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Formação Maio de 2002 05 05 05 05 05 Ministério da Saúde Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde - SIS Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem - PROFAE Formação Técnica em Saúde Formação Técnica em Saúde Formação Técnica em Saúde Formação Técnica em Saúde Formação Técnica em Saúde no contexto do SUS no contexto do SUS no contexto do SUS no contexto do SUS no contexto do SUS

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Formação

Maio de 2002

0505050505

Ministério da SaúdeSecretaria de Gestão de Investimentos em Saúde - SISProjeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem - PROFAE

Formação Técnica em SaúdeFormação Técnica em SaúdeFormação Técnica em SaúdeFormação Técnica em SaúdeFormação Técnica em Saúdeno contexto do SUSno contexto do SUSno contexto do SUSno contexto do SUSno contexto do SUS

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© 2002 Ministério da SaúdePermitida a reprodução parcial desta obra, desde que citada a fonteTiragem de 30.000 exemplaresPeridocidade quadrimestralDistribuição gratuita

MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE

Barjas Negri

SECRETÁRIO-EXECUTIVO

Otávio Mercadante

SECRETÁRIO DE GESTÃO DE INVESTIMENTOS EM SAÚDE

Gabriel Ferrato dos Santos

GERENTE-GERAL DO PROFAERita Elisabeth da Rocha Sório

FormaçãoPublicação periódica de artigos técnicos e informativos do Projeto de Profissionalização dosTrabalhadores da Área de Enfermagem - PROFAE, do Ministério da Saúde, e de artigosanalíticos relacionados à área de educação profissional e formação de recursos humanos para asaúde. Quando nominados, os textos são de responsabilidade dos seus autores.

CONSELHO EDITORIAL:Cláudia MarquesFrancisco Aparecido CordãoGabriel Ferrado dos SantosLeila Bernarda Donato GöttemsTânia Celeste Matos NunesValcler Rangel FernandesVolnei Gonçalves Pedroso

EDITORES RESPONSÁVEIS:Cláudia Dias CoutoMaria Rebeca Otero GomesRita Elisabeth da Rocha Sório

REVISOR DE TEXTO:Rogério da Silva Pacheco

PROJETO EDITORIAL E GRÁFICO:André Falcão

EDIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E INFORMAÇÕES

Ministério da SaúdeSecretaria de Gestão de Investimentos em Saúde - SISProjeto de Profissionalização dos Trabalhadores naÁrea de Enfermagem - PROFAEEsplanada dos Ministérios,Bloco G, 8º andar, sala 82870.058-900, Brasília-DFFone (61) 3152814 / Fax (61) [email protected]

PROFAE na Internet: http://www.profae.gov.br

Disque-Saúde – 0800-611997

Ficha Catalográfica

Formação / Ministério da Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área deEnfermagem. – V. 2, n. 5, 2002. – Brasília : Ministério da Saúde, 2002.

Quadrimestral

ISSN – 1519-0781

1. Enfermagem 2. Educação profissional. I. Brasil. Ministério da Saúde. II. Brasil. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. III. Brasil. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. IV. Título.

NLM WY 108 DB8

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Sumário

5Política de Recursos Humanos em Saúde e a inserção dos trabalhadores de nível técnico:

uma abordagem das necessidadesRoberto Passos Nogueira

17As necessidades do Sistema Único de Saúde e a formação profissional baseada

no modelo de competênciasCláudia Maria Silva Marques

29Dilemas da regulamentação profissional na área da Saúde: questões para um governo

democrático e inclusionistaSábado Nicolau Girardi e Paulo Henrique Seixas

45Educação profissional em saúde no Brasil: a proposta das Escolas Técnicas de Saúde do SUS

Rita Elisabeth da Rocha Sório

59Formação profissional e humanização dos serviços de saúde

Francisca Valda da Silva e Maria Dalva Gomes Alencar de Souza Menezes

75Recursos humanos e qualificação profissional: impasses e possibilidades

Geraldo Biasoto Júnior

3Recursos Humanos para o SUS: diferentes abordagens para qualificar o debate

85Escolas Técnicas de Saúde do Sistema Único de Saúde (ETSUS)

Izabel dos Santos

91Centro Formador de Recursos Humanos “Caetano Munhoz da Rocha” – Secretaria de Estado

da Saúde do ParanáMarli Aparecida Jacober Pasqualin

Editorial

Artigos

Entrevista

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Recursos Humanos para o SistemaÚnico de Saúde (SUS): diferentesabordagens para qualificar odebate

Os avanços alcançados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na últimadécada, dirigidos para garantir a efetivação dos princípios constitucionais epara a necessidade de organizar o sistema de saúde, deparam-se com obstá-culos importantes relacionados à gestão e formação de recursos humanospara o setor Saúde.

Verifica-se que o processo de descentralização, realizado com a partici-pação da população, tem sido o pilar fundamental para favorecer auniversalização da atenção à saúde de indivíduos e populações. No entanto,a busca pela prestação da assistência integral e de qualidade, adequada aosdiferentes perfis epidemiológicos, de maneira equânime, confere crescentecomplexidade para os gestores do sistema. Para além das dificuldades rela-cionadas aos contextos econômicos e sociais, é preciso reconhecer os pro-blemas e potencialidades gerados a partir de novas abordagens para velhasquestões, como a insuficiência quantitativa e qualitativa dos sujeitos envol-vidos na execução do processo de trabalho em saúde.

A complexidade inserida nessa discussão decorre principalmente de seucaráter intersetorial e multidisciplinar com limites gerados inclusive pelaprópria constituição social e histórica das profissões de saúde no Brasil.Reconhece-se portanto que ações e intervenções de impacto no campo dosRecursos Humanos em Saúde demandam do setor Saúde proposições pactua-das entre diversos atores, com envergadura e amplitude inclusive sobre alegislação existente. Assim, além da formação de milhares de trabalhadoresque vêm se cumprindo por meio do Projeto de Profissionalização dos Traba-lhadores da Área de Enfermagem (PROFAE), identifica-se a importância dese investir nos aspectos que futuramente possam garantir a sustentabilidadeda educação profissional para o setor Saúde.

Esta edição da Revista Formação tem como objetivo contribuir para odebate sobre a formação profissional em saúde, considerando diversosaspectos que conformam o atual cenário para realizar proposições na área.Todos os textos aqui publicados, relacionados à educação profissional, àregulação ou à gestão de profissionais, buscaram enfrentar a discussão àluz das necessidades que aparentemente estão imersas no SUS, tanto paraa manutenção dos aspectos positivos alcançados, quanto para a construçãode alternativas que nos permitam avançar na consolidação de um perfilprofissional crítico, participativo, responsável e com competências técni-cas asseguradas.

Editorial

Otávio MercadanteSecretário Executivo do Ministério da Saúde

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Roberto Passos NogueiraDoutor em Saúde Coletiva – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Resumo: Os anos 90 estabeleceram um novo padrão de intervenção do Estado naconfiguração do setor de Saúde no Brasil. Essas mudanças trouxeram consigoexigências claras no que se refere às necessidades de oferta e de qualificação derecursos humanos. A execução do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadoresda Área de Enfermagem (PROFAE) em todo o território nacional, sob coordenaçãodo Ministério da Saúde, vem apontando para os pontos nevrálgicos da intervençãodo Estado nesse campo. Trata-se das novas necessidades que dizem respeito mais àqualidade do trabalho e menos à quantidade da oferta de trabalhadores. Pode-seafirmar que o desafio está em criar condições infra-estruturais e permanentes, enão apenas acumular meios para executar esse ou aquele processo de capacitação.É requisito dessa política fortalecer a capacidade de formação própria ao SistemaÚnico de Saúde (SUS) mas sem deixar de incentivar um ajuste das escolas públicase privadas ao perfil de necessidades de pessoal do Sistema de Saúde como umtodo. Nesse caso, a Política Educacional atende ao imperativo da qualidade, emtermos de formação técnica e aumento do nível de escolaridade, porém afetando oconjunto do mercado de trabalho em saúde, nos setores público e privado.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde; Política de Recursos Humanos;Recursos Humanos.

Abstract: In the 1990’s a new standard of State intervention in the configurationof the health sector in Brazil has been established. These changes have broughtclear requirements for supply and qualification of human resources. The executionof PROFAE, under the coordination of the Health Ministry has disclosed someof the most sensitive points for the State intervention in this field. That is aboutthe new necessities related to work quality, rather than to the amount of workers.It can be said that the challenge lays in creating infrastructural and permanentconditions, and not only in accumulating resources for executing this or thatqualification process. The new policy is intended to strengthen the capacity ofproper training in SUS (Unified Health System), but stimulating an adjustmentof public and private schools to the profile of staff need in the Health System asa whole. In that event, Education Policy is responsive to the requirement ofquality, in terms of technical training and raising schooling level, thereforeaffecting the health labor market as a whole, in both public and private sectors.

Key words: Unified Health System; Human Resources Policy; Human Resources.

Análise

Política de Recursos Humanos emPolítica de Recursos Humanos emPolítica de Recursos Humanos emPolítica de Recursos Humanos emPolítica de Recursos Humanos emSaúde e a inserção dos trabalhadoresSaúde e a inserção dos trabalhadoresSaúde e a inserção dos trabalhadoresSaúde e a inserção dos trabalhadoresSaúde e a inserção dos trabalhadores

de nível técnico: uma abordagemde nível técnico: uma abordagemde nível técnico: uma abordagemde nível técnico: uma abordagemde nível técnico: uma abordagemdas necessidadesdas necessidadesdas necessidadesdas necessidadesdas necessidades

Human Resources Policy in Health andHuman Resources Policy in Health andHuman Resources Policy in Health andHuman Resources Policy in Health andHuman Resources Policy in Health andthe insertion of technical staff: anthe insertion of technical staff: anthe insertion of technical staff: anthe insertion of technical staff: anthe insertion of technical staff: an

approach on the needsapproach on the needsapproach on the needsapproach on the needsapproach on the needs

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○Formação

Introdução: a configuração política dosetor Saúde no Brasil nos anos recentese de seus recursos humanos

Os anos 90 estabeleceram umnovo padrão de intervenção do Estadona configuração do setor de Saúde noBrasil. A implantação e a conso-lidação do Sistema Único de Saúde(SUS), em sua gestão descentralizada,é por certo o elemento mais salientedesse padrão, mas pode-se dizer quetodas as modalidades privadas epúblicas de prestação de serviços desaúde acabaram por ser redefinidasnesse decênio, devido ao envol-vimento do Estado no seu finan-ciamento e na sua regulação.

O Quadro I busca sumariar algunsdos múl t ip los componentes doSistema de Saúde conforme as prin-cipais formas de participação doEstado no seu funcionamento. Oextensivo leque destas intervençõesvai desde os programas assistenciaismantidos pelo Terceiro Setor, organi-zados em base comunitária e volun-tária, até às entidades privadas quemantêm planos e seguros de saúde.Variados são os agentes institucionaisenvolvidos e as formas de partici-pação do Estado para cada um deles.

Nota-se nesse quadro a presençade certos componentes bem tradi-cionais, tais como o setor de profis-sionais l iberais e o de clínicas ehospitais que atendem em regime delivre demanda. Mas a década de 90registrou um conjunto de avanços nainstitucionalização de novos compo-nentes do Sistema de Saúde, que nãopodem deixar de ser tomados em con-sideração nesta análise, quais sejam:

· emergência de um terceiro setor,que promove e organiza ações desaúde, como parceiro do Estado e deacordo com uma política que lheconfere destaque devido a seu carátercomunitário, nem estatal nem ligadoao interesse mercantil;

· crescimento e diversificação dostipos de planos e seguros de saúdecomo opção ind iv idua l ouinstitucional que dá garantia deacesso a serviços de saúde, e que,como componente de base contratualmercant i l , in sere - se dentro daprob lemát i ca dos d i re i tos doconsumidor;

· ampla munic ipa l i zação dosserviços e da gestão do segmentoambulatorial e hospitalar do SUS;

Assistência comunitária à saúde Entidades do Terceiro Setor Subvenções

Assistência profissional à saúde Profissionais liberais Regulação pelos conselhosprofissionais (paraestatais);incentivo fiscal

Assistência privada à saúde em Clínicas e hospitais privados Incentivo fiscalregime de livre demanda

Assistência à saúde em caráter Clínicas e hospitais privados Convênios e contratos paracomplementar ao SUS não lucrativos, especialmente assistência aos usuários do

os filantrópicos SUS; incentivo fiscal

Sistema suplementar de Entidades mantenedoras de Regulação; ressarcimentoassistência à saúde planos e seguros de saúde ao SUS; incentivo fiscal

Programas Saúde da Família e de Secretarias de Saúde Planejamento, financiamentoAgentes Comunitários de Saúde e gestão

Assistência ambulatorial e Secretarias de Saúde Planejamento, financiamentohospitalar do SUS e gestão

Quadro IComponentes do Sistema de Saúde e principais formas de participação do Estado

Fonte: Elaboração do autor.

Componente Agentes Participação do Estado

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· difusão, com relativa autonomia,da estrutura e da lógica assistencialdo Programa Saúde da Família (PSF),incluindo a estratégia de utilização deagentes comunitários de saúde.

Esses avanços nas formas degestão, de prestação de serviços desaúde e de regulação pública nãoseriam possíveis sem uma mudançaessencial ocorrida na lógica de opera-ção do Estado e da federação brasileiranos anos 90. Parte dessa mudançainspira-se em diretrizes contidas naconcepção original do SUS, quesempre reservou um lugar de destaqueaos municípios como base do sistema;outra parte resulta da Reforma Admi-nistrativa do Estado, como é o casoda criação da Agência Nacional deSaúde Suplementar, com sua funçãoreguladora típica. Mas há ainda outraparte devida a um "ajuste institu-cional" que ocorreu pela adoção, maisou menos espontânea, de formasflexíveis de gestão que misturamrecursos do setor privado aos recursose à gestão do setor público.

O s i s tema púb l i co de saúderepresentado pelo SUS é hoje bemmais complexo nos arranjos insti-tucionais que promove do que previaa noção cons t i tuc iona l de umsegmento "complementar", consti-tuído por entidades privadas semcaráter lucrativo, ao qual se delegariaações de atendimento ambulatorial ehospitalar. Com efeito, o SUS operaagora com base numa mistura entrepúb l i co e pr ivado que abrangemodalidades "associadas", de caráterprivado, tais como cooperativas,organizações sociais, fundações eentidades filantrópicas "de apoio",organizações não-governamentais(ONGs) etc. Esse conjunto de enti-dades tem sua configuração ditada poruma coesão que é de tipo político eexige uma negociação permanentecom variados agentes institucionais ecom corporações profissionais.

A novidade nesse cenário é quecertas divisões tradicionais, em quese movia a função de desenvolvimentode recursos humanos no SUS, nãopodem mais ser aplicadas sem que

haja uma grande perda de eficácia. Aidéia de que essa função tem a verapenas com pessoal pertencente àsSecre tar ia s de Saúde deve se rabandonada. À função de desenvol-vimento de recursos humanos, comoresultante de uma ação de Estado, estáreservado um escopo bem maior, queenvolve os "quadros externos depessoal" e, em alguns casos, precisaconsiderar as necessidades do setorSaúde como um todo. De fato, certasiniciativas de capacitação assumidaspelo Estado precisam ser difundidasno conjunto do Sistema de Saúde,abrangendo mediações institucionaisno âmbito do setor Educacional,púb l i co e pr ivado, como es táexemplificado pela política e pelaexperiência do Projeto de Profis-sionalização dos Trabalhadores daÁrea de Enfermagem (PROFAE).

Pontos de intervenção sobre a questão

Considerada na amplitude men-cionada, a Política de Desenvol-vimento de Recursos Humanos deSaúde para o nível técnico não podeestar restrita a certos objetivos eabordagens com os quais as Secre-tarias Estaduais e Municipais deSaúde cos tumam rea l i zar seust re inamentos in t rodutór ios ouemergenciais, com o objetivo defirmar certas noções e habilidadesnecessárias ao SUS e afinadas comuma ótica sobre saúde pública e suaspr ior idades . A maior par te dosesforços real izados nesse campoconsiste em desenvolver textos ecursos de "adaptação" , havendotambém, paralelamente, algumasiniciat ivas de profiss ional izaçãocompleta desse pessoal, sobretudo nasescolas técnicas vinculadas ao SUS,com maior ou menor grau de inovaçãometodológica e integração ensino-serviço, mas ainda em grande parteadscritos às categorias auxiliares dogrupo de enfermagem. Mais recen-temente, com as necessidades decapac i tação de pes soa l para aimplantação do PSF, essas tendênciasadquiriram uma dimensão maior,contudo não se pode d izer quetenham s ido fundamenta lmente

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○Formação

alteradas, a não ser pela necessidaderecentemente introduzida de con-templar a formação do pes soa lauxiliar na área de Saúde Bucal.

A execução do PROFAE em todoo terr i tório nacional , sob coor-denação do Ministério da Saúde, vemapontando para os pontos nevrálgicosda intervenção do Estado no campode desenvolvimento de recursoshumanos como um todo. Vem-secolhendo, nesse sentido, idéias maisprecisas acerca de qual deve ser aestratégia para ultrapassar essaslimitações históricas. Pode-se afirmarque o desafio está em criar condiçõesinfra-estruturais e permanentes, e nãoapenas acumular meios para executaresse ou aquele processo de capa-citação. É requisito dessa políticafortalecer a capacidade de formaçãoprópria ao SUS, mas sem deixar deincentivar um ajuste das escolasprivadas ao perfil de necessidades depessoal desse sistema. Igualmente degrande relevância é a contribuiçãoque os gestores do Sistema de Saúdepossam dar para a conformação dosistema de avaliação de competênciasdas diversas categorias técnicas.

Estes são alguns dos objetivosestratégicos que a Política de Recur-sos Humanos de nível técnico deveriaestabelecer no médio e longo prazos:

· mensurar as necess idades eestabelecer metas de formação erequa l i f i cação para a s d iver sa scategorias de nível técnico;

· influir em nível nacional sobreas definições do sistema de avaliaçãode competênc ia s das d iver sa scategorias;

· modernizar as escolas técnicaspertencentes ao SUS;

· incentivar a adoção de conteúdoscurriculares específicos e de maiorvalia para o SUS nas escolas técnicasprivadas;

· estimular o desenvolvimento demétodos de integração ensino-serviçona execução curricular;

· estimular o desenvolvimento demétodos de ensino a distância para a

formação de pessoal (docente esupervisores).

Essa estratégia de conjunto tem deser alicerçada num eixo federativofundamental que teve grande proe-minência nos anos 80, mas perdeumuito de sua densidade política ecapacidade operacional ao longo doprocesso de descentralização dos anos90: trata-se da articulação entre oMinistério da Saúde e as Secretariasde Saúde dos Estados. A nova óticarequer mais do que uma simplesrestauração desse eixo; requer que sepense de forma di ferenciada osproces sos de capac i tação e deformação que agora não mais selimitam aos "quadros internos" dessassecretarias. Há uma realidade nova,de natureza político-institucional,que impõe a essas secretarias cuidarde ações de desenvolvimento derecursos humanos em três níveisusualmente tidos como "externos":a) das próprias Secretarias de Saúde;b) das entidades públicas e privadasassociadas; c ) dos componentesprivados do setor Saúde.

Com base em experiências ante-riores, acontecidas na década de 80,tais como o Projeto Larga Escala, estác la ro a tua lmente que a auto-suficiência do setor Saúde em matériade desenvolvimento de recursoshumanos é algo muito limitado -abrange mais que nada o campo dost re inamentos emergenc ia i s eintrodutórios. Para qualquer outroprocesso com maior ambição nosobjetivos de aprendizagem, seja naformação ou na educação continuada,o setor vê-se obrigado a estabeleceruma base "multi institucional" deentendimento e de ações conjuntascom o setor formal de ensino. Agoratêm-se plena consciência de que asPol í t icas de Recursos Humanos,quando levam em conta a dimensãoda qualidade, só podem ser condu-zidas a contento com base numaar t i cu lação com os se tores deEducação e Trabalho.

Três iniciativas recentes merecemser citadas, pois tiveram destaque noprocesso de articulação "multisetorial"

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para fortalecimento das Políticas deRecursos Humanos em Saúde: a) aexpansão e reforma pelas SecretariasEstaduai s de Saúde das EscolasTécnicas do SUS, bem como doscursos que oferecem; b) a implan-tação, em parceria com universidades,dos Pólos Formação em Saúde daFamília; c) a realização de programasde capacitação técnica com apoio doPlano Nac iona l de EducaçãoProfissional (PLANFOR). Iniciativascomo essas introduzem novos atorese novas clientelas com suas par-ticularidades, e fazem aumentar acomplexidade das tarefas de quemcoordena as ações de desenvolvimentode recursos humanos em saúde.

Lacunas observadas no mercado detrabalho em saúde e necessidades deformação

As mudanças da configuraçãopol í t i ca do se tor Saúde t razemexigências claras no que se refere àsnecessidades de oferta e de quali-ficação de recursos humanos. Háaquelas criadas por novos programas(como o PSF) , a s s im como hánecessidades que se identificam noconjunto do mercado de trabalho(como as questões de qual idadeassociadas ao nível de escolaridade oude qualificação profissional). Nessesentido, existem quatro tipos derecursos humanos que merecem seraqui distinguidos, cada um delesimpondo estratégias novas de capa-citação e de administração de pessoal:

1. Categorias que são decorrentese dependentes da própria ação doEstado e que dificilmente podemsubsistir com autonomia no mercadode trabalho: por exemplo, os guardasde endemias e os agentes comu-nitários de saúde.

2. Categorias que são ou deveriamser induzidas e estimuladas pela açãodo Es tado, mas que podem serabsorvidas por diversos setores domercado de trabalho, por exemplo:técnicos de higiene dental.

3. Categorias que correspondem aum contexto técn ico e soc ia lultrapassado e que estão em processo

de ajuste devido a exigências dequalidade, tanto no setor públicocomo no privado, por exemplo: osantigos "atendentes" para os quais apolítica atual impõe sua qualificaçãocomo auxiliares de enfermagem.

4. Categorias que compõem um rolmúltiplo de funções usuais, tanto nosetor público como no privado.

Nota-se que três desses gruposenvolvem "necessidades criadas" pelopadrão de intervenção do Estado nocampo espec í f i co dos recursoshumanos e não apenas necessidades"detectadas" por ele no âmbito domercado de trabalho. Sendo assim,esses e outros aspectos da confi-guração dos recursos humanos desaúde e s tão corre lac ionados à sPo l í t i ca s de Saúde e à s açõesespecíficas, programáticas ou gerais,que são variáveis ao longo do tempo.Por outro l ado , surgem novasnecessidades que dizem respeito maisà qualidade do trabalho e menos àquantidade da oferta de trabalhadores.Nesse caso, as Políticas Educacionaisque a tendem ao impera t ivo daqualidade, em termos de formaçãotécn ica e aumento do n íve l deescolaridade, afetam a composição doconjunto do mercado de trabalho etendem a ser aplicadas ao setor Saúde.

Como tentativa, essas categoriasestão identificadas no Quadro IIconforme os quatro t ipos ante-riormente mencionados, que repre-sentam casos diferentes e, portanto,exigem tratamento diferenciado naPolítica de Recursos Humanos emSaúde. Naturalmente, essa classifi-cação serve aqui como uma merailustração e não como uma definiçãopolítica em si mesma.

Como se pode ver, os recursoshumanos de nível técnico e auxiliarno campo da Saúde caracterizam-sepor uma notável diversidade ouheterogeneidade funcional e educa-cional. Existem diferenças criadaspela divisão técnica do trabalho eque têm a ver com as áreas e objetosde cada categor ia ( saneamento,saúde bucal, laboratórios etc.), mas

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○Formação

existem também diferenças devidasao n í ve l de qua l i f i c a ção e deescolaridade em um mesmo grupo(por exemplo , entre técn icos eauxiliares de enfermagem). Entre-tanto, chama a atenção o fato de queo número de postos de trabalho dasocupações técnicas e auxi l iaresestarem fortemente concentradas emtorno do grupo de Enfermagem: nasoma dos "atendentes e asseme-lhados" (provavelmente subestimados

nessa fonte) com os auxiliares deenfermagem, e com os técnicos deenfermagem obtém-se nada menosque 66% de todos esses postos detrabalho. De outra parte existemca tegor i a s "m inor i t á r i a s " cu j aimportância é crucial para o funcio-namento de certos serviços de apoioao serviços de apoio à diagnose eterapia: pode-se citar o pessoal dasáreas de Citologia e Histologia, deReabilitação e de Hemoterapia.

Agente de saneamento 1 4.116 0,6

Auxiliar de consultório dentário 4 18.785 2,6

Auxiliar de enfermagem 4 339.766 47,9

Fiscal sanitário 1 2.602 0,4

Técnico de enfermagem 4 49.604 7,0

Técnico e auxiliar de farmácia 2 10.021 1,4

Técnico e auxiliar em hematologia/hemoterapia 2 5.449 0,8

Técnico e auxiliar em histologia 4 987 0,1

Técnico e auxiliar em nutrição e dietética 4 7.331 1,0

Técnico e auxiliar em patologia clínica 4 14.738 2,1

Técnico e auxiliar em reabilitação 4 4.306 0,6

Técnico e auxiliar em vig. sanitária e ambiental 1 1.365 0,2

Técnico em citologia e citotécnica 2 1.594 0,2

Técnico em equipamentos médico-hospitalares 2 2.072 0,3

Técnico em higiene dental 2 2.834 0,4

Técnico e auxiliar em prótese dentária 4 761 0,1

Técnico em radiologia médica 4 20.231 2,9

Outros - nível técnico e auxiliar ? 35.173 5,0

Agente comunitário de saúde 1 67.503 9,5

Agente de saúde pública 3 11.753 1,7

Atendente de enfermagem e auxiliar operador

serviços diversos e assemelhados 3 82.040 11,6

Guarda endemias, agente de controle de

zoonoses e agente de controle de vetores 1 9.986 1,4

Parteira 3 3.470 0,5

Outros - nível elementar - 13.239 1,9

Total 709.726 100,0

Quadro IIPostos de trabalho de ocupações técnicas e auxiliares em saúde: Brasil, 1999

Fonte: IBGE – Pesquisa Assistência Médico-Sanitária (AMS/1999).

Ocupação Tipo Número %

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Nº 05 MAIO DE 200212

A reforma educacional que está emcurso no País põe em questão essagrande diversidade e lança a idéia deque mui tas dessas d iv i sões nãoatendem aos esquemas dinâmicos eflexíveis de atribuição de tarefas nomercado de trabalho. As diferençasentre e s ses t raba lhadores e s tãopassando a ser entendidas comoresultado de um campo de compe-tências acumuláveis, individualmentee em grupo, entretanto não maiscomo resultado de um perfi l deatribuições fixas. Cada vez mais aPolítica de Recursos Humanos emSaúde deverá estar sintonizada comessa tendência a colocar o foco nascompetências da força de trabalhoempregada e não na categoria em si.

Anteriormente, a atenção dessapo l í t i ca e s tava vo l tada para a scategorias prioritárias, as quais, emgrande parte, correspondiam àquelasque a judavam a implementar osprogramas prioritários de governo.Essa ótica tem de ser ampliada agoraporque o SUS é um ator importantena def inição e na aval iação dascompetências em cada área das açõesde saúde, no seu âmbito e de ummodo geral.

Diante dos t ipos e categoriasdiscriminados no Quadro II, apareceuma reflexão fundamental: comotrabalhar essa diversidade e que prio-ridades escolher? Fica evidente, que aPolítica de Recursos Humanos não temuma autonomia completa pararesponder a essa pergunta, porquedepende das prioridades gerais defi-nidas nas Políticas de Saúde. Mas oespaço novo que tem ganhado asPolíticas de Recursos Humanos surgejustamente da inflexão das políticaspúblicas nos anos 90 que buscaramassociar a empregabilidade dos traba-lhadores com os aspectos de qualidadeda força de trabalho. A qualificaçãopode ser tomada como um objetivo emsi, pois faz parte daquelas condiçõesgera i s que fazem melhorar odesempenho da economia.

Na saúde , toda ques tão dequalidade cruza-se necessariamentecom a de quantidade, devido a dois

motivos: primeiro, porque, como ditoanter iormente , há uma enormediversidade de categorias de traba-lhadores, cada uma delas requerendouma es t ra tég ia apropr iada dequalidade pelo lado educacional;segundo, porque o grupo que é maisnumeroso , o de enfermagem, étambém cons iderado o mai sproblemático do ponto de vista daqualidade. Para ilustrar uma avaliaçãode "necessidades" apresentamos aseguir uma análise geral dedicada aogrupo de enfermagem.

Fatores da demanda por pessoal técnicode enfermagem

Um dos fatores que vêm impul-sionando a demanda por trabalhadorestécnicos de enfermagem é o enve-lhecimento da população brasileira,na medida em que contribui para oaumento da necessidade de inter-nação e cuidados de reabilitação daspessoas idosas. Nos hospitais , oenvelhecimento da população in-fluencia a demanda por trabalho deenfermagem sobretudo mediante oaumento da média de d ia s deinternação. Outros fatores que afetamo cresc imento da demanda portrabalhadores de enfermagem estãoassociados às mudanças organi -zacionais e tecnológicas dos serviçosde saúde, à estrutura de morbidadeda população e à expansão da atençãobásica, e do atendimento domiciliarem subst i tuição ao atendimentohospitalar.

A demanda por pessoal de enfer-magem é, de um modo geral, muitoafetada pelo processo de envelhe-cimento da população, tendo emvista que tal processo contribui parao aumento da necessidade de cuida-dos especiais e de reabilitação daspessoas idosas. Há vários contextostécn ico-as s i s tenc ia i s em que osserviços requeridos por uma popu-lação idosa podem ser prestados:

a) em instituições hospitalares, emdecorrência de diversas patologias querequerem internação hospitalar;

b) em inst i tu ições públ icas eprivadas, onde os idosos são hospe-

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○Formação

dados e recebem cuidados apro-priados por tempo indefinido;

c ) na in ternação domic i l i a rprofissionalizada, que se dá em funçãoda ocorrênc ia de ep i sód ios deenfermidades agudas e crônicas;

d) no domicíl io, com atençãocontínua ou "autocuidado" a cargo dogrupo familiar.

O Brasil encontra-se atualmente nogrupo de países da América Latina quea Comissão Econômica para AméricaLatina e o Caribe (CEPAL)1 denominade "transição demográfica plena",caracterizado por uma natalidade emdeclínio, uma baixa mortalidade e umcrescimento natural em torno de 2%.A população brasileira com idadeigual ou superior a 60 anos representade 7,9% do total, uma proporçãobem menor que a encontrada empaíses de transição avançada tais comoa Argentina e o Uruguai, que exibempercentuais de 13,3 e 17, respecti-

vamente. No entanto, considerandoque se aplica a um total de 169mi lhões de hab i tantes , a maiorpopulação da América Latina, essaproporção dá como resultado umagrande massa de pessoas que seencontra na terceira idade.

O hospital parece ser o contextotécnico-assistencial mais importantena determinação da demanda portrabalhadores de enfermagem noBrasil. Há motivos culturais quefazem com que os idosos, em suaabsoluta maioria, independentementeda condição econômica , se j amcuidados pelos parentes mais pró-ximos e não alojados em instituiçõesespecíficas, como ocorre em paísesda Europa e nos Estados Unidos.Ademai s , o cu idado domic i l i a rprofissional é ainda pouco expressivoem comparação com o "autocuidado"prestado por membros do núcleofamiliar.

Gráfico IMédia de Permanência em Estabelecimentos do SUS, por Faixa Etária, 2000

1 CEPAL, Panorama Social de América Latina,Santiago, agosto de 2000.

Fonte: DATASUS/MS.

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Nos hospitais, o envelhecimentoda população influencia a demandapor t raba lho de enfermagem,sobretudo pelo aumento da média ded ias de in ternação . As maioresmédias de internação estão associadasaos pacientes nas faixas de idade demais de 40 anos, devido a maiorincidência de enfermidades crônico-degenerativas (Gráfico I). A média dedias de permanência de pacientesinternados nos hospitais do SUS ébem mais elevada para os pacientesdaquela faixa etária do que para asde menor idade, embora a tendênciade aumento dessa média tenha umaqueda para as faixas superiores a 60anos. Em princípio, quanto maior amédia de permanência, maior é oconsumo de força de trabalho deenfermagem, e o atendimento podeter a necessidade de aumentar onúmero de leitos ou melhorar a formade utilização dos leitos disponíveis.

A estrutura de morbidade tambémafeta claramente a demanda por forçade trabalho de auxiliares de enfer-magem, especialmente no ambientehospitalar. Há enfermidades queexigem uma atenção mais intensiva oumais contínua da enfermagem, sejapara monitorar adequadamente seussinais e sintomas, seja em termos deindispensáveis intervenções tera-pêuticas ou de reabilitação, ou, ainda,para dar maior conforto ao paciente.Esse é o caso, por exemplo, damaioria das enfermidades do aparelhocirculatór io e respiratór io. Taisaspectos da morbidade determinam,em última instância, a "intensidade"do trabalho de enfermagem. Por outrolado , cer ta s doenças são mai sexigentes em termos da duração totaldo cuidado de enfermagem, poisexigem um maior tempo de per-manência sob regime de internação,como é t ípico das enfermidadesmentais e comportamentais.

