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3843 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DESMEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: EM FOCO A PRODUÇÃO TEXTUAL DE CRIANÇAS ROTULADAS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM POR PROFESSORES ALFABETIZADORES Claudia Regina Mosca GIROTO; Lara Tainah Santos FELISBERTO UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC)/Campus de Marília/SP e Faculdade de Ciências e Letras (FCLAr)/Campus de Araraquara/SP. EIXO 3 - Formação do professor alfabetizador. [email protected] Introdução Com base nos resultados decorrentes de pesquisas anteriormente realizadas acerca da despatologização da aprendizagem da escrita no contexto educacional inclusivo; do fato de que o professor habitualmente apresenta expectativas de que as dificuldades de aprendizagem deverão ser solucionadas por profissionais da saúde (MOYSÉS, 2001; BERBERIAN, 2003); dos pressupostos de que o professor se encontra submetido à ideia de que tem dificuldade para lidar com as dificuldades de aprendizagem de seus alunos (GIROTO, 2006; GIROTO; CASTRO, 2011); a discussão acerca das dificuldades de aprendizagem, no que tange à compreensão de professores alfabetizadores sobre essa temática e as implicações de tal compreensão para sua prática pedagógica assume relevância. Entretanto, é fato que, independentemente da presença de comprometimentos orgânicos, qualquer aluno pode manifestar dificuldades com um ou mais conteúdos ao longo de seu processo de escolarização que, necessariamente, não caracterizam sintomas de patologias. Frente a essa situação, todo aluno precisa ter suas demandas educacionais consideradas, sendo que o erro faz parte do processo de apropriação da escrita (ABAURRE, 2001; ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON, 2001; RUBINO, 2010). O professor deve compreender a sua atuação com a escrita de modo mais cuidadoso, sem estigmatizar seu aluno em processo de apropriação da escrita com a atribuição de rótulos negativos ou mesmo ressaltando apenas causas individuais e orgânicas, em detrimento da multiplicidade de fatores envolvidos na apropriação dessa modalidade de linguagem. Pois corre o risco de corroborar para a transformação de questões sociais em questões individuais e biológicas, o que resulta na biologização da educação e no fracasso escolar, caracterizando a medicalização da educação (MOYSÉS, 2001) e, com isso, submeter o aluno a um processo de institucionalização invisível,

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DESMEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: EM FOCO APRODUÇÃO TEXTUAL DE CRIANÇAS ROTULADAS COM DIFICULDADES DE

APRENDIZAGEM POR PROFESSORES ALFABETIZADORES

Claudia Regina Mosca GIROTO; Lara Tainah Santos FELISBERTOUNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC)/Campus de Marília/SP e Faculdade de

Ciências e Letras (FCLAr)/Campus de Araraquara/SP.

EIXO 3 - Formação do professor [email protected]

Introdução

Com base nos resultados decorrentes de pesquisas anteriormente realizadas

acerca da despatologização da aprendizagem da escrita no contexto educacional inclusivo;

do fato de que o professor habitualmente apresenta expectativas de que as dificuldades de

aprendizagem deverão ser solucionadas por profissionais da saúde (MOYSÉS, 2001;

BERBERIAN, 2003); dos pressupostos de que o professor se encontra submetido à ideia de

que tem dificuldade para lidar com as dificuldades de aprendizagem de seus alunos

(GIROTO, 2006; GIROTO; CASTRO, 2011); a discussão acerca das dificuldades de

aprendizagem, no que tange à compreensão de professores alfabetizadores sobre essa

temática e as implicações de tal compreensão para sua prática pedagógica assume

relevância. Entretanto, é fato que, independentemente da presença de comprometimentos

orgânicos, qualquer aluno pode manifestar dificuldades com um ou mais conteúdos ao longo

de seu processo de escolarização que, necessariamente, não caracterizam sintomas de

patologias. Frente a essa situação, todo aluno precisa ter suas demandas educacionais

consideradas, sendo que o erro faz parte do processo de apropriação da escrita (ABAURRE,

2001; ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON, 2001; RUBINO, 2010).

