aprendizagem intercultural [ue - 2001]

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    Bem-vindo coleco de Mochilas Pedaggicas!

    Edies do Conselho da EuropaF-67075 Estrasburgo Codex

    Publicaes HUMANASwww.humanaglobal.org

    Conselho da Europa e Comisso Europeia, Janeiro de 2001

    A reproduo de textos e imagens est autorizada apenas parans pedaggicos no comerciais, desde que a onte seja citada.

    Este documento no expressa necessariamente a posio ofcial da Comisso Europeia ou do

    Conselho da Europa, dos seus Estados membros ou de organizaes que colaborem com estas instituies.

    Mochila Pedaggicasobre AprendizagemIntercultural

    ISBN Edio Papel978-989-8098-06-1

    ISBN Edio PDF978-989-8098-07-8

    A HUMANA GLOBAL Associao para a Promoo dos Direitos Humanos, da Cultura e do Desenvol-vimento props-se em 2006 traduzir e adaptar uma srie de manuais de ormao sobre vrias temti-cas relacionadas com o trabalho com jovens. Estes manuais, resultado prtico de uma parceria entre oConselho da Europa e a Comisso Europeia, tm provado ser uma erramenta de grande utilidade e a suatraduo e adaptao para Portugus tornava-se assim imperativa!

    A verso inglesa e rancesa desta coleco tem como ttulo no Mochilas Pedaggicas mas sim T-Kits. O quesignica T-Kit? A esta questo podemos dar duas respostas. A primeira, a mais simples, encontra-se naormulao completa desta abreviatura, em ingls: "Training Kit", quer dizer, Kit de ormao. A segundaest ligada sua sonoridade que lembra a de bilhete (Ticket), o ttulo de transporte que nos permite viajar.Assim, encontramos neste manual uma pequena personagem chamada "Spiy" que segura um bilhete,graas ao qual vai poder partir descoberta de novas ideias. Imaginmos o T-Kit (Kit de Formao ou, nonosso entendimento Mochila Pedaggica) como uma erramenta susceptvel de servir a todos e a cada um dens no seu trabalho. Mais precisamente, desejaramos destin-lo queles que trabalham com jovens e aosormadores, a m de lhes dar erramentas tericas e prticas para trabalharem com e/ou ormarem jovens.Uma mochila com a qual tambm se pode partir descoberta de novas ideias e uma mochila onde se podearrumar tudo o que vamos encontrando!

    Esta publicao ruto de esoros colectivos desenvolvidos por jovens de diversas culturas, prosses eorganizaes. Formadores de jovens, responsveis de ONGs de juventude e autores prossionais trabalha-ram em conjunto para a realizao de produtos de grande qualidade, que respondem s necessidades de umgrupo-alvo, tendo em conta a diversidade das abordagens de cada um dos temas na Europa.

    Este T-Kit no uma publicao isolada. Faz parte de uma srie de ttulos. Outros se seguiro nos prxi-mos anos. Inscrevem-se no quadro de um Programa Europeu de Formao de Responsveis pela Educaodos Jovens, conduzido em parceria, desde 1998, pela Comisso Europeia e pelo Conselho da Europa. Paraalm dos T-Kits, a parceria entre as duas instituies engloba outros domnios de cooperao tais como:estgios de ormao, a revista "Coyote" e um website interactivo e dinmico.

    Para mais inormaes respeitantes parceria (novas publicaes, oertas de estgios de ormao, etc.) ouat mesmo azer o download da verso electrnica dos T-Kits, visite o website www.training-youth.net.

    The Portuguese translation and publication o this T-Kit was initiated and carried out by the Portuguese NGO, HUMANA GLOBAL (www.humanaglobal.org)with the authorisation o the Partnership Programme on European Youth Worker Training. HUMANA GLOBAL assumes ull responsibility or the accuracy othe Portuguese translation. The project received unding rom the European Social Fund trough Operational Programme or Employment, Training and SocialDevelopment, Action Type 4.2.2.2. Didactical Resources.

    A traduo portuguesa deste T-Kit da responsabilidade da HUMANA GLOBAL Associao para a Promoo dos Direitos Humanos, da Cultura e do Desen-volvimento (www.humanaglobal.org) com a autorizao da Parceria entre o Conselho da Europa e a Comisso Europeia sobre Trabalho Juvenil. A HUMANA

    GLOBAL assume toda a responsabilidade pela traduo Portuguesa. Este projecto, inserido no Projecto PUBLICAES HUMANAS, oi aprovado e nanciadopelo Fundo Social Europeu atravs do POEFDS Programa Operacional de Emprego, Formao e Desenvolvimento Social, Eixo: 4 Promoo da Eccia eda Equidade das Polticas de Emprego e Formao, medida 4.2. Desenvolvimento e Modernizao das Estruturas e Servios de Apoio ao Emprego e Formao,aco-tipo 4.2.2.2. Recursos Didcticos.

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    Mochila Pedaggicasobre

    AprendizagemIntercultural

    Coordenao da srie:

    Slvio Martinelli, Anne Dussap

    Redactores:Slvio Martinelli, Mark Taylor

    Autores: (ver ltima pgina)Arne GillertMohamed Haji-KellaMaria de Jesus casco GuedesAlexandra RaykovaCludia SchachingerMark Taylor

    Verso Portuguesa:Ana AlbuquerqueAna Isabel XavierAnabela Miguens AntunesAnabela MoreiraPedro CarvalhaisSofa FigueiredoDesign e Capa:www.emsdesign.net

    Conselho EditorialBernard Abrignani Instituto Nacional da Juventude

    e da Educao Popular

    Elisabeth Hardt Federao Europeia para a

    Aprendizagem Intercultural

    Esther Hookway Lingua Franca

    Carol-Ann Morris

    Frum Europeu da JuventudeHeather Roy Associao Mundial de Guias e

    Escuteiras

    SecretariadoSabine van Migen (Assistente Administrativa)Genevieve Woods (Bibliotecria)

    Capa e Spiy, o CoioteThe Big Family

    EdioDepartamento de Pr-publicao do Conselhoda Europa

    Agradecimentos especiais:A Patrick Penninckx, por ter coordenado o lana-

    mento desta coleco, eito um acompanhamento

    permanente e assegurado a ligao com os autores

    do projecto, de acordo com a parceria.

    A Anne Cosgrove e Lena Kalibataite, pela sua contri-

    buio na primeira ase do projecto.

    Ao conjunto dos editores e autores que deram a sua

    autorizao para a reproduo dos materiais prote-

    gidos pelos direitos de autor.

    Por fm, a todas as pessoas que, com as suas com-

    petncias individuais, em momentos dierentes e

    de diversas ormas, permitiram a concretizao dos

    esoros de todos!

    Centro Europeu da Juventude, Estrasburgo

    30, Rua Pierre de Coubertin

    F-67000 Estrasburgo, Frana

    Tel.: + 33-3-88411 2300 Fax.:+ 33-3-8841 2777

    Centro Europeu da Juventude, Budapeste

    Zivatar ucta 1-3

    H-1024 Budapeste, Hungria

    Tel.: +36-1-212 4087- Fax.: +36-1-212 4067

    Conselho da EuropaDG IV

    Direco Geral da Juventude e do Desporto

    Comisso EuropeiaDireco Geral de Educao e Cultura

    Direco D5: Juventude Polticas e programas

    Rua de la Loi, 200B-1049 Bruxelas, Blgica

    Tel.: +32-2-295 1100 Fax.: +32-2-299 4158

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    AprendizagemIntercultural

    Introduo ................................................................................................................................... 7

    1. Aprendizagem Intercultural e valores na Europa .................................................. 9

    1.1 O que a Europa e para onde vai ............................................................................................ 9

    1.1.1 A Europa: um conceito de diversidade ............................................................................ 9

    1.1.2 Algumas palavras sobre a histria e os valores das instituies Europeias ...................... 10

    1.1.3 Os desaos para a Europa ............................................................................................. 11

    1.2 Novos pontos de partida ....................................................................................................... 121.3 Os Jovens e a Aprendizagem Intercultural: os desaos ........................................................... 15

    2. Conceitos da Aprendizagem Intercultural .............................................................. 17

    2.1 Introduo ............................................................................................................................ 17

    2.2 A propsito de aprendizagem

    O que a aprendizagem? ...................................................................................................... 17

    2.3 O que a cultura? O que intercultural? ............................................................................... 18

    2.4 A propsito de Cultura.......................................................................................................... 20

    2.4.1 O modelo do "Iceberg".................................................................................................. 20

    2.4.2 O modelo das dimenses culturais Geert Hostede ......................................................... 202.4.3 As componentes comportamentais da cultura segundo Edward T. e Mildred Reed Hall ... 22

    2.4.4 A discusso sobre a cultura segundo Jacques Demorgon e Markus Molz ........................ 24

    2.5 A propsito de aprendizagem intercultural

    O modelo de desenvolvimento de Milton J. Bennett ............................................................... 28

    2.6 Sntese .................................................................................................................................. 31

    2.7 A propsito de Educao intercultural ................................................................................... 33

    3. Uma pedagogia da Aprendizagem Intercultural? ...............................................35

    3.1 Consideraes Gerais ............................................................................................................ 35

    3.2 Seleco, criao e adaptao dos mtodos............................................................................ 37

    4. Mtodos ................................................................................................................................ 39

    4.1 Dinmicas ............................................................................................................................. 39

    4.1.1 Introduo ................................................................................................................... 39

    4.1.2 "Ser que eu vejo o que eu vejo? Ser que vejo o que tu vs?" ...................................... 40

    4.1.3 "GRRR PHUT BOOM!" ............................................................................................. 41

    4.1.4 "60 Segundos = 1 minuto, ou no?" .............................................................................. 42

    4.1.5 "A cebola da diversidade" ............................................................................................. 43

    4.2 Exerccios individuais ........................................................................................................... 44

    4.2.1 Introduo ................................................................................................................... 44

    4.2.2 "O meu caminho para o outro" ..................................................................................... 444.2.3 "O meu prprio espelho" ............................................................................................... 47

    4.2.4 "Frente a rente com a minha prpria identidade" ......................................................... 49

    ndice

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    4.3 Discusso, argumentao e conrontao............................................................................... 51

