multiculturalidade e educação intercultural

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Multiculturalidade e Educação Intercultural Times New Roman, tam 12, 1,5l “O discurso e atitudes contra os imigrantes são possivelmente um resultado perverso dos discursos e atitudes que vêem a nação como uma unidade natural e orgânica, e as culturas como unidades imutáveis e estanques. São, também, no nosso caso, o resultado da experiência colonial. “raça”, cultura e língua são, assim, construídas como evidências que separariam o Nós dos Outros. Ora, a base da vida democrática não pode ser o nós da Nação, mas sim os múltiplos Eus que constituem a cidadania de uma República. (…) (Vieira, 2011:94). Interprete e explique o alcance do texto. A história de Portugal é uma história de migração o que torna a sua sociedade pluralizada. Desde o século XVI que Portugal é um país de emigrantes sendo que até 1970 muitos iam para as colónias, alterando-se com a guerra colonial, passando os países de acolhimento a ser os mais desenvolvidos da América e da Europa. De algumas para cá, Portugal transformou-se num país aberto à imigração devido à descolonização e à sua entrada na UE, aceitando novas culturas, etnias, línguas e religiões tornando-se numa sociedade multicultural, dividindo-se a sua estrutura imigrante em três ordens: profissionais muito qualificados, predominando profissionais brasileiros; trabalhadores especializados, pequenos empresários e trabalhadores não qualificados dominando os refugiados e imigrantes ilegais. Portugal passou de fornecedor de mão-de-obra a país de acolhimento, tendo a interação social renovado atitudes e aspetos culturais. Mas, os imigrantes depararam-se com

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Page 1: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

Times New Roman, tam 12, 1,5l

“O discurso e atitudes contra os imigrantes são possivelmente um resultado perverso dos discursos e atitudes que vêem a nação como uma unidade natural e orgânica, e as culturas como unidades imutáveis e estanques. São, também, no nosso caso, o resultado da experiência colonial. “raça”, cultura e língua são, assim, construídas como evidências que separariam o Nós dos Outros. Ora, a base da vida democrática não pode ser o nós da Nação, mas sim os múltiplos Eus que constituem a cidadania de uma República. (…) (Vieira, 2011:94).

Interprete e explique o alcance do texto.

A história de Portugal é uma história de migração o que torna a sua sociedade

pluralizada. Desde o século XVI que Portugal é um país de emigrantes sendo que até

1970 muitos iam para as colónias, alterando-se com a guerra colonial, passando os

países de acolhimento a ser os mais desenvolvidos da América e da Europa. De algumas

para cá, Portugal transformou-se num país aberto à imigração devido à descolonização e

à sua entrada na UE, aceitando novas culturas, etnias, línguas e religiões tornando-se

numa sociedade multicultural, dividindo-se a sua estrutura imigrante em três ordens:

profissionais muito qualificados, predominando profissionais brasileiros; trabalhadores

especializados, pequenos empresários e trabalhadores não qualificados dominando os

refugiados e imigrantes ilegais. Portugal passou de fornecedor de mão-de-obra a país de

acolhimento, tendo a interação social renovado atitudes e aspetos culturais. Mas, os

imigrantes depararam-se com contrariedades e impedimentos na sua integração, talvez

por necessidade de afirmação como resultado depravado de discursos, atitudes que

encaram a nação como uma unidade natural e orgânica e as culturas como inalteráveis e

estanques. Situando-se cultural e socialmente entre duas comunidades desiguais,

familiares e local, a maioria dos filhos de imigrantes já nasceu em Portugal, crescendo

entre dois padrões culturais e sociais diferentes levando à existência de conflitos na

construção de uma identidade social positiva. Depois, não haver estruturas

representativas onde possam manifestar as suas singularidades e a imposição dos

padrões culturais portugueses põe em causa a sua identidade e herança cultural, o seu

direito à diferença. Ao passo que são assimilados pela comunidade recetora, são

silenciados pela discriminação, agravada pela carência dos bairros onde vivem. A

sociedade portuguesa apresenta um défice de conhecimentos da diversidade cultural e

de diálogo intercultural, embora este não seja um país de cultura homogénea. Contudo,

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

a crescente presença de minorias étnicas levou a pressões sendo preciso tomar medidas

políticas. Para haver uma política de integração social dos imigrantes é preciso incluir

os excluídos, respeitar as suas diferenças, atestar o seu estatuto legal, dar-lhes direitos.

O imigrante não representa a cultura do seu país, nem a da comunidade original o que é

um entrave maior ao regresso aos seus países por já não serem reconhecidos, muitas

vezes, mais cultural que materialmente. Na realidade, esta cultura é definida pelos

segundo os seus interesses, partindo de critérios etnocentristas, sendo tudo o que os faz

parecer diferentes. Segundo Denys Duche “quanto mais é percebido como diferente,

mais um indivíduo é considerado como um “imigrado”…”. Não se pode esboçar um

quadro único das culturas dos imigrados porque só existem no plural. Segundo o Doutor

Ricardo Vieira, “a base da vida democrática não pode ser o nós da Nação, mas sim os

múltiplos Eus que constituem a cidadania de uma República”, pois estas culturas só

existem na diversidade das situações e dos modos de relações interétnicas constituindo

sistemas complexos e evolutivos tendo de ser reinterpretados por indivíduos com

interesses categoriais diferentes. (38,5 linhas)

“Convém, ainda, refletir sobre a transformação e as metamorfoses identitárias que

ocorrem com os imigrados (…). Para já, convém registar, para romper com o

senso comum, que o imigrado não é o representante da cultura do seu país nem da

comunidade original. (Vieira, 2011:94) Interprete e explique o alcance do texto.

A identidade é uma construção complexa fundada na relação estabelecida com o outro,

e não um estado existencial e essencialista. Segundo Vieira, “se a identidade implica

alguma constância, não se trata no entanto duma repetição indefinida do mesmo, mas

antes dialética, por integração do outro no eu, da mudança na continuidade”. Aqueles

que vivem contextos migratórios, segundo múltiplas referências culturais e situações

complexas, tendem para o hibridismo identitário ou segundo Laplantine para a

mestiçagem. Conforme Hall “na situação de diáspora, as identidades tornam-se

múltiplas”. Assim, buscar sentidos e pertenças identitárias torna-se complexo, exigindo

dos sujeitos um trabalho de reflexividade e (re)construção de si permanente, com

mecanismos próprios que possam gerir as suas subjetividades e idiossincrasias. Os

migrantes “têm um pé em cada sítio” e, como tal, surge a radicalização das suas

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

identidades híbridas e mestiças pelo processo de pluralização dos espaços estruturais

onde se forma a identidade. O eu plural (re)inventa-se numa multiplicidade de pertenças

e espaços simbólicos, num processo contínuo de mestiçagem onde cada um é o que é

pelas relações estabelecidas e pela com que se apropria do outro, tornando-o seu. A

mestiçagem permite a mudança e a transformação cultural, pela base, através do

processo de ordem individual, ainda que estes se repitam para darem a impressão de um

processo de grupo. Este seria um fator de subjetivação, conferindo ao sujeito a

capacidade de se construir e de se traduzir em atos. A identidade assume-se como um

processo mutável, multidimensional derivada de uma construção social e, resultante,

também, da sua complexidade onde os sujeitos procuram uma coerência identitária pelo

desenvolvimento de uma segurança ontológica que possibilite a continuação da sua

autoidentidade pessoal. Esta não corresponde a uma constância mecânica, uma repetição

indefinida do mesmo, mas dialética pela integração do outro no mesmo, da mudança na

continuidade. Situando-se cultural e socialmente entre duas comunidades desiguais,

familiares e local, a maioria dos filhos de imigrantes já nasceu em Portugal, crescendo

entre dois padrões culturais e sociais diferentes levando à existência de conflitos na

construção de uma identidade social positiva. O facto de não haver estruturas onde

possam manifestar as suas singularidades e a imposição dos padrões culturais

portugueses põe em causa a sua identidade e herança cultural, o seu direito à diferença.