O professor deve compreender a sua atuação com a escrita de modo mais

cuidadoso, sem estigmatizar seu aluno em processo de apropriação da escrita com a

atribuição de rótulos negativos ou mesmo ressaltando apenas causas individuais e

orgânicas, em detrimento da multiplicidade de fatores envolvidos na apropriação dessa

modalidade de linguagem. Pois corre o risco de corroborar para a transformação de

questões sociais em questões individuais e biológicas, o que resulta na biologização da

educação e no fracasso escolar, caracterizando a medicalização da educação (MOYSÉS,

2001) e, com isso, submeter o aluno a um processo de institucionalização invisível,

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caracterizado por Moysés (2001) como um processo em que a criança, embora presente na

sala de aula, não participa do processo de aprendizagem.

Sob a perspectiva da medicalização da educação "[...] ocorre o deslocamento,

na escola, da atenção coletiva direcionada ao processo da apropriação da linguagem escrita,

para o foco nos aspectos individuais e, consequentemente, no aluno, que passa a ser

considerado como principal responsável pelo não aprender (GIROTO; CASTRO, 2011, p.

443)

Sob a lógica dessa estigmatização decorre a idéia de que o sistema educacional

não se encontra preparado para solucionar as dificuldades de aprendizagem que passam,

então, a constituir a demanda clínica encaminhada para profissionais da saúde, reduzindo as

causas de tais dificuldades a aspectos individuais e orgânicos e desconsiderando a

multiplicidade de fatores que as ocasionam, conforme mencionado (GIROTO; BERBERIAN;

SANTANA, 2014). Entretanto, mesmo que a formação do professor, de forma geral,

necessite de maiores investimentos, não pode ser utilizada como única justificativa para o

deslocamento de questões educacionais para o contexto clínico.

A escola oculta sua função e seu papel de transformadora e humanizadora.

Dessa maneira, acaba “[...] falhando na sua tarefa pedagógica, a escola passa a apontar

cada vez mais uma série de “patologias” nas crianças” (SMOLKA, 2001, p.17), transferindo

assim, a sua responsabilidade pelo fracasso escolar, procurando diagnósticos e patologias e

como solução, medicalizando as questões pedagógicas e sociais. A alfabetização tem

implicações sociais, políticas e econômicas. É um “[...] instrumento e veículo de uma política

educacional que ultrapassa amplamente o âmbito meramente escolar e acadêmico”

(SMOLKA, 2001 p.16).

Durante a alfabetização, nota-se uma preocupação da criança com seu

desempenho escolar e vícios de escrita caracterizados pelos métodos a que foram

submetidas, que refletem, claramente, nas informações e modos de escrita que as crianças

revelam como inadequados e/ou ambíguos. Entretanto, é preciso promover e permitir à

criança sua interpretação, reveladora das relações com seu contexto social e sua maneira de

se apropriar da escrita (GIROTO; BERBERIAN; SANTANA, 2014).

O professor assume um papel de colaborador na aprendizagem do aluno,

auxiliando quando for preciso em suas tentativas individuais, mostrando-lhe o sentido e

ordem das letras e a convencionalidade que é preciso para escrever.

Na interlocução, em momentos de diversas situações que contenham o diálogo e

que apresentam à criança momentos significativos e providos de sentido, o professor

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interpreta e reconhece as hipóteses infantis, trabalhando, concomitantemente, os modos de

escrita convencionais. “[...] Nessa relação, o conhecimento se constrói” (SMOLKA, 2001,

p.43). Neste sentido, o papel central do professor é planejar sua atuação com base numa

avaliação consistente das condições em que o aluno se encontra, no que se refere à

apropriação da escrita, e não somente se ater aos resultados.

