formação intercultural de professores de espanhol e ... · diversidade cultural e fazer dessa...

21
165 abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014 Formação intercultural de professores de espanhol e materiais didáticos Doris Cristina Vicente da Silva Matos 1 Resumo: O presente artigo pretende estabelecer relações entre a formação de professores de espanhol no Brasil, a perspectiva intercultural e a elaboração de materiais didáticos. Com a escolha desses três eixos, defendo que a educação, de maneira ampla, pode e deve incorporar práticas interculturais e, na aula de língua estrangeira, cabe aos professores a promoção dessas práticas. Uma das possibilidades é através da escolha de materiais didáticos que incitem à refle- xão sobre temáticas de conflito em nossa sociedade, de modo que, com as dis- cussões travadas em sala de aula, sejam estabelecidas práticas pedagógicas vol- tadas para a diversidade cultural nos contextos de ensino básico. Palavras-chave: formação de professores; perspectiva intercultural; materiais didáticos; língua espanhola. Abstract: This article seeks to establish relationships between Spanish teacher education in Brazil, intercultural perspective and the development of teaching materials. With the choice of these three areas, I argue that education, broadly, can and should incorporate intercultural practices and, in the foreign language classroom, it is up to teachers to promote such practices. One possibility is through the choice of teaching materials that encourage reflection on themes of conflict in our society, so that, with discussions in the classroom, teaching practices concerned with cultural diversity in the contexts of elementary education are established. Keywords: teacher education; intercultural perspective; teaching materials; spanish language. 1 Doutora em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Professora Adjunta do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de Sergipe. Email: [email protected].

Upload: lythu

Post on 09-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

165

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

Formação intercultural de professores de

espanhol e materiais didáticos

Doris Cristina Vicente da Silva Matos1

Resumo: O presente artigo pretende estabelecer relações entre a formação de

professores de espanhol no Brasil, a perspectiva intercultural e a elaboração de

materiais didáticos. Com a escolha desses três eixos, defendo que a educação,

de maneira ampla, pode e deve incorporar práticas interculturais e, na aula de

língua estrangeira, cabe aos professores a promoção dessas práticas. Uma das

possibilidades é através da escolha de materiais didáticos que incitem à refle-

xão sobre temáticas de conflito em nossa sociedade, de modo que, com as dis-

cussões travadas em sala de aula, sejam estabelecidas práticas pedagógicas vol-

tadas para a diversidade cultural nos contextos de ensino básico.

Palavras-chave: formação de professores; perspectiva intercultural; materiais

didáticos; língua espanhola.

Abstract: This article seeks to establish relationships between Spanish teacher

education in Brazil, intercultural perspective and the development of teaching

materials. With the choice of these three areas, I argue that education, broadly,

can and should incorporate intercultural practices and, in the foreign language

classroom, it is up to teachers to promote such practices. One possibility is

through the choice of teaching materials that encourage reflection on themes

of conflict in our society, so that, with discussions in the classroom, teaching

practices concerned with cultural diversity in the contexts of elementary

education are established.

Keywords: teacher education; intercultural perspective; teaching materials;

spanish language.

1 Doutora em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Professora Adjunta do

Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de Sergipe. Email:

[email protected].

166

Introdução

As investigações na área de Linguística Aplicada (LA) têm se voltado a

distintos objetos de estudo nos últimos anos e a formação de professores con-

tinua sendo um campo fértil de investigação pelos desdobramentos que pode

revelar. Cada vez mais, verificamos a urgência de novos parâmetros em pesqui-

sa para a LA que estejam atentos às necessidades globais e locais na era da tão

proclamada globalização. Tais necessidades globais, às quais me refiro, são prá-

ticas de pesquisa focadas no caráter político e transformador da educação, con-

dizentes com o que preconizam os atuais estudos em LA, o que leva uma série

de teóricos da área a defender a necessidade de um novo olhar atento ao cará-

ter emancipatório da disciplina. Apresentar alternativas para nosso mundo em

prol de uma vida social mais justa e ética está, mais do que nunca, na agenda da

LA contemporânea.

Seguindo esta corrente, pensar em ensino de línguas estrangeiras é uma

tarefa complexa, principalmente quando se foca na formação de professores de

espanhol em nosso país. O que observo a partir de minhas vivências nesse âm-

bito é que muitos professores continuam reproduzindo um imaginário estereo-

tipado da língua que ensinam, dando prosseguimento a um ciclo no qual o alu-

no assimila esse imaginário e, com base nessa aquisição rotula a língua que

está aprendendo. Se esse ciclo é algo comum em nosso sistema de ensino da

educação básica, mais grave é quando ocorre no nível de formação de profes-

sores.

Mota (2004: 39) indica que, ao agir dessa maneira, os professores

posicionam-se como veículos de manipulação ideológica da cultura estrangei-

ra, desconhecendo, assim, a possibilidade de um trabalho que vise ao enrique-

cimento cultural. Esse quadro não ocorre somente no ensino de línguas estran-

geiras, pois talvez seja um modelo de importação do ensino de nossa língua

materna e, se é sabido que a documentação oficial orientadora do currículo

escolar (BRASIL, 1998; 2002; 2006) sugere o ensino de línguas através de te-

mas transversais (BRASIL, 1998) e temas geradores (BRASIL, 2006), além da

possibilidade de uso de uma perspectiva intercultural, insistir em reproduzir

modelos que já demonstraram ser inapropriados é motivo de muita preocupa-

ção. Para isso busco a raiz do problema e uma delas pode estar na formação de

professores.

Formar professores de línguas estrangeiras no Brasil é, dentre outros

aspectos, fazer com que se rompa com a visão tradicional de ensino como

repositório de conteúdos e caminhar em direção a uma visão de ensino como

educação. O aspecto educacional do ensino de línguas estrangeiras tem relação

direta com a compreensão do conceito de cidadania, que deve ser trabalhada

também no ensino de línguas estrangeiras.

167

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

Em face dessa breve discussão, o presente artigo pretende estabelecer

relações entre a formação de professores de espanhol no Brasil, a perspectiva

intercultural e a elaboração de materiais didáticos. Com a escolha desses três

eixos, pretendo provocar reflexões sobre a necessidade de produção de mate-

riais que possibilitem a construção de ações pedagógicas orientadas por uma

postura crítica, política e comprometida com práticas sociais interculturais.