As mudanças organizacionais etecnológicas afetam tanto os aspectosde qualidade quanto os de quantidadeda força de trabalho de enfermagemempregada. A introdução de tecno-logias complexas e a especialização

em determinadas tarefas assistenciaisrequerem um maior nível de educaçãogeral por parte do pessoal admitido.Como acontece em outros setores daeconomia, o aumento da produtivi-dade está associado à elevação daescolaridade do pessoal empregadoem serviços de enfermagem. Asmelhorias tecnológicas e organiza-cionais podem redundar numa melhorut i l i zação da força de t raba lhodisponível, quando a demanda cresce,mas isto depende do nível educacionale da formação técnica que tem de serajustar a variações de função e ao usode recursos mais complexos para aassistência ao paciente.

Com a in t rodução de novasmetodologias gerenciais, que usamseletivamente a força de trabalho maisqualificada, e também por efeito daaplicação de novas tecnologias deassistência e diagnóstico que deman-dam pessoal mais qualificado, é de seesperar que, na próxima década, osegmento com internação (em maiorparte de natureza hospitalar) man-tenha uma a l ta demanda porauxiliares de enfermagem e, maisainda, que proceda a uma triagemmais rigorosa dos pretendentes aospostos de trabalhos, considerando osaspectos de competência técnica,experiência e nível de educação geral.

As Políticas de Atenção Básicaatuam no sentido de fazer crescer ademanda por auxiliares de enferma-gem no segmento ambulatorial dosestabelecimentos de saúde. A ten-dência é elevar o nível de qualificaçãoe da escolaridade do pessoal deenfermagem em serviços ambula-toriais públicos é antiga e constituiu,na década de 80, um dos focos daPolítica de Recursos Humanos deSaúde, dando origem a diversas ini-ciativas, entre as quais merece desta-que especial o Programa Larga Escala.

Na década de 90, com a implan-tação do Programa Saúde da Família,o chamado nível de atenção básicapassou a ser um grande demandantepelo trabalho do auxiliar de enfer-magem, cuja presença é obrigatóriapara a constituição das equipes do PSF.

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○Formação

Algumas das ações prioritáriasdesse programa e que constituemindicadores de sua eficácia requeremuma part ic ipação destacada dosauxiliares de enfermagem, atuando emuníssono com toda a equipe. Trata-se,entre outras, das ações que contribuampara reduzir a mortalidade infantil pordiarré ia , d iminuir as taxas deprevalência da desnutrição e atuarprecocemente em casos de pneumoniae desidratação, a fim de reduzir eevitar a necessidade de internação,especialmente entre crianças.

Com a extensão desse programa atodos os grandes centros urbanos, oque certamente irá ocorrer ao longoda década , se rá a inda maior ademanda por auxiliares de enfer-magem nesse nível de atuação. Esseritmo de progressão da atenção básicafaz prever que a ocupação deauxiliares de enfermagem no seg-mento ambula tor ia l s e rá subs -tancialmente expandida. Uma variávelpolítica, importante para determinaras dimensões efetivas desse cres-cimento do emprego de auxiliares deenfermagem associado ao PSF, está nadependência de saber se haverá, nessecontexto urbano de maior desen-volvimento econômico-social, um usoampliado dessa categoria em substi-tuição ou em reforço às funções doagente comunitário de saúde.

Conclusões

Como evidencia a experiência doPROFAE, as Polít icas de Desen-volvimento de Recursos Humanos quetenham uma preocupação salientecom a dimensão da qualidade devemser conduzidas doravante com base emin ic ia t ivas que cons iderem asprioridades comuns tanto do setorprivado como do setor público e tantoos aspectos de educação continuadaquanto os aspectos de formação. Issorompe com uma tendência antiga daárea institucional do SUS que é a deconcentrar esforços apenas no pessoaldo se tor púb l i co e apenas emprocessos de treinamento e requa-lificação. Essas políticas, para serembem-sucedidas, têm que estar emsintonia com prioridades e programas

de envergadura nacional, que estão sedando nos setores de Educação eTraba lho , ou se j a , t êm que sebenef i c i a r de uma ar t i cu laçãonacional com esses dois setores, osqua i s , inev i tave lmente , t êm decooperar atualmente na busca desoluções para os problemas criadospe la s demandas de cons tante(re)qualificação do pessoal técnico epelas dificuldades de inserção nomercado de t raba lho . Tanto aexperiência de aplicação da nova Leide Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional como a de programas doMinistério do Trabalho, tais como oPLANFOR, têm sido marcos refe-renciais importantes para criar umnovo contexto político e de finan-ciamento no qual as ações de desen-volvimento de recursos humanos emsaúde superam finalmente certascondições históricas de isolamento ede fragilidade de apoio institucional.

A idéia central que se difundiu nosanos 80 e 90 e foi amplamentereconhecida (hoje, inclusive, reveste-se de fundamentos legais pela Lei deDiretr izes e Bases da EducaçãoNacional), é que o setor Saúde nãopode mais se limitar a treinamentose cur sos propedêut i cos ou deatualização, mas deve sempre realizarseus processos de capacitação acom-panhados de uma titulação para finsde engajamento plenamente legiti-mado no mercado de trabalho. Essapremissa deve ser observada tendo emconta as necessidades criadas pornovos programas específicos do setorpúblico, como também as necessi-dades de qualidade que se identificamno conjunto do mercado de trabalho,dos setores público e privado.

A esse respeito, um campo novo eainda permeado por dúvidas, mas doqual não se pode escapar, é o daavaliação e o reconhecimento decompetências.

Em todos esses aspectos, o grupode enfermagem merece especia ldestaque não só por ser o maisnumeroso entre as categorias técnicas,mas também porque é considerado omais problemático do ponto de vista

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da qualidade técnica de sua força detrabalho e no que se refere aosrequisitos de humanização no atendi-mento de saúde à população.

Bibliografia

NEGRI, B.; GIOVANNI, G. Brasil:radiografia da saúde. Campinas:UNICAMP, 2001.

MENDES, E. V. Uma Agenda para aSaúde. São Paulo: HUCITEC, 1996.

SAMAJA, J. A reprodução social e asaúde. Salvador: ISC/UFBA, Casa daQualidade, 2000.

SANTOS, I.; CHRISTÓFARO, M. A.C. A Formação do Trabalhador daÁrea de Saúde. In: Questões Con-temporâneas de Recursos Humanos noSUS. Divulgação em Saúde paraDebate, CEBES, ago. 1996.

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As necessidades do Sistema Único deAs necessidades do Sistema Único deAs necessidades do Sistema Único deAs necessidades do Sistema Único deAs necessidades do Sistema Único deSaúde e a formação profissionalSaúde e a formação profissionalSaúde e a formação profissionalSaúde e a formação profissionalSaúde e a formação profissional

baseada no modelo de competênciasbaseada no modelo de competênciasbaseada no modelo de competênciasbaseada no modelo de competênciasbaseada no modelo de competências11111

Unified Health System needs andUnified Health System needs andUnified Health System needs andUnified Health System needs andUnified Health System needs andprofessional qualification based on theprofessional qualification based on theprofessional qualification based on theprofessional qualification based on theprofessional qualification based on the

competencies modelcompetencies modelcompetencies modelcompetencies modelcompetencies model

Cláudia Maria Silva MarquesCoordenadora do Sistema de Certificação de Competências/PROFAE

Resumo: Este artigo trata de um assunto que vem sendo bastante discutido pelasinstituições formadoras e pelos vários atores envolvidos com a questão danecessidade de mudanças no modelo de atenção à saúde no Brasil, com vistas àconsolidação do Sistema Único de Saúde (SUS): a formação profissional detrabalhadores comprometidos com estas mudanças. As reflexões aqui realizadasapontam para a relevância de considerar o paradigma político-assistencial doSUS como orientador das propostas de formação dos trabalhadores para o setor,discutindo o significado da Política de Educação Profissional, definida peloMinistério da Educação (MEC) para a área da Saúde.

Palavras-chave: Competência Profissional; Educação Profissional; Promoção daSaúde; Processo de Trabalho; Currículo.

Abstract: This article deals with an issue that has been very discussed by qualifyinginstitutions and by the several actors involved in the issue of the need for changingthe Brazilian model of health care, aiming at consolidating the Unified HealthSystem [Sistema Único de Saúde SUS]: the professional qualification for workerscommitted to such changes. The reflections herein point out the relevance ofconsidering the political-assistential paradigm of SUS as the guide for proposalsto qualifying the sector’s workers, discussing the meaning brought by the Policyon Professional Education – as defined by the Ministry of Education – to theHealth field.

Keywords: Professional Competence; Professional Education; Health Promotion;Working Process; Curriculum.

Análise

1 Os textos apresentados nos itens 1, 3 e 4 desteartigo representam uma síntese das exposições dasdoutoras Marise Ramos, Milta Torrez e NeiseDeluiz, durante a realização do Seminário:Certificação de Competências para a Área da Saúde:os desafios do PROFAE, cujos anais forampublicados pelo Ministério da Saúde, Brasília,2001.

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○Formação

O parad igma po l í t ico-ass is tenc ia lorientando as propostas de educaçãoprofissional

No contexto atual de mudanças noprocesso de trabalho em saúde, coma introdução de inovações tecno-lógicas e de novas formas de orga-nização do trabalho, torna-se funda-mental para o desenvolvimento daspráticas profissionais considerar ocontexto e a concepção de saúde, quetêm como referências doutrinárias aReforma Sanitária e como estratégiasde reordenação setorial e institucionalo Sistema Único de Saúde (SUS)(Brasil, Ministério da Saúde, 1999).

Essas referências estão inspiradasno paradigma da Promoção da Saúde,que aponta para a formulação de umconceito ampliado de saúde, trans-cendendo a dimensão setorial deserviços e, ainda, considerando ocaráter multiprofissional e interdis-ciplinar desta produção. No âmbitodo Governo e da sociedade em geral,aumenta a consciência da necessidadede reordenação do Sistema de Saúde,no sentido de conquistar essa novadimensão do trabalho. Isso requer,dentre outras questões, a compreensãoglobal do processo de trabalho, umamaior articulação entre os diversossetores e a recomposição dos traba-lhos antes parcelados.

Assim, a atenção à saúde – e nãoapenas a a s s i s t ênc ia médica –incorpora novos espaços de atuaçãoprofissional e novos processos detrabalho, requerendo efetivo compro-mis so dos t raba lhadores com aconcepção ampl iada de saúde ,estabelecendo-se a transcendência dosetorial e uma diversificação doscampos de prática.

Por outro lado, a integralidade daa tenção , reconhec ida como umprincípio que contempla as dimensõesbiológicas, psicológicas e sociais doprocesso saúde-doença, deve serdifundida como uma nova cultura dasaúde na educação profissional. Pode-se afirmar, então, que o paradigmapolítico-assistencial torna-se tambémpolítico-pedagógico, orientando as

propostas de educação profissionalpara o setor.

A análise do processo de trabalhoem saúde permite evidenciar osconhecimentos e as relações de tra-balho que estruturam a atividadeprofissional. Essa análise, no entanto,deve se dar numa perspectiva tota-lizante, em que sejam consideradosnão apenas os determinantes técnicos,operacionais e organizacionais doprocesso de trabalho, mas também osdeterminantes de caráter econômicose produtivos, físicos e ambientais,históricos e sociais, culturais e polí-ticos. Deve considerar também que ostrabalhadores compõem essa reali-dade objetiva, construindo relações detrabalho intersubjetivas. Disso sedepreende que a formulação de pro-postas de educação profissional paraos trabalhadores da área da Saúde nãopode se restringir à dimensão técnico-ins t rumenta l , tornando-se umasimples estratégia de adaptação àsnecessidades do processo produtivo.

A investigação do processo detrabalho deve permitir identificar nãoapenas as atividades que lhe são per-tinentes mas, fundamentalmente, devepermitir evidenciar os conhecimentosde caráter técnico-científico e socio-cultural que nele estão expressos.

A adoção do modelo de com-petências para a formação profissionalde nível técnico em saúde deve levarem conta que a s competênc ia sprofissionais são construídas pelospróprios trabalhadores, como sujeitosdeste processo e que tanto os espaçosformativos quanto as organizações detrabalho deverão se constituir em“instâncias qualificadoras”, propi-c iando aos a lunos condições departicipação, de diálogo, de nego-ciação e de intervenção. Isso implicaem mudanças nas estratégias peda-gógicas, com redefinição do papel dosdocentes e discentes nas escolas, e naorganização dos processos de trabalhonas instituições empregadoras. Par-t indo des sa compreensão , e s semodelo deverá possibilitar a cons-trução de competências ampliadas,abrangendo várias dimensões ainda

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2 O texto apresentado neste item foi adaptado deRamos, Marise. A Pedagogia das Competências:Autonomia ou Adaptação? Capítulo III. SãoPaulo, Cortez, 2001.

pouco reconhecidas ou valorizadas naorganização do trabalho, tais como ainiciativa, a autonomia e o trabalhoem equipe.

Reorientando a prática pedagógica nasescolas : questões referentes à Políticade Educação Profissional Brasileira2

A noção de competênc ias napolítica educacional brasileira semanifes ta nos planos es trutura l(estruturar processos educativos) econceitual (organizar o processopedagógico). As reformas curricularesvisam reorientar a prática pedagógicaorganizada em disciplinas para umaprática voltada para a construção decompetências.

A estrutura da educação pro-fissional com base em competênciasé constituída pelas seguintes etapas:

a) análise do processo de tra-balho, para a definição do perfil decompetências. Essa etapa foi realizadapela Secretaria de Educação Média eTecnológica (SEMTEC/MEC), pormeio de comissões técnicas com-postas por professores e profissionaisdo setor ou área de produção. A partirda investigação dos processos detrabalho (análise funcional), foramdefinidas 20 áreas profissionais,dentre as quais, a área da Saúde;

b) normal i zação das compe-tências, quando se estabelece umacordo social em torno do perfil,gerando as normas de competênciaque servem de referência para osdesenhos curriculares e para a ava-liação. As normas de competênciarelacionadas às áreas profissionaisassumiram o formato de documentosdesenvolvidos em três níveis:

· no primeiro nível estão asDiretrizes Curriculares Nacionais daEducação Prof i s s iona l de Níve lTécnico (DCN), que conferem carátermandatár io aos per f i s de com-petências, acompanhados das respecti-vas cargas horárias mínimas a seremobedecidas pelas instituições quandoda implementação de cursos;

· no segundo níve l es tão osReferenciais Curriculares Nacionais

(RCN) descrevendo as funções, assubfunções, as competências , ashabilidades e as bases tecnológicaspara cada área profissional. Essesdocumentos não têm caráter manda-tário, mas apenas o propósito desubsidiar as escolas na elaboração dosperfis profissionais de conclusão e naorganização e planejamento doscursos (Brasil. CNE/CEB. Resoluçãonº 4/99, art. 7º, § 1º);

· no terceiro nível estão as insti-tuições formadoras, incumbidas daelaboração dos planos de curso, dosquais devem constar: justificativa eobjetivos; requisitos de acesso; perfilprofissional de conclusão; organi-zação curricular; critérios de aprovei-tamento de competências; critérios deavaliação; recursos físicos e humanos;certificados e diplomas (id., art. 10).

c) formação por competência ,realizada por meio de um currículodesenhado com base no perfil decompetência; e

d) avaliação por competência ,com base nas normas definidas.

Por se referirem à área profissional,as competências definidas nas Dire-trizes Curriculares Nacionais sãoabrangentes e definidas, portanto,como competências profissionaisgerais. Técnicos com habilitaçõesdiversas, mas relativas a uma mesmaárea, devem deter as mesmas compe-tências profissionais gerais, às quaisdevem ser acrescidas as competênciasprof i s s iona i s e spec í f i cas dahabilitação.

Um perfil profissional, então, seriade f in ido por t rê s c l a s se s decompetências:

· competências básicas – desen-volvidas na educação básica;

· competências prof iss ionaisgerais – voltadas para o exercício dediversas atividades dentro de uma área

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○Formação

profissional, independentemente dahabilitação específica. Essas com-petências, como já mencionado,foram definidas pelas DCN;

· competências prof iss ionaisespecíficas, próprias de uma habi-l i tação – def inidas , sem carátermandatário, nos RCN. (id., art. 6º,parágrafo único).

A partir dessas definições, as insti-tuições educativas são desafiadas aconstruírem seus planos de curso,propondo uma organização curricularcom base em competências.

A escola enfrentando desafios

O desafio de incorporar a noçãode competência nos processos deformação implica em compreenderquais elementos estão subjacentes aela (evidenciar quais são os conhe-cimentos ou os conteúdos efetivos dacompetênc ia , cons iderando oconjunto de conhecimentos de carátersociocultural , técnico-científ ico,dentre outros) . I sso impl ica emconhecer quais elementos ou aspectosvalorativos se manifestam na com-petência, assumindo que a construçãodo conhecimento não pode estarlimitada a uma perspectiva opera-cional, instrumental ou da execuçãode tarefas.

A reflexão sobre o conceito decompetência remete as suas trêsd imensões : à s capac idades , à satividades de trabalho e ao contextoem que essas atividades são rea-lizadas. Essas três dimensões cons-tituem os elementos implícitos àcompetência. As capacidades sãofundamentalmente os recursos cog-nitivos que são desenvolvidos e aosquais se recorre para realização dealguma atividade. As competências,no entanto , são exerc idas emcontextos especí f icos , com suascaracter ís t icas e pecul iar idades.Construir um processo de formação,que associe essas três dimensões,implica investigar as capacidadesfundamentais a que se recorre pararealizar as atividades com êxito eper t inênc ia em contextos desa-fiadores. Implica, portanto, estudar e

identificar quais são os elementos quepodem levar a um desempenhocompetente. Assim, é importanteconsiderar que nenhum fazer em si,isoladamente, expressa efetivamenteas competências de uma pessoa; seassim fosse, poderia-se pensar emformação unicamente pela perspectivado treinamento, pois se uma pessoarepete tarefas suficientemente bem,quantas vezes seja necessário, sededuziria que ela adquiriu as res-pectivas competências. Essa visão estálonge de remeter a uma idéia decompetência como um constructomais complexo.

Nesse sentido, como pensar umaformação baseada em competênciaque não l imite a construção doconhec imento à repet i ção ou àseleção de conteúdos valorizados porserem úteis ou pragmáticos? Comorealizar uma formação que valorizetodo o conjunto de conhecimentoscientíficos e socioculturais, com afinalidade de ir além do que pode serobservado mais diretamente comoexpressão de uma competência? E,ainda, como avaliar as competênciasa partir de um desempenho obser-vado, uma vez que elas são maisamplas e complexas do que odiretamente observável?

O que se apresenta como desafiopara a educação e para a escola éjustamente saber até que ponto oscurrículos, da forma como estãoestruturados, são capazes de desen-volver competências efetivas. Até queponto os currículos, tal como hoje sãoconstruídos, levam o estudante aenfrentar situações de aprendizagemsignificativas, fazendo-o se sentirdesafiado frente a situações reais devida e de trabalho? Há, portanto, umquest ionamento essenc ia l sobrecurrículo disciplinar, mas a questãofundamenta l va i a l ém de umadiscussão da validade (ou não) dosaber disciplinar. O desafio de buscarnovas estratégias de ensino, do pontode vista formativo, é algo posto nãope la emergênc ia da noção decompetência, mas pela reflexão sobreo pape l da e sco la . A noção de

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competência traz uma oportunidadeimportante para o enfrentamentodesse debate, até se conseguir ultra-passar o risco de limitar as práticaspedagógicas ao tecnicismo. É neces-sário pensar quais referências teórico-metodológicas orientarão o debate,considerando a realidade do mundoprofissional, político e social. Acons t rução de saber rea lmentesignificativo implica uma reflexãosobre a competência numa dimensãohumana e social, isto é, para além deuma característica própria do sujeitoindividual ou abstrato.

Construindo o processo de formação combase em competências

Como sujeito social, a escola temum papel fundamental que ultrapassaà formação específica para o exercícioprof i s s iona l , uma vez que e s sainstituição é capaz de estabelecerrelações com o conhecimento social-mente construído, trazendo-o para arealidade mais específica do exercícioda atividade. Assim, a escola deve seabrir para o mundo do trabalho, paraa realidade, incorporando o fato deque os saberes são sempre contextua-lizados. A pedagogia das compe-tências é uma provocação para essaabertura, uma vez que possibilita res-gatar a importância do conhecimentosignificativo, de construir o conhe-cimento e os processos de ensino-aprendizagem, tendo como moti-vações fundamentais as experiênciase a realidade do mundo em geral.

Entretanto, se o currículo forestruturado com base na transferêncialinear das análises do processo detrabalho para a escola, corre-se ogrande risco de torná-lo tecnicista.No caso da saúde, uma formaçãomais ampla, a partir de uma leiturada rea l idade que t ranscenda aperspectiva biológica, é algo que deveestar presente no esforço de mudançados curr ícu los para a educaçãoprofissional. Quando se afirma que aquestão saúde é intersetorial, inter-disciplinar, estabelecem-se relaçõespolítico-pedagógicas no currículo, asqua i s or ientarão a formaçãoprofissional.

Cons iderando a competênc iamuito mais como um ato social doque como a expressão de conhe-cimentos acumulados, é possívelcompreender que compromisso ésubjetivamente mobilizado e cons-t ru ído em pro l de uma a t i tudecompetente. Essa forma de concebercompetência vem ao encontro doconceito de saúde como qualidade devida, preconizado pelo SUS. Essecompromisso implica, sem dúvida, nabusca de conhecimentos e expressauma visão política e pedagógica dacompetência, já que transcende atécnica. Da mesma forma, a compre-ensão do cuidar em saúde, para alémda atenção à doença instalada, levaao compromis so de entender acompetência também como expressãoda responsabilidade. Considerandoque, ética e filosoficamente, compro-misso e responsabilidade são par-ceiros da autonomia, é indispensávelque o processo formativo e a orga-nização do trabalho admitam que asações prof iss ionais competentestranscendam às prescrições, nãosendo, contudo, sinônimo de inde-pendência, e sim de interdepen-dência, entendida como responsabili-dade (compromisso entre as partes) ereciprocidade (interação). Nesta pers-pectiva, a instituição formadora, aotraduzir as competências necessáriaspara o cuidar em saúde, precisa tercompetência política para superaruma compreensão do conceito decompetência limitado apenas a suadimensão técnica, geralmente apre-endida de forma fragmentada.

A política de currículo para aeducação profissional baseada nasDiretrizes e nos Referenciais Cur-riculares Nacionais desafia todos aterem competência política, pedagó-gica, técnica e ética para compreenderqual o significado dessa mudança parao setor Saúde.

A elaboração do perfil de competênciasprofissionais do auxiliar de enfermagem:uma experiência em construção

A ordenação da formação derecursos de humanos se constituinuma responsabi l idade pol í t ico-

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○Formação

3 Programa de Incentivo a Mudanças Curricularesnos Cursos de Medicina – Uma nova Escola Médicapara um novo Sistema de Saúde; Capacitação emDesenvolvimento de Recursos Humanos de Saúde– CADRHU; Desenvolvimento Gerencial deUnidades Básicas do Sistema Único de Saúde(GERUS/SUS).

institucional do Ministério da Saúdee , nes te sent ido , dentre outrasiniciativas3 , o Projeto de Profissiona-lização dos Trabalhadores da Área deEnfermagem (PROFAE), está sendoimplementado com o objetivo dequalificar trabalhadores desta áreaque exercem sua profissão de formairregular em termos educacionais,ético-profissionais e trabalhistas. Aomesmo tempo, o PROFAE a tuaviabilizando condições de continui-dade e sustentabi l idade para osprogramas de formação de níveltécnico, buscando garantir a qualidadeda assistência em enfermagem eimpedir que um novo contingente detrabalhadores em situação irregularpossa surgir. Para concretizar essesobjetivos, o Projeto desenvolve duaslinhas de ação: redução do déficit depessoal qualificado em auxiliar deenfermagem para atuar no setor ereforço do quadro normativo e deregulação na área da Saúde, com acr iação de condições t écn ico-financeiras para a continuidade dosprocessos de formação técnica emsaúde, em especial do pessoal deenfermagem. O Sistema de Certifi-cação de Competências (SCC) seinsere no Projeto e está voltadoexclusivamente para os egressos doscursos de qualificação profissional emauxi l iar de enfermagem por e leimplementados.

Para a implantação do SCC estãoestruturados três grandes processosou etapas, interligados e interde-pendentes: a padronização ou anormalização; a construção de cur-rículo baseado em competências, aavaliação e a certificação. Essa meto-dologia segue o padrão internacionalde processos de certificação; entre-tanto, o SCC/PROFAE ajustou as me-todologias pertinentes ao desenvolvi-mento de cada uma dessas etapas àsespec i f ic idades do se tor Saúde,particularmente à Enfermagem.

A primeira etapa para a construçãodo sistema – padronização ou anormalização, consistiu na elaboraçãoda “norma de certificação” , cujoconteúdo indica as competências

profissionais do auxiliar de enfer-magem, pactuadas entre os diversosatores envolvidos com o trabalhodeste profissional (trabalhadores daárea de Enfermagem em gera l ,gestores e empregadores, órgãos declasse etc.). Um aspecto fundamentalda norma é sua consistência com oque rege a prática profissional, ouseja, sua coerência com a maneira pelaqual a prática é definida pelos atoresque dela participam.

A norma orienta a definição dasestratégias de avaliação (incluindo aelaboração e aplicação de provas) epode servir de base para a construçãode curr í cu los baseados emcompetências.

O processo de construção da norma:breve relato da metodologia utilizada

Embora as atribuições do auxiliarde enfermagem es te jam regu la -mentadas em lei, a metodologia deimplementação do SCC exigiu adefinição e validação do perfil deações desse profissional como pré-requisito para a elaboração da norma.Ao mesmo tempo, o processo deelaboração e validação do perfil deações do auxiliar de enfermagemabriu, para a área da Saúde, uma opor-tunidade de identificar as necessidadesde adequação desse perfil ao modelode atenção à saúde definido pelo SUS,bem como aos Referenciais Curricula-res Nacionais da Educação Profis-sional de Nível Técnico para a áreada Saúde, do Ministério da Educação.

A elaboração do perfil de ações doauxiliar de enfermagem envolveu duasfases: na primeira, foi sistematizadauma proposta preliminar do perfil,mobilizando profissionais das dife-rentes áreas de atuação da enferma-gem, das várias regiões do País; nasegunda, a versão preliminar do perfil

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foi submetida a um processo devalidação, sendo utilizado um modelode pesquisa qual i ta t iva (gruposfocais), que permitiu não apenasvalidar o perfil apresentado, mastambém ident i f i car a s reações ,percepções e a compreensão dosentrevistados em relação à proposta.

Para a quantificação e definiçãodos grupos, algumas variáveis pas-síveis de gerar e explicar as variaçõesno perfil do auxiliar de enfermagemforam consideradas, tais como: adiversidade regional do País; asdiferenças entre capital e interior; asvisões dos vários segmentos profis-sionais mais diretamente envolvidoscom o t raba lho do aux i l i a r deenfermagem; o tipo, o tamanho e acomplexidade das instituições em queo auxiliar de enfermagem desenvolveseu trabalho. Considerando essaspremissas, a pesquisa foi desenhadada seguinte forma:

• locais de realização: Belém(PA); Recife (PE); Belo Horizonte(MG); Curitiba (PR); e Campo Grande(MS), garantindo a representatividadede todas as regiões do País;

• participantes dos grupos: 150profissionais, reunindo auxiliares deenfermagem, enfermeiros dos serviçosde saúde, docentes envolvidos com aformação do auxiliar de enfermagem,empregadores e ges tores , todosrecrutados em diferentes tipos deinstituições (públicas, privadas, depequeno, médio e grande porte, debaixa, média e alta complexidade, dacapital e do interior do estado);

• tipos de grupos:

a) formado apenas por auxiliaresde enfermagem da rede básica (centrose postos de saúde) e de hospitais ouclínicas, da rede pública e privada;

b) reunindo empregadores deauxiliares de enfermagem (admi-n i s t radores de hosp i ta i s ou declínicas, gerentes de postos de saúde)e gestores da área da Saúde (secre-tários municipais ou seus executores);

c) integrado por enfermeirosatuantes nas instituições de saúde e

docentes responsáveis pela formaçãode auxiliares de enfermagem.

A técnica utilizada na pesquisa foia de discussão em grupo, conduzidapor uma moderadora, com o apoio deum roteiro e do instrumento definidopara a pesquisa (a versão preliminardo perfil de ações do auxiliar deenfermagem). As reuniões foram gra-vadas em fitas de áudio e posterior-mente transcritas para a análise deseus conteúdos. Uma só profissionalmoderou todos os grupos e fez aanálise de seus conteúdos.

O roteiro de discussão, para todosos grupos, continha dois blocos: indi-cação espontânea, pelos participantes,das ações realizadas pelos auxiliaresde enfermagem, a partir de suas dife-rentes visões e realidades profis-sionais; e apresentação, pela mode-radora, da versão preliminar do perfilde ações do auxiliar de enfermagempara discussão da pertinência e ade-quação das ações, bem como mani-festação das percepções e compreen-são dessas ações pelos participantes.

Como o perfil de ações do auxiliar deenfermagem foi transformado na normade certificação de competências

A elaboração da norma pautou-seem três pressupostos consideradosessenciais:

· a coerência interna em relaçãoao conceito de competência (ampla-mente d i scut ido no documento“Referências Conceituais para aOrganização do Sistema de Cer-tificação de Competências/PROFAE”)assumido pelo Projeto;

· a necessidade de contemplartodos os aspectos relacionados àprática do auxiliar de enfermagem,considerando suas especificidades emrelação a locais de produção dosserviços; formas de inserção, orga-nização e regulação do trabalho; ea tendimento das demandas dosindivíduos, grupos e coletividades;

· a observância a leis, decretos,resoluções e pareceres que regulam aformação e o exercício profissionaldo auxiliar de enfermagem.

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○Formação

4 Conselho Consultivo Nacional foi instituído comoparte da estrutura organizativa do SCC/PROFAE.Tem atribuições de articulação e negociaçãopolítico-institucional, além da apreciação ehomologação de propostas e produtos em etapascríticas do processo de implementação do sistema.É integrado por representantes dos Ministériosda Saúde, Educação e Trabalho e Emprego, doConselho Nacional de Saúde, do ConselhoNacional dos Secretários Estaduais de Saúde, doConselho Nacional dos Secretários Municipaisde Saúde, da Associação Brasileira de Enfermagem,do Conselho Federal de Enfermagem, da CentralÚnica dos Trabalhadores, da Federação Brasileirade Hospitais e da Confederação Nacional dosTrabalhadores da Saúde.

Diante do exposto, o perfil deações do auxiliar de enfermagemvalidado foi analisado e reinter-pretado no sentido de identificar oseixos integradores que estruturam aprática deste profissional. Foramidentificados seis eixos: a promoçãoda saúde e prevenção de agravos; aobservação, coleta e registro deinformações; a assistência na recupe-ração da saúde; a assistência emsituações de urgência e emergência;a organização do próprio trabalho; eo planejamento e avaliação, em equi-pe, do trabalho das unidades de saúde.

A par t i r des ses e ixos , foramdescritas as competências profis-sionais do auxiliar de enfermagem,buscando expressá- las de formaampliada e abrangente às váriasd imensões do t raba lho des teprofissional.

A equipe que elaborou a normadedicou especial atenção para que area l idade de t raba lho (bas tanteexplicitada na pesquisa de validaçãodo perfil de ações do auxiliar deenfermagem), por vezes pressionadapor déficits de profissionais ou pordificuldades econômicas, não ditasseum perfil profissional distorcido. Anorma buscou atender aos objetivosdo PROFAE e par t i cu larmentepermitir a verificação de lacunas ef rag i l idades na formação dostrabalhadores, estimular uma atitudeavaliativa das instituições formadorase fornecer subsídios para a construçãode currículos estruturados em compe-tências. Essas características impri-miram um modelo de norma com umaredação mais generalizável, abran-gente e ampliada, de forma a caracte-rizar o trabalho em equipe. Alémdisso, a norma buscou traduzir anecessidade de implementação de umanova organização do processo detrabalho em saúde que rompa com oantigo padrão de fragmentação erotinização de tarefas, caracterizandoum perfil de desempenho ampliadopara o auxiliar de enfermagem, talcomo é exigido pelas bases legais,políticas e estratégicas desenvolvidaspelo Ministério da Saúde. A norma

procurou traduzir essas novas pers-pectivas, entendendo que todas ascompetências nela especificadas sãocumpridas segundo o planejamento eas normas dos serviços de saúde, ondejá estão embutidas as capacidades decada categoria profissional, conformesua especificidade e normas legaisvigentes.

