahistória simples para as crianças. Elas podiam,com grande facilidade, ler a história. Porexemplo, o médico chega à casa numacarruagem, bate à porta, a governanta abre, eleexamina as crianças, receita e sai; a governantavai até a farmácia, volta e dá os remédios àscrianças. A maioria das crianças com três anosde idade pode ler, com grande facilidade, essanotação simbólica. Crianças de quatro ou cincoanos podem ler notações mais complexas um

homem andando pela floresta é atacado emordido por um lobo; o homem se livra ecorre, um médico o atende e ele vai à farmáciae depois para casa; um caçador põe-se acaminho da floresta para matar o lobo.

O que é evidente é que a similaridadeperceptiva dos objetos não tem um papelconsiderável para a compreensão da notaçãosimbólica. O que importa é que os objetosadmitam o gesto apropriado e possamfuncionar como um ponto de aplicação dele.

Dessa forma, os objetos que não permitem arealização dessa estrutura gestual sãosumariamente rejeitados pelas crianças.

Nesse jogo, por exemplo, que é conduzidonuma mesa, e que envolve objetos pequenoscolocados sobre ela, se pegarmos os dedos dascrianças e dissermos - "De brincadeira,suponha, agora, que seus dedos são ascrianças" - elas taxativamente se recusarão abrincar. Elas objetarão cüzendo que não épossível existir esse jogo.

Os dedos estão de tal forma conectados aosseus corpos, que não padem ser consideradosobjetos em relação aos quais possacorresponder um gesto indicativo. Da mesmaforma, uma peça de mobília nâo pode estarenvolvida, como objeto, na brincadeira. Osobjetos cumprem uma função de substituição:o lápis substitui a governanta ou o relógio, afarmácia; no entanto, somente os gestos

adequados conferem a eles os significados. Soba influência desses gestos, entretanto, ascrianças mais velhas começam a fazer uma

descoberta de importância excepcional osobjetos não só podem indicar as coisas que elesestão representando como podem, também,substituí-las. Por exemplo, quando pegamosum livro com uma capa escura e dizemos queele representará uma floresta, a criança,espontaneamente, acrescentará: "É verdade, é

uma floresta porque é preto e escuro".Assim ela isola um dos aspectos do objeto que,para ela, é uma indicação do fato de se usar olivro para significar uma floresta. Da mesmamaneira, quando se usa a tampa metálica deum tinteiro para representar uma carruagem, acriança a apontará dizendo:

"Este é o assento." Quando o relógio de bolso éusado para representar a farmácia, umacriança poderá apontar os números do

mostrador dizendo serem os remédios, outraapontará a alça e dirá ser a porta de entrada.Referindo-se a uma garrafa que faz o papel deum lobo, uma criança mostra o gargalo e diz:"E esta é a sua boca". Nesse caso, se oexperimentador mostrar a rolha e perguntar:"E o que é isto?", a criança responderá: "Elepegou uma rolha e a está segurando nosdentes".

O que vemos em todos esses exemplos é amesma coisa, ou seja, que, sob o impacta donavo significado adquirido, modifica-se aestrutura corriqueira dos objetos. Em respostaao fato de o relógio representar uma farmácia,um de seus aspectos, em particular, é isolado,assumindo a função de um novo signo ouindicação de como o relógio representa afarmácia (seja através dos medicamentos, sejaatravés da porta de entrada). A estruturacorriqueira dos objetos Epor exemplo, a rolhanuma garrafa) começa a refletir-se na novaestrutura (o lobo segura a rolha nos dentes) eessa modificação estrutural torna-se tão forteque, por vezes, em vários experimentos,chegamos a incutir gradualmente na criança,um determinado significado simbólico. Porexemplo, em quase todas as nossas sessões debrinquedo, o relógio de bolso significou umafarmácia, enquanto outros objetos tiveram seusignificado mudado rápida e freqüentemente.Num outro jogo, pegamos o relógio e, deacordo com novos procedimentos, explicamos:

"Agora isto é uma padaria". Uma criançaimediatamente pegou uma caneta e,colocando-a atravessada sobre o relógio,

Page 75: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 75/92

75

dividindo-o em duas metades, disse: "Tudobem, esta é a farmácia e esta é a padaria".

O velho significado tornou-se assimindependente e funcionou como uma condiçãopara o novo. Também pudemos observar essaaquisição de significado independente emsituações fora do próprio jogo; se uma faca

caísse, a criança poderia dizer: "O médicocaiu".

Assim, um objeto adquire uma função designo, com uma história própria ao longo dodesenvolvimento, tornando-se, nessa fase,independente dos gestos das crianças. Issorepresenta um simbolismo de segunda ordeme, como ele se desenvolve no brinquedo,consideramos a brincadeira do faz-de-contacomo um dos grandes contribuidores para o

desenvolvimento da linguagem escrita - que éum sistema de simbolismo de segunda ordem.

Assim como no brinquedo, também nodesenho o significado surge, inicialmente,como um simbolismo de primeira ordem.Como já dissemos, os primeiros desenhossurgem como resultado de gestos manuais (gestos de mãos adequadamente equipadascom lápis); e o gesto, como vimos, constitui aprimeira representação do significado. Ésomente mais tarde que, independentemente, arepresentação gráfica começa a designar algumobjeto. A natureza dessa relação é que aosrabiscos já feitos no papel dá-se um nomeapropriado.

H. Hetzer estudou experimentalmente como arepresentação simbólica dos objetos - tãoimportante no aprendizado da escrita - sedesenvolve em crianças de três a seis anos deidade.

Seus experimentos constituíram-se de quatroséries básicas. Através da primeira, investigoua função dos símbolos no brinquedo dascrianças. As crianças tinham de representar, na'brincadeira, um pai ou uma mãe fazendo oque eles costumam fazer no dia a dia. Nestabrincadeira acrescentava-se uma interpretaçãode faz-de-conta de alguns objetos, de modo atornar possível para, o pesquisador observar afunção simbólica associada a objetos.

A segunda série utilizou blocos e materiais

com que as crianças pudessem construir coisas,e a terceira envolveu desenhos com lápis decor. Nessas duas últimas séries prestou-se

particular atencão ao momento em que eranomeado o significado apropriado.

A quarta série de experimentos teve a funçãode investigar, na forma de uma brincadeira decorreio, até que ponto as crianças conseguiamperceber combinações puramente arbitráriasde signos.

Esse jogo utilizava pedaços de papel de váriascores para significar diferentes tipos demensagens: telegramas, jornais, ordens depagamento, pacotes, cartas, cartões postais eassim por diante. Assim, os experimentosrelacionavam, explicitamente, essas diferentesformas de atividade (cujo único aspectocomum compartilhado é a funçao simbólica) etentavam liga-las com o desenvolvimento dalinguagem escrita, aliás, como nós também

fizemos em nossos experimentos.Hetzer foi capaz de mostrar claramente quaissignificados simbólicos surgem no brinquedoatravés de gestos figurativos e quais surgematravés das palavras. A linguagem egocêntricadas crianças manifestou-se amplamente nesses

 jogos. Enquanto algumas criançasrepresentavam qualquer coisa através demovimentos e mímica, nâo usando de maneiranenhuma a fala como fonte de simbolismo, emoutras, as ações foram acompanhadas pelafala: a criança tanto falava quanto agia. Já paraum terceiro grupo de crianças começa apredominar a expressão puramente verbal nãoacompanhada por qualquer atividade.Finalmente, num quarto grupo as crianças nãobrincam, e a fala torna-se o único modo derepresentação, desaparecendo a mímica e asexpressões gestuais. A porcentagem de açõesgestuais na brincadeira diminui com a idade,ao mesmo tempo que a fala, gradualmente,passa a predominar. Como diz o autor, aconclusão mais importante tirada desse estudodo desenvolvimento é que, na atividade debrinquedo, a diferença entre uma criança detrês e outra de seis anos de idade não está napercepção do símbolo mas, sim, no modo peloqual são usadas as várias formas derepresentação.

Na nossa opinião, essa é uma conclusãoextraordinariamente importante; ela indica quea representação simbólica no brinquedo é,

essencialmente, uma forma particular delinguagem num estágio precoce, atividade essaque leva, diretamente, à linguagem escrita.

Page 76: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 76/92

76

A medida que o desenvolvimento prossegue, oprocesso geral de nomeação se desloca cadavez mais para o início do processo, que, assim,passa a ser equivalente à escrita da palavra queacabou de ser dita. Uma criança de três anosde idade é capaz de compreender a funçãorepresentativa de uma construção com

brinquedos, enquanto que uma criança dequatro anos de idade dá nome às suas criaçõesantes mesmo de começar a construí-las.

Da mesma forma, notamos no desenho queuma criança com três anos de idade ainda nãoé consciente do significado simbólico do seudesenho, o que só será dominadocompletamente, por todas as crianças, emtorno dos sete anos de idade.

O desenvolvimento do simbolismo no desenho

K. Buhler notou, corretamente, que o desenhocomeça quando a linguagem falada já alcançougrande progresso e já se tornou habitual nacriança.

Em seguida, diz ele, a fala predomina no gerale modela a maior parte da vida interior,submetendo-a suas leis. Isso inclui o desenho.