Ao mesmo tempo que são assimilados pela comunidade recetora, são silenciados pela

discriminação. A nossa sociedade apresenta um défice de conhecimentos da diversidade

cultural e de diálogo intercultural. Para haver uma política de integração social dos

imigrantes é preciso incluir os excluídos, respeitar as suas diferenças, atestar o seu

estatuto legal, dar-lhes direitos. Estes não representam já a cultura do seu país, nem a da

comunidade original, o que acaba por ser um entrave ao regresso aos seus países pois já

não são reconhecidos. Na realidade, esta cultura define-se partindo de critérios

etnocentristas. De acordo com Denys Duche “quanto mais é percebido como diferente,

mais um indivíduo é considerado como um “imigrado”…”. (39 linhas)

“(…) É este processo idiossincrático que nos permite afirmar a nossa diferença face aos demais com os quais nos poderemos identificar sócio ou culturalmente. (…) São esses elementos que nos tornariam, na linguagem comum, “iguais” ao outro que, paradoxalmente, nos tornam “diferentes” desse outro. (Vieira,2009:48)

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Interprete e explique o alcance do texto. Diga em que sentido a identidade é uma construção idiossincrática.

Primitivamente, o conceito de identidade ligava-se a aspetos patológicos, progredindo

depois para uma abordagem menos substancialista e de caráter social, visando as

escolhas do indivíduo, desmistificando-se uma visão reducionista, de previsibilidade

dos comportamentos individuais e sociais no tempo e na história individual e coletiva,

fortificando a ideia de que a identidade é um processo dinâmico e de mudanças

constantes de nós próprios devido ao facto de o indivíduo se cruzar com o outro.

Construir a identidade é dar um significado consistente e coerente à existência,

integrando as experiências passadas e presentes para dar sentido ao futuro. É a definição

de si próprio equivalendo a uma série de caraterísticas que determinam o indivíduo, é

tudo o que nos define, é o que somos, é uma identificação processual, sendo o nome

próprio o primeiro grande pilar da singularidade de cada um de nós, encerrando todas as

outras caraterísticas, a celebração da unidade de si. Ao contrário da personalidade, a

identidade pessoal nunca está acabada, estando num processo de constante construção e

reconstrução. Na pré-modernidade pensava-se que o ser humano era uno e indivisível,

completo, dotado de razão, de consciência e de ação, permanecendo igual a si próprio

ao longo de toda a sua existência sendo a identidade a essência do eu. Entretanto e com

a complexificação da sociedade, a identidade passou a ter outra conceção. Segundo Hall

“o sujeito era formado na relação com as outras pessoas importantes para ele, que

mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos- a cultura-dos mundos que

ele/ela habitava”, formando-se a partir da relação estabelecida entre o eu interior e a

sociedade envolvente. Ao mesmo tempo que o eu se projeta nas identidades culturais

absorve também os seus significados e valores, tornando-os parte desse eu, aliando

sentimentos subjetivos com lugares objetivos os quais ocupa no mundo social e cultural.

De acordo com Malouf “ a identidade de uma pessoa é constituída por uma multitude de

elementos, que não se limitam aos que figuram nos registos oficiais. Se cada um desses

elementos se pode encontrar num grande número de indivíduos, jamais encontraremos a

mesma combinação em duas pessoas diferentes e é (… ) isso que produz a riqueza de

cada um (…) aquilo que faz de cada pessoa um ser singular e potencialmente

insubstituível”. É este o processo de idiossincrasia que nos diferencia relativamente aos

demais com quem nos podemos identificar socialmente ou culturalmente. Há toda uma

série de elementos linguísticos, culturais, ideológicos, territoriais estruturantes do grupo

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

com o qual nos identificamos que se encontram inscritos na nossa identidade. São esses

mesmos elementos que nos tornariam “iguais” ao outro, mas que ao mesmo tempo nos

diferenciam dele. Possuir caraterísticas parecidas não significa ter identidades idênticas.

Este termo não se pode definir de modo simplista pois segundo Vieira “o sujeito está

longe de ser apenas um mero recetor de culturas, ele faz o processamento de todas as

informações que lhe vão chegando e a forma como o faz é o que o torna um ser único e

singular (…) a forma como trata e combina todas essas informações exógenas é

exclusiva e intrínseca. “ (38,5 linhas)

A identidade assume assim um caráter não essencialista. O sujeito não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas em redor de um “eu”coerente (idem:13). Existem identidades contraditórias dentro de nós que nos empurram em diferentes direções, o que provoca a deslocação das nossas identificações.

O sujeito está, portanto, a sofrer um processo de descentralização, é um “ator plural”, conforme nos diz Lahire, (2002:52) “Nós somos por isso plurais, diferentes em situações diferentes da vida ordinária, estranhos às outras partes de nós mesmos quando somos investidos neste ou naquele domínio da existência social”. (Vieira, 2009:55).

O que é uma identidade não essencialista? Explique o pensamento de lahire relativamente a esta matéria.

Primitivamente, o conceito de identidade encontrava-se ligado a aspetos patológicos,

progredindo para uma abordagem menos substancialista e de caráter social, visando as

escolhas do indivíduo, desmistificando-se uma visão reducionista, de previsibilidade

dos comportamentos individuais e sociais no tempo e na história individual e coletiva,

fortificando-se a ideia de que a identidade é um processo dinâmico e de mudanças

constantes de nós próprios devido ao facto de o indivíduo se cruzar com o outro.

Construir a identidade é dar um significado consistente e coerente à existência,

integrando as experiências passadas e presentes para dar sentido ao futuro. Esta é a

definição de si próprio equivalendo a uma série de caraterísticas que determinam o

indivíduo, é tudo o que nos define, é o que somos, é uma identificação processual nunca

estando acabada, encontrando-se num processo de constante construção e reconstrução.

Na pré-modernidade pensava-se que o ser humano era uno e indivisível, completo,

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

dotado de razão, de consciência e de ação, permanecendo igual a si próprio ao longo de

toda a sua existência sendo a identidade a essência do eu, mas com a complexificação

da sociedade, a identidade passou a ter outra conceção. Segundo Hall “o sujeito era

formado na relação com as outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o

sujeito os valores, sentidos e símbolos, a cultura-dos mundos que habitava”, formando-

se a partir da relação estabelecida entre o eu interior e a sociedade envolvente. Ao

mesmo tempo que o eu se projeta nas identidades culturais absorve também os seus

significados e valores, tornando-os parte desse eu, aliando sentimentos subjetivos com

lugares objetivos os quais ocupa no mundo social e cultural. Neste novo desenho em

que se delineia uma “sociedade cosmopolita global”, a identidade assume novos

contornos, os quais estão longe de serem definidos e estáveis. Pelo contrário, são

caraterizados, exatamente, pela imprecisão, indefinição e pelo descontínuo. Aquele

sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está a

fragmentar-se, encontrando-se pluralizado, composto não por uma, mas por várias

identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Aquelas identidades que

asseguravam a nossa conformidade subjetiva com as necessidades objetivas da cultura

estão a entrar em rutura. Até mesmo o processo de identificação no qual projetávamos

as nossas identidades culturais é agora mais provisório, variável e problemático, daí o

caráter não essencialista da identidade explícito no pensamento de Lahire. O sujeito

apresenta várias identidades nos variados momentos, nem sempre unificadas, nem

coerentes, até mesmo contraditórias, deslocando as nossas identificações, ou seja, o

sujeito está num processo de pluralização e descentralização do seu eu para dar lugar

aos múltiplos eus, comportando-se e agindo de forma diversificada perante as mais

variadas situações. Ainda que tente viver a sua identidade como se resolvida ou

unificada, a mesma permanece contudo incompleta encontrando-se num processo

constante de formação e renovação. (38,5 linhas)

Os problemas pedagógicos, e de indisciplina na escola, são, muitas vezes, vistos como problemas escolares, quando, na verdade, eles são problemas sociais que se revelam e potenciam na escola (Amado, 2000). A escolarização dos problemas sociais ou a sua transformação em problemas escolares por consequência das tensões sociais, de que se ocuparam a psicologia e outras ciências, promoveu largamente uma visão de escola como uma instituição cujo funcionamento é redutível a comportamentos psicologicamente controláveis e, portanto,

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

interpretáveis e reguláveis à luz de fatores individuais. Ora, o que se verifica é que a mediação não é apenas uma tarefa de relação entre indivíduos, mas, antes, entre pessoas, portadoras de valores, socializadas em contextos de multicultura e multiculturais, elas próprias, em termos de identidade pessoal (Vieira, 2011:186).

Interprete e explique o alcance do texto no contexto do serviço social na escola.