Formação intercultural de professores de espanhol

A realidade complexa e os desafios que constituem o sistema educativo

demandam um novo perfil de professor e uma formação que o respalde. É ne-

cessária a formação de docentes comprometidos, competentes, capazes de

educar, de ensinar valores em um contexto de constantes mudanças e com alu-

nos culturalmente heterogêneos. Esse perfil inclui diferentes tipos de conheci-

mento e funções relativas às tradicionalmente assumidas, as quais revelam a

necessidade de uma formação de professores mais completa, integral, renova-

da não somente em seus conteúdos, mas também em suas estratégias, condi-

ções, espaço etc.; uma formação que se desenvolva em um contexto

multicultural2 e prepare os futuros docentes para atender adequadamente à

diversidade cultural e fazer dessa diversidade o centro dos programas de for-

mação, de maneira profunda, incidindo no modo como os professores enfren-

tam a realidade de suas aulas.

Do ponto de vista pedagógico, a perspectiva intercultural está baseada

no reconhecimento da diversidade cultural, não somente de grupos minoritários,

mas de todos os membros da sociedade. Além desse reconhecimento, as práti-

cas desenvolvidas no contexto escolar podem auxiliar no entendimento de que

a heterogeneidade que nos caracteriza deve ser vista positivamente, de manei-

ra que se promovam o respeito e a igualdade de oportunidades, transformando

as escolas em espaços de mudança social.

Para atuar sob uma perspectiva intercultural, o professor precisa enten-

der que as sociedades são constituídas heterogeneamente e cada indivíduo

possui suas características e que, apesar de algumas poderem ser agrupadas

por meio de um fio condutor que apaga as suas diferenças, cada indivíduo será

único. Manifestações de discriminação, racismo ou xenofobia precisam ser com-

batidas e distanciadas do convívio escolar. Portanto, para isso, o professor não

2 As políticas multiculturais se referem à constatação da existência de diversas culturas no

mesmo espaço geográfico. Entretanto, essas políticas não estão preocupadas com a

interação entre estas culturas, aspecto tratado pela interculturalidade (MATOS 2014: 98).

168

pode cultivá-las, pois para promover a perspectiva intercultural ele tem de ser,

antes de tudo, intercultural.

A perspectiva intercultural no ensino de línguas pressupõe, então, uma

série de ações em prol do reconhecimento da diversidade que nos constitui e

do combate à atitudes de discriminação para com o outro. Para sua

concretização, é necessário que se repense a própria formação dos professores

e, por outro lado, todos os envolvidos no contexto escolar precisam contribuir,

de maneira que o currículo, os planos de ensino, planos de aula, materiais didá-

ticos, avaliações e outros componentes do processo pedagógico estejam con-cebidos sob uma ótica que privilegie as atitudes críticas e de entendimento

entre as pessoas para a construção de um mundo mais justo. Como a parte que

me compete é a da formação de professores, concentro-me nas relações ocor-

ridas dentro da escola, mas a perspectiva intercultural também deve ser vista

fora desse ambiente, como uma maneira de viver a vida, entendendo como nos

constituímos e como o outro se constitui.

Com objetivo de repensar o ensino e a aprendizagem de línguas estran-

geiras a partir dessa realidade, vem aumentando, nos últimos anos, o número

de pesquisas que buscam refletir sobre o papel político e social do ensino-apren-

dizagem de línguas, privilegiando questões em torno da diversidade cultural,

das relações de poder e da construção das identidades. Não obstante, quando

nos referirmos à temática cultural, ainda se pode contatar que esse tema aindaocupa um lugar marginal nas investigações. Essa marginalização, presente há

muito tempo nos centros de pesquisas de línguas estrangeiras, teve seus refle-

xos nas práticas da sala de aula. Mendes (2008: 57) aponta para a emergência

de se incluir, na pedagogia de línguas, “a dimensão cultural que envolve o pro-

cesso de ensino/aprendizagem, o contato entre sujeitos falantes de línguas e

culturas muitas vezes distintas”.

De fato, nota-se que as práticas pedagógicas e muitos materiais didáti-

cos utilizados em sala de aula ainda reproduzem visões reducionistas e

preconceituosas da noção de cultura. Silva (2008a: 178) menciona o fato de o

professor estar “fadado a usar um livro imperfeito”, sendo sua tarefa, então,

preencher suas lacunas e corrigir suas deficiências. Por isso, faz-se necessário

reformular as bases teóricas que sustentam nosso trabalho e construir novosconceitos e novas abordagens de se ensinar e aprender línguas estrangeiras,

privilegiando a diversidade cultural e a realidade de nossos alunos.

Sendo assim, os educadores na sociedade contemporânea devem saber

utilizar a potencialidade da diversidade para melhorar a aprendizagem e prepa-

rar os alunos para viver em uma sociedade complexa, diversa e multicultural. O

mundo atual oferece múltiplas oportunidades para a interação ou diálogo en-

tre culturas (MENDES 2007: 132) e a construção identitária (MOITA LOPES 2006;

HALL 2006): uma dessas possibilidades de interação se dá por meio da língua

em sua dimensão individual e social.

169

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

Contudo, para iniciar esse processo, devemos pensar principalmente na

formação dos professores e na sua atuação futura como gestores de mudanças,

considerando-se seu papel na perpetuação ou mudança dos estereótipos exis-

tentes no imaginário dos alunos (e muitas vezes dos próprios professores).

Almeida Filho (2008: 100) aponta para a necessidade de se adotar um modelo

reflexivo de formação, em que o docente “se organiza com sistematicidade para

refletir/pensar(-se)/analisar(-se) sobre o ensinar ou o aprender”. Corroboran-

do essa necessidade, Leffa (2008: 354) indica o perfil desejado do professor de

línguas estrangeiras, afirmando que este deve ser “reflexivo, crítico e compro-

metido com a educação”. Já Celani (2008: 39) aponta para o fato de que a prá-

tica reflexiva isolada não basta, pois “é necessário que inclua [...] uma partici-

pação crítica, [...] a responsabilidade com a cidadania”. Assim sendo, formação

de professores e reflexão crítica estão atreladas ao processo de ensino de lín-

guas/culturas.

Defendo a formação intercultural de professores de línguas estrangeiras

como proposta para a mediação neste mundo culturalmente diverso, em que o

diálogo entre as diferentes culturas é necessário para o entendimento e aproxi-

mação a partir de outra língua. Para que essa formação seja possível e de fato

intercultural, Mendes (2011) aponta que os planejamentos, os materiais e as

orientações para a formação desses professores devem ser culturalmente sen-

síveis aos sujeitos em interação. Mesmo se tratando de ensino de línguas, estas

não ocupam o lugar central como objeto de aprendizagem: dentro da perspec-

tiva intercultural, a língua “passa a ser a ponte, a dimensão mediadora entre

sujeitos/mundos culturais, visto que o seu enfoque se dará nas relações de diá-

logo, no lugar da interação” (MENDES 2011: 140).