Inicialmente a criança desenha de memória. Se

pedirmos para ela desenhar sua mãe, que estásentada diante dela, ou algum outro objeto queesteja perto dela, a criança desenhará semsequer olhar para o original; ou seja, ascrianças não desenham o que vêem, mas sim oque conhecem. Com muita freqüência, osdesenhos infantis não só não têm nada a vercom a percepção real do objeto como, muitasvezes, contradizem essa percepção.

Nós também observamos o que Buhler chamade "desenhos de raios-X". Uma criança pode

desenhar uma pessoa vestida e, ao mesmotempo, desenhar suas pernas, sua barriga, acarteira no bolso, e até mesmo o dinheirodentro da carteira - ou seja, as coisas que elasabe que existem mas que, de fato, no caso, nãopodem ser vistas. Ao desenhar uma figura deperfil, a criança incluirá um segundo olho; aodesenhar um homem montado a cavalo, vistode lado, incluirá a outra perna. Finalmente,partes extremamente importantes dos objetospodem ser omitidas; por exemplo, as criançaspodem desenhar pernas que saiamdiretamente da cabeça, omitindo o pescoço e o

tronco ou, ainda, podem combinar partesdistintas de uma figura.

Como mostrou Sully, as crianças não sepreocupam muito com a representação; elassão muito mais simbolistas do que naturalistase não estão, de maneira alguma, preocupadascom a similaridade completa e exata,

contentando-se com indicações apenassuperficiais(5). No entanto, não é possíveladmitir que as crianças tenham tão poucoconhecimento da figura humana quantopoderia parecer pelos seus desenhos; ou seja,na verdade, parece que elas tentam identificare designar mais do que representar.

Nessa idade, a memória infantil não propiciaum quadro simples de imagensrepresentativas. Antes, ela propicia

predisposições a julgamentos já investidos oucapazes" de serem investidos pela fala.Notamos que quando uma criança libera seusrepositórios de memória através do desenho,ela o faz à maneira da fala, contando umahistória. A principal característica dessaatitude é que ela contém um certo grau deabstração, aliás, necessariamente imposta porqualquer representação verbal. Vemos, assim,que o desenho é uma linguagem gráfica quesurge tendo por base a linguagem verbal.

Nesse sentido, os esquemas que caracterizamos primeiros desenhos infantis lembramconceitos verbais que comunicam somente osaspectos essenciais dos objetos. Esses fatos nosfornecem os elementos para passarmos ainterpretar o desenho das crianças como umestágio preliminar no desenvolvimento dalinguagem escrita.

O desenvolvimento subseqüente do desenhonas crianças, entretanto, não tem explicaçãoem si mesmo e tampouco é puramentemecânico. Há um momento crítico napassagem dos simples rabiscos para o uso degrafias como sinais que representam ousignificam algo. Há uma concordância entretodos os psicólogos em que a criança devedescobrir que os traços feitos por ela podemsignificar algo. Sully ilustra essa descobertausando o exemplo de uma criança que, poracaso, desenhou uma linha espiral, semqualquer intenção e, de repente, notando uma

certa similaridade, exclamou alegremente:"Fumaça, fumaça! ".

Embora esse processo de reconhecimento do

Page 77: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 77/92

77

que está desenhado já seja encontrado cedo nainfância, ele ainda não equivale à descobertada função simbólica como, aliás, asobservações têm demonstrado. Nesse estágioinicial, mesmo sendo a criança capaz deperceber a similaridade no desenho, ela oencara como um objeto em si mesmo, similar a

ou do mesmo tipo de um objeto, e não comosua representação ou símbolo.

Quando se mostrou para uma menina umdesenho da sua boneca e ela exclamou: "Umaboneca igualzinha à, minha! ", é possível queela tivesse em mente, ao ver o desenho, umoutro objeto igual ao dela. De acordo comHetzer, não há evidências decisivas de que oprocesso de assemelhação de um desenho aum objeto signifique, ao mesmo tempo, acompreensão de que o desenho é umarepresentação do objeto. Tudo nos faz crer que,para a menina, o desenho não era umarepresentação da sua boneca mas, sim, umaoutra boneca igual à dela. Uma prova disso é ofato de que, por muito tempo, as crianças serelacionam com desenhos como se eles fossemobjetos. Por exemplo, quando se mostra a umacriança o desenho de um garoto de costas, elavira o papel para tentar ver seu rosto. Mesmoentre crianças de cinco anos de idade, quasesempre se observa que, em resposta àpergunta: "Onde está o rosto, o nariz?" elasviram o papel e só então respondem: "Não, nãoestá aqui. Não foi desenhado." Achamos queHetzer está muito certo ao afirmar que arepresentação simbólica primária deve seratribuída à fala e que é utilizando-a como baseque todos os outros sistemas de signos sãocriados. De fato, também no desenvolvimentodo desenho nota-se o forte impacto da fala, quepode ser exemplificado pelo deslocamento

contínuo do processo de nomeação ouidentificação para o início do ato de desenhar.

Tivemos a oportunidade de observar como odesenho das crianças se torna linguagemescrita real, através de experimentos ondeatribuíamos as crianças a tarefa de representarsimbolicamente algumas frases mais ou menoscomplexas. Nesses experimentos, ficouabsolutamente clara a tendência, por parte dascrianças em idade escolar, de mudar de umaescrita puramente pictográfica para uma

escrita ideográfica, onde as relações esignificados individuais são representados

através de sinais simbólicos abstratos.

Observamos bem essa dominância da falasobre a escrita numa criança em idade escolarque escreveu cada palavra da frase em questãotravés de desenhos individuais. .Assim, a frase- "Eu não vejo as ovelhas, mas elas estão ali" -foi representada da seguinte forma: a figura de

uma pessoa ("Eu"), a mesma figura com osolhos cobertos ("não vejo"), duas ovelhas ("asovelhas"), um dedo indicador e várias árvoresatrás das quais podia-se ver as ovelhas "maselas estão ali" ) . A frase - "Eu respeito você" -foi representada da seguinte maneira: umacabeça ("Eu"), duas figuras humanas, uma dasquais com um chapéu nas mãos ("respeito") eoutra cabeça ( "você" ) .

Vemos assim como o desenho acompanha

obedientemente a frase e como a linguagemfalada permeia o desenho das crianças.

Nesse processo, com freqüência a criança temde fazer descobertas originais ao inventar umamaneira apropriada de representação;

também pudemos observar que esse processo édecisivo para o desenvolvimento da escrita edo desenho na criança.

O simbolismo na escritaDentro do nosso projeto geral de pesquisa, foiLuria que se responsabilizou por tentar recriarexperimentalmente esse processo desimbolização na escrita, de modo a poderestudá-lo de forma sistemática". Em seusexperimentos, crianças que não eram aindacapazes de escrever foram colocadas frente àtarefa de elaborar algumas formas simples denotação gráfica. Pedia-se que procurassem nãoesquecer um certo número de frases, que

excedia em muito sua capacidade natural dememória. Quando as crianças se convenciamde que não seriam capazes de lembrar de todasas frases, dava-se a elas uma folha de þapelpedindo-lhes que grafassem ourepresentassem, de alguma maneira, aspalavras apresentadas.

Com freqüência as crianças ficavam perplexasdiante dessa sugestão, dizendo que não sabiamescrever. Nesse momento, o experimentador

ensinava-lhes algum procedimento queimplementasse o que foi pedido e examinavaaté que ponto as crianças eram capazes de

Page 78: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 78/92

78

dominá-lo e em que momento os rabiscasdeixavam de ser simples brincadeiras e setornavam símbolos auxiliares na lembrançadas frases. No estágio dos três para os quatroanos, as notações escritas em nada ajudavamas crianças no processo de lembrança; ao tentarlembrar as frases, as crianças nem olhavam

para o papel.Entretanto, de vez em quando encontrávamosalguns casos, aparentemente surpreendentes,que destoavam consideravelmente dessa regrageral. Nesses casos, a criança tambémrabiscava traços absolutamente nãodiferenciados e sem sentido, mas, quandoreproduzia as frases, parecia que as estavalendo; ela se reportava a certos rabiscos epodia indicar repetidamente, sem errar, querabisco representava que frase. Surgia entãouma relação inteiramente nova para essesrabiscos e para a atividade motora auto-reforçadora: pela primeira vez os traçostornavam-se símbolos mnemotécnicos. Porexemplo, algumas crianças colocavam traçosparticulares em lugares distintos da página, deforma a associar um certo traço a umadeterminada frase. Surgia então um tipocaracterístico de topografia um traço no cantoda página, por exemplo, representava umavaca, enquanto que um outro, não muitodistante, representava um limpador dechaminés. Dessa forma, pode-se dizer queesses traços constituem sinais indicativosprimitivos auxiliares do processo mnemônico.

Acreditamos estar certos ao considerar esseestágio mnemotécnico como o primeiroprecursor da futura escrita. Gradualmente, ascrianças transformam esses traçosindiferenciados. Simples sinais indicativos etraços e rablscos simbolizadores são

substituídos por pequenas figuras e desenhos,e estes, por sua vez, são substituídos pelossignos. Através desses experimentos, foi nospossível descrever não somente o momentoexato da própria descoberta como, também,seguir o curso do processo em função de certosfatores. Assim, o conteúdo e a formaintroduzidos nas frases quebram, pelaprimeira vez, a ausência de sentido nasnotações gráficas das crianças. Se, porexemplo, introduzirmos, a noção de

quantidade nas frases, podemos evocar, depronto, mesmo em crianças entre quatro e

cinco anos, uma notação que reflete essaquantidade. (Talvez tenha sido a necessidadede registrar quantidades que, historicamente,deu origem à escrita. ) O mesmo acontece coma introdução das noções de cor e forma, quetambém cantribuem para que a criançadescubra o princípio da escrita. Assim, frases

como "parece preto", "fumaça preta de umachaminé", "no inverno há muita neve branca","um camundongo com um rabo muitocomprido" ou "Lyalya tem dois olhos e umnariz", fazem com que a criança muderapidamente de uma escrita que funcionacomo gestos indicativos para uma escrita quecontém os rudimentos da representação.