Segundo o professor Doutor Ricardo Vieira “ a escola é um local de encontros e

desencontros de pessoas, de diferentes culturas, com diversos pontos de vista, com

vários saberes, de continuidades e descontinuidades entre a escola e o lar”. Mas, a

“escola para todos” acarretou mais pessoas para dentro do mesmo espaço, das mesmas

regras, da mesma cultura hegemónica do Estado- Nação, que têm grande

heterogeneidade cultural fazendo desta um microcosmos da sociedade. Assim, a

educação, até a escolar, para ser performativa, não pode ser mais que um processo de

mediação entre sujeitos, mundos e saberes sendo raro refletir-se naquilo que é

necessário mudar nesta entidade para que acolha todos sem discriminar. Se uma

mudança ocorresse o professor trabalharia fora do contexto sala de aula pois é do seu

lado de fora que provêm as mentes culturais, assim como as identidades pessoais.

Porém, esta prática implica um conhecimento antropológico e de mediação

sociocultural levando a que se pense não só no aluno, enquanto entidade psíquica, mas

na sua pessoa, que não só está na escola, mas entre a escola e o lar. Nortear estas

diferenças, de modo não díspar, implica negociação. A educação escolar inclui

forçosamente uma terceira pessoa desenvolvendo-se numa interação triangular sendo o

mediador um tradutor de culturas, podendo, neste caso, ser o assistente social. A função

da mediação é servir de ponto de encontro daqueles que são diferentes sem os tentar

homogeneizar o que significa buscar um terceiro lugar, onde aprender implica partir,

transformar-se, levando à emergência da terceira pessoa. Mas esta terceira pessoa não

pode ser acabada, não poderá ser estática, deverá ser sempre mestiça, estando sujeita a

novas reconstruções identitárias. Os problemas pedagógicos e de indisciplina na escola

são, uma grande parte das, vistos como problemas escolares quando na verdade não

passam de problemas sociais que se revelam e que se potenciam ali. A antropologia e,

sobretudo, a Antropologia da Educação têm contribuído para a construção de práticas de

mediação sociocultural que se podem empregar nas escolas que se querem hoje para

todos. Quer os professores como outros agentes educativos admitem que há necessidade

da existência de um mediador, que tenha formação específica na área social. Desta

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

forma, o Assistente social, possuindo uma formação teórica em ciências sociais, em

antropologia, em educação social e em mediação, reunirá as condições essenciais para

se poder tornar num agente catalisador de processos coletivos, fomentando a

comunicação entre os distintos agentes socializadores e, ao mesmo tempo, ser esse

mediador sociocultural e sociopedagógico, bem como um edificador de pontes entre o

local e o global, em coadjuvação com os professores. Conquanto, uma vez que o

isolamento profissional provoca fragilidade, um mediador sociopedagógico não poderá

trabalhar isoladamente, daí haver precisão de redes de apoio social, tal como de equipas

multidisciplinares que possam intervir de uma forma concertada, eficiente e resolutiva

dos problemas que afetam os alunos. (37,5 linhas)

“Mas a mestiçagem não é um produto acabado. É-o apenas num dado momento. A Mestiçagem é também processo vivo em vias de “tornar-se” outra coisa.

“A especificidade de uma cultura ou de um indivíduo resulta de combinações infinitas que podem ser produzidas fora de nós, mas também em nós – as hipóteses são múltiplas -, de ajustamento entre termos heterogéneos, dissemelhantes, diferentes, numa palavra, da reformulação de diversas heranças. Estamos sempre em presença do binómio universalismo/particularismo (e estes nunca são essências, antes processos)… (Laplantine, e Nouss, 2002_76-77). E essa coisa, esse produto/produto não é planificável Há como que uma química social que faz emergir sempre um novo todo singular, resultado de forças objetivas e subjetivas do agenciamento.

“Conferir uma identidade singular à mestiçagem revela-se um absurdo (…) uma fotografia minha não poderá ser totalmente eu; eu não posso aceitar essa redução a uma pose, ou seja, a uma só das minhas representações. (Laplantine, e Nouss, idem: 81).

(…) A mestiçagem, que não é substância nem essência, que não é conteúdo (…) só existe em exterioridade e alteridade(…) (lapalantine, e Nouss, idem: 82)

(…) “O pensamento mestiço baralha (…) O pensamento da mestiçagem é claramente um pensamento da mediação que se exerce no intermediário (…) (Laplantine, e Nouss, idem:83). (in Vieira, 2009:30).

Interprete o texto. Refira, com exemplos práticos, em que consiste uma epistemologia menos monocultural aplicada ao serviço social.

De acordo com o Professor Doutor Ricardo Vieira “a pessoa nunca é apenas passado. A

pessoa é presente e é projeto” e a formação de qualquer profissional nomeadamente de

Serviço Social deve considerar essa transformação, deve ter consciência dessa

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

incompletude, essa vontade de partir, de procurar outras margens, deve considerar onde

está a pessoa e para onde quer ela ir e ajudá-la a concretizar o seu projeto de forma a dar

um sentido à vida. O próprio processo de aprender implica transformação. Em todos os

processos de aprendizagem e de construção e reconstrução de identidade por que

passamos se transita de um ponto para outro, existindo uma parte central onde fica o

centro da dúvida, de todas as possibilidades, de oportunidade para tomar as várias

direções, constituindo um lugar de transição, de mudança de fase, de sensibilidade, com

obstáculos-de exposição, mas necessário para se adquirir conhecimento e haver

aprendizagem, algo que proporcione uma constante instrução a um “terceiro instruído”,

o “mestiço” como resultado de meios-termos entre diferentes locais e caminhos

possíveis de percorrer, os quais cada indivíduo experimenta ao longo das aprendizagens

que vai fazendo durante a sua vida. Todos somos mestiços e é no labirinto mais

profundo das nossas mestiçagens que se geram as nossas opções, os nossos valores, se

formam e se transformam as culturas e as nossas crenças. A mestiçagem é a experiência

do ser lapso e carente que só se realiza num processo infinito de encontro com os outros

permitindo ao sujeito a sua construção e tradução em atos, não sendo um produto

acabado, senão num dado momento. Esta não é fusão, coesão, osmose, mas

confrontação e diálogo, um processo vivo a caminho de “tornar-se” outra coisa, não se

planificando, não correspondendo a qualquer tipo de hibridismo amorfo, a sincretismos

sem rosto ou a relativismos éticos, antropológicos ou culturais. O mestiço não é uma

mera sobreposição de materiais diferentes numa bricolage labiríntica descaraterizadora

tanto de nós como dos outros sendo antes um tecido, feito de fios ou materiais

diferentes, o terceiro instruído, resultado de meios técnicos, não estando terminado,

autorizando a mudança e a transformação cultural, é o que surge entre duas margens, “a

relação estabelecida entre ambas, a transformação”, como diz o Doutor Ricardo Vieira.

Segundo este “a pessoa não é tábua, existe e pensa, sente e age de acordo com o

background cultural” e considerando o seu projeto pode assumir-se em diferentes

metamorfoses. Os indivíduos são continuamente obrigados a modificar e a definir as

suas identidades, sem ser permitido fixarem-se a uma delas, causando conflitos nas suas

relações interpessoais. Portanto, identidade e diferença caminham juntas e estão numa

relação de estreita dependência. Logo, são intrínsecas sendo a diferença um produto

derivado da identidade. Pensando na construção de relações democráticas,

circunscrevemos as diferenças e as identidades a partir do multiculturalismo e da pós-

modernidade, sem ignorar o contexto social concreto onde são formadas e deformadas e

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

o jogo de poder que tange tanto as instituições (família, escola, governo etc.) como as

suas relações. (38,5 linhas)

E quando se fala em mestiçagem, não se trata simplesmente de juntar, misturar,

cruzar, etc. Contudo, ao nível do senso comum, “ na medida em que mestiço se

contrapõe, habitualmente, a puro, (…) privilegiará, ainda que inconscientemente,

o puro como o bom e o mestiço como o contaminado.” A mestiçagem deverá ser

considerada como algo diferente de justaposição ou de fusão: “remete para a

tensão constitutiva da relação de diferentes, para o dinamismo que ela implica(…)

E para a conflitualidade criadora. (André, 2005:126, in Vieira, 2009).

a) Interprete o texto

b) Explique o alcance do texto no âmbito da reconstrução identitária que ocorre na

educação escolar.