Cons iderando a re levânc ia ecomplexidade do assunto, a cons-trução da norma envolveu váriasetapas de trabalho e contou com aparticipação de profissionais da áreade Enfermagem das várias especia-l idades e regiões do País. Dessaforma, foi elaborada uma minuta,submetida a consulta pública por umperíodo de 40 dias e posteriormentehomologada pelo Conselho Consul-tivo Nacional do Sistema de Certifi-cação de Competências/PROFAE4 .Assim, a norma de certificação decompetências do auxiliar de enfer-magem é resultado de um consensoentre os atores sociais envolvidos como trabalho deste profissional.

Essa norma, entretanto, deverá seranalisada, revisada e integrada aoper f i l de ações do técn ico deenfermagem tão logo seja elaboradoe validado.

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Reflexões Finais

As idéias apresentadas neste artigobuscaram levantar questões relevantespara o debate sobre o complexo temada formação profissional na área daSaúde, tendo como premissa prin-cipal a importância dessa formaçãoestar referenciada na Política de Saúdeassumida pelo Ministério da Saúde,que propõe a inversão do modelo deatenção (priorizando a promoção dasaúde e a prevenção de agravos), aênfase na atenção básica e a regio-nalização e hierarquização das ações.Por outro lado, a Política de EducaçãoProfiss ional , implementada peloMinistério da Educação, determinaque as instituições formadoras reor-ganizem seus currículos de formaçãocom base no modelo de competência.A reflexão sobre esses dois aspectosremete a pelo menos duas questões:que os espaços formadores deveminvestir esforços nas mudanças dosmétodos de ens ino e em novaspropostas de formação docente e queos espaços de trabalho devem permitiraos trabalhadores a expressão de suascompetências, em termos de auto-nomia, iniciativa, participação, diá-logo, negociação e intervenção sobreas situações próprias ao seu trabalho.

Do ponto de vista da escola, se aformação do trabalhador de saúdeestiver reduzida à esfera puramenteprofissional, em detrimento de umaformação integral que abranja adimensão da cidadania, isto signi-ficaria uma abordagem reducionistado conceito de competência. Damesma forma, a apropriação acríticadesse conceito conduziria a umaabordagem ind iv idua l i zante eindividualizada da formação.

É necessário, portanto, não perderde vista a perspectiva histórica doprocesso de trabalho e de formação,uma vez que as competências variamhistoricamente, de acordo com oscontextos sociais , econômicos eculturais, e dependem dos embatesentre as visões de mundo dos diversosatores sociais. Na área da Saúde, éfundamental que a nova visão dequa l idade se ja incorporada aos

processos de formação, garantindo aperspect iva da humanização docuidado, o que envolve os aspectoséticos, a organização do trabalho, atecnologia (no sentido amplo), oprocesso de trabalho, a equipe desaúde e o usuário dos serviços.

A competênc ia deve sercompreendida como um conceitopolítico-educacional amplo, comoum processo de articulação e mobi-lização de conhecimentos gerais eespecíficos, de habilidades teóricas epráticas, de exercício eficiente dotrabalho, que possibi l i te ao tra-balhador participação ativa, cons-ciente e crítica no mundo do trabalhoe na esfera social.

Nota: Os documentos: Referências Conceituais paraa Organização do Sistema de Certificação deCompetências/PROFAE, Relatório Final daPesquisa de Validação do Perfil de Ações doAuxiliar de Enfermagem, Norma para aCertificação de Competências do Auxiliar deEnfermagem/ PROFAE encontram-se disponíveisno site: www.profae.gov.br.

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○Formação

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Dilemas da regulamentaçãoDilemas da regulamentaçãoDilemas da regulamentaçãoDilemas da regulamentaçãoDilemas da regulamentaçãoprofissional na área da Saúde:profissional na área da Saúde:profissional na área da Saúde:profissional na área da Saúde:profissional na área da Saúde:

questões para um governoquestões para um governoquestões para um governoquestões para um governoquestões para um governodemocrático e inclusionistademocrático e inclusionistademocrático e inclusionistademocrático e inclusionistademocrático e inclusionista

Dilemmas on professional regulationDilemmas on professional regulationDilemmas on professional regulationDilemmas on professional regulationDilemmas on professional regulationin Health field: issues for ain Health field: issues for ain Health field: issues for ain Health field: issues for ain Health field: issues for a

democratic and inclusivedemocratic and inclusivedemocratic and inclusivedemocratic and inclusivedemocratic and inclusiveGovernmentGovernmentGovernmentGovernmentGovernment

Sábado Nicolau GirardiDoutorando em Saúde Pública – Escola Nacional de Saúde Pública (ESPN/FIOCRUZ)

Paulo Henrique SeixasDiretor da Coordenação Geral de Políticas de Recursos Humanos do Ministério da Saúde

Resumo: O artigo parte da identificação de uma lógica dual nas demandas porregulamentação profissional na área da Saúde no Brasil: ampliação deprerrogativas monopólicas no exercício das atividades profissionais versusdemandas por reconhecimento. Conceituando a regulação profissional comopolítica pública, discute razões, vantagens e problemas atribuídos à regulamentaçãodas atividades profissionais, com foco na área da Saúde. À luz dessasconsiderações, o artigo apresenta alguns exemplos representativos do que definecomo novo paradigma da regulamentação profissional, desenvolvidos emexperiências internacionais, para finalmente situar a questão nacional dentro deum contexto mais amplo de possibilidades de entendimento e ação política.

Palavras-chave: Reforma Regulatória; Regulamentação Profissional; RecursosHumanos em Saúde; Profissões de Saúde; Políticas Públicas.

Abstract: The article is based on the identification of a dual logic in the demandfor professional regulation in Health field in Brazil: the expansion of monopolistprerogatives in the exercise of professional activities versus the demand forrecognition. Understanding the professional regulation as public policy, itdiscusses reasons, advantages and problems related to the regulation of professionalactivities, focusing on the Health field. In the light of such considerations, thearticle brings some representative samples on what it defines as the new paradigmfor professional regulation, developed in international experiences and, finally,it places the national issue in a broader context of possibilities of understandingand political action.

Keywords: Regulatory Reform; Professional Regulation; Human Resources inHealth; Health Professions; Public Policies.

Análise

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○Formação

Introdução

O per íodo recente tem s idomarcado por uma relativa turbulênciana arena da regulamentação profis-sional na área da Saúde. Mais que aum crescimento simplesmente quanti-tativo, assiste-se a uma importantediferenciação destas demandas e istoem duas direções. Em primeiro lugar,a s s i s te - se a uma ampl iação dasaudiências da regulamentação profis-sional. Muitas das disputas entre asprofissões do setor que eram travadasprincipalmente nos locais de trabalhoatingem hoje, com renovado vigor, aesfera pública. E mais que isso, se osesforços realizados pelas profissõespara alcançar seus pleitos se dirigiam,até muito recentemente, sobretudo,aos apoios do poder legislativo e ao“convencimento” do executivo, hojeeles avançam em direção à opiniãopública e ao judiciário. Este último,que era acionado principalmente parareso lver d i sputas ind iv idua i s ,envolvendo especialmente processosde erro profissional e questões rela-cionadas à prática ilegal das profis-sões, passa a ser crescentementechamado para resolver disputascoletivas entre as profissões. Asprofissões de saúde têm se valido cadavez mais de decisões judiciais paralegitimar, em contextos mais amplos,as resoluções expedidas pelos res-pectivos conselhos profissionais. Asdisputas em torno do exercício plenoda acupuntura pelos diversos pro-fissionais de saúde, constituem apenasum, dentre muitos exemplos. Essatransformação é decisiva, uma vez queo judiciário passa a ser um ator depeso no processo de legitimação dasdemandas de regu lamentaçãoprofissional. É preciso notar que essemovimento se inscreve dentro de umprocesso mais amplo que correspondeao que Habermas (1987), entre outrosautores, define como processo dejudicialização das políticas sociais,carac ter í s t i co das democrac ia scontemporâneas1 .

Em segundo lugar, é possívelidentificar uma nova qualidade nasdemandas de regulamentação profis-

sional na área da Saúde. Na verdade,observa-se uma dualidade nas de-mandas. Por um lado, as profissõesregu lamentadas do se tor, comprerrogativas de autogovernar-se,disputam em torno dos atos privativosou exclusivos. Numa palavra, oaumento da concorrência interpro-fissional tem levado a uma disputa porampliação de prerrogativas mono-pólicas no exercício de atividades eserviços profissionais na área daSaúde. Os recentes Projetos de Lei do“Ato Médico” e do “Ato de Enferma-gem” constituem os exemplos maisclaros. Ao lado dessas demandas,existem aquelas que expressam, maisque tudo, lutas por reconhecimento.A maior parte dos projetos relativosàs práticas complementares e alter-nativas e à regularização de profissõesexercidas de forma ilegal (os prá-ticos), que constituem a maioria dosprojetos tramitando no Congresso, selocaliza nesta segunda categoria. Oreconhecimento dessa dualidade nasdemandas de regulamentação profis-sional tem implicações práticas eteóricas. No plano teórico, a questãoexige uma abordagem que ultrapasseexplicações relativas aos processos deprofissionalização baseados exclusiva-mente na rea l i zação do “auto-interesse” e da concorrência por juris-dições de trabalho. É preciso incor-porar às análises, a categoria do re-conhecimento social , tratada noâmbito das chamadas políticas dadiferença e das políticas do reconhe-cimento. No plano prático, a questãoexige um tratamento diferenciadodessas demandas, se quisermos, paradizer o mínimo, dar a elas um trata-mento justo e digno de uma sociedadedemocrática “inclusionista”.

O presente ar t igo tem comoobjetivo trazer à tona alguns ele-mentos que, acreditamos, contribuemcomo subsídio para este debate.Apresentamos, de início aspectosgerais da regulação entendida comoempreendimento simultaneamenteético e econômico. Em seguida dis-

1 Para uma discussão do processo, ver especialmenteVianna et al.(1999).

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cutimos razões, vantagens e pro-blemas atribuídos à regulamentaçãodas atividades profissionais, com focona área da Saúde. À luz dessas consi-derações, trazemos alguns exemplosrepresentativos do que chamamos denovo paradigma da regulamentaçãoprofissional, desenvolvidos em expe-riências internacionais para finalmentesituarmos a questão nacional dentrode um contexto mais amplo de pos-sibilidades de entendimento e ação.

Considerações gerais sobre a regulação

Na tradição da economia política,o termo regulação engloba um amploespectro de políticas disciplinadorasdas atividades econômicas e sociais,visando não apenas seu controle comoà prevenção ou atenuação de suasconseqüências para a comunidade. Noprimeiro caso, fala-se em regulaçãoeconômica e no segundo, em regulaçãosocial (Samuelson, 1992). Esque-maticamente falando, as políticas dessaregulação compreendem regras deentrada e saída em determinadosmercados, controle dos preços e lucros,variedade e padrões de qualidade dosbens e serviços, regras de concorrênciaetc. A regulação econômica se justificapela existência de falhas de mercado,por motivos que envolvem economiasde escala (por exemplo, na produçãode bens públicos), concentração depoder de mercado (monopólios) e graveslacunas de informação entre produtorese consumidores ou clientes. Por seuturno, a regulação social visa conter avariedade de efeitos negativos ouexternal idades que resultam domovimento normal da economia,incluindo as regulações ambientais edemais medidas para promover a saúdee a segurança dos trabalhadores econsumidores. Juntamente com aspolíticas redistributivas e as políticasmacroeconômicas de estabilização, aregulação dos mercados constitui otriunvirato das intervenções legítimasdo Estado na economia.

De um modo bastante simpli-ficado, o que existe de comum emtoda e qualquer regulação é que elarepresenta uma “restrição intencionalda livre escolha de um sujeito pro-

veniente de uma fonte externa que nãoas partes diretamente envolvidas”(Mitnick, 1989). Em outros termos,a regulação corresponde a umaintervenção pública (ou da política)sobre a soberania dos mercados (oudo jogo das trocas entre os agentesdescentralizados na economia).

Um dos resultados da regulação –muitas vezes mesmo um dos seusobjetivos – é que ela opera umaredistribuição de riscos e privilégios,vantagens e prejuízos entre pessoas,grupos e setores da sociedade por elaafetados, num sentido distinto daqueleque seria o resultado das interações seestas fossem deixadas ao livre sabor dasforças do mercado – entendido aqui naacepção braudeliana de um “jogo detrocas” entre agentes descentralizados.

Por i s so , prec i samente , umsignif icado socialmente compar-tilhado nas sociedades que valorizama “l iberdade” dos mercados e aautonomia decisória dos indivíduos,é que toda regulação, para ser vistacomo legítima ou não tirânica, deveser constantemente justificada e nãoapenas em termos de ef ic iênciaalocativa, mas também de justiçadistributiva2 . Nesse sentido, a regu-lação tem que propiciar alocações edistribuições não apenas diferentes,mas melhores que a dos mercados.Pode-se dizer, com efeito, que toda acrítica da regulação das teorias que avinculam a políticas de grupos deinteresse até as teorias que concebema regulação como apenas mais umadentre as mercadorias trocadas nomercado da política e das burocraciaspúblicas, que carregam, em comum,este traço3 . Varia, no entanto, o pesoque atribuem cada uma delas aostrade offs entre eficiência e justiça.

2 Utilizo o termo tirania na acepção de Fishkin (1979).3 Na verdade, a discussão sobre os benefícios

diferenciais da regulamentação das atividadeseconômicas e sociais – e mais restritamente, daintervenção governamental – tem ocupado toda ahistória da economia moderna, com o pêndulodas avaliações, ora tendendo para o lado dosconsumidores de bens e serviços, ora para o ladodas indústrias e negócios regulados – o fiel semprerepresentado pela noção da utilidade pública. Aracionalidade da regulação, esgrimida tanto porseus defensores como detratores, é apresentada: autilidade ou o interesse público.

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○Formação

Cons iderando a regu lamentaçãoprofissional

A regulamentação das profissões éum cap í tu lo mui to e spec ia l daregulação econômica e social. Emcerto sentido, poder-se-ia dizer queas profissões são reguladas porque, sedeixadas por conta dos mecanismosde mercado, as atividades e serviçosque elas brindam à sociedade seriamalocados em níveis sub ótimos. Emoutras palavras, no balanço entrebenefícios e desvantagens, o exercíciolivre dessas atividades traria maisprejuízos para a sociedade que osporventura ocasionados pela suaregulamentação. Mas essa é apenasuma maneira de enfocar o problema.

Conforme bem situa o economistacanadense Robert Evans (1980), aquestão profissional evoca outrasdistinções. Diferentemente de outrasatividades econômicas e ocupações, osnegócios e atividades profissionaisfuncionam dentro de uma estruturamuito especial de regulação pública,constituída por leis, instituições defiscalização e controle do exercício,que definem e implementam tanto asregras para entrada nessas atividadescomo as normas de conduta técnica eética de seus membros. Mais que isso,essa estrutura especial de regulaçãopública é constituída por instituições,em larga parte, representada pororganizações dos próprios paresprof i s s iona i s que exercem, pordelegação, autoridade de Estado (osconselhos profissionais). De fato, aautoridade delegada pelo Estado paraautogoverno (ou autonomia corpo-rativa) parece ser, então a caracterís-tica que mais diferencia as profissões,não somente dos demais negócios eatividades econômicas, como dasocupações comuns. O poder deautogoverno concedido a uma pro-fissão guarda dois aspectos essenciais:o poder para licenciar ou autorizar ea habi l idade para discipl inar osind iv íduos l i cenc iados para oexercício profissional. Essencial-mente, o significado desse poder é aautoridade para decidir sobre questõesrelativas ao direito de prática, ou seja,

a quem será permitido ganhar a vidanaquela atividade e a quem não(Casey, 2001, p. 1).

Mas por que isso? Por que razãoo Estado e a sociedade brindariam aosistema das profissões com estruturasespeciais de regulação pública e,ainda por cima, com capacidade deautogoverno? Em geral, apresentam-se três argumentos básicos:

(i) a idéia de que o exercício dasatividades exercidas pelas profissõesimplica em riscos que podem afetarprofundamente a saúde pública, asegurança, o patrimônio e o bem-estardo público;

(ii) a idéia de que tais atividadesenvolvem habilidades complexas, comelevado teor científico e técnico, emgeral não acessíveis sem o concursode sistemas de formação profissionalcomplexos como as universidades;

(iii) a idéia de que a qualidade eos resultados do trabalho dos profis-sionais não são passíveis de julga-mento espontâneo do público leigo.

Os dois ú l t imos argumentos ,tecnicamente falando, o problema daas s imetr ia in formac iona l e dasdecisões errôneas, justificariam asprerrogativas de auto-regulação ouautogoverno concedidas pelo Estadoa muitas profissões.

As barreiras legais para entradanos mercados de trabalho – sob aforma do credenciamento educacionale da exigência de licenças e diplomas– emanadas em grande parte daspróprias corporações profissionais,estabelecem padrões mínimos deprática técnica e conduta ética esocial, que efetivamente mantêm osusuários de serviços relativamente asalvo de praticantes inescrupulosos eprofissionais incompetentes.

Por outro lado, a existência de umsistema inst i tucional de creden-ciamento ocupacional, que regula aquestão do direito de prática e do usode títulos profissionais, representauma importante economia para redesde provedores e consumidores indi-viduais com a obtenção de infor-

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mação sobre a qua l idade dosprofissionais existentes no mercado(Freidson, 1988; Williamson, 1996).Em tese, desde essa perspectiva, pode-se dizer que o problema dos custosde in formação nos mercadosprofissionais cresce na proporçãodireta do tamanho do mercado e emprogres são geométr i ca , com acomplexidade dos conhecimentosteórico-científ icos e habi l idadestécnicas necessárias para o exercícioda profissão. Sendo essas premissasverdadeiras, pode-se dizer que estesistema de “sinais de mercado”,propiciado pelos sistemas institu-cionais de regulação profissional, tãoserá mais confiável quanto maisrigorosamente for administrado apartir regras de excelência técnica eética que governam internamenteaquele campo de trabalho4 . Este é ooutro argumento que re força adelegação de auto-regulação a deter-minadas profissões, muito particular-mente no campo da saúde.

Entretanto, ao lado desses bene-fícios, as leis de exercício tambémcriam ex ante reservas de mercado,que podem implicar em monopóliosprofissionais mais ou menos extensossobre campos de a t iv idades ,dependendo, entre outras coisas, daextensão do escopo de prát icasconferidas à profissão, do grau depr iva t iv idade ou exc lus iv idadeconferido aos atos específicos daprofissão, e da capacidade de controleex post das reservas legais pelasins t i tu i ções de f i s ca l i zação doexerc íc io . Ou se ja , a regulaçãoprofissional cria direitos de pro-priedade ao restringir o acesso àprática dos atos regulados comoprivativos e à ostentação de títulosprofissionais no mercado (Girardi,2000). Quanto maior a extensão doescopo de práticas e mais extensa alista de atos exclusivos ou privativosa ela legalmente atribuídos, maiorserá o tamanho de sua propriedade(ou do domínio patr imonia l daprofissão) 5 . Como qualquer políticaque redistribui ganhos e perdas nosmercados – e neste caso trata-se deganhos em termos de propriedade ou

patrimônio – sua existência deveforçosamente representar um bene-fício público, além de considerar nasua concessão reclames de grupos decompetidores que se considerempossivelmente lesados em seu direito.

Malgrado seus benefícios públicos,três tipos de crítica têm sido maiscomumente apontadas à questão dosmonopólios profissionais, mais espe-cificamente na área da Saúde6 . Empr imei ro lugar, a c r í t i ca ma i selementar (à la Milton Friedman)objeta que as restrições de entradainflacionam os custos em duas vias:primeiro, por criarem lucros mono-pólicos para a profissão ao reduzirartificialmente a oferta de bens eserviços; depois pelo estabelecimentode preços cartelizados. Na verdade,esse argumento encontrar ia suaprincipal fraqueza numa verificaçãoempírica muito comum pelo menosna Saúde: os profissionais, particular-mente os que têm uma relação diretacom os pacientes e guardam, narelação de serviços, maiores graus deautonomia técnica, costumam gerarsua própria demanda, aumentando enão diminuindo os níveis de oferta.Por outro lado, esse tipo de críticanão considera, seriamente, os bene-fícios gerados para os usuários emtermos de segurança e bem-estar, emenos a inda na ques tão in for -macional, tal qual apresentado. Numa

4 Saltman & Busse (2002, p. 22) sumarizam asvantagens da auto-regulação delegada adeterminadas profissões relativamente a formasde “heterorregulação”: alto compromisso com aspróprias regras; processo mais informado nodesenho de normas técnicas; baixo custo gerencialcomparativo; maior ajustamento dos protocolos enormas de prática adotados com aqueles vistoscomo razoáveis pelos profissionais que estão naprática; maior abrangência das regras; maiorpotencialidade e aceitação de ajustes; maisfacilidade de implementação efetiva das regras epossibilidade de combinação com supervisãoexterna (grifo meu). Entre as desvantagens, a auto-regulação cria regras auto-interessadas e, no limite,pode tender a afrouxar a aplicação das própriasregras que cria, numa espécie de instinto deautodefesa corporativa. Daí outra importantelimitação: a baixa confiança do público.

5 Agradeço a Antônio Anastasia, a analogia entre aconcessão de campos de atos privativos e a idéiade patrimônio de uma profissão.

6 No seguinte, apoio-me fartamente em Evans(1980).

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○Formação

palavra, os signatários deste tipo decrítica não reconhecem as especi-ficidades que cercam o sistema dasprofissões. Dois outros t ipos decrítica, no entanto, revestem-se demaior pragmatismo e merecem sermais seriamente consideradas, inclu-sive pelas possibilidades que abremde se criar salvaguardas contra osefeitos maléficos dos monopóliosprofissionais. Alguns autores argu-mentam que organizações tipicamenteprofissionais, como as de saúde,quando dirigidas pelos própriosprofissionais tendem a desperdiçarrecursos por meio de uma contrataçãoexces s iva de t raba lho de paresprofissionais (talvez por mecanismosconscientes e inconscientes de defesacorporativa). A ambigüidade entre opapel de gerente e o de ofertante dosserv iços prof i s s iona i s l evar ia àcontratação, por essas organizações,de um mix não eficiente de força detrabalho caracterizado pelo aumentoda utilização de serviços de profis-sionais de maior qualificação e preços(os pares) em detrimento de umautilização mais intensa de pessoal dequalificação auxiliar. Essa tendênciapara a ineficiência na combinação douso de força de trabalho se verianaturalmente aumentada nos casosem que as at iv idades gerencia istambém são regulamentadas comoprivativas ou exclusivas7 . Um com-portamento eficiente da organizaçãorecomendaria exatamente o contrário:que a gerência dos serviços sejacompartilhada por profissionais deáreas distintas. Por fim, uma outravisão sustenta que o problema decertas profissões regulamentadas nãoreside na escassez de oferta, mas noexcesso de oferta de serviços. Esse,conforme vem sendo apontado emvários estudos, é o caso das profissõesde saúde que, em ambientes laboraisde elevada autonomia profissional ebaixa capacidade de governançagerencial, costumam produzir ser-viços muito além do necessário,levando não apenas a problemas dedesperdício como a excessos iatro-gênicos. Uma das soluções ensaiadaspara contornar essa situação foi o

desenvolvimento, nos Estados Unidos,ainda na década de 70, dos modelosde atenção baseados na chamadacompetição (Health MaintenanceOrganizations – HMO’s). Os modelosda atenção gerenciada operam numambiente em que várias organizaçõesde provedores de serviços vendem nãoexatamente serviços, mas contratos demanutenção de saúde dos pacientessegurados. A troca da lógica da vendade serviços pela de contratos demanutenção de saúde teria comoefe i to in t roduz i r outro t ipo derac iona l idade , a de cor te ma i seconômico-gerencial, funcionandocomo poder compensatório à lógicada dominância profissional, comtendência à minimização do problemada superprodução de procedimentose atos profissionais de baixa relaçãocusto-efetividade8 .

Ademais da cristalização de re-servas de mercado e da relativa invul-nerabilidade aos legítimos objetivosgerenciais de ampliação da coberturae acesso aos cuidados, os modelos deautogoverno profissional vêm sendocriticados por outras razões, das quaiscitaríamos três de maior visibilidade:a pequena “respons iv idade” aopúblico; o crescimento do sentimentode injust iça entre as ocupações,ocasionado pela exclusão e subor-dinação hierárquica das ocupações eprof i s sões de menor s ta tus e oestabelecimento de entraves a polí-ticas estatais para coordenação dasprof i s sões , tendo em vis ta , porexemplo, a implementação de Políti-cas de Saúde de corte universalista ede reconhecimento de competênciaslabora i s . Es se s t rê s prob lemasdecorrem de uma d i f i cu ldadeenfrentada pelas inst i tuições de

7 Este é o caso do recente Projeto de Lei do AtoMédico, tramitando no Congresso Nacional, assimcomo da Lei de Exercício da Enfermagem vigenteno Brasil, que definem como privativas dasrespectivas categorias, as atividades de gestão dotrabalho destas profissões.

8 Para o conceito de dominância profissional verFreidson (1988); para uma avaliação maisdetalhada ver “Institutional Change and HealthcareOrganizations : From Professional Dominance toManaged Care” Richard W. Scott (Editor), para ocaso do Brasil (Merhy, 2002) .

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autogoverno com autoridade gover-namental delegada (os nossos con-selhos profissionais) no que respeitaà interpretação de sua missão. Ins-tituídas e socialmente legitimadascomo agentes do Estado para moni-torar a qualidade técnica e o processodisciplinar do exercício profissionalpara a proteção do público, essas ins-tituições, muitas vezes, na vigência deconflitos de interesses, costumam agirde forma “auto-interessada”, prote-gendo seus pares. Daí a pequena con-fiança que elas inspiram ao público.Pode-se dizer que essa ambigüidadena interpretação de seu papel levamuitas vezes a que dirigentes bemintencionados dessas instituiçõespleiteiem estratégias como a fusãocom as organizações sindicais e asso-ciações profissionais, com o intuitode fortalecer a profissão. Essa mesmaambigüidade de papéis dificulta queinstituições adotem, de forma espon-tânea, estratégias de ação coletivavisando à cooperação interprofissio-nal, o trabalho multidisciplinar e omútuo reconhecimento de competên-cias. Daí, também, a necessidade deinstâncias “supraprofissionais”, comautoridade de governo para coordenaras políticas de Estado para as profis-sões. Mas, ironicamente, na raiz dasresistências à implementação dessaspolíticas, encontra-se essa dificuldadedas instituições de autogoverno pro-fissionais se interpretarem comoagentes do Estado.

Novas experiências de regulamentaçãodas prof issões na área da Saúde:buscando um novo paradigma para aregulamentação profissional

Em resposta a problemas comoestes, países como o Canadá e os Es-tados Unidos e blocos regionais comoa Comunidade Econômica, Européiavêm desenvolvendo, ao longo dasú l t imas décadas , e s forços parareformar seus sistemas de regula-mentação pública das profissões,perguntando-se essencialmente sobreduas questões:

(i) Os modelos de autogoverno sãoos que servem melhor para a proteçãoe o bem-estar públicos?

(ii)Qual a extensão e níveis deexclusividade devem ser conferidos àsreservas de mercado e monopóliosprofissionais?

Resultados de diversas investiga-ções conduzidas no Canadá – país quetomou a dianteira nestas reformas –entre o final da década de 60 e inícioda 70, reconheceram as vantagens (emesmo uma certa inevitabilidade) daauto-regulação profissional, porémrecomendaram que , ao mesmotempo, se emprestasse maior ênfaseno desenho de mecanismos institu-cionais de prestação de contas aopúblico e de proteção dos direitos deindivíduos e grupos, especialmenteaqueles em maior desvantagem nosmercados (Casey, 2001)9 .

Não se pretende, aqui, realizar uminventário desses esforços e menosainda avaliar seus resultados. O obje-tivo, nesta última sessão, é o de dis-cutir algumas questões colocadasmais recentemente na arena da regu-lamentação profissional no Brasil, aexemplo dos Projetos de Lei do “AtoMédico” e do “Ato de Enfermagem”,à luz de elementos comuns retiradosdas experiências mais significativas einfluentes ocorridas nas Américas,que vêm se constituindo numa espéciede novo paradigma de regulamen-tação profissional, forjado especial-mente a partir da área da Saúde10 .

9 Um dos relatórios pioneiros sobre o tema, reportaresultados de diversas investigações conduzidas noCanadá entre o final da década de 60 e início da70, foi o Relatório Mc Ruer, Toronto, 1968-1971.

10 O argumento fundamenta-se especialmente nosresultados de um estudo sobre regulamentaçãoprofissional em países da América Latina, EUA eCanadá, realizado entre 1997 e 1999, peloPrograma de Recursos Humanos – OrganizaciónPanamericana de la Salud – OPS/OMS,Washington, DC sob a coordenação de DanielPurcallas e Sábado Girardi. O estudo contoucom a participação de pesquisadores do México,Colômbia e Chile, além do Brasil. As informaçõessobre o Canadá e os Estados Unidos foram obtidaspor meio de entrevistas diretas e análise depublicações. Foram analisadas as experiênciaspioneiras de Ontário e Québec, e a experiênciada Pew Health Professions Commission, cujostrabalhos, iniciados em 1989, tratamessencialmente de assuntos concernentes àregulamentação de profissões de saúde nos EstadosUnidos. Diferentemente do caso canadense, emque as iniciativas são governamentais, no casoamericano, a comissão é constituída no âmbito dasociedade civil.

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○Formação

De modo geral, esses movimentosde reforma da regulamentação dasprof i s sões de saúde não forampuxados nem de forma isolada, nempor iniciativas das próprias profissões.Pelo contrário, encontrando inicial-mente oposição das profissões estabe-lecidas (que ao longo do processo seacomodaram), eles se inscreveramdentro de contextos de reformas maisamplos, a exemplo, no Canadá, dosmovimentos de reformas adminis-trativas e dos sistemas de seguridadesocial nos anos 70 e 80, e maisrecentemente, a partir dos anos 90,das reformas setoriais da saúde; e nocaso dos Estados Unidos, alimentadospela dinâmica de crise permanente epelas tentativas de reforma do sistemade atenção à saúde11 .

No caso canadense, as iniciativaspartiram do governo das províncias eresultaram efetivamente em profundasmudanças na legislação e estruturasde regulação profissional em Ontário,Alberta, British Colúmbia e, maisrecentemente , em Québec . NosEstados Unidos, a questão da reformaprofissional foi colocada na agendapública, em escala nacional, a partirdos t raba lhos de uma comissãoconstituída no âmbito da sociedadecivil (a Comissão de Profissões deSaúde da Fundação Pew), sendo asrecomendações de caráter exclusi-vamente persuasivo. Posteriormente,o estado da Virgínia, a partir de ini-ciativa oficial da assembléia legis-lativa, constituiu uma comissão paratratar da questão.

Apesar das especificidades de cadacaso, essas experiências trazem decomum o fato de avançarem nadireção de um novo paradigma paraa regulamentação das profissões,especialmente na área da Saúde. Oque se busca, sobretudo, com essasexperiências de reforma, é construirum modelo baseado na idéia de que aproteção do público contra efeitosprejudiciais da prática das profissõesé o princípio inarredável da regula-mentação prof iss ional . Sob esseprisma, os sistemas devem exibir amaior flexibilidade possível, tendoem vista atingir objetivos mais gerais

dos sistemas de saúde, tais como: auniversalidade e eqüidade de acesso,maior eficiência econômica, usopleno das potencialidades e compe-tências dos recursos humanos, maiorcooperação entre as prof i s sões ,capacidade para promover e ajustar-se às inovações tecnológicas, desen-volver novas modalidades de trata-mento e ampliar o escopo de escolhasde alternativas terapêuticas seguraspara os usuários. Isso num ambienteem que a proteção e o bem-estar dopúblico devem ser constantementeaferidos e assegurados. Duas dinâ-micas aparentemente contraditórias,na antiga regulação, passam a severificar de forma concomitante coma introdução desses processos: ummovimento de redução a té aeliminação de monopólios profis-sionais desnecessários sobre deter-minados t ipos de at ividades e aregulamentação de atividades poten-cialmente danosas à população, atéentão desreguladas, inclusive peloveto das profissões dominantes.

Es se s proces sos de re formaprof i s s iona l se in i c ia ram pe laabertura de três grandes capítulostemáticos:

· a revisão do marco legal deregulamentação profissional;

· a revisão das estruturas insti-tucionais da regulação profissional;

· a revisão dos escopos de prática(ou campos de prática) legalmenteatribuídos às profissões.

Tendo em vista o objetivo doar t igo , merece cons ideração oterceiro ponto, em que se comentaapenas os dois primeiros temas. Osprocessos de revisão da legislaçãoprofissional incluem não apenas aanálise da legislação concernente acada uma das profissões regula-mentadas do setor, como a análise dasdemandas de regulamentação deprofissões ou grupos ocupacionaisemergentes. O objetivo desse pro-cedimento é o de propiciar igualdade

11 Cf. Girardi (1999).

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de tratamento aos pleitos, reconhe-cendo as diferentes competências,dentro do princípio mais global daproteção do público contra danosproven ientes do exerc í c io dasatividades profissionais. Como resul-tado, algumas ocupações e práticaste rapêut i ca s complementares ea l t e rna t ivas ganharam regu la -mentação, enquanto que regulamenta-ções anacrôn icas se v i ramflexibilizadas.