É fácil perceber que, nesse ponto, os sinaisescritos constituem símbolos de primóiraordem, denotando diretamente objetos ouações e que a criança terá. ainda de evoluir nosentido do simbolismo de segunda ordem, quecompreende a criação de sinais escritosrepresentativos dos símbolos falados daspalavras.

Para isso a criança precisa fazer umadescoberta básica - a de que se pode desenhar,além de coisas, também a fala. Foi essadescoberta, e somente ela, que levou ahumanidade ao brilhante método da escrita

por letras e frases; a mesma descoberta conduzas crianças à escrita literal. Do ponto de vistapedagógico, essa transição deve ser propiciadapelo deslocamento da atividade da criança dodesenhar coisas para o desenhar a fala. É difícilespecificar como esse deslocamento ocorre,uma vez que somente pesquisas adequadas aserem feitas poderão levar a conclusõesdefinitivas, e os métodos geralmente aceitos doensino da escrita não permitem a observaçãodessa transição. No entanto, uma coisa é certa -

o desenvolvimento da linguabem escrita nascrianças se dá, conforme já foi descrito, pelodeslocamento do desenho de coisas para odesenho de palavras. De uma maneira ou deoutra, vários dos métodos existentes de ensinode escrita realizam isso. Muitos delesempregam gestos auxiliares como um meio deunir o símbolo falado ao símbolo escrito;outros empregam desenhos que representamos objetos apropriados. Na verdade, o segredodo ensino da linguagem escrita é preparar e

organizar adequadamente essa transiçãonatural.

Page 79: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 79/92

79

Uma vez que ela é atingida, a criança passa adominar o princípio da linguagem escrita, eresta então, simplesmente, aperfeiçoar essemétodo.

Dado o estado atual do conhecimentopsicológico, a nossa concepção de que obrinquedo de faz-de-conta, o desenho e a

escrita devem ser vistos como momentosdiferentes de um processo essencialmenteunificado de desenvolvimento da linguagemescrita, poderia parecer, de certa forma,exagerada. As descontinuidades e os saltos deum tipo de atividade para outro são muitograndes para que as relações se tornem, deimediato, evidentes. No entanto, váriosexperimentos e a análise psicológica nos levamexatamente a essa conclusão. Mostram-nosque, por mais complexo que o processo dedesenvolvimento da linguagem escrita possaparecer, ou ainda, por mais que sejaaparentemente errático, desconexo e confuso,existe, de faþo, uma linha histórica unificadaque conduz às formas superiores dalinguagem escrita.

Essa forma superior, que mencionaremossomente de passagem, implica uma reversãoulterior da linguagem escrita do seu estágio desimbolismo de segunda ordem para, agora

numa nova qualidade, novamente um estágiode primeira ordem. Enquanto símbolos desegunda ordem, os símbolos escritosfuncionam como designações dos símbolosverbais. A compreensão da linguagem escrita éefetuada, primeiramente, através dalinguagem falada; no entanto, gradualmenteessa via é reduzida, abreviada, e a linguagemfalada desaparece como elo intermediário.

A julgar pelas evidências disponíveis, alinguagem escrita adquire o caráter desimbolismo direto, passando a ser percebidada mesma maneira que a linguagem falada.Basta imaginarmos as enormes transformaçõesque ocorrem no desenvolvimento cultural dascrianças em conseqüência do domínio doprocesso de linguagem escrita e da capacidadede ler, para que nos tornemos cientes de tudoque os gênios da humanidade criaram nouniverso da escrita.

Implicações práticas

Uma visão geral da história completa do

desenvolvimento da linguagem escrita nascrianças leva-nos, naturalmente, a trêsconclusões de caráter prático,excepcionalmente importantes.

A primeira é que, do nosso ponto de vista,seria natural transferir o ensino da escrita paraa pré-escola. De fato, se as crianças mais novas

são capazes de descobrir a função simbólica daescrita, como demonstram os experimentos deHetzer, então o ensino da escrita deveria ser deresponsabilidade da educação pré-escolar.

Observamos ainda, várias circunstâncias que,do ponto de vista psicológico, indicam que naUnião Soviética o ensino da escrita vem tardedemais. Ao mesmo tempo, sabemos que oensino da leitura e da escrita começa,geralmente, aos seis anos de idade, na maioria

dos países europeus e americanos.As pesquisas de Hetzer indicam que oitentapor cento das crianças com três anos de idadepodem dominar uma combinação arbitrária desinais e significados, enquanto que, com seisanos, quase todas as crianças sâo capazes derealizarem essa operação. Com base nas suasobservações, poder-se-ia concluir que odesenvolvimento entre três e seis anos envolvenão só o domínio de signos arbitrários como,também, o progresso na atenção e na memória.Portanto, os experimentos de Hetzer apontampara o início do ensino da leitura em idadesmais precoces. Só para deixar claro, ela nãodeu importância ao fato de que a escrita é umsimbolismo de segunda ordem; ao contrário, oque ela estudou foi o simbolismo de primeiraordem.

Burt relata que, na Inglaterra, embora afreqüência à escola seja compulsória a partirdos cinco anos de idade, ela é permitida a

crianças entre três e cinco anos, desde que hajavagas, para ensino do alfabeto(7). A grandemaioria das crianças já são capazes de ler aosquatro anos e meio. Montessori éparticularmente favorável ao ensino da leiturae da escrita em idades precoces(8).

Nos seus jardins-da-infância, na Itália, durantesituações de jogos, através de exercíciospreparatórios, todas as crianças começam aescrever aos quatro anos e podem ler tão bemquanto as crianças com cinco anos que estão noprimeiro ano regular.

No entanto, o próprio exemplo de Montessori

Page 80: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 80/92

80

mostra muito bem que a situação é muito maiscomplexa do que parece à primeira vista. Se,por uns instantes, ignorarmos a precisão e abeleza das letras que suas crianças desenham eatentarmos para o conteúdo do que elasescrevem, encontraremos mensagens doseguinte tipo: "Feliz Páscoa ao engenheiro

Talani e à professora Montessori. Felicidadesao diretor, à professora e à doutoraMontessori. Casa das Crianças. ViaCampania", e assim por diante.

Não negamos a possibilidade de se ensinarleitura e escrita às crianças em idade pré-escolar; pelo contrário, achamos desejável quecrianças mais novas entrem para a escola, umavez que já são capazes de ler e escrever. Noentanto, o ensino tem de ser organizado deforma que a leitura e a escrita se tornemnecessárias às crianças. Se forem usadasapenas para escrever congratulações oficiaispara os membros da diretoria da escola oupara qualquer pessoa que o professor julgarinteressante (e sugerir claramente para ascrianças ) então o exercício da escrita passará aser puramente mecânico e logo poderáentediar as crianças; suas atividades não seexpressarão em sua escrita e suaspersonalidades não desabrocharão. A leitura ea escrita devem ser algo de que a criançanecessite. Temos, aqui, o mais vívido exemploda contradição básica que aparece no ensinoda escrita, não somente na escola deMontessori, mas também na maioria dasoutras escolas; ou seja, a escrita é ensinadacomo uma habilidade motora e não como umaatividade cultural complexa. Portanto, ensinara escrita nos anos pré-escolares impõe,necessariamente, uma segunda demanda: aescrita deve ser "relevante à. vida" da mesma

forma que requeremos uma aritmética"'relevante".

Uma segunda conclusão, então, é de que aescrita, deve ter significado para as crianças, deque uma necessidade intrínseca deve serdespertada nelas e a escrita deve serincorporada a uma tarefa necessária erelevante para a vida. Só então poderemosestar certos de que ela. se desenvolverá nãocomo hábito de mãos e dedos, mas como umaforma nova e complexa de linguagem.

O terceiro ponto que estamos tentandoadiantar como conclusão prática é a

necessidade de a escrita ser ensinadanaturalmente.

Quanto a isso, Montessori contribuiu de formaimportante. Ela mostrou que os aspectosmotores da. escrita podem ser, de fato,acoplados com o brinquedo infantil e que oescrever pode ser "cultivado" ao invés de

"imposto". Ela oferece uma abordagemmotivante para o desenvolvimento da escrita.

Dessa forma, uma criança passa a ver a. escritacomo um treinamento natural no seudesenvolvimento, e não como um treinamentoimposto de fora para dentro.

Montessori mostrou que o jardim-da-infância éo lugar apropriado para o ensino da leitura eda escrita; isso significa que o melhor método éaquele em que as crianças não aprendam a ler

e a escrever mas, sim, descubram essashabilidades durante as situações de brinquedo.Para isso é necessário que as letras se tornemelementos da vida das crianças, da mesmamaneira como, por exemplo, a fala.