De acordo com o Professor Doutor Ricardo Vieira “a pessoa nunca é apenas passado. A

pessoa é presente e é projeto”, estando num constante processo de construção e

reconstrução de identidade. Segundo essa perspetiva, pode considerar-se que todos

somos mestiços sendo no labirinto mais profundo das nossas mestiçagens que se geram

as nossas opções, se estruturam os nossos valores, se formam e se transformam as

culturas e que cintilam as construções das nossas crenças. A mestiçagem é o que

poderíamos considerar a consciência e a tradução de uma metafísica da finitude sendo a

experiência do ser lapso e carente que só se realiza num processo infinito de encontro

com os outros conferindo ao sujeito a faculdade de se construir e de se traduzir em atos,

não sendo um produto acabado, sendo-o apenas num dado momento quando o

investigador a descreve ou classifica. A mestiçagem não é fusão, coesão, osmose, antes

confrontação e diálogo consistindo num processo vivo em vias de “tornar-se” outra

coisa devendo crer-se como algo distinto de justaposição ou de fusão remetendo para a

tensão constitutiva da relação de diferentes, para o dinamismo que ela implica e para a

conflitualidade criadora, só existindo em exterioridade e em alteridade. Segundo o autor

supramencionado “falar de educação implica pensar na construção/reconstrução das

identidades (…)” e a aprendizagem nunca se faz no vazio resultando ela própria de uma

mestiçagem de saberes, significando transformação consistindo o seu resultado numa

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

nova identidade construída per si e pelos outros, entre a cultura de origem e a de

chegada. Em qualquer um dos processos de aprendizagem, de construção e de

reconstrução da identidade por que passamos ao longo da nossa existência há um local

de transição, de mudança de fase e, por consequência, de sensibilidade, com obstáculos

– de exposição a que damos o nome de mestiçagem sendo necessário passar por essa

mudança para adquirir conhecimento, para aprender. Pode dizer-se que esta não

corresponde a qualquer tipo de hibridismo amorfo, a sincretismos sem rosto ou até a

relativismos éticos, antropológicos ou culturais. O mestiço não é uma mera

sobreposição de materiais diferentes numa bricolage labiríntica descaraterizadora tanto

de nós como dos outros sendo antes um tecido, elaborado a partir de fios ou materiais

diferentes, o terceiro instruído, resultado de meios técnicos, não estando terminado,

autorizando a mudança e a transformação cultural referindo-se àquilo que surge entre

duas margens, “a relação estabelecida entre ambas, a transformação”, como diz o

Doutor Ricardo Vieira. Segundo este “a pessoa não é tábua, existe e pensa, sente e age

de acordo com o background cultural” e considerando o seu projeto este pode assumir-

se em diferentes metamorfoses, como o oblato e o trânsfuga intercultural. O oblato é

híbrido, mas esconde a sua hibridez, não mostra ser um terceiro instruído assumindo-se

monocultural sendo um resultado possível da metamorfose cultural correspondendo a

quem adquire essa nova roupagem educacional, cultural ao aceder a um grupo social e

deixando outro cujos valores renega. Por sua vez, o trânsfuga intercultural é o que aceita

e recebe uma nova cultura, não rejeita a originária, mostra a sua hibridez, não a esconde,

sendo um terceiro instruído manifestando o eu intercultural. (39,5 linhas)

E quando se fala em mestiçagem, não se trata simplesmente de juntar, misturar, cruzar, etc. Contudo, ao nível do senso comum, “na medida em que mestiço se contrapõe, habitualmente, a puro, (…) privilegiará, ainda que inconscientemente, o puro como o bom e o mestiço como o contaminado”. A mestiçagem deverá ser considerada como algo diferente de justaposição ou de fusão: “remete para a tensão constitutiva da relação de diferentes, para o dinamismo que ela implica (…) E para a conflitualidade criadora”. (André, 2005:126).

João Maria André sintetiza as mestiçagens em dois grandes grupos: “Se há mestiçagens que se constituem com base no encontro e no diálogo, outras há que resultam da conquista, da violação, do sangue e do sémen misturados num projeto de domínio que é simultaneamente, não poucas vezes, um projeto de exterminação das diferenças e de homogeneização da alteridade (André, 2005:104)

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

Depois de uma rigorosa análise aos pressupostos epistemológicos e antropológicos à compreensão da multiculturalidade, este autor conclui que precisamos de uma epistemologia menos unilinear e simples e mais dinâmica e capaz de dar conta de fenómenos complexos (Vieira:31)

Interprete o texto. Refira com exemplos práticos, em que consiste essa epistemologia menos unilinear.

Segundo Ricardo Vieira “a pessoa nunca é apenas passado. A pessoa é presente e é

projeto” e a formação do profissional sobretudo de Serviço Social deve considerar essa

transformação. O processo de aprender implica transformação. Em todos os processos

de aprendizagem e de construção e reconstrução de identidade se transita de um ponto

para outro, existindo uma parte central onde fica o centro da dúvida, de todas as

possibilidades, de oportunidade para tomar as várias direções, um lugar de transição, de

mudança de fase, de sensibilidade, com obstáculos de exposição, mas fulcral para a

aquisição de conhecimento e aprendizagem, algo proporcionador de uma constante

instrução a um “terceiro instruído”, o “mestiço” como resultado de meios-termos entre

vários locais e caminhos possíveis de percorrer, os que cada indivíduo experimenta ao

longo das aprendizagens da vida. A mestiçagem dá ao sujeito a propriedade de se

construir e de se traduzir em atos. Não sendo um produto acabado, é confrontação e

diálogo, um processo vivo em vias de “tornar-se” outra coisa, existindo em

exterioridade e em alteridade. João Maria André divide-a em dois grupos: as compostas

pelo diálogo, aceitando-se as diferenças e a heterogeneidade; por exemplo aceitar outra

pessoa de cor diferente, uma religião diferente, as opções sexuais de cada um; outras por

um processo de dominação onde as diferenças são exterminadas e a alteridade

homogeneizada, por exemplo, em determinados países não se respeita a religião de

outrem, nem a orientação sexual, podendo ter consequências sérias, como a pena de

morte, na Arábia. Após examinar os pressupostos epistemológicos e antropológicos da

multiculturalidade André viu que era preciso uma epistemologia mais dinâmica para dar

conta de fenómenos complexos opondo vários pares epistemológicos. De um lado,

temos as epistemologias complexas e do outro as simples, onde estão a epistemologia

aristotélica e cartesiana, da qual somos produto por pensarmos factualmente e não

processualmente, pensarmos em estruturas e não em processos, sermos frutos da razão e

não da emoção. As primeiras são mais dinâmicas, pluralistas, têm um tempo

contraditório, são dialógicas, ideográficas e ecológicas. As segundas são essencialistas e

Page 13: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

substancialistas, monoculturalistas, têm um tempo linear, são monológicas, nomotéticas

e tecnológicas. O entendimento das culturas, da mestiçagem e do multiculturalismo

desafia as conceções simples e uniformes do tempo sendo que a prática e a experiência

são o caminho para o saber! Ao experimentarmos temos a possibilidade de nos

relacionarmos com os outros, surgindo terceiros, o terceiro instruído, correspondente à

transformação, à relação estabelecida. O ser humano não é estático, logo o Assistente

Social deve pensar no outro como alguém em plena evolução e transformação, tendo em

conta que há sempre algo que se altera em nós partindo das relações estabelecidas com

outrem, sendo através dessas trocas que construímos as nossas aprendizagens, o nosso

caminho, através da experiência vivida ao longo da nossa existência, construindo-se

assim a nossa identidade. (37,5 linhas)

“Alguns vêem na mestiçagem uma poderosa força criadora de arte, música, cultura. Outros, vêem-na como mistura que acaba com a pureza original, logo, consideram-na uma impureza cultural”. (Vieira, 2009:40-41).

Explique estas duas representações sociais, tome partido por uma e argumente com exemplos práticos do trabalho social.