    4.3.1 "Qual a vossa posio?" ............................................................................................. 514.3.2 "Podem trocar os vossos valores?" ................................................................................ 544.3.3 "Abigail" ...................................................................................................................... 56

    4.4 Jogos de simulao............................................................................................................... 58

    4.4.1 Algumas consideraes prticas.................................................................................... 584.4.2 "Limite 20" ................................................................................................................... 594.4.3 "Inqurito apreciativo" ................................................................................................. 60

    4.4.4 Os Derdianos ................................................................................................................ 624.5 Encenaes ........................................................................................................................... 66

    4.5.1 A encenaoenquanto mtodo ..................................................................................... 664.5.2 "Adivinha quem vem jantar esta noite" ......................................................................... 664.5.3 "As relaes entre organizaes minoritrias" ............................................................... 67

    4.6 Resoluo de problemas ........................................................................................................ 69

    4.6.1 "Os nove pontos" ......................................................................................................... 694.6.2 "O ovorccio" ................................................................................................................ 714.6.3 "Quem tem as pilhas?" .................................................................................................. 73

    4.7 Pesquisas e apresentaes ..................................................................................................... 75

    4.7.1 "O laboratrio cultural" ................................................................................................ 75

    4.8 Avaliao ............................................................................................................................. 774.8.1 Consideraes gerais .................................................................................................... 774.8.2 "A rvore da comunicao" .......................................................................................... 784.8.3 Express jumping ........................................................................................................ 80

    4.9 Diversos ............................................................................................................................... 83

    4.9.1 Introduo ................................................................................................................... 834.9.2 "A WWW" ................................................................................................................... 834.9.3 "Testemunhos interculturais" ........................................................................................ 854.9.4 "O grande jogo do poder" ............................................................................................. 874.9.5 "Euro-rail la carte" .................................................................................................... 88

    5. Workshops ........................................................................................................................... 895.1 Preparar um intercmbio....................................................................................................... 89

    5.2 Relaes minoria/maioria...................................................................................................... 91

    5.3 Resoluo de confitos interculturais ..................................................................................... 92

    5.4 Como despertar o interesse dos participantes para a Aprendizagem Intercultural .................... 95

    ANEXO 1: Sugesto de glossrio ..................................................................................... 97

    ANEXO 2: Formulrio de avaliao ................................................................................. 99

    ANEXO 3: Bibliograa ........................................................................................................ 101

    ANEXO 4: Para ir mais longe ........................................................................................... 103

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    AprendizagemIntercultural

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    Introduo

    Publicar um trabalho sobre aprendizagem inter-cultural sempre um desao e o nascimento destaMochila Pedaggica no escapou a esta regra.Todos os autores (ver biograas nas ltimas pgi-nas) se congratularam por terem tido a oportunida-de de trabalhar esta questo, tanto mais que a suaparticipao nesta publicao oi uma experinciaintercultural por si mesma.

    Tentmos trazer discusso as dierentes experi-

    ncias e ideias, com a nalidade de produzir umaMochila Pedaggica que vos ajude a chegar s vos-sas prprias concluses no que respeita teoria e prtica da Aprendizagem Intercultural, em contex-to de ormao e no trabalho com jovens.

    Desde a nossa primeira reunio, em Junho de1999, conseguimos denir o contedo e distribuiras responsabilidades de redaco dos dierentescaptulos. As trocas de impresso ace s nossasprimeiras diculdades oram seguidas de e-mails,que deram lugar a revises, novamente discutidasdurante a nossa segunda reunio em Dezembro domesmo ano. Cada captulo refecte o pensamentodo seu autor mas beneciou de um conjunto decrticas construtivas de todo o conselho editorialda Mochila Pedaggica.

    Queremos azer duas ressalvas. Rapidamente tom-mos conscincia que tal publicao no poderiaabarcar seno uma parte do todo. Consequentemen-te, denir prioridades ao nvel do ndice no oi cile oi preciso passar por muitas discusses e explica-es. Assim, vo encontrar nesta publicao:

    O contexto e a importncia da aprendizagemintercultural;

    Snteses de algumas das teorias que nos parece-ram teis compreenso das bases da aprendi-zagem intercultural;

    Conselhos para elaborar metodologias interculturais;

    Uma seleco de diversos mtodos;

    Modelos para organizar sesses de trabalhotemticas;

    Sugestes para prosseguir o trabalho; Um ormulrio de avaliao (a vossa opinio

    ser essencial para o nosso trabalho nas prxi-mas publicaes).

    Esta Mochila Pedaggica pode ser enquadrada nalinha das publicaes que se seguiram campa-nha "Todos Dierentes, Todos Iguais", semelhananomeadamente do Kit pedaggico e de Domino.Estes dois manuais esto sempre disponveis gratui-tamente em verso papel e no web-siteda ComissoEuropeia contra o Racismo e a Intolerncia.

    Esperamos que aqui encontrem ideias que vosestimulem e mtodos teis. No entanto, consta-taro a ausncia da abreviatura AIC para desig-nar, por norma, "aprendizagem intercultural",pois pensamos que pode constituir um obstculo compreenso generalizada.

    Aguardamos os vossos comentrios sobre estaMochila Pedaggica.

    Arne Gillert, Mohamed Haji-Kella, Maria de JesusCasco Guedes, Alexandra Raykova, Cludia Scha-chinger, Mark Taylor.

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    1.1.1 Europa: um conceito dediversidade

    A Europa sempre desempenhou um papel prepon-derante na economia, na poltica e na histria domundo. Hoje, a Europa no apenas uma realidadegeogrca ou poltica, mas tambm um conjuntode conceitos, os das dierentes Instituies Euro-peias, de cada um dos indivduos que nela habitam,

    mas tambm do resto do mundo. Consequente-mente, o conceito de Europa d lugar a numerosase dierentes interpretaes, todas com uma ligaocomum: a Europa a nossa casa comum.

    Na realidade, a Europa sempre oi o motor de evo-luo da nossa civilizao, mas tambm de revo-lues e, inelizmente, das guerras mundiais.

    Hoje, o que chamamos de "velho continente"refecte uma nova imagem, a da diversidade, queno pra de crescer e de evoluir, e que encontra assuas razes na histria, da qual o colonialismo az

    parte. Desde a Idade Mdia e at muito recente-mente, os pases europeus (Reino Unido, Portugal,Espanha, Frana, etc.) possuam colnias em die-rentes continentes. No nal dos anos 50 e 60, ospases europeus importaram mo-de-obra dessascolnias. Actualmente, muitas pessoas deslocam--se de um continente para o outro. Tursticas paraalguns, essas deslocaes so, para muitos, invo-luntrias e oradas por circunstncias incompor-tveis nos seus pases de origem.

    Hoje, pereitamente normal para os Norte Arica-nos terem Franceses como vizinhos, para os India-

    nos coabitarem com Britnicos, etc. Para melhorilustrar esta realidade, ser necessrio aindaacrescentar imagem um Chins, um Romeno eum imigrante negro ou um reugiado dos Balcs.Ao longo dos sculos, esta diversidade reorou ainterdependncia da Europa com os outros conti-nentes. No podemos pensar na Europa contem-pornea sem as riquezas trazidas pelos povos epelas culturas que a povoam.

    A Guerra Fria terminou h mais de uma dcadae a cortina de erro entre a Europa Ocidental e deLeste j no existe, pelo menos na sua orma origi-nal. No entanto, as pessoas ainda no sabem muitoacerca umas dos outras, no conhecem o vizinhoque mora na casa ou no apartamento ao lado, nosabem nada acerca do colega de trabalho ou da

    pessoa sentada na mesa ao lado no ca. Se qui-sermos partilhar um uturo comum, preciso queaprendamos muito uns acerca dos outros; deve-mo-nos isso, como devemos contrariar os nossospreconceitos e as nossas iluses.

    Deender a sua cultura e os valores do seu grupo uma reaco normal da parte de qualquer indiv-duo. Por isso cil rotular o resto do mundo. Masa realidade actual mostra claramente que poucoimporta o acto de aceitarmos ou no as dierenase as especicidades culturais dos que nos envol-vem: devemos encontrar a melhor maneira de viverem conjunto no seio de uma nica sociedade. Casocontrrio, o dilema que se nos oerece o seguinte:

    Ser ou no ser

    Se recordarmos a histria da Europa, torna-seclaro que nunca oi cil, e continua a ser sem-pre dicil, encontrar a rmula para aceitar estasdierenas e viver com elas de orma pacca. Osinteresses e as polticas dividem os indivduos de

    acordo com motivos tnicos, religiosos e outrascondicionantes, a m de provocar confitos e deredistribuir o poder poltico ou social ou os terri-trios geogrcos.

    Tal oi o caso na primeira e segunda Guerras Mun-diais, da Guerra Fria, dos permanentes confitosna Europa (Irlanda, Espanha, Chipre, etc.) e osrecentes confitos nos Balcs e no Cucaso.

    Em 1947, pela ocasio de uma cimeira poltica,Winston Churchill, Primeiro-ministro Britnicona poca da guerra, levantou a seguinte questo:

    "O que a Europa neste momento?" E continuou,com estas palavras: "Um monte de escombros, umquartel-general, um terreno rtil para a peste epara a raiva". A sua viso pessimista no era, noentanto, exagerada. No m da II Guerra Mundial,a Europa velava em cinzas. Mas conseguimos nsretirar lies da Histria? Porque que o press-gio de Churchill az ainda parte da actualidade emalgumas regies da Europa?

    Milhes de pessoas perderam a vida durante estasguerras. Muitas ainda sorem e vivem em condi-es bastante semelhantes s que se vericavam aseguir II Guerra Mundial.

    Outras tm medo de regressar a casa porque arris-cam-se a perder a vida. O problema global. A

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    1. Aprendizagem intercultural

    e valores na Europa

    1.1 O que a Europa e para onde vai

    Mochila Pedaggicasobre

    AprendizagemIntercultural

    Por

    Alexandra

    Raykova

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    Humanidade no aprende as lies com as suasprprias tragdias. Continua a utilizar contra osoutros e, com requncia, mesmo aos que socolaterais a estes confitos os mesmos mtodosque a zeram sorer.