Da mesma forma que as crianças aprendem afalar, elas podem muito bem aprender a ler e aescrever. Métodos naturais de ensino da leiturae da escrita implicam operações apropriadassobre o meio ambiente das crianças. Elas

devem sentir a necessidade do ler e doescrever no seu brinquedo. No entanto, o queMontessari faz quanto aos aspectos motoresdessa habilidade deveria, agora, ser feito emrelação aos aspectos internos da linguagemescrita e de sua assimilação funcional. þ claroque é necessário, também, levar a criança auma compreensão interior da escrita, assimcomo fazer com que a escrita sejadesenvolvimento organizado, mais do queaprendizado. Quanto a isso, podemos apenas

indicar uma abordagem extremamente geral:assim como o trabalho manual e o domínio dacaligrafia são para Montessori, exercíciospreparatórios ao desenvolvimento dashabilidades da escrita, desenhar e brincardeveriam ser estágios preparatórios aodesenvolvimento da linguagem escrita dascrianças. Os educadores devem organizartodas essas ações e todo o complexo processode transição de um tipo de linguagem escritapara outro. Devem acompanhar esse processo

através de seus momentos críticos, até o pontoda descoberta de que se pode desenhar nãosomente objetos, mas também a fala. Se

Page 81: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 81/92

81

quiséssemos resumir todas essas demandaspráticas e expressá-las de uma formaunificada, poderíamos dizer que o que se devefazer é ensinar às crianças a linguagem escrita,e não apenas a escrita de letras.

"A grande idéia básica de que o mundo nãodeve ser visto como um complexo de objetoscompletamente acabados, mas sim como umcomplexo de processos, no qual objetosaparentemente estáveis, nada menos do quesuas imagens em nossas cabeças (nossosconceitos), estão em incessante processo detransformação...

Aos olhos da filosofia dialética, nada éestabelecido por todos os tempos, nada éabsoluto ou sagrado. Vê-se em tudo a marca

do declínio inevitável; nada resiste exceto ocontínuo processo de formação e destruição, aascensão interminável do inferior para osuperior - um processo do qual a filosofia nãopassa de uma simples reflexão no cérebropensante.

Posfácio

VERA JOHN-STEINER E ELLEN

SOUBERMAN

Nossa tentativa neste ensaio é destacar váriasproposições teóricas importantes de Vygotsky,particularmente aquelas que poderiam seconstituir em linhas de pesquisa na psicologiacontemporânea.

Depois de ter trabalhado por vários anos comos manuscritos e palestras que constituem estelivro, chegamos ao reconhecimento de que a

teoria de Vygotsky foi primariamente indutiva,construída ao longo da exploração defenômenos como a memória, fala interior ebrinquedo. Nosso objetivo é explorarsistematicamente os conceitos que mais nosimpressionaram pessoal e intelectualmenteenquanto editávamos os manuscritos deVygotsky e preparávamos este trabalho.

Como leitores, descobrimos que asconseqüências da internalização das idéias de

Vygotsky têm uma dinâmica própria.No começo, a familiarização crescente comsuas idéias ajuda-nos a superar a polarização

dos textos da psicologia contemporânea;

ele oferece um modelo novo para reflexão epesquisa em psicologia, para aqueles que estãoinsatisfeitos com a tensão entre behavioristas enativistas. Para alguns leitores, pode parecerque Vygotsky representa uma posiçãointermediária; porém uma leitura cuidadosa

revela a ênfase que ele coloca nastransformações complexas que constituem odesenvolvimento humano, cujo entendimentorequer a participação ativa do leitor.

Para Vygotsky, o desenvolvimento não setratava de uma mera acumulação lenta demudanças unitárias, mas sim, segundo suaspalavras, de "um complexo processo dialético,caracterizado pela periodicidade,irregularidade no desenvolvimento das

diferentes funções, metamorfose outransformação qualitativa de uma forma emoutra, entrelaçamento de fatores externos einternos e processos adaptativos" ( capítulo 5 ).

E de fato, nesse sentido, sua visão da históriado indivíduo e sua visão da história da culturasão semelhantes. Em ambos os casos, Vygotskyrejeita o conceito de desenvolvimento linear,incorporando em sua conceituação tantoalterações evolutivas como mudançasrevolucionárias. Para Vygotsky, oreconhecimento dessas duas formas inter-relacionadas de desenvolvimento écomponente necessário do pensamentocientífico.

Dada a dificuldade de conceituar um processodialético de mudança, só tivemos noção maiscompleta do impacto desses conceitos quandotentamos combinar nossa própria investigaçãocom as idéias de Vygotskyl. Esse processoexigiu um trabalho de expandir seus conceitos

sintéticos e s.o mesmo tempo poderosos, paraentão aplicá-los à nossa investigação ou àobservação diária do comportamento humano.A natureza críptica dos textos de Vygotsky,embora isso possa ser explicado pelascondições de sua vida nos últimos anos,forçou-nos a pesquisar profundamente seusconceitos mais significativos. Dessa maneira,isolamos aquelas, idéias marcadamenteoriginais e que, quarenta anos após sua morte,ainda oferecem perspectivas novas tanto para

a psicologia como para a educação.

Page 82: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 82/92

82

Conceitos de desenvolvimento

Os capítulos deste livro tratam de algunsaspectos das mudanças ao longo dodesenvolvimento corforme a concepção deVygotsky.

Embora ele se vincule claramente a uma

posição teórica distinta daquelas propostas porinfluentes investigadores contemporâneos seus- Thorndike, Piaget, Koffka -, ele retornaconstantemente aos pensamentos dessesinvestigadores com a finalidade de enriquecere aguçar seus próprios pontos de vista.

Tanto Vygotsky como seus contemporâneosabordaram o problema do desenvolvimento,porém Vygotsky focalizou o problema nadeterminação histórica e, transmissão culturalda psicologia dos seres humanos. Sua análise

difere também daquela dos primeirosbehavioristas. Vygotsky escreveu:

"Apesar dos avanços significativos que podemser atribuídos à metodologia behaviorista, essemétodo apresenta sérias limitações.

O desafio fundamental para o psicólogo é o dedescobrir e demonstrar os mecanismos ocultossubjacentes à complexa psicología humana.Embora o método behaviorista seja objetivo eadequado ao estudo de atos reflexos simples,

falha claramente quando aplicado a processospsicológicos complexos. Os mecanismos maisinternos característicos desses processospermanecem ocultos.

A abordagem naturalista do comportamentogeralmente deixa de levar em consideração adiferença qualitativa entre a história humana ea dos animais.

A conseqüência experimental desse tipo deanálise é o estudo do comportamento humano

sem levar em conta a história geral dodesenvolvimento humano"(2).

Em contraste, Vygotsky defende umaabordagem teórica e, conseqüentemente, umametodologia que privilegia a mudança.

O seu esforço de mapear as mudanças aolongo do desenvolvimento deve-se, em parte, àtentativa de mostrar as implicaçõespsicológicas do fato de os homens seremparticipantes ativos e vigorosos da sua própria

existência e de mostrar que, a cada estágio deseu desenvolvimento, a criança adquire os

meios para intervir de forma competente noseu mundo e em si mesma. Portanto, umaspecto crucial da condição humana, e quecomeça na infância, é a criação e o uso deestímulos auxiliares ou "artificiais"; atravésdesses estímulos uma situação inédita e asreações ligadas a ela são alteradas pela

íntervenção humana ativa.Esses estímulos auxiliares criados peloshomens não apresentam relação inerente coma situação vigente; na realidade, os homensintroduzem esses estímulos como umamaneira de ativamente adaptar-se. Vygotskyconsidera os estímulos auxiliares comoaltamente diversificados: eles incluem osinstrumentos da cultura na qual a criançanasce, a linguagem das pessoas que serelacionam com a criança e os instrumentosproduzidos pela própria criança, incluindo ouso do próprio corpo. Um dos exemplos maisevidentes desse tipo de uso de instrumentospode ser visto na atividade de brinquedo decrianças pobres que não têm acesso abrinquedos pré-fabricados, mas conseguembrincar de "casinha" "trenzinho", etc., com osrecursos que têm às mãos. A exploração teóricadessas atividades no contexto dodesenvolvimento constitui um tema recorrenteneste livro, uma vez que Vygotsky vê obrinquedo como o meio principal dedesenvolvimento cultural da criança.

Piaget compartilha com Vygotsky a noção daimportância do organismo ativo. Ambos sãoobservadores argutos do comportamentoinfantil. Entretanto, a habilidade de Vygotskycomo observador foi amplificada pelo seuconhecimento do materialismo dialético, pelasua concepção do organismo com alto grau deplasticidade e pela sua visão do meio ambiente

como contextos culturais e históricos emtransformação, dentro do qual criançasnascem, eventualmente participando da suatransformação.

Enquanto Piaget destaca os estágiosuniversais, de suporte mais biológico,Vygotsky se ocupa mais da interação entre ascondições sociais em transformação e ossubstratos biológicos do comportamento. Eleescreveu: "para estudar o desenvolvimento na

criança, devemos começar com a compreensãoda unidade dialética das duas linhas principaise distintas ( a biológica e a cultural ).

Page 83: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 83/92

83

Para estudar adequadamente esse processo,então, o investigador deve estudar ambos oscomponentes e as leis que governam seuentrelaçamento em cada estágio dodesenvolvimento da criança"(3).

