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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
REDE SOCIOTÉCNICA DO AROMA DAS ERVAS: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIA NA BUSCA DA SUPERAÇÃO DO CLÁSSICO ABISMO DUALISTA ENTRE OS SABERES POPULAR E CIENTÍFICO.
Renata Coelho de Araújo
Orientador: Prof. Luiz Cláudio Lopes Alves.
Rio de Janeiro
2004
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
REDE SOCIOTÉCNICA DO AROMA DAS ERVAS: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIA NA BUSCA DA SUPERAÇÃO DO CLÁSSICO ABISMO DUALISTA ENTRE OS SABERES POPULAR E CIENTÍFICO.
Trabalho destinado à Universidade Candido
Mendes, sob a orientação do professor Luiz
Cláudio Lopes Alves para a disciplina Monografia,
como condição prévia para a conclusão do Curso
de Pós-Graduação “Lato Sensu” em
Psicopedagogia.
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu professor-orientador, senhor Luiz Cláudio Lopes Alves, da
Universidade Cândido Mendes, pela orientação e valiosa ajuda na
elaboração da presente monografia.
À minha querida amiga professora Fátima Branquinho da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por sua dedicação incondicional
com suas críticas e questionamentos, por seu empenho em me tomar uma
pessoa mais preparada durante o meu curso de graduação, para enfrentar
as aventuras da vida acadêmica e futura e, principalmente, por suas
palavras de apoio, incentivo e reconhecimento.
Aos amigos, de um modo geral, que participaram juntos na árdua
busca pelo conhecimento, em especial, à Jacqueline Elizabeth, pela
amizade nascida.
À Universidade Cândido Mendes, pela oportunidade de
aperfeiçoamento concedida, possibilitando a elaboração desta pesquisa.
4
DEDICATÓRIA
Dedico o presente trabalho ao amor da minha vida, Alexandre, e a
minha querida família, por todos os bons momentos vividos.
5
RESUMO
O tratamento dado ao trabalho foi o de organizá-lo e sistematizá-lo
rigorosamente, uma vez que o estudo ora desenvolvido tem caráter cientifico
e se propõe a contribuir com o rompimento do clássico abismo dualista entre
natureza e cultura. No campo da educação, isso se traduz por tratar o saber
popular com a mesma legitimidade que o saber cientifico.
Os pressupostos teóricos de Latour serviram como princípios
norteadores da elaboração de atividades educativas na área de Educação
em Ciência. Os conceitos advindos da teoria psicológica na obra de Vigotski
serviram como base para a validação das práticas propostas.
Assim sendo, participar desse projeto de pesquisa para mim foi de
extrema relevância, tanto na vida acadêmica quanto na vida pessoal, pois
consegui identificar-me com a visão de ciência de Bruno Latour. Posso
afirmar também que o quão valioso foi perceber as semelhanças e
diferenças entre a produção do conhecimento científico sobre a natureza e a
produção do conhecimento científico em Educação, de forma prática e
teórica.
Assim sendo, considero de forma consciente o imenso valor de sua
obra no avanço do logos científico. Logo, na medida em que os objetivos
foram sendo traçados, dei a concretude que lhe foi fundamental, executando
e dinamizando o processo de pesquisa com entrevistas, com a exegese do
referencial teórico metodológico e com a atividade por mim desenvolvida.
6
METODOLOGIA
Para o desenvolvimento da pesquisa no referido Laboratório, dividi o
trabalho em três partes. A primeira parte correspondeu à pesquisa de
campo, propriamente dita. As observações foram feitas duas vezes por
semana, quando acompanhava a realização dos experimentos e a
apresentação de seminários internos. Todas as observações do trabalho dos
pesquisadores do Laboratório sobre a ação de “plantas medicinais” nos
processo de inflamação tiveram como base teórico-metodológica o livro “A
Vida de Laboratório”, de Bruno Latour e Steve Woolgar. Neste estudo,
Latour e Woolgar objetivaram a elaboração de uma etnografia da equipe de
pesquisadores do Laboratório Salk.
A segunda parte correspondeu às leituras e discussões que
permitiram que eu conhecesse ainda mais o referencial teórico-metodológico
da pesquisa a ser realizada e o confrontasse com as observações feitas em
sala de aula. Esse exercício da descrição interpretativa permitiu a
identificação da existência de uma “rede de sociabilidade” entre os alunos do
CEM, a fim de refletir sobre o processo de produção do conhecimento
científico são elaborados e realizados no cotidiano, ou seja, quais são os
papéis desempenhados por cada membro da equipe.
Na terceira parte realizei um estudo sistematizado do livro de Vigotski,
“A formação Social da Mente”, com o objetivo de discutir as bases
psicológicas na validação prática da proposta pedagógica de educação em
ciência a ser formulada. Desta feita, para o embasamento dos resultados
práticos obtidos pelas atividades aplicadas ao grupo de Educação Infantil do
Centro Educacional Metamorfose (CEM), é de fundamental importância,
dentre outros aspectos, analisar os resultados obtidos sob uma ótica voltada
para o comportamento psicológico da criança para sua validação, onde tais
resultados obedecem à lógica das estruturas “estímulo-signo-resposta”, tão
bem abordada por Vigotski (2000).
Finalizando, um dos objetivos principais deste trabalho foi o de
construir a rede sociotécnica do aroma das ervas a partir das atividades
pedagógicas realizada com crianças de 5 a 6 anos do CEM.
7
Perceber-se-á ao final do método proposto, desta forma, que essa
discussão acerca da produção do conhecimento científico, tanto no
laboratório estudado por Bruno Latour e Steve Woolgar em “A Vida de
Laboratório” (LATOUR, 1997), quanto no CEM, podem ser considerados de
mesma origem epistemológica.
Tais conclusões, ainda, trazem implicações pedagógicas na seleção
do que ensinar nas escolas, nos materiais selecionados para esta proposta
de ensino, nos objetivos traçados a serem alcançados, nas metodologias a
serem escolhidas, nas formas de avaliação a serem desenvolvidas, bem
como na preparação e formação do educador para o alcance de tais
objetivos, de uma forma quase que “simétrica”, por assim dizer, em relação
às implicações teóricas, a materiais e instrumentos a serem usados em
determinado experimento, nas aplicações das metodologias existentes, nas
avaliações dos resultados dos experimentos e na preparação e formação do
cientista para o trabalho científico a ser desenvolvido no laboratório.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................. 9
CAPÍTULO I................................................................................ 13
A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO ................. 13
CAPÍTULO II............................................................................... 18
VISÃO DE CIÊNCIA DE BRUNO LATOUR ............................... 18
CAPÍTULO III.............................................................................. 26
AS “VISÕES” DE VIGOTSKI NO EMBASAMENTO TEÓRICO
DAS ATIVIDADES PROPOSTAS .............................................. 26
CONCLUSÃO............................................................................. 53
ANEXOS..................................................................................... 55
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................ 68
ÍNDICE........................................................................................ 72
FOLHA DE AVALIAÇÃO ........................................................... 73
9
INTRODUÇÃO
Em todo o início da leitura de um livro, uma revista, um jornal, ou até
mesmo de um trabalho científico, há sempre algumas dúvidas que povoam a
mente do leitor: por que escolheram esse tema? Como conseguiram tantas
informações? Afinal, para que me serve o conteúdo deste trabalho?
E foi justamente pensando desta forma que tentei organizar o
presente trabalho de maneira didática e de fácil compreensão para os que o
lêem, mesmo não sendo profundos retentores, em tese, do “saber científico”
sobre o assunto a ser abordado.
Antes do início do desenvolvimento do presente trabalho, interessei-
me pela Educação em Ciência a partir de um trabalho escrito no ano de
2000 para a disciplina “Educação e Saúde”, da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ministrada pela
professora Fátima Branquinho, ao qual dei o título de: “Transgênicos: um
estudo das representações dos estudantes de Pedagogia sobre suas
implicações para a saúde e o ambiente” (BRANQUINHO, 1999). A partir
deste estudo e das discussões que ele gerou, percebi que a Educação em
Ciência tem relação com certa concepção de Ciência, isto é, com o
entendimento que se tenha sobre como o conhecimento científico é
produzido.
Exemplificando, de que forma poder-se-ia tentar ensinar a crianças,
através de uma proposta pedagógica, conceitos científicos complexos
relacionados aos aromas das ervas medicinais e plantas aromáticas, mesmo
não sendo essas crianças detentoras desse saber científico? Como se
saberia se os objetivos educacionais foram alcançados pela metodologia da
proposta pedagógica aplicada? Qual seria o papel do educador neste
contexto?
Observemos, então, a figura abaixo. Por ela depreende-se uma
integração entre as diversas correntes de pensadores para o embasamento
e validação da atividade proposta a ser vista com mais detalhes ao longo do
trabalho.
10
Figura 1 – fluxograma-resumo sobro o escopo do presente trabalho
O objetivo do presente trabalho é, portanto, abordar o desenvolvimento
de uma proposta pedagógica de educação em ciência na busca da
superação do clássico abismo dualista entre os saberes popular e científico.
Desta forma, divido o presente trabalho em três capítulos principais que
se apresentam, em síntese, com os seguintes conteúdos relacionados com o
que chamo de “fluxograma-resumo” para a validação da atividade:
No Capítulo I, apresento o desenvolvimento da investigação sobre o
processo de produção do conhecimento em Ciência, aliada à necessidade
de compreensão sobre de que forma o conhecimento é transmitido pelas
práticas escolares e de que forma esta produção contribui para o ensino
crítico das explicações sobre o mundo natural, em particular às aplicações
práticas inseridas no escopo do presente trabalho, segundo a visão de
Latour e Woolgar em “A Vida de Laboratório” (1997). Aliado a isso há
também uma abordagem sobre o olhar da antropologia da ciência sobre a
produção do conhecimento científico, a partir de uma análise “materialista”
ou “culturalista” sobre esta produção de conhecimento e sua relação com o
ensino e com as práticas pedagógicas, bem como sua relação com as
práticas científicas.