Muitas vezes a questão cultural é abordada pelo professor em seu plane-

jamento como curiosidades a serem inseridas separadamente da questão

linguística, mas a interculturalidade não pode ser aprendida como um elenco

de costumes, hábitos ou traços exóticos de um país ou uma cultura em particu-

lar. Simplesmente, o fato de conhecer peculiaridades de uma dada cultura não

implica que teremos uma compreensão dessa cultura a ponto de conseguir es-

tabelecer um diálogo intercultural. Trabalhando desta maneira, o professor age

como um propagador de estereótipos culturais e não garante uma cooperação

efetiva dentro da sala de aula.

Uma das possíveis explicações para o professor agir assim seria o que ele

traça como objetivo em seu planejamento e aulas. O docente que separa língua

de cultura, provavelmente, pensa a língua como um sistema abstrato que deve

ser dissecado em sua composição para ser compreendida, ou seja, vê língua

como estrutura. Essa é somente uma das explicações possíveis, pois há muitos

outros fatores que implicam essa tomada de posição, quais sejam: o escasso

tempo para preparação das aulas; o número elevado de turmas; as exigências

170

da direção da escola; a necessidade de seguir fielmente o livro didático da esco-

la, o qual nem sempre é escolhido pelo professor; ou, até mesmo, a falta de

preparação do profissional, dentre outras dificuldades.

Atirar pedras nos professores não é uma atitude plausível nesses casos:

acredito que a chave para a mudança está principalmente na reestruturação da

formação inicial e continuada nas universidades, de modo que se esteja atento

às perspectivas críticas e ao que chamo aqui de formação intercultural. A nós,

docentes das licenciaturas, nos cabe a tarefa de formar profissionais capacita-

dos para atuar neste mercado de trabalho que se expande cada vez mais, pro-

fessores que sejam críticos e capazes de atender à diversidade em todas as suas

manifestações, atuando como mediadores culturais e como gestores de mu-

danças em uma sociedade complexa, principalmente quando nos referimos à

educação.

Destacando a formação de professores de língua espanhola, Paraquett

(2010: 148) formula a seguinte pergunta aos formadores: “Estamos preparados

para ajudar nossos alunos de forma a que vejam a língua/cultura espanhola

como uma língua que lhes permitirá viver em sociedades cada vez mais

pluriculturais?” Segundo a autora, se a resposta for afirmativa, somos profes-

sores interculturais, pois teremos entendido que, como postulam García

Martínez et alii (2007: 134):

Interculturalidade significa, portanto, interação, solidariedade, reconhecimen-

to mútuo, correspondência, direitos humanos e sociais, respeito e dignidade

para todas as culturas ... Portanto, podemos entender que a interculturalidade,

mais do que uma ideologia (que também o é) é percebida como um conjunto

de princípios antirracistas, antissegregadores, e com um forte potencial de

igualitarismo. A perspectiva intercultural defende que se conhecermos a ma-

neira de viver e pensar de outras culturas, nos aproximaremos mais delas

(GARCÍA MARTÍNEZ et alii 2007: 134).

Seria interessante que os cursos de graduação em Letras com habilita-

ção em língua estrangeira, onde se formam professores aptos a lecionar em

escolas de ensino básico, repensassem e reformulassem os planos político-pe-

dagógicos de maneira que a perspectiva intercultural estivesse presente em suas

disciplinas e respectivas ementas. Acredito que é na formação inicial que se

deva refletir e teorizar sobre estas questões, pois se o próprio professor possui

estereótipos relacionados à língua/cultura, como poderá trabalhar futuramen-

te em sala de aula para desconstruir as visões reducionistas de seus alunos e

promover um verdadeiro diálogo intercultural? A resposta está no tipo de for-

mação que terá esse professor.

171

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

Assim, os docentes precisam estar atentos ao que ocorre dentro e fora

de sua sala de aula para poder exercer de maneira política sua profissão. A es-

cola nunca foi homogênea, mas hoje em dia a palavra diversidade nunca foi tão

proclamada e acentuada como podemos perceber dentro e fora do âmbito aca-

dêmico. De acordo com Maher (2007: 67):

[...] a inclusão do “diferente” está cada vez mais evidente nas salas de aula

brasileiras. Se antes era mais fácil ignorar a diversidade que sempre caracteri-

zou o ambiente educacional no país, hoje, a sua atual amplitude força os pes-

quisadores e educadores a ter que admiti-la, a ter que colocar a diversidade

em sua agenda. Não é mais possível tentar entender nossas escolas sem levar

em conta as diferenças no seu interior (MAHER 2007: 67).

Podemos perceber que a diferença está no cerne de todo processo so-

cial e não poderia deixar de estar na escola também. Como destaca Mendes

(2008: 65), ser e agir de modo intercultural “inclui a atitude de contribuir para

que esse mundo que enxergamos, com todas as suas diferenças, transforme-se,

torne-se também nosso, faça-nos os mesmos, diferentes”. Para promover o di-

álogo intercultural não é necessário ser o outro, mas entender o outro em sua

completude, compreender que as diferenças não precisam ser foco de confli-

tos, já que são inerentes à condição humana, e saber lidar com elas é o que vai

determinar a validade de nossa ação intercultural.

Esse entendimento sobre a essência do diálogo e ação intercultural deve

perpassar invariavelmente a formação dos professores de línguas que atuarão

nas escolas. Mais uma vez, Mendes (2011: 139) ressalta que:

[...] (as) situações de contato linguístico-cultural assumem contornos mais fa-

voráveis ao desenvolvimento de relações, de fato, interculturais, quando os

planejamentos, os materiais e as orientações para a formação de professores

são culturalmente sensíveis aos sujeitos em interação.

Todos os professores, tanto os da universidade como os do ensino bási-

co, devem ser conscientes de seu papel nesta sociedade, de qual é seu papel

político, para poder também exigir seus direitos e poder realizar um trabalho

de qualidade dentro das universidades e escolas: “O que nos compete é formar

professores de forma a dar-lhes condições de exercerem com qualidade e

criticidade o seu trabalho” (PARAQUETT 2009: 7). Para que não se reproduzam

desigualdades sociais, nós, educadores, entendemos que o ensino não pode

estar desvinculado da realidade social, cultural e política e nos cabe, através do

172

diálogo, possibilitar mudanças entre culturas onde não exista a convivência

pacífica entre as várias identidades.

Material didático intercultural de língua espanhola

Nas últimas duas décadas, as pesquisas em LA sobre o ensino de línguas

têm se dedicado a vários objetos, dentre eles, o material didático. As investiga-

ções abarcam diversos tipos de material como, por exemplo, livros didáticos,

apostilas, fascículos, cadernos do professor e do aluno, sequências didáticas

etc. Estudiosos da área defendem a ampliação dessas pesquisas, como Coracini

(1999: 17), que esclarece que “assim, como o ensino-aprendizagem de línguas

tem sofrido, de uma maneira ou de outra, a influência do LD, era de se esperar

que os linguistas aplicados lhe concedessem um espaço grande nos seus estu-

dos e nas revistas da área”. Rojo (2013: 164) indica que os resultados de suas

pesquisas recentes têm apontado para a “relevância do tema do papel dos ma-

teriais didáticos impressos nas práticas docentes”. Apesar desse interesse nas

investigações em LA, Barros e Costa (2010: 90) alertam que “a bibliografia de

estudos que tratam do processo de elaboração de materiais para o ensino de

língua estrangeira não é extensa”, o que reafirma a necessidade de ampliar as

pesquisas na área.

