formação de professores em sociologia

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Florianópolis, v. 13, n. 01, p. 06 - 22 jan/jun. 2012 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SOCIOLOGIA PARA O ENSINO BÁSICO NO OESTE CATARINENSE Jaqueline Russczyk Leonardo Rafael Santos Leitão Resumo O estado de Santa Catarina desde 1998 tem como obrigatório o ensino de sociologia nas escolas estaduais de nível médio. No entanto, passados mais de 10 anos, a consolidação da disciplina encontra algumas dificuldades, tais como: aceitação da disciplina nas escolas, falta de formação específica dos professores, carência da infraestrutura escolar - principalmente no que diz respeito a materiais didáticos e bibliográficos. Assim sendo, esta pesquisa realizou uma análise dos espaços de formação de professores existentes na região oeste do estado: 1) Plano Nacional de formação de professores (PARFOR), hoje sob responsabilidade da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ); 2) O novo curso de Licenciatura em Sociologia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Além das dificuldades de formação de professores em sociologia, a disciplina enfrenta uma série de outros desafios e obstáculos para se consolidar no ensino médio, como as críticas à disciplina pelo seu “caráter ideologizante”, a imputação de um papel transformador e crítico a disciplina, as relações entre ser professor e ser pesquisador e a relação entre teoria, política e ideologia. Palavras- chave: Ensino Básico. Ensino de Sociologia. Formação de Professores. Introdução Com o retorno da sociologia como disciplina obrigatória no ensino médio, cresceu o interesse de pesquisadores da área das ciências sociais em relação ao contexto no qual está disciplina passa a ser ministrada e, especialmente, ao perfil dos atuais docentes e aos desafios da formação dos futuros profissionais nesta área. Os números relacionados à quantidade de professores que hoje ministram aulas de sociologia demonstram a grande necessidade de adequar a formação desses professores a nova exigência legal. Dos mais de 20 mil professores que atuam nas disciplinas de sociologia apenas 12% possuem formação específica na área Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutoranda em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da UFRGS. Professora de Ciências Humanas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina – Campus Chapecó, contato: [email protected]. Mestre em Sociologia e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, coordenador do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó-SC, contato: [email protected].

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  • Florianpolis, v. 13, n. 01, p. 06 - 22 jan/jun. 2012

    A FORMAO DE PROFESSORES EM SOCIOLOGIA PARA O ENSINO BSICO NO OESTE CATARINENSE

    Jaqueline Russczyk

    Leonardo Rafael Santos Leito

    Resumo O estado de Santa Catarina desde 1998 tem como obrigatrio o ensino de sociologia nas escolas estaduais de nvel mdio. No entanto, passados mais de 10 anos, a consolidao da disciplina encontra algumas dificuldades, tais como: aceitao da disciplina nas escolas, falta de formao especfica dos professores, carncia da infraestrutura escolar - principalmente no que diz respeito a materiais didticos e bibliogrficos. Assim sendo, esta pesquisa realizou uma anlise dos espaos de formao de professores existentes na regio oeste do estado: 1) Plano Nacional de formao de professores (PARFOR), hoje sob responsabilidade da Universidade Comunitria da Regio de Chapec (UNOCHAPEC); 2) O novo curso de Licenciatura em Sociologia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Alm das dificuldades de formao de professores em sociologia, a disciplina enfrenta uma srie de outros desafios e obstculos para se consolidar no ensino mdio, como as crticas disciplina pelo seu carter ideologizante, a imputao de um papel transformador e crtico a disciplina, as relaes entre ser professor e ser pesquisador e a relao entre teoria, poltica e ideologia. Palavras- chave: Ensino Bsico. Ensino de Sociologia. Formao de Professores. Introduo

    Com o retorno da sociologia como disciplina obrigatria no ensino mdio, cresceu o

    interesse de pesquisadores da rea das cincias sociais em relao ao contexto no qual est

    disciplina passa a ser ministrada e, especialmente, ao perfil dos atuais docentes e aos desafios

    da formao dos futuros profissionais nesta rea. Os nmeros relacionados quantidade de

    professores que hoje ministram aulas de sociologia demonstram a grande necessidade de

    adequar a formao desses professores a nova exigncia legal. Dos mais de 20 mil professores

    que atuam nas disciplinas de sociologia apenas 12% possuem formao especfica na rea

    Mestre em Sociologia pelo Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutoranda em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Rural (PGDR) da UFRGS. Professora de Cincias Humanas do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Santa Catarina Campus Chapec, contato: [email protected]. Mestre em Sociologia e Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, coordenador do curso de Licenciatura em Cincias Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Chapec-SC, contato: [email protected].

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    Jaqueline Russczyk - Leonardo Rafael Santos Leito

    Florianpolis, v. 13, n. 01, p. 06 22, jan. / jun. 2012

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    (HANDFAS, 2009).

    Na busca por qualificar e adequar a formao dos professores do ensino bsico, uma

    srie de polticas vem sendo adotadas por parte do Ministrio da Educao. O plano nacional

    de formao de professores (PARFOR) e o processo de interiorizao das universidades

    pblicas tm sido a grande aposta para diminuir o nmero de docentes que ministram

    disciplinas sem formao especfica e assim qualificar a formao docente.