    Perante este gnero de situaes, os cidadoseuropeus acreditam e esperam que as institui-es internacionais possam reagir imediatamentee solucionar todos os problemas. A maior partedos cidados europeus no az distino entreo Conselho da Europa e a Unio Europeia e, deentre os que azem, poucos conhecem a gnese, apoltica e os valores destas instituies. De entre

    as instituies comprometidas com a construode uma Europa pacca, preciso citar o Conse-lho da Europa, a Organizao para a Segurana eCooperao na Europa (OSCE) e a Unio Europeia. importante conhecermos a histria e os valoresdestas instituies e estarmos conscientes das suaspossibilidades e dos seus limites. Isto ajuda a sabercomo explorar melhor e transerir a experincia eas erramentas desenvolvidas por estas instituiespara apoiar as diversas organizaes e instituies escala nacional e local.

    Frequentemente, os indivduos no esto cons-

    cientes do poder que detm para resolver os seusprprios problemas. No entanto, geralmente, assuas aces concretas podem transormar-se emcontribuies bastante teis para as suas socieda-des. As ONGs e os jovens desempenham, nestecontexto, um papel especco.

    1.1.2 Breves palavras sobre ahistria e os valores dasinstituies europeias

    A 5 de Maio de 1949, no St. James Palace, em

    Londres, o Tratado que estabeleceu o estatuto doConselho da Europa oi assinado por dez pases:Blgica, Frana, Itlia, Dinamarca, Noruega, Sucia,Luxemburgo, Pases Baixos, Reino Unido e Irlanda.

    Actualmente ( data de Junho de 2000), o Conse-lho da Europa constitudo por 41 Estados mem-bros. Os seus objectivos so os seguintes: deen-der os Direitos Humanos, a Democracia Pluralistae o primado do Estado de Direito; encorajar atomada de conscincia e valorizao da identida-de e diversidade culturais da Europa; promoversolues para os problemas sociais na Europa;assistir os pases da Europa Central e Orientalna consolidao da sua estabilidade democrticaapoiando as suas reormas polticas, legislativase constitucionais.

    O acto de o raio de aco do Conselho da Europaabranger todo o continente traduz a amplitude ea diversidade da Europa e coloca em evidncia opapel poltico que desempenha esta instituio noseio da Europa alargada dos nossos dias.

    Em 1950, o plano de Monnet, que visava a aproxi-mao das indstrias do carvo e do ao, oi propos-to por Robert Schuman, ento Ministro dos NegciosEstrangeiros rancs. "O Tempo no mais de pala-vras vs" anunciava ento o Plano Schuman, "Paraque a paz vingue, preciso antes construir a Europa".No ano seguinte, seis pases juntaram-se Comuni-dade Europeia do Carvo e do Ao (CECA): Frana,Alemanha, Itlia, Blgica, Pases Baixos e Luxem-burgo. Era esperado que a Gr-Bretanha assumissea liderana mas, receosa da perda de soberania quepudesse implicar a sua adeso CECA, recuou.

    Em 1955, os representantes dos seis Estados mem-bros da CECA reuniram-se na Siclia para discu-tirem a criao de uma unio econmica maisaproundada. Em 1957, a assinatura do Tratadode Roma deu lugar ao nascimento da ComunidadeEconmica Europeia (CEE), mais conhecida poste-riormente pelo nome de Mercado comum.

    No esprito dos seus pais undadores Monnet,Spaack, Schuman e outros a Unio Europeiaoerecia a esperana, a curto prazo, numa uniopoltica. Hoje (Junho de 2000), a Unio Europeiarene 15 Estados membros. Cinco pases esto emnegociaes, enquanto que outros seis oram con-vidados a apresentar a sua adeso.

    AOrganizao para a Segurana e Cooperaona Europa (OSCE) uma organizao pan-euro-peia de segurana, cujos 55 pases membros com-preendem uma regio geogrca que se estende deVancouver a Vladivostok. Instituda por um acor-

    do regional legitimado pelo captulo VIII da Cartadas Naes Unidas, a OCSE tinha por misso ori-ginal a observao, preveno de confitos, gestode crises e reabilitao ps-confito.

    Criada em 1975 sob o nome de Conerncia paraa Segurana e Cooperao na Europa (CSCE), estaorganizao devia servir de rum multilateral parao dilogo e a negociao entre o Ocidente e o Leste.A Cimeira de Paris, em 1990, acabou por conerir CSCE uma outra misso. A Carta de Paris para umanova Europa estipula que a CSCE deve contribuirpara a gesto dos desenvolvimentos histricos naEuropa e responder aos novos desaos do perodops Guerra Fria. A Cimeira de Budapeste, em 1994,reconheceu que a CSCE no era mais uma simplesconerncia e alterou o seu nome para OSCE.

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    AprendizagemIntercultural

    Actualmente, a OSCE desempenha um papel deprimeiro plano na promoo da segurana comoorma de cooperao na Europa. Para atingir estesobjectivos, coopera estreitamente com outrasorganizaes internacionais e regionais e mantmrelaes preerenciais com numerosas organiza-es no governamentais.

    1.1.3 Desaos para a Europa

    Actualmente a Europa depara-se com o desaoda reconstruo econmica, poltica e geogrca.Mas o principal desao reside na manuteno da

    paz e a promoo da estabilidade na Europa. Paraos sistemas polticos, a diculdade consiste emencontrar estratgias a mdio e a longo prazo paraatingir estes objectivos e determinar as melhoresmodalidades para as instituies cooperarem nodesenvolvimento das suas polticas rumo a umaEuropa pacca.

    Por ltimo, a Europa deve denir o seu novo papelno mundo, enquanto actor construtivo e respon-svel no contexto econmico e poltico planet-rio, atento dimenso mundial dos problemas edeensor de valores bencos para todos os indi-vduos em todo o mundo. O acto que as diversas

    instituies desenvolveram as suas prprias erra-mentas para atingir estes objectivos: a Conveno

    Europeia dos Direitos do Homem, diversas Con-venes-quadro, programas de integrao, medi-das para constituir mercados comuns, etc.

    O trabalho das instituies europeias assenta emvalores que desempenham um papel undamen-tal na construo de uma Europa pacca, naperspectiva de ultrapassar o osso entre o Estee o Oeste, de promover a participao dos gru-pos minoritrios, e de encorajar a edicao deuma sociedade intercultural. Todos os indivduosdevem poder participar plenamente, com o mesmonvel e em p de igualdade para a construo daEuropa. Em consequncia, esta participao cer-tamente importante para a poltica Europeia, mastambm para as realidades concretas nos planosnacional e local, j que a nalidade ltima queos indivduos aprendam a viver em sociedade.

    Ao longo desta publicao iremos analisar as rela-es entre aprendizagem intercultural e o respeitopelos Direitos Humanos, o respeito dos direitos dasminorias, a solidariedade, a igualdade de oportu-nidades, a participao e a democracia. a queresidem os valores da aprendizagem intercultural,mas so tambm os preconizados pelas institui-es europeias, os pilares da cooperao e da inte-

    grao europeias. Como azer com que os cidadoseuropeus adoptem eles mesmos estes valores?

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    1.2 Novos pontos departida

    No contexto destas imensas problemticas, umcerto nmero de desenvolvimentos marca a reali-dade actual da Europa, continente com uma ortediversidade cultural e em constante interacocom o resto do mundo. Estes desenvolvimen-tos, mais ainda se os colocarmos no contexto deum mundo global e cada vez mais globalizado

    parecem caracterizar-se, nomeadamente, pelasua dimenso intercultural. Estes novos pontos departida, que se constituem como desaos, pode-riam tambm ser os principais impulsionadores dodilogo cultural no seio da Europa e com as outrasregies do mundo.

    Uma Europa nica: integrar adiversidade?

    Desde a queda da cortina de erro que os paseseuropeus entraram num processo de aproximaomtua. As antigas divises, ossem polticas, reli-

    giosas ou econmicas, geraram diversos desenvol-vimentos, por vezes contraditrios, tal como o tes-temunha, nomeadamente, o osso entre o Ocidentee o Leste. Falar destas experincias um exercciodicil e complexo pois a compreenso cultural epoltica colide com requncia com os seus limi-tes. No negligenciar nenhuma das implicaesculturais, religiosas, sociais, econmicas e polticasdestes desenvolvimentos uma verdadeira aventu-ra. Mas a aproximao no seio da Europa poderiaoerecer uma oportunidade de abrir o dilogo entreos cidados dos dierentes pases, de aprender unscom os outros e de se enriquecerem mutuamente e,

    no m, a uma escala maior, de redenir as nossasrelaes com as outras regies do mundo.

    possvel um dilogo aberto sobre os desenvol-vimentos passados e actuais (incluindo os maisdesagradveis), sobre as tenses ideolgicas e asdiversas experincias? Vamos pr em prtica todosos meios para atingir uma integrao igualit-ria? Como conseguir criar espaos de encontro ouexprimir as nossas queixas e as nossas esperanas,onde aprender a conhecer-nos? Como podemosns, cidados, participar e comprometer-nos numdilogo nesta construo da Europa? A Europa"unida" ser ainda uma Europa diversicada quevaloriza a dierena? E enm, a Europa "unida"ser uma Europa aberta e receptiva a todas as cul-turas presentes no mundo?

    Globalizao: unio ou unicao?A globalizao crescente escala econmica provocamudanas em todas as eseras da vida e nos planosindividual, social e cultural. A responsabilidade indi-vidual parece crescer e dissipar-se ao mesmo tempo.

    O osso entre ricos e pobres acentua-se, mas os eeitossobre uns e outros so menos perceptveis. Sem se darconta, um bolsista em Nova Iorque pode decidir sobrea sobrevivncia de uma criana nos bairros pobres deKuala Lumpur, mas o inverso pouco provvel. Ascausas so mais diceis de discernir. O mundo pareceevoluir numa interaco prxima, como o compro-

    va a celebrao comum de acontecimentos culturaiscomo o Campeonato do Mundo de utebol. As noesde tempo e de espao tendem a desaparecer. Os pro-gressos das tecnologias da comunicao aproximam--nos, aumentam os nossos conhecimentos mas nonecessariamente a nossa atitude para os integrar. Omodo como lidamos com estas dinmicas complexasgera consequncias diversas.