Seguindo o viés defendido neste artigo, a formação intercultural do pro-

fessor de línguas passa pela reflexão crítica sobre as práticas desenvolvidas no

ambiente escolar e, dentre estas práticas, está o trabalho com materiais didáti-

cos que serão utilizados em sala de aula. Uma vez que o material e a língua

estrangeira são mediadores culturais entre os participantes do processo peda-

gógico e mundos culturais diferentes, é de fundamental importância que o pro-

fessor possua autonomia suficiente para (re)construí-lo através da perspectiva

intercultural. Dessa maneira, para que as escolas se tornem espaços de trans-

formação social, contribuindo para a formação de cidadãos críticos, a relação

entre a formação de professores e o processo de elaboração de materiais preci-

sa ser construída e pautada no desenvolvimento da perspectiva intercultural.

Os materiais não podem ser vistos como a única ferramenta didática nesse

contexto, mas como uma das possibilidades de desenvolver um eficiente traba-

lho pedagógico. Contudo, os professores precisam estar preparados para, de

maneira crítica, saber escolhê-los, reescrevê-los, complementá-los, adaptá-los

e usá-los para atender às necessidades de seus alunos. Assim, a escolha do

material didático para sala de aula é fundamental e necessita seguir alguns cri-

térios, que não sejam os de interesses econômicos, como, por exemplo, os das

editoras, mas sim os da comunidade escolar, mais particularmente, do grupo

específico de alunos.

173

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

Almeida Filho (2013: 13) propõe uma reflexão acerca do processo de

produção e uso de material didático:

Produzir um material de ensino equivale metaforicamente a escrever uma

partitura para ser interpretada em execuções na materialidade da aula e suas

extensões. Escrever uma partitura inclui tradicionalmente a codificação de

ações premeditadas ao redor de conteúdos previstos para as unidades

(ALMEIDA FILHO 2013: 13).

As ações premeditadas pressupõem que todo material está marcado por

um conceito e traz, de forma explícita ou implícita, a concepção filosófica, teó-

rica e didático-metodológica de quem o produziu, cuja abordagem de ensinar

também contempla “um conceito de língua, de aprender língua(s) e uma ex-

pectativa de como devem proceder professores de línguas” (ALMEIDA FILHO

2013: 16). Esses aspectos serão refletidos no emprego do material em contex-

tos de ensino-aprendizagem, marcando também seus usuários ou receptores.

O mercado de materiais didáticos de língua estrangeira no Brasil sofreu

uma mudança desde que houve a inclusão do componente curricular língua

estrangeira moderna no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), no ano

de 2008, através do qual foi possível a inscrição de materiais didáticos de inglês

e espanhol para seleção e adoção nas escolas públicas de todo país. O PNLD é

um dos programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),

autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), que tem como

finalidade a execução de políticas para o desenvolvimento de programas e pro-

jetos que visem à melhoria da educação em nosso país. Apesar de ser um pro-

grama antigo, a inclusão de línguas estrangeiras é recente. Os primeiros editais,

de 2008 e 2009, foram publicados, respectivamente, para o PNLD do Ensino

Fundamental (EF) 2011 e para o PNLD do Ensino Médio (EM) 2012. Os editais

seguintes, de 2011 e 2013, foram publicados respectivamente para o PNLD do

EF 2014 e para o PNLD do EM 2015.

Em termos de política educacional, a inclusão do componente curricular

língua estrangeira no PNLD é um avanço, pois um grande investimento finan-

ceiro é feito para que livros didáticos sejam distribuídos nas escolas públicas

pelo Brasil afora. Esses investimentos visam à qualidade das obras e que alunos

e professores brasileiros possam dispor de ferramentas essenciais para a for-

mação de cidadãos críticos e atuantes. Sobre o processo de revisão dos livros

didáticos do PNLD, Silva (2008a: 169) explica que:

[...] se realiza com a ajuda de técnicos, mestres e doutores de várias partes do

Brasil, examina os livros do mercado editorial, observando se eles veiculam

174

conceitos corretos, se têm uma orientação metodológica moderna, se edu-

cam os alunos para a cidadania etc., enfim, se estão minimamente de acordo

com os princípios que devem nortear o ensino no Brasil.

E quais seriam os princípios que devem nortear o ensino no Brasil, espe-

cialmente o da língua espanhola? Ao tomar o ensino de uma língua estrangeira

como espaço de encontro e diálogo entre culturas, as relações travadas no con-

texto escolar poderão tanto promover como distanciar este encontro. Quando

falo em cultura na aula de língua estrangeira, não me refiro à celebração folcló-

rica da diversidade de países ou nações através de suas características estereo-

tipadas. Em um mesmo país ou nação há o embate de mais de uma cultura, se

reconhecemos a diversidade cultural e social como elementos constitutivos das

sociedades modernas. As sociedades são, em sua essência, culturalmente hete-

rogêneas, e reconhecer e valorizar esta característica são passos para um olhar

intercultural que esteja centrado no desenvolvimento das pessoas para a práti-

ca da cidadania.

As línguas estrangeiras possuem um papel educativo, de fomento da for-

mação humana dos alunos, de acordo com o indicado no Art. 35 Inc. III da LDB

(1996), que trata de uma das finalidades do ensino médio, etapa final da educa-

ção básica: “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a

formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamen-

to crítico”. A educação tem, assim, a finalidade de desenvolver plenamente o

educando com seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o

trabalho (LDB 1996).

No capítulo 4 das OCEM (2006)– Conhecimentos de Espanhol –, que tem

por objetivo estabelecer orientações para o ensino da língua espanhola no Bra-

sil, reafirma-se esse papel educativo da disciplina e apontam-se alguns cami-

nhos para entendermos os princípios que devem nortear seu ensino, como um

gesto de política linguística: (1) expor os alunos à alteridade, diversidade e he-

terogeneidade da língua espanhola e das comunidades que a falam; (2) levar os

alunos a verem-se e constituírem-se como sujeitos a partir do contato e da ex-

posição ao outro, à diferença e ao reconhecimento da diversidade; (3) expor os

alunos à variedade do espanhol sem estimular a reprodução de preconceitos e

estereótipos; (4) articular muitas vozes, de maneira que as variedades não se-

jam simplificadas; (5) valorizar o papel da língua materna na aprendizagem de

uma língua próxima como base da estruturação subjetiva; (6) entender o

portunhol como um fato natural do aprendizado da língua espanhola; (7) voltar

o ensino da gramática para o papel que ela desempenha nas relações

175

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

interpessoais e discursivas; (8) desenvolver a competência comunicativa3; e, (9)

desenvolver a competência (inter)pluricultural4.