    Com o objetivo de refletir sobre essas polticas de formao de professores na rea de

    sociologia, este artigo traz uma anlise referente pesquisa realizada1

    O curso oferecido pela Plataforma Freire, na UNOCHAPEC, iniciou em 2010 e hoje

    conta com uma turma de cerca de 17 alunos. J o curso oferecido pela UFFS, neste mesmo

    ano, disponibilizou 100 vagas divididas em duas entradas. A presena destas instituies

    formadoras de professores em sociologia contribui para suprir a demanda de docentes, porm,

    a pouca tradio da sociologia no ensino mdio e a histrica diviso da universidade brasileira

    entre formao de professores e formao de pesquisadores nos leva a uma reflexo sobre o

    carter deste tipo de formao especfica.

    sobre o atual quadro da

    disciplina nas escolas e os espaos de formao de professores na cidade de Chapec, regio

    oeste de Santa Catarina, estado que h mais de 10 anos tem a disciplina como obrigatria no

    ensino mdio. A pesquisa analisou o currculo e a estrutura poltico-pedaggica do curso de

    graduao em Licenciatura em Sociologia, por meio da Plataforma Freire, realizado em

    parceria com a UNOCHAPEC, universidade comunitria da regio, e do curso de

    Licenciatura em Cincias Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS),

    universidade criada no ano de 2009 com base no plano de expanso e interiorizao das

    universidades federais.

    A realizao desta pesquisa visa problematizar essa formao fragmentada e seus

    reflexos na implementao da disciplina. certo que outras reas do conhecimento passam

    pela mesma dificuldade na formao de professores, todavia, a sociologia como disciplina

    escolar foi pouco problematizada no campo das cincias sociais, haja vista a tradio

    bacharelesca da rea.

    Antes da lei que torna a sociologia obrigatria nas escolas de ensino bsico, a

    sociologia, assim como a filosofia, eram tratadas como conhecimentos transversais dos quais

    1O artigo resultado das primeiras reflexes e levantamento de dados que constituem projetos mais amplos sobre o ensino de sociologia no Oeste de Santa Catarina com base na atuao profissional dos autores. Desdobramentos desta pesquisa resultaro na tese de Doutorado de Jaqueline Russczyk, assim como contribuiro para o planejamento e desenvolvimento do Curso de Licenciatura em Cincias Sociais da UFFS Campus Chapec.

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    todo aluno deveria dominar ao trmino do ensino mdio. A transversalizao dos

    conhecimentos sociolgicos, ao mesmo tempo em que rompia com a fragmentao

    disciplinar, tambm colocava este conhecimento em segundo plano, sendo dificilmente

    abordado por professores de outras disciplinas. A mudana para o carter obrigatrio coloca

    para a sociologia o desafio de encontrar um lugar e ganhar caracterstica prpria no ensino

    mdio, assim como ocorrido com outras disciplinas historicamente consolidadas.

    O problema de pesquisa que este estudo busca responder, portanto, de que maneira a

    formao de professores deve ser pensada e estruturada em seu currculo, de forma a

    contribuir para que o docente em sociologia tenha capacidade de romper com a tradicional

    diviso entre cincia e ensino (SILVA, 2006), levando para a sala de aula as contribuies da

    produo do conhecimento sociolgico. No se trata apenas de inverter os lados e tornar o

    ensino de sociologia um ensino estritamente erudito e com pouca relao com as necessidades

    formativas dos alunos. Ao contrrio, cabe a sociologia estabelecer uma relao inseparvel

    entre o pensamento crtico, reflexivo e transformador com o rigor da pesquisa e da teoria.

    Sociologia sem socilogos: a necessidade de formao docente em Santa Catarina

    A demanda por professores qualificados a ministrarem disciplinas de sociologia no

    ensino mdio reflete na prpria (in)possibilidade de pensar estratgias de ensino e efetivao

    da disciplina nas escolas. No ano de 1997, a Secretaria da Educao do Estado de Santa

    Catarina (SED-SC) organizou um curso de Fundamentao Terico Metodolgica do Ensino

    de Sociologia e Sociologia da Educao. Participaram deste curso 70 professores de

    sociologia e sociologia da educao da rede pblica estadual. Entre eles, apenas seis possuam

    formao em Cincias Sociais, os demais eram provenientes de reas como pedagogia,

    geografia e filosofia (SED/SC, 1997).

    Deste curso saiu a proposta curricular do ensino de sociologia e sociologia da

    educao. Tal situao paradoxal: tem-se a formulao de propostas curriculares em

    sociologia discutidas e formuladas por professores cuja grande maioria no possui formao

    especfica em Sociologia. Essa situao especfica apresentada acima demonstra a urgncia de

    criao de espaos formativos e de reflexo sobre a formao de professores de sociologia.

    Nos ltimos anos tem aumentado o nmero de instituies que oferecem formao

    acadmica com habilitao em sociologia. Tal aumento decorre da obrigatoriedade do ensino

    de sociologia e da necessidade de qualificao dos professores que hoje ministram a

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    disciplina sem formao especfica. Por mais que hoje, em praticamente todas as

    universidades federais, seja oferecida a formao em Cincias Sociais (HANDFAS, 2009), a

    demanda por formao em municpios do interior ainda grande para poder reverter esse

    quadro paradoxal do ensino de sociologia sem socilogos.

    Em Santa Catarina a sociologia obrigatria nos currculos escolares desde o ano de

    1998. No entanto, os espaos de formao de professores nesta rea so poucos e restritos ao

    litoral do estado, como o caso da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que at o

    ano de 2009, antes da criao da Universidade Federal da Fronteira Sul, era a nica instituio

    pblica que oferecia o curso de Licenciatura em Cincias Sociais. Outras sete instituies de

    ensino superior tambm oferecem o curso Licenciatura em Cincias Sociais, conforme

    possvel visualizar no quadro abaixo.

    Quadro 1 Instituies de Ensino Superior (IES) que oferecem formao em Licenciatura em Cincias Sociais em Santa Catarina.