No que concerne às estruturasinstitucionais de regulação pública,um resultado comum tem sido ofortalecimento dos conselhos pro-f i s s iona i s no exerc í c io de seusmandatos de proteção ao público.Buscou-se aumentar a capacidade dosconse lhos prof i s s iona i s no queconcerne à fiscalização e controle daconduta técnica e ética dos seusmembros, à formação continuada decompetênc ia s , à ag i l i zação dacondução de processos de erroprofissional etc., inclusive por meiodo aumento de dotações orçamen-tárias e processos formativos espe-cíficos de seus quadros para tal fim.Ao lado des se ob je t ivo , foraminstituídos outros tipos de agentes quecompartilham com os conselhos, pormeio de mandatos específ icos –representação do público e assessoriaao governo, gestão governamental,representação judicial etc. – a tarefade promover uma regulamentação dasprofissões de interesse público. Aidéia subjacente ao processo é a deconciliar a existência das instituiçõesde autogoverno das profissões nointerior de um mix regulatório queopera constantemente balanços entreinteresses conflitantes dos diversosatores que a tuam nesse campo:profissões regulamentadas, grupos quedemandam regulação, usuários egestores de serviços. O princípio dointeresse público figura como umaespécie “fiel” da balança.

Com relação ao tema da revisãodos campos de prática, os processosde reforma, pela maneira como vêmsendo conduzidos, acabaram porintroduzir alguns conceitos novos que

merecem uma discussão um poucomai s de ta lhada noção de a toscontrolados, autorizados ou reser-vados – usados mais ou menos indis-tintamente12 ; a noção de proteção oureserva de uso de título; e a noção deatos delegados e atos supervisionados.

A noção de escopo de práticaestabelece os parâmetros da profissão.O campo de prática define, em termosamplos, o que a profissão faz e comoela faz . O novo parad igma daregulação profissional começa porreconhecer que na regulação antigacada profissão regulamentada possuíaum campo exclusivo de prática, queproíbe outras profissões de praticaremno seu interior, a não ser que sobpermissão legal. No interior de seucampo de prática, cada profissão tematos que lhe são reservados, por lei,de forma exclusiva (ou privativa) –que é de sua propriedade – e atoscompartilhados.

Conforme bem define Miranda SáJr. (2001):

“Os atos profissionais podemser atribuídos de maneira privativaaos agentes de uma profissão, casoem que só podem ser executadospor um agente pro f i s s iona llegalmente habilitado daquelacategoria profissional. Ou podemser típicos de uma profissão oumesmo espec í f i cos de la , massendo compartilhados com agentesde outra categoria profissional (oudiversas delas)...”

O novo paradigma da regulamen-tação profissional parte da definiçãode escopos de prática não-exclusivose atos reservados (ou mais generi-camente ainda atividades reservadas).Em nenhum dos casos esses atos são,a priori, entendidos como privativosou exclusivos a uma determinadaprofissão, mesmo que por lei, seuexercício seja a ela autorizado e a mais

12 Na reforma de Québec, a mais recente, a leique modifica o Código das Profissões, sancionadaem junho de 2002, substitui o conceito de ato –utilizado em leis precedentes das outras províncias,pelo conceito de atividade, por considerar esteúltimo um conceito mais amplo.

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○Formação

nenhuma outra. Escopos de práticasobrepostos (overlapping scopes ofpractice) não são apenas reconhecidos,mas também encorajados.

A definição dos atos reservados(controlados ou autorizados) remetea tarefas, serviços e procedimentosque envolvem grau significativo derisco de dano aos pacientes. Estesestão restritos apenas aos membrosdas profissões autorizadas, mas nãoconstituem base de exclusividade oumonopólio de uma profissão isolada.De qualquer forma, nenhuma pessoanão per tencente à s prof i s sõesautorizadas por lei pode exercer atosautorizados sem incorrer em práticailegal13 .

Na definição de um ato reservado,três grupos de fatores são avaliadosna consideração do risco efetivo dedano:

· a probab i l idade de suaocorrência;

· o significado de suas conse-qüências para as vítimas individuais;

· o número de pessoas poten-cialmente ameaçadas.

Na legislação de Ontário (quevigora desde 1994), estabeleceram-se13 atos controlados (por exemplo:comunicação de diagnósticos, exe-cução de procedimento invasivo soba derme, redução de f ra turas ,administração de substâncias porinjeção e de fármacos sob prescriçãoregulamentada; realização de testesalergênicos, aplicação de prótesesdentais e artefatos visuais e auditivoscorrecionais, administração de formasde energia, administração de trabalhode par to , dentre out ras ) . Cadaprofissão na saúde, autorizada sob leie spec í f i ca , e l aborada pe lo seuconselho, terá autorização para exer-cer um ou mais dos 13 atos contro-lados , mas nenhum desses a tosconstitui, a priori, domínio exclusivoou privativo de uma profissão14 .

A noção de “proteção de título”ou mais especificamente o estabele-cimento de títulos de uso reservado,que apenas membros da profissão são

permitidos ostentar, tem o objetivo deassegurar ao público que o portadordo título profissional tem os mínimosníveis de qualificação exigidos pelaprofissão em questão e que é fisca-lizado pelo conselho da sua profissão.

Ao lado des sa s medidas deproteção do público, as noções de atosdelegados e atos supervisionadoscomplementam o quadro dessasinovações e têm o sentido explícitode promover o reconhecimento dascompetências laborais efetivamentedemonstradas e certificadas, bemcomo de propiciar o pleno uso dosrecursos humanos. Situações especiaiscomo a escassez de recursos humanosem determinas áreas geográficas eterritoriais, situações emergenciais,especificidades de hábitos culturais oumesmo neces s idades de ordemgerencial colocadas por projetosinovadores em determinadas áreasassistenciais (a exemplo da área deSaúde Mental), justificam a delegaçãode atos profissionais autorizados parauma profissão a membros de outrasprofissões e pessoal auxiliar. Em tese,a delegação supõe que as tarefasdelegadas possam ser realizadas sema presença do profissional que asdelegou. O ato supervisionado, porseu turno, implica num controle maisintenso, podendo exigir a presençafísica do supervisor. Os atos dele-gados sob supervisão são acom-panhados de instruções escritas sobreo modo de prática do ato seja sobprotocolo geral seja por meio deinstruções específicas sobre casos.Em geral, os processos de delegaçãoenvolvem de forma proat iva aparticipação dos conselhos profis-sionais que regulam a profissão quedelega o ato, sob circunstâncias

13 Alguns críticos do novo sistema consideram queo resultado prático é uma realocação domonopólio desde uma profissão específica parauma espécie de monopólio setorial de umcondomínio profissional. Essa crítica pode serdeduzida da entrevista com representantes doConselho de Medicina de Ontário (Girardi,1999).

14 Os médicos são autorizados para exercerem 12dos atos controlados e cinco profissões reguladasnão têm autorização para executar nenhum dos13 atos.

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especiais, inclusive na elaboração dosprotocolos de prática. Nesse sentido,a Lei de Profissões de Saúde, recen-temente sancionada na província deQuébec, estabelece de forma explícitaas disposições que permitem a nãoprof i s s iona i s exercerem cer ta sat iv idades , sob c ircunstâncias etarefas bem delimitadas, no sentidode responder às necessidades dapopulação. Da mesma forma, a leiestabelece um quadro que autoriza aprofissionais não-médicos, notada-mente enfermeiros, a exerceremcertas atividades médicas, desde quepass íveis de ver i f icação, no seuexercício, pelo conselho de medicina.Uma ex igênc ia c re scentementeapontada para o exercício de ati-vidades delegadas tem sido a de queo profissional em questão tenha suacompetência certificada por órgãosof i c ia lmente reconhec idos dossistemas de certificação de com-petências laborais.

No Bras i l , do i s pro je tos deregulamentação profissional na áreada Saúde, t razem para a es ferapúbl ica , com renovado v igor, adiscussão acerca de campos de práticae atos privat ivos ou exclusivos.Representam novidade, no cenário daregulamentação profissional da área,na medida em que buscam definiçõessobre o que constitui ato profissionalespecífico e ato privativo, num con-texto marcado pelo recrudescimentodas disputas por jurisdição profissio-nais monopólicas no mercado detrabalho. Trata-se do Projeto de Leido “Ato Médico” que deu entrada noSenado Federal em fevereiro de 2002,e do Projeto de Lei que define o “Atode Enfermagem”, que deu entrada naCâmara dos Deputados em julho de2002. Ambos os projetos encontram-se tramitando no legislativo.

O primeiro projeto estabelece oconceito de ato médico privativo ouexclusivo ao lado do ato médicocompartilhado com outras profissões.Amparando-se nos concei tos deprevenção primária, secundária eterciária da Medicina Preventiva15 ,estabelece-se basicamente que os atos

de prevenção secundária e os demaisimplicam em procedimentos diag-nósticos de enfermidades, e os deindicação terapêutica constituem atosprivativos dos médicos. Fica abertapara as outras profissões da área daSaúde a porta da prevenção primáriae secundária sem diagnóstico outerapêutica. Exceção é feita, de formaexplícita, para os casos da odon-tologia e de práticas de psicoterapiaque apesar de pra t i carem a tost ip i camente médicos ( c i rurg ia sbucomaxilares e psicoterapia), osfazem de forma compartilhada. Alémdisso, expande-se o campo dos atosprivativos da profissão médica àsatividades de gestão, avaliação eens ino daque le s proced imentosprivativos dos médicos.

Por seu turno, o projeto que defineo Ato de Enfermagem confere aoConselho Federal de Enfermagem aatribuição para definir a natureza e aextensão dos atos dessa profissão,assim como determinar as ações ecompetênc ia s exc lus ivas des taprofissão. É preciso notar que já naLei de Exercício da Enfermagem, de1986 (em vigor), definia-se comoatividades privativas da profissão,dentre outros: a direção dos órgãosde enfermagem das instituições desaúde, a chefia das unidades deenfermagem, o planejamento e aavaliação dos serviços de assistênciaà enfermagem, entre outros atosprivativos; ao lado de atos com-partilhados com outras profissões desaúde, a exemplo da execução detrabalho de parto sem distocia, bemcomo ident i f icação de dis tociasobstétricas e tomada de providênciasneces sár ia s a té a chegada doprofissional de medicina.

15 A prevenção primária inclui atividades tomadaspara reduzir o risco de ocorrência de enfermidades,a exemplo da imunização, desenvolvimento deatividades físicas e antiobesidade preventivas dedoença cardiovasculares, campanhas antifumo,preventivas de DST/aids etc. A prevenção secundáriaabarca diagnóstico inicial e tratamento imediatode doenças para reduzir ou alterar seu curso eprevenir complicações, inclusive para terceiros; aprevenção terciária visa à limitação dos danosproduzidos por uma doença ou deficiência instaladae à promoção de reabilitação de doenças crônicas.

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○Formação

Não é o propósito desse artigoadentrar os méritos intrínsecos decada um desses projetos. É certo queambos representam formas legítimasde enfrentamento de dificuldadesdessas profissões nos mercados detrabalho. A própria tradição corpo-rativa da regulamentação profissionalem nosso País os legitima. A recentelei de regulamentação da advocacia,de 1994, confere à profissão atosprivativos, de exercício exclusivo.Assim também acontece com muitasoutras profissões. Por outro lado,entre as intenções do projeto –especificamente no caso da medicina– figura a legítima preocupação como crescimento, talvez inusitado entrenós, das práticas cl ínicas desre-guladas, realizadas por médicos eespecialmente por não-médicos, comresultados extremamente lesivos àsaúde da população, conforme se sabe.

No sentido de contribuir para odebate, duas críticas poderiam serfe i tas . Em pr imeiro lugar, ta i sprojetos situam-se na contramão dodesenvolvimento do setor da Saúdeem nosso País. Eles chegam, pode-sedizer, num momento de expansãopotencial de escopo de prática deprofissões não-médicas. Uma série defatores, que não cabe aqui especificar,empurra para uma expansão doescopo de prática de profissionaisnão-médicos em direções clínicas,envolvendo em várias dimensões,aspectos diagnósticos e terapêuticosantes reservados (por tradição ouconvenção e não por lei ou normajurídica escrita) aos médicos. É o casodas te rap ia s e prá t i ca s c l ín i ca salternativas, é também o das novasprá t i ca s de saúde menta l e daprevenção de epidemias como a daaids, entre outros. Por outro lado, ébastante razoável supor que emlocalidades desprovidas de médicosou em áreas de atuação que apre-sentam lacunas assistenciais, até pelastendênc ia s de e spec ia l i zação eabstração crescente das práticas pro-fissionais, as autoridades sanitárias doPaís pretendam expandir o escopo deprática de outros profissionais, e umamaneira segura de fazer tal coisa é por

meio do a to superv i s ionado oudelegado sob ordem e prescriçãodireta do médico (em casos indivi-duais) ou sob a vigência de protocolosclínicos, a exemplo do que se observaem outros países, conforme visto.

Com efeito, um conjunto de açõesgovernamentais está interferindo noescopo das atividades profissionaispor meio do reordenamento doprocesso de trabalho, como aquelesdesenvolvidos pelas equipes de saúdeda famí l ia , ao induzir o desen-volvimento de novas competências,vo l tadas ao p lane jamento , aodesenvolvimento de ações inter-setoriais, à atenção humanizada e aocompartilhamento destas atividadesno trabalho em equipe, gerandotambém áreas cinzentas de atuação enovas possibilidades de recombinaçãodestes trabalhos. Esse mesmo pro-cesso se reproduz em atividades deatendimento à aids, em Saúde Mentaletc. O desenvolvimento de protocolosde prática também interfere nosescopos e nos limites de atuação,assim como as portarias que regu-lamentam o funcionamento dosserv iços de saúde e def inem osprofissionais habilitados para nelest raba lharem. Por outro lado , aincorporação das metodologias deident i f i cação e cons t rução decompetências dirigidas a processoseducativos, aplicada em profundidadepelo PROFAE, permite criar umimportante instrumento de mediaçãodos conflitos profissionais.

Em segundo lugar, os projetos deatr ibu ição de a tos exc lus ivos aprofissões situam-se na contramão dasreformas da regulação profissionalque têm servido de paradigmas pelainovação e respeito à cidadania ereconhec imento das d i fe rençasinterprofissionais.

Por outro lado, do ponto de vistaprocedimental, também estamos nacon t ramão . A ma ior pa r t e dosprocessos de reforma profissional,fundamentados na proteção e bem-e s t a r do púb l i co , não t em secaracterizado por reformas pontuaisbaseadas nessa ou naquela profissão

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– ge ra lmen te quando é a s s im ,ganham os segmentos da sociedade,com maior poder e capac idadelobística – e isso em detrimento dapopulação e mesmo das profissões.Na verdade, um processo de reformadesse tipo em nosso País, apropriadoà realidade do século que se inicia,além de envolver uma profundarevisão da legislação e das demandasde regulamentação profissional, dosescopos de prática de cada categoriae das estruturas e instituições deregulação pública das profissões,deve se pautar pela publicidade dosdebates e pela participação do con-junto dos atores sociais e econômicosinteressados. E esse é um processoque , nos pa í s e s de democrac i ainclusiva, envolve, necessariamente,coordenação de governo. A questãoda regulamentação profissional éuma questão de política pública ecomo tal deve ser enfrentada.

Considerações finais

A reforma da regulação profis-sional deve se pautar por diretrizes quevisem reforçar os aspectos positivos dosistema de auto-regulação vigente, emespecial seu potencial para garantir aqualidade dos padrões técnicos e éticosdo exerc íc io prof i s s ional e deproteção do público, contudo deveesforçar-se por criar mecanismos paracompensar suas falhas.

Para tanto, um formato de regu-lação profissional e ocupacional a serestimulado, baseado no princípiogeral da utilidade pública da regula-ção, deve contemplar, na prática, obalanço criterioso entre objetivospragmáticos da política do governopara o setor e do fortalecimento dasinstituições básicas de uma sociedadejusta, dentre os quais, vale citar:

· proteção do público contra aação de profissionais incompetentes,provedores desqua l i f i cados einescrupulosos;

· promoção da ef ic iência naprovisão dos serviços de saúde;

· garantia da acessibilidade aosserviços de saúde;

· garantia da eqüidade na dis-tribuição dos serviços de saúde;

· eqüidade no tratamento dasprofissões e ocupações;

· reconhecimento das compe-tências laborais;

· promoção de capacidade deEstado para a coordenação da políticapara as profissões.

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Educação profissional em Saúde noEducação profissional em Saúde noEducação profissional em Saúde noEducação profissional em Saúde noEducação profissional em Saúde noBrasil: a proposta das EscolasBrasil: a proposta das EscolasBrasil: a proposta das EscolasBrasil: a proposta das EscolasBrasil: a proposta das EscolasTécnicas de Saúde do SistemaTécnicas de Saúde do SistemaTécnicas de Saúde do SistemaTécnicas de Saúde do SistemaTécnicas de Saúde do Sistema

Único de SaúdeÚnico de SaúdeÚnico de SaúdeÚnico de SaúdeÚnico de Saúde

Professional education and health inProfessional education and health inProfessional education and health inProfessional education and health inProfessional education and health inBrazil: the proposal of technical heathBrazil: the proposal of technical heathBrazil: the proposal of technical heathBrazil: the proposal of technical heathBrazil: the proposal of technical heath

schools of Unified Health Systemschools of Unified Health Systemschools of Unified Health Systemschools of Unified Health Systemschools of Unified Health SystemRita Elisabeth da Rocha Sório

Gerente Geral do PROFAE – Ministério da Saúde

Resumo: Este artigo trata da história dos Centros Formadores de Recursos Humanospara a Saúde ou das Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS), criados emantidos pela rede pública de saúde na década de 80. Sua concepção foi desenhada apartir do reconhecimento das dificuldades enfrentadas pelos profissionais dos serviçosde saúde que, embora atuassem na assistência à população e “sofressem” inúmerostreinamentos para o desempenho de atividades no trabalho, não dispunham decondições materiais para participar de um processo educativo que lhes propiciassedignidade e identidade profissional, conseqüentemente respeito e valorização. Assimdesde seu início, as ETSUS têm como princípio a inclusão social de milhares detrabalhadores da saúde.

Hoje, mantendo sua concepção e estrutura direcionadas para organizar e oferecerserviços educativos voltados para as necessidades da área de Saúde, essa rede de escolasé considerada a alternativa para a oferta de educação profissional para o SistemaÚnico de Saúde (SUS). Essa é a razão principal para que o Ministério da Saúde (MS),por meio do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da área de Enfermagem(PROFAE), esteja investindo amplamente na consolidação e expansão de seu modelo.Sua abrangência não delimita espaços; sua metodologia não discrimina pessoas; suapotencialidade supera as barreiras de uma escola tradicional. Assim são as ETSUS.

Palavras-chave: Educação Profissional; Escola Técnica do SUS; Inclusão Social.

Abstract: This paper is about the history of the Centers for Human Resources Trainingin Health, or the Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde – ETSUS (Brazilian UnifiedHealth System’s Technical Schools), which were established and maintained by thepublic health network in the 1980’s. They were devised based on the recognition ofthe difficulties faced by health care professionals who – despite providing care topopulation and “suffering” countless training sessions for performing their work duties– did not have enough material conditions for participating in an educational processthat should provide them with dignity and professional identity and, therefore, respectand valuation. Hence, since their very beginning, the ETSUS’ main principle is thesocial inclusion for thousands of health workers.

Currently, holding its concept and structure addressed to organizing and providingeducational services aimed at the Health field needs, that network of schools isconsidered as the alternative for providing professional education to the Sistema Únicode Saúde – SUS (Unified Health System). That is the main reason why the Ministry ofHealth, through the Project Profissionalização dos Trabalhadores da Área deEnfermagem – PROFAE (Professional Training for the Workers in the Field of Nursing),is largely investing on the consolidation and expansion of its model. Its scope is notrestricted to spaces; its methodology holds no discrimination against people; itspotentiality overcomes the barriers of a traditional school. That is how ETSUS are.

Key Words: Professional Education, Brazilian Unified Health System’s Technical Schools,Social Inclusion.

Relato de Experiência

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○Formação

Introdução

Pensar a questão de recursoshumanos para o setor Saúde impõe,por um lado, caminhar rumo aopreceito constitucional1 que asseguraa saúde como direito do cidadão e,por outro, refletir sobre o princípionormativo que identifica o setor comoresponsável pelo “ordenamento daformação de recursos humanos”2 .Esse ordenamento tem várias dimen-sões que vão desde a regulação até aformação e a gestão do pessoal queatua na área da Saúde.

Ao longo do tempo, milhares detrabalhadores brasileiros não tiveramacesso à educação, tanto do ponto devista geral quanto do profissional.Sem possibilidades de concluir seusestudos, ingressaram no mercado detrabalho em saúde como forma desobrev ivênc ia . Dessa forma, ostrabalhadores que atuaram e vêmatuando no processo produtivo emsaúde, sem formação profissional equal i f icação espec í f icas para asfunções que exercem, não vislum-bram uma inserção digna nos planosde cargos e salários de suas insti-tuições, não alimentam expectativasde crescimento funcional e muitomenos obtêm registro profissionalfornecido pelos órgãos de classe.Como resultado disso, esses traba-lhadores têm sido marginalizados et ido baixo reconhecimento pro-fissional e social.

Paralelo a isso, a luta pela amplia-ção do acesso aos serviços públicos desaúde, legitimada pelos movimentossociais na década de 70, confluiu parao estabelecimento de estratégias nosetor que garantissem extensão dacobertura com maior qualidade dasações. No entanto, o diagnóstico sobreos problemas qualitativos e quan-titativos de recursos humanos paraatuar na saúde, já era conhecido edebatido desde os anos 60.

Ou seja, em última instância, trata-se de um problema antigo, cujassoluções ainda se impõem comodesafios nos dias atuais. A exclusãodo processo educativo, a deficiênciadas escolas profissionais para atender

1 Constituição Federal, artigo 196.

2 Constituição Federal, artigo 200 e inciso III.

3 Relação Anual de Informações Sociais – RAIS eCadastro Geral de Empregados e Desempregados– CAGED (1999).

às necessidades de preparação depessoal para o setor, na quantidade equalidade desejadas, a falta de umapolítica e de mecanismos que possibi-litassem a formação em saúde, o perfilsocial heterogêneo dos trabalhadoresjá empregados, as qualificações inci-pientes feitas por meio de treina-mentos pontua i s rea l i zados emserviço e a dispersão geográfica emque se encontravam motivaram odesenvolvimento de um projeto socialcom o objetivo de dar identidadeprofissional aos trabalhadores ex-cluídos, de assegurar-lhes a oportu-nidade de competição no mercado detrabalho e de reorganizar os serviçospara assegurar o acesso da populaçãoà assistência de qualidade.

E por que a necessidade de se criaruma escola profissional específicapara a saúde? A resposta a essaquestão implica considerar duasvariáveis: em primeiro lugar, o ensinotécnico na área da Saúde sempre foivisto como a oferta de cursos, semespecificidades, podendo qualquerescola oferecê-lo, independente dequalquer condição a pr ior i . Emsegundo lugar, o setor Saúde possuiuma cultura inst i tuída e grandeacumulação na área de capacitaçãoemergencial, um peso tecnológicorelevante e principalmente uma forçade trabalho expressiva, em 1999estimada em 2,5 milhões de pessoas3

empregadas em atividades nessa área,das quais aproximadamente 700 milsão profissionais que trabalham nonível técnico e auxiliar, no cuidadodireto às pessoas.

Essas condições justificaram acriação de espaços educativos quepermitissem sistematizar as expe-riências acumuladas ao longo dosanos e avançar na conformação dealternativas pedagógicas adequadas àscaracterísticas do setor e às demandasoriginadas das políticas de saúde.

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As Escolas Técnicas do SUS e a Políticade Saúde no País

Nas últimas décadas, o setor Saúdecresce em complexidade face aoscompromis sos a s sumidos pe la sesferas governamentais, com vistas aatender as demandas crescentes nocampo da atenção à saúde, demandasque mais tarde se tornariam prin-cípios caros à Constituição, pro-mulgada em 1988, e fundamentaispara consolidar as Políticas de Saúdehoje vigentes.

Por um lado, a reordenação daspráticas de saúde e a regionalizaçãoda a s s i s t ênc ia apontam para anecessidade de qualificação e for-mação de pessoal de nível básico etécnico para atuar tanto na atençãobás i ca quanto na média e a l t acomplexidade, no apoio diagnóstico,vigilância em saúde, informação,desenvo lv imento e gerênc ia deprocessos e funções intermediárias.Por outro lado, os gestores, impelidospela necessidade de responder pelamelhoria da qualidade da assistênciaprestada e dar respostas efetivas àpopulação, buscam diferentes estra-tégias para compor seu quadro depessoal, com predomínio da contra-tação de pessoal com baixa quali-ficação e sem experiência prévia. Porfim, a inserção desse grande contin-gente sem a qualificação específica sedá, em parte, pela limitação da ofertade pessoal qualificado, visto que osetor Educacional não conseguiaformar profissionais nesses níveis deensino, na quantidade e qualidadeexigidas pelo setor Saúde.

Mais de 30 anos se passaram e ocenário do ensino profissionalizante,principalmente para o setor Saúde,parece não ter se modificado de formasubstancial. Indicativos dessa afir-mação se encontram nos resultados doCenso de Educação Profiss ionalrealizado pelo Ministério da Edu-cação (MEC), por meio do InstitutoNacional de Estudos Pedagógicos(INEP), no ano de 19994 .

As informações decorrentes dosdados cadastrais das instituiçõespossibi l i tam a caracterização do

4 O censo abrangeu escolas federais, estaduais,municipais e os estabelecimentos privados,incluindo os cursos ministrados pelo “SistemaS”, por instituições empresariais, sindicais,comunitárias e filantrópicas, que oferecemeducação profissional de acordo com a Lei nº 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (LDB).

perfil dos cursos ofertados por níveise áreas profissionais e sua depen-dência administrativa, os professorese instrutores por grau de formação enível de atuação, e as matrículas econcluintes por sexo, faixa etária,nível e área profissional.

Aqui, são relacionados os resul-tados do censo referentes ao objetodeste trabalho: instituições, cursos ematrículas na educação profissional:

- das 3.948 instituições de ensinoque oferecem educação profissionalem diferentes níveis e áreas, apenas5,2% (204 estabelecimentos) ofertamcursos na área da Saúde;

- na área da Saúde, a maioria,61%, é instituição privada;

- a oferta de educação profis-sional nos diferentes níveis e áreasconcentra-se na Região Sudeste, coma presença de 48% das instituições;

- as instituições que contribuempara a área da Saúde, nessa região,correspondem a 62%, ou seja, 126estabelecimentos.

Essas informações nos parecembastante indicativas da baixa oferta deeducação profissional em saúde.Ainda sobre isso, vale a pena re-gistrar, a partir da mesma fonte deinformações:

- nos cursos de educação pro-fissional, nas diferentes áreas e níveis,estão matriculados 2,8 milhões deestudantes, dos quais apenas 121 milalunos estão na área da Saúde;

- a maioria das matrículas,71,5%(37 mil), está concentrada nos 590cursos de nível básico, principalmenteos de primeiros socorros e instru-mentação cirúrgica, abertos a qual-quer pessoa interessada, independentede escolaridade prévia;

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○Formação

- a matrícula nos 703 cursos denível técnico corresponde a 82 mil;

- os principais cursos técnicos,oferecidos simultaneamente ou apósa conclusão do ensino médio, comorganização curricular própria ecarga horária mínima nunca inferiora 1.200 horas, são os de técnico eauxiliar de enfermagem, patologiaclínica e nutrição e dietética.

As informações da Pesquisa deAssis tência Médico-Sanitár ia doInstituto Brasileiro de Geografia eEs ta t í s t i ca (AMS/ IBGE) , sobreRecursos Humanos de 1999, realizadoem todos os estabelecimentos públi-cos e privados de saúde no País, evi-denciam a demanda de formação dostrabalhadores de saúde para o setorEducacional, ou seja, um contingenteque necessita de formação técnica,básica e educação continuada tendoem vista a oferta de serviços de saúdede qualidade.

Os dados da AMS/1999 em termosde escolaridade, revelam que:

- 185.586 trabalhadores possuematé oito séries do ensino fundamental,e 333.149 são de nível médio, comaté três anos de escolaridade, além doensino fundamental;

- em termos de habilitações téc-nicas presentes enquanto áreas pro-fissionais da saúde, observa-se as deodontologia, enfermagem, farmácia,hemoterapia, histologia, nutrição edietética, patologia clínica, reabilitação,vigilância sanitária e saúde ambiental,citologia, equipamentos médico-hospitalares e radiologia médica.

Ao se considerar além dessasprof i s sões , todas a s ocupaçõespresentes no setor, representadas poragentes comunitários, agentes desaneamento , de v ig i l ânc ia , dezoonoses, parteiras, dentre outras, econsiderados os trabalhadores deníve l fundamenta l , médio e umquanti tat ivo que pers is te com adefinição “não se aplica”, totaliza-se709.726 pessoas potencialmentedemandantes de processos de qua-lificação profissional, empregadas nosetor Saúde.

O cotejamento entre a oferta deeducação profissional e o quantitativode trabalhadores explicitado evi-denc ia a d imensão do desa f iocolocado para o setor Saúde. E nocampo das respostas engendradas peloEs tado , sobres sa i o Pro je to deFormação em Larga Escala , im-plantado a partir de meados dos anos80 e que tem na Escola Técnica deSaúde ou Centro Formador, aa l ternat iva para a resolução doproblema de baixa qualificação daforça de trabalho empregada nosserviços de saúde.

Também é importante destacarque, na década de 90, o papel dasEscolas Técnicas de Saúde se inscreveno cerne de três grandes processos emcurso na sociedade brasi le ira: areforma do aparelho do Estado, areforma educacional e a reformasanitária brasileira.

A Portaria Ministerial nº 1.298 de28 de novembro de 2000, ve ioformalizar a constituição de uma redenacional de ETSUS. O movimentonessa direção é fundamental para oavanço dessas instituições, ao mesmotempo em que se relaciona cominiciativas anteriores de ampliar ainterlocução interinstitucional, for-talecer esses espaços e ampliar acapacidade de normativa e reguladoradessas ETSUS no campo dos RecursosHumanos em Saúde. Nesse ponto éfundamental resgatar, por exemplo, oProjeto Escola.

Essa discussão, contudo, não podeser pensada de maneira dissociada aocontexto da Educação Profissional noBrasil. Assim, é importante consi-derar que, ainda na década de 70, osetor Saúde, à semelhança do queocorreu com a indústria e outrossetores, se viu obrigado a preparartecnicamente seus quadros, uma vezque e s tavam em expansão osprogramas de extensão de coberturae o sistema educacional não respondiaqualitativa e quantitativamente àsnecessidades da área da Saúde.

S imul taneamente é oportunorecuperar que a origem das EscolasTécn icas de Saúde remonta à

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implantação de programas sociais deextensão de cobertura por serviços desaúde recomendados por organismosinternacionais e assumidos comoPolíticas Públicas no Brasil, nos anos70, particularmente, o Programa deInteriorização das Ações de Saúde eSaneamento (PIASS), criado porDecreto Presidencial em agosto de1976, inicialmente para a RegiãoNordeste do País. (Brasil, 1979). Aquié forçoso rever que são diretrizesbásicas do Programa: ampla utili-zação de pessoal auxiliar, recrutadonas próprias comunidades a serembeneficiadas, a prevenção de doençastransmiss íve is , o atendimento adoenças mais freqüentes e detecçãoprecoce dos casos mais complexos, odesenvolvimento de ações de saúde deba ixo cus to e a l t a e f i các ia , adisseminação de unidades de saúdetipo miniposto, integradas ao sistemade saúde da região e apoiadas porunidades de maior porte e comple-xidade, a integração dos diversosorganismos públicos, a ampla parti-cipação comunitária e a desativaçãogradual de unidades itinerantes desaúde (Brasil, 1976).

As diretrizes básicas colocadasservem de base para a implantação deoutros programas, igualmente impor-tantes para o setor. Nesse contexto, éconstituído um grupo de trabalho,com prof i s s iona i s or iundos doMinistério da Saúde, da Educação, daPrevidência Social e da OrganizaçãoPan-Amer icana da Saúde . Essesorganismos firmaram um acordo coma finalidade de estudar a questão derecursos humanos da área da Saúde ede propor soluções, tendo em vista asproposições de Políticas Públicasadvindas do II Plano Nacional deDesenvolvimento – 1975-1979. Aspropostas apresentadas por esse grupoderam or igem ao Programa dePreparação Estratégica de Pessoal deSaúde (PPREPS), em 1976 (Macedoet alii,1980). Desse grupo de trabalhoparticipava a Enfermeira Izabel dosSantos, como uma das representantesdo Ministério da Saúde.