Esses princípios podem orientar a tarefa dos professores na escolha do

livro escolar a ser adotado, ou no momento da elaboração de um material, caso

os docentes não possuam livro didático, ou mesmo porque eles acreditem na

necessidade de criar material sob medida para os objetivos definidos do seu

grupo de alunos. Barros e Costa argumentam sobre as vantagens de o professor

elaborar material próprio:

[...] possibilidade de se fazer um trabalho mais específico para o público ao

qual se destina; mais coerência entre a perspectiva metodológica do profes-

sor e as atividades propostas; liberdade na sequenciação e organização dos

conteúdos; maior densidade no tratamento dos temas; inclusão de conteú-

dos e aspectos do idioma e de suas culturas que os manuais geralmente não

trazem (variação linguística, diversidade cultural, relação/contraste com o

português etc.); maior dinamismo e possibilidade de mudanças, reformulações

e atualizações, já que podem ser concebidos de modo a possibilitar a cons-

tante reconstrução (BARROS; COSTA 2010: 91).

A habilidade de criar e adaptar material é um dos fatores importantes

para que a finalidade educativa do ensino de línguas se concretize. Concomi-

tantemente, será pouco eficaz ter um material pensado de acordo com as pro-

postas educacionais brasileiras se o professor não teve uma formação pautada

nos supracitados pilares. Isso confirma minha convicção de que a formação

intercultural dos professores de espanhol é fundamental para criar ou adaptar

materiais didáticos sensíveis a essa perspectiva.

Uma proposta de esquema de Unidade Didática (UD)

Uma proposta de estrutura para a criação de material próprio seria o

que os autores Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004: 97) propõem como “sequên-

3 O desenvolvimento da competência comunicativa é vista como um conjunto de compo-

nentes linguísticos, sociolinguísticos e pragmáticos relacionados tanto ao conhecimento e

habilidades necessários ao processamento da comunicação quanto à sua organização e

acessibilidade, assim como sua relação com o uso em situações socioculturais reais, de

maneira a permitir-lhe a interação efetiva com o outro (BRASIL 2006: 151).

4 A competência (inter)pluricultural é o que se denomina de perspectiva intercultural neste

artigo.

176

cia didática” que orientaria o trabalho do professor, a partir de conteúdos mais

condizentes com as necessidades pedagógicas traçadas, pois se define como

“um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em

torno de um gênero textual oral ou escrito”. Esta proposta foi criada especifica-

mente para o ensino/aprendizagem de produção de textos, e, destarte, a “se-

quência didática” é um instrumento essencial para o desenvolvimento da pos-

tura crítica e argumentativa do aluno, pois entende-se o aprendizado como pro-

cesso. A seguir, a estrutura de uma sequência didática, sob a visão dos autores:

Figura 1 - Sequência didática (DOLZ, NOVERRAZ E SCHNEUWLY 2004: 98)

Conforme é possível observar na figura, a sequência didática é um con-

junto de atividades progressivas, iniciada pela apresentação da situação, na qual

se detalha o cenário de interlocução, realizado por meio do gênero seleciona-

do. Em seguida, a produção inicial de um texto, que servirá de referência para o

professor identificar os caminhos a serem seguidos. Após o levantamento das

principais necessidades dos alunos, são elaborados os módulos que contempla-

rão atividades diversificadas sobre os diversos elementos constituintes dos gê-

neros que ainda não foram apreendidos pelos alunos. A sequência didática ter-

mina com uma produção final, na qual o aluno poderá utilizar os conhecimen-

tos adquiridos nas etapas anteriores. Cristóvão, ao tratar das sequências didáti-

cas para o ensino de línguas, aponta as seguintes vantagens:

a) permite um trabalho integrado; b) pode articular conteúdos e objetivos

sugeridos por orientações oficiais (Diretrizes Curriculares, por exemplo) com

aqueles do contexto específico (Projeto Político-pedagógico ou planejamento

anual); c) contempla atividades e suportes (livro, internet etc.) variados; d)

permite progressão a partir de trabalho individual e coletivo; e) possibilita a

integração de diferentes ações de linguagem (leitura, produção escrita etc.) e

de conhecimento diversos; f) adapta-se em razão da diversidade das situa-

ções de comunicação e das classes (CRISTÓVÃO 2009: 309-310).

Acredito que a proposta de sequência didática é adequada como uma

das possibilidades para pôr em prática em sala de aula os princípios que devem

Produçãoinicial

Produçãofinal

Módulo

1

Módulo

2

Módulo

3

Apresentaçãoda situação

177

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

nortear o ensino de espanhol no Brasil apresentados anteriormente. Contudo,

neste artigo, opto pelo termo Unidade Didática (UD), como forma de apresen-

tar não somente uma sequência, mas uma unidade de pensamento que tenha

como característica a flexibilidade, baseada nos objetivos delineados, na esco-

lha e elaboração de temas, nos textos e atividades e, por fim, na reflexão final.

Todas as etapas perpassam pela avaliação do processo e esta avaliação vai ser

útil para que o material seja modificado, caso o professor perceba necessidade

no decorrer de sua utilização. As experiências com a língua/cultura que os alu-

nos estão aprendendo serão construídas de acordo com sua vivência. A figura

abaixo resume tal proposta:

Figura 2 - Esquema de Unidade Didática (MATOS 2014: 121)

Para propiciar a elaboração da UD, primeiramente é necessária a prepa-

ração de três blocos, que coincidem com o planejamento: o da preparação, o

das atividades e o da produção final. No bloco da preparação, delineiam-se os

objetivos da UD para que o professor tenha um norte e uma visão do que dese-

ja que os alunos alcancem até a produção final. Escolhe-se o tema sobre o qual

será desenvolvida a UD e selecionam-se os textos para o desenvolvimento do

tema, privilegiando-se o uso de textos autênticos para abordar os gêneros tex-

tuais. No bloco de atividades, o professor vai delinear quantas atividades sejam

necessárias para concretizar os objetivos traçados, priorizando as que promo-

vam o desenvolvimento da consciência crítica e cidadã dos alunos.

Por fim, no bloco de produção final, o professor elabora uma atividade

de reflexão, que possa dimensionar se os alunos obtiveram êxito nos objetivos

traçados no início. Durante todo o processo de produção e aplicação da UD, o

professor precisa avaliar seu andamento, para que qualquer problema detecta-

do possa ser solucionado no decorrer de sua elaboração ou aplicação. A carac-

terística principal da UD é a sua flexibilidade, pois o professor precisa estar livre

para adequá-la às necessidades que possam surgir.