    IES ANO DE INCIO

    MODALIDADE VAGAS OFERTADAS

    Universidade Castelo Branco 2007 Educao Distncia

    No divulgado

    Universidade do Contestado 2003 Presencial 50 vagas anuais Universidade do Extremo Sul

    Catarinense 2009

    Presencial 40 vagas anuais

    Universidade Federal da Fronteira Sul 2010 Presencial 100 vagas anuais Universidade Federal de Santa Catarina 1972 Presencial 90 vagas anuais

    Universidade Luterana do Brasil 2005 Educao Distncia

    No divulgado

    Universidade Regional de Blumenau 1987 Presencial 45 vagas anuais Universidade Comunitria de Chapec2 2010 Presencial No divulgado Fonte: Quadro elaborado pelos autores com base nos dados do INEP (Plataforma E-mec)

    Na regio oeste do estado, onde fica localizada a cidade de Chapec, locus deste

    estudo, at o ano de 2010 no havia nenhuma instituio, pblica ou privada, que formasse

    professores de sociologia. A falta de instituies formadoras contribuiu para que grande parte

    dos professores que hoje ministra a disciplina no tenha formao em Cincias Sociais.

    Duas grandes polticas nacionais vm sendo implementadas com o objetivo de reverter

    esse quadro. O PARFOR (Programa Nacional de Formao de Professores da Educao

    Bsica) e o processo de interiorizao das Universidades Federais. Na cidade de Chapec as

    2O curso de Licenciatura em Sociologia oferecido pela UNOCHAPEC no se encontra cadastrado na plataforma E-Mec do Ministrio da Educao. Os dados foram levantados no site da prpria universidade (www.unochapeco.edu.br).

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    duas polticas chegaram recentemente e so encaradas como aes importantes de melhoria da

    educao, principalmente no que diz respeito formao de professores. Esse trabalho no

    tem como objetivo fazer uma anlise das polticas apresentadas acima, mas apenas analisar as

    propostas de formao de professores que esto sendo implementadas na cidade de Chapec e

    que acabam tendo impacto em toda a regio oeste do estado de Santa Catarina.

    O PARFOR, conforme definio do prprio Ministrio da Educao:

    (...) resultado de um conjunto de aes do Ministrio da Educao - MEC, em colaborao com as secretarias de educao dos estados e municpios e as instituies pblicas de educao superior neles sediadas, para ministrar cursos superiores gratuitos e de qualidade a professores em exerccio das escolas pblicas sem formao adequada Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB, de dezembro de 1996 (MEC, 2010).

    Em Chapec, a Universidade Comunitria de Chapec (UNOCHAPEC) a

    instituio responsvel por gerir o curso de Licenciatura em Sociologia.

    No que diz respeito ao processo de interiorizao das Universidades Federais, o

    estado de Santa Catarina foi contemplado com o campus sede da Universidade Federal da

    Fronteira Sul (UFFS) que fica localizado no municpio de Chapec. A UFFS possui ainda

    mais quatro campi, dois no estado do Rio Grande do Sul (Cerro Largo e Erechim) e dois no

    estado do Paran (Laranjeiras do Sul e Realeza). O Curso de Licenciatura em Cincias Sociais

    da UFFS oferecido nos municpios de Chapec (SC) e Erechim (RS).

    Os cursos de licenciatura: UNOCHAPEC e UFFS

    O curso de Licenciatura em Sociologia da UNOCHAPEC ofertado de forma

    gratuita pela inscrio3

    O curso oferecido em oito semestres com aulas concentradas noite e aos finais de

    semana. Conforme definio da prpria instituio:

    de professores j formados em outras reas do conhecimento e que

    buscam uma formao complementar formao inicial. As instituies que participam do

    PARFOR so contempladas com recursos do Ministrio da Educao.

    O objetivo principal da graduao em Sociologia a formao de profissionais com 3A inscrio feita por meio da Plataforma Freire, que segundo a definio do prprio MEC: A Plataforma Freire um programa que foi criado pelo MEC Ministrio da Educao, exatamente com o objetivo de tornar-se uma porta de entrada para os professores da educao bsica pblica no Brasil, no exerccio do magistrio, nas instituies pblicas de ensino superior. E com este mesmo objetivo, este plano coloca em prtica o Plano Nacional de Formao de Professores da rede de Educao Bsica (MEC, 2010).

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    condies para atuar de forma criativa e autnoma, contribuindo para a melhoria da vida em

    sociedade. Para isso, o Curso de Graduao Licenciatura em Sociologia da Unochapec

    oferece ao futuro profissional autonomia intelectual, capacidade analtica, competncia na

    articulao entre teoria, pesquisa e prtica social, e compromisso social. Com base nos

    princpios tico-profissionais, democrticos e de respeito s diferenas e de pluralidade de

    pensamento, a graduao oferece conhecimentos tericos e metodolgicos das cincias

    humanas e sociais (UNOCHAPEC, 2010).

    No objetivo principal do curso apresentada a preocupao em no estabelecer uma

    fronteira rgida entre as atividades formativas de carter pedaggico e as atividades de

    pesquisa e metodolgicas, tambm necessrias para uma formao slida do licenciando. Essa

    preocupao percebida ao analisarmos a estrutura curricular do curso. No quadro abaixo se

    pode observar a distribuio das disciplinas de formao pedaggica, metodolgica, terica e

    de pesquisa ao longo do curso.

    Quadro 2 - Distribuio das disciplinas na grade curricular (UNOCHAPEC).

    TIPO DE DISCIPLINA QUANTIDADE TTULO DAS DISCIPLINAS

    Formao Pedaggica 13 Tecnologias da Educao; Filosofia da Educao; Fundamentos de Psicologia; Sociologia da Educao; Didtica; Polticas e Gesto da Educao Bsica; Estgio Curricular Supervisionado I, II, III e IV; Fundamentos da Educao Especial; Seminrio: Educao de Jovens e Adultos.

    Terica 21 Sociologia I, II e III, Antropologia I, II e III, Poltica I, II e III, Sociologia da Religio, Epistemologia das Cincias Sociais, Gnero Organizao Social e Famlia; Sociologia Urbana, Teoria dos Movimentos Sociais, Poltica Brasileira; Polticas Organizacionais Solidrias; Etnologia Indgena; Sociologia do Desenvolvimento; Gesto Pblica; Anlise do Discurso Poltico; Sociologia Rural e do Campesinato; Pensamento Social Brasileiro; Sociologia do Trabalho.