    Um acesso generalizado aos meios de comunicaosociais ser desde logo sinnimo de mais solidarie-dade? Um mundo interligado Internet vai pro-mover a Democracia e os Direitos Humanos? Umamaior consciencializao pode mudar a histria?Seremos capazes de usar todos estes conhecimen-tos como plataorma para um verdadeiro encontroe para encontrar novas solues? Coca-Cola, tele-viso por satlite e McDonald's so novos arteac-tos culturais de um uturo prximo? Num mundoglobalizado, quais as condies necessrias se qui-sermos omentar o pluralismo e a coexistncia depadres culturais? Haver uma oportunidade paradesenvolver uma verdadeira "comunidade pla-netria" que oerea uma vida digna e um lugarmerecido a cada um? Quem domina a economiae a Internet? Uma mudana ao nvel da percepoespacio-temporal pode transormar a cultura?

    Novas sociedades: multi- ouinterculturais?

    Actualmente, requente que os indivduos com die-rentes condicionantes culturais vivam em conjuntono seio de uma mesma sociedade. O aumento do volu-me de inormaes e a mobilidade, por um lado, e ascondies econmicas e polticas injustas, por outro,originam fuxos migratrios entre dierentes pases.No entanto, a migrao na Europa pouco expres-siva se comparada com outros continentes. Quantomais as ronteiras caem, mais ns nos protegemosatravs, por exemplo, do Acordo de Schengen. "Bastade estrangeiros" torna-se a palavra de ordem dealguns polticos. Comeamos a azer distines entre"bons" e "maus" estrangeiros, entre "razes vlidas"

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    e "razes no vlidas" para emigrar. A maior partedas nossas sociedades encontra novos meios naverdade, no to novos como isso para gerarestas situaes: guetos suburbanos, segregao,racismo, excluso. Discutimos vrias ormas pos-sveis de convivncia. Perguntamos se os indiv-duos de culturas dierentes podem simplesmentecoabitar no seio de sociedades multiculturais, ouse podemos ver um tipo de "sociedade intercultu-ral" pautada por uma orte interaco, com todasas implicaes que tal acarreta.

    Em que medida que a conrontao com as die-renas culturais nos aecta pessoalmente? Sere-mos capazes de gerir no dia-a-dia a diversidadeque nos envolve? Somos capazes de apreciar estasdierenas? Poderemos desenvolver ormas plu-ralistas de coabitao nos bairros, nas cidades enos pases? Podem coexistir dierentes culturasbaseadas na curiosidade, na aceitao mtua eno respeito? Quais sero os processos necessriospara chegar a uma situao destas? Quais so asdiculdades com que nos vamos deparar?

    Identidades: de cidados nacionalistasou de cidados do mundo?

    Estas novas sociedades pluralistas e multiculturaisazem nascer algumas incertezas. As reerncias cul-turais tradicionais desaparecem, enquanto a diversi-dade crescente nos parece uma ameaa para o quechamamos de identidade prpria. O signicado dosconceitos e de reerncias maiores evolui rapidamen-te ou perde-se em denitivo: nao, territrio, per-tena religiosa, ideologia poltica, prosso, amlia.Os esquemas tradicionais de pertena deslocam-se ereormam-se para dar lugar a novas expresses cul-turais. E eis que nos tornamos "nmadas" em buscade novas reerncias cada vez mais individualistas.Multiplicam-se os grupos ideolgicos echados, tais

    como as seitas, o nacionalismo ressuscitado e a res-ponsabilidade transerida para as mos dos "lderesmais poderosos". A incerteza econmica, a crescenteinjustia social e a polarizao contribuem para ainsegurana. procura de uma compreenso global,geralmente associada a consequncias incompreen-sveis, ope-se com requncia o interesse de perten-a a um grupo especco claramente denido.

    De que orma vamos denir a nossa identidadeneste mundo de mudana? Que tipo de reern-cias e de orientaes podemos adoptar? Em quesentido a compreenso da identidade vai evoluir?Seremos capazes de elaborar um conceito abertopara a nossa vida, no contexto de um dilogo ede uma troca permanente com os outros? Pode-remos voltar a conar nas nossas reerncias

    culturais, paralelamente a uma responsabilida-de global e a um sentimento de pertena global,enquanto cidados da Europa e do mundo?

    Poder: minorias e maiorias

    Num mundo repleto de dierenas que reivindi-camos , a questo do poder desempenha um papelmaior. Fazer parte dos ortes ou dos racos ou pos-suir caractersticas culturais maioritrias ou mino-ritrias so consideraes de suma importncia. assim que surgem novos confitos, que velhasrivalidades reacendem, e que a pertena religiosaou tnica se torna uma razo legtima para jus-ticar a guerra ou a violncia, tanto entre comono interior dos pases e das regies. O "choquedas civilizaes" e a "guerra das culturas" oramanunciados. No passado como no presente, muitossorimentos oram causados, os Direitos Humanosso sistematicamente violados porque a diversida-de no respeitada e porque as maiorias usaramsempre o seu poder contra as minorias. Hoje, ten-tamos "proteger" os "direitos" das minorias.

    Estes direitos sero algum dia reconhecidos? O reco-nhecimento da diversidade cultural vai levar-nos avidas paccas e enriquecedoras em conjunto? Pode-

    mos encontrar-nos reencontrando a dierena, semnos erirmos nem nos colocarmos mutuamente emperigo? Seremos capazes de compreender um dia queo planeta sucientemente vasto para acolher todasas ormas de expresses culturais? Seremos capa-zes de chegar a acordo sobre uma denio comumem torno de Direitos Humanos? E, por m, sabera Europa tirar os ensinamentos das nossas relaespassadas e presentes com os outros continentes mastambm dos massacres perpetuados pela nossa inca-pacidade de gerir a diversidade?

    Todas estas breves consideraes e questes quelhes esto associadas ormam um puzzle, do qualnenhuma pea isolada consegue traduzir toda acomplexidade. A poltica est ligada cultura, acultura economia, e vice-versa. Todos estes ele-mentos suscitam, em cada um de ns, questesque, por vezes, no tm resposta.

    Como contribuir para a Europa, para um mundono qual queremos viver?

    Aprendizagem Intercultural:Uma contribuio possvel

    evidente que o ngulo sob o qual so apresen-tadas estas orientaes no neutro, nem o so asquestes colocadas. A ptica aqui escolhida, porquese unda em valores que deendem e proclamam as

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    Instituies Europeias, veicula uma posio polti-ca segundo a qual ns enquanto indivduos aoencontro de outros indivduos , somos tambmcidados, que vivemos em conjunto no seio deuma comunidade, em interaco constante. Con-sequentemente, partilhamos a responsabilidade doque so as nossas sociedades.

    A ausncia de paz sinnimo de guerra. A ausnciade guerra signica automaticamente a paz? Comodenimos a noo de paz? Podemos resumi-la daseguinte orma: "Se no me zeres mal, eu tambmno te arei"? Ou aspiramos desde j a uma outraviso da vivncia em conjunto? Se admitirmos quea interdependncia que caracteriza o mundo actualnos aecta e nos compromete a todos, ento talveznos alte procurar outros modos de coabitao e dever no outro uma pessoa a respeitar plenamentecom todas as suas dierenas.

    A "Aprendizagem Intercultural" pode ser uma er-ramenta til nos nossos esoros para compreen-der a complexidade do mundo de hoje, para noscompreendermos um pouco melhor, mas tambmcompreendermos os outros. Para alm disso, podeser uma nova chave para abrir as portas rumoa uma nova sociedade. A "Aprendizagem Inter-

    cultural" pode ajudar-nos a enrentar com sucessoos desaos que so as realidades contemporneas.

    Podemos ver a uma ajuda para pessoalmenteenrentar os desenvolvimentos actuais, mas tam-bm para infuenciar o potencial de mudana demodo a que tenha um impacto positivo e cons-trutivo nas nossas sociedades. As nossas "capa-cidades de aprendizagem intercultural" so a essenvel mais necessrias que nunca.

    Neste contexto, a aprendizagem intercultural assu-me-se como um processo de desenvolvimentopessoal com implicaes colectivas. Convida-nossempre a questionarmos porque queremos lidarcom isso, quais so as vises que temos e os objec-tivos que queremos atingir.

    A aprendizagem intercultural no apenas umaaquisio pessoal ou um luxo para poucos que tra-balham num ambiente intercultural: o seu interes-se situa-se ao nvel da orma como vivemos emconjunto no seio das nossas sociedades.

    A aprendizagem intercultural e esta publicao dever ajudar-vos a responder a algumas dasquestes acima mencionadas. Poder ajudar-vos arefectir sobre os desaos descobertos e levar-vosa sonhar com uma outra sociedade.

    De qualquer modo, ir azer-vos colocar aindamais questes.

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    1.3 Os jovens e a apren-dizagem intercultu-ral: os desaos

    De uma orma geral, os jovens vivem as suas expe-rincias muito intensamente e esto receptivos atodos os tipos de mudanas. Esto com requnciadependentes nos planos econmico e social e vul-nerveis nas circunstncias em que esto expostos.So com requncia os primeiros perdedores e osprimeiros ganhadores das diversas evolues queaectam a sociedade. Se analisarmos, por exemplo,

    as subidas das taxas de desemprego na Alemanha,ou os milagres/desastres econmicos na Rssia,constatamos que os jovens sorem e beneciamdestas situaes de igual modo.

    Os jovens celebram a cultura mundial com calasde ganga azuis nas "Rave Parties". Foram eles osprimeiros a escalar o muro de Berlim. Estudam noestrangeiro ou emigram, atravessam as ronteirascom passaportes legais ou ilegalmente, partem aventura em pequenos barcos. So tambm elesquem est mais receptivo aos processos de apren-dizagem intercultural, mais desejoso de se rela-

    cionar com os outros, de descobrir e de explorara diversidade.

    Mas o acto de estes jovens serem to dierentes eviverem em circunstncias to dierentes nem sem-pre ornece o enquadramento apropriado para prem prtica processos enriquecedores, mas contudocomplexos, de aprendizagem intercultural. Assim,quando alamos de aprendizagem intercultural edo trabalho com a juventude, alamos de jovensconrontados com a diversidade e a complexidadedos seus backgrounds; isto implica ento o deverde nos conrontarmos com o que aparentementeparece contraditrio.