Com base nessas ideias, a presente pesquisa objetivou investigar práticas

patologizadoras adotadas por professores de segundos e terceiros anos do Ciclo I, de uma

escola pública do ensino fundamental, a partir da análise de produções escritas de alunos

que frequentam essas classes e são considerados por seus respectivos professores como

alunos com dificuldades de aprendizagem

Percurso Metodológico

Após ter sido realizado contato com a Secretaria Municipal de Educação (SME), para

obtenção de autorização para a realização da pesquisa, foi possível o acesso a uma lista

com os nomes das escolas municipais de educação, com vistas à seleção de uma escola e

respectivos professores para a realização de tal pesquisa. Para tal, foi considerado como

critério a indicação, por parte da SME, da escola que continha em seu quadro de matrículas,

o maior número de crianças consideradas, por seus professores, como sendo aquelas que

apresentavam dificuldades de aprendizagem nas séries iniciais do Ciclo I do Ensino

Fundamental, conforme apontamentos obtidos por tal secretaria.

Uma vez realizada a seleção da escola em questão, foi efetuado o contato com a

direção, para apresentação do objetivo da pesquisa, e com os professores das classes de 2º

anos, que concordaram com a participação voluntária na pesquisa, por meio de assinatura

do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após a obtenção do aceite voluntário, a

pesquisa tramitou no Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências/UNESP/Campus

de Marília, tendo sido autorizada sob o Processo nº 0371/2011.

Para a coleta de dados foram considerados os textos produzidos pelos alunos

matriculados nas classes de 2º ano identificados, por seus professores, como sendo

aqueles que apresentavam dificuldades de aprendizagem. Dessa forma, de um total de 02

classes de 2º ano, os dois professores responsáveis por essas salas selecionaram 30 textos,

sendo 20 textos produzidos por alunos de uma das salas e 10 elaborados pelos alunos da

outra sala. Cabe ressaltar que foram considerados para a coleta e análise dos dados um

texto por aluno.

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Com vistas à exemplificação da análise descritiva realizada foram aqui considerados

dois textos (Textos 1 e 2), selecionados como os materiais que mais apresentaram

ocorrências consideradas por esses dois professores como sintomas de dificuldades de

aprendizagem com conotação patológica. A análise proposta, subsidiada pela abordagem

qualitativa, priorizou critérios linguísticos e a natureza descritiva dos dados observados, a

partir da apresentação dos textos obtidos e uma breve análise dos mesmos.

Resultados e discussão

A seguir são apresentados os textos considerados na análise, com vistas a explicitar

a natureza linguística das ocorrências presentes nesses textos e compreendidas pelos

professores que os selecionaram como sintomas patológicos de quadros de dificuldades de

aprendizagem.

Texto 1

Esta produção textual foi realizada em uma sala de 2º ano, em que o enunciado

solicitava para que o autor continuasse a narrativa em que a “cigarra” deve apresentar uma

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solução para não morrer de fome. Cabe ressaltar que as expressões destacadas na análise

descritiva referem-se às que os professores consideraram erros com conotação patológica.

No decorrer do texto o autor posiciona-se fortemente como escritor, todavia a

intensidade diminui quanto à posição de leitor. Apoia-se bastante na linguagem oral inibindo

a clareza e a característica da linguagem escrita. Porém, é notório que algumas vezes o

autor volta ao texto preocupando-se com a grafia e revisando o que escreveu, ao inserir

aspectos coesivos. É possível observar as letras apertadas entre as outras na composição

dos vocábulos; assim como as marcas de apagamento na escrita e refacção e o uso de

elementos coesivos como “depois” e “e”.

São inúmeros os exemplos de hipossegmentação, possivelmente por se apoiar

excessivamente na oralidade. Logo no título, as expressões “arapoza” (a raposa) e “asigara”

(a cigarra) são escritas com hipossegmentação, tais como: “arapozafau” (a raposa falou) e

“vivianasuatoca” (vivia na sua toca). Há situações nas quais se observa tambem a

hipersegmentação, que pode ter ocorrido em razão de reconhecimento de expressões que já

observou grafadas separadamente como “na” e “ de”. Assim como há a possibilidade de ter

se apoiado em situações de fala segmentada do professor (silabada), a exemplo de: “pe dir

quo mi da” (pedir comida). Tambem foram observadas ocorrências comumente interpretadas

como erros ortográficos, os quais incluem a grafia de “s”, porém com finalidades diferentes.