    Metodolgica 2 Metodologia Cientifica, Metodologia da Pesquisa. Pesquisa 3 Trabalho de concluso de Curso I, II e III.

    Fonte: Elaborao dos autores com base nos dados disponveis no site do curso de Licenciatura em Sociologia da UNOCHAPEC

    A forma como as disciplinas esto distribudas ao longo do curso chama ateno em

    dois aspectos importantes: 1) a distribuio equnime entre as trs grandes reas que

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    compem as cincias sociais4

    J o curso de Licenciatura em Cincias Sociais da Universidade Federal da Fronteira

    Sul (UFFS) oferta 100 vagas anuais, 50 no perodo matutino e 50 no perodo noturno. Esse

    curso comparado a outros cursos de graduao em Cincias Sociais possui alguns diferenciais

    interessantes. Como todos os demais cursos da UFFS, o Curso de Cincias Sociais dividido

    em trs grandes domnios: o domnio comum, que composto por disciplinas de formao

    geral, o domnio conexo, que inclui um conjunto de disciplinas voltadas formao

    pedaggica e o domnio especfico, que composto por disciplinas tericas e metodolgicas

    das cincias humanas e sociais.

    , o que garante uma formao mais ampla; 2) a preocupao de

    uma formao consistente em teoria social.

    A busca pela indissociabilidade entre as atividades de pesquisa e de ensino consta no

    projeto poltico pedaggico do curso:

    Os princpios epistemolgicos e metodolgicos visaro formao profissional,

    cientfica e voltada para o entendimento das grandes questes que afligem a sociedade

    contempornea. Nesse sentido, o curso de Licenciatura em Cincias Sociais procurar orientar

    uma formao acadmica que vise superao da dissociao tradicional entre as figuras do

    socilogo, portador do ttulo de bacharel, e do professor de sociologia, transmissor e

    mero reprodutor dos conhecimentos das Cincias Sociais em sala de aula. Para tanto, o curso

    desenvolver uma articulao processual e permanente entre ensino, pesquisa e extenso, que

    permita ao estudante entender o prprio processo de ensino-aprendizagem, no qual ele estar

    envolvido quando estiver em sala de aula, como algo indissocivel da pesquisa e da extenso

    universitria, que poder envolver atividades acadmicas ou extra-acadmicas (UFFS, 2011).

    A formao de um professor-pesquisador em cincias sociais fica explicita no PPC do

    curso e se materializa numa grade curricular que tambm equaciona as trs grandes reas das

    cincias sociais e garante uma formao densa em termos tericos e metodolgicos, conforme

    possvel visualizar no quadro abaixo.

    Quadro 3 - Distribuio das disciplinas na grade curricular (UFFS)

    DOMNIO COMUM DOMNIO CONEXO DOMNIO ESPECFICO Direitos e cidadania; Introduo informtica; Introduo ao pensamento social;

    Didtica geral; Fundamentos da educao; Libras; Poltica educacional e

    Alteridade e etnocentrismo; Antropologia estrutural; Antropologia no Brasil; Antropologia social e cultural; Cincia poltica no Brasil; Economia brasileira;

    4Apesar de a disciplina ministrada no ensino mdio receber o nome de Sociologia, h uma tendncia e certo consenso entre os professores e pesquisadores de sociologia, de que as trs reas (antropologia, cincia poltica e sociologia) devem ser contempladas no programa e no currculo do ensino mdio.

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    Leitura e produo textual I e II; Matemtica instrumental; Meio ambiente, economia e sociedade.

    legislao de ensino no Brasil; Teorias do desenvolvimento humano e da aprendizagem.

    Epistemologia das cincias sociais; Estgio curricular supervisionado I, II e III; Formao da sociedade brasileira; Introduo economia; Metodologia de pesquisa qualitativa; Metodologia de pesquisa quantitativa; Metodologia de pesquisa terica em cincias sociais; Metodologia do ensino em sociologia; Optativa I, II, III, IV, V, VI; Pensamento poltico liberal e elitista; Pensamento poltico moderno; Pensamento social no Brasil

    Sociologia I, II, III e IV; Sociologia da educao; Teorias polticas do sculo XX; Trabalho de concluso de curso I e II.

    Fonte: Elaborao dos autores com base nos dados do Projeto Poltico-Pedaggico do Curso de Licenciatura em Cincias Sociais da UFFS.

    A grade curricular do curso da UFFS possibilita ao estudante, alm de uma consistente

    formao terica que inclui um roll de disciplinas optativas, uma formao mais ampla

    baseada nas disciplinas do domnio comum, algumas delas de carter tcnico-instrumental e

    outras de formao para a cidadania.

    No se trata aqui de realizarmos uma leitura superficial dos currculos dos dois cursos

    apresentados de maneira a acreditarmos que a estrutura curricular e os objetivos garantem

    uma boa formao de professores de sociologia. certo que outros fatores influenciam a

    formao. No entanto, ao observarmos a estrutura dos dois cursos, perceptvel a

    aproximao dos elementos que at ento eram vistos como exclusivos dos cursos de

    Bacharelado com a preocupao da formao pedaggica dos estudantes. Isso demonstra uma

    possibilidade de transformao do atual cenrio das cincias sociais brasileiras, onde, de certa

    forma, a licenciatura vista como uma formao de segunda categoria, mais flexvel e menos

    rigorosa em termos tericos e metodolgicos.