A mestiçagem aceita a mudança e a transformação de cultura pelo processo individual,

permitindo ao sujeito construir-se e traduzir-se em atos. Se entre culturas fortes surgir

um encontro, poderá ocorrer a aculturação originando, eventualmente, dois modelos

extremos em que ou se ignora e esquece o passado cultural donde se provém, o qual

proporciona uma mente cultural para o entendimento da vida, ou, contrariamente, se tira

partido dessa riqueza da cultura original, como uma experiência, como quotidiano entre

os vários quotidianos da vida, para se praticar uma pedagogia do relativismo cultural,

quer isto dizer que, ou se assume o mundo a preto e branco e com o sucesso escolar se

acede ao branco, recusando o preto donde se parte e se tem um perfil pessoal

multicultural por se atravessar pelo menos duas culturas, mas ao mesmo tempo uma

atitude monocultural, porque o passado passa a encarar-se como não cultura; ou se

assume o mundo como policromático e, sendo-se pessoa, multicultural, se atua, se pensa

e comunica de um modo intercultural não se estratificando as diferenças culturais. O

primeiro modelo aplica-se àqueles que nunca falam do seu eu por significar exposição

do seu background cultural, falando antes do passaporte que a escola lhes concedeu e

que lhes permite aceder à cultura global e letrada. Este é um modelo oblato, cujas

pessoas rejeitam as origens socioculturais constituindo um resultado possível da

Page 14: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

metamorfose cultural correspondendo aos indivíduos que adquirem essa nova roupagem

educacional, cultural, quando acedem a um grupo social e deixam outro cujos valores

renegam. O segundo modelo dessa metamorfose extremista é o trânsfuga intercultural

em que o indivíduo recebe o novo, não rejeitando o velho incorporando no seu universo

pessoal a aquisição cultural que dá uma nova dimensão à cultura de origem não a

aniquilando, nem a substituindo dando-lhe antes uma terceira dimensão que resulta da

integração comparativa entre o nós e o ele. Algumas pessoas dizem que o hibridismo e o

sincretismo são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas forma de cultura,

apropriadas à modernidade. Outras dizem que este hibridismo tem os seus custos e

perigos. Qualquer indivíduo atravessa várias culturas e ou se identifica só com uma

delas, normalmente, a que tem mais capital, ou se identifica com várias constituindo um

ser multicultural podendo sentir-se dividido ou, conscientemente, ligado aos vários

quotidianos que atravessa, às várias visões do mundo dos estratos sociais por onde

navega; estabelecendo pontes entre elas, sendo dessa forma um cidadão reflexivo e

trânsfuga, mas intercultural. Tendo em conta que serei Assistente Social e que as

minhas funções passam por promover uma melhor adaptação dos indivíduos, famílias e

outros grupos ao meio social em que vivem auxiliando-os na resolução dos seus

problemas sejam eles de que cultura forem, a minha atitude deverá ser reflexiva,

atuando, pensando e comunicando de forma multicultural, adotando uma prática

intercultural e um pensamento mestiço, não devendo estratificar as diferenças culturais

pois cada ser é único com a sua cultura de origem, a de formação, e composto por

elementos identitários que “bebeu” no outro não esquecendo que o primeiro passo a dar

para evitar a exclusão social é tratar todos de forma igual. (39,5 linhas)

A política do estado Novo, ao mesmo tempo que pretendia a unidade do cidadão português, do Estado-nação, ou, antes, do império, usando o sistema educativo para uniformizar os sentimentos de identificação – e por isso pretendia construir um Estado monocultural – simultaneamente, usava o folclore e a etnografia para construir mosaicos culturais dentro do próprio Portugal Continental, procurando fazer coincidir cada um deles a uma província.

A História, a Geografia, a Economia, a memória cultural deveriam, nesta conceção, ser apenas uma (…). Por outro lado, havia uma clara conceção multiculturalista, no sentido mais separatista, quer para o género quer para as classes sociais. A escola apelava claramente a uma reprodução do sistema social diferenciado, desigual e sem potencial de igualização através da mobilidade social. (Vieira, 2011:90).

Page 15: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

Interprete o texto e explique esta aparente contradição monocultural/multicultural.

Pode afirmar-se que, por um lado, a política do Estado Novo passava por querer a

unidade do cidadão português, do Estado nação, do império usando, para tal, um

sistema educativo uniformizador dos sentimentos de identificação. Deste modo, no

ensino, adotou-se a ideia de um manual escolar único, um ritmo único, um só currículo

para Portugal Continental e arquipélagos, bem como colónias desconsiderando a

história, a geografia e os saberes locais. De acordo com Cortesão “o professor é temido

como convém”. O estilo de ensino era um estilo repetitivo, decoravam-se os nomes dos

rios, das cidades do continente, do império colonial português, as linhas de caminho-de-

ferro e estações principais. Para além disso, às crianças eram ensinadas cantigas cujo

objetivo passava por veicular a “boa formação”, o “amor à pátria” e o “poder

instituído”. Era aqui demonstrada claramente a tentativa de construção de um Portugal

monocultural. Contudo, por outro lado e, ao mesmo tempo, usava-se o folclore, a

etnografia para a construção de mosaicos culturais no mesmo Portugal Continental,

coincidindo cada um deles a uma região. Segundo este ponto de vista, a História, a

Geografia, a Economia, a memória cultural deveriam ser únicas, todavia nada disso

acontecia uma vez que estava presente uma conceção multiculturalista, separatista no

género e nas camadas sociais. Na escola, apelava-se à reprodução do sistema social

diferenciado, desigual e sem potencial de igualização através da mobilidade social. Ao

pretender-se uma ordem social intocável e estável, inculcava-se no curriculum da escola

primária, por esta funcionar como um modelo, já os conceitos da doutrina cristã, tais

como: o temor a Deus, o temor ao amo, a submissão das mulheres relativamente aos

seus maridos, o amor dos maridos para com as suas mulheres, a obediência dos filhos

para com os seus pais e a obediência dos servos relativamente aos seus senhores. O livro

de leitura como diz Vieira “constitui um manual de regras da vida social e um esquema

totalizante de uma determinada visão do mundo. Contrariamente aos livros de leitura

existentes durante o período da República e do pós- 25 de abril, após o término do livro

único, o ensino religioso faz parte integrante do ensino da leitura e da escrita”. Neste

tipo de livro propõe-se muito mais do que aprender a ler e a escrever, ali propõe-se uma

sociedade, comportamentos a adotar, uma visão do mundo. Este não é mais do que uma

reflexão do esquema ideal de uma sociedade em cujo sistema educativo está ancorado.

Page 16: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

Segundo Almeida “funcionando através da retórica das homologias, o indivíduo, a

família, a aldeia e a pátria apresentam-se como estratos interdependentes de um todo

orgânico que agem segundo critérios de comportamento que, em última instância, se

encontram legitimados no Divino, essa metáfora por excelência do social”. De outro

modo, versus essa uniformização, o Estado colaborou para a edificação da ideia de

diversidades folclóricas justapostas as quais dariam sentido ao todo português. A

etnografia deveria servir para o aportuguesamento, como um meio de combater as

tendências “cosmopolitas e desnacionalizadoras”. Concluindo, pode dizer-se que desde

1930 que Portugal está num processo de Folclorização sendo nesse espírito nacionalista

que o regime intervém no movimento folclórico. (39,5 linhas)

Como nos lembra Cardoso (1996:10), “apesar de monocultural, o assimilacionismo

corresponde à primeira etapa da história do multiculturalismo”. O

Assimicionalismo consiste na total conformidade dos originários de grupos

culturais e étnicos à cultura dominante. Exige-se às minorias que “esqueçam” as

suas culturas de origem de modo a estarem em perfeita conformidade com a

cultura dominante. Trata-se, em última instância, da produção social do oblato de

que fala Vieira (1999 a e b). O assimilacionismo é um modelo orientador de

políticas sociais para com minorias étnicas. Teve início nos anos 60 e anos 70

essencialmente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido. Como Cardoso

(1996:10) refere, “as principais referências e prioridades do modelo eram as

culturas e histórias nacionais da classe média branca(…)

A feição assimilacionista a das primeiras orientações políticas formais em relação

às minorias étnicas é consequência imediata da visão etnocêntrica do mundo,

historicamente dominante nas sociedades ocidentais. (…) As caraterísticas

monoculturais e etnocêntricas, dos objetivos e processos assimilacionistas

acentuaram a visão problemática das minorias na sociedade e a ideia de

inadequação das culturas e dos ambientes familiares das minorias para a sua

participação plena na sociedade (…) (Vieira, 2011: 104)

Interprete as ideias centrais do texto.

Explique, por palavras suas e com exemplos concretos, o modelo assimilacionista.

Quais os outros modelos de política social e educativa para lidar com a diversidade

que conhece?

Page 17: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

Descreva um desses, em contraponto com o modelo assimilacionista.