No Capítulo II, apresento o desenvolvimento da concepção de ciência
de Bruno Latour em sua obra “Jamais Fomos Modernos” (1994) a partir do
11
estudo dos conceitos de “simetria”, “híbrido” e “rede sociotécnica”, que
embasaram a formulação dos “pressupostos teórico-metodológicos”, e a
elaboração de uma atividade de educação em ciência com alunos de
educação infantil de uma escola particular e montagem da rede sociotécnica
do aroma das ervas pelos mesmos, com objetivo de demonstrar que o objeto
de estudo, o aroma das ervas, é híbrido de natureza e cultura.
No Capítulo III, apresento o desenvolvimento das bases teóricas das
atividades em educação voltadas para construção da rede sociotécnica do
aroma das ervas, segundo as bases teóricas propostas por Latour e pelos
estudos propostos por Vigotski (2000) em “A Formação Social da Mente”
sobretudo no estudo das operações com signos pelas crianças e sua
mediação através de suas estruturas psicológicas superiores durante as
atividades propostas.
Na conclusão do trabalho, verificar-se-á pela teoria e pela prática que o
comportamento psicológico das crianças na mediação de signos para a
compreensão da realidade que as cerca é muito semelhante às atividades
mediadas desenvolvidas por cientistas para a compreensão do mundo
natural, segundo a visão de Latour e Woolgar em “A Vida de Laboratório”
(1997), bem como a existência do diálogo entre os saberes popular e
científico por meio da comparação dos resultados teóricos esperados e os
resultados práticos obtidos, pois, como veremos, tanto o saber popular
quanto o científico têm a mesma natureza epistemológica, ou seja, são
híbridos de natureza e cultura, a despeito da tentativa de separação
intentada pela ciência.
Com isso, será possível alcançar o objetivo deste trabalho, qual seja, o
de democratizar o conhecimento científico e a educação em ciência, tendo
como base a formulação de uma Proposta Pedagógica fundamentada na
concepção de ciência de Bruno Latour e pelos resultados práticos
observados segundo também as concepções de Vigotski.
Estruturadas nos preceitos de Vigotski, as bases teóricas para as
atividades propostas foram obtidas sob uma ótica voltada para o
comportamento psicológico da criança, ou seja, de que forma se dá o seu
comportamento mental perante o grupo social o qual está inserida.
12
Verificar-se-á, a partir do resultado prático obtido pelas atividades
aplicadas ao grupo de Educação Infantil do Centro Educacional
Metamorfose1 (CEM), que tais resultados obedecem às estruturas “estímulo-
resposta” estabelecidas por Vigotski. Na avaliação desses resultados,
encontraremos também o entendimento sobre o que seja a “zona de
desenvolvimento proximal”, poderoso conceito também aplicado à
reavaliação da relação educador – método-educando na validação da
presente proposta.
1 O CEM está localizado no bairro do Méier, Rio de Janeiro. Sua estrutura educacional está voltada para a área de Educação Infantil, com turmas de Jardim de Infância à Primeira Série do Ensino Fundamental.
13
CAPÍTULO I
A produção do conhecimento científico
O processo de produção de conhecimento vem sendo estudado, há
séculos, por diferentes perspectivas, dentre elas, a filosofia, a sociologia e a
antropologia.
Os filósofos ofereceram muitas respostas para prática científica.
Segundo eles, os cientistas utilizam métodos próprios ou algum tipo especial
de aptidão que foi explicada de maneira geral, como uma qualidade
cognitiva. Para Latour (1997), os filósofos procuraram por aptidões mentais e
esqueceram o local material, ou seja, o laboratório. O mesmo aconteceu
com a maioria dos sociólogos, que insistem em descrever a ciência, o
contexto social no qual o conhecimento cientifico é produzido, colocando
entre parênteses qualquer questão epistemológica.
Latour rejeita a separação entre contexto social, idéia e conteúdo
cientifico ou fato (LATOUR, 1997). Em seu livro “A Vida de Laboratório”
(1997), inaugurou a tradição antropológica de acompanhar o trabalho dos
cientistas com os mesmos olhos que os antropólogos acompanham a vida
em uma tribo indígena, de modo a construir uma representação da realidade
científica que superasse a idéia que mitifica a ciência comum de filósofos e
sociólogos. Esse novo modo de olhar para nossa sociedade corresponde ao
que Latour denomina de olhar simétrico ou postura simétrica.
Segundo Mendes (2001):
“... cada uma dessas abordagens apresenta uma
contribuição para o estudo da ciência, porém, vamos
nos basear na perspectiva da antropologia da ciência,
que segue a dianteira dos sociólogos da ciência,
recusando exibir, através dos estudos
microssociológicos da produção do conhecimento
científico, métodos para entender o conhecimento
científico como oposto a outras formações culturais,
14
bem como, o que alguns filósofos da ciência
consideram ‘externo’ à produção”.
Assim, o processo de produção do conhecimento vem sendo abordado
sob diferentes pontos de vista de vários pensadores ao longo da história:
filósofos, sociólogos antropólogos, psicólogos e historiadores, onde cada
grupo apresenta sua tentativa de explicação da realidade que nos cerca, do
entendimento sobre o nosso mundo físico e real. Já segundo Vigotski
(2000), a compreensão dessa realidade está baseada na lógica e na
racionalidade, características psíquicas exclusivas de seres dotados de
estruturas psicológicas superiores, os seres humanos, elemento focal de
uma sistematização que utiliza o conhecimento sobre a natureza para a
legitimação de seu domínio sobre a mesma.
Sabe-se que, desde os primórdios, o Homo Sapiens sempre procurou
melhor entender o mundo físico que o cerca a partir da análise dos
fenômenos naturais observáveis e, a posteriori, dos fenômenos não tão
facilmente observáveis. A partir de então, o ser humano começou a se
questionar sobre como alcançar a verdade sobre a realidade2 e o que seria o
conhecimento verdadeiro sobre a natureza. Tais fatos sempre
representaram as grandes questões filosóficas, sociológicas, antropológica e
psicológica sobre dois pontos principais: o desenvolvimento histórico do
“saber científico” e a sua produção ao longo da jornada da civilização
humana sobre a Terra.
Cada variante dessas abordagens representa, no todo ou na
integração de cada um dos seus constituintes, uma valiosa contribuição para
o entendimento e constituição das diversas “ciências” na explicação do
mundo físico, no entendimento do passado e na legitimação do controle
sobre a natureza no tempo presente e no tempo futuro.
2 Historicamente, o termo realidade tem conotação de existência transcendental, independente e absoluta. Os teóricos behavioristas (Teoria do Comportamento) trataram a realidade e a existência como conceitos idênticos. Assim, para eles, o termo “realidade” refere-se a objetos e processos físicos que existem. Os teóricos da Teoria de Campo-Gestald fazem uma distinção entre realidade e existência. Sem negar a existência independente dos objetos ou mesmo das idéias de outras pessoas, insistem em que cada pessoa capta e interpreta seu mundo de tal maneira que forme um modelo com significado para ela; sua interpretação é a realidade a partir da qual delineia suas ações. (BIGGE, 1971)
15
Qual seria, então, o papel da Educação na transmissão e
consolidação desse conhecimento, desse saber científico para as futuras
gerações? O presente trabalho está baseado em diversas análises sobre a
produção do conhecimento científico e, sobretudo, no ponto de vista
antropológico de Bruno Latour, o qual retrata a dinâmica desse processo de
produção, desmistificando a Ciência a partir da descrição de características
que, de certo modo, aproximam-na do saber popular. Por isso, é possível
pensar a democratização do ensino do saber científico a ser desenvolvido
em geral pela escola e, em especial, aplicado à turma de Educação Infantil
pertencente ao CEM.
Segundo Mendes (2001):
“... as teorizações mais atuais sobre a educação e o
currículo destacam a necessidade de se aprofundar e
ampliar a compreensão sobre o processo de produção
do conhecimento científico. Para compreendermos as
relações entre o conhecimento escolar e a ciência
investigamos, sob o ponto de vista dos discursos
teóricos, idéias e conceitos que dizem respeito à
produção do conhecimento científico sobre o mundo
natural”.
E segundo Latour (1996):
“Em vez de nos precipitarmos na direção do espírito,
por que não examinarmos antes as mãos, os olhos e o
contexto material dos que sabem? ‘Material’ aqui, é
bom notar, não nos remete às infra-estruturas
misteriosas que só o economista conhece, nem a
agenciamento de neurônios que só o neurologista
conhece, nem a capacidades cognitivas que só o
psicólogo conhece, e nem a paradigmas que só o
historiador das ciências conhece. O adjetivo ‘material’
16
nos remete a práticas simples por meio das quais
todas as coisas são conhecidas, inclusive as
economias, os cérebros, o espírito e os paradigmas”.
Vale salientar, segundo a visão de Latour, que a produção do
conhecimento científico não se dá de forma apenas material, segundo uma
visão dita simplesmente “materialista”, ou como alguns preferem,
“culturalista”, onde tal visão não procura substituir ou até modificar a visão
dita “interna” de produção do conhecimento científico. Os meios externos ao
ser humano, os fatores sociais e materiais, enfim, fatores culturais,
influenciam também nessa produção de conhecimento, porém os fatores
internos, mediados, também são preponderantes, pois variam de indivíduo a
indivíduo. Eis os diversos contrastes e, ao mesmo tempo, convergências e
similaridades entre a visão materialista ou cultural da produção da ciência e
a visão internalista da produção desse conhecimento.
Desta forma, Latour nos diz que há um modo de produção do
conhecimento científico que é comum a todas as esferas dos possuidores do
saber científico. Suas origens são as mesmas, tanto dentro de todos os
laboratório quanto dentro de uma sala de aula, pois os objetos em estudo,
como veremos, são ditos “híbridos” de natureza e cultura. A produção do
conhecimento se dá por meio das interações existentes entre os cientistas,
na escala do laboratório, por meio de uma rede sociotécnica e,
simetricamente, há também a produção de conhecimento científico por
aqueles que não detêm o saber científico, mas que são capazes de produzi-
lo também por meio dos mesmos processos psicológicos internos.