Embora os trabalhos de um grande número deteóricos da psicologia, inclusive Piaget, tenha

sido caracterizado como interacionista, aspremissas dessa abordagem ainda não foramcompletamente formuladas. Alguns dosconceitos expostos neste livro constituem abase para uma análise mais articulada dodesenvolvimento dialético-interacionista. Umdos pontos críticos em qualquer teoria dodesenvolvimento é a relação entre as basesbiológicas do comportamento e as condiçõessociais dentro das quais e através das quais aatividade humana ocorre. Um conceitofundamental proposto por Vygotsky pararepresentar essa importante interação é osistema funcional do aprendizado. Nodesenvolvimento dessa nação, Vygotsky partiusignificativamente tanto da psicologiacontemporânea como de conceitos doaprendizado fortemente ligados ao estudo docomportamento animal. Vygotsky reconheceu,como outros antes já haviam feito, que ossistemas funcionais estão enraizados nasrespostas adaptativas mais básicas doorganismo, tais como os reflexoscondicionados e incondicionados. Suacontribuição teórica, todavia, está baseada emsua descrição da relação entre esses diversosprocessos:

"Eles são caracterizados por uma novaintegração e correlação entre suas partes. Otodo e suas partes desenvolvem-se paralela e

 juntamente. Chamaremos as primeirasestruturas de elementares;

elas constituem todos psicológicos,condicíonados principalmente pordeterminantes biológicos. As estruturasseguintes que emergem no processo dedesenvolvimento cultural são chamadasestruturas superiores. O estágio inicial éseguido pela destruição da primeira estrutura,sua reconstrução e transição para estruturas dotipo superior. Distintas dos processos reativos,diretos, essas estruturas são construídas na

base do uso de signos e instrumentos; essasnovas funções unificam os meios diretos eindiretos de adaptação.

(4)" Vygotsky argumenta que ao longo dodesenvolvimento surgem sistemas psicológicosque unem funções separadas em novascombinações e complexos. Esse conceito foiretomado e desenvolvido por Luria em suaproposiçâo de que os componentes e asrelações dos quais essas funções unitárias

fazem parte são formados durante odesenvolvimento de cada indivíduo edependem das experiências sociais da criança.Os sistemas funcionais de um adulto, portanto,são essencialmente formados por suasexperiências enquanto criança, cujos aspectossociais são mais determinantes do que nateoria cognitiva tradicional (incluindo-se aí ateoria de Piaget).

Nesta teoria talvez a característica maisfundamental das mudanças ao longo dodesenvolvimento seja a maneira através daqual funções elementares previamenteseparadas são integradas em novos sistemasfuncionais de aprendizado: "Funçõespsicológicas superiores não se encontramsuperpostas, como um andar superior, sobreos processos elementares; elas representamnovos sistemas psicológicos". Esses sistemassão plásticos e adaptativos em relação àstarefas que a criança enfrenta e em relação aoseu estágio de desenvolvimento. Embora possaparecer que a criança esteja aprendendo deuma maneira puramente externa, ou seja,dominando novas habilidades, o aprendizadode qualquer operação nova é, na verdade, oresultado do ( além de ser determinado pelo )processo de desenvolvimento da criança. Aformação de novos sistemas funcionais deaprendizado inclui um processo semelhante aoda nutrição no crescimento do corpo, onde, emdeterminados momentos certos nutrientes são

digeridos e assimilados enquanto outros sãorejeitados.

Uma abordagem análoga à de Vygotsky surgiua partir das discussões atuais a respeito dopapel da nutrição no desenvolvimento. Birch eGussow, responsáveis por vários estudostransculturais do crescimento físico eintelectual, propuseram a seguinte teoriainteracionista: "O meio ambiente efetivo dequalquer organismo não se resume apenas àsituação objetiva na qual esse organismo se

encontra; na verdade, o meio efetivo é oproduto de uma interação entre características

Page 84: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 84/92

84

particulares do organismo e quaisqueroportunidades para experiência oferecidaspela situação objetiva na qual o organismo seencontra" De maneira semelhante, Vygotskyargumenta que em função da constantemudança das condiçôes históricas, quedeterminam em larga medida as

oportunidades para a experiência humana, nãopode haver um esquema universal querepresente adequadamente a relação dinâmicaentre os aspectos internos e externos dodesenvolvimento.

Portanto, um sistema funcional deaprendizado de uma criança pode não seridêntico ao de uma outra, embora possa haversemelhanças em certos estágios dodesenvolvimento. Aqui novamente a análisede Vygotsky difere da análise de Piaget, quedescreve estágios universais idênticos paratodas as crianças como uma função da idade.

Esse ponto de vista, que tem como finalidadeligar os substratos biológicos dodesenvolvimento ao estudo de funçõesadquiridas cultural e historicamente, pode serencarado de forma supersimplificada e darorigem a incorreções.

Luria, alunó e colaborador de Vygotsky,tentou clarificar as complexas implicaçõesfisiológicas dessa visão da evolução cognitivado Homo sapiens:

"O fato de que ao longo da história o homemcenha desenvolvido novas funções nãosignifíca que cada uma dessas funçõesdepende do surgimento de um novo grupo decélulas nervosas ou do aparecimento de novos"centros" de funções nervosas superiores, talcomo os neurologistas do final do século XIXbuscavam com tanta ansiedade. O

desenvolvimento de novos "órgãos funcionais"ocorre através da formação de novos sislemas funcionais, que é a maneira pela qual se dá odesenvolvimento ilimitado da atividadecerebral. O córtex cerebral humano, graças aesse princípio, torna-se um órgão dacivilização, no qual estão ocultaspossibilidades ilimitadas e que não requernovos aparelhos morfológicos cada vez que ahistória cria a necessidade de uma novafunção. (6)"'

A ênfase no aprendizado socialmenteelaborado emerge do trabalho de Vygotsky

mais claramente nos estudos da memóriamediada. É ao longo da interação entrecrianças e adultos que os jovens aprendizesidentificam os métodos eficazes paramemorizar - métodos tornados acessíveis aos

 jovens por aqueles com maiores habilidades dememorização. Muitos educadores não

reconhecem esse processo social, essasmaneiras pelas quais um aprendiz experientepode dividir seu conhecimento com umaprendiz menos avançado, não-reconhecimento esse que limita odesenvolvimento intelectual de muitosestudantez; suas capacidades sâo vistas comobiologicamente determinadas, não comosocialmente facilitadas. Além desses estudosde memória (cap. 3), Vygotsky explora o papeldas experiências sociais e culturais através da

investigação do brinquedo na eriança (cap. 7 ).Durante o brinquedo, as crianças dependem e,ao mesmo tempo, transformamimaginativamente os objetos socialmenteproduzidos e as formas de comportamentodisponíveis no seu ambiente particular. Umtema presente ao longo de todo este volume éo conceito marxista de uma psicologia humanahistoricamente determinada. Outros trabalhosde Vygotsky, alguns ainda não traduzidospara o inglês, mostram um deþenvolvimento

mais profundo de sua hipótese fundamental,segundo a qual as funções mentais superioressão socialmente formadas e culturalmentetransmitidas: "se modificarmos osinstrumentos de pensamento disponíveis parauma criança, sua mente terá uma estruturaradicalmente diferente" (7).

A criança consegue internalizar os meios deadaptação social disponíveis a partir dasociedade em geral através de signos. Para

Vygotsky, um dos aspectos essenciais dodesenvolvimento é a crescente habilidade dacriança no controle e direçâo do própriocomportamento, habilidade tornada possívelpelo desenvolvimento de novas formas efunções psicológicas e pelo uso de signos einstrumentos nesse processo.

Mais tarde a criança expande os limites de seuentendimento através da integração desímbolos socialmente elaborados (tais como:valores e crenças sociais, conhecimento

cumulativo de sua cultura e conceitoscientíficos da realidade) em sua própria

Page 85: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 85/92

85

consciência.

No livro (Pensamento e Linguagem ),Vygotsky apresenta uma argumentaçãoelaborada demonstrando que a linguagem, opróprio meio através do qual a reflexão e aelaboração da experiência ocorre, é umprocesso extremamente pessoal e, ao mesmo

tempo, um processo profundamente social. Elevê a relação entre o indivíduo e a sociedadecomo um processo dialético que, tal como umrio e seus afluentes, combina e separa osdiferentes elementos da vida humana. Não setrata, portanto, para Vygotsky, de umapolarização cristalizada.

A fala humana é, de longe, ,o comportamentode uso de signos mais importante ao longo dodesenvolvimento da criança. Através da fala, a

criança supera as limitações imediatas de seuambiente.

Ela se prepara para a atividade futura; planeja,ordena e controla o próprio comportamento eo dos outros. A fala também é um exemploexeelente do uso de signos, já que, uma vezinternalizada, torna-se uma parte profunda econstante dos processos psicológicossuperiores; a fala atua na organização,unificação e integração de aspectos variadosdo comportamento da criança, tais como:

percepção, memória e solução de problemas(cap. 4 ) . Vygotsky oferece ao leitorcontemporâneo um caminho provocativo paratratar um tema eontroverso recorrente - arelação entre processos explíþitos e ocultos.