No caso da expressão “arapoza” o “s” é substituído pelo “z”; já em “asigara” o “s” substituiu

o “c”. Nessa expressão o autor omite a letra “r”, como se um só fosse o suficiente em

transmitir o som de “rr” no meio da palavra. Essas ocorrências que divergem da norma culta,

interpretadas pelos professores com conotação patológica, tambem podem ser justificadas

possivelmente por ainda não ter apreendido os contextos de uso nas situações em que

diferentes letras representam um mesmo som.

O autor tem familiaridade com o traço de nasalidade, mas ainda oscila na seleção dos

grafemas que a representa, nos diferentes contextos de uso, a exemplo do uso do "m" antes

de “p” e “b” e a utilização de "n" antes das demais consoantes. Exemplo dessa oscilação

pode ser verificado na grafia da expressão “çan cem do” (dançando), bem como na

supressão do traço de nasalidade, no vocábulo “tabalado” (trabalhando). Há também a

ausência de sílaba complexa, pois quando escreve “trabalhando” escreve sem o “tr” e “lh”, o

que pode indicar a instabilidade na apropriação dos conceitos de posição e quantidade de

elementos na sílaba.

Talvez na tentativa de representar o som da palavra que ouviu, durante a leitura em

conjunto realizada pela professora, mas ainda demonstrando a instabilidade quanto à

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compreensão acerca dos diferentes contextos de uso, a expressão “cigarra” encontra-se

grafada corretamente na primeira parte do enunciado do texto e de outras maneiras no

decorrer do material. Cabe ressaltar que não significa que esta criança não se preocupa em

escrever bem, ou que apresente algum problema de natureza biológica. Massi (2007, p.145)

pontua que

A avaliação da escrita, pautada em modelos preestabelecidos, nãonos leva a compreender os fatores que determinam os “erros” comohipóteses, muitas vezes episódicas e indiossincráticas, as quaisconduzem o aprendiz a uma opção de escrita e não outra. Ignorandoas relações particulares e únicas que cada sujeito estabelece com aescrita, em seus aspectos gráficos e textuais, procedimentosavaliativos acabam por apontar inadvertidamente para falsos rótulos.

Seria precipitado, neste momento da apropriação dessa modalidade de linguagem,

encarregar outros profissionais que não seja o próprio professor para resolver as

peculiaridades processuais da escrita. São erros próprios, previstos, inerentes ao processo

de apropriação da escrita, os quais precisam ser compreendidos e esclarecidos aos alunos,

num processo de mediação e colaboração, pelos seus respectivos professores

Texto 2

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O T2 segue a mesma proposta do primeiro. É possível identificar que o autor ainda

apresenta instabilidades no que se refere à representação gráfica de situações de ocorrência

das denominadas sílabas complexas, ou seja, que não se restringem ao modelo canônico de

sílaba: consoante e vogal, mas que exigem a compreensão de noções, por exemplo, acerca

de quantidade e de posição de elementos na sílaba, conforme pode ser observado na grafia

da expressão “tigele” (tigre). Possivelmente, nessa situação específica, reconheça a

presença de um elemento estranho ao modelo canônico de sílaba, revelando a noção de

quantidade de elementos nesse contexto, mas demonstra estranhamento acerca do

posicionamento desses elementos, bem como faz opção por representar o "r" pelo "l", que,

de certa forma, pode ser compreendida como uma substituição previsível, considerando a

frequência de ocorrência na língua de vocábulos compostos por sílabas complexas que

empregam esses dois grafemas. Semelhantemente, essa instabilidade tambem é observada

no que se refere à compreensão acerca da representação das pausas na escrita. Esses

"espaços em branco", não preenchidos por letras, ainda parecem provocar dúvidas para

esse autor, a exemplo da representação das expressões “apqonapsoa” (vá procurar outra

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pessoa), assim como “agninhacomidabvorduovnão” (a joaninha não deu comida e disse vá

procurar outra pessoa). Esse tipo de escrita é forte característica do apoio na oralidade que o

autor ainda utiliza em seu texto.