“Toda a atividade científica é analisada apontando
para a existência de uma ‘rede articulada’ entre grupos
de cientistas e os instrumentos consolidados e
previsíveis... Bruno Latour considera que nestes
últimos vinte anos ocorreu uma profunda
transformação na chamada filosofia e sociologia da
ciência. Para o autor, não se pode detectar os traços
17
intelectuais que permitem ‘distinguir’ a ciência de
outras atividades sociais e nem a relação da pesquisa
com a política, a economia, e a sociedade... Latour
não confronta um contexto social de um lado e uma
ciência, um laboratório ou um cientista individual em
outro, pois não se tem um contexto que esteja
somente influenciando a sociedade, ou não, e um
laboratório imune às forças sociais”. (MENDES, 2001)
18
CAPÍTULO II
Visão de ciência de Bruno Latour
Para um melhor desenvolvimento de nossa pesquisa e elaboração da
atividade que será realizada com os alunos do CEM, recorremos a algumas
categorias apresentadas por Latour.
Com o conceito de simetria, Latour recomenda que, ao saber
científico, antropólogos e sociólogos da ciência dêem o mesmo tratamento
que é dado ao saber popular ou de comunidades tradicionais.
Outra categoria de Latour é a de híbrido, que pode ser definida como
resultado do processo de separação implementado pela ciência, cada vez
que se dedica ao estudo de determinado objeto. Como exemplo de híbrido
pode-se tomar o conceito de “buraco da camada de ozônio” que interfere
diretamente na sociedade. O buraco de ozônio não é só um objeto natural.
Ele é também, político e social, pois vai mudando hábitos e costumes, como
o uso de protetores solar. Com o conceito de híbrido Latour considera que
as diferentes dimensões da vida humana estão interligadas: ciência, política,
sociedade, cultura e etc.
Este entrelaçamento entre conhecimento e poder, natureza e cultura,
forma a rede sociotécnica, que é composta por objetos híbridos. Ela
expressa dimensões de um mesmo objeto, sendo tratado de maneiras
distintas em diferentes culturas.
As atividades que vamos apresentar, baseadas nos estudos de
Latour, visam valorizar o saber do “outro” como um saber da mesma
natureza do produzido pelos cientistas e, alem disso, que o processo ensino-
aprendizagem esteja centrado nos objetos híbridos que farão parte da rede
sociotécnica do aroma. Segundo esse conceito, um mesmo objeto é tratado
de maneira distinta por diferentes grupos culturais.
“As relações estabelecidas entre a antropologia da
ciência e a educação em ciência, baseadas nos
estudos de Latour (1994,1997) e de Branquinho
19
(1992,1999), permitiram perceber a existência de pelo
menos duas grandes vertentes de concepções de
ciência. A primeira vertente, a ciência é vista como um
critério de distinção entre grupos sociais. Essa
concepção pode ter duas faces. Na primeira face, a
ciência representa o sistema de explicações
verdadeiras sobre o real e, na segunda, a ciência é
produto de um contexto sócio-histórico e é feita de
erros e acertos”.
E segundo Branquinho e Vasconcellos (2001):
“As propostas pedagógicas espelham as concepções
sobre o modo como o conhecimento cientifico é
produzido e valorizado pela nossa sociedade. Assim,
de um modo bastante genérico, Borges (1991) e
Vianna (1998) sugerem que é possível distinguir dois
grandes grupos de educadores. O primeiro é formado
por aqueles que partilham a idéia segundo a qual o
conhecimento científico representa o sistema de
explicações verdadeiras acerca do real. Esses
educadores defendem propostas pedagógicas que
primam pela valorização do conteúdo, centradas na
figura do professor e são, por isso, qualificados como
‘tradicionais’. No outro grupo estão os educadores que
concordam com a idéia de que há um contexto sócio-
histórico para a construção do conhecimento científico.
Para esses, a ciência é feita de erros e acertos,
produzindo verdades provisórias e, por isso, defendem
propostas pedagógicas que valorizam o
desenvolvimento da capacidade de ‘aprender-a-
aprender’”, centradas na figura do aluno. Esses
educadores são qualificados como ‘construtivistas’.
20
Contudo, a respeito das diferenças, os estudos das
idéias de Latour mostraram que ambos os grupos de
educadores concebem o conhecimento científico da
mesma forma. Isto é, para eles, a habilidade de dispor
da ciência como instrumento para explicar a realidade
serve como um critério de distinção entre as
sociedades ou entre grupos culturais.
Por esse critério adotado pela maior parte dos
educadores, considerados tradicionais ou
construtivistas tem-se, então, de um lado, as
sociedades que possuem a ciência e que por isso
separam as coisas-em-si (natureza) dos homens-
entre-eles (sociedade) e, de outro, as sociedades que
não possuem esse instrumento de leitura do mundo e,
por isso, são consideradas primitivas ou pré-
científicas”.
As idéias apresentadas nesse item estão sintetizadas no seguinte
quadro3:
3 Baseado no originalmente apresentado no VI Congreso internacional sobre la lnvestigacion em la
didáctica de las cienciais. Enseñanza de las Ciencias, Vol. Extra, tomo 1 Barcelona. 2001. p.91-92.
( BRANQUINHO, F. e VASCONCELOS, A., 2001).
21
Figura 2 – quadro das concepções da Educação em Ciência
A proposta pedagógica proposta considera, segundo Latour, que a
ciência constrói objetos híbridos de natureza e cultura, quanto qualquer outro
modo de conhecer e que valorize o saber do “outro” como um saber de
mesma natureza do produzido pelos cientistas. O processo ensino-
aprendizagem, a partir desta concepção, está centrado na construção de
objetos híbridos.
22
Os pressupostos teórico-metodológicos elencados a seguir foram
elaborados para embasar a referida proposta pedagógica fundamentada
nessa terceira concepção. Materializar essa proposta de educação em
ciência significa considerar que:
A ciência não é critério de distinção entre sociedades;
Para Latour, a ciência não pode ser vista como critério para distinguir
sociedades uma vez que os saberes estão em patamar de igualdade para os
grupos culturais que possuem a ciência e os que não a possuem; sendo
assim busca-se, romper com a dicotomia presente no mundo moderno em
relação aos saberes popular e cientifico. Sobre isso, Latour (1994) diz: “O
único mito puro é a idéia de uma ciência purificada de qualquer mito”.
O processo de purificação da ciência cria híbridos;
O mundo Moderno, ou melhor, a ciência Moderna separa os
elementos naturais a serem estudados (coisa-em-si) da sociedade e de
qualquer elemento de cunho cultural (homens-entre-eles), a fim de melhor
estuda-los. Esse é o processo de purificação. Para Latour nenhum elemento
é só natureza ou só cultura, mas sim um misto, que chama de híbrido; sendo
assim, quanto mais se quer separar nos elementos o que eles tem de
natural, mais híbridos são formados.
Os objetos científicos são híbridos de natureza e cultura;
Os objetos nunca são “pura ciência” e “pura sociedade”, pois os
humanos são conectados a outros humanos, as coisas com outras coisas e
coisas se unem a humanos. Como Latour (1994) diz: “Tudo se torna mais
confuso se os quase-objetos misturam épocas, ontologias e gêneros
diferentes. Rapidamente, um período histórico passa a dar a impressão de
uma grande montagem”. Latour (1994), nos traz um exemplo: “O tempo
deixa de ser irreversível para tornar-se reversível”.
23
Os objetos são híbridos no contexto das redes sociotécnicas
a que pertencem;
Os objetos tornam-se híbridos, na medida em que são aderidas
culturas diferentes em sua natureza, de forma que um mesmo objeto
envolve outros objetos híbridos em uma mesma rede. O fato de estarem
inseridos em uma rede de culturas distintas faz com que este objeto, dentro
daquela rede, específica, seja um híbrido de natureza e cultura.
Os híbridos compõem redes sociotécnicas distintas e
específicas, segundo sua “natureza-cultura”;
Na medida em que são aderidas culturas diversificadas, as redes
tornam-se específicas; de acordo com o que as compõem: usos, pessoas,
indústrias, culturas e saberes. Segundo Latour (1994): “Ninguém pode
classificar em um único grupo coerente os atores que fazem parte do mesmo
tempo”.
A amplitude de uma rede sociotécnica específica aumenta
proporcionalmente ao número de agentes que cada objeto
híbrido, que a constitui, mobiliza;
A rede é formada por objetos híbridos e cada objeto híbrido, mobiliza
agentes que fazem parte de uma rede específica daquele objeto, sendo
assim, a rede se amplia de acordo com o número de actantes que serão
constituintes da rede.Sobre isso, Latour (1994) diz:
“Certamente são todos atores de grande porte, uma
vez que mobilizam milhares ou mesmo milhões de
agentes. Sua amplitude deve, portanto, resultar de
causas que ultrapassam de forma absoluta os
pequenos coletivos do passado”.
24
A rede sociotécnica possibilita relacionar objetos híbridos
produzidos pelos grupos culturais que possuem a ciência
com objetos híbridos produzidos pelos grupos culturais que
não possuem a ciência;
Tomando como base que a ciência não deve ser vista como critério
de distinção entre grupos sociais, e que a rede mobiliza diferentes culturas,
torna-se então possível unir saberes produzidos por diferentes grupos, como
Latour (1994) diz:
“Realmente somos diferentes dos outros, mas essas
diferenças não devem ser colocadas no lugar onde a
questão – agora encerrada – do relativismo acreditava
ser correto. Enquanto coletivos somos todos irmãos”.