As respostas políticas às pressões exercidas pelas minorias situam-se num movimento

que se iniciou há décadas em países ocidentais que recebiam tradicionalmente os

imigrantes, como os EUA. Aí, a história do multiculturalismo fez-se por três fases,

correspondentes a três modelos ideológicos de políticas e práticas relativamente às

minorias étnicas e imigrantes: o assimilacionismo, o integracionismo e o pluralismo. O

Assimilacionismo é uma corrente que preconiza a possibilidade de assimilação das

culturas periféricas pela cultura dominante, uma tendência que apresentam certas

culturas para serem assimiladas por outras mais fortes, um processo de aculturação que

concebe as relações entre os migrantes e as sociedades de acolhimento na base de uma

passagem unilateral (conformização) ao modelo de comportamento da sociedade de

acolhimento que se impõem à personalidade do migrante, obrigando-o a despojar-se de

qualquer elemento cultural próprio implicando o confronto de grupos minoritários com

a cultura dominante, quando não existe aceitação das maiorias pelas minorias. A

tolerância para com as culturas minoritárias existe até ao ponto em que estas não

questionem as ideologias das culturas dominantes. A assimilação pressupõe uma

desculturação da cultura originária, para se tornar culturalmente semelhante ao grupo a

que se é assimilado. Por exemplo, nos jardins-de-infância, por vezes, os educadores

tentam que as crianças de etnias minoritárias se integrem à cultura portuguesa por

julgarem que quanto mais depressa étnica e culturalmente se integrarem, melhor é para

elas tratando-se de um processo de assimilação pela cultura escolar, nem sempre se

proporcionando o conhecimento sobre as diferentes culturas existentes na comunidade

educativa. À luz de tais práticas as crianças abdicam das suas especificidades para

serem absorvidas pelas do país de acolhimento que têm como principal preocupação a

minimização das diferenças culturais e a preservação de uma cultura única. No fim dos

anos sessenta, inícios dos setenta do mesmo século, registou-se um aumento das

migrações levando à criação de práticas integracionistas caraterizadas por uma maior

tolerância para com as diversidades culturais, manifestando-se numa maior liberdade de

expressão por parte das minorias culturais e étnicas. Mas, este modelo exigia que os

emigrantes assimilassem os valores existentes esperando-se que as minorias

assimilassem os conhecimentos, as atitudes, e os valores fundamentais para a sua

participação na dinâmica da cultura dominante. Neste sentido, tal prática representa um

modelo que continua a defender a existência de uma cultura dominante. Tratando-se de

Page 18: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

culturas minoritárias e de culturas dominantes, o conceito de integração opõe-se à noção

de assimilação e indica a capacidade de confrontar e de trocar – numa posição de

igualdade e de participação – valores, normas, modelos de comportamento, tanto por

parte dos emigrantes como da sociedade de acolhimento. Este processo é feito de forma

gradual mas ainda assim continua a sustentar a existência de uma cultura dominante

como quadro de referência para as culturas minoritárias. Contudo, o integracionismo

aceita a integração cultural, na medida em que estas culturas se saibam ajustar à cultura

dominante, de forma a não a ameaçarem. (39,5 linhas)

“Arrumámos também assim o mundo duma forma muito dualista: razão/emoção;

racional/irracional; instruído/analfabeto; etc. E assim continuamos a pensar,

ainda, por vezes, hoje. Surgem já diversos trabalhos a mostrar a importância das

emoções na memória, na relação humana, na inteligência, na aprendizagem, etc.

mas continuamos filhos de Descartes porque continuamos a dividir o conhecimento

a preto e branco: objetivo/subjetivo. (Vieira, 1999: 84)

Interprete o texto. Discuta o alcance do mesmo relativamente à prática do

assistente social em contextos multiculturais.

O século XX foi dominado pelo protótipo da razão em detrimento da emoção. Somos

todos filhos da escola criada por Descartes, que embora vivesse entre 1596 e 1650, vê as

suas ideias presentes nos nossos dias. Segundo vieira “com ele aprendemos o que era a

ciência, o método científico, a objetividade, marcando a ciência e a educação deste

século, aprendemos a pensar com a cabeça e não com o coração, desumanizámos,

desantropomorfizámos a ciência, o que também teve efeitos na educação na primeira

metade do século”. Ensinou-se a ler, a contar e a escrever por meio de uma educação

racionalista e cognitivista, as quais não contemplavam os sentidos, nem o pensar nas

emoções, nem no afeto entre professor-aluno, dando-se pouco relevo à relação em si,

contando mais que tudo o produto, o aluno instruído em detrimento do processo de

aprendizagem. Era “a diretividade contraposta com a atividade do aluno passível de ser

tornado sujeito da sua própria aprendizagem”. Assim, o mundo foi arrumado de uma

forma dualista. Alguns estudos demonstram já que as emoções têm bastante importância

Page 19: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

em todo o processo de aprendizagem, todavia por continuarmos a insistir na divisão do

conhecimento em objetivo e subjetivo, apregoamos ainda as ideias de Descartes. Para o

pensamento medieval, a realidade que nos cerca e de que tomamos conhecimento pelos

sentidos, era indiscutível quanto à sua existência, um realismo que partia

particularmente do postulado dogmático de que essa realidade existia fora de nós. Para o

moderno, a realidade exterior a nós mesmos é questionada e problematizada,

recomendando-se o reconhecimento da realidade como objetiva. Só o real é que é

racional, ao contrário do sensorial. Como os sentimentos não são racionais, não são

reais, o que afasta a emoção dos paradigmas científicos e educacionais no século XX,

imperando na ciência e na escola o “penso, logo existo” sendo o “sinto, logo existo” um

risco agora assumido pelos cientistas por considerar-se essencial na prática pedagógica.

Estabelecer a relação é fulcral, dar lugar às emoções, senti-las e vivenciá-las. O universo

cartesiano aparece distinto do sensível, encontrando-se o primeiro despojado de todas as

propriedades que atribuímos às coisas, rico em riqueza conceptual, mas pobre em

qualidade. Emoção e razão complementam-se, não se pode isolá-las. No decorrer da sua

prática e atendendo aos contextos multiculturais em que se insere, o Assistente Social

deverá adotar uma estratégia requalificante, dignificante, com a inserção de

metodologias de caráter intercultural e baseada nos diversos saberes, transdisciplinar

onde o coração tenha lugar em detrimento da razão, implicando o estabelecimento de

uma relação de compromisso entre quem ajuda e quem é ajudado, independentemente

da sua nação, cultura, sexo ou raça. Para tal, deve munir-se de métodos e de técnicas de

ajuda, apoio, intervenção planeada, baseados nos valores do respeito pela pessoa, a sua

visão do mundo, o seu sistema de valores e as suas necessidades promovendo a

faculdade de autodeterminação, adaptação e desenvolvimento das pessoas, facilitando a

informação e as ligações sociais com os organismos de recursos socioeconómicos

readequando as suas ações metodológicas e técnicas tanto quanto for necessário, face

aos novos desafios que se impõem. (39,5 linhas)

“É sabido que o século XX foi praticamente dominado pelo paradigma cartesiano do primado da razão. Do elogio da razão e da crítica da emoção. Somos todos filhos dessa escola criada por Descartes, à volta da dúvida metódica e do primado racionalista. Viveu entre 1596 e 1650 mas as suas ideias mantiveram-se praticamente intocáveis e de pé, até quase ao século XXI.

Page 20: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

Foi com ele que aprendemos o que era a ciência, o método científico (no singular) a objetividade. Foi esse Discurso do Método que marcou a ciência deste século e também a pedagogia escolar e educação em geral. Aprendemos a pensar com a cabeça e não com o coração; desumanizámos, desantropomorfizámos a ciência e tal teve também efeitos diretos na educação, essencialmente durante toda a primeira metade do século, sempre com exceções, claro. Ensinou-se a ler, contar e escrever – educação essencialmente racionalista, cognitivista. Não era importante a educação dos sentidos, o pensar das emoções, o afeto entre docente e discente; a relação. O importante era o produto, o aluno instruído, não o processo de levar a aprender, de educar, verdadeiramente. Era a diretividade versus a atividade do aluno passível de ser tornado sujeito da sua própria aprendizagem. Claro que aqui e ali sempre foram surgindo os dissidentes que propuseram as pedagogias ativas versus o magister dixit (o mestre disse).

Interprete o texto. Discuta o alcance do mesmo relativamente à identidade do Assistente Social.