    Todavia, cabe alertamos para o risco que a expanso rpida da oferta de cursos de

    formao de professores em sociologia pode trazer. A pressa em formar professores, seja por

    formao continuada ou formao inicial, possibilita o enxugamento das disciplinas e da

    carga horria, principalmente das disciplinas de carter terico e vinculadas a pesquisa. A

    formao slida, principalmente nas humanidades, requer tempo, que, muitas vezes, exguo

    quando a demanda limita-se a simplesmente emitir diplomas ou habilitaes.

    Nos itens acima foram abordados a oferta e a estrutura curricular dos cursos que

    formam professores de sociologia em Santa Catarina. Para alm de um currculo de formao

    de professores necessrio que os cursos de Licenciatura em Cincias Sociais produzam

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    reflexes de carter terico acerca da atuao profissional dos egressos e do lugar da

    sociologia na escola bsica. Na seo posterior teceremos algumas consideraes mais amplas

    a respeito da formao de professores e dos desafios da consolidao da sociologia como

    disciplina escolar.

    Pesquisador/professor/militante?

    Alm das dificuldades de formao de professores em sociologia, a disciplina enfrenta

    uma srie de outros desafios e obstculos para se consolidar no ensino mdio. Gostaramos de

    destacar aqui algumas questes que carecem de aprofundamento e discusso por parte da

    comunidade acadmica: as crticas disciplina pelo seu carter ideologizante, por um lado,

    e a imputao de um papel transformador e crtico a disciplina, por outro, bem como as

    relaes entre professor/pesquisador e a relao entre teoria, poltica e ideologia.

    preciso considerar o poder inerente nas correlaes de fora da sociedade que

    disputam concepes tericas e prticas do ensino. Como coloca Silva (2006), os discursos

    pedaggicos que fundamentam os padres de comunicao entre o campo cientfico e o

    campo da educao esto permeados por concepes hierarquizantes que tendem a criar um

    abismo entre o ensino e a cincia ou ento confuses entre o poltico e o ideolgico.

    Rocha (2009) alega que a teoria se caracteriza por ser um sistema de ideias, com

    interpelao lgica dos componentes que a compem. A teoria, ao formar conceitos ou

    termos, apresenta definies precisas, esclarecidas e coerentes, com o uso e explicitao do

    mtodo utilizado que permite a possibilidade da crtica sobre como determinado

    conhecimento cientfico foi produzido. Situada no campo cientfico, a teoria se difere dos

    demais saberes no-cientficos, pois estes pertencem ao universo do sistema de crenas,

    intrnseco condio humana, e que adotam como matria-prima o componente ideolgico.

    O autor tambm exterioriza duas concluses a respeito da experincia cientfica e sua

    conexo com a teoria:

    A primeira afirma que uma experincia cientfica , portanto, uma experincia que contradiz a experincia comum, portanto, necessariamente no pode aceitar a hegemonia de pensamento como algo perene, mas simplesmente circunstancial e fruto da correlao de foras de momento. A outra vai ao encontro da necessidade de crtica fundamentada, contrapondo um sistema de ideias com outro e contra outro. Deste modo, impossvel para uma cincia humana montar uma teoria com o pressuposto e com as bases tericas e metodolgicas incompatveis com os objetivos da pesquisa, incentivados e motivados pela normatividade prvia. Assim, a crtica racional da experincia solidria com a organizao terica da experincia

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    Jaqueline Russczyk - Leonardo Rafael Santos Leito

    Florianpolis, v. 13, n. 01, p. 06 22, jan. / jun. 2012

    Pg. 15

    (ROCHA, 2009. p. 41).

    Neste sentido, as concepes que permeiam o fazer sociolgico em sala de aula

    necessitam de um maior aprofundamento. Os projetos pedaggicos, os currculos, os

    discursos pedaggicos acerca da disciplina esto carregados de conceitos que muitas vezes se

    transformam em meros bordes esvaziados de contedos. muito comum vermos associado

    ao ensino de sociologia certo papel emancipador e crtico. Porm, cabe perguntar-se, crtico

    ao que? Emancipar-se de que?

    As respostas a essas perguntas no so nicas e nem tampouco simples, mas so

    necessrias. Talvez o papel da sociologia seja menos ambicioso. A crtica sociolgica de

    carter racional no est descolada do mundo da poltica, por isso, a concepo poltica por

    trs do fazer sociolgico precisa ser explicitada. Por exemplo, as construes de pesquisas

    que j trazem previamente uma adeso terica em que as explicaes da realidade so

    incompatveis com o fenmeno social estudado, ou ento, no mbito do ensino, em que

    professores e educadores deixam de expor outras abordagens tericas, ou at mesmo situar

    historicamente o campo de debate entre pesquisadores e tericos que abordam determinado

    assunto, porque ignoram a diferenciao entre a teoria e a filiao ideolgica, levando a

    dogmatizao do ensino e da prtica.

    Com estas colocaes, no se quer negar a existncia de motivaes ideolgicas do

    pesquisador ou do professor, presentes inclusive na escolha do objeto de estudo, nas

    abordagens pedaggicas, nas escolhas dos materiais a serem trabalhados. O que se critica a

    no abertura para a avaliao e refutao do conhecimento produzido e em como ele

    empregado. Outro elemento de crtica a no identificao e separao dos aspectos tericos,

    ideolgicos e polticos.

    Utilizando as contribuies de Althusser, que retoma o pensamento de Freud, Rocha

    (2009) afirma que a esfera ideolgica das sociedades humanas to estruturante como os

    conjuntos de relaes e produes chamados de economia e poltica (ROCHA, 2009, p.42).

    Com esta perspectiva o autor problematiza o desenvolvimento e identidade da cincia social

    brasileira, se apropriando do debate colocado por Guerreiro Ramos e Ianni. Estes autores

    afirmam o quanto h de dependncia e subordinao intelectual no perodo de

    institucionalizao das cincias sociais brasileiras, em que havia motivaes ideolgicas e

    tericas distintas.