178

Características de uma UD sob a perspectiva intercultural

Passo agora a apontar algumas características para a elaboração de uma

UD para o ensino do espanhol, pensada sob a perspectiva intercultural. Após

traçar os objetivos e escolher o tema a ser trabalhado, será preciso evitar tex-

tos impregnados de estereótipos, preconceitos e exclusões culturais, que apre-

sentem aos alunos interesses que não sejam democráticos nem educativos. Caso

um texto desse teor seja levado para a sala de aula, é necessário que o profes-

sor o problematize, de maneira que o discurso seja analisado criticamente e

não perpetue ainda mais o apagamento das vozes já excluídas ou silenciadas.

Uma dessas vozes seria as dos países de língua espanhola da América

Latina, que durante muitos anos foram invisibilizadas nos materiais didáticos

disponíveis no mercado para o ensino do espanhol nas escolas. Hoje em dia,

essa perspectiva mudou bastante, pois os livros analisados pelo PNLD seguem

critérios que eliminariam um livro baseado nesta concepção, ou seja, um mate-

rial que não fomentasse a heterogeneidade constitutiva dos povos hispânicos.

Lessa (2013) chama atenção para o papel político do professor de espanhol na

construção de memórias e identidades como construções discursivas e proces-

suais que operam para o desenvolvimento da ideia de pertencimento que um

grupo de indivíduos usa para estabelecer relações com outros:

Chamo atenção, então, para o papel ético dos professores – que também são

autoridades e formadores de consciência e cidadania, e fazem escolhas sobre

o material usado em sala de aula. São opções de ordem política, que vão in-

fluenciar a formação dos aprendizes. Se as culturas latino-americanas e suas

variedades linguísticas são tratadas perifericamente ou omitidas nos livros di-

dáticos, cabe ao professor problematizar essa questão e fazer opções que am-

pliem o horizonte cultural dos aprendizes, de modo que, em vez de uma única

memória, possam emergir em sala de aula a diversidade cultural e múltiplas

memórias (LESSA 2013: 25).

Assim, caso o professor se depare com um material que não fomente as

múltiplas vozes do mundo hispânico, ou que as trate com simplismo, cabe a ele

problematizá-lo, pois o ensino de línguas também é um meio de realizar o exer-

cício do poder, sempre marcado por ideologias explícitas e implícitas. O traba-

lho a partir da heterogeneidade que marca a língua espanhola e as comunida-

des hispanofalantes auxilia no reconhecimento da diversidade tanto cultural

quanto linguística e, cabe ao professor, atuando como um mediador de confli-

tos, refutar qualquer tipo de preconceito ou estereótipo que adentre o ambi-

ente escolar. Um professor que atue assim é um professor intercultural, capaz

de conduzir seus alunos não só a serem competentes linguística, mas também

interculturalmente.

179

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

A problematização dos temas que considere conflituosos pode ser reali-

zada através de atividades desenvolvidas a partir dos textos escolhidos. Os Pa-

râmetros Curriculares Nacionais (1998; 2002) e as Orientações Curriculares para

o Ensino Médio (2006) defendem que o ensino seja pautado na

interdisciplinaridade e na transversalidade, o que modifica a visão do ensino

como transmissão de conteúdos fragmentados. Com relação à língua estrangei-

ra no currículo escolar, sua aprendizagem proporcionará não só a apreensão de

conteúdos linguísticos, como também o engajamento discursivo dos alunos nos

contextos em que participarem.

Para trabalhar sob esta perspectiva, o professor pode elaborar ativida-

des para envolver discursivamente os alunos e uma das possibilidades é fomen-

tar o letramento crítico, que “[...] propõe a avaliação dos discursos produzidos

na sociedade, a contextualização dos sentidos e a mobilização dos sujeitos para

fazerem escolhas” (BAPTISTA 2010: 119). Tais estratégias podem gerar “[...] ati-

vidades que favoreçam a compreensão e avaliação dos discursos produzidos

nas diferentes sociedades e práticas letradas” (BAPTISTA 2010: 123). Assim, o

engajamento nas atividades que envolvam a leitura em sala de aula pode se

tornar um espaço aberto para a valorização da diversidade cultural, sendo esse

processo conduzido por textos que estimulem o senso crítico e de cidadania

dos alunos, de maneira que estes estejam preparados para construir a negocia-

ção de significados.

Assim, a função do professor é crucial no desenvolvimento da consciên-

cia crítica (FREIRE 2008), devendo sempre refletir sobre seu próprio papel em

nossa sociedade, preocupado em entender as necessidades e a realidade do

seu ofício. Ferreira (2006) afirma que não basta terminar o curso de graduação

para se tornar professor, sendo necessário refletir criticamente sobre o signifi-

cado de ser professor em seu ambiente de trabalho e levando em consideração

as características de sua comunidade. Para a autora, a forma como os docentes

ensinam influenciará as oportunidades futuras de vida dos alunos, pois:

[...] o que é discutido em sala de aula e como é discutido, possivelmente fará

a diferença no comportamento de alunos perante a sociedade e, em particu-

lar, na visão desses alunos com relação à família, raça, etnia, gênero, classe,

sexualidade e idade (FERREIRA 2006: 36).

É interessante que o professor intercultural esteja atento à sua influên-

cia na vida dos alunos, analisando criticamente todos os passos do processo

pedagógico, dentre os quais fazem parte os materiais didáticos. A escolha dos

temas, textos e atividades utilizadas em sala de aula tem uma repercussão que,

na maioria das vezes, não é vista de imediato, mas vai refletir nas atitudes futu-

ras dos alunos. A forma como os professores conduzem os conflitos travados

180

em sala de aula, levantados tanto a partir dos textos quanto das relações huma-

nas em ebulição no ambiente escolar, tem um peso preponderante na forma-

ção do senso crítico dos alunos.

Os materiais didáticos, nessa perspectiva, precisam ser elaborados le-

vando-se em consideração os possíveis diálogos travados na interação social e,

no momento de sua utilização, o professor intercultural vai atuar como media-

dor cultural dos conflitos que possam surgir do embate de ideias. As experiên-

cias de aprendizagem devem ser significativas, partindo-se do conhecimento

que os alunos já têm sobre o mundo que os cerca, para, a partir daí, ampliá-lo

em direção ao reconhecimento e entendimento da diversidade cultural. A mes-

ma autora, ao referir-se às características dos materiais didáticos intercultu-

rais, defende que é preciso:

Aprender a ser e a viver com o outro. Essa é a perspectiva essencial que deve

orientar a elaboração de materiais interculturais para o ensino de línguas, e

essa aprendizagem não é só do aluno, mas também do professor, como medi-

ador principal de mundos linguístico-culturais diferentes que estão em

interação. Adotando essa forma de aprendizagem, a língua, mais do que um

sistema composto por dados e suas regras de combinação, passa a represen-

tar a instância a partir da qual podemos estar no mundo, de diferentes manei-

ras e com diferentes modos de identificação (MENDES 2012: 376).