Assim como as palavras, os instrumentos e ossignos não verbais fornecem ao aprendizmaneiras de tornar mais eficazes seus esforçosde adaptação e solução de problemas.Vygotsky .freqüentemente ilustra a variedadede maneiras de adaptação humana através deexemplos inspirados em sociedades nãoindustrializadas:

"Contar nos dedos já foi um importante triunfocultural da humanidade. Serviu como umaponte entre a percepção quantitativa imediatae a contagem. Assim, os papuas da NovaGuiné começavam a contar pelo dedo mínimoda mão esquerda, seguindo pelos outros dedosda mão esquerda, adicionando à mão

esquerda, antebraço, cotovelo, ombro, ombrodireito, e assim por diante, terminando nodedo mínimo da mão direita. Quando esses

pontos eram insuficientes, freqüentementeusavam os dedos de outras pessoas, ou seusdedos dos pés ou galhos, conchas ou outrosobjetos pequenos. Nos sistemas primitivos decontagem, podemos observar de forma ativa edesenvolvida o mesmo processo que estápresente de forma rudimentar ao longo do

desenvolvimento do raciocínio aritmético dacriança.

Analogamente, o costume de amarrarbarbantes nos dedos para não esquecer algumacoisa está relacionado com a psicologia da vidadiária. Uma pessoa deve lembrar alguma coisa,cumprir um compromisso, fazer isto ou aquilo,buscar uma encomenda.

Desconfiando da própria memória e nãoquerendo depender dela, a pessoa dá um nó

no lenço ou usa um recurso semelhante, comocolocar um pedaço de papel na pulseira dorelógio. Mais tarde, o nó deve ajudá-la alembrar o que deve fazer. Muitas vezes esseartifício cumpre essa função.

Temos aqui, novamente, uma operaçãoimpensável e impossível em se tratando deanimais. O próprio fato de se introduzir umamaneira artificial e auxiliar de memorização,na criação e uso ativos de instrumentos para amemória, é principalmente um novocomportamento especificamente humano.(8)"

O uso de instrumentos e o uso de signoscompartilham algumas propriedadesimportantes; ambos envolvem uma atividademediada. Porém eles também se distinguem;os signos são orientados internamente,segundo Vygotsky uma maneira de dirigir ainfluência psicológica para o domínio dopróprio indivíduo; os instrumentos, por outrolado, são orientados externamente, visando o

domínio da natureza. A distinção entre signose instrumentos é um bom exemplo dacapacidade analítica de Vygotsky aoestabelecer relações entre aspectos similares edistintos da experiência humana.

Alguns outros exemplos são o pensamento e alinguagem, a memória imediata e a memóriamediada e, numa escala maior, o biológico e ocultural, o individual e o social.

Num breve trecho no qual é descrita uma

transformação psicológica em dois estágios eque capta a maneira pela qual uma criançainternaliza sua experiência pessoal, Vygotsky

Page 86: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 86/92

86

acrescenta uma imagem da dinâmica que eleacredita estar presente ao longo de toda a vidado homem: "Toda a função aparece duas vezes,em dois níveis, ao longo do desenvolvimentocultural da criança;

primeiramente entre pessoas, como categoriainterpsicológica e depois dentro da criança,

como categoria intrapsicológica. Isso pode serigualmente a,plicado à atenção voluntária,memória lógica e formação de conceitos., Asrelações reais entre os indivíduos estão na basede todas as funções superiores" (capítulo 4 ) .

No meio da confusão que rodeia a criança nosprimeiros meses de vida, os pais auxiliamindicando e levando a criança para perto deobjetos e lugares significativos para aadaptação (brinquedos, geladeira, armário,

parque), ajudando-a dessa maneira a ignoraroutras características irrelevantes do ambiente(objetos para adultos, como livros,ferramentas, etc. ) . Essa atenção socialmentemediada desenvolve na eriança a atençãovoluntária e mais independente, que vai serpor ela utilizada na classificação do seuambiente.

Contrastando com a bem conhecida afirmaçãode J.B. Watson de que o pensamento é uma"linguagem subvocal", Vygotsky descreve emseu livro Pensamento e Linguagem como acriança em desenvolvimento internaliza alinguagem social tornando-a pessoal e comoesses dois aspectos da cognição, inicialmenteindependentes, mais tarde se unem: "Até umcerto momento, os dois seguem caminhosdistintos, independentes... Num certomomento esses caminhos se encontram,quando o pensamento torna-se verbal e a falaracional" (p. 44 ) . Desse modo Vygotskydemonstra a eficácia do processo de conceituarfunções relacionadas não como identidadesmas sim como unidade de dois processosdistintos.

Nós acreditamos que essa concepção dodesenvolvimento humano em suas diversasmanifestações tem valor para a investigaçãopsicológica contemporânea. Embora Vygotskytenha dedicado a maior parte de seus esforçosao estudo da criança, considerar esse grandepsicólogo russo como um estudioso do

desenvolvimento infantil seria um erro; suaênfase no estudo do desenvolvimento foidevida à sua convicção de que esse estudo era

o meio teórico e metodológico elementarnecessário para desvendar os processoshumanos complexos, visão da psicologiahumana que distingue Vygotsky de seuscontemporâneos e dos nossos. Não haviadistinção real, para Vygotsky, entre apsicologia do desenvolvimento e a pesquisa

psicológica básica. Além disso, ele reconheciaque uma teoria abstrata não é suficiente paracaptar os momentos críticos da transformação;mostrou que o pesquisador deve ser umobservador perspicaz da criança brincando,aprendendo e respondendo ao ensino. Aengenhosidade dos experimentos de Vygotskyfoi um produto de sua capacidade e interessecomo observador e como experimentador.

Implicações educacionaisVygotsky explora neste livro a,s diversasdimensões temporais da vida humana. Ele

 jamais identifica o desenvolvimento históricoda humanidade com os estágios dodesenvolvimento individual, uma vez que elese opõe à teoria biogenética da recapitulação.Na verdade, sua preocupação está voltadapara as conseqüências da atividade humana namedida em que esta transforma tanto anatureza como a sociedade. Embora o trabalhodos homens e das mulheres no sentido demelhorar o seu mundo esteja vinculado àscondições materiais de sua época, é tambémafetado pela capacidade humana de aprendercom o passado, imaginar e planejar o futuro.

Essas habilidades especificamente humanasnão estão presentes nos recém-nascidos, mas jáaos três anos a criança pode experimentar atensão entre desejos que só podem sersatisfeitos no futuro e necessidades de

gratificação imediata. Essa contradição éexplorada e temporariamente resolvida atravésdo brinquedo. Assim Vygotsky situa o começoda imaginação humana na idade de três anos:"A imaginação é uma nova formação que nãoestá presente na consciência da criança maisnova, totalmente ausente nos animais erepresenta uma forma especificamentehumana de atividade consciente. Como todasas funções da consciência, ela também surgeoriginalmente da ação. O velho adágio que diz

que o brinquedo é a imaginação em ação podeser invertido: podemos dizer que a imagínaçãonos adolescentes e escolares é brinquedo sem

Page 87: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 87/92

87

ação" (capítulo 7).

No brinquedo, a criança projeta-se nasatividades adultas de sua cultura e ensaia seusfuturos papéis e valores. Assim o brinquedoantecipa o desenvolvimento; com ele a criançacomeça a adquirir a motivação, as habilidadese as atitudes necessárias a sua participação

social, a qual só pode ser completamenteatingida com a assistência de seuscompanheiros da mesma idade e mais velhos.

Durante os anos da pré-escola e da escola ashabilidades conceituais da criança sãoexpandidas através do brinquedo e do uso daimaginação. Nos seus jogos variados a criançaadquire e inventa regras, ou, segundoVygotsky, "ao brincar, a criança está sempreacima da própria idade, acima de seu

comportamento diário, maior do que é narealidade" (capítulo 7). Na medida em que acriança imita os mais velhos em suasatividades padronizadas culturalmente, elagera oportunidades paar o desenvolvimentointelectual. Inicialmente, seus jogos sãolembranças e reproduções de situações reais;porém, através da dinâmica de sua imaginaçãoe do reconhecimento de regras implícitas quedirigem as atividades reproduzidas em seus

 jogos, a criança adquire um controle elementar

do pensamento abstrato. Nesse sentido obrinquedo dirige o desenvolvimento,argumenta Vygotsky.

Analogamente, a instrução e o aprendizado naescola estão avançados em relação aodesenvolvimento cognitivo da criança.

Vygotsky propõe um paralelo entre obrinquedo e a instrução escolar: ambos criamuma "zona de desenvolvimento proximal"(capítulos 6 e 7) e em ambos os contextos a

criança elabora habilidades e conhecimentossocialmente disponíveis que passará ainternalizar. Durante as brincadeiras todos osaspectos da vida da criança tornam-se temasde jogos; na escola, tanto o conteúdo do queestá sendo ensinado como o papel do adultoespecialmente treinado que ensina sãocuidadosámente planejados e maisprecisamente analisados.

Leontiev e Luria resumem, em um ensaiosobre as idéias psicológicas de L. S. Vygotsky,alguns aspectos específicos da educação nasala de aula:

"O processo de educação escolar équalitativamente diferente do processo deeducação em sentido amplo. Na escola acriança está diante de uma tarefa particular:entender as bases dos estudos científicos, ouseja, um sístema de concepções científicas.Durante o processo de educação escolar a

criança parte de suas próprias generalizações esignificados; na verdade ela não sai de seusconceitos mas sim, entra num novo caminhoacompanhada deles, entra no caminho daanálise intelectual, da comparação, daunificação e do estabelecimento de relaçõeslógicas. A criança raciocina, seguindo asexplicações recebidas, e então reproduzoperações lógicas, novas para ela, de transiçãode uma generalização para outrasgeneralizações. Os conceitos iniciais que foram

construídos na criança ao longo de sua vida nocontexto de seu ambiente social (Vygotskychamou esses conceitos de "diários" ou"espontâneos", espontâneos na medida em quesão formados independentemente de qualquerprocesso especialmente voltado paradesenvolver seu controle) são agoradeslocados para um novo processo, para novarelação especialmente cognitiva com o mundo,e assim nesse processo os conceitos da criançasão transformados e sua estrutura muda.