    O resultado dessa configurao foi que as cincias sociais brasileiras no se voltaram

    para os problemas especficos locais, para a busca de uma episteme prpria, aplicvel e hbil

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    para apontar solues aos problemas e questes nacionais. O habitus intelectual institudo

    incorporou o campo hegemnico e foi um repetidor do que h com reproduo de textos

    consagrados e que tomam os pressupostos estrangeiros como ponto de vista explicativo da

    realidade local (ROCHA, 2009).

    Uma das consequncias do fato da pesquisa social brasileira no ter se voltado para

    fortalecer e promover explicaes e alternativas para o local foi que os intelectuais tambm

    no produziram suas prprias categorias de anlise. Rocha (2009) assinala alguns indicativos

    para a compreenso dessa formao sobre o carter da institucionalizao das cincias sociais

    latino-americanas e do comprometimento dos intelectuais: o papel dos intelectuais em postos

    do Estado (acomodao e estabilidade institucional), o carter dos financiamentos de

    pesquisa, o insuficiente esforo dirigido para o rompimento da dependncia cientfica

    (colonizador e colonizado).

    As informaes acima repercutem no tipo de intelectual e sujeitos que so formados.

    Reforando o exposto, Rocha (2009) argumenta que o engajamento e posio individual de

    acordo com os interesses coletivos seriam os passos necessrios para a criao de uma cincia

    autnoma e nacional (ROCHA, 2009, p.76). Assim, as colocaes acima repercutem

    tambm no papel do intelectual e do professor e nas suas prticas.

    Consonante com isso, Rocha (2009) traz uma indagao relevante e que importa para

    este estudo, isto , como pode a sociologia possibilitar ao estudante desenvolver uma

    inteligncia criadora e crtica? Ou seja, a cultura de dependncia influi e se expressa desde os

    temas e problemticas do estudo, passando pelo instrumental terico-epistemolgico utilizado

    e pela execuo realizada posteriormente. De acordo com Rocha (2009):

    Reiteramos a dvida, de como se faz possvel romper com a dependncia cientfica se as regras de cincia, o poder de taxar de local-parcial-ensastico e/ou especulativo provm (e na poca provinham e ao padro segue) de categorias, modelos, mtodos e premissas aliengenas da realidade latino-americana? Caso ocorresse a intencionalidade do produtor de gerar algo tangvel para incidir a parte de nossa realidade e no sobre a realidade, mesmo que dotado destes modelos e mtodos, a contradio entre vontade e instrumental de realizao seria (e segue sendo) gritante (p.71).

    Posta as reflexes sobre teoria e o campo das cincias sociais latino-americana,

    discorre-se sobre ideologia. Lembra-se que em grande parte dos registros acima descritos,

    sobre teoria e o campo das cincias sociais brasileira, recorreu-se s ponderaes pautando o

    termo ideologia. Mas, a seguir que se define, de forma mais evidente, o conceito.

    O termo ideologia tem vrios significados e entendimentos. Para este estudo adota-se

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    como significado da ideologia as motivaes, os ideais, os valores e os princpios, portanto,

    ela no tem como componente conhecer. Como j abordado acima, a ideologia faz parte da

    constituio histrica e da maneira como os sujeitos sociais se expressam na sociedade.

    Rocha (2009) explica:

    A temtica ligada definio de ideologia e o uso ou no desta categoria fruto de largas polmicas, tanto nos crculos acadmicos como em partidos e organizaes polticas. Nesta tese em geral venho abordando o tema, partindo j de uma definio da interdependncia da esfera Ideolgica como prpria do mundo das representaes, dos smbolos, das significaes, das interpretaes do mundo da vida e todo o universo ao que diz respeito da memria, da identidade e do sentido de pertencimento. J no primeiro Captulo afirmamos, atravs do texto de Althusser (apud Coelho 1968), ser o inconsciente um objeto prprio, nico e transversal ao sistema de dominao e da estrutura de classes. Portanto, seus frutos no podem ser jogo de espelho e nem falsificao da realidade material porque a formao do homem, de homindeo em produto civilizatrio humanizado e humanizante passa pela construo de significados (p. 107).

    Como se pode evidenciar na citao acima, a ideologia no entendida como

    distorcedora da realidade. Nem mesmo como determinada pelas relaes de produes e

    como falsa conscincia, porque no corresponde aos fatos. Na citao acima, a ideologia no

    mascara os fatos, mas compe os princpios que orientam o comportamento dos indivduos e

    de grupos em relao aos fatos e ao seu modo de vida.

    No entanto, as crenas revelam determinadas situaes de poder, e com essa acepo,

    Rocha (2009) expe que suas afirmaes se aproximam do que Foucault estabelece, isto ,

    que as prticas sociais que constroem os objetos, a subjetividade, os conceitos etc.. Refora

    que o poder est em toda parte e no apenas nas mos do Estado ou das foras produtivas.

    preciso conhecer e evidenciar as prticas sociais para compreender a ideologia que

    as movem. Assim, tanto a teoria como a poltica podem ser orientadas pela ideologia.

    Introduzida a noo de ideologia, cabe seguir adiante e entrar no campo da ao e da

    estratgia, isto , da poltica.

    A essncia da poltica so as disputas, as lutas, as competies, as aes, os choques

    entre foras sociais, enfim, o agir com orientao intencional para impor a vontade de uns

    sobre outros. Para Rocha (2009) a poltica atua em poderes de fato e latente, tendo como

    matria-prima as relaes sociais e as instituies. E ainda, o nvel poltico est relacionado:

    (...) aos nveis gerais de deciso numa sociedade; o nvel que analisa os partidos, governos, organismos macro do Estado e das foras sociais

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    organizadas (grupos, organizaes, dentro do institucional, partidos polticos esquerda ou direita, com distintas variaes, legais ou no); o espao das negociaes e enfrentamentos entre dominantes, entre as classes oprimidas e dos arranjos (p. 284).