    No que se segue, apresentamos algumas orienta-es gerais baseadas na nossa experincia de tra-balho com jovens, como os resultados de pesquisassociolgicas e relativas juventude. No se esque-a de que se tratam de orientaes que podem nose aplicar a todas as pessoas. Por um lado, colo-cam em evidncia os dierentes desenvolvimentosque intervieram no seio da sociedade com os quaisos jovens devero saber lidar, por outro, indicam asua relao muitas vezes contraditria com osprincipais elementos de aprendizagem intercultu-ral (que ser ilustrada e desenvolvida nos captu-los seguintes leitura das teorias e dos princpioseducativos da aprendizagem intercultural).

    A cultura moderna privilegia a velocidade,os sentimentos ortes e os resultados imedia-tos, apresentando o mundo como uma sriede acontecimentos intensos sem continuidade.Esta overdoseemocional contrasta com a neces-sidade de explicaes racionais. A aprendiza-gem intercultural um processo de aprendiza-gem moroso e constante, repleto de rupturas.Implica ao mesmo tempo a razo e a emoo,bem como a sua relevncia para a vida.

    No essencial, a educao recebida pelos jovensprivilegia as respostas e transmite conceitosprontos a serem utilizados e explicaes sim-

    ples. Os meios de comunicao social e a publi-cidade recorrem s simplicaes, reorandoos esteretipos e os preconceitos. A aprendiza-gem intercultural interessa-se pela diversidadee pela dierena, pelo pluralismo, pela comple-xidade e pelas questes em aberto e, por m,pela refexo e pela mudana.

    Se pensarmos nos jovens enquanto consumido-res, constatamos que a sua primeira prioridadereside na satisao das necessidades individuais essencialmente materiais. Uma orma de liber-dade muito particular promovida: "a sobrevi-vncia do mais orte". A insegurana econmica

    e prossional omenta a concorrncia. A apren-dizagem intercultural diz respeito a cada um dens em relao aos outros (todos ns, uns paracom os outros), sobre relaes e solidariedadee sobre levarmos a srio os outros.

    Os jovens tm poucos pontos de reernciadurante a sua adolescncia; as experincias davida e a percepo da realidade esto mais rag-mentadas. Os indivduos aspiram harmonia e estabilidade. A aprendizagem intercultural dizrespeito ormao e alterao da identidadepessoal, percepo das mudanas de signica-do, na aceitao das tenses e das contradies.

    A sociedade d aos jovens poucos exemplos edeixa-lhes pouco espao para exprimirem e enco-rajarem a diversidade, proclamar o direito de serdierente ou de agir dierentemente e de aprendera igualdade de oportunidades em vez da domina-o. A aprendizagem intercultural est essencial-mente baseada na dierena, na diversidade decontextos de vida e no relativismo cultural.

    Os jovens sentem-se inteis na vida pblica. dicil identicar as suas responsabilidadespolticas e as suas possibilidades de participa-o individual na complexa realidade actual.A aprendizagem intercultural diz respeito democracia e cidadania, implica a tomada deposio contra a opresso, a excluso e os seusmecanismos de suporte.

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    Os debates polticos e pblicos tendem a sim-plicar os actos e a negligenciar a procura decausas. A memria histrica transmitida aosjovens curta e parcial. Estes dois actores nopreparam os jovens para a complexidade darealidade. A aprendizagem intercultural inte-ressa-se pela memria, pelas lembranas e peloultrapassar das lembranas para construir umnovo uturo. Aprendizagem intercultural numcontexto europeu signica tambm uma refe-xo prounda sobre as relaes entre o Ocidentee o Leste e sobre a determinao de omentarum verdadeiro dilogo acerca da nossa histriacomum e dierenciada.

    Muito ca por dizer. As armaes deendidaspodem ser interpretadas de orma dierente segun-do os pases e as realidades sociais. O panorama

    apresentado no pretende ser completo. Pelo con-trrio, az-nos refectir um pouco mais sobre oestado das nossas sociedades e sobre o interesse daaprendizagem intercultural neste contexto, nomea-damente aos olhos dos jovens.

    Os processos de aprendizagem intercultural desen-volvidos com os jovens devem ser baseados nassuas prprias realidades. Uma situao de apren-dizagem intercultural planicada dever integrare conciliar ideias contraditrias. Discutidas aber-tamente, estas podem ormar os pontos de partidade um dilogo intercultural honesto.

    O contexto actual uma verdadeira oportunidadepara os jovens, para a Europa e para a aprendi-zagem intercultural. Mas da que precisamenteadvm a necessidade de trabalhar esta questo.

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    Apresentar teorias sobre conceitos de aprendiza-gem intercultural uma experincia interculturalem si mesma. Com eeito, a diversidade de ideiasque se escondem por detrs de um s e nicotermo "aprendizagem intercultural" muitoreveladora da histria das pessoas que esto nasua origem.

    Fazer uma escolha entre as dierentes teorias ecoment-las provavelmente mais revelador sobre a

    histria e as opinies da pessoa que az este exerccio,do que sobre a aprendizagem cultural em si mesma.

    Consequentemente, este captulo no pretendede orma alguma impor uma qualquer "verdade"sobre a aprendizagem intercultural. Trata-se antesde mais de uma tentativa para oerecer um pano-rama inevitavelmente subjectivo de algumasdas teorias e dos conceitos desenvolvidos relativa-mente aprendizagem intercultural.

    Como a maioria das teorias, as aqui apresentadasapelam a alguns termos ou ormulaes "antasio-

    sas". Escolhemos propositadamente inclu-las, nopara desencorajar o leitor, mas para o amiliarizarcom os termos empregues. Estes so, com eeito,requentes na linguagem da aprendizagem inter-cultural. Para alm disto, as teorias apresentadasinspiram o trabalho que vocs desenvolvem naprtica desde h algum tempo.

    O termo "aprendizagem intercultural" pode serentendido a dierentes nveis. A um nvel maisliteral, aprendizagem intercultural az reernciaao processo individual de aquisio de conheci-mentos, de atitudes ou de comportamentos, asso-

    ciado interaco com as dierentes culturas.

    Com muita requncia, no entanto, a aprendizagemintercultural considerada num contexto mais amplopara traduzir o modo como pessoas com dierentescondicionantes so susceptveis de viver em conjun-to de maneira pacca, e o processo necessrio paraconstruir uma tal sociedade.

    Neste contexto, "aprendizagem" , consequentemen-te, entendido a um nvel estritamente individual mas,az sobrepor, contudo, a natureza ilimitada do pro-cesso conducente a uma sociedade "intercultural".

    A expresso "aprendizagem intercultural" seraqui explorada nas suas diversas componentes einterpretaes.

    O que a aprendizagem"?

    O dicionrio de Ingls Oxord Advanced Learnersd a seguinte denio de Aprendizagem (tradu-zida do Ingls): "aquisio de conhecimentos oude competncias atravs do estudo, da prtica oudo ensino". Esta denio, muito geral, ponto departida para vrias discusses.

    Aprender a vrios nveis

    A aprendizagem desenvolve-se a trs nveis in-terligados: os nveis cognitivo, emocional e com-portamental.

    Aaprendizagem cognitiva a aquisio de conhe-cimentos ou de crenas: saber que 3 mais 3 so 6,que a Terra redonda, que o Conselho da Europarene actualmente 41 Estados-membros.

    Aaprendizagem emocional um conceito maisdicil de compreender. Tentem lembrar-se da

    orma como aprenderam a exprimir os vossos sen-timentos e da evoluo desses mesmos sentimen-tos ao longo do tempo. Relembrem-se do que vosmetia medo h vinte anos atrs e hoje j no, daspessoas de quem no gostaram primeira vista ede quem hoje so grandes amigos, etc.

    A aprendizagem comportamental o resultadovisvel da aprendizagem: ser capaz de pregar umprego numa tbua, escrever com uma caneta, comercom pauzinhos chineses, ou saber receber uma pes-soa como exigem as regras de boa educao.

    A verdadeira aprendizagem engloba estes trsnveis: cognitivo, emocional e comportamental.Se quiser aprender a comer com pauzinhos, devesaber como pegar neles e aprender os gestos apro-priados para os manusear. Mas estas duas apren-dizagens no tero um eeito duradouro se noaprender a gostar de comer com pauzinhos ou seno vir nenhum interesse na sua utilizao.

    A aprendizagem enquanto processo (des)estruturado

    A aprendizagem pode decorrer de uma situaoimprevista ou de um processo planeado. Se refec-tirmos acerca disso, constatamos que aprendemosmuitas coisas por meio de experincias com asquais no pensvamos aprender. Por outro lado, aaprendizagem implica na maior parte do tempo umprocesso estruturado ou pelo menos intencional.

    2. Conceitos de aprendizagem intercultural

    Por

    Arne

    Gillert

    2.2 A propsito de2.1 Introduo Aprendizagem

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    No aprendemos nada com experincias inespera-das se no refectirmos sobre o que aconteceu.

    Os sistemas educativos, tanto ormais como noormais, recorrem a processos estruturados coma nalidade de acilitar a aprendizagem. O actode ter procurado esta publicao para refectiracerca do processo de aprendizagem interculturalnum ambiente de grupo atesta o seu interesse pelaaprendizagem enquanto processo estruturado eno puramente casual. As experincias de apren-dizagem conduzidas atravs de cursos de orma-o, de seminrios, de encontros de grupos, deworkshops, de intercmbios, etc. so alguns exem-plos estruturados de aprendizagem intercultural.

    Os papis na aprendizagem

    A aprendizagem tambm uma questo de papis.Sendo a escola, para a maioria das crianas, a pri-meira experincia de aprendizagem interculturalestruturada, o modelo de reerncia ser o da rela-o estabelecida entre o proessor e o aluno. Noentanto, para a maioria das pessoas implicadas naeducao no ormal, parece evidente que a apren-dizagem pode ser muito ecaz, concebida enquantoprocesso com um duplo sentido no qual cada umaprende com o outro, interagindo. Com eeito, esta-

    mos constantemente a aprender, mas a maioria dosindivduos no se rev tanto no papel de alunos e,por vezes, inconscientemente, preerem o papel deproessores. Favorecer a abertura necessria a umaaprendizagem mtua um dos desaos que qual-quer pessoa implicada na educao no ormal deveter em considerao na primeira ase do seu traba-lho com um novo grupo. Pessoalmente, eu desejariaque as pessoas envolvidas na educao ormal assu-missem este mesmo desao na sala de aula.