Durante o desenvolvimento da consciência nacriança o entendimento das bases de umsístema científico de conceitos assume agora adireção do processo (9)."

Vygotsky e Luria iniciaram estudos com afinalidade de examinar as conseqüênciascognitivas da transformação social acelerada edo impacto específico da escolaridade (10).Além de seu interesse no desenvolvimento dacognição em populações iletradas, Vygotsky

ocupou-se de outros aspectos dastransformações sociais e educacionaisoriginadas pela Revolução de Outubro. Essaspreocupações são encontradas em muitoseducadores contemporâneos nos países quepassam por modernização e urbanizaçãoaceleradas. Mesmo nos Estados Unidos, onde oconceito de educação pública é de dois séculosatrás, problemas semelhantes aparecemporque grandes grupos de pessoas não estãoainda integradas ou não são atendidas pela

educação de massa.Alguns dos problemas que Vygotsky ressaltou

Page 88: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 88/92

88

e que ainda estão vivos hoje são a extensão e osobjetivos da educação pública, o uso de testespadronizados para medir a potencialidadeescolar das crianças e modelos eficazes para oensino e formulação de currículos.

Através do conceito da zona dedesenvolvimento proximal defendido por

Vygotsky durante os intensos debates sobreeducação na década de 30, ele desenvolveu, doponto de vista da instrução, os aspectoscentrais da sua teoria da cognição: atransformação de um processo interpessoal(social) num processo intrapessoal, os estágiosde internalização; o papel dos aprendizes maisexperientes.

Segundo Vygotsky, a zona dedesenvolvimento proximal é "a distância entre

o nível real (da criança) de desenvolvimentodeterminado pela resolução de problemasindependentemente e o nível dedesenvolvimento potencial determinado pelaresolução de problemas sob orientação deadultos ou em colaboração com companheirosmais capacitados" (capítulo 6).

Muitos educadores, reconhecendo que avelocidade de aprendizado pode variar decriança para criança, isolam os "aprendizeslentos" de seus professores e companheirosatravés do uso de instrução programada emuitas vezes mecanizada. Vygotsky, por outrolado, na medida em que vê o aprendizadocomo um processo profundamente social,enfatiza o diálogo e as diversas funções dalinguagem na instruçâo e no desenvolvimentocognitivo mediado. A simples exposição dosestudantes a novos materiais através deexposições orais não permite a orientação poradultos nem a colaboração de companheiros.Para implementar o conceito de zona dedesenvolvimento proximal na instrução, ospsicólogos e educadores devem colaborar naanálise dos processos internos ("subterrâneos")de desenvolvimento que são estimulados aolongo do ensino e que são necessários para oaprendizado subseqüente.

Nessa teoria, o ensino representa, então, omeio através do qual o desenvolvimentoavança; em outras palavras, os conteúdossocialmente elaborados do conhecimento

humano e as estratégias cognitivas necessáriaspara sua internalização são evocados nosaprendizes segundo seus "níveis reais de

desenvolvimento".

Vygotsky critica a intervenção educacional quese arrasta atrás dos processos psicológicosdesenvolvidos ao invés de focalizar ascapacidades e funções emergentes. Umaaplicação particularmente imaginativa dessesprincípios sâo as campanhas de alfabetização

desenvolvidos por Paulo Freire em países doTerceiro Mundo. Paulo Freire adaptou seusmétodos educacionais ao contexto histórico ecultural de seus alunos, possibilitando acombinação de seus conceitos "espontâneos"(aqueles baseados na prática social) com osconceitos introduzidos pelos professores nasituação de instrução (11).

 A abordagem histórico-cultural de Vygotsky

Talvez o tema que mais distingue os escritosde Vygotsky seja sua ênfase nas qualidadesúnicas de nossa espécie, nossas transformaçõese nossa realização ativa nos diferentescontextos culturais e históricos. Ao longo destelivro Vygotsky diferencia, repetidamente, ascapacidades adaptativas dos animais e doshomens.

O fator crítico sobre o qual está apoiada essadistinção são as dimensões historicamente

criadas e culturalmente elaboradas da vidahumana, ausentes na organizaçâo social dosanimais. Ao longo do desenvolvimento dasfunções superiores - ou seja, ao longo dainternalização da processo de conhecimento -os aspectos particulares da existência socialhumana refletem-se na cognição humana: umindivíduo tem a capacidade de expressar ecompartilhar com os outros membros de seugrupo social o entendimento que ele tem daexperiência comum ao grupo.

A imaturidade relativa da criança, emcontraste com outras espécies, torna necessárioum apoio prolongado por parte de adultos,circunstância que cria uma contradiçãopsicológica básica para a criança: por um ladoela depende totalmente de organismosimensamente mais experientes que ela; poroutro lado, ela colhe os benefícios de umcontexto ótimo e socialmente desenvolvidopara o aprendizado. Embora as crianças

dependam de cuidado prolongado, elasparticipam ativamente do próprio aprendizadonos contextos da família e da comunidade.

Page 89: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 89/92

89

Edvard E.

Berg escreveu a respeito:

"Assim como os instrumentos de trabalhomudam historicamente, os instrumentos dopensamento também se transformamhistoricamente. E assim como novos

instrumentos de trabalho dão origem a novasestruturas sociais, novos instrumentos dopensamento dão origem a novas estruturasmentais.

Tradicionalmente, pensava-se que coisas comoa família e o Estado sempre tinham existidomais ou menos da forma atual. Da mesmamaneira, tendia-se a encarar a estrutura damente como algo universal e eterno. ParaVygotsky, todavia, tanto as estruturas sociaiscomo as estruturas mentais têm de fato raízes

históricas muito definidas, sendo produtosbem específicos de níveis determinados dodesenvolvimento dos instrumentos (12)."

Os estudos de Vygotsky foram profundamenteinfluenciados por Friedrich Engels, queenfatizou o papel crítico do trabalho e dosinstrumentos na transformação da relaçãoentre os seres humanos e o meio ambiente. Opapel dos instrumentos no desenvolvimentohumano foi descrito por Engels da seguinte

maneira: "O instrumento simbolizaespecificamente a atividade humana, atransformação da natureza pelo homem: aprodução (13)." Essa abordagem requer acompreensão do papel ativo da história nodesenvolvimento psicológico humano. Nolivro Dialética da Natureza Engels apresentoualguns conceitos básicos que foramdesenvolvidos por Vygotsky. Amboscriticaram os psicólogos e filósofos quesustentavam "que apenas a natureza afeta o

homem e apenas as condições naturaisdeterminam o desenvolvimento histórico dohomem", enfatizando que ao longo da históriao homem também "afeta a natureza,transformando-a, criando para si novascondições naturais de existência (14)."

Além disso, Vygotsky argumentou que o efeitodo uso de instrumentos sobre os homens éfundamental não apenas porque os ajuda a serelacionarem mais eficazmente com seuambiente como também devido aosimportantes efeitos que o uso de instrumentostem sobre as relações internas e funcionais no

interior do cérebro humano.

Embora Engels e Vygotsky tenham baseadosuas teorias nos limitados achadosarqueológicos disponíveis na época em queescreveram, arqueólogos e antropólogoscontemporâneos como os Leakeys e SherwoodWashburn interpretam achados mais recentes

de maneira coerente com o ponto de vista deEngels e Vygotsky.

Washburn escreve que "foi o sucesso dos .instrumentos mais simples que deflagrou amarcha da evolução humana e levou àcivilização atual". Vygotsky muitoprovavelmente teria concordado comWashburn quando este vê a evolução da vidahumana a partir dos nossos ancestraisprimatas resultando em "primatas inteligentes,

exploradores, brincalhões e vigorosos... e queos instrumentos, a caça, o fogo, a fala socialcomplexa, o modo humano e o cérebroevoluíram juntos para produzir o homemprimitivo (15)." Essas descobertasarqueológicas confirmam os conceitos deVygotsky sobre o que é ser humano.

O impacto do trabalho de Vygotsky - como ode todos os grandes teóricos - é ao mesmotempo geral e específico. Tanto os psicólogosque estudam cognição como os educadoresestão interessados na exploração dasimplicações atuais dos conceitos de Vygotsky,seja quando discutem o brinquedo, ou a gênesedos conceitos científicos, ou a relação entrelinguagem e pensamento. Homens e mulheresque foram alunos de Vygotsky há quarentaanos ainda debatem suas idéias com o vigor e aintensidade com que se discute um autorcontemporâneo - nós que trabalhamos comoseus editores encontramos muitasinterpretações possíveis, algumascontraditórias, de seu trabalho. Porém há umfio poderoso unindo os diversos e estimulantesescritos de Vygotsky: é a maneira pela qual suamente trabalhou. Seu legado num mundo cadavez mais destrutivo e alienante é oferecer,através de suas formulações teóricas, uminstrumento poderoso para a reestruturação davida humana com a finalidade de garantir aprópria sobrevivência.