A não separação entre natureza e cultura contribui para
minimizar a distância entre sujeito e objeto;
Partindo do pressuposto de que os objetos são híbridos de natureza e
cultura, podemos juntar em um mesmo traçado, objeto e sujeito, não
havendo distanciamento uma vez que o homem não constrói o objeto e sim
faz parte dele. Como diz Latour (1994): “A natureza e a sociedade não são
dois pólos distintos, mas antes uma mesma produção de sociedades-
naturezas, de coletivos”.
Os objetos fazem o sujeito;
O objeto influencia o sujeito na medida em que passa a fazer parte de
sua vida, tomamos o exemplo do buraco de ozônio que modifica hábitos e
costumes, formando assim uma cultura de uso de filtro solar, antes não
existente na vida do mesmo. Latour (1994) aponta para uma questão que
questiona isso: “Não temos, entretanto, nada para nos contar o outro
aspecto da história: como o objeto faz o sujeito”.
25
A partir destes pressupostos, podemos identificar a essência da
proposta a ser feita, pois não se considera que há quem sabe mais e quem
saiba menos. O que existe são culturas diferentes a serem respeitadas e
compartilhadas.
26
CAPÍTULO III
As “Visões” de Vigotski no embasamento teórico das atividades propostas
Via de regra, a maioria das novas abordagens sobre possíveis
soluções relativas a um determinado problema de caráter científico nos leva
ao uso de novas metodologias de investigação e análises a respeito do
problema abordado. Desta forma, qualquer nova visão crítica a respeito de
“paradigmas pétreos” pré-existentes deve, inevitavelmente, resultar em uma
reavaliação das metodologias já há muito empregadas, como nos propõem
Latour, a partir dos pressupostos abordados pela sua “concepção de
ciência”, bem como Vigotski, no embasamento desses pressupostos através
do desenvolvimento das atividades que serão propostas neste trabalho .
Surge naturalmente, então, o seguinte questionamento: de que forma
o “saber científico” pode ser desenvolvido por meio da aprendizagem,
quando aplicado às crianças no estágio de Educação Infantil, em tese não
detentoras desse saber científico, ponto focal do desenvolvimento do
presente trabalho?
Para se responder e embasar a este questionamento utilizei-me, além
de Latour, também dos métodos experimentais abordados na obra de
Vigotski (2000) “A formação Social da Mente”, que nos diz a respeito do uso
dos instrumentos e símbolos no desenvolvimento mental da criança. Como
nos diz Vigotski (2000) na introdução de sua obra:
“O propósito primeiro deste livro é caracterizar os
aspectos tipicamente humanos do comportamento e
elaborar hipóteses de como essas características se
formaram ao longo da história humana e de como se
desenvolvem durante a vida de um indivíduo”.
Também se preocupou Vigotski (2000) com três aspectos
fundamentais para esta análise:
27
1) Qual a relação entre os seres humanos e o seu ambiente físico e
social?
2) Quais as formas novas de atividades que fizeram com que o
trabalho fosse o meio fundamental de relacionamento entre o
homem e a natureza e quais são as conseqüências psicológicas
dessas formas de atividade?
3) Qual a natureza das relações entre o uso de instrumentos e o
desenvolvimento da linguagem?
Desta feita, para o embasamento dos resultados práticos obtidos
pelas atividades aplicadas ao grupo de Educação Infantil do Centro
Educacional Metamorfose, é de fundamental importância, dentre outros
aspectos, analisar os resultados obtidos sob uma ótica voltada para o
comportamento psicológico da criança para sua validação, onde tais
resultados obedecem à lógica das estruturas “estímulo-signo-resposta”, tão
bem abordada por Vigotski (2000).
Operações com signos pelas crianças nas atividades desenvolvidas
Qual seria, então, o conceito de uma estrutura psicológica “estímulo-
signo-resposta” na operação com signos e instrumentos pelas crianças?
Antes de tudo, apresentam-se os conceitos de “instrumentos”, “signos” e
“objeto” como elementos indispensáveis ao desenvolvimento e
aprendizagem de crianças. Segundo Vigotski (2000):
“A função do instrumento é servir como um condutor
da influência humana sobre o objeto da atividade; ele
é orientado externamente; deve necessariamente levar
a mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual
a atividade humana externa é dirigida para o controle e
o domínio da natureza. O signo, por outro lado, não
modifica em nada o objeto da operação psicológica.
Constitui um meio da atividade interna dirigido para o
28
controle do próprio indivíduo; o signo é orientado
internamente.”
Podemos dizer também que os resultados obtidos surgiram como
respostas do comportamento psicológico elementar das crianças. Tal
comportamento externado durante o desenvolvimento das atividades
pressupõe, em uma primeira análise, uma reação indireta às situações-
problema defrontadas pelas crianças, cujos comportamentos já estão
providos de estruturas psicológicas superiores, e que segundo Vigotski
(2000), podem ser representadas pela seguinte formulação lógica
simplificada:
Figura 3 – estrutura psicológica “estímulo-signo-reposta”
O que significa dizer: o estímulo S indiretamente implica (provoca) em
uma resposta R, passando antes por um elo intermediário X (mediado) entre
o estímulo S e resposta R, que seria o estímulo de segunda ordem ou signo,
o qual exerce uma função especial dentro desta estrutura, ou seja, cria uma
nova relação entre S e R. Vale salientar que a criança, neste processo,
deverá estar perfeitamente engajada no estabelecimento desse elo de
ligação, pois se assim não o for, a estrutura psicológica perde sua razão de
ser. Nota-se também que, além da função especial exercida pelo signo, este
também deverá agir somente sobre a criança (ação interior), e não sobre o
meio ambiente da atividade.Tal característica foi definida por Vigotski como
“Ação Reversa”.
Como conseqüência, o processo de simples estímulo resposta do tipo
S → R, onde se lê: o estímulo S provoca a resposta direta R, é substituído
por um ato psicológico muito mais complexo, dito “mediado” pelo signo X,
R
X
S
29
que permite às crianças, por exemplo, com auxílio de estímulos extrínsecos,
controlar seu próprio comportamento.
Figura 4 – estrutura psicológica da atividade direta
Figura 5 – estrutura psicológica da atividade mediada
“As teorias de aprendizagem do século XX podem ser
classificadas em duas grandes famílias: as teorias de
condicionamento S-R (estímulo-resposta), da família
behaviorista e as teorias cognitivas, da família da
teoria de campo-Gestalt. Resumindo muito
rapidamente a diferença entre as duas famílias: os
teóricos do condicionamento S-R interpretam a
aprendizagem em termos de mudança da intensidade
de variáveis hipotéticas chamadas conexões S-R,
associações, força do hábito ou tendências de
comportamento; os teóricos da teoria de campo-
Gestalt definem aprendizagem em termos de
reorganizações do campo ou sistema perceptual
cognitivo. Conseqüentemente, enquanto um professor
behaviorista deseja modificar o comportamento de
seus estudantes de uma forma significativa, um
Atividade Direta
Estímulo S Resposta R
Atividade Mediada
Estímulo S Resposta R
SIGNOS
30
professor que se orienta pela teoria de campo-Gestalt
deseja ajudar os alunos a modificar sua compreensão
de problemas e situações significativas”. (BIGGE,
1971)
O uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica
de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria
novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura. (VIGOTSKI,
2000)
Figura 6 – a função mediadora dos signos
Sobre as atividades desenvolvidas
A primeira atividade
O desenvolvimento das atividades iniciou-se com o primeiro objetivo
específico, qual seja, o de identificar o aroma das ervas e plantas
apresentadas como um híbrido de natureza e cultura. O primeiro passo dado
foi posicionar o grupo de crianças em suas cadeiras para que as mesmas
ouvissem uma pequena história infantil (ANEXO 1) e, logo em seguida,
participassem de uma atividade que seria determinada para elas no final da
história contada. Foram também posicionadas de tal forma que ao final
ocorresse uma troca dos conhecimentos entre elas.
À medida que a história ia sendo contada, a mesma foi muito bem
recebida pelos alunos, que demonstram bastante atenção e curiosidade
sobre o que estava sendo-lhes contado.
Atividade mediadora
Signos Instrumentos
31
Figura 7: posicionamento o grupo de crianças e Educação Infantil do CEM para que as mesmas ouvissem uma pequena história infantil
Ao final da história, foi promovido um pequeno debate sobre
personagens e situações vividas na história. Foi, então, feito de um modo
geral para o grupo as seguintes perguntas:
O que o Joãozinho fazia na floresta?
E no quartinho de experiências?
O que a mãe de Tupã fazia com a fogueira?
Logo em seguida, foi proposta a elaboração de um desenho coletivo
pelos alunos, onde ocorreu uma grande cooperação e integração entre eles,
desenhando no mesmo espaço da folha fornecida para a atividade. São
válidas neste caso as colocações de K. Buhler4sobre o desenvolvimento do
simbolismo no desenho coletivo elaborado pelas crianças. Percebe-se que,
para o grupo em estudo, a linguagem falada já alcançou grande progresso e
a expressão do desenho já se encontra desenvolvida, porém ainda não
plenamente, pois observa-se também que as crianças não se importam
muito com a representação correta das formas por elas imaginadas, optando
sobremaneira por simbolismos nas diversas representações de objetos do
que preocupadas com a similaridade exata entre o real e o expresso por
meio do desenho.
4 Cf. K. Buhler em sua obra Mental Development of the Child.
32
Figura 8: reprodução da história contada em classe por meio de um desenho coletivo.
Observa-se também na primeira atividade apresentada em sala que
as crianças tentam reproduzir a história que lhe foi contada pelo professor
por meio do desenho. Cada uma assim o faz como se estivesse contado a
história para si mesma, caracterizando desta forma um certo grau de
abstração imposta pela representação verbal da fala, ou seja, o desenho
coletivo que surge pode ser considerado uma linguagem gráfica, a qual tem
por base a linguagem verbal falada pelo professor no decorrer da narração
da história infantil para as crianças.