In ic ia - se , a s s im, o PPREPS,abrangendo 16 projetos, dos quais 11de treinamento e desenvolvimento derecursos humanos, sob a responsa-bilidade das secretarias estaduais desaúde (Macedo et alii, 1980). Seuobjetivo era “promover a adequação(quant i ta t iva e qua l i t a t iva ) deformação de pessoal de saúde àsnecessidades e possibilidades dosserviços por intermédio da progressivain tegração das a t iv idades decapacitação na realidade do sistemade saúde”.

A formulação e operacionalizaçãodo PPREPS já trazem implícita a idéiade introdução de processos educativosnos serviços de saúde, compreendidospara além de um programa, umprofessor, alunos, carteiras e materialdidático.

Os programas de preparação depessoal em larga escala (daí surge onome do Projeto conhecido no Brasilcomo Larga Escala), concebidos noprocesso de viabilização do PPREPS,optaram por alternativas em que ostreinamentos não constituíam umf i m e m s i m e s m o , m a s p o s -s i b i l i t a v a m a o s p a r t i c i p a n t e s ,analisar criticamente as propostasd o s s e r v i ç o s d e s a ú d e e d ed e s e n v o l v i m e n t o d e r e c u r s o shumanos face às reais necessidadesda população a que se rv iam, acriação de novas tecnologias e apar t i c ipação dos t re inandos naconstrução de modelos alternativosde assistência.

Dada a dimensão nacional doPrograma, surge a necessidade deorganização de um espaço estávele permanente de validação dos pro-c e s s o s d e c a p a c i t a ç ã o . A s s i mnascem os Centros Formadores deRecursos Humanos de nível técnicopara a saúde, com o objetivo deprofissionalizar todos os trabalha-dores de nível médio e elementarnecessários ao processo de trabalhoem saúde. A seguir l istamos, porregião, o conjunto de instituiçõesformalizadas nesse período.

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○Formação

Tabela 1

UF/Região Instituições

Região Nordeste

A L Centro Formador em Recursos Humanos para a Saúde “Dr. Waldir Arcoverde”

B A Escola de Formação Técnica em Saúde “Professor Jorge Novis”

CE Escola de Saúde Pública

PB Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde

PE Escola de Saúde Pública

RN Centro de Formação de Pessoal para os Serviços de Saúde “Dr. Manoel

da Costa Souza”

Região Sudeste

ES Centro de Formação em Saúde Coletiva

MG Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde/Escola de Saúde

Minas Gerais/ Fundação Ezequiel Dias – ESMIG/FUNED

MG Esco la de Qua l i f i cação Pro f i ss iona l /Fundação Hosp i ta la r de Minas

Gerais – FHEMIG

MG Escola Técnica de Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros –

UNIMONTES

RJ Escola de Formação Técnica em Saúde “Enfermeira Izabel dos Santos”

RJ Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio

SP Centro Formador – CEFOR de Osasco

SP Centro Formador – CEFOR de Araraquara

SP Centro Formador – CEFOR de Franco da Rocha

SP Centro Formador – CEFOR de Assis

SP Centro Formador – CEFOR de Vila Mariana

SP Centro Formador – CEFOR de Pariquera-açu

SP Centro Formador – CEFOR de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde

Região Sul

PR Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde “Caetano Munhoz

da Rocha”

SC Escola de Formação em Saúde

SC Escola Técnica de Saúde de Blumenau

Região Centro-Oeste

GO Centro Formador de Pessoal de Nível Médio para a Área da Saúde

MT Escola Técnica de Saúde (hoje transformada em Núcleo de Formação Técnica)

MS Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde

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No conjunto, essas escolas são deresponsabilidade e vinculadas às se-cretarias estaduais de saúde dos seusrespectivos Estados. Apenas duas sãomantidas por secretarias municipaisde saúde (CEFOR da Secretar iaMunicipal de Saúde de São Paulo e aEscola Técnica de Saúde de Blu-menau), três vinculam-se a fundaçõesdas secretarias de estado (duas deMinas e uma de Alagoas), uma perten-ce à Universidade Estadual de MontesClaros (UNIMONTES). A Escola Po-litécnica de Saúde Joaquim Venâncio,pertence à Fundação Oswaldo Cruz(FIOCRUZ) , un idade técn ico-científica do Ministério da Saúde.

Na sua história recente, essasescolas, além de oferecer cursos deeducação profissional básica e técnica,assessoram órgãos governamentais emassuntos referentes à área de recursoshumanos de nível técnico em saúde,pesquisam, articulam-se com prefei-turas e secretarias municipais desaúde, identificam fontes de recursosde projetos externos, em muitos casosparticipando de concorrência pública,desenvolvem métodos, técnicas ecurrículos inovadores no campo daeducação profissional em saúde.

Recentemente, diversas áreas dosetor Saúde vêm demandando dasEscolas do SUS a execução de cursosde e spec ia l i zação da formaçãotécnica, de modo, a atender setoresestratégicos e mais especializados,representados por serviços de média

e a l ta complexidade, ta i s comocentros c i rúrg icos , se rv iços dehemodiálise, laboratórios de refe-rência, urgência e emergência, unida-des de neonatologia, dentre outras.

A despeito da capacidade instaladanas regiões citadas anteriormente,merece destaque a inexistência deEscolas Técnicas de Saúde, vin-culadas ao SUS, na Região Norte, oque t raz enormes pre ju í zos aocombate de endemias e ao estabele-cimento de uma rede assistencial dequalidade em nível locorregional.

Para inverter essa situação e sebuscar romper com o circulo dainiqüidade no País, da falta de acessoaos bens púb l i cos na reg ião , oPROFAE do Ministério da Saúde,e s tará inves t indo e apo iando aimplementação de sete escolas naRegião Norte. A criação dessas escolastambém faz parte do Acordo deCooperação Técnica estabelecidoentre o Ministério da Saúde, por meiodo PROFAE e o Min i s té r io daEducação por meio do Programa deExpansão da Educação Profissional(PROEP).

A articulação política entre os doisministérios, viabilizada pelo diálogoefetivo entre os dois programas, comvistas no plano geral, à sinergia deresultados e, no plano específico àcriação e implementação de 11 novasETSUS, sendo sete na Região Norte,três no Nordeste, e uma na RegiãoSul, assim distribuídas:

Tabela 2

UF/Região InstituiçõesRegião Norte

AC Escola Técnica de Saúde do Acre

AP Escola Técnica de Saúde do Amapá

AM Escola Técnica de Saúde do Amazonas

PA Escola Técnica de Saúde do Pará

RO Escola Técnica de Saúde de Rondônia

RR Escola Técnica de Saúde de Roraima

TO Escola Técnica de Saúde do Tocantins

Região Nordeste

MA Escola Técnica de Saúde do Maranhão

PI Escola Técnica de Saúde do Piauí

SE Escola Técnica de Saúde de Sergipe

Região Sul

RS Escola Técnica de Saúde do Rio Grande do Sul

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○Formação

O que faz a diferença na ETSUS?

As ETSUS são, hoje, o mecanismoque a saúde possui para responder àsnecessidades de formação dos quadrospara o setor, na oferta da educaçãoprofissional para os níveis técnico ebásico, num primeiro momento,podendo avançar, posteriomente, atéa oferta de educação tecnológica.

Em que pese essa concepção deescola tenha sido gerada há quaseduas décadas, sua pertinência àsnecessidades de preparação de pessoalpara o setor Saúde e aos princípiosda educação profissional preconi-zados pela Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional (LDB) de1996, fazem dela uma escola aberta,moderna e flexível, atendendo àsnecessidades impostas pelo mundo dotrabalho, respeitando os princípios deuma educação ética e competente.

A inclusão é o princípio norteadorque orienta as demais características.O trabalhador empregado, indepen-dente do seu grau de escolaridade,tem acesso imediato, independente dequa lquer se leção. Se e le pres taserviços, há que fazê-lo sem riscospara si e para os outros. Isso é o quelhe assegura o ingresso na escola. Paramantê-lo no processo, as atividadescurriculares são organizadas de formaintegrada, constituindo-se o que sedenomina curr í cu lo in tegrado,considerando a prát ica real dossujeitos da aprendizagem de modoque possam refletir sobre ela, teorizare acrescentar conhecimentos, siste-matizar o que já se sabe, de modo quepossam voltar aos serviços com umaprá t i ca prof i s s iona l to ta lmentereformulada. Essa é uma de suascaracterísticas.

Currículo integrado é um planopedagógico que articula dinami-camente trabalho e ensino, prática eteoria, serviço e comunidade. Oconhecimento não é estático, acabado,definitivo. Sua renovação precisa estarconstantemente se inser indo naprática, e vice-versa, num movimentodialético, incessante de realimentaçãode idéias pelos fatos e dos fatos pelasidéias (Kramer, 1989). Nesse plano

pedagógico, os problemas e suashipóteses de solução devem tersempre, como pano de fundo, ascaracterísticas socioculturais do meioem que esse processo se desenvolve.Tal processo de formação se caracte-riza pela concepção pedagógica deintegração ensino-serviço, em que arealidade se torna a referência proble-matizadora e as ações educativas con-sistentes com a proposta da reformasanitária, no sentido de reorientar equalificar a prática profissional.

Moreira (1992), um estudioso dasprincipais tendências do pensamentocurricular no Brasil, defende “a idéiade se planejarem currículos que dêemaos estudantes voz ativa e crítica e quelhes forneçam o conhecimento e ashab i l idades neces sár ia s para asobrevivência e o crescimento domundo moderno. Essa concepção estáassociada à ênfase na necessidade dese trabalhar no sentido de levar oaluno a desenvolver força de vontade,discipl ina, respeito ao trabalho,constância nos esforços e propósitos.Mas também se pretende formarcidadãos críticos, autônomos, par-ticipantes, ativos e possuidores deconhecimentos e habilidades que olevem a contribuir para a promoçãode melhores e mais justas condiçõesde vida para todos” (Moreira, 1992apud Sá, 2000).

Essa é a razão pela qual a ETSUSfaz a opção pelo currículo integrado?Isso não está dado. Inclusive poucashoje adotam o currículo integrado.Nessa concepção foram elaborados osguias curriculares para a formação doauxiliar de enfermagem para atuar narede básica do SUS (Brasil, 1994),para a formação do auxi l iar deenfermagem para atuar na redehospitalar do SUS (Brasil, 1994), paraa formação do técnico em higienedental para atuar na rede básica doSUS (Brasil, 1994), para a formaçãodo atendente de consultório dentáriopara atuar na rede básica do SUS(Brasil, 1998). Foram ainda cons-truídos os currículos integrados paraa formação do técnico em patologiaclínica e técnico em farmácia, aindanão publicados.

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A e laboração des se mater ia ldidático sob a forma de currículosin tegrados l evou em conta aimportância de estimular a aquisiçãode conhecimentos, habil idades eatitudes, pois eles são o elemento-chave para o a l cance dascompetências.

O curr ículo integrado é umaproposta que permite:

- efetiva integração entre ensinoe prática profissional;

- avanço na construção de teoriasa partir da anterior;

- a busca de soluções específicase or ig ina i s para a s d i fe rente ssituações;

- a integração ensino-trabalho-comunidade; e

- a adaptação a cada realidadelocal e aos padrões culturais própriosde uma determinada estrutura social.

Outra opção pedagóg ica é ocurrículo correlacionado, que temcomo características principais aidentificação e definição dos pro-blemas de realidade, organizando-seos assuntos em torno de um temacentral.

A ETSUS que adota o currículointegrado para o ensino profissio-nal izante também est imula seusalunos a buscarem a complementaçãoda educação geral como parte doresgate da cidadania, na busca dodireito constitucional de escolaridademínima de oito anos para todos osbras i l e i ros . Com a inserção detrabalhadores em todas as áreas, outracaracterística que se destaca é a ofertada educação multiprofissional dentrodo setor Saúde.

O Conselho Nacional de Educaçãoaprovou habilitações profissionais nasseguintes subáreas: biodiagnóstico,enfermagem, estét ica , farmácia ,hemoterapia, nutrição e dietética,radiologia e diagnóstico por imagemem saúde, reabilitação, saúde bucal,saúde visual, saúde e segurança notrabalho e vigilância sanitária. PeloCenso de Educação Profiss ional

realizado em 1999, pelo MEC/INEP,a rede convencional de ensino ofereceprincipalmente cursos na área deEnfermagem, patologia cl ínica enutrição e dietética. A habilitação ea qual i f icação nas demais áreasnecessárias à operacionalização doSUS é ofertada quase que exclusi-vamente na rede das escolas técnicasde saúde, com exceção da estética quefoi recentemente incorporada ao setorSaúde.

Estando os trabalhadores dispersose distribuídos nos serviços de saúdede d i ferentes complex idades , aETSUS possui outra característicabás ica: a descentral ização. Paraatingir o fim para o qual foi criada,buscou-se implantar a escola-função,que vai até o aluno, levando a ele aoportunidade educacional, mesmoque ele resida num município distanteda sede da escola. Se toda a execuçãocurricular é descentralizada, os pro-cessos administrativos dos registrosescolares são centralizados na escolapara assegurar ao serviço de inspeçãoesco lar o contro le do processoburocrático.

Para que a escola possa atuar deforma descentralizada nos municípiosque demandam a formação dostrabalhadores, a ETSUS apresentaoutra carac ter í s t i ca impar naeducação profissional em saúde:preparar o profiss ional de nívelsuperior, dos serviços, para assumirtambém a função docente.

Ainda voltada para garantir aqualidade do processo educativo efacilitar a aprendizagem, desenvolveu-se nova característica voltada para oprocesso metodológico, privilegiandoos conhecimentos, experiências eexpectativas do aluno como ponto departida do processo ensino-apren-dizagem. A seleção dos conteúdosprogramáticos deve guardar umarelação direta com os problemasvivenciados pelo aluno, sendo aprática em situação real tambémconsiderada como experiência deensino e o ambiente de trabalho comoloca l pre ferenc ia l da formaçãoprofissional. Essa forma metodológica

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○Formação

de conduzir o currículo dispensaestágios convencionais. A práticasuperv i s ionada e o e s tág io sãorealizados durante todo o desen-vo lv imento das a t iv idades cur -r i cu lare s , não se l imi tando aotradicional estágio supervisionadooferecido ao f inal do curso. Asatividades práticas devem propor-c ionar ao e s tudante f reqüentesoportunidades para:

- observar outras pes soasdesempenhando determinadas opor-tunidades e tarefas a serem executa-das. No desempenho de tais tarefas oinstrutor ou supervisor deve tornarexplícito todo o “processo mental”utilizado para a sua execução;

- praticar as diversas habilidadesa serem adquiridas e acompanhadascom imediato retorno dado peloinstrutor ou supervisor.

Em ambas as oportunidades asatividades devem ser trabalhadas emcontextos em que se desenvolve oprocesso de trabalho ou naquele omais próximo possível da realidadena qual elas se desenvolvem.

O Ministério da Saúde e o fortalecimentodas ETSUS

O Mini s té r io da Saúde vemacompanhando ao longo desses anoso desenvolvimento das ETSUS pormeio da a tua l Coordenação dePolíticas de Desenvolvimento deRecursos Humanos e da EscolaPolitécnica de Saúde Joaquim Ve-nâncio/FIOCRUZ, aportando, inclu-sive, recursos financeiros específicospara o fortalecimento e modernizaçãoda rede de escolas do SUS.

O Acordo de Cooperação TécnicaBras i l do Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento(PNUD), o Projeto BRA/90-032,Desenvolvimento Institucional doMini s té r io da Saúde – Pro je toNordeste assegurou recursos para aformação de pessoal de nível médio,possibilitando ainda, o financiamentode estudos e pesquisas, o acom-panhamento e assessoria aos projetosestaduais , revisão, publ icação edistribuição dos guias curriculares

integrados tanto para alunos comopara os instrutores e supervisores. OProje to Escola , f inanc iado pe laFIOCRUZ, sob a coordenação daEscola Politécnica de Saúde JoaquimVenâncio, f inanciou, 10 escolaspreviamente selecionadas, a estru-turação e informatização dos registrosesco lare s e a capac i tação dossecretários escolares e gestores dessasunidades de ensino.

Em 1999, importante decisãopolít ica do Ministério da Saúdereescreveria a história das ETSUS. OGoverno Brasileiro firmou com oBanco Interamericano de Desen-volvimento o Contrato de Emprés-t imo nº 1215/OC-BR para odesenvolv imento do Pro je to deProfissionalização dos Trabalhadoresda Área da Enfermagem, cu joobjetivo é “melhorar a qualidade doatendimento ambulatorial e hos-pitalar, principalmente em estabele-cimentos que integram ou venhamintegrar o Sistema Único de Saúde,por intermédio da capacitação dostrabalhadores da área da Enfermageme do fortalecimento das instânciasreguladoras e formadoras de recursoshumanos para o SUS” (Brasil, 2000).

O PROFAE iniciou sua atuação defortalecimento e modernização dasETSUS, realizando um diagnósticopara verificar a viabilidade técnica,política e administrativo-financeiradaquelas unidades. O resultado dessediagnóstico trouxe à luz aspectosimportantes que têm sido objeto deinvestimentos no sentido de superarou minimizar a situação encontrada.

Na viabilidade técnica o PROFAEtem investido na reconstrução doProjeto Pol í t ico Pedagógico dasescolas, tendo em vista novos cenáriosno campo da saúde e da educaçãoprof i s s ional e a necess idade deexpansão não só das habilitaçõestécn icas , mas das qua l i f i caçõesbás i ca s para a lém da área daEnfermagem. A coordenação dealgumas áreas de fortalecimentotécnico foi assumida diretamente peloPROFAE, com investimentos quelevam à modern ização e que

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conformam e respaldam a construçãoda identidade das ETSUS.

Uma delas é a biblioteca, cujoacervo físico terá um tratamentoespecial baseado em metodologiainformatizada do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informaçãoem Ciências da Saúde (Bireme),chegando a té à implantação daBiblioteca Virtual em Saúde (BVS),com destaque para a área da educaçãoprofissional no setor.

Na área da informação e infor-matização, a aquisição de softwarese equipamentos trará um avanço paraos processos técnicos , adminis -trativos e gerenciais e finalmente, apreparação de quadros técnicos eadministrativos prevista pela escolaem seu Projeto de Investimentosfinanciado pelo PROFAE, se estendeaté a oferta de mestrado profissionalpara os quadros dirigentes de recursoshumanos das secretarias de saúde edas Escolas Técnicas de Saúde.

No campo da viabilidade política,no seu recorte de gestão, vem sendonegociado, com os dirigentes daentidade mantenedora da ETSUS, aofer ta de cooperação técn ico-financeira direta e indireta para aelaboração de estudos de alternativasde gestão e flexibilização.

Na viabilidade administrativo-financeira, cada escola elaborou seuprojeto de investimento no valor deR$ 500.000,00 financiados peloPROFAE, buscando fortalecer aquelespontos identificados como frágeisdurante a realização do seu plane-jamento estratégico. O fortalecimentoda ETSUS impõe a composição deuma agenda política compartilhadaentre os ges tores e s tadua i s e acoordenação do PROFAE noMinistério da Saúde. São questõesper t inentes à á rea de RecursosHumanos em Saúde, bastante com-plexas e importantes para o sistemaque precisam ser definidas pelo nívelestratégico do setor.

Em 2001, inicia-se um processo denegociação entre os gestores doPROFAE, no Ministério da Saúde, e

do PROEP, no Min i s té r io daEducação, para articulação entre asagendas complementares dos doisprogramas nacionais destinados àmelhoria da educação profissional noPaís. Iniciativa inédita até então, esseprocesso culmina com o estabe-lecimento de recursos e priorizaçãode ações que possam possibilitar oaporte de recursos para o setor Saúde,com vistas à construção de novasescolas do SUS, nos estados que nãodi spõem de e s t ru turas do SUSvoltadas para formação profissional denível técnico em saúde. Com esseAcordo Interministerial, os recursosdo Programa de Expansão daEducação Prof i s s iona l , a lém depossibilitar maior oferta da educaçãoprofissional em saúde, possibilitarãotambém promover maior qualidade doensino das existentes, por meio dofinanciamento de reformas e equi-pamentos pedagógicos para as escolaspertencentes à Rede de EscolasTécnicas do SUS (RET-SUS). Tambémjá estão assegurados recursos para esteano, para a construção e aquisição deequipamentos para as novas ETSUSdo Acre e Amapá, cujos projetos estãoem fase de finalização.

Considerações finais

As ETSUS possuem potencia-lidades e competências adquiridas aolongo desses anos que fortalecem suaposição de escola profiss ional aserviço das necessidades de qualidadedo S i s tema Único de Saúde e ,portanto, não poderiam deixar de sera lvo do e s forço que vem s idoconduzido pelo PROFAE no que serefere à execução de uma políticaintegrada de recursos humanos paraa área de Saúde.

A participação em processos edecisões que envolvem a área deRecursos Humanos, a interlocuçãocom as secretarias de estado da saúde,a busca de financiamento por meiode acordos de cooperação técnica, ogrande potencial de expansão, acapacidade de dar respostas imediatasàs demandas dos serviços de saúdees tabe lec idas pe la s secre tar ia sestaduais de saúde – SES e secretarias

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○Formação

munic ipa i s de saúde – SMS, acapacidade de articulação interins-t i tucional, o estabelecimento deparcerias com as prefeituras e outrasinstituições afins e o reconhecimentoda qualidade dos egressos eviden-ciados em resultados de concursos eseleções tornam as ETSUS um tipo deescola diferenciada.

Some-se a i s so , no campopedagógico, a possibilidade da ofertade cur sos de formação e e spe -cialização para nível técnico, decursos de qua l i f i cação bás ica etécn ica , a a s se s sor ia a órgãoscompetentes de recursos humanos naárea de educação profissional, acapacidade de planejar os cursos juntoaos serviços de saúde, coordenar esupervisionar a execução e avaliar astransformações ocorridas, a capa-cidade de oferecer aos municípios oscursos demandados, e o atendimentoa grande demanda para cursos abertosà comunidade são aspectos relevantespara a conso l idação do e spaçopedagógico de educação profissionalem saúde.

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Formação profissional e humanizaçãoFormação profissional e humanizaçãoFormação profissional e humanizaçãoFormação profissional e humanizaçãoFormação profissional e humanizaçãodos serviços de saúdedos serviços de saúdedos serviços de saúdedos serviços de saúdedos serviços de saúde

Professional preparation andProfessional preparation andProfessional preparation andProfessional preparation andProfessional preparation andhumanization of health serviceshumanization of health serviceshumanization of health serviceshumanization of health serviceshumanization of health services

Francisca Valda da SilvaPresidente da Associação Brasileira de Enfermagem - ABEn

Maria Dalva Gomes Alencar de Souza MenezesMestre em Educação – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Resumo: O artigo discute os impasses revelados na formação dos profissionaisde saúde, articulando os impactos possíveis dessa formação na prestação deserviços na área. Aprofunda o conceito de humanização, situando-o historicamentequanto ao seu surgimento e ao seu significado enquanto prática nos serviços desaúde. A questão fundamental circula em torno de temas como subjetividade,cidadania e qualidade de vida e ainda, como a saúde e a doença vinculam-se aesses temas. A partir da discussão, revela-se que a formação profissional deveráser permanente, sendo dessa maneira possível formar um profissional cidadão,comprometido com uma prestação de serviços de boa qualidade e assimcaracterizada como humanizada.

Palavras-chave: Formação Profissional; Humanização; Subjetividade; Qualidadede Vida; Cidadania.

Abstract: Discusses the impasses revealed along the training of healthprofessionals, articulating the likely impacts of such training on health services.It also examines thoroughly the concept of “Humanization”, by historicallyplacing it concerning its emergence and meaning as practice in health services.The core issue is about subjects like subjectivity, citizenship quality of life, aswell as on how health and illness are bound to them. The discussion reveals thatthe professional training must be a permanent process, therefore allowing forbringing up a citizen professional, committed to rendering good quality services,characterized as humanized ones.

Keywords: Professional Training; Humanization; Subjectivity; Quality of Life;Citizenship.

Análise

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○Formação

Introdução

Certamente o título deste artigosugere infinitas questões que estãoimplicadas entre si, pois não há comosusc i ta r idé ia s sem es tabe lecerrelações entre seus termos. Existemperguntas como: qual a formaçãoprofissional que se tem construído, setem oferecido e se tem exercido? Háalguma relação entre essa formaçãoprofiss ional , a humanização e aprestação de serviços na área deSaúde? A humanização dos serviçosde saúde vincula-se de alguma formaà formação profissional? Para essasques tões não é fác i l encontrarrespostas. No entanto, o exercício desuscitar questionamentos e procurarvias acessíveis à discussão dessestermos coloca-se como responsa-bilidade aos profissionais de saúde,pois der ivam daí duas questõesfundamentais: o que se tem privi-legiado na formação profissional naárea de Saúde e qual a relação quees sa formação mantém com aprestação de serviços humanizada?

Historicamente, a prestação deserv iços na área de Saúde vemprivilegiando e supervalorizando osavanços tecnológicos em detrimentoda relação cuidador e usuário. Osentido humanitário do direito àassistência nem sempre está presentena condição de princípio das políticasde proteção à saúde dos cidadãos.

Nos séculos XVIII e XIX, as açõesna área caracter izavam-se como“higienistas”, cuja idéia norteadoraera h ig ien ização dos loca i s demoradia com a intenção de evitardanos à saúde, e “sanitaristas”, mar-cadamente como responsabilidade doEstado em inaugurar e controlarhospitais e locais onde havia uso deequipamentos permanentes de saúde.

Nos estudos sobre a organização deserviços de saúde a presença do Estadosempre foi marcante. Ele tenta de umaou outra forma dar respostas à popu-lação, às suas necess idades deassistência. No entanto, realizandouma reflexão crítica nesse percursohistórico, pois desde o início dacivilização se tem buscado a preserva-

ção da boa saúde e da vida, na medidaem que o Estado tomou para si aresponsabilidade de representar eprovidenciar a satisfação das neces-sidades do cidadão nessa área, assimsuas políticas têm representado osinteresses de grupos que estão no podere de apenas parte da sociedade. Mashá sempre um movimento dialético,esses grupos mudam e também asdecisões do governo. As necessidadesem saúde também sofrem variações,uma vez que estão associadas amudanças sociais determinadas pelosfatores econômicos e políticos. Asmudanças de ações no setor da Saúdesão pressionadas desta forma por todaessa conjuntura. Há ainda a pressão degrupos sociais que não estão no poder,porém que criam movimentos demudança com suas demandas por umamelhor assistência na prestação deserviços. Diversos atores sociais epolíticos determinam então as políticasneste setor.

Foi então nessa luta de forças que,em 1979, no I Simpósio Nacional dePolítica de Saúde, realizado pelaComissão de Saúde da Câmara dosDeputados, o movimento represen-tado pe lo Centro Bras i l e i ro deEstudos da Saúde (CEBES) declarouem público as bases propostas para areorientação do Sistema de Saúde, queà época já se denominava SistemaÚnico de Saúde (SUS). Seus princípiosaliavam-se à democratização amplada sociedade, à universalização dodireito à saúde de natureza públicacom resolutividade, além de descen-tralizado e com ações curativas epreventivas de forma integral.

Essas conquistas ainda têm umlongo caminho a ser trilhado e semprehaverá movimentos de resistências àsmudanças. Contudo, o princípio daintegralidade proposto pelo SistemaÚnico de Saúde, dentre os outroscitados, aponta para questões cruciaisna prestação de serviços, pois apessoa não é um amontoado de partes,é um ser his tór ico, v ivendo emsociedade. E ainda, não há comodesv incu lar saúde e c idadan ia .Portanto, as ações devem privilegiar

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o sujeito e a comunidade, a prevençãoe o t ra tamento , re spe i tando adignidade humana.

Humanização: pr incípio ét ico parareorganização do atual modelo deatenção

A sociedade encontra-se, nos diasatuais, submetida a uma linguagem eestética que refletem um estilo de vidacompletamente subjugado por pers-pectivas tecnológicas, influenciandosobremaneira na subjetividade huma-na. Estética aqui não é referida comouma teoria sobre a estética em si ousobre a beleza, mas como um fenô-meno relacionado aos sentidos dacorporeidade humana, ou seja, comoo ser humano decodifica a presençade outro, e o que significa essa pre-sença em formas sensoriais para ele.

E o que seria então o aconte-cimento humano? Gilberto Safra(2001, p. 17), referindo-se ao tema,focaliza na corporeidade e acrescenta:

“Ao falar em corporeidade nãoestou me referindo ao corpo, comoé estudado pela biologia, mas merefiro ao organismo humano, quenão se reduz ao corpo – soma,compreendido como o lugar doacontecimento e do aparecimentoda subjetividade, a partir do qualse in i c ia o proces so desingularização e de aparecimentohumano.”

Dessa forma então, a noção dehumano se distancia da idéia defuncionalidade, influência herdada doIluminismo e tão freqüentementeestilizada pela Psicologia. O homemfuncional seria então aquele quenecessita interagir com a realidade ea vista disto toda noção de subje-tividade se vinculará à de funcio-nalidade. A idéia a ser enfatizada é ade que o ser humano não é umfuncionamento e que a melhor formade compreendê-lo é numa perspectivafenomenológica e, assim, acompanharo surgimento e o contexto de umasingular idade. O acontecimentohumano se constitui a partir de umlugar na subjetividade do outro e nãonum lugar físico. Não basta nascer

com corpo biológico para que se possaemergir como humano. Para que hajaacontecimento humano, é necessárioque ha ja o encontro ent re a ssubjetividades. Ainda na obra deGi lber to Sa f ra ( i d . , p . 18-19) ,encontram-se importantes contri-buições a esse tema:

“Não é possível falar-se dealguém sem falar de um outro. Oser humano não pode ser abstraídoda relação com um outro. Esseacontecimento originário inicia ac r iança em um proces so etemporalização, pois no momentoem que a c r iança nasce nasubjetividade de alguém passa a teruma história pessoal. Eviden-temente, a história pessoal vemprecedida de concepções assenta-das em tradições, mitos, mas essemomento originário significa quea criança nasceu em um mundohumano com um sent ido detemporalidade.”

O termo temporalidade é impor-tante, pois estará no alicerce dosurg imento da sub je t iv idade .Inicialmente, a idéia de a tempo-ralidade é vivida entre as pessoas nomeio ambiente e a c r i ança . Acorporeidade humana dará ritmo aesse tempo e a da presença humanado outro será s igni f icada pe losmovimentos do corpo em tempo esubjetividade.

Talvez a idéia do nascimento doser humano a partir da criação dasubjetividade do outro fique maisclara ao se pensar sobre a sobre-vivência de uma cr iança recém-nascida. Entre os seres vivos, esteparece ser o que nasce em maiorcondição de desamparo. Se nãohouver uma outra pessoa, alguém decuidados, que entenda os gestos dessepequeno ser desamparado, certamentesua vida não vingará. Se esse alguémnão traduzir os apelos, o choro, ainquietação, não lhe der estatuto demensagens a serem traduzidas eatendidas, a criança não terá a quemapelar, não virá ninguém ao seuencontro e ela poderá sucumbir porcausa de suas neces s idades .

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○Formação

Necess idades que mui to preco-cemente se misturarão entre auto-conservação e amor.

Assim, pode-se pensar que, nessecaminho percorrido até então, asubjetividade será constituída a partirdo encontro de um humano comoutro, das traduções que serão dadasàs mensagens env iadas nes seencontro, das marcas que essesencontros propiciam e ainda, dasmarcas deixadas no encontro com omundo, ou seja, como o mundorecebe cada um que nele chega parahabitar. Vemos dessa forma como,desde cedo, o ser humano é ativo,pulsante e é desejoso de ser signi-ficado em sua existência.

Esse sujeito humano pode serdefinido pela relação que mantémcom sua própria intimidade e com omeio em que está inserido: meiocultural marcado de valores, leis, ritose riquezas. O mundo simbólico jáex i s te ante s de le nascer e , aoencontrá-lo, ele irá transformá-lo, aomesmo tempo em que será trans-formado por ele. Nos dias atuais,parece que um dos mais gravesproblemas que se tem observado naconstrução das relações é que elas têmse constituído em princípios obje-tivantes, tem-se suprimido o mitoindividual, a história de cada ser, omodo como cada sujeito tem seuencontro com a cultura. Dessa forma,a subjetividade fica suprimida juntocom tudo mais que foge aos padrõesde controle.

Algumas questões precisam serenumeradas, a saber: o que de fatocaracteriza uma prática humanizada?O que seria “humanização no âmbitoda saúde”? Pode- se fa la r emhumanização sem inseri-la em outrasquestões da área? Respondê-las talveznão seja possível, porém articulá-lasna d i scus são se reve la comopossibilidade de aprofundamento.