Final do livro

As obras de Vygotsky Nota dos funcionários

Page 90: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 90/92

90

da Seção Braille da Biblioteca Pública doParaná "A digitalização limitou-se à citaçãodos títulos das obras, para informaçõesdetalhadas será necessário pesquisar na obraoriginal."

Em russo 1915 A Tragédia de Hamlet, Príncipeda Dinamarca 1916 Comentários Literáriossobre Petesburg de Andrey Biely Crítica dePetesburg de Andrey Biely Crítica de Valas eLimites de Vyacheslav Ivanov.

A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca1917 Crítica de A Alegria Será Prefácio eComentários em "O Padre" 1922 "Sobre osMétodos do Ensino de Literatura nas EscolasSecundárias" 1923 "A Investigação do Processode Compreensão de Linguagem Utilizando a

Tradução Múltipla de texto de uma Línguapara outra".

1924 Vygotsky, L. S., ed. Problemas deEducação de Crianças Cegas, Surdo-Mudas eRetardadas

Métodos de Investigação Psicológica eReflexológica Psicologia e Educação deCrianças Excepcionais Prefácio de Problemasda Educação de Crianças Cegas, SurdoMudase Retardadas Os Princípios de Educação de

Crianças com Defeitos Físicos 1925 Crítica de AEscola Auxiliar de A. N. Graborov.

Prefácio de Além do Principio do Prazer de S.Freud.

Prefácio de Psicologia GeraL e Experimentalde A. F. Lasursky Os princípios de educaçãosocial de crianças surdo-mudas A Psicologiada Arte O Consciente como Problema daPsicologia do Comportamento 1926-1927Gráficos de Bikhovsky Métodos de Ensino de

Psicologia Sobre a influência do ritmo da falasobre a respiração Psicologia PedagógicaIntrospecção Prefácio de Princípios deAprendizagem baseados na Psicologia de E. L.Thorndike Prefácio de A Prática da PsicologiaExperimental, Educação e Psicotécnica de R.Schulz O Problema das reações de dominância

Crítica de A Psique de Crianças Proletárias deOtto Rulle A Lei Biogenética na Psicologia e naEducação Defeito e Supercompensação In

Retardamento, Cegueira e Mutismo OSignificado Histórico da Crise na Psicologia OManual da Psicologia Experimental Aulas de

Psicologia Crítica de O Método de ObservaçãoPsicológica na Criança, de M.

Y. Basov Psicologia Contemporânea e Arte1928 Anomalias no desenvolvimento culturalda criança Behaviorismo Crianças doentes AVontade e seus Distúrbios A Educação deCrianças Cegas, surdas e mudas Relatório da

Conferência sobre Método de Ensino dePsicologia em Faculdades de Educação AGênese das Formas Culturais doComportamento Defeito e Compensação OMétodo Instrumental em Psicologia OsResultados de um Encontro Inválidos AQuestão da Dinâmica do Caráter na Criança AQuestão Relativa à Duração da Infância naCriança Retardada A Questão da CriançaPoliglota

Conferências sobre a Psicologia doDesenvolvimento Métodos de Investigação deCrianças Retardadas Sobre as Intersecções daEducação Soviética e Estrangeira Em Memóriade V. M. Bekhterev A Pedologia de Criançasem Idade Escolar O Problema doDesenvolvimento Cultural da Criança ACiência Psicológica na URSS A BasePsicológica para o Ensino de Crianças MudasA Base Psicológica para o Ensino de CriançasCegas As Bases Psico-Fisiológicas para o

Ensino de Crianças Anormais A Investigaçãodo Desenvolvimento da Criança DifícilCrianças Normais e Anormais As BasesSocíopsicológicas para o Ensino da CriançaAnormal Os Três Tipos Principais deAnormalidade Infância Difícil A CriançaRetardada Raízes do Desenvolvimento doPensamento e da Fala Gênio Sobre o plano dePesquisa de Pedologia das Minorias NacionaisO Intelecto dos Antropóides na Obra de W.Kohler Algumas Questões Metodológicas Os

Princípios Postulados do Plano de PesquisaPedagógica sobre Crianças Difíceis OsPrincípais Problemas da DefectologiaContemporânea

História do Desenvolvimento Cultural daCriança Normal e da Anormal A Pedologia doAdolescente Temas e Métodos da PsicologiaContemporânea O Problema da Idade CulturalO Desenvolvimento da Atenção Ativa naInfância Crítica de Trabalho Dramático na

Escola como Base para Investigação daCriatividade da Criança escrito por Dimitrieva,Oldenburg e Perekrestova Crítica de Avanços

Page 91: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 91/92

91

Contemporâneos em Psicologia Animal escritopor D. N. Kashkarov Crítica de A Linguagemdas Crianças Crítica de Métodos de InfluênciaEducacional A Estrutura de Interesses naAdolescência e dos Interesses do AdolescenteTrabalhador A Base Biológica do Afeto EPossível Estimular a Memória Extraordinária?

Imaginação e Criatividade na InfânciaProblemas de Defectologia Prefácio de Ensaiosobre o Desenvolvimento Espiritual da CriançaMemória Extraordinária O MétodoInstrumental em Psicologia A Questão doDesenvolvimento da Fala e a Educação daCriança Surdo-Muda

O Problema do Desenvolvimento de InteressesO Desenvolvimento Cultural de CriançasRetardadas e Anormais Novos

Desenvolvimentos em Pesquisa PsicológicaSistemas Psicológicos Instrumento e Signo ARelação entre Trabalho e DesenvolvimentoIntelectual na Criança O Comportamneto doHomem e dos Animais Prefácio de Guia doProfessor para a Investigação do ProcessoEducacional Prefácio de Investigação doIntelecto dos Antropóides O Problema dasFunções Intelectuais Superiores no Sistema deInvestigação Psicológíca A Mente, Consciênciae Inconsciência O Desenvolvimento dos

Padrões Superiores de Comportamento naCriança O Desenvolvimento da Consciência naInfância Sono e sonhos A ReconstruçãoComunista do Homem Psicologia EstruturalEidética

Relatório do Debate sobre ReactologiaDiagnóstico do Desenvolvimento e ClinicaPedológica para Crianças Dificeis A Históriado Desenvolvimento das Funções PsicológicasSuperiores A Questão dos ProcessosCompensatórios no Desenvolvimento daCrianCa Retardada Problemas da Pedologia eCiências Afins O Coletivo como Fator deDesenvolvimento da Criança AnormalPensamento A Pedologia do AdolescenteAtividade Prática e Pensamento noDesenvolvimento da Criança em Relação a umProblema Politécnico Prefácio àDesenvolvimento da Memória Prefácio àEnsaios sobre o Comportamento e a Educaçãoda Criança Surdo-Muda O Dicionário

Psicológico Psicotécnica e Pedologia OProblema da Criatividade em Atores EmDireção a uma Psicologia da Esquizofrenia Em

Direção a uma Psicologia da EsquizofreniaConferências de Psicologia Infância

Prefácio de Educação e Ensino da CriançaRetardada Prefácio de Desenvolvimento daMemória O Problema do Desenvolvimento daCriança na Pesquisa de Arnaud Gesell OProblema da Fala e do Pensamento da Criança

nos Ensinamentos de Piaget Primeira InfânciaLinhas Contemporâneas em Psicologia 1933Conferêncía Introdutória sobre a Psicologia daIdade Dinâmica do Desenvolvimento Mentalem Escolares em Relação à Educação IdadePré-Escolar O Brinquedo e seu Papel noDesenvolvimento Psicológico da CriançaQuestões sobre a Dinâmica doDesenvolvimento Intelectual da CriançaNormal e Anormal Crise do Primeiro Ano deVida Idades Críticas A Fase negativa daAdolescência Estudo do Trabalho Escolar deCriança Estudo Pedológico do ProcessoPedagógico

Adolescência Pedologia do Pré-EscolarPrefácio de Trabalho Escolar de CriançasDificeis Problemas da Idade: o BrinquedoProblemas de Desenvolvimento O Problemada Consciência O Desenvolvimento do SensoComum e Idéias Científicas na Idade EscolarEstudo das Emoções 1934 Demência durante a

Doença Pick Desenvolvimento de IdéiasCientíficas durante a Infância Infância ePrimeira Idade Conferência no InstitutoPedagógico de Leningrado O Pensamento emEscolares Fundamentos de Pedologia. Moscou:Segundo Instituto Médico de AdolescênciaProblemas de Idade

Problemas de Educação e DesenvolvimentoMental na Idade Escolar O Problema doDesenvolvimento na Psicologia Estrutural OProblema do Desenvolvimento e daDestruiçdo das Funções PsicológicasSuperiores Psicologia e Ensino da LocalizaçãoDemência durante a Doença de Pick Fascismona Psiconeurologia Idade Escolar InvestigaçãoExperimental do Ensino de Novos Reflexos deFala pelo Método de Ligação com Complexos1935 Educação e Desenvolvimento durante aIdade Escolar O Problema da Demência ACriança Retardada

Trabalhos de vários anos Pedologia da Juventude: Características do Comportamento

Page 92: VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

7/28/2019 VYGOSTSKI - A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE

http://slidepdf.com/reader/full/vygostski-a-formacao-social-da-mente 92/92

do Adolescente O Problema doDesenvolvimento Cultural da Criança ACriança Cega

Notas Nota dos funcionários da Seção Brailleda Biblioteca Pública do Paraná "Não foram

digitalizadas as referências bibliográficas, parainformações detalhadas será necessáriopesquisar na obra original."

FIM.