Estar no mundo e aprender a ser e a viver com o outro ultrapassa a no-

ção de cultura como algo estanque ou imutável, que pode ser aprendido a par-

tir de amostras da língua que celebram somente o exótico e as manifestações

artísticas. Tudo que reflita um modo de viver em sociedade é cultura e, como

característica, é cambiante a partir dos encontros estabelecidos em seu meio.

Como cultura e identidade são conceitos atrelados, entendo que são construídas

e (re)construídas nas práticas cotidianas, nos encontros interacionais estabele-

cidos entre os indivíduos, o que afeta a compreensão de quem somos na vida

social contemporânea (MOITA LOPES 2003: 15). Para Moita Lopes (2003: 25),

“aprendemos a ser quem somos como mulheres, heterossexuais, negros, pro-

fessores etc. nas práticas discursivas em que agimos com outros e que têm,

portanto, uma base sócio-histórica e cultural”.

A escola tem papel importante na construção e reconstrução do signifi-

cado do que somos na vida contemporânea, pois o posicionamento dos partici-

pantes desse ambiente de interação, do qual fazem parte os professores e os

alunos, vai refletir diretamente nos discursos construídos fora dela, logo a sala

de aula de línguas, como a de espanhol, deve ser vista como um dos espaços

em que isso ocorrerá. Moita Lopes (2002: 199) esclarece que nas salas de aula

181

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

de línguas o que se faz “é aprender a usar a linguagem para agir no mundo

social”.

Na perspectiva intercultural, os indivíduos agem no mundo social atra-

vés do diálogo com o outro e do entendimento da diversidade cultural que ca-

racteriza cada pessoa. Assim, é importante que se incluam, nas práticas desen-

volvidas nas aulas de línguas, modos de viver e estar no mundo que possam

fomentar a discussão e reflexão sobre o mundo plural em que vivemos. Para

isso, nos materiais utilizados deve figurar a representação dos diversos grupos

sociais, sem valorizar algum determinado grupo de forma positiva ou negativa,

mas apresentando a diversidade como característica constituinte das socieda-

des.

Nesse mesmo sentido, Silva (2008b: 196), ao referir-se ao currículo esco-

lar afirma que “o discurso do currículo, pois, autoriza ou desautoriza, legitima

ou deslegitima, inclui ou exclui”. É justamente esse discurso que vai nos cons-

truir como sujeitos e influenciar no que nos transformamos. Assim, um profes-

sor intercultural não pode pensar o currículo somente como uma listagem de

itens, mas como algo muito mais amplo que deve abarcar as diversas identida-

des socioculturais que circulam em nossa sociedade, as quais estão sendo coti-

dianamente questionadas. Nesse contexto, os materiais não podem omitir a

realidade social com a qual, diariamente, os alunos convivem dentro e fora da

sala de aula.

Quando os autores de livros não se preocupam com esses e outros tipos

de questões, ocorre o que Siqueira (2012: 325) denomina a celebração do “mun-

do plástico” no livro didático de línguas estrangeiras, que distancia cada vez

mais a escola do mundo real, pois, muitas vezes, há a opção por tratar de temas

supostamente neutros que não gerariam conflito ou confronto de ideias. A par-

tir da inclusão de livros de espanhol no PNLD, esses materiais são cada vez menos

de “plástico”, no sentido dado pelo autor, já que os critérios de seleção são tão

rigorosos quanto sua aprovação, e a educação cidadã está entre os aspectos a

serem analisados.

Um material didático intercultural precisa ostentar uma posição de com-

bate à suposta neutralidade, pois parte do pressuposto de que os conflitos são

necessários para o entendimento do nosso mundo em contínua mudança e sa-

ber lidar com eles determina se estamos agindo interculturalmente ou não. Freire

(1987) já indicava que toda neutralidade assumida é uma opção escondida e a

educação nunca pode ser neutra, incluindo-se aí o ensino de línguas estrangei-

ras, que precisa problematizar as relações de poder constituídas no discurso

dominante.

182

Considerações Finais

Em suma, para elaborar um material intercultural para o ensino da lín-

gua espanhola nas escolas brasileiras, é preciso primeiro assumir o caráter po-

lítico do ofício do professor para que se possam direcionar as práticas pedagó-

gicas ao entendimento da diversidade cultural que determina nossas diferen-

ças. Dessa maneira, tanto o professor quanto o material trabalhariam em prol

da promoção do diálogo e integração com o outro que é apresentado nas

interações discursivas travadas na sala de aula. Atitudes de discriminação ou

preconceito devem ser combatidas e substituídas pela celebração das diferen-

ças, como integrantes das identidades que nos constituem e que estão em cons-

tante ebulição. Assim, um material intercultural precisa de um professor

intercultural para que, juntos, possam promover mudanças na educação, em

especial, no ensino de língua espanhola.

Para que isso seja possível, os cursos superiores que tratam da formação

de professores precisam atentar para essas questões, reformulando os seus

projetos político-pedagógicos, se preciso for, para que se alcance a preparação

de um perfil de professor que atenda às necessidades de melhoria da qualidade

do ensino e da formação integral dos nossos jovens estudantes. É preciso, como

indicam os PCN (1998; 2002) e as OCEM (2006), prepará-los, de fato, para se-

rem capazes de relacionar o conhecimento teórico à prática, elaborando refle-

xões críticas e construtivas em prol do exercício da cidadania.

Portanto, não podemos descansar diante do desafio que representa o

trabalho de oferecer um ensino de língua espanhola no Brasil com profissionais

realmente preparados e capazes de despertar a consciência crítica e a partici-

pação cidadã dos nossos jovens no cenário sócio-político brasileiro através do

diálogo intercultural. Concluo o texto, porém, deixo a discussão para os profes-

sores e futuros professores de língua espanhola que atuam ou atuarão nas es-

colas de ensino básico de nosso país, almejando que as salas de aulas se trans-

formem em um espaço de descoberta, diálogo e compreensão, vistas sob uma

perspectiva intercultural.

Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Tornar-se professor de língua(s) na estrangeiridade

domada. In: _______. Saberes em português: ensino e formação docente. Campinas/

SP: Pontes Editores, 2008, p. 97-108.

_______. Codificar conteúdos, processo e reflexão formadora no material didático para

ensino e aprendizagem de línguas. In: PEREIRA, Ariovaldo; GOTTHEIM, Liliana. Mate-

183

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

riais didáticos para o ensino de língua estrangeira: processos de criação e contextos

de uso. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2013, p. 13-28.