    Os mtodos de aprendizagem

    Se pensarmos na aprendizagem enquanto processo

    estruturado, parece lgico debruarmo-nos sobreos mtodos que nela intervm. Os investigadoresconcluram por diversas vezes que, em situaesque zessem apelo ao conhecimento, emoo e aco, os indivduos aprendiam mais com as suasprprias experincias. Se quisermos oerecer umespao de aprendizagem, necessrio apontar paramtodos que avoream a experincia e a refexoa estes trs nveis. Iro encontrar mais rente,nesta Mochila Pedaggica, sugestes de mtodos emetodologias para a aprendizagem intercultural.

    2.3 O que a cultura?O que que intercultural?

    O segundo termo que aparece em "aprendizagemintercultural" o de cultura. Todas as teorias deaprendizagem intercultural tm como base a ideiaimplcita ou explcita de cultura. Comum a todas, o acto de percepcionar a cultura enquantoconstruo humana. Evocmos a cultura comosendo o "sotware" que os indivduos utilizam noquotidiano; descrevemo-la normalmente como o

    conjunto de pressupostos, valores e normas un-damentais que os indivduos possuem. O conceitode cultura d lugar a mltiplos argumentos e dis-cusses tanto tericos como prticos.

    A cultura est necessariamente ligada a um grupo deindivduos ou podemos alar de cultura individual?Quais os elementos que compem uma cultura?Podemos traar um "mapa cultural" do mundo?As culturas evoluem? Porqu e como?Qual a ora da ligao entre a cultura e o verda-deiro comportamento dos indivduos e dos grupos?Uma pessoa pode ter vrios backgrounds culturaise o que que isso implica?At que ponto a cultura fexvel e est receptivaa uma interpretao individual?

    Frequentemente o interesse pela cultura exige quenos debrucemos sobre a interaco das culturas.Muitos autores armaram que se existisse apenasuma cultura nem sequer pensaramos em cultura.A aparente diversidade relativa ao modo como osindivduos pensam, sentem e agem, o que nos azprecisamente tomar conscincia da cultura. Con-sequentemente, no podemos pensar em culturasimplesmente enquanto "cultura", mas enquanto"culturas". Neste captulo, ento lgico partir de

    ideias xas sobre a cultura em si para passarmos aideias orientadas acerca da interaco das culturase das experincias interculturais.

    Alguns termos so por vezes utilizados para subs-tituir o "intercultural", tais como "transcultural" e"multicultural". Para alguns autores, estes termostm o mesmo signicado. Outros do-lhes signi-cados completamente dierentes. Estas dierenassero abordadas mais rente neste captulo.

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    de

    Liderana

    Ritmo

    de

    tra

    ba

    lho

    Pa

    dres

    de

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    de

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    grupo

    Concepo

    de

    limpeza

    Atitudespara

    com

    osu

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    do

    Teoria

    das

    doenas

    Abordagens

    reso

    luo

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    Conce

    po

    doesta

    do

    demo

    bilida

    de

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    do

    de

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    ida

    de,

    sexo,

    classe,

    ocupao,

    paren

    tesco,

    etc

    .De

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    de

    Natureza

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    "

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    lLinguagem

    cor

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    l

    Express

    es

    acia

    is

    Noesso

    bre

    lg

    icae

    va

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    de

    Pa

    drespara

    lidarcom

    emo

    es

    Pa

    dresd

    econversaoem

    vrioscon

    tex

    tossocia

    is

    Concepo

    depassa

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    de

    uturo

    Gest

    odo

    tempo

    Preernciape

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    interac

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    do

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    Disposio

    doespao

    sico

    Etc

    Fig.

    1:ConceitodeCultu

    rasobaperspectivad

    oIcebergue

    Percepoimediata

    Esca

    papercepo

    imed

    iata

    Fonte:

    AFSOrientationHandbook(1984)vol.IV,p

    g.14

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    2.4 A propsito de cultura

    2.4.1 O modelo do "Icebergue"

    Este modelo parte da ideia que a cultura pode serrepresentada sob a orma de um icebergue: apenasuma pequena parte do icebergue visvel acimado nvel da gua. O topo deste suportado poruma parte mais larga, submersa e, portanto, invi-svel. Esta parte submersa constitui, no entanto,uma slida undao.

    Tambm na cultura, notamos alguns aspectosvisveis: arquitectura, arte, cozinha, msica, ln-gua, citando apenas alguns. Mas os alicerces quegarantem a sua solidez so mais dicilmente per-ceptveis: a histria do grupo humano detentor dacultura, as suas normas, os seus valores, os pres-supostos undamentais no que respeita ao espao,tempo, natureza, etc.

    O modelo do icebergue demonstra que os aspectosvisveis da cultura no so seno expresses dosaspectos invisveis. Este modelo coloca igualmen-

    te em evidncia a diculdade de compreender osindivduos com condicionantes culturais porquese podemos alcanar os aspectos visveis do "nossoicebergue", mais dicil identicar as bases.

    Dito isto, o modelo do icebergue deixa sem respos-ta algumas das questes levantadas anteriormente.Geralmente serve de ponto de partida a uma an-lise mais aproundada da cultura. uma primeiravisualizao das razes que az com que seja porvezes dicil compreender e "ver" a cultura.

    Relevncia para o trabalhocom jovens

    O modelo do icebergue centra a nossa ateno sobreos aspectos escondidos da cultura. Este modelo lem-bra-nos de que, nos encontros interculturais, assemelhanas identicadas num primeiro contactopodem acabar por se revelar com base em pressupos-tos que no correspondem realidade. Nos jovens, asdierenas culturais podem ainda ser mais diceis deperceber: em todos os pases os jovens usam calas deganga, ouvem msica pop, e querem poder aceder aoe-mail. Aprender interculturalmente signica tam-bm, antes de mais, estar consciente da parte oculta

    do seu prprio icebergue e ser capaz de alar acercadisso com os outros com a nalidade de melhor secompreenderem e encontrarem pontos em comum.

    2.4.2 O modelo das dimensesculturais: Geert Hostede

    A teoria da cultura de Geert Hostede baseia-se numdos maiores estudos empricos alguma vez desenvol-vido sobre dierenas culturais. Nos anos 70, a IBM(que era j nesta poca uma empresa multinacional)recorreu a este estudo para tentar explicar porque que as suas liais (no Brasil e no Japo, por exemplo)continuavam a ser geridas de maneira muito dierentee isto apesar de todos os esoros desenvolvidos parapr em prtica procedimentos e normas comuns.

    Hostede tentou ento procurar as dierenas no un-

    cionamento destas empresas. Para realizar este traba-lho, desenvolveu um trabalho de investigao comvrias etapas que englobavam entrevistas e questio-nrios distribudos pelo conjunto dos empregados daIBM em todo o mundo. Visto que o nvel de instruodos empregados era globalmente idntico em todosos lugares e que a estrutura da organizao, as regrase os procedimentos eram os mesmos, este autor che-gou concluso que as dierenas identicadas advi-riam da cultura dos empregados e, em grande parte,da cultura do pas de acolhimento. Hostede descre-veu ento a cultura como "a programao colectivados espritos que distingue os membros de um grupohumano do outro". Aps vrias ases de investigao,

    Hostede sistematizou as dierenas culturais segundoquatro dimenses undamentais. A saber: distnciado poder, individualismo/colectivismo, masculinida-de/eminilidade, e o medo da mudana. Aps algu-mas pesquisas complementares, acrescentou ainda adimenso da orientao temporal.

    Adistncia do poder (distncia hierrquica) indi-ca em que medida cada sociedade aceita uma dis-tribuio desigual do poder entre os indivduos noseio das instituies e das organizaes. A distn-cia do poder diz respeito hierarquia como, porexemplo, o processo de tomada de deciso aceite

    no seio de uma associao juvenil. Todos deveropoder exprimir-se em p de igualdade? Espera-seque, se necessrio, o Presidente do Conselho deAdministrao tome sozinho as decises?

    O medo da mudana indica em que medida umasociedade se sente ameaada por situaes incer-tas e ambguas e tenta evit-las, estabelecendoregras e diversas medidas de segurana. O medo damudana diz respeito atitude dos indivduos emrelao ao risco como, por exemplo, a quantidadede pormenores que os membros de uma equipa pre-paratria vo querer denir quando planicam umcurso de ormao. Que lugar reservado ao acaso, improvisao e ao desenvolvimento espontneodos acontecimentos (talvez at no mau sentido)?

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    Smallpowerdistance

    Stronguncertainty

    avoidance

    (well-oiledmachine)

    Smallpower

    distance

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    avoidance

    (villagemark

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    Uncertainty

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    Largepowerdistance

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    (pyramidofpeople)

    Powerdistanceindex

    Largepowerdistance

    Weakuncertainty

    avoidance

    (family)

    Fig.

    2:A

    posiode50

    pasese3regiesn

    as

    escalasderelaes

    dedistncia,podere

    incerteza

    Fonte:

    pg.141,

    Hofstede,Geert(1991)Culture

    s

    andor

    ganisations:softwareofthemind,

    London:

    McGra

    w-

    Hill.CopyrightGeertHofstede,repro

    -

    duzido

    com

    consentimento.

    ndicedeeliminao

    dasincertezas

    Curtadistn

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    ndicedadistnciadopoder

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    O individualismo/colectivismo indica se uma socieda-de uma rede social sem relao entre os indivduos,na qual cada um suposto interessar-se apenas por simesmo, ou se ela oerece um tecido social echado noqual os indivduos se dividem entre membros e nomembros de grupos e esperam que o grupo ao qualpertencem os proteja. Nas culturas colectivistas, porexemplo, os indivduos sentem-se ortemente ligadose responsveis pelas suas amlias e preerem ver-secomo membros de diversos grupos.

    Amasculinidade/eminilidade indica em que medidao sexo determina os papis dos homens e das mulhe-

    res na sociedade. Existe, por exemplo, uma repartio"quase" natural das tareas dos participantes, homensou mulheres, num seminrio ou ser que todas astareas domsticas podem ser assumidas indierente-mente por homens ou mulheres?