Uma implicação prática da metodologia adotada na aplicação da
atividade, segundo Vigotski (2000), é que: “... seria natural transferir o ensino
da escrita para a pré-escola”. Ou seja, se as crianças são capazes de
descobrir a função simbólica da escrita no desenvolvimento da atividade
proposta, a metodologia de ensino proposta neste trabalho, que, segundo
Latour, relaciona o saber popular dos não possuidores do saber científico no
sentido de convergência e de aproximação de idéias, a prática de ensino
que implementaria tal metodologia tornar-se-ia válida, uma vez que as bases
da formação sociais da mente, segundo a visão de Vigotski, não estariam de
forma alguma comprometidas, mas sim reafirmadas.
33
Ainda segundo Vigotski (2000):
“... a escrita deve ter significado para as crianças, de
que uma necessidade intrínseca deve ser despertada
nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa
necessária e relevante para a vida... a escrita deve ser
ensinada naturalmente... Dessa forma, uma criança
possa ver a escrita como um momento natural no seu
desenvolvimento, e não como um treinamento imposto
de fora para dentro... Se quiséssemos resumir todas
essas demandas práticas e expressá-las de uma
forma unificada, poderíamos dizer que o que se deve
fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita, e não
apenas a escrita das letras”.
Assim sendo, os pressupostos teóricos que construímos baseados
nos estudos de Latour sobre a produção do conhecimento científico e os
conceitos abordados por Vigotski serviram como princípios norteadores da
elaboração de atividades na área de Educação em Ciência, que
descreveremos a seguir uma a uma, resumidas em quadros individuais,
voltadas para o grupo de estudo, tendo por base a turma de Educação
Infantil do Centro Educacional Metamorfose, formada por crianças na faixa
etária de seis anos, plenamente alfabetizadas.
Eis, então, um resumo sinótico da primeira atividade proposta:
REDE SOCIOTÉCNICA DO AROMA DAS ERVAS: UMA ATIVIDADE EDUCATIVA QUE BUSCA SUPERAR O CLÁSSICO ABISMO DUALISTA ENTRE OS SABERES POPULAR E CIENTÍFICO.
OBJETIVO GERAL
Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua conservação.
OBJETIVO ESPECÍFICO
1) Identificar o aroma das ervas como um objeto híbrido de natureza e cultura
PRESSUPOSTOS A ciência não é critério de distinção entre sociedades
34
OBJETO Aroma das ervas
PROCEDIMENTO DOCENTE (ESTÍMULOS)
Posicionar as crianças em suas cadeiras e explicar o porque de estarem ali reunidos e, através da narração de uma história infantil, ou seja, aprenderem um pouco sobre o aroma das ervas, sua importância na fabricação dos produtos, que a mesma erva que entra na composição de um alimento é a mesma que entra na composição de um remédio e que não existe quem sabe mais e quem sabe menos, o que existe são diferentes culturas a serem respeitadas e compartilhadas. Logo após a narrativa da história foi promovido um pequeno debate sobre a história.
SIGNOS
Elementos internos das crianças, da forma com que cada uma interpreta a sua maneira os elementos principais da história por meio de estruturas psicológicas superiores e da atividade mediadora: índio, Deus, fogueira, etc. externados pelo debate e pela representação simbólica de um desenho coletivo.
SITUAÇÃO DE PRENDIZAGEM
Promover e trocar experiências sobre a utilização do aroma das ervas no cotidiano das crianças.
AVALIAÇÃO / RESPOSTAS Desenho coletivo sobre a história narrada.
RECURSOS / INSTRUMENTOS
História infantil narrada pelo professor Papel pardo Giz de cera Canetas hidrográficas Desenho coletivo
CONTEÚDO Híbridos de natureza e cultura TEMPO PREVISTO 30 minutos
Figura 9- quadro da primeira atividade
Analisando esse quadro, depreende-se que os instrumentos usados
foram: a própria história infantil narrada, papel pardo, giz de cera, canetas
hidrográficas e o desenho coletivo, que foram os condutores da influência do
professor sobre o desenvolvimento do objeto da atividade, o qual seria o de
promover e trocar experiências sobre a utilização das ervas no cotidiano das
crianças, de tal forma que se inicie o processo de identificação dos aromas
das ervas como um objeto híbrido de natureza e cultura.
Nota-se que a orientação dada é externa, voltada do professor para
os alunos, podendo levar a mudanças sutis na compreensão do objeto pela
criança a cada nova atividade implementada por meio dos signos por ela
35
interiorizados. Os signos utilizados seriam elementos internos das crianças,
da forma com que cada uma interpreta a sua maneira os elementos
principais da história: índio, Deus, fogueira, etc, externados pela
representação simbólica de um desenho coletivo.
A segunda atividade
Após a confecção do desenho pelos alunos, foi iniciado o segundo
objetivo específico da atividade, que teve como procedimento docente levar
para a sala de aula alguns objetos in natura e alguns produtos
industrializados.
Figura 10: apresentação dos objetos in natura para a segunda atividade
Desta forma, foi incentivada a conversa sobre as plantas e suas
utilidades, sendo também verificado um grande interesse e participação dos
mesmos sobre o assunto.
Observemos agora o segundo quadro da atividade proposta voltada
para o desenvolvimento do segundo objetivo específico da atividade em
educação proposta:
36
REDE SOCIOTÉCNICA DO AROMA DAS ERVAS: UMA ATIVIDADE EDUCATIVA QUE BUSCA SUPERAR O CLÁSSICO ABISMO DUALISTA ENTRE OS SABERES POPULAR E CIENTÍFICO
OBJETIVO ESPECÍFICO
2) Relacionar informações científicas sobre o aroma das ervas com informações construídas pelas classes populares.
PRESSUPOSTOS Os objetos científicos são híbridos de natureza e cultura.
OBJETO Aroma das ervas PROCEDIMENTO DOCENTE / ESTÍMULOS
Levar para a sala de aula alguns objetos in natura e alguns produtos industrializados.
SITUAÇÃO DE PRENDIZAGEM
O aluno fará o reconhecimento dos aromas e então, tentará dizer qual é a categoria que se associa determinado uso do aroma das ervas.
SIGNOS Elementos internos das crianças, da forma com que cada uma interpreta a sua maneira os objetos in natura e alguns produtos industrializados por meio de estruturas psicológicas superiores e da atividade mediadora, exteriorizados por meio e um jogo da memória.
AVALIAÇÃO / RESPOSTAS
Por meio da atividade lúdica do jogo da memória, onde as crianças relacionam o aroma das ervas e sua determinada utilização com sua categoriacorrespondente.
RECURSOS / INSTRUMENTOS
1)Produtos industrializados: pasta de dentes, balas e chicletes, xampus, pão de erva doce e essência industrializada de boldo e folhas de boldo. 2) Diversos chás: camomila, erva-doce, erva-cidreira, hortelã, capim-limão, mate e menta. 3) Diversas mudas de ervas: camomila, erva-doce, erva-cidreira, hortelã, capim-limão, boldo, arruda, agrião, salsa e cebolinha. 4)Jogo da Memória
CONTEÚDO Aromas, ervas e sabores. TEMPO PREVISTO 60 minutos
Figura 11 –quadro da segunda atividade
O contato das crianças com as plantas levou-as a uma grande
curiosidade e excitação pela “novidade” apresentada. Promoveu-se uma
comparação entre as diferentes ervas frescas e as industrializadas, bem
como sua identificação e distinção. Cada planta foi passada para cada aluno
de tal forma que os mesmos as provassem, cheirassem e, em seguida,
tentassem adivinhar o nome de cada planta e para que a mesma servia, ou
37
seja, foi utilizada a metodologia de Vigotski para o embasamento dos
resultados práticos obtidos pelas atividades aplicadas. Como já dito, é de
fundamental importância, dentre outros aspectos, analisar os resultados
obtidos sob uma ótica voltada para o comportamento psicológico da criança,
onde tais resultados obedecem à lógica das estruturas “estímulo-signo-
resposta”.
Sabe-se que as modernas teorias científicas nos dizem que os odores
não são função única e exclusiva do produto químico em si, apesar de se
reconhecer que certos grupos funcionais e determinadas estruturas da
química orgânicas são responsáveis por odores característicos. Pode-se
afirmar basicamente que a resposta a um aroma segue a seguinte relação:
Substância química aromática + fator humano å resposta do
indivíduo ao aroma.
Podemos citar como exemplos de estímulos e repostas obtidos pela
atividade resumidos no seguinte quadro:
ESTÍMULO (S) RESPOSTA (R) S1 – Boldo R1 – Reclamaram do gosto amargo; alguns
reconheceram a planta fornecida como sendo boldo e para que o mesmo servia;
S2 - Salsa e cebolinha (cheiro-verde)
R2 – opinaram aleatoriamente nomes como: pimenta e ervilha, porém, após serem informados sobre o verdadeiro nome da planta fornecida, associaram imediatamente ao tempero caseiro;
S3 – Hortelã R3 – identificaram logo, mas não sabiam para que servia
S4 – Agrião R4 - demoraram a identificá-lo, mas sendo ajudados, o reconheceram; entretanto não sabiam para que servia;
S5 - Erva-doce R5 - estranharam quanto ao seu uso no sabonete, porém a reconheceram em sua forma in natura.
Figura 12 –quadro estímulos e repostas para a segunda atividade
Um fato interessante é que todas as plantas apresentadas, em um
primeiro momento, eram chamadas de “erva-doce”, sendo esta erva a mais
conhecida por eles devido provavelmente ao signo já formado por
experiências pré-escolares, pois como nos diz Vigotski (2000):
38
“... aprendizado e desenvolvimento estão inter-
relacionados desde o primeiro dia de vida da criança...
o aprendizado das crianças começa muito antes de
elas freqüentarem a escola. Qualquer situação de
aprendizado com a qual a criança se defronta na
escola tem sempre uma história prévia”.