A questão da “humanização”ganha repercussão nos trabalhos emsaúde a par t i r da ReformaPsiquiátrica. Toda a discussão dessemovimento g i ra em torno dacons t rução de prá t i ca s que

influenciem as Políticas de SaúdeMental já que seu eixo fundamentalé a não-segregação dos pacientespsiquiátricos. Inicialmente, o quelemos na história desse movimentosão fatos que mostram que de um ladoestava um grupo resistente às políticassegregatórias e excludentes e quelutavam por mudanças, e de outro, umgrupo que se opunha à s t rans -formações, mas que tentava, a todocusto, maquiar a desgraça em que seencontravam os internos confinadosem “hospitais-prisões”. Propunhamdessa forma algumas práticas que, aosolhos dos espectadores menos atentosparecessem mudanças, quando naverdade não aprofundavam asquestões sobre a assistência às pessoasnecess i tadas de cuidados e comsofrimento psíquico.

Magali Gouveia Engel (2001, p.203-204) , complementando econsolidando os estudos realizados noBras i l sobre o nasc imento e aconstituição das práticas e saberespsiquiátricos, a partir dos relatos dasvivências da loucura nas ruas do Riode Janeiro, no período entre 1830 e1930, cita uma passagem interessantee reveladora das práticas que seprestavam a maquiar os verdadeirosproblemas dos hospitais psiquiátricos:

“Situado num dos locais maisbonitos da cidade, o Hospício dePedro II acabaria se transformandonuma opção para os passe iosdominicais: ‘Já passou o tempo emque ninguém se atrevia a entrar emum hospital de doidos...onde eramencarcerados os míseros, como sefossem feras. Acorrentados presosao tronco...’(AZEVEDO, 1877apud ENGEL, 2001). Reclusa nohospício, a loucura era ‘huma-nizada’ e exibida como verdadeirot ro féu dos médicos . Nes sasex ib ições , o s loucos desem-penhavam papel secundário, poisa grande estrela do espetáculo eraa obra filantrópica e científica damedic ina. Espetáculo , enf im,bastante distinto das exibiçõespúblicas da loucura nas ruas dacidade e no Hospital da Miseri-córdia. Mas havia um outro lado

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des se e spe tácu lo da loucurarec lusa que , cont ra r iando osidealizadores do hospício, apro-x imava de fo rma ín t ima oHospício de Pedro II do Hospitalda Misericórdia.”

A mesma autora (POMPÉIA, 1982apud ENGEL, 2001, p. 204) destacaque “Raul Pompéia apreende de modobas tante pe r sp icaz e s se out rosignificado do espetáculo:”

“No domingo, abriram-se àvisitação do público as portas doHospício de Pedro II. A afluência foiconsiderável como em todas asvisitas de hospitais, espetáculos dosofrimento a que o povo transportaa sua curiosidade, com uma pontinhade ânimo perverso, que vem do circoromano, no caráter latino.”

Essa citação mostra claramente aquestão da “humanização-maquia-gem” e que se contrapõe à “huma-nização-princípio”. A humanizaçãocomo princípio ético, sob o aspectoda atitude pertinente às práticas emsaúde, carece do aprofundamento dasques tões quanto à saúde e àenfermidade, articulando-as em seusdeterminantes h i s tór i cos . Já a“humanização-maquiagem” propõeapenas so luções super f i c i a i s à smazelas que o setor Saúde vempassando dev ido aos pés s imospolíticos na área, o que implica emmá formação profissional e em máqualidade dos serviços.

Pode-se então a f i rmar que oconceito de humanização é articuladoàs políticas de saúde, ao modo peloqual se concebe qualidade de vida,saúde e cidadania. É a partir dessaarticulação que se pode pensar aconstrução de uma prática huma-n izada . É bem verdade que acrescente deter ioração do setorpúb l i co de saúde produz oindividualismo entre os membros dasequipes; nos serv iços , o e ternoad iamento das re so luções dosproblemas e um profundo desânimonos profissionais. Não se nega que hámovimentos de mudanças, mas há dese ter sempre em pauta as questõesem seu aspecto macro.

O individualismo suscita questõese atitudes que dificultam a produçãode um fazer comprometido commudanças . O ind iv idua l i smo,tentativa de cada um buscar soluçõesindividuais aos problemas que afetama equ ipe de cu idados , produzdificuldades para que o trabalho serealize em grupo. Produz, ainda, afalta de solidariedade com o usuáriodo serviço, angústia e competiçãoexacerbada, dif icultando toda equa lquer poss ib i l idade de sees tabe lecer a t i tudes e v íncu lossol idár ios . Qualquer prát ica deresistência a essas dificuldades deveráser pautada em pr inc íp ios quepriorizem o trabalho em equipe e aprodução de subjetividade.

Traba lho em equ ipe nes se spreceitos, define-se como o encontroentre vários atores que serão tambémautores de um projeto que tenhaobjetivos claros e em que o conceitode saúde e doença seja articulado aosseus de terminantes . A conce i -tual ização de inst i tuição deverácontemplar com clareza as diretrizese um planejamento vinculado aoco le t ivo e com propos ições derealização de ações integradas.

Uma prestação de serviços emsaúde compromet ida com ahumanização transcende questõesrelacionadas apenas à expressão desorr i sos , a l egr ia e “ace i taçãoincondic iona l do pac iente” . Otraba lho compromet ido com ahumanização só terá razão e sentidose, em sua existência, trouxer a marcada resistência a toda política de saúdeque anula os direitos do cidadão, sejaele o cuidador ou o que necessita decu idados . A poss ib i l idade dacirculação de afetos entre os membrosda equipe proporcionará a resistênciaao i so lamento , promoverá aexpressão da subjetividade e conse-qüentemente, a busca constante denovas formas de produzir ação eref lexão dessa ação, motor dasmudanças.

Uma assistência humanizada temsua razão e sentido nas mudanças derelação de poder, seja na instituição,

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○Formação

seja no encontro entre cuidadores equem é cuidado. Tem sua razão esent ido se e s t iver pautada natransdisciplinaridade, em que todosserão responsáveis pelo projeto detrabalho e pela construção das ações.Dessa forma, a singularidade de cadasujeito será reconhecida por meio doseu lugar ativo, onde cada voz, comonum coral, possui sua verdade.

A razão e o sent ido de umaintervenção humanizada trarão emseu cerne uma nova v i são deinstituição de cuidados. Sua definiçãoserá a de um espaço de convivênciaque acolhe, cuida e possibilita aut i l ização de diversos recursos ,enfatizando um projeto de invençãosocial e não se focalizando na doença.O ser humano não nasce quandoadoece. Para o profissional de saúde,cer tamente saber o caminhopercorrido pela doença tem seu valor.No entanto, o valor do trabalho dequem cuida está na possibilidade deestabelecer um encontro com quem oprocura. Encontro esse marcado nãoapenas pelo sofrimento da irrupção dadoença, mas pelas vicissitudes dosujeito no seu percurso em busca dasaúde, do respeito e da cidadania. Ocorpo b io lóg ico só poderá sersignificado como corpo psíquico eisso difere o ser humano radicalmentedos outros animais.

Projeto UNI-Natal: uma experiênciaintegrada de humanização

Muitas experiências têm sidorealizadas tendo a humanização comoprincípio norteador na atenção aousuário em serviços de saúde. Dentreelas pode se destacar algumasrealizadas pelo Projeto UNI-Natal (UmaNova Iniciativa dos Profissionais deSaúde: em união com a comunidade).(Projeto UNI-Natal, 2002).

O Pro je to UNI-Nata l é umainiciativa no campo da formação deprofissionais de saúde, pensada econs t ru ída em união com acomunidade. Teve início em 1995,desenvolvendo suas ações nos bairrosde Cidade da Esperança, CidadeNova, Felipe Camarão, Guarapes eBom Pastor, localizados na região

oeste de Natal, uma das quatro regiõesadministrativas da capital do RioGrande do Norte, alcançando umapopulação estimada em 200.000habitantes. Sua missão se resume emtrês aspectos: construir mudanças nomodelo de assistência e na práticaprofissional na Secretaria de SaúdePública do Estado do Rio Grande doNorte (SESAP/RN) e na SecretariaMunicipal de Saúde de Natal, efetivarmudanças no ensino da saúde naUniversidade Federal do Rio Grandedo Norte (UFRN) e promover odesenvolvimento comunitário para o“autocuidado” e o controle socialsobre os serviços e Políticas Públicasde Saúde.

O UNI-Natal desenvolve umaprogramação em torno de alguns dosproblemas que comprometem aschances das pessoas de viver, sedesenvolver e de alcançar qualidadede v ida , pr ior i zando, a s s im, otrabalho com crianças e adolescentes.

Essas inic iat ivas envolvem osseguintes parceiros: UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte,Secretaria de Saúde Pública do Estadodo Rio Grande do Norte, SecretariaMunicipal de Saúde de Natal (SMS-Nata l ) , a l ém de organ izaçõescomunitárias e parceiros formais:Associação Comendador Luís daCâmara Cascudo, Conselho Comu-ni tár io do Bairro de Cidade daEsperança, Fundação Fé e Alegria, eMovimento Nacional dos Meninos eMeninas de Rua.

Os problemas foram selecionadospor bairro, buscando contribuir noenfrentamento dos mai s gravesindicadores de saúde identificados emcada área: mortalidade infantil noBairro de Felipe Camarão; gravidez naadolescência em Cidade Nova; altoíndice de cárie e doenças periodontaise o crônico problema de falta demedicamentos e da automedicaçãoem Cidade da Esperança ; adesumanização da assistência naunidade de pediatria do hospitalestadual de referência em doençasinfecto-contagiosas, Hospital GiseldaTrigueiro (Quintas).

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Na fase I (1995/1998), foramelaborados e implantados os sub-projetos em quatro bairros da regiãooeste, com objetivo de experimentara mudança na lógica de organizarserviços de saúde – da demandaespontânea para a vigilância à saúde,definição de território, trabalho comproblemas, criação e redefinição deprotocolos de atenção e reorganizaçãode serviços. As experiências tambémbuscam a mudança no perfil dasprofissões de saúde e no modelo daprática multiprofissional no setor,como também o fortalecimento daação comunitária para o autocuidadoe controle social sobre serviços epolíticas do setor.

Na fase II (1999/2002), ocorreu aelaboração coletiva da proposta deinovação no pro je to po l í t i co -pedagógico do ensino da saúde naUFRN, com a parceria dos serviçosde saúde e da comunidade . Osprocessos de mudança no ensino sematerializaram por meio de trêsgrandes inic iat ivas: o ProgramaEstruturante de Extensão Univer-sitária Educação, Saúde e Cidadania(PESC), a Disciplina Saúde e Cida-dania (SACI), e o Projeto de Im-plantação do Laboratório Multi-profissional de Habilidades para oEnsino de Graduação da Saúde.

Pe la ação ar t i cu lada des sa siniciat ivas, o Projeto UNI-Natalreuniu um corpo docente de forma-dores de opinião e geradores de massacrítica que vem influenciando nosprocessos internos de mudanças doscursos envolvidos. Ainda dentro dasvelhas estruturas dos curr ículosantigos, o UNI-Natal promoveu eincent ivou a abertura de novoscampos de prática, fora dos muros dauniversidade, articulando a açãoensino-pesquisa e extensão univer-sitária de forma mais sintonizada comas necess idades das populaçõessubmetidas ao processo de exclusão,particularmente da região oeste doNatal.

O Projeto UNI-Natal, hoje, ocupaum lugar importante no cenário localcomo articulador e mobilizador de

recursos de diversas naturezas, tendoassumido um papel de catalisar eescutar os distintos atores envolvidonos três seguimentos que o compõem:universidade, serviços de saúde ecomunidade . Es sa ação vemproporcionando condições e criandoespaços comuns de discussão dedemandas e interesses. Esse reconhe-cimento é particularmente impor-tante, já que as condições concretasque o Projeto enfrentou para odesenvolvimento de sua missão, cujocenário é o interior de instituições defor te t rad ição em organizaçõesverticais e “tecnoburocráticas”, alémde uma comunidade com ba ixacapacidade de reflexão sobre suacondição e, conseqüentemente, deintervenção sobre seus própriosproblemas.

Nos dois primeiros anos da Fase Ido Projeto, houve necessidade deinves t imentos na adequação deespaços f í s i cos e aqu i s i ção deequipamentos e insumos para odesenvolvimento da proposta doPrograma UNI-Natal. Embora nãoes t ives se a í o “novo” a que sepropunha, essa ação teve papelimportante, haja vista a inexistênciade espaços em condições físicas eestruturais adequadas para o desen-volvimento das ações e inovaçõespropostas, por exemplo: a garantia dascondições para o estágio de alunos dagraduação nas unidades de saúde(atenção básica). Ao mesmo tempo,era desencadeado um processo deidentificação e mobilização de atorese lideranças com perfil e vontade deconstruir os princípios desenhadospelo movimento da reforma sanitária,que pas sa pe la cons t rução efortalecimento do Sistema Único deSaúde (SUS). Nesse processo defortalecimento, o Programa UNI temcontribuído, dentre outras coisas, nadiscussão para a propos ição dePolíticas de Recursos Humanos parao SUS (Brasil) e de formação em saúde(América Latina).

O Projeto UNI-Natal promoveuum esforço e realizou investimentossignificativos na formação de quadrose l ideranças , buscando uma

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○Formação

qualificação não só técnica, mastambém social, política e humana,contextualizada e sintonizada com area l idade loca l e g loba l . Es se sinvestimentos contribuíram para odesenvolvimento de conhecimentos ehabilidade nos campos gerencial,t écn ico , pedagóg ico e soc ia l ,ampliando a autonomia no “saberfazer”, aumentando a autoconfiançae segurança das pessoas em colocar-se, credenciando-as a participar dosprocessos de mudanças e, conse-qüentemente, influenciando sobrepolíticas e processos locais, assimcomo, em redes de âmbito nacional einternacional. Esse trabalho teminfluenciado na reconstrução de umainter sub je t iv idade dos gruposenvolvidos com essas experiências,com grande potenc ia l para aconstrução de novas identidades comotambém no processo de mudança nomode lo de a tenção , de recon-textualização dos papéis e da diver-sificação do rol de competênciasprofiss ionais , demandadas pelastransformações e regulações noprocesso de trabalho da saúde.

A mobilização de pessoas para umaação coletiva e a busca permanentede acordos foram uma opção decondução para o trabalho, tendo comopremissa o reconhecimento dosespaços de “micropoderes” existentesnas instituições, buscou-se a supe-ração da fragmentação, do confor-mismo, da dependênc ia , dapassividade e da submissão nas açõese relações existentes. Essa ação temcomo conseqüência a otimização dopotenc ia l de cada pes soa empromover mudanças nos modos deconceber, conhecer, saber, pensar efazer ação de saúde, com vistas àconqui s ta de maior cober tura ,qualidade e resolutividade.

As ações e subprojetos desen-volvidos pelo UNI-Natal e parceirosestão organizados a partir de trêsgrandes l inhas de atuação, que,embora cent radas em um doscomponentes – universidade, serviçosde saúde ou comunidade –, têm sedesenvolvido de forma integradaarticulando no planejamento e na

ação , pes soas dos demai s com-ponentes. São elas: desenvolvimentode novos modelos de atenção integralà saúde na SMS e SESAP; desen-volvimento de experiências inova-doras de ensino e apoio aos processosde implantação de projetos político-pedagógicos nos cursos de saúde naUFRN; organização e ação comu-nitária para a qualidade de vida e ocontrole socia l sobre serviços ePolíticas de Saúde.

Os projetos da academia têm comoespaço de realização os serviços desaúde e a comunidade. As expe-riências originadas nos serviços, alémda reorganização e humanização docuidado são campos de prática paraalunos de graduação e de pesquisa depós-graduação. As experiências dacomunidade têm contado com apoiotécnico-operac ional dos demaiscomponentes, ao mesmo tempo emque esta participa e apóia a disciplinaSaúde e Cidadan ia , bem comoatividades e eventos promovidoscoletivamente. Ao mesmo tempo, oUNI-Natal também estabeleceu comoestratégia a participação nos espaçosde discussão de decisão de políticasde saúde e educação, nos níveiscent ra i s da admin i s t ração dosparceiros institucionais, com vistas aapresentar e disponibilizar expe-r i ênc ia s e t ecno log ia s para osrespectivos gestores como alternativaspara solução de alguns dos problemaspor eles enfrentados.

Junto à Secretaria Municipal deSaúde, o UNI-Natal tem participadodas discussões e encontros prepa-ratórios para a definição das basespara uma política de atenção integralna cidade de Natal, no que se refereaos processos e políticas em áreasespecíficas, tais como: Saúde Bucal,Saúde da Criança, do Adolescente eda Mulher, Fitoterapia, humanizaçãodo processo de trabalho na atenção eno cuidado à saúde, e na articulaçãosaúde e cidadania.

Na UFRN, cuja estratégia deinstitucionalização tem ganho vultopela extensão universitária, o UNI-Nata l , por meio do Programa

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Estruturante de Extensão Educação,Saúde e Cidadania e da DisciplinaSaúde e Cidadania , tem participadodas discussões e contribuído para darcorpo ao pro je to da UFRN deimplementação de um Programa deAção Curricular em Comunidade, queintegra a extensão universitária,ensino e pesquisa, constituindo-se emum dos “espaços-laboratório” deconstrução da proposta.

Um outro movimento importantena academia foi a participação noprojeto de implantação do Labo-ratório Multiprofissional de Habi-lidades para o Ensino de Alunos deGraduação da Saúde, aprovado peloMinistério da Educação. Esse processofor ta leceu os movimentos deconstrução de projetos polít ico-pedagóg icos or ientados para oprocesso de implantação das novasDiretrizes Curriculares Nacionaispara os de graduação, em particularpara os cursos de Enfermagem eMedicina, cujos projetos já foramaprovados e implantados. Observa-setambém um impacto positivo sobre asdiscussões dos projetos dos Cursos deNutrição, Fisioterapia e Farmácia,que se encontram em fa se deelaboração.

Junto à comunidade, o ProjetoUNI-Natal tem participado e apoiado,técn ica e e s t ru tura lmente , aimplantação do Fórum Comunitáriode Promoção de Saúde pe laQua l idade de Vida em Fe l ipeCamarão, como também a articulaçãode uma rede local de comunidades,envolvendo todos os bairros, com aintenção de uma maior troca deexperiências e busca de identidadesque fortaleçam a organização e a açãocomunitária, o que vem se dando apar t i r do Pro je to ComunidadeInteragindo em Rede.

Essas duas iniciativas ganhamre levo por se rem in ic ia t ivascomunitárias aglutinadoras de muitaspes soas , e que e s tão dando aocomponente comunidade uma maiordirecionalidade para o aumento daautonomia e da capac idade dein tervenção , ao promover na

comunidade um importante debatesobre a constituição de redes sociaispara a conquista da qualidade de vida.Trata-se, portanto, de dois projetosestruturantes para o componente quejuntamente com as experiências doProjeto Saúde no Ar e o Projeto deReciclagem de Papel e Cidadaniacompõem o leque de espaços deconstituição de sujeitos na comu-nidade, fomentando a produção deconhecimentos e o desenvolvimentode habilidades e competências nasáreas de gestão social, comunicaçãoalternativa e alterativa, participaçãoe protagonismo para a conquista dacidadania e da qualidade de vida.

O Projeto UNI-Natal vive hoje ummomento em que a maioria dasexperiências e projetos desenvolvidosencontra-se em processo de insti-tuc iona l i zação . Entenda- se porprocesso de institucionalização, noUNI-Natal, o desenvolvimento ecapitalização do ideário do ProgramaUNI e dos conhecimentos gerados apartir das experiências locais, nasdiversas dimensões e espaços indi-viduais e coletivos, humanos, polí-ticos, sociais e organizativos. Emboraconsistente, esse processo não élinear, pois acontece com ritmosdiferentes, tempos diferentes e deformas distintas em cada componente.Institucionalizar compreende não sópor tar ia s e decre tos , mas umamudança de postura e atitude dasinstituições, grupos e pessoas.

O Projeto Redução da Mortalidadee Desenvo lv imento em Fe l ipeCamarão apresentou como produtose resultados alcançados: redução damorta l idade infant i l na área deatuação do subprojeto, de 34 por milnascidos vivos, em 1996, para 16 pormil nascidos vivos em 1999, sendomantido este índice nos anos de 2000e 2001; desenvolv imento e im-p lantação de protoco lo paraaplicação da Terapia de ReidrataçãoOral (TRO), como atenção à criançacom sintoma de diarréia ou desi-dratação, que, inclusive, já está sendoapl i cado em mai s de 30% dasUnidades de Saúde do Di s t r i to

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○Formação

Sanitário Oeste; implantação dePrograma de Formação de Multi-plicadores – permanente; construçãocoletiva, implantação e desenvol-vimento de Protocolo de Acolhi-mento; institucionalização no campode estágio, na atenção básica, paraalunos de Medicina, Enfermagem,Fisioterapia e Odontologia no aten-dimento ambulatorial e domiciliar(PSF); implantação do Evento Senti-nela para todas as mortes de menoresde 1 ano (realizado por alunos docurso de Medicina); consolidação dagarantia do atendimento para todas ascrianças que procurarem a unidadecom sintoma de infecção respiratóriaaguda, diarréia e desnutrição infantil;consolidação da parceria com osprojetos Pró-Natal e Midwifery queatuam na unidade materno-infantil daUnidade Mista de Saúde; participaçãona conquista do Prêmio HospitalAmigo da Criança conferido peloFundo das Nações Unidas para aInfância (UNICEF) para a UnidadeMaterno-Infantil do bairro de FelipeCamarão.

É impor tante c i t a r a inda osprodutos do Projeto Afetividade,Sexualidade e Regulação da Gravidezna Adolescência: redução da gravidezentre adolescente de 25,8%, em1998, para 22,5%, em 2001, do totalde partos entre mulheres do bairro;implantação e institucionalização doprograma de Natalidade Planejada,com base na concepção de afetividade,sexualidade e regulação da gravidezna ado le scênc ia ; conv i te aosadolescentes para participarem naorganização e planejamento do IIEncontro Potiguar de Adolescentes,ocorrido em 2000; campo de pesquisae estágio para alunos do curso deespecialização em Educação Sexualpromovido pelo FUNUAP/SSAP/UFRN; formação e inst ituciona-lização de grupos de auto-ajuda e demul t ip l i cadores juveni s para astemáticas da afetividade e sexualidadena Unidade de Saúde de Cidade Nova;construção coletiva de protocolos deacolhimento e humanização dosserviços; sensibilização e reconhe-cimento, por parte do nível Central

da SMS para a institucionalização dotrabalho com grupos de adolescentes;garantia do atendimento (clínico eodontológico) para os adolescentesinseridos no Programa; tendência demudança na porta de entrada dosistema de saúde e na forma decaptação da cl ientela; desenvol-vimento do protagonismo juvenil e dasnovas lideranças jovens.

Por fim, na tentativa de construirexperiências humanizadas na atençãoà saúde, vale a pena referir-se aoProjeto Sorriso de Criança, umareferência em humanização paraoutros serv iços de pediatr ia domunicípio e ponto de partida para alei estadual que regulamenta o direitoao acompanhante para crianças eadolescentes hospitalizados. Esseprojeto tem como objetivos prestaruma assistência humanizada à criançae ao adolescente hospi ta l izado,percebendo o paciente e a família demodo integrado; acolher o sofrimentohumano no momento da hospi -talização; garantir a aplicação doEstatuto da Criança e do Adolescente(artigo 12, capítulo. 1, Dos DireitosFundamentais – quanto ao acom-panhamento fami l i a r durante ahosp i ta l i zação) ; cons t ru i r umprotocolo de humanização para acriança hospitalizada considerando asnecessidades particulares da infânciae da adolescência, assim como asexpressões emocionais do acompa-nhante durante a hospitalização;instituir espaços de socialização deinformações sobre as doenças, aste rapêut i ca s u t i l i zadas e o seuprognóstico, bem como os direitos edeveres dos pac iente s e acom-panhantes – Grupo Informativo eLugar da Palavra – com vistas apromover uma participação ativa doacompanhante no proces so derecuperação da saúde da criançahospitalizada; utilizar o “brincar”como terapêutica auxiliar, possi-bilitando ao paciente a elaboração desua condição no hospital e conse-qüentemente, uma atitude mais ativano proces so de hosp i ta l i zação;contribuir para a elaboração deprotocolos de intervenção e atri-

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buições, dos membros da equipe,quanto ao acolhimento, orientação,informação e resolução de conflitos,frente à rotina de estresse aos quaisestão submetidos os membros daequipe, pacientes e acompanhantes.Dentre os re su l tados obt idos ,destacam-se a atuação como campo deestágio para alunos de diversos cursosda área de Saúde como Enfermagem,Medicina e Odontologia, e tambémpara brinquedistas de outras insti-tuições hospitalares; as mudanças noperfil das profissões de saúde e naorganização do trabalho hospitalar emdireção à uma as s i s t ênc ia ma i shumanizada, com maior respeito emrelação aos direitos dos usuários dosserviços de saúde; a construçãocoletiva de protocolos que promovamcuidados integrais à criança, fazendocom que o paciente seja visto erespeitado como um sujeito integradoem seus aspectos físicos, psíquicos eculturais, e não mais como umapatologia; o desenvolvimento de pro-tocolos de humanização do “brincar”e sua função terapeutizante para ascrianças no momento da hospitali-zação, com impacto positivo sobre adepressão durante o período hospi-ta lar e d iminuindo o tempo derecuperação; e, por fim, a construçãode novos aportes teórico-conceituaise produção de conhecimentos na áreada Atenção Hospitalar Humanizada,considerando uma prática interdis-ciplinar e multiprofissional.

A formação profissional: movimentopermanente de mudanças no contexto dehumanização da atenção à saúde

O pensamento racional na atualcultura está alicerçado em Descartes,em que a máxima “Penso, logo existo”expl ica , na cul tura ocidental , adivisão entre espírito e matéria e aconcepção do universo como umsistema mecânico,no qual, em geral,os organismos vivos são consideradosmáquinas formadas por peçasseparadas. Essa concepção cartesianaestá na base da maioria das ciências,da fragmentação das disc ipl inasacadêmicas e entidades governa-mentais e no tratamento prestado aomeio ambiente natural.

A concepção de que os organismosvivos são considerados máquinasformadas por peças separadas temefeitos muito danosos ao sujeitohumano. Como ele poderá fazer seusencontros na vida, se não houverpossibilidades de ver-se e ser vistocomo um todo? Como enfrentar osmales da civilização atual e criarmodos de sobrevivência f ís ica epsíquica? Bruno Bettelheim (1985,p. 10), a esse respeito, comenta:

“Para realizar tal proeza, não sepode mais manter separados o coraçãoe a razão. O trabalho e a arte, comoa família e a sociedade, não podemmais desenvolver-se à distância um dooutro. O coração destemido precisainvadir a razão com seu calor vital,ainda que a simetria da razão devaceder lugar para admitir o amor e apulsação da vida. Não mais podemoscontentar-nos com uma vida onde ocoração tem suas razões, que a razãodesconhece . Nossos coraçõesprecisam conhecer o mundo da razão,e a razão tem de ser orientada por umcoração informado”.

É possível que razão e coraçãojuntos possam produzir um novoolhar e pensar sobre as questões quesão colocadas com muita insistênciae diariamente a respeito da prestaçãodos serviços na área da Saúde.

Luís David Castiel (1994, p. 12)tece comentários sobre o título do seulivro “O buraco e o avestruz – Asingularidade do adoecer humano”, notocante à metáfora do buraco como:

“[ . . . ] re fe rente a um com-portamento atr ibuído às avesestrutioniformes de ‘escapar’ deameaças/dificuldades/problemas,lançando mão de (ou, melhor, acabeça) de mecanismos psico-lógicos denegatórios. Ou seja, aodepararem com situações incômo-das, enfiariam a cabeça em umburaco (feito na areia), como seas s im a fonte p rob lemát icadeixasse de produzir seus efeitos.”

Desse modo, ele fornece subsídiospara se pensar nessa metáfora com afunção de explicitar formas usuais deevitar a confrontação e o encontro

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○Formação

com situações de grande sofrimentono âmbito profissional. Situações que,ao menos pelos que preferem ospercalços das incertezas ao sossegodas falsas certezas, sabe-se que sãoproduzidas historicamente. A pro-dução científica, sob esse ângulo, estávinculada a interesses de grupos e deparadigmas. Nesse sentido, a metá-fora do “buraco” c i tada ante -riormente, pode constituir-se comoum momento de encontro com outraspossibilidades para além daquelaspré-determinadas pelo que se procura.É o que se pode chamar de elementosurpresa da pesquisa, quando se estáaberto a outras descobertas para alémdo que se espera encontrar. Issopressupõe um modelo de formaçãopermanente, comprometido com aqualidade do conhecimento para ain tervenção a que se propõe evinculado ao exercício da cidadania.

Pedro Demo (1996, p . 32) ,d i scut indo sobre Educação eConhecimento, escreve:

“Os t raços p r inc ipa i s dacompetência moderna ultrapassammarcantemente a posição passivae r epe t i t iva de gente apenastreinada. Pesquisa, por ser métodode ques t ionamento c r í t i co ec r ia t ivo , também é pr inc íp ioeducativo, porque é parte inte-grante do processo emancipatório.Não copiar propostas alheias, masconstruir e reconstruir as próprias,com hab i l idade ind iv idua l eco le t iva , é marca cent ra l dacapacidade de participar ativa-mente da inovação e da huma-nização da história. A reconstru-ção da própria experiência, alémde fomentar a pertinência cultural,transforma o fazer em saber fazer.Inovar supõe estar à frente dahistória, pela via da atualizaçãopermanente.”

Formação profissional seria, assim,um caminho trilhado continuamentee não apenas um momento inseridono tempo acadêmico. O profissionalnunca e s tará num momento decomple tude . Supondo-se que oconhecimento é sempre acrescido de

novos saberes, a formação será ummovimento permanente, não podendoconstituir-se como algo acabado ecompleto. Dentro desse princípio, aformação profissional será então umcaminho a ser trilhado por toda avida.

Parece haver sentido em concebera formação profissional como umpercurso a ser sempre construído ecomo algo inacabado. A sociedadepassa por constantes mudanças ,mudanças essas que interferem emarranjos e rearranjos de sobrevivênciafísica e psíquica dos sujeitos nelainseridos. O lugar ocupado por umapessoa será quase sempre demarcadoem função de relações de alteridade,mediante hábitos e costumes locais,regras jurídicas, valores culturais,tradições familiares, além de outrasquestões. Portanto, não há fim. Hásempre começo e recomeço.

Nesse sentido, Pedro Demo (id.,p. 53), escrevendo sobre a felicidadee a lógica da flor, parece vir emauxílio esclarecedor à idéia exposta:

“A felicidade tem a lógica da flor:não há como separar sua beleza dafragi l idade e do fenecimento.Entretanto o fenecimento não éapenas a destruição de sua beleza,mas condição de recomeço. Assim,deve-se aceitar que a flor é bonitaporque fenece. Flor que fica sempreé de papel, artificial. É cópia. A florviva vive a contrariedade da vida:desgasta-se, passa. A seguir, brota denovo. A felicidade possui o frenesido desejo eterno na sua estrutura,mas realiza-se na passagem intensade um momento na sua história. Serfel iz é multipl icar momentosfelizes. Ou: saber deglutir a infe-licidade, que é diária, para saborearmelhor a felicidade, sempre que forpossível. Felicidade, não se passa porela. É ela na passagem. A maiorinfelicidade é querer felicidadetotal, toda hora. Todo amor acabatraído. Dói. Mas recomeça.”

Uma formação profissional con-cebida como acabada pressupõe umconhecimento completo. A dor é

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saber que todo saber é incompleto. Ador é saber que a incompletude é omotor do começo, ou do eternorecomeço. Alguns preferem a ilusãoda completude, outros suportam adimensão da falta, a dimensão dohumano.

Parece então, ter-se avançado nasquestões suscitadas no início doartigo. Será que se tem privilegiadouma formação profissional perma-nente? Viu-se que, se assim for, aincompletude coloca-se como exis-tente e, dessa forma, parece ser maisfácil estabelecer critérios mais huma-nos na assistência à saúde. Por quê?

Se não há saber completo, se hásempre algo a ser reaprendido, épossível que dessa forma se possapensar em quem, ou a quem se estáprestando serviços em saúde. Épossível se pensar para que e comoestão se dando esses encontros. Sim,encontros, pois é na necessidade decuidados que surge a presença docuidador.

O enfoque técnico da saúde,resultante da concepção mecanicistados organismos vivos, não considerao potencial curativo do paciente. Acura vincula-se sempre a algumaintervenção externa. O corpo seco loca sem v incu lação , é umaentidade à parte, sem história, semdono e sem dese jos . Não seconsideram os aspectos sociais epsíquicos da doença sofrida pelosujeito que busca cuidados.

Nesse aspecto, pode-se retomar aquestão da formação profissional,e ixo temát ico dessa escr i ta . Naformação ocorre o mesmo processoque na assistência à saúde. A baseparece se r então a ques tão daeducação. Joaquim Gonçalves Bar-bosa (1998, p. 7) escreve sobre a“pedagogia da desautorização”, cujo

“[...] eixo central tem sido anegação desde as primeiras sériesescolares, daquilo que é produzidopelo aluno no que se refere aopensar, ao sentir, ao imaginar, aodec id i r, ao ag i r. . . em s ín te se ,negação do processo de produção

do aluno e, conseqüentemente,negação de seu proces so deautoprodução.”