BAPTISTA, Lívia Márcia Tiba Rádis. Traçando caminhos: letramento, letramento crítico

e ensino de espanhol. In: BRASIL, Ministério da Educação. Coleção Explorando o Ensi-

no. V. 16. Espanhol: ensino médio. BARROS, Cristiano Silva de; COSTA, Elzimar

Goettenauer de Marins. (Org.) Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2010, p. 119-

136.

BARROS, Cristiano Silva de; COSTA, Elzimar Goettenauer de Marins. Elaboração de

materiais didáticos para o ensino de espanhol. In: BRASIL, Ministério da Educação.

Coleção Explorando o Ensino. V. 16. Espanhol: ensino médio. BARROS, Cristiano Silva

de; COSTA, Elzimar Goettenauer de Marins. (Org.) Brasília: Secretaria de Educação

Básica, 2010, p. 85-118.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: ter-

ceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília: MEC/SEF,

1998.

BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio.

Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação Média e

Tecnológica, 2002.

_______. Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio. v. 1. Linguagens, códi-

gos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2006.

_______. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional.

CELANI, Maria Antonieta Alba. Ensino de línguas estrangeiras: ocupação ou profissão?

In: _______. O professor de línguas estrangeiras construindo a profissão. Pelotas:

EDUCAT, 2008.

CORACINI, Maria José. O livro didático nos discursos da linguística aplicada e da sala

de aula. In: _______. Interpretação, autoria e legitimação do livro didático: língua

materna e língua estrangeira. Campinas/SP: Pontes, 1999, p. 17-26.

CRISTÓVÃO. Vera Lúcia Lopes. Sequências didáticas para o ensino de línguas. In: DIAS,

R; CRISTÓVÃO, V. L. L. O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas.

Campinas/SP: Mercado de Letras, 2009, p. 305- 344.

DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Seqüências didáticas para

o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In:_______. Gêneros orais e

escritos na escola. Campinas/SP: Mercado das Letras, 2004, p. 95-128.

FERREIRA, Aparecida de Jesus. Formação de professores raça/etnia: reflexões e suges-

tões de materiais de ensino em português e inglês. Cascavel: Assoeste, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 19. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

_______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.

184

GARCÍA MARTINÉZ, Alfonso; ESCARBAJAL FRUTOS, Andrés; ESCARBAJAL DE HARO,

Andrés. La interculturalidad. Desafío para la educación. Madrid: Dykinson, 2007.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Traduzido por Tomaz Tadeu

da Silva e Guacira Lopes Louro. 11.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

LEFFA, Vilson José. Aspectos políticos da formação do professor de línguas estrangei-

ras. In: ______. LEFFA, V. J. (Org.). O professor de línguas estrangeiras: construindo a

profissão. Pelotas: EDUCAT, 2008, p. 353-376.

LESSA, Giane da Silva Mariano. Memórias e identidades latino-americanas invisíveis e

silenciadas no ensino-aprendizagem de espanhol e o papel do professor. In: ZOLIN-

VESZ, Fernando. A (In)Visibilidade da América Latina no ensino de espanhol. Campi-

nas/SP: Pontes Editores, 2013, p. 17-27.

MAHER, Terezinha M. Do casulo ao movimento: a suspensão das certezas na educação

bi língue e intercultural. In: CAVALCANTI, M.; BORTONI-RICARDO, (Orgs.).

Transculturalidade, linguagem e educação. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2007, p.

67-94.

MATOS, Doris Cristina Vicente da Silva. Formação intercultural de professores de es-

panhol: Materiais didáticos e contexto sociocultural brasileiro. Tese de Doutorado:

Universidade Federal da Bahia: Instituto de Letras, 2014.

MENDES, Edleise. A perspectiva intercultural no ensino de línguas: uma relação “en-

tre-culturas”. In: ALVAREZ, Maria Luisa Ortiz. Lingüística aplicada: múltiplos olhares.

Campinas/SP: Pontes Editores, 2007.

_______. Língua, cultura e formação de professores: por uma abordagem de ensino

intercultural. In: MENDES, Edleise; CASTRO, Maria Lúcia (Orgs.). Saberes em portu-

guês: ensino e formação docente. Campinas/SP: Pontes, 2008.

_______. O português como língua de mediação cultural: por uma formação

intercultural de professores e alunos de PLE. In: ______. Diálogos Interculturais: Ensi-

no e formação em português língua estrangeira. Campinas/SP: Pontes, 2011, p. 139-

158.

_______. Aprender a ser e a viver com o outro: materiais didáticos interculturais para

o ensino de português LE/L2. In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio. Materiais didáti-

cos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Sal-

vador: EDUFBA, 2012, p. 355- 378.

MOITA LOPES, Luiz Paulo. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça,

gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2002.

_______(Org). Discursos de Identidades. Discurso como espaço de Construção de Gê-

nero, Sexualidade, Raça, Idade e Profissão na Escola e na Família. Campinas: Mercado

de Letras, 2003, p. 13-38.

185

abehache - ano 4 - nº 6 - 1º semestre 2014

_______. Por uma Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

MOTA, Katia Maria Santos. Incluindo as diferenças, resgatando o coletivo – novas pers-

pectivas multiculturais no ensino de línguas estrangeiras. In: MOTA, Katia; SHEYERL,

Denise (Orgs.) Recortes Interculturais na sala de aula de Línguas Estrangeiras. Salva-

dor: EDUFBA, 2004, v.1, p. 35-60.

PARAQUETT, Márcia. Sobre el alcance de la lei 11.161 en el nordeste brasileño: escojas

y posibilidades. Conferência apresentada no II Congresso Nordestino de Espanhol.

(Mimeo), 2009.

_______. Multiculturalismo, interculturalismo e ensino/aprendizagem de español para

brasileiros. In: COSTA, E. G. M; BARROS, C. S (Orgs.). Coleção explorando o ensino.

Brasília: Ministério da Educação, 2010, p. 137-156.

ROJO, Roxane. Materiais didáticos no ensino de línguas. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo

(Org.). Linguística aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta Celani.

São Paulo: Parábola, 2013.

SILVA, Myrian Barbosa da. Novos horizontes no ensino de língua portuguesa: A forma-

ção do professor e o livro didático. In: MENDES, E; CASTRO, M. L. Saberes em portu-

guês: ensino e formação docente. Campinas/SP: Pontes, 2008a.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo e identidade social: territórios contestados. In: SIL-

VA, Tomás Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos

culturais em educação. Petrópolis/RJ: Vozes, 2008b, p. 190-207.

SIQUEIRA, Domingos Sávio Pimentel. Se o inglês está no mundo, onde está o mundo

nos materiais didáticos de inglês? In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio. Materiais

didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposi-

ções. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 311-353.