Segui-se, então, a implementação de uma atividade lúdica
desenvolvida pelo jogo da memória (ANEXO 2), cujas figuras relacionam o
aroma das ervas e determinada utilização, provocou muita excitação entre
os alunos.
Figura 13: implementação da atividade lúdica do “jogo da memória” relacionada às ervas
As origens sociais da memória indireta (mediada) são definidas por
Vigotski (2000) da seguinte forma:
“O estudo comparativo da memória humana revela
que, mesmo nos estágios mais primitivos do
desenvolvimento social, existem dois tipos
fundamentalmente diferentes de memória. Uma delas,
39
dominante no comportamento e povos iletrados,
caracteriza-se pela impressão não mediada dos
materiais, pela retenção das experiências reais como a
base dos traços mnemônicos (de memória). Nós a
chamamos de memória natural...Esse tipo de memória
está muito próximo da percepção, uma vez que surge
como conseqüência da influencia direta dês estímulos
externos sobre os seres humanos...No entanto mesmo
no caso de homens e mulheres iletrados, a memória
natural não é o único tipo encontrado. Ao contrário,
coexistem com ela outros tipos de memória
pertencentes a linha de desenvolvimento
completamente diferentes...”.
Os auxiliares mnemônicos do jogo da memória modificam da estrutura
psicológica do processo de memória, permitindo incorporar a esta estrutura
estímulos artificiais ou autogerados, que Vigotski (2000) chamou de signos:
“Essa incorporação, característica dos seres humanos,
tem o significado de uma forma inteiramente nova de
comportamento. A diferença essencial entre esse tipo
de comportamento e as funções elementares será
encontrada nas relações entre estímulos e as
respostas em cada um deles. As funções elementares
têm como característica fundamental o fato de serem
total e diretamente determinadas pela estimulação
ambiental. No caso das funções superiores, a
característica essencial é a estimulação autogerada,
isto é, a criação e uso de estímulos artificiais que se
tornam a causa imediata do comportamento”.
A associação entre as gravuras e as plantas sob a forma de cartelas
coloridas foi quase que imediata, porém outras associações necessitaram de
40
ajuda. Curiosamente, havia um aluno na sala que se recusou a participar
das atividades propostas anteriormente: manuseio das ervas e desenho
coletivo, porém no momento do jogo da memória participou ativamente da
atividade, acertando as associações, indicando que lembrava da história
contada.
Os alunos quiseram tomar o chá das ervas utilizadas, o que não
estava previsto na atividade proposta. Assim sendo, foram levados à cozinha
e foram orientados sobre o preparo dos mesmos.
Figura 14: alunos preparando e tomando o chá das ervas apresentadas
Percebeu-se que os alunos tiveram uma grande curiosidade sobre o
sabor das ervas apresentadas e, ao mesmo tempo em que cheiravam as
ervas e plantas, experimentavam o sabor para verificar se o cheiro e sabor
das plantas eram o mesmo, provavelmente numa tentativa de comparar,
instintivamente, se os signos por eles psicologicamente autogerados
correspondiam aos estímulos e respostas dadas. Ainda sobre esta
característica nos fala Vigotski (2000):
41
“...Piaget5 e outros demonstraram que, antes que o
raciocínio ocorra como uma atividade interna, ele é
elaborado, num grupo de crianças, como uma
discussão que tem por objetivo provar o ponto de vista
de cada uma. Essa discussão em grupo tem como
aspecto característico o fato de cada criança começar
a perceber e checar as bases de seu
pensamentos....a comunicação gera a necessidade de
checar e confirmar pensamentos, um processo que é
característico do pensamento adulto”.
A terceira atividade
Por último, apresento quadro da terceira atividade proposta voltada
para o desenvolvimento do último objetivo específico da atividade em
educação proposta:
REDE SOCIOTÉCNICA DO AROMA DAS ERVAS: UMA ATIVIDADE EDUCATIVA QUE BUSCA SUPERAR O CLÁSSICO ABISMO DUALISTA ENTRE OS SABERES POPULAR E CIENTÍFICO.
OBJETIVO ESPECÍFICO
3) Construir a rede sociotécnica do aroma das ervas a partir dos dados coletados e das situações observadas.
PRESSUPOSTOS
A rede sociotécnica possibilita relacionar objetos híbridos produzidos pelos grupos culturais que possuem a ciência com objetos híbridos produzidos pelos grupos culturais que não possuem a ciência.
OBJETO Aroma das ervas PROCEDIMENTO DOCENTE / ESTÍMULOS
Promover e trocar experiências sobre a utilização das ervas no cotidiano das crianças por meio do uso das tiras do jogo da memória da segunda atividade, do posicionamento das crianças sobre o desenho de uma espiral desenhada no chão da classe.
SIGNOS Elementos internos das crianças, da forma com que cada uma interpreta a sua maneira os conceitos abordados na atividade lúdica do jogo da memória, através de estruturas psicológicas superiores e da atividade mediadora, exteriorizadas por meio da construção da Rede Sociotécnica do Aroma das Ervas.
SITUAÇÃO DE PRENDIZAGEM
Construção da Rede Sociotécnica do Aroma das Ervas.
5 Cf. Piaget em sua obra Language and Thought.
42
AVALIAÇÃO / RESPOSTA
Atividade lúdica: aproveitamento do material do jogo da memória só com os elementos da rede, de tal forma que os alunos percebessem a ordem seqüencial embutida na rede construída: que antes do índio havia a fogueira, que antes do céu havia o índio e assim sucessivamente.
RECURSOS / INSTRUMENTOS
1) Reaproveitamento do jogo da memória por meio de fichas com o nome dos objetos da rede sociotécnica para sua montagem;
2) Desenho da espiral no chão da classe. CONTEÚDO Rede Sociotécnica do Aroma. TEMPO PREVISTO 60 minutos
Figura 15 – quadro da terceira atividade
Assim sendo, iniciou-se a execução da terceira e última atividade,
voltada para a construção da rede sociotécnica do aroma das ervas a partir
dos dados coletados e das situações observadas em sala de aula.
Reutilizou-se algumas tiras do jogo da memória (estímulos) que
identificavam os elementos da rede sociotécnica, tais como:
ELEMENTOS DA REDE
1 – FOGUEIRA 6 - PERFUMES 11 – ERVAS 2 – ÍNDIO 7 – ROSA 12 – CHÁ 3 – CÉU 8 – ÓLEOS 13 – DOENTES
4 – IGREJA 9 – BELEZA 14 – INDÚSTRIA
5 – TERÇO 10 – BANHO 15 – BALAS
Figura 16: elementos da rede sociotécnica a ser formada pelos alunos
Foram distribuídas na sala as tiras do jogo para os alunos e, em
seguida, cada um tinha que falar sobre a sua tira de acordo com a história
narrada. Segundo Vigotski (2000):
“A segunda esfera de atividades que une os gestos e a
linguagem escrita é a dos jogos das crianças. Para
elas, alguns objetos podem, de pronto, denotar outros,
substituindo-os e tornando-se seus signos; não é
43
importante o grau de similaridade entre a coisa com
que se brinca e o objeto denotado”.
Assim, foram observados os seguintes comentários (respostas),
dentre outros, aos estímulos extrínsecos apresentados às crianças por meio
desse jogo:
Os índios faziam a fogueira e a fumaça que iam para os deuses do
céu;
Os óleos e os perfumes, as pessoas usavam para embelezar-se;
A erva servia tanto para tomar banho, quanto para fazer chá ou
para curar um doente;
A erva, quando passava pela indústria, podia se transformar em
balas, chicletes, sabonetes, xampus, etc;
Foi, então, desenhada com giz no chão da sala uma grande espiral
repleta de lacunas (instrumento), onde os alunos deveriam se posicionar na
rede de acordo com o elemento descrito pela sua tira (estímulo), tal como a
execução de uma brincadeira. Alguns se confundiram e os próprios alunos
ajudaram-se mutuamente no posicionamento correto na rede, sem a
interferência direta do docente.
Nota-se da observação desse fato empírico relativo à atitude
demonstrada pelas crianças que este aprendizado deve estar de alguma
maneira relacionado ao nível de desenvolvimento de cada criança, o que
nos reporta ao novo e excepcional conceito enunciado por Vigotski: o da
“Zona de Desenvolvimento Proximal”.
“... é a distância entre o nível de desenvolvimento
real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas, o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da
solução de problemas sob a orientação de um adulto
ou em colaboração com companheiros mais capazes...
o nível de desenvolvimento real de uma criança define
funções que já amadureceram, ou seja, os produtos
44
finais do desenvolvimento. Se uma criança pode fazer
tal e tal coisa, independentemente, isto significa que
as funções para tal e tal coisa já amadureceram
nela...A zona de desenvolvimento proximal define
aquelas funções que ainda não amadureceram, mas
que estão em processo de maturação, funções que
amadurecerão, mas que estão presentemente em
estado embrionário...a zona de desenvolvimento
proximal hoje, será o nível de desenvolvimento
amanhã”. (VIGOTSKI, 2000)
Desta forma, foi possível aos alunos perceberem a ordem correta da
rede sociotécnica com a ajuda dos amigos e do próprio professor: que a
fogueira vinha antes do índio, que vinha antes do céu, e assim
sucessivamente, usando os signos, ou seja, a forma com que cada uma
interpreta a sua maneira os conceitos abordados na atividade lúdica do jogo
da memória, através de construções internas de estruturas psicológicas
superiores e da inserção da atividade mediadora, exteriorizados por meio da
construção da Rede Sociotécnica do Aroma das Ervas.
“... a conclusão mais importante desse estudo do
desenvolvimento é que, na atividade de brinquedo, a
diferença entre uma criança de três e outra de seis
anos de idade não está na percepção do símbolo mas,
sim, no modo pelo qual são usadas as varias formas
de representação...ela indica que a representação
simbólica do brinquedo é, essencialmente, uma forma
particular de linguagem num estágio precoce,
atividade essa que leva, diretamente, à linguagem
escrita”. (VIGOTSKI, 2000).