Percebe-se assim, que há umadesvinculação, um esfacelamento noprocesso educacional. Barbosa (id.)ainda analisa que esse processo nãose dá apenas no âmbito escolar, esseprocesso é social:

“A pessoa é a grande vítimadeste século. Consideramos emnossas análises o trabalhador, oconsumidor, o professor, o gerente,o funcionário...mas não a pessoapor t rás desses papéis . Comoconseqüência imediata, não éd i f í c i l conc lu i r o porque dafalência da ética nas relações entreas pessoas, uma vez que a pessoainexiste enquanto categoria emnosso modo de pensar.”

Nesse sentido, Joaquim GonçalvesBarbosa (id.) propõe uma

“[...] educação para formaçãode autores cidadãos. Autor nosent ido de quem exerce suacidadania. A idéia de cidadania érica, pois possibil ita pensar osu je i to contemporâneo numaperspect iva his tór ica (não hácidadania fora da história); numaperspectiva geográfica (a mesma seinstitui numa geografia); numaper spec t iva soc io lóg ica , po i scidadania se constrói peranteout rem; numa per spec t ivapsicanalít ica, pois se trata deinstituir espaço para o incons-c i ente ; e numa per spec t ivaecológica, no sentido da qualidadede vida em sintonia e interaçãocom o meio ambiente em que vive,dentre outros.”

Assim, o “autor-cidadão” seriasujeito, autor e ator em sua obra quese revelaria de forma integrada, sejano público ou no privado. Parececolocar-se um momento ímpar parase pensar a formação profissional. Emconsonância com esses princípios, oque se espera então é que haja um“profissional-cidadão”, formado parao exercício da cidadania e implicadocom suas ações . Uma formação

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○Formação

vinculada e pautada nessa ética jamaisse furtará a encontros na vida e assimsendo, sua atuação profissional seráradicalmente diferenciada do modelovigente.

O modelo vigente na assistência àsaúde está vinculado, de acordo comas reflexões expostas, a aspectos damacropolítica. A crise não é só dasaúde, mas dos paradigmas para sepensar a s ques tões da contem-poraneidade.

Júlio César Silveira Gomes Pinto(1998, p . 121) , re la tando suaexperiência com alunos da área deSaúde , observa que há umadiscrepância entre os conhecimentosque se referem a técnicas para oestabelecimento de diagnóstico dedoenças e os conhecimentos relativosà vida emocional dos pacientes. O quese ensina nos cursos da área de Saúde,sobretudo nos de Medicina, é ocontrole dos pacientes. As perguntasobjetivas das anamneses e as decisõesrápidas explicitam o domínio domédico sobre o paciente. Em suaanálise conclui: “A hipótese é a de queo atual mercado de trabalho, onde seexige atendimento em massa, rápido,corrido, sem tempo para ouvir aspessoas, está determinando de modoquase completo a formação nasfaculdades.”

Nesse estudo, fica claro que aformação profissional tem valorizadoos conhecimentos a respeito doorganismo em detrimento aos da vidapsíquica e social da população. Eainda: “O método e o conteúdo doensino tradicional na área de Saúdedificulta ou impede a emergência dasubjetividade dos assistidos e que,para tal efeito, é necessário, ao longodos anos de formação solapar asubjetividade do futuro profissional desaúde” (id., p. 123).

Caminhou-se mui to . Há ummaravilhoso desenvolvimento tecno-lógico e, no entanto, questões antigasainda são suscitadas com estatuto denovidade. O velho invade o novo semao menos se dar ao trabalho de vircom nova roupagem. Muitas vezes nãohá sequer o trabalho de disfarçar-se

como nova questão. A crise atual ésobre tudo nas re lações . O“desenvolvimento” tem se eximido deresponder a duas premissas cruciaispresentes a qualquer rumo que sequeira tomar: para que e para quem?Dessa maneira, é possível que sechegue a uma outra questão: como?Assim, há a promessa de instaurar-seuma marca histórica nas ações comoum todo em nosso País.

Jurandir Freire Costa (1989),discutindo sobre as dificuldades queos profissionais de saúde encontramno seu dia-a-dia e sobre a capacidadede criar que se impõe na superaçãodessas dificuldades, analisa que asteorias não devem ser usadas comocamisas-de-força que impeçam osmovimentos criativos. Para ele, olugar das teorias é o da reflexão sobreo fazer e um lugar privilegiado desuperação aos impasses de cada dia.Diz ainda, que só se cria algo novoquando se corre o risco de por à provaos paradigmas científicos existentes.

É necessário correr o risco dediscutir sem medo a prática que setem construído entre os profissionaisde saúde. O máximo que poderáacontecer será a construção de novasreferências e, mesmo que isso possaatordoar os que se apegam às certezas,parece ser menos danoso que aobediência cega.

“Se o corpo humano é despe-daçado, o homem está morto. Se aalma é despedaçada, ele s im-plesmente se tornará mais obedientee nada mais” (SCHWARTZ apudCOSTA, 1989, p. 6).

Bibliografia

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BETTELHEIM, Bruno. O coraçãoinformado: autonomia na era damassificação. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1985.

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Recursos humanos e qualificaçãoRecursos humanos e qualificaçãoRecursos humanos e qualificaçãoRecursos humanos e qualificaçãoRecursos humanos e qualificaçãoprofissional: impasses e possibilidadesprofissional: impasses e possibilidadesprofissional: impasses e possibilidadesprofissional: impasses e possibilidadesprofissional: impasses e possibilidades

Human resources and professionalHuman resources and professionalHuman resources and professionalHuman resources and professionalHuman resources and professionaltraining: impairments and possibilitiestraining: impairments and possibilitiestraining: impairments and possibilitiestraining: impairments and possibilitiestraining: impairments and possibilities

Geraldo Biasoto JuniorDoutor em Economia – Universidade Estadual de Campinas

Resumo: Na construção do Sistema Único de Saúde (SUS), a administração derecursos humanos e a qualificação profissional acabaram tendo prioridadenitidamente marginal. O desenvolvimento tardio da maioria das secretarias deestado pode explicar parte desse comportamento. A Emenda Constitucional n.º29 e a Lei Complementar, que deverá regulamentá-la, abrem caminho parapolíticas no campo da gestão de recursos humanos.

Palavras-chave: Financiamento da saúde; Recursos Humanos; QualificaçãoProfissional, Orçamento; Sistema Único de Saúde.

Abstract: In the building up of the Unified Health System [Sistema Único deSaúde – SUS], human resources management and professional training were,notably, left aside the priorities. The late development of most State Secretariatsmay explain part of such behavior. The Constitutional Amendment n. º 29 andthe Complementary Law – which shall regulate the Amendment – open newpaths for policies in the field of human resources.

Keywords: Health financing; Human Resources; Professional Training; Budget;Unified Health System [Sistema Único de Saúde].

Análise

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○Formação

Introdução

O ob je t ivo des te a r t igo éidentificar alguns dos elementos queafetaram as Políticas de RecursosHumanos e Formação Profissional,nos últimos anos. Mais que isso,apontar os impasse s e a s pos -s ib i l idades aber ta s pe la s novaspolíticas e formas de ação, além dasalterações no ordenamento insti-tucional, especialmente as derivadasda Emenda Constitucional n.º 29, queversou sobre a questão administrativano setor público.

Importa identificar, de pronto, apequena re levânc ia que o temarecursos humanos teve durante todoo período que antecedeu a formaçãodo Sistema Único de Saúde (SUS). Agestão de recursos humanos foi, emgera l , uma que s t ão de menorrepercussão dentro do Sistema deSaúde brasileiro durante todo o seuperíodo de formação. A forma deatuação do Instituto Nacional deAssistência Médica da PrevidênciaSocial (INAMPS), basicamente umcomprador de serv iços , expl icag rande pa r t e de s s a pos i ç ãosubalterna.

O mesmo se aplicou à questão daqualificação profissional. A maiorparte do trabalho de qualificaçãof i cou sob re sponsab i l idade daspróprias instituições hospitalares,tanto no que diz respeito ao nívelsuperior quanto ao nível técnico ebásico. De forma complementar,quase ocasional, diversos estados emunicípios mantinham aparelhosformadores próprios, sempre limi-tados à qualificação de nível médio ebásico.

Algumas iniciativas de vulto comoo Programa de Preparação Estratégicapara Pessoal de Saúde (PPREPS) e oProjeto Larga Escala tiveram lugarainda antes da Constituição de 1988,mas , de nosso ponto de v i s ta ,reforçam as teses expostas , querecursos humanos e a qualificaçãoprofissional jamais desfrutaram demaior relevância para os gestores desaúde e de educação.

Características gerais do novo sistemade saúde e reflexos sobre a política decapacitação

A Constituição de 1988 deveriareverter de forma completa essequadro. Os formuladores da reformasanitária apostavam num modelo deaces so un iver sa l e g ra tu i to dapopulação ao Sistema de Saúde. Alémdo mais, este sistema seria gerido pelopoder públ ico e o serviço ser iaofertado por instituições e entidadesde caráter estatal ou assemelhadas.

Em princípio, a criação do SistemaÚnico de Saúde pela Carta Consti-tuc iona l , ve io dar contornoscomple tamente novos ao ve lhoINAMPS, na medida em que passoua prever, na forma do artigo 198, queas ações e os serviços públicos desaúde integrassem uma rede regio-na l i zada e h ie rarqu izada , masconst i tu indo um s i s tema único,descentralizado, com direção unitáriaem cada esfera de governo. Noentanto, no artigo imediatamenteposterior, a Constituição reabriutodas a s condições para que ainic iat iva pr ivada cont inuasse afornecer serv iços de ass i s tênciamédica ao setor público, ao disporque as instituições privadas poderiamparticipar de forma complementar dosistema, mediante contrato de direitopúblico ou convênio.

Embora toda a relação entre asaúde e o cidadão tenha sido repostaa outros marcos pela Constituição de1988, a relação entre os prestadoresprivados de serviços e o contratanteestatal apenas mudou de endereço, donível central para os níveis subna-cionais. Evidentemente, a representa-t iv idade pol í t ica dos segmentosprivados no Congresso Constituintedeterminou a solução de compro-misso que conformou o SUS como umsistema híbrido, em que convivemagentes públicos e privados. Valenotar que um subsegmento do sistemaprivado tem grande importância, asentidades filantrópicas, notadamenteas Santas Casas de Misericórdia.

A Lei n.º 8.080, em seus artigos15 a 19, deu substância ao formato

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descentralizado do Sistema de Saúdeque a Constituição apenas enunciara.Ela definiu as funções comuns e asespecíficas a cada esfera de governoe reforçou a ênfase no caráter deexecução dos municípios e planeja-mento por parte dos estados. Nuncaé demais enfatizar que a Lei n.º 8.080s igni f icou um marco dentro doprocesso de descentral ização doestado brasileiro, especialmente porseu enfoque em estruturas regionaisde gestão, organizadas de formahierarquizada.

A prática, como não poderia deixarde ser, demonstrou que a montagemde um sistema nacional de saúde émuito mais intr incada que aformulação e expressão em lei de umaconcepção de gestão. A intensa hete-rogeneidade entre as distintas unidadesfederadas e as diferentes correlaçõesde força entre as áreas de Saúde e asinstâncias de poder, em cada unidade,produziram uma ampla gama desituações e resultados das políticas eprocessos de descentralização.

Por uma série de razões, a des-centralização da execução e da gestãoda saúde foram realizadas por meiode uma ligação direta entre a União,representada pelo Ministério daSaúde e os municípios. De um lado,pelo interesse de muitos municípiosem assumir rapidamente as funçõesde saúde em seu espaço. De outro, amaior ia dos governos es taduaisdemonstrou grande dificuldade emacompanhar a velocidade do pro-cesso, ou mesmo se situar frente aosmecan i smos ins t i tuc iona i s dadescentralização.

As Normas Operacionais Básicas(NOBs) deram os parâmetrosessenciais para esse processo dedescentralização. Em 1991, 1993 e1996, o Ministério da Saúde pro-moveu o d i rec ionamento des seprocesso, por meio desse conjunto deportarias ministeriais que, ao lado daextinção do INAMPS, alteraramcompletamente a gestão do conjuntodas ações de Saúde Pública. Eviden-temente, uma descentralização dovulto da brasileira teria que se fazer

num curso extenso de tempo. Masapenas a partir da NOB de 1996, oprocesso de descentralização chegoude forma efetiva à gestão dos sistemasde saúde municipais.

A posição dos gestores dentro doprocesso de descentralização

O ponto que vale destacar em todoesse processo é o papel reservado aoEstado e a efetividade do mesmo.Nenhum papel efetivamente especialfoi reservado ao Estado na gestão ouna capacitação de recursos humanos.Em seu artigo de número 15, a Lein.º 8.080 é explícita:

“A União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios exercerão,em seu âmbito administrativo, assegu inte s a t r ibu ições . . . IX -participação na formulação e naexecução da política de formaçãoe desenvolvimento de recursoshumanos para a saúde; parti-c ipação na fo rmulação e naexecução da política de formaçãoe desenvolvimento de recursoshumanos para a saúde.”

Ou seja, a atribuição indefinida nocampo dos recursos humanos foi atônica do processo de descentralização.

É importante destacar que umelemento pertencente aos esforços decontrole das finanças estaduais emunicipais acabou exercendo papelextremamente perverso nesse con-texto. Esse elemento é a Lei Camata,cujos fundamentos foram posterior-mente incorporados à Le i deResponsabilidade Fiscal. O problemaé que diversas administrações já seencontravam no limite dos 60% degastos com pessoal ainda em meadosda década de 90, ainda antes dea f lorarem mai s densamente osprob lemas der ivados dos dese -quilíbrios com os inativos e aposen-tados do serviço público. O resultadofoi que as administrações tiveramposturas extremamente conservadorasquanto aos gastos com pessoal, quese estenderam para todos os camposda gestão e capacitação de recursoshumanos. Em verdade, em diversasáreas da admin i s t ração , a t e r -

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○Formação

ceirização de serviços intensivos emmão-de-obra foi a saída para situaçõesde absoluta inviabilidade frente àlegislação.

A presença do setor privado navenda de serviços ao SUS resultounuma dinâmica ainda mais perversapor parte de diversos estados. Tendoem vista que o setor privado poderiaoferecer os serviços e diversas pre-feituras assumiam o desafio de am-pliar a capacidade própria de aten-d imento em saúde , os e s tadosreduziram seu papel, abdicando defunções que a estrutura do sistemalhes reservava. As ações de média ealta complexidade t iveram com-portamento impar. O grande interessepela rentabilidade e possibilidade dearbitragem de clientelas pelas enti-dades privadas, entre a prestação deserviços ao SUS, aos planos de saúdee mediante pagamento, acabaramfazendo o Estado abdicar dessas açõesa deixar o caminho livre para asentidades privadas com fins lucrativose as entidades filantrópicas, nas quaiso lucro também foi um objetivo emvários casos, em que grupos privadosexploravam os equipamentos.

Ao mesmo tempo em que a sadministrações estaduais não tinhamgrande interesse em promover umaboa gestão de recursos humanos parao sistema, as administrações muni-cipais lutavam com problemas deescala de suas ações em saúde. Alémdisso, com a carência de pessoalcapacitado, tanto na área públicaquanto na privada, o nível de rota-t ividade poderia ser muito alto,problematizando a execução de umaPol í t ica de Capaci tação por ummunicípio. Tanto pela escala de suarede como por sua capac idadefinanceira, o município de São Paulopoderia ser a exceção a esse processo.No entanto, justamente no caso deSão Paulo, os elementos aventadosanteriormente, propensão a privatizara prestação de serviços e a expectativade redução do comprometimento daadministração com gastos de pessoal,levaram à desastrada experiência doPlano de Assistência Médica (PAS).

As possibilidades abertas pela EmendaConstitucional nº 29

A questão do financiamento dasaúde apresentou-se em toda suadramaticidade na área de RecursosHumanos. Por um lado, a dificuldadede crescimento da fatia relativa àsaúde dentre o conjunto dos gastosestaduais, por outro, a expansão doquantitativo de inativos do setorSaúde , in t roduz i ram res t r i çõesadicionais à administração de recur-sos humanos . Inc lus ive , com alimitação de gastos com pessoal paraas administrações públicas, impostapela Lei Camata, seguida pela Lei deResponsabilidade Fiscal. Em síntese,as condições para a expansão do gastopúblico com pessoal, durante os anos90, foram extremamente adversas.

No campo das administraçõesmunicipais, as condições foram bemmelhores em decorrência de duasespecif ic idades. De um lado, osrecursos disponíveis, já contabilizadasas transferências constitucionais,decorrentes de impostos, tiveram ocomportamento mais favorável detodas as receitas públicas, em razãodo formato da reforma do sistematributário, realizada pela Constituiçãode 1988. De outro, porque, nasadministrações municipais, sofrerammuito menos com o incremento dafolha de inativos do que suas má-quinas administrativas e de prestaçãode serviços, pois eram de perfi lmuito mais jovem, especialmente naárea da Saúde, em que a atuação dasadmin i s t rações munic ipa i s e raespecialmente l imitada. Isso deucondições a um comportamentodiferenciado dos municípios, nota-damente a s cap i ta i s e os pó losregionais de saúde.

A Emenda nº 29 abre enormescondições para que seja redefinido opapel da gestão de recursos humanose da capacitação profissional noâmbito das administrações estaduaise municipais. A Emenda vinculourecursos para a área da Saúde, tendocomo base a receita de impostos etransferências derivadas de impostos,num conceito semelhante ao da

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vinculação da educação. Para osestados, a vinculação, em 2004, seráde 12% da receita; para os muni-cípios, será, no mesmo ano, de 15%.Justamente para não ensejar umproblema mais grave para as finançasdos estados e municípios, fixou-se umpiso de 7%, em 2000, para que, apartir daí, por meio de elevaçõesanuais, seja alcançada a meta de 12 e15%, em 2004.

A Tabela 1 mostra a situação daRegião Norte com os valores gastosem 2000, e a expectativa de gasto em2004. Para os estados do Amazonas,do Acre e de Roraima, os gastos jásão até superiores aos níveis derelação despesa-receita vinculávelprevistos na Emenda, não sendo, porisso, exigível nenhuma correção. Noscasos do Pará, de Tocantins, deRondônia e de Amapá, em que adespesa própria em saúde situou-seentre 7,44% e 8,26% em 2000. Omero cumprimento do mandamentoconstitucional implicará na expansãode gasto anual em 2004, situada entreR$ 32 e 96 milhões. No conjunto, ogasto com saúde será cerca de R$ 200mi lhões maior, sem contar osincrementos de receita, relativos aoavanço da atividade econômica.

A Tabela 2 mostra os mesmosindicadores para a Região Nordeste. Oúnico estado que, em 2000, já atingiuo piso de gastos com saúde de 12% dareceita vinculável é o Rio Grande doNorte. Os outros estados se dividemem dois grupos: a) Pernambuco, Cearáe Bahia, com níveis de compro-metimento entre 8,1 e 9,7%; e b)Sergipe, Maranhão, Piauí e Alagoas, emque os níveis de comprometimento nãopassam de 5%. Assim sendo, a meraaplicação da Emenda Constitucionalimplicará aumentos nos gastos comsaúde entre R$ 60,5 milhões, caso doCeará, e R$ 171 milhões; caso doMaranhão, que apresenta um nível decomprometimento baixíssimo. Noconjunto, os estados da região terão queaplicar mais R$ 910 milhões em saúdeaté 2004.

A Tabela 3 mostra a situação dasRegiões Sudeste, Sul e Centro-oeste.

No Sudeste, as situações são bastantediferenciadas, porém a mais precáriaé a de Minas Gerais, no qual o gastocom recursos próprios, em saúde,situou-se em apenas 3,74% da receitavinculável . No caso do Espír i toSanto, esse indicador apontou para10,37%. O estado de São Paulo,embora tenha se situado acima dopiso fixado para 2000 (7%), com amarca de 7,8%, deverá, para cumpriros requisitos da Emenda até 2004,ampliar seu gasto, no mesmo ano, emR$ 1,1 bilhão. Na soma dos quatroestados da Região Sudeste, a evoluçãoanual de gastos culminará, em 2004,com despesas superiores ao ano 2000,em nada menos que R$ 2,3 bilhões.

Na Reg ião Su l , a s i tuação ébastante heterogênea. O estado deSanta Catarina apresenta o maiorcomprometimento, com mais de 8%.O Rio Grande do Sul não chegou, em2000, ao piso estabelecido pelaEmenda, mas não está distante, dadoque a participação chega a 6,6%. Jáo caso do Paraná é o mais grave, dadoque ele gastou, em 2000, apenas 2,4%de sua receita vinculável. O plenoatendimento aos requ i s i tos daEmenda envolverá gastos adicionaisde R$ 800 milhões para os trêsestados, sendo que, apenas o Paranáterá que aumentar em R$ 428 milhõessuas despesas.

No caso da Região Centro-oeste,a Tabela 3 mostra que o DistritoFederal e o estado de Goiás , jádemonstram alto grau de compro-metimento com as despesas comsaúde. Ao contrário, Mato Grosso eMato Grosso do Sul mostram níveismuito inferiores ao piso estabelecidona Emenda para 2000. No conjuntodos três estados, mais o DF, os gastosdeverão sub i r cerca de R$ 340milhões.

No conjunto das administraçõesestaduais, os gastos com saúde, semcontar a expansão de receitas decor-rente do crescimento da economia oude alterações na legislação tributária,deverão ter uma expansão paulatinaaté chegar a R$ 4,5 bilhões em 2004.O uso des se recurso não fo i

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○Formação

regulamentado pela Emenda Consti-tucional, mas é um espaço em aberto,no qual as administrações poderãoarbitrar todas as ações e serviçospúblicos em saúde. Vale dizer, osgestores estaduais estarão decidindoentre mais contratos com prestadoresprivados, novos hospitais públicos,novas equipes de saúde da família,mais distribuição de medicamentos,ampliação dos salários dos servidores,reforço a mecanismos de capacitaçãoprofissional, dentre outros.

A Tabela 4 mostra os dados paraas capitais. Podemos dividi-las emtrês grupos . O pr ime i ro de le s ,formado por Porto Alegre, Cuiabá eCampo Grande , os n íve i s devinculação previstos para 2004 jáforam ultrapassados em 2000. Osegundo grupo, formado por Palmas,São Luís, João Pessoa, Natal, BeloHorizonte, Vitória, Rio de Janeiro,São Paulo, Curitiba, Florianópolis eGoiânia, superou, em 2000, o piso devinculação, mas se encontra abaixodos 15% previstos como nível devinculação plena. O terceiro grupo éformado pelo restante das capitais,que nem atingiu o piso de vinculaçãoem 2000. Vale notar que o cum-primento da Emenda resultará emrecursos ad ic iona i s de R$ 627milhões em 2004, com expansãopaulatina até aquele ano.

É importante entender que aEmenda Constitucional representauma grande chance para que a áreade Recursos Humanos, notadamentenas administrações estaduais, ganheenorme espaço. Seja na gestão daPolítica de Pessoal, seja na construçãodo aparelho formador. A preservaçãode uma parce la dos ganhos en-volvidos, para aplicação nesta área,envolve uma oportunidade talvezún ica na h i s tór ia da saúde . Éimportante notar que o GovernoFederal foi à frente, implementandoo Projeto de Profissionalização dosTrabalhadores da Área de Enfermagem(PROFAE) e a s capac i tações equalificações em saúde da família.Mas será a condução das PolíticasEstaduais, pactuadas com os gestores

municipais, que definirão seu peso ea abrangência.

A Lei Complementar, enunciadapela Emenda Constitucional n.º 29,desponta como locus, por excelência,dessa discussão porque vai identificara postura das autoridades públicasfrente aos compromissos com aformação de pessoal e a gestão derecursos humanos. De todo modo,trata-se de uma grande oportunidadepara colocar a discussão de recursoshumanos ao lado dos grandes temasda saúde: financiamento, gestão emodelo de atenção.

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○Formação

Bibliografia

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Entrevista Izabel dos Santos

Escolas Técnicas de Saúde do SistemaEscolas Técnicas de Saúde do SistemaEscolas Técnicas de Saúde do SistemaEscolas Técnicas de Saúde do SistemaEscolas Técnicas de Saúde do SistemaÚnico de Saúde (ETSUS)Único de Saúde (ETSUS)Único de Saúde (ETSUS)Único de Saúde (ETSUS)Único de Saúde (ETSUS)

SUS TSUS TSUS TSUS TSUS Technical Schools in Healthechnical Schools in Healthechnical Schools in Healthechnical Schools in Healthechnical Schools in Health(ETSUS)(ETSUS)(ETSUS)(ETSUS)(ETSUS)

A entrevistada Izabel dos Santos é consultora do Projeto de Profissionalizaçãodos Trabalhadores de Enfermagem, da Secretaria de Gestão de Investimentos emSaúde (SIS), do Ministério da Saúde. Enfermeira desde cedo, participouativamente de processos que têm por objetivo promover a melhoria das condiçõesde saúde da população, é referência inconteste da área de Recursos Humanosem Saúde. Sua contribuição sempre esteve vinculada à criação de processos emétodos que pudessem propiciar a emancipação dos trabalhadores do setor Saúde,por meio da elevação de sua condição cidadã. Para isso, foi precursora e, pode-se dizer, “criadora” do Projeto Larga Escala de formação de pessoal para saúde,desenvolvido no Brasil a partir dos anos 80. Seu trabalho se baseia na articulaçãoindissociável entre saúde e educação, como necessidade intrínseca ao processode trabalho em saúde. Docente de Enfermagem em Saúde Pública, na Escola deEnfermagem da Universidade Federal de Pernambuco, de 1965 a 1974. Foitambém consultora da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) no Brasil.Nesta entrevista, a professora Izabel dos Santos fala da importância das EscolasTécnicas de Saúde do SUS no contexto de reorganização das práticas sanitárias.

The interviewed, Ms. Izabel dos Santos, is a consultant to the ProjectProfissionalização dos Trabalhadores de Enfermagem, of the Secretaria de Gestãode Investimentos em Saúde – SIS [Secretariat on Management of Investment inHealth], of the Ministry of Health. As a nurse for a long time, she has activelyparticipated in processes addressed to promoting the improvement on population’shealth conditions and, undoubtedly, is a reference in the field of HumanResources in Health. Her contribution has always been bound to the establishmentof processes and methods that could allow for the emancipation of Health Fieldworkers, by raising their status as citizens. For that, she was a precursor and,one might say, the “creator” of the Large-Scale Project on training to healthstaff, developed in Brazil since the 1980’s. Her work is based on the indissolubleassociation between health and education, as an intrinsic requirement to thework in health. She was a Professor of Nursing in Public Health, at the NursingSchool of the Federal University of Pernambuco, from 1965 a 1974. She wasalso a consultant to the Pan American Health Organization (PAHO) in Brazil. Inthis interview, Professor Izabel dos Santos talks about the relevance of SUSTechnical Schools in Health and their importance in the context of reorganizingsanitation practices.

Izabel dos SantosConsultora do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE) –

Ministério da Saúde.

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○Formação

Formação – As Escolas Técnicasde Saúde do Sistema Único de Saúde(ETSUS) estão sendo reestruturadas.O que é necessário para que o SistemaÚnico de Saúde (SUS) absorva ple-namente o que elas oferecem?

Izabel dos Santos – Para que asEscolas Técnicas de Saúde tenhamvisibilidade e sejam reconhecidas peloSUS, é preciso realizar um trabalhoconjunto. Existem várias iniciativasque podem ser incorporadas. Umadelas é que a escola se torne cada vezmais parceira do Sistema Único deSaúde. A exemplo das escolas agro-técnicas que têm uma forte parceriacom o setor agroindustrial, as escolastécnicas de saúde devem atuar emparceria com o SUS, porque todo oprocesso tecnológico está nesta redede saúde. O fortalecimento dessarelação é essencial. Ele se inicia coma eleição de prioridades, desde aidentificação das categorias profis-sionais que necessitam de formaçãoaté a estruturação de programas deeducação permanente.

Torna-se imprescindível a intensi-ficação dessa parceria para acom-panhar as exigências desse mercadoprofissional em estruturar currículospor competência. A competênciaprofissional não pode ser estabelecidapela escola, porque não é na escolaque ela se constrói, é na prática real,ou seja, no desempenho das atividadesem serviço. O Sistema de Saúde équem vai dizer para a escola qual acompetência, entre as diferentescategorias, ele vai absorver. Isso éuma tarefa nova que vai requerermuito esforço e muito trabalhoconjunto. Se isso se concretizar, essaesco la se tornará necessár ia aoSistema Único de Saúde e, como elaestá se reestruturando, não poderáperder de vista essa direcionalidade.

F – Do seu ponto de vista, qual éa causa dessa desarticulação da EscolaTécn ica com a organ ização doSistema Único de Saúde?

IS – São várias as causas. Dentreelas está o modelo de escola quetrabalha o conhecimento sem umcompromisso real com a prática

profissional. Nessa concepção deescola, o que existe é a valorizaçãodo conhecimento pelo conhecimento.Esse movimento de ens ino porcompetência profissional que está seampl iando é , na verdade , umaestratégia para fazer com que a escolase comprometa também com a práticaprof i s s iona l . Por outro l ado , aformação e a qualificação profissio-nais não são valorizadas como umaexigência para a produção de serviçosde saúde. De fato, ainda existe umranço de t re inamento por t re i -namento. O baixo índice de qualifi-cação que temos ver i f icado nosprofissionais de nível médio demons-tra claramente a falta de conscienti-zação de gestores dessa área sobre aimportância desta formação para aqualidade do serviço de saúde para ousuário. Já em relação ao nívelsuperior, essa percepção é maispresente.

F – Como promover esta articulaçãoentre os setores de Recursos Humanose a Política de Recursos Humanos nocampo da Saúde?

IS – Essa pergunta é mui tointeressante. Recentemente eu discutiessa questão com um profissional queestava saindo do setor público eentrando para o se tor pr ivado.Estávamos exatamente estabelecendoessa diferença, na área privada, o setorde Recursos Humanos é fundamentalem todas as decisões, enquanto naárea pública, este setor é, na maioriadas vezes, ignorado e, em conse-qüênc ia , a s dec i sões são todastomadas à revelia dele. A perguntaque faço é a seguinte: Por que, apesarde todos os nossos esforços com apreparação de gestores de recursoshumanos do SUS, isso ainda não setornou uma ação permanente?

F – De acordo com essa visão, issoé quase contrad i tór io . O se torpúblico, em determinado momento,se referiu à mais-valia, exército dereservas, profissionalização...

IS – É verdade, mas quando chegaa ocas ião de usar o gerente derecursos humanos para pensar umaproposta de produção isso não ocorre,

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porque o clientelismo ainda atravessaessa área e o setor público não temmuito interesse em modernizar esseprocesso de uma forma mais efetiva.É realmente um paradoxo. De umlado, se esforça para modernizar e,por outro, é boicotado por esseclientelismo ainda, infelizmente,presente no serviço público. É neces-sário estabelecer uma parceria realentre a escola e o Sistema de Saúde,intermediado pelo setor de RecursosHumanos, mas isto está ainda muitolonge de ser alcançado. É um pontocrítico que pode ser um obstáculopara que o processo avance.

F – Você acha que a discussãosobre um currículo por competênciaaproximaria, por exemplo, aquelesque discutem organização de serviçosdaqueles que formam o trabalhador?

IS – Pode ser uma estratégia deaproximação. Primeiro, porquequando se organiza o serv iço éobrigatório estabelecer padrões dequalidade. Porque do contrário, comopoderemos avaliar? São os padrões dequalidade que vão fornecer elementospara a definição das competências dasvárias categorias que participarãodaquele processo coletivo de trabalho.Vamos dar um exemplo: as ações depromoção da saúde são praticamentedesenvolvidas por todos os profissio-nais da área da Saúde, mas cada umtem uma especificidade: a equipe deenfermagem trabalha em uma, a delaboratório em outra, e assim acontececom as outras categorias. Esse movi-mento da promoção da saúde é, defato, um trabalho coletivo, porém comespecificidade. No conjunto elestrazem resultados, mas não é todomundo fazendo a mesma coisa .Quando se fala em aproximação, épreciso juntar padrão de qualidade doserviço com as competências estabele-cidas para o profissional. Ainda quenão seja suficiente, acredito que ocurrículo por competência seria umaferramenta favorável, para uma aliançamais forte entre os setores citados.

F – As Escolas Técnicas do SUSnasceram, em sua grande maioria,com falta de recursos, causada pela

conjuntura ou por dificuldades domomento, ou até por concepção.Atualmente a realidade é outra: háuma injeção de investimentos nasescolas existentes e ainda há umconjunto de recursos disponíveis paraos gestores que queiram construir umanova Escola Técnica do SUS. Quaissão as diferenças daquele momentopara o atual?