    A orientao temporal indica em que medidauma sociedade baseia as suas tradies sobre osacontecimentos do passado ou do presente, sobreos benecios apresentados ou ainda sobre o que desejvel para o uturo. Por exemplo, qual ,na vossa opinio, a importncia da histria davossa regio na actualidade e no uturo? Quando

    os indivduos tentam azer valer as suas origens,alam do passado, do presente ou do uturo?

    Hostede desenvolveu vrias grelhas nas quaisclassicou as sociedades (naes) sobre a base devalores em relao s dimenses (ver por exemploFig. 2). Estes valores baseiam-se na avaliao dosquestionrios e nas sucessivas investigaes eitasa partir deste modelo.

    O valor do modelo de Hostede oi amplamente reco-nhecido porque assentava numa base emprica; noque respeita cultura, nenhum (ou quase nenhum)

    outro estudo ou teoria apresentou undamentosquantitativamente comparveis. Por outro lado, estemodelo no explica porque que as dimenses con-sideradas so apenas cinco, e porque que elas pr-prias constituem as componentes undamentais dacultura. Por outro lado, o conceito concebe a culturade orma esttica e no dinmica. O porqu e o comodo desenvolvimento das culturas no podem entoser explicados seno atravs deste modelo. Para almdisso, apontamos a Hostede a ocalizao na culturaenquanto caracterstica de uma nao e a neglign-cia da diversidade cultural que prevalece nas socie-dades ps-modernas, mas tambm as sub-culturas,as culturas mistas e o desenvolvimento individual. Adescrio da cultura segundo estas dimenses induzo perigo de apreciar implicitamente algumas culturascomo "melhores" que outras. Por isso, para muitos,

    as cinco dimenses parecem descrever na pereio aconstituio das sociedades.

    Relevncia para o trabalhocom jovens

    No podemos estar de acordo com Hostede quandoele arma que estas cinco dimenses so as nicascomponentes da cultura. No entanto, somos ora-dos a concordar que se revelam ser elementos essen-ciais na base das dierenas culturais e, consequen-temente, a reconhecer a sua utilidade tratando-sede compreender os confitos entre indivduos ougrupos com condicionantes culturais dierentes. Osparticipantes comeam imediatamente a compararas culturas "nacionais" segundo os diagramas deHostede: Tenho realmente tendncia para a hierar-quia? Necessito verdadeiramente de mais seguran-a que os outros? Algumas das dimenses de Hos-tede oerecem um quadro para a interpretao dasdiversidades culturais e um ponto de partida paraa anlise das dierenas entre os participantes (Ex:Como concebem o poder e a liderana?) Mas, poroutro lado, estas dimenses levam-nos rapidamen-te a refectir sobre os nossos comportamentos indi-viduais e a possibilidade de os generalizar a todosos indivduos no seio de um dado pas. Sejam quais

    orem, essas dimenses comportam um interesseem termos de reerncia para a anlise dos dieren-tes contextos nos quais vivemos (a nossa "cultura"enquanto estudantes, a "cultura" da nossa amliae dos nossos amigos, a "cultura" das zonas ruraisou urbanas, etc.). Importa questionarmo-nos seestas dimenses nos permitem compreender melhoras coisas ou se nos levam desde logo a conceitosestereotipados. Para alm disso, estas cinco dimen-ses e, as preerncias individuais relativamente aelas, colocam a questo da relatividade cultural:no h verdadeiramente "pior" nem "melhor"? Asestruturas hierrquicas so to "boas" quanto as

    estruturas horizontais? Os papis masculinos eemininos estritos e echados so to bons comoos papis "abertos"? E se ns desejarmos intervirenquanto mediadores num confito tendo em contaestas dimenses ser que devemos ou podemosoptar por uma posio neutra?

    2.4.3 As componentescomportamentais da cultura deEdward T. e Mildred Reed Hall

    Este casal desenvolveu este modelo de cultura comum objectivo muito prtico: desejavam aconselharde orma til os homens de negcios americanosque iam viajar e trabalhar no estrangeiro. No seuestudo, sobretudo baseado em longas entrevistas

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    com indivduos de dierentes culturas com os quaisos homens de negcios desejavam cooperar, con-centraram-se em trs dierenas comportamentais,por vezes subtis, mas requentemente geradoras deconfitos no quadro da comunicao intercultu-ral. Na base deste estudo, realaram ento vriasdimenses da dierena. Todas estas dimensesestavam associadas quer a modos de comunica-o, quer a noes de espao ou de tempo.

    As mensagens rpidas/lentas reerem-se " rapi-dez com a qual uma mensagem transmitida podeser descodicada e executada". Includos nos

    exemplos de mensagens rpidas podemos reeriros ttulos dos jornais, a publicidade e a televiso.Apelar acilmente amiliaridade um compor-tamento tpico das pessoas mais orientadas paraas mensagens rpidas. Se, por essncia, precisotempo para conhecer as pessoas (so mensagenslentas) mais cil azer amigos em certas culturasdo que em outras, a amiliaridade cil ento umexemplo de mensagem rpida. Por entre as men-sagens lentas guram a arte, os documentriostelevisivos, as relaes proundas, etc.

    Os contextos alto/raco dizem respeito s inorma-

    es que esto nossa volta. Se, na mensagem trans-mitida num dado momento, apenas uma pequenaquantidade de inormaes transmitida enquantoque o essencial da inormao est j na posse daspessoas que tentam comunicar, trata-se ento deuma situao de alto contexto. o caso, por exem-plo, de parceiros que vivem em conjunto h vriosanos: basta-lhes trocarem poucas inormaes parase compreenderem. A mensagem transmitida podeser muito curta, mas vai ser descodicada com aajuda das inormaes que cada um adquiriu aolongo dos anos de vida em comum.

    As culturas de contexto alto so, por exemplo,segundo Hall & Hall, as culturas japonesa, rabee mediterrnea: as redes de inormao so lar-gas e as pessoas esto implicadas em numerosasrelaes muito prximas. Consequentemente, navida quotidiana, poucas inormaes de reernciaso necessrias, muito menos esperadas. Cada uminorma-se acerca de tudo o que pode dizer respei-to s pessoas que aos seus olhos so importantes.

    As culturas americana, alem, sua e escandinavaso culturas tpicas de contexto raco. As relaespessoais tendem a depender, antes de mais, dosnveis de compromisso de cada um. Da decorreuma grande necessidade de inormaes de ree-rncia no quadro das transaces normais.

    As incompreenses podem ter origem no s noacto de no se terem em conta os dierentes modosde comunicao em termos de contexto alto/baixo.Uma pessoa de uma cultura de contexto raco podeser percebida por uma pessoa de contexto altocomo sendo muito conversadora, muito objectivae que transmite inormaes inteis. Ao contrrio,uma pessoa de contexto alto pode ser entendida porum interlocutor de contexto baixo como indigna deconana (porque "esconde" inormaes) e poucocooperativa. Para tomar decises, uma pessoa decontexto raco vai exigir uma quantidade de inor-maes de reerncia, ao contrrio de uma pessoa

    de contexto alto, na medida em que ela seguiu empermanncia o processo que se desenvolveu. Umasituao paradoxal pode de acto apresentar-sedesde que as pessoas de contexto alto sejam convi-dadas a proceder avaliao de uma nova empresa;elas vo ento poder saber tudo, pois no azemparte do contexto no qual o projecto nasceu.

    A territorialidade reere-se organizao de umespao sico, de um escritrio, por exemplo. O escri-trio do Presidente situa-se no ltimo andar ou numandar intermedirio? Se, por exemplo, um individuoconsidera que a caneta do seu escritrio az parte doseu territrio pessoal, ele no gostar que a levememprestada sem a sua permisso. A territorialidadediz respeito ao sentido desenvolvido pelos indivdu-os relativamente ao seu espao e s coisas materiaisque os envolvem. tambm um indicador de poder.

    O espao pessoal a distncia de que um indivduoprecisa para se sentir vontade em relao aos outros.Hall & Hall descrevem este espao pessoal como uma"bolha" que cada um transporta permanentementeconsigo. O seu tamanho modica-se segundo as si-tuaes e as pessoas com os quais o indivduo intera-ge (os vossos amigos mais queridos tm o direito dese aproximar mais de vocs que os outros). A "bolha"assinala a distncia que cada um julga apropriada emrelao aos outros. Algum que se mantenha distantedesta "bolha" vai ser visto como reservado, algumque no respeita a distncia julgada apropriada vaiser visto como oensivo, intimidador, ou simplesmen-te mal-educado. Uma divergncia ao nvel da per-cepo da distncia conversacional normal vai entogerar diculdades de comunicao.

    Monocronia/Policronia reere-se estruturao dotempo pessoal. Funcionar a um ritmo monocrnicosignica azer apenas uma coisa de cada vez, seguirum programa onde as tareas se sucedem umas soutras, prevendo-se o tempo para cada uma. Para asculturas monocrnicas o tempo muito manuse-vel, quase palpvel e considerado como um recurso

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    que despendemos, gastamos, ou economizamos. Otempo linear, imagem de uma linha que partedo passado, atravessa o presente e prossegue a suarota para o uturo. O tempo utilizado como umaerramenta para estruturar os dias e para decidir osgraus de importncia do gnero de "no ter tempode encontrar algum", por exemplo.

    No outro lado encontramos a policronia: dierentestareas so eectuadas ao mesmo tempo, o envolvi-mento directo com os outros orte e, consequente-mente, as relaes com os outros so prioritrias naorganizao da agenda. O tempo, segundo um modo

    policromtico considerado como um recurso e pode-r comparar-se mais a um ponto que a uma linha.

    Segundo Hall & Hall, algumas das dimenses ante-riormente descritas esto interrelacionadas. Na suainvestigao, a monocromia aparece estritamenteligada ao contexto baixo e a uma concepo doespao que permite a compartimentao da vida(numa estrutura na qual os dierentes campos deimplicao esto separados uns dos outros ou orga-nizados segundo dierentes "compartimentos").Para alm das dimenses mencionadas, Hall & Hallintroduziram outros conceitos a ter em considera-o, como por exemplo: o modo de estabelecer pro-gramas, a antecipao das reunies, as regras emtermos de pontualidade, a rapidez de circulao dasinormaes no seio de um sistema. A circulaodas inormaes depende de um sistema hierrqui-co (base/topo) onde as inormaes circulam emtodas as direces como numa rede alargada.