A rede sociotécnica do aroma das ervas composta por objetos
híbridos de natureza e cultura surge, desta forma, do relacionamento entre o
45
desenvolvimento do conhecimento das crianças sobre a natureza que as
envolve. Ela expressa dimensões de um mesmo objeto, sendo tratado de
maneiras distintas em diferentes culturas e por diferentes grupos sociais, em
especial aplicada ao presente estudo, onde o aprendizado das crianças
pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as
mesmas penetram na vida intelectual daquelas que as cercam, fato este
verificável pela análise da zona de desenvolvimento proximal de cada uma
delas. Assim, torna-se o conceito da zona de desenvolvimento proximal
extremamente poderoso para as pesquisas de desenvolvimento,
aumentando de forma acentuada a eficiência e utilidade de metodologias
educacionais, prevendo educadores de um instrumento para o entendimento
dos ciclos e processos de maturação já completados pela criança, como
também sobre os processos que ainda estão em estado de formação, de tal
forma que seja possível para o educador delinear o futuro imediato e o
estado dinâmico de desenvolvimento intelectual das crianças.
Desta forma, as atividades apresentadas foram baseadas nos estudos
de Latour e Vigotski, dentre outros, e visam valorizar o saber do “outro”
como um saber da mesma natureza do produzido pelos cientistas e que este
“saber” é obtido a partir de um processo ensino-aprendizagem centrado no
raciocínio sobre os objetos híbridos apresentados em cada atividade e que
fazem parte da rede sociotécnica do aroma construída pelo grupo de alunos
de Educação Infantil.
46
Figura 17: as crianças posicionadas ao longo da espiral da rede sociotécnica
A seguir apresentamos a rede sociotécnica montada pelo grupo de
pesquisa6 e a rede sociotécnica montada pelos alunos.
Figura 18 – rede sociotécnica do aroma construída pelo grupo de pesquisa
6 A rede apresentada é baseada em outra, de autoria da professora Fátima Branquinho (1999), tendo sido desenvolvida em sua tese de doutorado de 1999 intitulada Da “química” da erva nos saberes popular e científico (IFCH/UNICAMP).
47
Figura 19 – rede sociotécnica do aroma das ervas construída pelos alunos da turma de educação infantil do Centro Educacional Metamorfose
Considero, desta forma, que essa discussão acerca da produção do
conhecimento científico, tanto no laboratório estudado por Bruno Latour e
Steve Woolgar em “A Vida de Laboratório” (LATOUR, 1997), quanto no
CEM, podem ser considerados de mesma origem epistemológica.
Tais conclusões trazem implicações pedagógicas na seleção do que
ensinar nas escolas, nos materiais selecionados para esta proposta de
ensino, nos objetivos traçados a serem alcançados, nas metodologias a
serem escolhidas, nas formas de avaliação a serem desenvolvidas, bem
como na preparação e formação do educador para o alcance de tais
objetivos, de uma forma quase que “simétrica”, por assim dizer, em relação
às implicações teóricas, a materiais e instrumentos a serem usados em
determinado experimento, nas aplicações das metodologias existentes, nas
avaliações dos resultados dos experimentos e na preparação e formação do
cientista para o trabalho científico a ser desenvolvido no laboratório.
De uma forma esquemática, podemos constatar essa origem comum,
de acordo com o seguinte quadro comparativo:
48
PARALELO DA ORIGEM EPISTEMOLÓGICA COMUM Laboratório CEM Cientistas Educador e alunos Metodologias científicas (atividades científicas e rede sociotécnica)
Metodologias educacionais (atividades pedagógicas e rede sociotécnica)
Uso de instrumentos no laboratório (microscópio, produtos químicos, computadores)
Uso de instrumento pelas crianças (lápis de cor, canetas coloridas, desenho coletivo)
Objetivos dos cientistas: verdade sobre um mesmo objeto (aroma das ervas como objeto híbrido de natureza e cultura)
Objetivos dos educadores: verdades sobre um mesmo objeto (aroma das ervas como objeto híbrido de natureza e cultura)
Saber científico produzido no laboratório (atividade mediada por signos)
Saber científico produzido no CEM (atividade mediada por signos)
Figura 20 – quadro comparativo sobre a origem comum entre o saber científico e o popular
A formação do educador e a prática pedagógica proposta
Voltemos o foco agora para a inserção do papel do educador nas
práticas de ensino até então propostas no escopo desse trabalho.
Naturalmente surgem questionamentos que, em seu todo, resumem-se a
dizer, dentre outros:
Qual é o papel dos educadores na sociedade atual?
Quais os “dons” que deve ter o futuro educador?
Em que consiste o ofício de educador?
Qual seria, então, produto fabricado pelo educador?
Que é uma educação “correta”?
Os métodos educacionais aplicados são os mais “corretos”?
Quais as relações possíveis entre educadores e educandos?
“A aquisição desse saber, afirmavam,
independentemente, por inteiro, de sua utilidade,
exigia do espírito infantil uma espécie de trabalho que
não lhe era imposto por nenhum outro saber, e era
particularmente adequado a formar, a aperfeiçoar esse
espírito. É o que lhe chamaram de cultura; e
49
qualificaram esse saber de saber cultural. Afirmaram,
enfim, que esse saber, tal como o possuíam os que o
haviam adquirido, por estudo aprofundado da leitura,
da escrita e do cálculo, conferia-lhes aptidão para
adquirir mais facilmente todos os outros saberes
especializados. E a isso lhe chamaram de cultura
geral”7. (COUSINET, 1974)
Ao analisar o papel dos educadores na sociedade moderna, devemos
considerar dois aspectos principais, dentre outros: a sua relação com a
cultura e a sua relação com os educandos. Por cultura depreende-se o
conceito relacionado com a maneira de vida estabelecida pelos indivíduos,
como também sendo a herança social inerente a um determinado povo,
sendo constituída por todos aqueles elementos que surgem naturalmente
das experiências humanas e que são socialmente transmitidas de geração
em geração. Neste conceito inserem-se os seguintes entes: linguagem,
moral, instrumentos, instituições, conhecimentos, idéias, saberes, normas e
costumes.
Assim sendo, uma das principais funções do ensino é a de preservar
a parte dessa cultura que seja considerada válida pela maioria dos
indivíduos da sociedade. Neste contexto, podemos destacar algumas
atitudes que o educador pode adotar em relação ao seu papel de
preservação e de desenvolvimento da cultura: como “arquiteto cultural”, de
tal forma que ensina as atitudes, os valores e os conhecimentos que farão
as novas gerações moverem-se em direção a um ideal de sociedade mais
justa e pedagogicamente igualitária; como um “conservador da cultura”, de
tal forma quer, usando o máximo de suas habilidades, analisa a cultura e
tenta transmiti-la às novas gerações; e como “líder democrático”, num papel
semelhante a de um “cientista-chefe de um laboratório”, onde o objetivo
básico da investigação sobre o objeto de estudo não é modificar nem
preservar a sua natureza e cultura, mas avaliá-lo e reavaliá-lo de uma
maneira ordenada e construtiva, tornando um objeto de conceito comum a
7 Grifos do autor da citação.
50
todos os “níveis sociais do saber”; uma vez que “o ser humano é um ser
cultural, não há limites para as possibilidades que a natureza humana
oferece para o aprendizado” (BIGGE, 1971). É neste último contexto que
mais se insere a mudança de pensamento sobre a realidade proposta por
Latour.
O educador já não pode considerar-se como único instrumento para o
desenvolvimento e formação das crianças, além disso, esse
desenvolvimento se deve também a fatores psicológicos de cada indivíduo,
como abordado por Vigotski em sua obra “A Formação Social da Mente”
(2000). As crianças também interagem por meio de sua cultura individual
dentro de uma rede social que a todos une.
Cumpre ao educador se adaptar humanamente a todos e a cada um
dos que lhe são confiados, sendo isso possível por meio de uma nova visão
baseada principalmente no “também aprender a viver” com as crianças.
O educador deve, então, possuir e transmitir um “saber” que sempre
esteve latente dentro das crianças na realidade pré-escolar. O saber
científico transmitido pelo professor na salas do CEM para os alunos seria,
segundo um paralelo com a visão epistemológica de Latour, o mesmo
“saber” que é gerado nos laboratórios: sempre existiram de forma latente
para estudiosos ou crianças, porém são desvendados por meio da rede
sociotécnica existente entre os pesquisadores, bem como pela rede formada
pelos alunos.
Neste sentido deve o educador entender que também faz parte dessa
rede, e que seu saber introduz um elemento totalmente novo que, agora,
nem substitui e nem completa o saber familiar pré-escolar, mas a ele se
aglutina por meio da rede. Creio que todas as qualidades, todas as virtudes,
todos os “dons” inerentes à prática educativa reduzem-se, em suma, a uma
única, simultaneamente necessária a todos os educadores: o amor às
crianças, não somente pelo que ainda são, pequenos, frágeis, mas também
pelo que deles fará. A imaginação é também qualidade preciosa e quase
que indispensável ao educador: a procura, o achado da solução de um
problema novo, a capacidade de pôr-se no lugar da criança ou com ela
interagir dentro da rede sociotécnica criada por todos na transmissão e
51
aquisição dos saberes por meio de atividades mediadas por signos,
conforme observado no desenvolvimentos das atividades em classe.
“A educação nova, diga-se ainda, está bem longe, seja
em que país for, de haver penetrado todo o ensino.
Mas até o sistema mais rebelde não pode ignorá-la por
inteiro, e ela não é estranha à concepção diferente que
todos hoje têm acerca do valor”. (COUSINET, 1974)
Limitações e desafios ao educador
O educador deverá compreender os principais pontos sobre o que o
aluno deverá efetivamente aprender na escola, agente de socialização do
indivíduo, pois um processo educacional “neutro” simplesmente não existe.