IS – A falta de recursos financeirosfoi realmente um obstáculo para aimplantação das escolas técnicas,especialmente as pequenas escolas quetinham um grupo de coordenaçãotambém pequeno. O problema dasescolas médias e grandes era muitomais de concepção do que de recur-sos f inanceiros . Naquela época,basicamente coexistiam três modelosde escolas: um modelo de escolaformal, preparando profissionais parao mercado de trabalho; as escolastécnicas de muito bom nível; e asparticulares, como o Serviço Nacionalde Aprendizagem Comercial (Senac)e o Serviço Nacional de Aprendiza-gem Industrial (Senai). As escolasformais não tinham condições deatender a toda demanda por profis-sionalização, porque a força de tra-balho empregada era enorme. Havia,portanto, uma necessidade prementede implantação de um modelo deescola flexível, com uma concepçãoclara e um padrão homogêneo, paraatender às necessidades de quali-ficação profissional.

F – E essas dis torções foramsolucionadas com a cr iação dasETSUS nos anos 80?

IS – Di scut iu - se mui to e s saquestão, inclusive em vários fóruns.No início ficou evidente que o setorSaúde, embora pertencesse a área deserviços, era complexo e tinha umcontingente de técnicos que justifi-caria a criação de escolas para forma-ção de trabalhadores de saúde. Foi umprocesso longo em que a tônica dodebate era a necessidade de ter umformato de escola com uma basef i losóf ica, conceitual e que nãoestaria ensinando saúde em qualquerespaço. Por exemplo, não se poderia

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○Formação

introduzir um curso de saúde dentrode uma escola agrotécnica que nãotivesse conhecimentos acumuladossobre formação em saúde e nem asbases conceituais de organização eavaliação de serviços.

A partir dessa visão, a escola desaúde foi se configurando, no prin-cípio, de uma maneira muito tímidae precária. No momento em quecomeçou a existir consenso sobre oassunto, surgiram as dificuldadesfinanceiras. Naquele momento nãohavia recursos para os investimentosnecessários, porque havia um volumeenorme de pessoas que precisavamser formadas e essas pessoas nãotinham dinheiro. Os primeiros cursosde profissionalização foram finan-ciados pelo Projeto Nordeste. Nosoutros estados em que não existia umprojeto que desse apoio ou coope-ração técnico-financeira, houve sériasdificuldades, tais como: para a orga-nização do espaço, para a produçãode material didático e para o paga-mento de pessoal etc. Então, paraviabi l izar o projeto das escolas,optou-se pela estruturação de umnúcleo mínimo que contemplasse asquestões estratégicas exigidas paraaquele momento. E tudo aconteceulenta e gradativamente.

F – O laboratório didático, umins t rumenta l que e s tá sendoint roduz ido agora nas e sco la stécn icas , pode ser um fa tor deaperfeiçoamento dessas escolas?

IS – É preciso levar em conta queo laboratório didático não podesubs t i tu i r a prá t i ca rea l . E le éfundamental, não como instituição,mas como apoio. Sabe por quê?Porque, com o laboratório didático,há uma facilitação na relação ensino-aprendizagem, pois é uma inter-mediação entre prática a simulada ea prática real. Até que o aluno fixeos princípios da execução de umatécnica, são idas e vindas. O labo-ratório deve ser organizado de formaque os alunos possam treinar até tersegurança para entrar na prática real.Na minha opinião, esses laboratóriospoderão ser u t i l i zados para o

processo de certificação de compe-tências profissionais, porque aindaacredito que a avaliação da práticaprofissional deverá ser simulada.

F – As Escolas Técnicas de Saúdedo SUS têm hoje uma outra expecta-tiva em relação à educação profis-sional. O foco central é para atender àformação profissional na área de Saúde,baseada, inclusive, nos parâmetros daLei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (LDB). O PROFAE vemtrabalhando também com a idéia deuma escola que abra as suas portas paraespaços intermediários. Qual é a suaopinião sobre isso?

IS – As Escolas Técnicas do SUS,a partir de sua concepção, forampensadas para atender a uma neces-sidade de demandas que iam desde aformação daqueles profiss ionaisempregados no Sistema Único deSaúde até a formação daqueles quedesejavam entrar no mercado detrabalho em saúde. Além dos cursosde formação profissional, acreditoque as escolas ainda possam oferecercursos de qualificação básica nas maisdiversas áreas. Da mesma forma, sedeve enfatizar a questão da multi-profissionalidade que, na área deSaúde, é uma exigência para contem-plar a complexidade dos problemas.Nesse sentido, uma escola não podeoferecer apenas uma habilitação, épreciso diversificar para atender àsnecessidades do serviço.

F – O PROFAE acredita que asETSUS serão escolas de referênciapara o Sistema de Saúde e até para aeducação profissional. Esse conceitoestá claro para os gestores?

IS – Escola de referência significa,no meu entendimento, o reconhe-cimento por aqueles que utilizam osseus serv iços (ges tores , a lunos ,docentes e também os usuários querecebem uma assistência sem risco).Ela é referência quando articulaconhecimentos, tecnologia e infor-mação a serviço da sociedade. Porquequem confere referência, excetuando-se os parâmetros técnicos, é quem usaou é beneficiado por aquele serviço.

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F – Por que tantas dificuldadespara a consolidação das ETSUS?

IS – Esse processo de construçãonão é linear. Ele apresenta ganhos eperdas, idas e vindas. Sendo umprocesso social, ele sofre a influênciadas várias conjunturas nas quais eleestá inserido. Assim, essas escolasnecessitariam de um órgão de caráternacional que formulasse e conduzisseuma polít ica de sustentação dasmesmas. Caso contrário, elas sedesenvolver iam em s i tuação dedesigualdade. As Escolas Técnicas doSUS precisam de fato fazer parte daagenda po l í t i ca da saúde e daeducação profissional nos estados. Namedida em que isso acontece, elas vãoganhando corpo próprio a despeitodessas variações conjunturais. É umobjetivo muito ambicioso para serconcretizado a curto prazo, mas istonão quer dizer que a médio prazo asescolas técnicas não possam tornar-se escolas de excelência, estruturadase modernizadas, tanto do ponto devista do processo político-pedagógicoquanto do arcabouço tecnológico paradar sustentação aos processos deformação profissional.

F – Nessa perspectiva, o forta-l ec imento da Rede de Esco la sTécnicas de Saúde do Sistema Únicode Saúde (RET-SUS) é uma estratégia?

IS – A idéia da RET-SUS ultra-passa governos. É preciso ter semprealguém estimulando, fazendo debates,para não deixar morrer a idéia. Elanão pode cair numa teia burocrática,a s s im é neces sár io um bom“animador” no comando, que poderiaser o diretor da escola com essa visãode integração e modernidade que,afinal, se refletirá na valorização daformação profissional. A Rede podese transformar nesse processo em algoque não é só uma secretaria parafomento de processos. Eu ousariapensar que politicamente as EscolasTécnicas deveriam dar mais um passoa frente e, quem sabe, se reunirem emuma natureza também jurídica. Umaassociação, por exemplo, que pudessecaptar recursos e canal izar esseencontro de interesses das escolas.

Uma associação teria o papel deliderar o movimento, mobilizandopessoas e reunindo dirigentes, paraque a escola pudesse ter, de fato, umpapel ativo e dinâmico nos processosde educação profissional.

F – A Escola Técnica de Saúde doSUS poderia trabalhar com que níveisda educação profissional? Ela poderiaassumir a especialização do níveltécnico, por exemplo?

IS – Até o momento, a formaçãoprofissional realizada pelas escolasalcança o nível técnico. Já o níveltecnológico, que seria a especiali-zação do nível técnico, exige uminvestimento muito grande no corpodocente , com a contra tação deprofessores altamente especializados,inc lus ive com cursos de pós -graduação . Quando se t ra ta deformação na atenção básica de saúde,não há exigência de um corpo docenteespecializado, mas na formação paraatividades de média e alta complexi-dade ocorre o contrário. Apesar daespecialização para o nível médio daárea de Enfermagem estar prevista nalegislação educacional, o que se fazhoje é ainda muito pouco em relaçãoà especialização.

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Entrevista Marli Aparecida Jacober Pasqualin

Centro Formador de Recursos HumanosCentro Formador de Recursos HumanosCentro Formador de Recursos HumanosCentro Formador de Recursos HumanosCentro Formador de Recursos Humanos“Caetano Munhoz da Rocha” – Secretaria“Caetano Munhoz da Rocha” – Secretaria“Caetano Munhoz da Rocha” – Secretaria“Caetano Munhoz da Rocha” – Secretaria“Caetano Munhoz da Rocha” – Secretaria

de Estado da Saúde do Paranáde Estado da Saúde do Paranáde Estado da Saúde do Paranáde Estado da Saúde do Paranáde Estado da Saúde do Paraná

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A entrevistada Marli Aparecida Jacober Pasqualin é Diretora do Centro Formadorde Recursos Humanos “Caetano Munhoz da Rocha” (CFRH), Escola Técnica doSistema Único de Saúde (SUS) da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.Desde 1990, atuou como docente e coordenadora técnica de cursos, respondeutambém pela Divisão de Desenvolvimento de Cursos do Centro Formador. Égraduada em Farmácia Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná, comespecialização em Administração com ênfase em Recursos Humanos pelaPontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Tem experiência na áreade Educação como docente dos cursos da área de Saúde de nível básico, médioe tecnológico, lecionando na Faculdade de Ciências Biológicas Bezerra deMenezes. É representante titular das Escolas na Rede de Escola Técnica do SUS(RET-SUS) e também representante titular da área de Saúde no Conselho Estadualdo Trabalho do Paraná.

The interviewed, Ms. Marli Aparecida Jacober Pasqualin is the Director of theHuman Resources Training Center “Caetano Munhoz da Rocha” (CFRH), UnifiedHealth System (SUS) Technical School of the Paraná State Health Secretariat.Since 1990, she has worked as teacher and technical coordinator of courses, andwas also the responsible for the Division on Courses Development of the TrainingCenter. She is graduated in Biochemical Pharmacy by the Federal University ofParaná, with specialization in Administration focusing on Human Resources, bythe Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). She has broad experiencein the field of Education, as a teacher for the basic-, medium- and technological-level courses in the field of Health, teaching in the Bezerra de Menezes Collegeof Biologic Sciences. She is the representative of Schools in the SUS Network ofTechnical Schools (RET-SUS), as well as representative of the Health field inthe Paraná State Labor Council.

Marli Aparecida Jacober PasqualinDiretora do Centro Formador de Recursos Humanos “Caetano Munhoz da Rocha”

Secretária de Estado da Saúde do Paraná

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○Formação

Formação – Qual é a importânciahistórica do Centro Formador nocontexto das políticas de saúde noperíodo de sua implantação até aatualidade?

Marli Pasqualin – A preocupação daSecretaria de Estado da Saúde doParaná (SESA), com a profissiona-lização dos trabalhadores da área deSaúde de nível médio e elementar vemdesde 1954, ocasião da criação daEscola de Auxiliares de EnfermagemDr. Caetano Munhoz da Rocha. Oobjetivo inicial era formar auxiliaresde enfermagem que tivessem esco-laridade primária (4a série do antigoensino primário). Dessa forma, aEscola era subordinada à orientaçãoda Associação Feminina de Proteção àMaternidade e à Infância. A Escolapassou para administração do estadodo Paraná por meio de DecretoEstadual em 1965, recebendo então adenominação de Colégio Dr. CaetanoMunhoz da Rocha.

Algumas décadas depois, nos anos80, com o advento das AçõesIntegradas de Saúde, gerou-se umademanda maior na organização dosserviços, utilizando profissionais denível médio nas diversas áreas deSaúde. A circunstância em que aEscola estava estruturada não atendiaàs necessidades de profissionalização.Diante disso, o Paraná buscou subsí-dios junto ao Ministério da Saúde quena época havia firmado o “Acordo deRecursos Humanos” com os Minis-térios da Previdência, da Educação ea Organização Pan-Americana daSaúde (OPAS). A partir daí, em 1985,implantou o Programa de Formaçãode Recursos Humanos para osserviços básicos de saúde – formaçãode nível médio e elementar querecebeu a denominação de ProjetoLarga Escala. Os princípios dessePro je to são a té ho je ap l icados:formação de pessoal em serviço, semdeslocá-los em tempo integral da redede serviços em saúde; a utilização deinstrutores e supervisores devida-mente capacitados na função dedocente; a adoção de conhecimentointegrado com a realidade do serviço

(currículo); o respeito aos váriosritmos de aprendizagem e a estrutu-ração da esco la com reg imentoespecífico aprovado pelo ConselhoEstadual de Educação (CEE).

Em 1989, o então Colégio Dr.Caetano Munhoz da Rocha passoupara a denominação de CentroFormador de Recursos Humanos“Caetano Munhoz da Rocha” (CFRH),escola com abrangência de ação emnível estadual com a possibilidade deoferecer cursos profissionalizantes denível médio e elementar para o setorde Saúde, buscando dar respostas àsnecessidades de formação da força detrabalho atuante nos quadros doSistema Único de Saúde (SUS/PR).Nesse mesmo per íodo, houve aampliação de outros cursos na área deSaúde: Técnico de Higiene Dental(THD), Técnico em Patologia Clínica(TPC), Técnico em Vig i lânc iaSanitária e Saúde Ambiental (TVSSA).

A par t i r de 1996, os cur sossofreram forte impulsão devido àsparcer ia s e s tabe lec idas ent re aSecretaria de Estado da Saúde e aSecretaria de Estado do Emprego eRe lações de Traba lho , comdisponibilidade dos recursos do Fundode Amparo ao Trabalhador (FAT).Além disso, outros atores partici-param desse novo momento daEscola, como a Secretaria de Estadode Educação, as Secretarias Muni-c ipa i s de Saúde , os Conse lhosMunicipais do Trabalho, o ConselhoEstadual do Trabalho, as InstituiçõesHospitalares, a Federação de Hospi-tais do Paraná (FEHOSPAR) e osórgãos representativos de classe.

No ano de 2000, estabeleceu-seuma importante parceria entre aSESA, o Instituto de Tecnologia parao Desenvolvimento (LACTEC) e oProjeto de Profissionalização dosTrabalhadores da Área de Enfermagem(PROFAE) da Secretaria de Gestão eInvestimentos em Saúde do Minis-tério da Saúde. Desde então, a Escolapassou a ter maior v i s ib i l idadeperante a sociedade paranaense. Adescentralização se fez presente emtodos os 399 municípios do Paraná,

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pois foram iniciadas 165 turmas deQualificação Profissional Auxiliar deEnfermagem (QP) e Complementaçãoda Qual i f icação Prof i s s ional deAuxiliar de Enfermagem para Técnicode Enfermagem (CQP), totalizando5.940 alunos atendidos até agosto de2002.

Na área de Odontologia (aten-dente de consul tór io dentár io) ,resultado da parceria com a Secre-taria Estadual de Emprego e Relaçõesdo Trabalho (SERT) e a SESA, aEscola qualificou até 2001, 1.600alunos num tota l de 44 turmasdescentralizadas, beneficiando mais200 munic íp ios do e s tado . Nomomento, existem 11 turmas des-centralizadas qualificando 396 alunos.Outros cur sos de qua l i f i cação(capacitação na área de copa, cozinha,lavanderia e lactário) também sãooferecidos respondendo às demandasdas Políticas Públicas de Saúde queprimam pela interiorização da quali-ficação em atenção ao processo demunicipalização iniciado nos anos 80,com a implantação do Sistema Únicode Saúde (SUS). Ao estado cabe opapel de coordenação, supervisão eapoio aos municípios na implantaçãoe desenvolvimento de suas estruturase projetos. No caso da Escola, estatem a função de ordenar, orientar eparticipar da qualificação profissionalde nível básico e técnico para supriros municípios em seus quadros derecursos humanos e atender à consoli-dação das Políticas Públicas de SaúdeParanaense, entre elas: Acreditaçãodos Hospitais, Agentes Comunitáriosde Saúde, Prevenção e Controle daHipertensão Arterial, Prevenção eControle do Câncer Ginecológico,Saúde Bucal não tem Idade, Saúde daCriança, Saúde da Família, Saúde daMulher, Saúde do Idoso, SaúdeIndígena e Amigos da Vida.

Houve notável crescimento dacapacidade formativa do CentroFormador de Recursos Humanosnestes últimos sete anos de trabalho.De 1954 (ano de início das at i-vidades) até 1995, a Escola formou2.682 a lunos . De 1996 a 2002

observou-se expressivo crescimentoexponenc ia l , to ta l i zando nes teperíodo 25.626 alunos qualificados.Esse salto se deu, principalmente, pelacapacidade e esforço conjunto de todaa equipe técnica, auxiliada pelasimportantes parcerias conquistadasnes se s ú l t imos se te anos , e s ta sconseqüências da vontade política quevalorizou expressivamente a principalcaracterística da Escola: a capacidadede descentralizar os cursos para todoo território do estado do Paraná.

F – Quais os mecanismos quepoderão assegurar a continuidade epermanência da oferta de cursos daEscola para os próximos anos?

MP – Um dos mecanismos é oprópr io PROFAE, por meio dofortalecimento das Escolas Técnicasdo SUS, juntamente com o finan-ciamento da nova sede do CentroFormador (CF), a ser concretizada noano de 2003. O novo prédio do CFserá subsidiado com recursos doPrograma de Expansão da EducaçãoProfissional do Ministério da Edu-cação (PROEP/MEC) , t endo oPROFAE como mediador dessa novaconquista. Ambas ações beneficiarãoa aquisição de equipamentos, incor-poração de tecnologias educacionais,modernização da estrutura adminis-trativa, consolidação da visibilidadee credibilidade no contexto social, ouseja, os benefícios diretos e indiretosque esta Escola trará como resultadossão: a implementação das parceriasatuais e a busca de outras, a ade-quação das necessidades do mercadode trabalho consoante às propostaspedagógicas ofertadas, o estabele-cimento de referência máxima comoordenadora do processo estadual deformação e qualificação de nívelbásico, técnico e pós-técnico para aárea de Saúde. Vale ressaltar que oquant i ta t ivo de recursos que oPROFAE e o PROEP disponibilizarãopara viabilizar a nova construção e asaqu i s i ções são da ordem deR$ 2.550.000,00. Após essa fase dereestruturação, a Escola estará aptapara atender às tendências da área deEducação em Saúde de acordo com a

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○Formação

nova Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (LDB), ao mesmotempo em que se consolida como póloreferencial no estado para outrasEscolas e Institutos Formadores deRecursos Humanos.

Para que a Escola tenha conti-nu idade , acred i tamos que t rê sdiretrizes devem ser seguidas:

- A primeira refere-se à identi-ficação ou à realização do diagnós-tico das necessidades do universo detrabalhadores da área de Saúde, deforma permanente.

- A segunda é a manutenção e buscade novas parcerias para viabilizaçãoe operacional ização de projetosestratégicos para atender à demandaexistente do mercado de trabalho.

- E por úl t imo, é a busca daqualidade objetivando que o resultadocause um diferencial na efetividade domundo do trabalho.

Foram rea l i zados e s tudos naSecretaria de Estado da Saúde e poste-riormente apresentados à Secretariade Gestão e Investimentos em Saúdepara que a Escola passe a deter umnovo status dentro da Estrutura daAdministração Pública Estadual,transformando-se possivelmente emuma nova autarquia, ou então, paraque o Centro passe a ser subordinadodiretamente ao Secretário de Saúde.I s so impl i car ia em uma maiorautonomia administrativa e finan-ceira, podendo então participar doorçamento estadual e definir, por meiode recursos próprios, o planejamentode operacionalização de novos cursosde nível básico e técnico de saúde.

F – Como o mercado vem absor-vendo os egressos do Centro For-mador? Qual é a contribuição que aformação desses alunos vem dandopara as políticas de saúde?

MP – Os resultados observadossão expressos conforme depoimentosde Secretários Municipais de Saúdee de empregadores de instituiçõeshospitalares, na mudança efetiva doserviço, na aprovação expressiva deegressos em concursos públicos para

a área de Saúde, na satisfação dousuário, no aumento da mão-de-obraqualificada em todos os municípiosdo estado, garant indo a empre-gabilidade e gerando novos empregos.Um dos objetivos para os próximosanos é medir por meio de um estudocientífico, os impactos do processo dedescentral ização da organizaçãocurricular no estado do Paraná.Sabemos que os re su l tados sãopos i t ivos , po i s o mercado vemabsorvendo profissionais qualificadose fortalecendo o Sistema de Saúde.Cabe destacar que a parceria PROFAEe PROEP viabilizará a implantação deum sistema no Centro Formador quepossibi l i tará o acompanhamentodes se s egres sos . Boa par te dosegres sos j á são t raba lhadores ,participantes das Políticas Públicas deSaúde Paranaense e o que mais nosorgulha, é que o diploma expedidopela Escola é um item diferencialpositivo para a contratação de novostrabalhadores tanto na iniciativaprivada como pública. Os egressosdos cursos são rapidamente absor-vidos pelo mercado de trabalho. Osindicadores demonstram que o nívelde empregabilidade é alto, comoconseqüência, existe um forte impactona melhoria dos serviços de saúde –Políticas Públicas de Saúde –, porexemplo, a redução nas taxas demorbimortalidade. A partir daí, tantoo setor público está sendo beneficiadopara otimizar o serviço, como o setorprivado, que passa a oferecer umtraba lho com maior segurança ,dirimindo o risco de erros na relaçãousuário e profissional da área deSaúde de nível básico e técnico.

F – Quais são os cursos que aEscola oferece e pretende expandirnos próximos anos? Porquê?

MP – A Escola possui duas es-tratégias de formação. A primeiradesenvolve-se com os cursos de longaduração, os quais são vinculados auma titulação validada pela Secretariade Estado da Educação, de modo queo Centro Formador possui cursos dequalificação, formação profissional eem fase de adaptação curricular à

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nova LDB, são eles: QualificaçãoProfissional em Auxiliar de Enfer-magem (QP AE); Complementação daQualificação Profissional de Auxiliarde Enfermagem para Técnico deEnfermagem (CQP TE); Atendente deConsultório Dentário (ACD); Com-plementação da Qualificação Pro-fissional de Atendente de ConsultórioDentário para Técnico em HigieneDental (THD); Qualificação Profis-s ional em Auxil iar de PatologiaClínica (APC); Complementação daQualificação Profissional de Auxiliarde Patologia Clínica e para Técnicoem Patologia Clínica (TPC); Técnicoem Vigilância em Saúde (TVSSA).Esses cursos visam atender a demandaexistente, já que a legislação obrigao profissional a ter qualificação, ouaos casos em que o serviço seja de altacomplexidade, tais como: VigilânciaSanitária, Patologia Clínica, dentreoutros.

A segunda estratégia é desenvolvercursos livres de qualificação básica(curta duração) que visem atender ost raba lhadores que prec i sam serinseridos no serviço, bem comoaqueles que também querem melhorara qualidade da atividade profissionalprestada. Os cursos oferecidos são:

- Cuidador de idosos. Esse cursosurgiu da necessidade de diminuir ahospitalização, estimulando medidasde promoção e prevenção à saúde doidoso, preocupando-se com a huma-nização da assistência e a manutençãodo idoso no seu próprio domicílio oucasas asi lares (centros de convi-vência). Isso vem gerando um mercadode trabalho novo e diferenciado, poisoferece um serviço com qualidade.

- Copa, coz inha , l avander ia ,lactário e limpeza. O curso atenderáà Resolução Estadual de Liberação deLicença Sani tár ia dos Es tabe le -cimentos Hospitalares, nº 742/97, ea Portaria Estadual de Controle deInfecção, nº 2616/98, que preconizaque todos os funcionários sejamcapacitados, inclusive o serviço nutri-cional (copa, cozinha e lactário),assim como o pessoal de proces-samento de roupa ( lavander ia ) ,

limpeza e zeladoria. Esse curso con-tribuirá para a liberação da licençasanitária dos estabelecimentos desaúde.

- Agente Comunitário de Saúde.Visa atender ao Programa Saúde daFamíl ia (PSF) , incrementando aassistência, a promoção e a prevençãoà saúde em domicílios. É necessáriocapacitar recursos humanos para queatendam aos princípios do PSF, umavez que esse programa está presentena maior par te dos munic íp iosparanaenses.

- Agente Indígena de Saúde. Essecurso objetiva adaptar o modelo deAgente Comunitário de Saúde àsrealidades da Saúde Indígena, semprelevando em conta as característicasculturais e antropológicas.

- Amigos da Vida. Tem comoob je t ivo t re inar pes soas dacomunidade para que saibam osprocedimentos básicos em casos deurgência e emergência, principal-mente pessoas que trabalham emloca i s de grande ag lomeração(shoppings e supermercados). O cursose fundamenta no princípio de que osprimeiros minutos de uma urgência eemergência são os momentos maiscríticos para que se possa reverter oquadro agudo instalado no paciente.

Quanto à expansão, ela estáprevista nos próximos cinco anos,uma vez que existe grande demandaem todos os municípios do estado doParaná. Essa expansão pretendeatender também a área de Oncologia.Em nosso estado, a Política Públicade Saúde relativa a essa área temcomo meta a prevenção, medianteexames citológicos (biodiagnóstico),e a cura por meio de procedimentosradiológicos. Portanto, é necessárioque recursos humanos de nível médiosejam incorporados a esse serviço,a tuando junto a b ioqu ímicos emédicos. Outra área é a Adminis-tração com ênfase nos equipamentosde saúde . Ex i s te uma carênc iaexpressiva de trabalhadores com essaformação específica, tanto nessa áreacomo na área de manutenção deequipamentos hospitalares.

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○Formação

Finalmente, será implantada aqualificação de Cuidador de Crianças,em que se enfatizará o cuidado acrianças com idade de zero a 4 anos.Essa qualificação atenderá funcio-nários que trabalham em creches,sendo que o conteúdo programáticoserá centralizado nas questões dasaúde da primeira infância.

Por tanto , os cur sos a se remimplantados, em 2003, pelo CentroFormador nas áreas Biodiagnóstico,Admin i s t ração e In fânc ia , são:Técnico em Citologia; Técnico emRadiologia; área de Administração(ênfase em manutenção de equipa-mentos); Cuidador de Crianças.

F – O que a Escola tem que adiferencia de outro aparelho formador?Quais são os pontos de diferença?

MP – A Escola possui naturezapública e está inserida na SecretariaEstadual de Saúde, portanto, garanteprincipalmente a conexão entre asPolíticas Públicas de Saúde e o ensinodisponibilizado para a sua clientela,sem ônus para os a lunos . Nopanorama estadual, é a única que temcarac ter í s t i ca de descentra l i zarturmas para os munic íp ios comviabilidade técnica para a execução(existência de docentes profissionaisda área, campo de estágio, sala deaula, sala de práticas). A descentra-lização não implica em nova sede ousucursal, isto garante, ao final dademanda atendida, a extinção doprocesso. A metodologia é o outrodiferencial, pois associa ensino eserviço, utiliza docentes do serviçooferecendo a es tes Capac i taçãoPedagógica e Técnica antes e durantea execução da descentra l i zaçãocurricular, destaca-se pelas PolíticasPúb l i ca s de Saúde , Educação eTrabalho, assim como respeita ascaracterísticas regionais de cada localonde ex i s ta a descent ra l i zaçãocurricular, uma vez que o estado doParaná possui muitas peculiaridadesde município para município.

Outro diferencial é a participaçãodireta da Escola na Rede de EscolasTécnicas do SUS. A expectativa é quecompartilhemos as informações e

conhecimentos por meio da buscaconjunta de soluções aos problemasinerentes a todos os outros CentrosFormadores e Escolas, assim comodefinição de novas estratégias paraatender novas demandas, contribuindopara construir a política nacional deformação profissional de nível básico,técnico e pós-técnico. Também existeuma aproximação com outras esferasadministrativas como: Ministério daSaúde, Conselho Nacional deSecretários de Saúde (CONASS),Conselho Nacional de SecretáriosMunicipais de Saúde (CONASEMS),Conselhos Estaduais e Municipais deSaúde, Bipartite e Conselho Estadualdo Trabalho (CET).

F – O método pedagógico produzum diferencial no ensino em saúde noEstado do Paraná?

MP – Sim, pois o CFRH organizao seu trabalho de forma descentra-lizada, considerando que a educaçãopode ocorrer nos mais diversosespaços e situações sociais, represen-tando um processo cont ínuo deaprendizagem, sempre buscandoproduzir conhecimentos relevantescapazes de formar prof iss ionaisadequados às necessidades sociais,aptos a prestar serviços de qualidadeà população. Esse conhecimento temsido construído a partir de pedagogiasinovadoras, sempre considerando arealidade dos serviços de saúde e doeducando, articulando teoria e prática,na interdisc ip l inar idade e naparticipação ativa do aluno que é osu je i to do processo de ens ino-aprendizagem.

A metodolog ia busca umainteração efetiva entre o ensino e aprática profissional. A integraçãoens ino , t raba lho e comunidadeimplica em uma imediata contri-buição para essa comunidade, aintegração entre o professor e o alunona inves t igação e na busca deesclarecimentos e propostas, bemcomo adaptação a cada realidade locale aos padrões culturais próprios deuma determinada estrutura social.Essas características fazem do CentroFormador de Recursos Humanos uma

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“escola-função” – ela vai aonde oaluno está. Sua sede administrativaestá localizada em Curitiba, mas suassalas de aula estão distribuídas portodo o estado do Paraná. Atingindopotencialmente 100% dos municípiosdo estado onde houver demandaacompanhada de viabilidade técnicae pedagógica, uma sala de aula éinstalada sempre em parceria com acomunidade e atores sociais. Essa salavai permanecer o tempo necessário edeterminado até atender à demanda.Para cada turma descentralizada,existe um coordenador técnico e umcoordenador administrativo local eresponsável pela operacionalização docurso, que está sob a supervisão diretade um profissional técnico da áreaespecífica: o coordenador pedagógicodo Centro Formador.

F – Qual é o impacto produzidopela implantação do PROFAE naEscola e quais são as possibilidades eperspectivas trazidas pelo Projeto?

MP – O PROFAE veio para Escolanum momento ímpar, quando estavinha construindo a vis ibi l idadeperante o S i s tema de Saúde , asociedade cientifica e a sociedadec iv i l . E la abr iu um leque deoportunidades nunca antes visto. EssaEscola atingiu metas ousadas com oProjeto. Hoje , e la es tá com umquantitativo de cerca de 800 docentespara o desenvolvimento de 115 tur-mas descentralizadas, com 115 co-ordenadores técnicos e 115 coorde-nadores administrativos para atendero Projeto em nível local. O Projetoatende até o momento 5.400 alunos,implicando na geração de trabalho erenda para estas pessoas, no impactona qualidade do serviço prestado,ass im como, na manutenção doemprego para aqueles que estavamsob o risco de perdê-lo.

Quanto às possibilidades trazidaspelo Projeto, assim como nas pers-pectivas, percebe-se que o PROFAEnão se esgota por si mesmo, elemostra o caminho para a sustenta-bilidade das Políticas Públicas deSaúde nas questões que se referem aRecursos Humanos para o nível

básico, técnico e pós-técnico. Emoutras palavras, é necessário quevenhamos a buscar a ampliação doleque de possibilidades formativa deoutras áreas da Saúde. Isso demonstraque existe um universo a ser cobertoe que o PROFAE indica as EscolasTécnicas do SUS que desenvolvam asua missão em toda a sua plenitude.

F – Em termos políticos, como searticulam as Escolas e as Políticas deRecursos Humanos desenvolvidas pelaSecretaria de Estado de Saúde?

MP – O modelo principal consistena articulação por meio de Oficinasde Trabalho entre vários atores daAdministração Pública Estadual,dentre eles: a diretoria de recursoshumanos; as Regionais de Saúde, asSecretarias Municipais de Saúde; osConselhos Municipais de Saúde, osConselhos Municipais do Trabalho; oConselho Estadual do Trabalho; oConselho Estadual de Educação (CEE);a Secretaria de Estado da Educação; aCoordenação de Educação Profissionalda Secretaria Estadual de Emprego eRelações do Trabalho (SEED/SERT).Nessas oficinas buscam-se a integraçãoe a sensibilização para desenvolvimentodos cursos e de suas turmas descentra-lizadas, em que são apresentados osprojetos, a metodologia, a forma deexecução curricular, as atribuições doscoordenadores técnicos e admi-nistrativos, as atribuições das Secre-tarias Municipais de Saúde, o papeldos coordenadores pedagógicos esta-duais, a função das Regionais deSaúde. Ainda nessas oficinas são sela-dos os compromissos das partes paraque os resultados possam ser atingidos.

Importante são as oficinas internasem que o Centro Formador participajuntamente com vários setores deserviços da SESA para nortear asações de ensino voltadas às necessi-dades do público-alvo. Como exem-p lo , t emos a ú l t ima e s t ra tég iadesenvolvida por este Centro Forma-dor que é o “Projeto Amigos da Vida”,citado anteriormente, o que resultoude part ic ipação colaborat iva demuitos segmentos da Secretaria deEstado da Saúde.