De acordo com o texto supramencionado, o século XX foi dominado pelo paradigma da

razão em detrimento da emoção. Descartes terá influenciado até à primeira metade do

século XXI vivamente a sociedade e a própria educação uma vez que se ensinava a ler,

a contar e a escrever promovendo uma educação do tipo racionalista e cognitivista, não

considerando os sentidos nem as emoções, nem o afeto entre professor-aluno, dando-se

pouco valor à relação, contando somente o produto da aprendizagem em vez do seu

processo. Insistiu-se na divisão do conhecimento em objetivo/subjetivo, tornou-se o

mundo dualista, apesar já de existirem trabalhos que consideram importante valorizar a

emoção. Como os sentimentos não são racionais, nem reais, afastou-se a emoção dos

paradigmas científicos e educacionais no século XX, imperando na ciência e na escola o

“penso, logo existo” sendo o “sinto, logo existo” um risco só agora assumido pelos

cientistas por considerar-se essencial na prática pedagógica sendo primordial

estabelecer a relação, dar lugar às emoções. Lembrar que a emoção e a razão se

complementam. Portanto, e tendo em conta o que foi dito no decorrer da sua prática e

atendendo aos contextos multiculturais em que se insere, o Assistente Social deverá

adotar uma estratégia que contemple estas duas vias (razão/emoção), adotar uma

estratégia requalificante, dignificante, com a inserção de metodologias de caráter

intercultural e baseada nos diversos saberes, transdisciplinar, onde o coração também

tenha lugar, onde dê lugar também às emoções e aos sentimentos e não apenas à razão.

Abordar a identidade profissional do Assistente Social é incontornável, não sendo

possível assumi-la como algo de unívoco, unidirecional, com delimitações precisas e

Page 21: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

estático, entendendo-se que a(s) identidade(s) será(ão) o conjunto de traços comuns que

agregam, fecham, produzem sentimentos de pertença e autorizam a que se distinga entre

os elementos que fazem parte desse conjunto e os que lhe são exteriores. A pluralidade

identitária, sendo um fator presente em todas as profissões (e mesmo um indicador do

seu dinamismo interno), é especialmente evidente numa área como o Serviço Social,

uma vez que se trata de um agir multifacetado presente, também, numa grande

diversidade de contextos sociais e institucionais. O grupo profissional de Serviço Social

é portador de uma verdadeira identidade coletiva. Existe como um ator social real criado

num sistema de ação concreta que se produz e reproduz permanentemente de acordo

com os condicionalismos históricos, culturais e diacronicamente determinantes. Ao

abordar a identidade como um processo em construção, inacabado e sempre dinâmico e

relacional, tem de se ter em conta que esta é única na medida em que cada pessoa é um

ser único com a sua cultura de origem, a de formação e os elementos identitários que

bebeu noutras culturas e, por isso, deverá ser tratado também de uma forma única, com

todas as suas singularidades. Terminando, pode dizer-se que a construção da identidade

profissional do assistente social deve ser um processo de autorreflexão, crítico e

coletivo no sentido de lutar pela demarcação de uma nova identidade para o Serviço

Social. (38 linhas)

“Na minha experiência de formador tenho constatado a dificuldade que alguns têm em passar do ensinar a escrever ao escrever, eles próprios. Os professores ficam inseguros quando não têm rotinas. Por exemplo, quando os mandam escrever uma reflexão. Será porque não há rotinas profissionais dessa prática? E não será, também, que há muito a nossa profissão está rotinada no trabalho disciplinar? Não será que a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade são mais retórica do que prática? A área escola não tinha rotinas. Não chegou a ter rotinas. Dizem que “foi maltratada”. O trabalho escolar funcionaria ao contrário. De baixo para cima. Da observação e pesquisa para as abtrações teóricas. É verdade que alguns professores viram nisto a legitimação de algumas práticas criativas que faziam interdisciplinarmente a partir da sua disciplina, já em anos muito anteriores à sua implementação. Outros, nem por isso. “Uma seca”., ouvi eu tantas vezes.

Não será falta de experiência docente. Será talvez falta de flexibilização para sair da rotina de ser professor de acordo com determinado modelo escolar para um outro. De se estar rotinado numa escola positivista, normativa, dedutiva e disciplinar. (Vieira, 1999:35)

Page 22: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

Interprete o texto. Analise, com exemplos práticos, a problemática da resistência e da mudança em contextos sociais à sua escolha.

O texto supramencionado é um retrato da resistência que os professores apresentam

relativamente à mudança, resistência essa que o próprio professor Doutor Ricardo

Vieira vivenciou aquando da sua experiência como formador. Quando saem da

“normalidade”, das rotinas, os professores ficam como que “meio perdidos”,

apresentando falta de flexibilidade para sair da sua zona de conforto, tentando seguir o

modelo com o qual já estão familiarizados, o qual se encontra adaptado a uma escola

normativa, positivista, dedutiva e disciplinar, faltando-lhes espírito crítico, iniciativa

para a mutação, não considerando a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a

transdisciplinaridade. Vieira avança que se deveria partir da prática para a teoria, do fim

para o início, da observação e pesquisa para a abstração teórica, tendo já sido

implementado por alguns, mas encarado como uma “seca” por outros. Esta resistência à

mudança é já reconhecida há muito tempo e está presente em diversas classes e grupos

não afetando somente os professores, funcionando como uma resposta inevitável e um

fator importante, chegando a influenciar quer no sucesso, quer no fracasso. A expressão

“resistência à mudança” foi usada pela primeira vez pelo psicólogo Kurt Lewin. Lewin

dizia que quer o indivíduo, quer o grupo poderiam considerar-se “pontos de aplicação”

das forças sociais, e o padrão de comportamento do indivíduo e o padrão de

comportamento do grupo ao qual ele pertence podem diferir, sendo que essa diferença

seria consentida ou encorajada em culturas distintas e em graus diferentes. A resistência

individual poderia ser diferente da resistência grupal, dependendo do valor social dado

aos padrões de comportamento no grupo. Na psicanálise, por exemplo, o termo usa-se

para designar um conjunto de reações de um paciente cujas manifestações, no contexto

do tratamento, criam barreiras ao desenvolver da análise. Por sua vez, no contexto de

administração, resistência à mudança está associada à forma de lidar com mudanças,

reações devido ao medo do desconhecido, ou proteção de interesse próprio e material ou

até por desconfiança baseada em experiências passadas, ou devido à perturbação de

arranjos confortáveis representados em normas de grupo, status quo, hierarquia,

recompensas. Esta resistência é vista como um fenómeno natural, inevitável e entendida

como uma inimiga da mudança, pronta a aparecer durante a implementação de

mudanças ou inovações, porém é uma resposta natural do ser humano, fazendo sentido

Page 23: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

que seja aceite e gerida e não encarada como um problema, como algo a ser eliminado,

podendo funcionar até como fator de equilíbrio das pressões internas e externas, que

incitam questionar se as mudanças em questão fazem sentido. Quando as pessoas

resistem à mudança tem-se a oportunidade de avaliar os motivos dessa resistência, pode

identificar-se problemas e verificar se as decisões foram de fato assertivas. A resistência

encoraja a procura de alternativas e melhores métodos para resolver problemas

emergentes durante o seu processo. Logo, pode funcionar como uma fonte de inovação

e avaliação. Sem resistência, quaisquer programas de mudança não seriam “criticados”.

Portanto, não deve ser vista como um muro a ser derrubado, mas antes como algo para

melhorar as decisões. (39,5 linhas)

Como construir o cidadão sem apagar, necessariamente, a diversidade cultural?

Enfim, como criar direitos iguais para pessoas que se querem diferentes

culturalmente? Como fazer educação cívica sem entrar na catequização, na

domesticação cultural? Como respeitar o direito dos outros sem entrar pelas

pedagogias homogeneizantes, monoculturais, integracionistas e assimilacionistas?

Como respeitar a diferença sem reproduzir as desigualdades, sem criar guetos

sócio-culturais, sem separar o diferente e, consequentemente, diminuir a

participação no coletivo?

Boaventura Sousa Santos (1997) refere que a política dos direitos humanos é,

basicamente, uma política cultural. Tanto assim é que poderemos mesmo pensar os

direitos humanos como sinal de regressso do cultural, e até mesmo do religioso, em

finais de século. Ora, falar de cultura e religião é falar de diferença, de fronteiras,

de particularismos. Como poderão os direitos humanos ser uma política

simultaneamente cultural e global. (p.13)

Como conciliar a multiculturalidade dos públicos que cada vez mais acedem à

escola, que se quer para todos, com a ideia e prática da cidadania? Como criar os

cidadãos que a Revolução francesa professou: livres (liberdade), iguais (igualdade)

e fraternos (fraternidade) sabendo que os alunos são, de facto, diferentes nos

códigos culturais, sejam eles linguísticos, corporais ou outros, diferentes na

religião, na visão do mundo, no consumo musical, artístico, etc., enfim, numa

palavra, diferentes na cultura?