    De acordo com a citao acima, a poltica se define como toda determinao e

    gerncia que se refere vida social. Assim, poltica no se refere apenas s atividades

    desempenhadas e determinadas pelo Estado e sim s aes humanas voltadas para algum fim

    almejado. Os fins que se quer alcanar pelas disputas, ou poltica, so aqueles aspectos

    considerados relevantes para um indivduo ou grupo.

    As metas visadas pelos indivduos e grupos, com base nas atuaes ou no fazer

    poltico, no so universais. Isso quer dizer que cada circunstncia, contexto e momento

    histrico compreende intenes e formas do fazer poltico porque so as intenes e interesses

    humanos que regem a poltica. A poltica tambm uma forma peculiar de desempenhar o

    poder, pois tem a ver com os conflitos humanos e, portanto, com as correlaes de foras.

    As elaboraes acima so desenvolvidas a fim de dar conta das vrias confuses feitas

    pelos educadores/professores/pesquisadores em relao s diferenas entre teoria, ideologia e

    poltica, bem como do debate pblico criticando a obrigatoriedade do ensino de sociologia.

    Em muito, isso se d porque ocorrem: desconhecimento das disputas dentro do campo

    cientfico e da histria da dependncia intelectual; falta de compreenso das diferenas entre

    teoria, ideologia e poltica e de suas aplicaes.

    Atualmente a crtica que tem sido posta ao ensino de sociologia se refere atuao do

    socilogo, professor e pesquisador, no tanto ao objeto de pesquisa e ao currculo do ensino

    de sociologia, mas a forma ou o fazer sociolgico. No centro da crtica encontra-se a questo

    da ideologia e da prtica poltica, ou seja, do socilogo militante e da sociologia

    militante.

    As colocaes acima contribuem no debate trazido por Navarro (2008; 2009) sobre a

    questo do militantismo poltico, que para o autor est pr-determinando os resultados de

    pesquisa, influenciando na cooptao dos pesquisadores por parte do Estado ou colaborando

    para a estreita leitura de algumas teorias. No entanto, o fato de ser militante socilogo no

    contribui necessariamente para a deriva da sociologia enquanto cincia. O que causa

    confuses e criticas o uso da sociologia de forma militante ou a confuso entre ideologia e

    teoria.

    Como foi exposto anteriormente, a teoria uma ferramenta que proporciona a

    transformao e a emancipao. Trata-se de sistemas de conceitos que auxiliam para conhecer

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    a realidade econmica, poltica, ideolgica etc.. A teoria fornece os instrumentos conceituais

    para pensar e conhecer profundamente a realidade concreta, e nesse sentido, teoria equivale

    cincia.

    De forma distinta, a ideologia de natureza no cientfica, so ideais, aspiraes e

    motivaes, podendo existir antes mesmo da teoria. Por exemplo, a luta de classe j existia e

    no esperou uma elaborao terica para ocorrer. A teoria circunstancializa as condicionantes

    da ao poltica, a ideologia motiva-a, configurando-a em seu estilo.

    Entre teoria e ideologia existe uma vinculao estreita, pois a ideologia mais eficaz

    quando se apoia em teoria. O mtodo de trabalho, e no apenas o tipo de leitura e de anlise

    terica efetuada, pode apontar possibilidades para que o socilogo militante no se

    confunda com o fazer uma sociologia militante. Nesse sentido, se tm contribuies

    importantes como as de Paulo Freire na rea de educao, que enfatiza o carter poltico e no

    neutro da educao, mas refora a importncia da teoria/reflexo e da ao/transformao,

    utilizando o mtodo do dilogo, a recorrncia ao tema gerador e a problematizao da

    realidade.

    No estando evidentes essas formulaes a sociologia pode experimentar uma

    contradio. O que ir desenvolver-se com o passar dos anos se no for amadurecido esse

    debate? O que acontecer caso no se leve a srio os condicionantes democrticos, ou seja, o

    respeito pluralidade de ideias, a ampliao dos espaos de debates, sem condicionantes

    precedentes ou concluses determinadas pela ideologia? Se os postos de professores forem

    preenchidos, em especial, por aqueles que praticam uma "sociologia militante", que se destina

    apenas a estimular a partidarizao e ideologizao, ento os resultados podero ser

    problemticos.

    Por outro lado, se os postos de professores foram assumidos por sujeitos sem

    fundamentos ideolgicos-polticos no h disputa, identidade de classe, inspiraes geradoras

    de iniciativas para sanar problemas institucionais ou de outra ordem, e assim garantir a

    qualidade e o comprometimento com a educao. O engajamento impulsionador da luta pela

    ampliao dos direitos, da crena nas prprias foras e no prprio fazer educativo, do

    enfretamento de problemas e da transformao. A conduta poltica vai alm da adeso ou

    repulso a um governo ou partido poltico.

    Mas, para o agir poltico preciso ir alm das motivaes, preciso conhecer a

    realidade, caso contrrio caminha-se em direo a algo que no se compreende. Para entender

    a realidade preciso estabelecer o dilogo e a crtica entre teorias que possam ser teis para a

    anlise, com o uso de conceitos operacionais adequados quilo que se investiga. Para reforar,

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    traz-se os dizeres de Navarro (2008):

    (...) a necessidade de maiores esforos analticos, maior abertura terica e, sobretudo, um esforo denodado para o confronto fraterno de ideias. Sem esses requerimentos, continuaremos a caminhar lentamente como produtores de conhecimento sobre a vida social em nosso pas e a realidade, como tem ocorrido com frequncia, voar muito frente daqueles que, por dever de ofcio, deveriam ser os primeiros a serem capazes de interpret-la (p.48).