É possível identificar que o autor baseia-se na letra que para ele recebe maior

destaque dentro de uma sílaba, seja ela vogal ou consoante, como quando escreve

“flomidumpoqumida” (falou me dá um pouco de comida). Percebe-se que em “flo” (falou) a

letra “f” basta para representar a sílaba “fa”, assim como o “d” para a palavra “dá”. Há uma

troca do “c” pelo “q” em várias palavras “maqmo” (macaco) e em “qumida” (comida), simples

confusão do som que ambas apresentam. Os traços de nasalidade são reconhecidos e

registrados muito bem como o “nh” e a escrita da palavra “Não”, presentes na

hipossegmentação “agninhacomidabvorduovnão”. Há falta de coesão na continuação, o

autor não se preocupa com o leitor; escreve de maneira objetiva. Os erros comentados

acima corroboram, mais uma vez, as características de que o autor ainda se apoia

fortemente na oralidade.

Portanto, não é de natureza lógica, subsidiada pelas ideias apresentadas, classificar a

dificuldade de aprendizagem como falta de comprometimento do próprio aluno durante tal

processo.

[...] uma análise equivocada do processo de apropriação do objeto

escrito [...] acabam por autorizar que a noção do “erro”, tomado

equivocadamente como manifestação patológica, continue circulando

nos espaços escolares na medida em que a homogenização e a

normalização desse processo permanecem intocáveis. (MASSI, 2007,

p. 146).

Tais práticas denunciam a falta de instrumentalização para lidar com as dificuldades

referentes ao processo de apropriação da escrita e a precarização na formação docente de

professores que se ocupam da alfabetização nas séries iniciais, que demonstram não

conhecer adequadamente a língua materna. Em geral, tal desconhecimento e formação

precarizada tende a ser minimizada, na medida em que ocorre a culpabilização das

características individuais de cada aluno, ao se ignorar a multiplicidade de fatores implicados

na constituição do sujeito/autor em práticas sociais mediadas pela linguagem escrita.

Considerações finais

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Em sua função social, a escrita cria possibilidades de interação e ampliação de

conhecimento. Através das relações instauradas em ala de aula, o conhecimento é

construído e vivenciado por todos, sendo construído de maneira idiossincrática, ainda que as

situações dialógicas se deem coletivamente. Infelizmente, em muitas situações, os

professores têm compreendido a escrita como representação da oralidade, sendo a função

e uso social dessa modalidade de linguagem reduzidos a instrumento e ao código,

propriamente dito. Assim como as posições evidenciadas pelos professores, implícitas nos

textos selecionados e produzidos por alunos por elas identificados como sendo aqueles que

têm dificuldades de aprendizagem, com conotação patológica, corroboram para a

continuidade de um processo de medicalização da educação, na medida que se busca

recorrer a profissionais da saúde para a solução de aspectos educacionais, da competência

da escola e do professor. Aspectos com os quais os profissionais da saúde, em geral, não

têm formação para lidar apropriadamente, perpetuando o deslocamento de questões

educacionais para o âmbito clínico.

Frente aos aspectos destacados e, embora a formação precarizada não justifique,

por si só, tais aspectos, são necessários investimentos na formação inicial e continuada de

professores, tanto no que se refere à instrumentalização para o processo de alfabetização,

quanto no que diz respeito à compreensão da multiplicidade de fatores envolvidos na

apropriação da escrita.

Conclui-se, portanto, que se faz necessário maior investimento na formação inicial e

continuada de professores, a respeito da linguagem escrita e da necessidade de

instrumentalização de natureza linguística apropriada para lidar com dificuldades

características do processo de apropriação da escrita, com vistas a evitar a medicalização de

aspectos desse processo que representam idiossincrasias da relação que os alunos

estabelecem com essa modalidade de linguagem.

Referências

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MOYSÉS, M. A. A. A institucionalização Invisível: crianças que não-aprendem na escola.Campinas, São Paulo: Mercado de letras, 2001.