Enfim, Iguais e Diferentes poderemos viver juntos? Pergunta Alain Touraine

numa obra de 1997. Claro que podemos exigir que se respeite um código de boa

Page 24: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

conduta, mas não vamos assim além de mais uma solução minimalista que

“protege a coexistência, mas não assegura a comunicação” (Touraine, 1997:21)

(…) A verdade é que estamos perante um dilema:

estamos perante um dilema. Ou reconhecemos uma plena independência às

minorias e às comunidades, limitando-nos a fazer respeitar as regras de jogo,

procedimentos que asseguram a coexistência pacífica dos interesses, das opiniões e

das crenças, e então renunciamos ao mesmo tempo à comunicação entre nós, dado

que não nos reconhecemos mais nada em comum além de não proibir a liberdade

dos outros e de participar com eles em atividades puramente instrumentais, ou

acreditamos que temos valores em comum, preferencialmente morais, pensam os

americanos, preferencialmente políticos, pensam os franceses, e somos levados a

rejeitar aqueles que não partilham estes valores, sobretudo se atribuímos a estes

um valor universal. Ou vivemos juntos comunicando apenas de modo impessoal,

por sinais técnicos, ou só comunicamos no interior das comunidades, que se

fecham tanto mais sobre si próprias quanto mais se sentem ameaçadas por uma

cultura de massa que lhes parece estranha (Touraine, 1998:17).

(Vieira, 2011: 98-99)

Responda de uma forma global, às questões colocadas no texto. De que dilema

trata o texto ao falar dos direitos humanos, diversidade cultural, particularismos e

universalismos? Apresente exemplos na sua resposta.

A instituição escolar edifica-se segundo a ideia da igualdade e sobre uma base cultural

comum a todos os cidadãos, mas o desafio dos nossos dias é o da articulação entre a

igualdade e a diferença, o estabelecimento de uma educação para todos onde o currículo

e as pedagogias escolares não sejam monolíticas para não aniquilarem as culturas

originárias e as identidades pessoais traçadas socialmente, culturalmente ou mesmo

idiossincraticamente. Ao conservarem-se as culturas como espécies em vias de extinção,

privam-se as suas dinâmicas, os efeitos da história e da mudança social e os cidadãos

são também privados da sua liberdade para repensar, reestruturar ou recusar as

identidades culturais herdadas. A educação para a cidadania pretende que os outros

queiram ser, contribuindo para os cidadãos se elucidarem dos elementos culturais a

manter e as tradições a abandonar. As democracias constitucionais respeitam um amplo

Page 25: Multiculturalidade e educação intercultural

Multiculturalidade e Educação Intercultural

leque de identidades culturais, não assegurando contudo a sua sobrevivência, tratando-

se de um investimento num exercício de cidadania para a revitalização das democracias

constitucionais e suscitar a aprendizagem do convívio com as resoluções democráticas

devendo os cidadãos unir-se através do respeito mútuo pelos direitos dos outros. Para

que as diferenças persistam nas sociedades, a ideia da multiculturalidade foi ganhando

força, surgindo dúvidas sobre a universalidade dos direitos do Homem. O direito à

diferença é um direito do indivíduo de ser ele próprio constituindo cada ser a sua

própria norma, podendo gerar um projeto de quase ausência de comunidades,

sobrevindo daí um dilema: equacionar o particular com o geral. Viver numa sociedade

multicultural é viver numa sociedade onde todos os indivíduos possam ser acolhidos

dignamente e aprendam a viver conjuntamente combinando ação instrumental e

identidade cultural. Algumas propostas de unificação das culturas determinam um poder

absoluto, um controlo dos indivíduos e de grupos, como por exemplo o caso das

mulheres apedrejadas até à morte, a questão do aborto ou da eutanásia. Os poderes

autoritários que têm como objetivo o estabelecimento de um princípio cultural

unificador arrastando a sociedade para o inferno totalitário. Há, por isso, necessidade de

união, de consolidar o desejo de estar perto do outro, tratar como parte integrante o que

rejeitamos como estrangeiro. Só poderemos viver juntos com as nossas diferenças se

nos soubermos reconhecer mutuamente como sujeitos. A incapacidade de se perceber as

diferenças culturais gera a exclusão. Para isso não ocorrer, é preciso desenvolver

políticas de combate à discriminação a iniciar desde logo pelas escolas sendo a

preocupação do educador desenvolver um currículo e uma pedagogia multicultural

preocupada com a diferença. As salas de aula têm de ser um espaço de uma

compreensão desvelada do mundo em que os sujeitos sociais estão integrados, para

compreenderem as várias conceções do mundo que se ocultam sob cada uma delas e os

principais problemas da sociedade a que pertencem. É essencial formular e implementar

novas políticas que tenham como instrumento o diálogo e a desestabilização de sentidos

e práticas que contribuam para o desrespeito e exclusão do outro. (39 linhas)

Portanto, estudar os processos educativos não é sinónimo de estudar o ensino e a

aprendizagem na escola (…):

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

“os tempos de mutação que são os nossos vêm marcados por fundas conjecturas

sobre o que devem fazer as escolas em favor de quem se inscreva ou seja forçado a

inscrever-se nelas – ou, na mesma ordem de ideias, sobre o que podem as escolas

fazer, dada a força de outras circunstâncias (…) Se alguma coisa tem ficado cada

vez mais claro nestes debates é que a educação não tem que ver propriamente com

assuntos escolares convencionais, tais como: currículo, níveis ou sistema de prova.

O que resolvemos fazer na escola só tem sentido quando considerado no contexto

mais amplo daquilo que a sociedade pretende atingir por meio do investimento

educativo dos jovens. (…) a sua tese central (do livro Educação e Cultura) é que

cultura molda a mente, que ela nos apetrecha com os instrumentos de que nos

servimos para construir não só os nossos mundos, mas também as nossas reais

conceções sobre nós próprios e sobre as nossas faculdades (…) A vida mental é

vivida com os outros, forma-se para se comunicar e desenvolve-se com a ajuda de

códigos culturais, tradições e por aí adiante. Mas isto ultrapassa o domínio da

escola. A educação não ocorre apenas nas aulas, mas à volta da mesa de jantar

quando os membros da família fazem o confronto de sentido de tudo o que

aconteceu ao longo do dia (…)” (Bruner, 2000:9-11). (in Vieira, 2009:21)

Interprete as palavras de J. Bruner. Qual a utilidade desta reflexão para a prática

do assistente social em contexto educativo?

Segundo o texto supramencionado a educação não se resume só aos assuntos escolares

convencionais, sendo que só fará nexo o que aí é concebido se a considerarmos num

contexto mais amplo do que aquele que a sociedade quer alcançar com o investimento

educativo dos jovens onde a cultura é modeladora da mente, apetrechando-nos dos

instrumentos essenciais para construirmos os nossos mundos, as suas verídicas

conceções, para as reais conceções de nós mesmos e sobre as nossas capacidades. A

vida mental vive-se com outrem, formando-se para se comunicar, desenvolvendo-se

com a ajuda de códigos culturais, tradições. A educação não remete só para a escola,

mas também para o lar, tal como Ricardo Vieira aborda na sua obra. Educar pressupõe

também que se converse à hora do jantar sobre o que se vivenciou durante o dia. Se o

sentido atual da palavra educação e as próprias Ciências da Educação remetem o ensino

e a aprendizagem para o domínio das aulas e das escolas, a Antropologia nota já há

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Multiculturalidade e Educação Intercultural

muito tempo que a escolarização dá às crianças e aos jovens um pequeno contributo

para a inculturação e construção identitária. “Aprender, recordar, falar, imaginar, tudo

isto é possibilitado através da construção numa cultura”. A criança não cai do nada na

escola. Quando aí chega leva já consigo todo um percurso cultural possibilitador de um

entendimento para a vida e uma epistemologia com a qual se senta como aluno nas

cadeiras da escola. É verdade que é na escola que se pensa, porém quando aí é

incorporado já aprendeu certos princípios, distinções, técnicas, por meio das quais a

memória do grupo passa a ser parte do seu conhecimento e da sua própria lembrança.

Segundo Ricardo Vieira, “as hipóteses de sucesso são determinadas pelo saber já

adquirido e disponível. Ora, se o aluno cujos conhecimentos e aptidões adquiridos no

meio de que é proveniente diferem profundamente dos dinamizados na escola, terá

escassa probabilidade de podere efetuar a ligação entre estes e o seu próprio saber,

condição indispensável de aprendizagem.” O lar apresenta-se à criança como as portas

de um primeiro saber. É através da observação do que os alunos fazem, e da sua

imitação, que a criança inicia os seus saberes.