    E ainda,

    (...) a despartidarizao da sociologia, sem significar a sua despolitizao e, menos ainda, a sua neutralidade, outra urgncia para ela reerguer-se como cincia. preciso localizar a possibilidade de torn-la relativamente autnoma, mas igualmente capaz de responder sociedade e suas necessidades de anlise dos processos sociais, assim retornando ao seu papel de conscincia crtica dos arranjos societrios (p.02).

    Seja qual for o espao de atuao, a sociologia pode desenvolver uma viso crtica do

    mundo e, inserida no campo cientfico, ela faz uso de muitas teorias, da prtica da refutao e

    contestao, de questionar e ser questionada. Sobretudo, conforme Tomazi (2008), nada pode

    ser reduzido a uma nica viso e perspectiva. No h teoria sociolgica que consiga explicar

    toda a realidade social. Por isso, o conhecimento de muitas teorias e perspectivas

    fundamental para se formar um bom socilogo e professor de sociologia (TOMAZI, 2008,

    p.03).

    Consideraes Finais

    Buscou-se neste trabalho apresentar os principais espaos de formao de professores

    de sociologia do Oeste Catarinense. Foram apresentadas a estrutura e a proposta dos cursos de

    Licenciatura em Sociologia da UNOCHAPEC, Universidade Comunitria da Cidade, e do

    Curso de Licenciatura em Cincias Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul.

    Percebeu-se que ambos os cursos buscam diminuir as distncias existentes entre a formao

    de professores e a formao de pesquisadores com base em uma grade curricular mais ampla e

    de objetivos formativos mais integradores das atividades de pesquisa, ensino e extenso.

    Em um segundo momento do trabalho foi feita uma reflexo sobre os limites e

    desafios da formao de professores em Cincias Sociais. A reflexo apontou para

    necessidade de aprofundar as discusses a respeito de temas importantes que tocam a prtica

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    docente em sociologia, destacando-se aqui as ideias e conceitos de teoria, ideologia e poltica.

    Enfim, procurou-se contribuir com o debate a respeito da formao de professores em

    sociologia trazendo uma reflexo terica baseada nas informaes empricas.

    TEACHER TRAINING IN SOCIOLOGY FOR THE HIGH SCHOOL IN WEST OF SANTA CATARINA - BRAZIL

    Abstract The state of Santa Catarina since 1998 has the obligatory teaching of sociology in the high-schools. However, after more than 10 years, the consolidation of the discipline are some difficulties, such as acceptance of discipline in schools, lack of specific training of teachers, lack of school infrastructure - especially with regard to materials and bibliographic . Therefore, this study conducted an analysis of areas of teacher training in the region west of the state: 1) National teacher training (PARFOR), now under the responsibility of the Community College Region Chapec (Unochapec), 2) The new Bachelor's Degree in Sociology, University of Southern Frontier (UFFS). Apart from the difficulties of teacher training in sociology, the discipline faces a host of other challenges and obstacles to consolidate the school, as criticism of the discipline for his "character ideologizing," the imputation of a transforming role and critical discipline, the relationship between a teacher and being a researcher and the relationship between theory, policy and ideology. Keywords: Education. Sociology of Education. Teacher Training.

    Referncias

    HANDFAS, Anita. A formao do professor de sociologia. In. A sociologia vai escola: histria, ensino e docncia. Rio de Janeiro, Quartet, 2009.p.187-196. MINISTRIO DA EDUCAO. Disponvel em: . NAVARRO, Zander. Nunca cruzaremos este rio a estranha associao entre o poder do atraso, a histria lenta e a Sociologia militante, e o ocaso da reforma agrria no Brasil. In. Revista Redes, Vol. 13, No 2, EDUNISC, Santa Cruz, 2008. p.5-51. _______________. A cincia est deriva. In: Folha de So Paulo. Opinio. Tendncias/Debates. So Paulo, segunda-feira, 06 de julho de 2009. PAVEI, Katiuci. Reflexes sobre o Ensino e a Formao de Professores de Sociologia. Porto Alegre: UFRGS, 2008. ROCHA, Bruno L. A interdependncia estrutural das trs esferas: uma anlise libertria da organizao poltica para o processo de radicalizao democrtica. Tese de Doutorado. Programa de Ps-Graduao em Cincias Polticas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2009. SARANDY, Flvio M. S. In: http://www.espacoacademico.com.br/005/05sofia.htm. REVISTA ESPAO ACADMICA ANO I N5 OUTUBRO /2001 MENSAL. Reflexes acerca do sentido da sociologia no Ensino Mdio.

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    Florianpolis, v. 13, n. 01, p. 06 22, jan. / jun. 2012

    Pg. 22

    __________________. Reflexes acerca do sentido da Sociologia no Ensino Mdio. In: Sociologia e Ensino em Debate. Experincias e Discusso de Sociologia no Ensino Mdio. Lejeune Mato Grosso de Carvalho (org.). Iju: Ed. Uniju, 2004, p.113-130. SED/SC. Proposta Curricular de Santa Catarina: Verso Preliminar. Secretaria da Educao de Santa Catarina, Florianpolis, 1997. SILVA, Ileizi. Das fronteiras entre cincia e educao escolar: as configuraes do ensino das Cincias Sociais/Sociologia no estado do Paran (1970/2002). Tese de Doutorado. So Paulo, USP, 2006. TOMAZI, Nelson Dacio. Entrevista com Nelson Dcio Tomazi. In: Revista Eletrnica Inter-Legere. Nmero 03 (Jul/Dez 2008). Disponvel em: . Acesso em: 22 abr. 2012. UFFS. Projeto Pedaggico do Curso de Licenciatura em Cincias Sociais. Chapec, 2011. UNIVERSIDADE COMUNITRIA DA REGIO DE CHAPEC Disponvel em: .

    Recebido em: maro de 2012 Aprovado em: abril de 2012