Os programas atuais de treinamento de professores baseiam-se
quase que exclusivamente no conhecimento técnico, ao invés de permitirem
com que os educadores reflitam sobre os princípios que valorizam as
práticas educacionais da sala de aula, reiterando, a princípio, um
pensamento voltado a valorização das práticas pedagógicas. Neste cenário,
deve o educador se integrar como elemento intelectual transformador da
realidade educacional, de tal forma que se repense e se reestruture a
natureza das atividades do docente.
Nenhuma atividade pedagógica, independentemente do quão
rotinizada possa se tornar, pode ser abstraída do funcionamento da mente
humana em qualquer nível, principalmente quando se fala na dignificação da
capacidade humana de interagir o pensamento e a prática, de tal forma que
os educadores tornem-se profissionais mais reflexivos, livres e com uma
determinada dedicação especial aos valores do intelecto.
“Se acreditarmos que o papel do ensino não pode ser
reduzido ao simples treinamento de habilidades
práticas, mas que, em vez disso, envolve educação de
uma classe de intelectuais vital para o
desenvolvimento de uma sociedade livre, então, a
52
categoria de intelectual torna-se uma maneira de unir
a finalidade da educação de professores,
escolarização pública e treinamento profissional aos
próprios princípios necessários para o
desenvolvimento de uma ordem e sociedade
democráticas”. (GIROUX, 1997)
53
CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho foi o de discutir uma metodologia que busca
democratizar o conhecimento científico e a educação em ciência, tendo
como base para isso a formulação de uma Proposta Pedagógica
fundamentada na concepção de ciência de Bruno Latour, onde a ciência não
é vista como forma de distinção entre grupos sociais, valorizando o saber
científico tanto quanto o saber popular. Com base nesta reflexão, os
argumentos desenvolvidos pelos teóricos como Latour, Vigotski, Piaget e
outros, sobre a prática científica possibilita a construção de laços mais reais
entre a produção científica contemporânea, a psicologia e o processo
pedagógico.
Verifica-se a existência do diálogo entre esses saberes, pois assume
que ambos possuem a mesma natureza epistemológica: são híbridos de
natureza e cultura, a despeito da tentativa de separação intentada pela
ciência. Nota-se que esta nova concepção pode contribuir, diferentemente
das concepções usuais, para a sistematização e democratização do
conhecimento científico pela escola, na medida que influi no suporte técnico
sobre as novas maneiras de fazer, ensinara e aprender o que surge das
explicações racionais sobre o mundo material e, particularmente, sobre a
natureza.
Desta forma, não encerramos o presente trabalho com uma fria e
fechada conclusão e ponto final. Chegamos ao final desta primeira jornada
felizes e imensamente realizadas por termos colaborado para a superação
dos paradigmas que considera distantes os saberes “popular” e “científico”
dos diversos grupos sociais. Uma proposta para um futuro desenvolvimento
será a implementação da presente trabalho pedagógico a um outro grupo de
estudo: crianças não alfabetizadas, do período Jardim III do Centro
Educacional Metamorfose, compreendida na faixa etária de cinco anos.
Que a partir desse momento possamos olhar para o futuro com uma
nova consciência a respeito da sociedade a qual estamos inseridos e
continuamente interagindo. Trabalhemos, então, com o compromisso de
54
realizarmos uma nova concepção em ciência que vise à “democratização
dos saberes”, e que ninguém fique à margem dos acontecimentos que
modificam tanto o meio social quanto o pensamento dos indivíduos dentro
do tecido social do conhecimento.
Como educadores, somos parte integrante do processo educativo
mais global pelo qual os membros da sociedade são preparados para
participar da vida social e, desta forma, assim devemos nos posicionar no
novo mundo que se aproxima. Como Libâneo (2000) diz:
“... o saber científico expresso nos conteúdos de
ensino é o principal objetivo da mediação escolar. Sua
democratização é uma exigência de humanização,
pois concorre para aumentar o poder do homem sobre
a natureza e sobre o seu próprio destino”.
55
ANEXOS
56
ANEXO 1
HISTÓRIA INFANTIL
57
Era uma vez, um menino muito curioso – o Joãozinho – que
morava com sua mamãe Ana e sua vovó Rosa em uma pequena
e florida casinha perto da “Floresta Perfumada”. Essa floresta tem
esse nome, porque quando passeamos por dentro dela, sentimos
os mais variados cheiros: cheiro de flores, cheiro de terra
molhada, cheiro de grama, cheiro de frutas caídas, enfim, cheiro
de natureza, de vida.
A brincadeira preferida de Joãozinho é recolher flores,
folhas, capim e plantinhas para levá-las para casa e se trancar
em seu “quartinho de experiências”, para misturá-las, fervê-las,
amassá-las e descobrir, assim, sua maior paixão que são os
cheiros novos.
Vendo todo o interesse de Joãozinho pelos “cheiros” que o
rodeiam, vovó Rosa resolveu preparar uma farta mesa para o
lanche e aproveitar a ocasião para contar-lhe um pouco da
história dos cheiros, aromas e perfumes. Aproveitou também para
falar da importância da presença dos “cheiros” em nossas vidas.
Afinal, quem de nós não lembra da nossa vovó quando sente o
cheiro do bolo de fubá? Quem de nós não se lembra do colo da
mamãe, quando sente o cheiro do sabonete que ela usa? Quem
de nós não se lembra das brincadeiras no jardim, quando sente o
cheiro da graminha molhada?
Vovó Rosa contou sua história ao Joãozinho dizendo que
há muitos e muitos anos os homens mexem e se interessam
pelos “cheiros”. Primeiro, disse ela que os homens interessaram-
se pelo cheiro como forma de presentear o “papai do céu”, o
“menino Jesus” e a “mamãe do céu”, oferecendo a eles flores
58
queimadas que perfumavam o ar. Os homens inventaram um
terço para rezar para a “mamãe do céu” feito com sementes de
rosas secas, enroladas e amarradas por uma cordinha. Conforme
os anos foram se passando, os homens foram aprendendo a usar
as plantinha para fazer chá (erva-doce / erva-cidreira), banhos,
temperos (manjericão / hortelã) e para enfeitar nossas casas,
como os índios assim faziam.
“Lembra do seu amigo Tupã?”, perguntou sua avó no
decorrer da história contada. “Sua família tinha hábitos e
costumes diferentes dos nossos, porém as coisas que eles
faziam foram copiadas por outros povos, assim como nós
copiamos também. A mãe de Tupã chamava-se Iga e costumava
fazer fogueiras e a fumaça que saia dali era como um presente
para os deuses do céu. Para os índios, o Sol, a Lua, a água o ar
e a terra são como deuses. Além disso, sua mãe utilizava
plantinhas da floresta para tomar banho. Outras plantinhas da
floresta ela usava para se perfumar, da mesma forma que nós
também aprendemos a fazer perfumes e óleos tirando da
natureza e passamos a usar para perfumar nossos corpos e
cabelos como uma maneira de chamar a atenção das outras
pessoas”.
Vovó Rosa também contou a Joãozinho que, quando sua
mãe se casou, a igreja estava cheia de flores e plantas que
enfeitavam o caminho por onde sua mãe passaria e que quando
sua mãe ficou grávida, ela passava um óleo para proteger a
barriga. O mesmo óleo ela passava para fazer massagens nele
para acalmar e aliviar as suas dores de quando era bebezinho.
59
Como forma de encerrar sua historinha sobre os “cheiros”,
vovó Rosa fez uma brincadeira com Joãozinho, onde ela fechou
os olhos de Joãozinho e foi colocando alguns cheiros para ver se
ele os reconhecia e o que esses cheiros lembravam. Joãozinho
adorou a brincadeira porque pôde perceber o quanto os “cheiros”
mexem com as pessoas.
Depois do lanche “cheiroso”, Joãozinho nunca mais deixou
de ir à “Floresta Perfumada” recolher suas amostras de flores,
plantas e frutinhas para continuar buscando e pesquisando em
seu “quartinho das experiências” novos cheiros, aromas e
perfumes.
FIM
60
ANEXO 2
JOGO DA MEMÓRIA
61
62
63
64
65
66
67
68
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VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes,
2000.
72
ÍNDICE INTRODUÇÃO............................................................................................... 9
CAPÍTULO I................................................................................................. 13
A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO ..................... 13
CAPÍTULO II................................................................................................ 18
VISÃO DE CIÊNCIA DE BRUNO LATOUR ..................................... 18
CAPÍTULO III............................................................................................... 26
AS “VISÕES” DE VIGOTSKI NO EMBASAMENTO TEÓRICO
DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ...................................................... 26
OPERAÇÕES COM SIGNOS PELAS CRIANÇAS NAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS.. 27
SOBRE AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ........................................................ 30
A primeira atividade .............................................................................. 30
A segunda atividade ............................................................................. 35
A terceira atividade ............................................................................... 41
A FORMAÇÃO DO EDUCADOR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA PROPOSTA ................. 48
LIMITAÇÕES E DESAFIOS AO EDUCADOR ........................................................ 51
CONCLUSÃO.............................................................................................. 53
ANEXOS...................................................................................................... 55
ANEXO 1 .................................................................................................... 56
ANEXO 2..................................................................................................... 60
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................. 68
ÍNDICE......................................................................................................... 72
FOLHA DE AVALIAÇÃO............................................................................. 73
73
FOLHA DE AVALIAÇÃO UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE Pós-Graduação “Lato Sensu” Título da Monografia: REDE SOCIOTÉCNICA DO AROMA DAS ERVAS: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIA NA BUSCA DA SUPERAÇÃO DO CLÁSSICO ABISMO DUALISTA ENTRE OS SABERES POPULAR E CIENTÍFICO. Autor: Renata Coelho de Araújo Orientador: Prof. Luiz Cláudio Lopes Alves.
Data da Entrega: 31 de janeiro de 2004. Avaliador:________________________________________ Grau:________
Rio de Janeiro, RJ. Em _____de_____________de 2004.