    No que respeita s outras culturas, Hall & Hall suge-riram ao seu grupo alvo, homens de negcios ame-ricanos, que reconhecessem as dierenas culturaise, se possvel, que se adaptassem aos padres com-portamentais da cultura na qual trabalham.

    Os conceitos chave de Hall & Hall, ao descreveremdierentes culturas, colocam em evidncia algumasdierenas substantivas que os indivduos experimen-tam aquando dos encontros interculturais e que, con-sequentemente, sero muito reconhecveis pelo leitor.No entanto o seu modelo no escapou aos crticos.Num primeiro tempo Hall & Hall tinham elaboradodimenses independentes, antes de as reagrupar noseio de um modelo de cultura eventualmente unidi-mensional. Este modelo organiza as culturas segundoum continuum entre culturas monocromticas e decontexto baixo, por um lado e culturas policromti-cas e de contexto alto por outro. Todas as outras cate-gorias se situam neste continuum. Coloca-se entoa questo de saber se este mtodo muito simples decategorizar as culturas refecte a realidade.

    Para alm disso, esta teoria no diz muito quantoao porqu destas categorias culturais, do desenvol-vimento das culturas (so estticas ou dinmicas?),ou ainda do modo como os indivduos gerem osseus backgrounds culturais em situaes intercultu-rais. O interesse da abordagem de Hall & Hall resideclaramente nas suas consequncias muito prticas.As dimenses desenvolvidas segundo orientaesmuito similares s que caracterizam o modelo deHostede ornecem um quadro para a identica-o e interpretao das dierenas culturais.

    Relevncia para o trabalho com

    jovens

    Em grupos interculturais, as dimenses intro-duzidas por Hall & Hall podem pereitamenteuncionar como uma primeira aproximao te-rica das dierenas culturais. Elas adequam-se aexerccios muito interessantes, como por exemploo que consiste em pedir aos participantes paraalarem uns com os outros e depois, enquantoalam, modicar a distncia que os separa. Todostm a mesma concepo da distncia apropria-da? Como reagiriam em relao a uma pessoaque exija menos/mais espao? Uma vez descritas,constatamos que as dimenses de Hall & Hall

    azem reerncia s dierenas experimentadaspelos participantes no seio de um grupo inter-cultural. Podem convidar o grupo a discutir essasdierenas sem azer juzos de valor.Para alm disso, quem trabalha com jovens podejulgar esta teoria til porque ela permite iden-ticar as dierenas interculturais no seio deum grupo (por exemplo: como se comportam osindivduos em relao pontualidade, gostamou no que lhes toquemos, gostam que alemosmuito ou pouco, etc.) com um vocabulrio prpriopara descrever essas dierenas. Mas, depois deas terem apresentado, estejam preparados para os

    participantes encontrarem nas dimenses de Hall& Hall desculpas prticas para justicar diversassituaes: "Desculpe, no estou uma hora atrasa-do, sou policrnico!"

    2.4.4 A discusso sobre a culturasegundo Jacques Demorgone Markus Molz

    Explicitamente, Jacques Demorgon e MarkusMolz (1996) negaram qualquer pretenso deterem introduzido ainda um outro modelo decultura. A prpria natureza da cultura, armameles, az com que qualquer denio de culturaseja em princpio infuenciada pelos backgrounds(culturais) daquele que a prope: ningum existe

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    sem cultura. Consequentemente, o seu objectivoera trazer uma contribuio para a anlise dadiscusso e das ilaes que da podemos tirar.

    Segundo os autores, as controvrsias que seexprimem na discusso sobre a cultura condu-zem a trs discusses maiores: Como gerir a contradio entre a estabilidade

    cultural e as estruturas culturais durveis, porum lado, e o processo de evoluo e de inova-es culturais, por outro?

    Como gerir as relaes entre "cultura" e "inter-cultura": a "cultura" existia antes de se tornarum actor dos encontros interculturais? Ou acultura no existe seno atravs das suas inte-races com outras culturas?

    preciso enatizar antes de tudo os aspectos uni-versais de todos os seres humanos (o que todostemos em comum) e conceber os humanos enquan-to indivduos, em que a cultura no seno umaspecto deste indivduo e esta cultura enquantonica e global (perspectiva universalista)? Ou deve-mos antes valorizar o papel da cultura, reconhecera diversidade que prevalece no mundo e conceberento os humanos enquanto membros de um grupocultural, no qual, em princpio, todas as culturasso igualmente boas (perspectiva relativista)?

    Estas questes podem parecer muito acadmicas esem valor concreto. No entanto, assumem conse-quncias polticas: a mudana ou no encaradacomo uma ameaa? (questo 1); a diversidade noseio de um pas encarada como uma condionecessria para a cultura ou como uma ameaa paraa cultura "original"? (questo 2); os habitantes deum pas so vistos como indivduos que devem sertratados de igual orma (modelo rancs dos direi-tos individuais) ou como membros de um grupo quepossui os direitos do grupo (modelo germnico desociedade, composto por grupos dierentes que pos-suem cada um as suas instituies)? (questo 3).

    Para tentar ultrapassar estas contradies, Demorgone Molz introduziram o que eu chamarei um mode-lo de cultura. Segundo eles, a cultura no pode sercompreendida a no ser relacionando-a com o con-ceito de adaptao. Aos seres humanos coloca-sepermanentemente o desao de estabelecer uma rela-o duradoura entre o seu mundo interior (as suasnecessidades, as suas ideias, etc.) e o mundo exterior(o meio ambiente, os outros, etc.). o que azem emsituaes concretas que deveriam ormar a base daanlise. Em todas as situaes os indivduos infuen-ciam o seu meio ambiente (cada um pode infuenciaro que se passa sua volta) e so infuenciados peloseu meio ambiente (cada um pode mudar de acordo

    com o que se passa sua volta). Estas duas dimen-ses, no sentido de infuenciar e ser infuenciado pelomeio ambiente, so duas acetas da "adaptao".

    Mais cienticamente, Demorgon e Molz denemuma destas acetas enquanto "assimilao". Poreste termo designam o processo segundo o qual osseres humanos adaptam o mundo exterior suarealidade. Construmos as nossas percepes exte-riores nas imagens e nas estruturas j existentes nonosso crebro. Examinemos um exemplo extremode assimilao: crianas que brincam. Numa dunade areia (a realidade do mundo exterior) podem ver

    o Evereste (a sua imaginao). Ao escalarem estaduna, assimilaram a realidade da sua prpria ima-ginao; esta interpretao da realidade tornou-seo quadro de reerncia da sua aco. Eles no estoa tentar escalar uma duna, mas sim o Evereste. Masas crianas no so as nicas a assimilar. Ao ver-mos uma pessoa pela primeira vez, criamos umaimpresso desta baseada na sua aparncia (apre-sentao exterior). Partindo de poucas inormaesinterpretamos o que ela apelando s inorma-es presentes no nosso crebro, muitas vezes este-reotipadas, a m de saber mais sobre esta pessoa ede decidir qual o comportamento mais adaptado.

    A outra aceta do "modelo" de Demorgon e Molz a "acomodao". Por este termo, designam o pro-cesso segundo o qual as estruturas do crebro (quenomeiam "cognies" ou "esquemas") se modicamem uno das inormaes recebidas do mundoexterior. Assim que encontramos algum, temostendncia para, num primeiro momento, interpretaro seu comportamento a partir dos nossos estere-tipos. Consequentemente, podemos ser levados aconstatar que a realidade dierente, isto , que osnossos esteretipos ou os nossos esquemas no cor-respondem realidade. esse acto que nos leva a

    modic-los. Dito isto, no convm nem uma aco-modao extrema nem uma assimilao extrema.No caso de acomodao extrema seramos submer-gidos pela massa de inormaes vinda do exterior,que teramos de tratar, sobre as quais deveramosdeitar um novo olhar e que nos obrigariam a modi-car a nossa orma de pensar. No caso de assimila-o extrema, seramos conduzidos a negar a reali-dade e no m no poderamos sobreviver.

    Comparados aos animais, os humanos so geneti-camente menos "predeterminados" e menos "pre-destinados" pela biologia. Consequentemente soimensas as situaes nas quais no temos reacesinstintivas ou biologicamente predeterminadas.Falta-nos ento desenvolver um sistema que nos

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    Mochila Pedaggicasobre

    AprendizagemIntercultural

    ornea orientaes e nos ajude a adaptarmo-noscorrectamente a todas estas situaes. Este sistema aquele a que Demorgon e Molz chamam cultura. Auno de adaptao consiste em manter ou aumen-tar a possibilidade de agir de orma apropriada emtodas as situaes possveis. A cultura ento aestrutura que nos ornece as orientaes necessrias( preciso compreender isto enquanto estruturas docrebro que so as bases dos processos de assimilaoe de acomodao); , com eeito, o prolongamentoda natureza biolgica. A cultura existe precisamentepela necessidade de encontrar orientaes nas situa-es que no esto predestinadas biologicamente.

    Se a adaptao consiste em encontrar orienta-es, ela opera num contexto de oposio entreassimilao e acomodao. Por um lado, temosnecessidade de desenvolver estruturas estveis emodelos comportamentais generalizveis e aplic-veis a todas as situaes na medida em que nopodemos partir sempre do zero (com um crebrovazio). Neste modo de assimilao, a cultura umtipo de lgica mental, como sugeriu Hostede, quenos permite tratar todas as inormaes acessveisno mundo exterior.

    Mas, tal como sublinham Demorgon e Molz, se acultura no osse uma lgica mental programada

    no crebro dos humanos desde a mais tenra idade,ento no nos poderamos adaptar a novas circuns-tncias e, consequentemente, modicar as nossasorientaes. Os humanos tm necessidade da capa-cidade de adaptao para mudar as suas orientaese os seus quadros de reerncia e, assim, assegurar asua sobrevivncia.

    O comportamento adoptado em todas as situaestambm quase sempre, por um lado, uma misturaentre a repetio de um conjunto de actos aprendi-dos, apropriados e culturalmente orientados e, poroutro, o ajustamento prudente a uma dada situao.

    Numa tal situao, dispomos partida de umapanplia de opes comportamentais que se situ-am entre dois plos opostos: podemos agir