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Pegada vol. 8 n. 2 Dezembro 2007 55
AFINAL, O QUE TERCEIRIZAO? EM BUSCA DE FERRAMENTAS
DE ANLISE E DE AO POLTICA
Paula Marcelino1
Resumo: O texto que segue uma reflexo sobre a definio de terceirizao a partir do debate e das leituras realizadas em trs reas do conhecimento: Direito, Administrao e as chamadas Cincias Sociais. A definio que propomos tambm tem como pano de fundo a observao da realidade da terceirizao feita por diversos estudiosos e sindicalistas no servio pblico e nas empresas estatais e privadas. A partir desses elementos, podemos dizer que terceirizao todo processo de contratao de trabalhadores por empresa interposta. Esse artigo parte de um trabalho de doutorado ainda em andamento. Palavra chave: terceirizao, trabalho, contratao.
1 Doutoranda em Cincias Sociais pelo IFCH-Unicamp. Professora do Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa (IPEP) Campinas (SP). Email: [email protected]
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SO, WHATS OUTSOURCING OF SERVICES? LOOKING FOR ANALYTICAL
AND POLITICAL TOOLS
Abstract: The text that follows is a reflection on the definition of outsourcing from the discussion and readings accomplished in three areas of knowledge: law, administration and the social sciences. The definition that we also propose, has the background observation of the reality of outsourcing done by different scholars and trade unionists in public service and state and private companies. From these elements, we can say that outsourcing is all process of contracting workers by a third party company. This article is part of a doctorate thesis that still in progress. Key words: terceirizao, work, act of contract.
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a terceirizao [...] nos ltimos vinte anos da histria do pas, ela se tornou o mais importante recurso estratgico das empresas
para gesto (e reduo) dos custos com a fora de trabalho.
Introduo:
H duas tendncias visveis na
bibliografia sobre terceirizao no que diz
respeito definio do que ela venha a ser:
a reduo ou a ampliao do alcance do
conceito. Na Frana, por exemplo, d-se o
nome de terceirizao (sous-traitance) a um
processo bem especfico: chamada
terceirizao apenas a
situao em que h
uma empresa
subcontratada
trabalhando dentro da
empresa principal; se
o trabalho for
realizado fora, passa-se a chamar o
processo de externalizao (externalizacion).
(Essa distino no feita no Brasil,
normalmente, para distinguir dois
processos diferentes, mas apenas para
marcar duas formas distintas de
terceirizao.). Naquele pas, tem-se uma
tipologia muito clara de todas as formas de
trabalho consideradas precrias, o que
permite uma delimitao bem precisa e
especfica do que venha a ser a
terceirizao.
Embora haja diferenas importantes
nas definies dos diversos autores de
todas as reas, no Brasil, de maneira geral, a
palavra terceirizao tem um significado
mais abrangente que o dado pelos
franceses. Na nossa compreenso, essa
diferena se d por um motivo
fundamental: a terceirizao nos parece ter
no Brasil um outro lugar na estrutura do
mercado de trabalho,
pois, nos ltimos vinte
anos da histria do pas,
ela se tornou o mais
importante recurso
estratgico das empresas
para gesto (e reduo)
dos custos com a fora de trabalho.
Assim, para sermos rigorosos com a
amplitude da utilizao da terceirizao e
por reconhecer a importncia poltica que
ela tem na organizao dos trabalhadores,
optamos por uma definio abrangente:
terceirizao todo processo de
contratao de trabalhadores por empresa
interposta. Ou seja, a relao onde o
trabalho realizado para uma empresa, mas
contratado de maneira imediata por outra.
esta definio ampla que defenderemos
ao longo deste item.
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Nesta definio de terceirizao que
propomos h uma clara opo por
privilegiar a relao empregatcia
estabelecida por essa forma de gesto da
fora de trabalho. O fato da terceirizao se
dar atravs de uma empresa privada ou uma
empresa estatal ou de uma fundao
pblica de direito privado, no altera o
cerne da definio. Isto porque, se no h
um retorno imediato em lucros, como
parece ser o caso de fundaes pblicas, h
uma economia geral de gastos com fora de
trabalho pelo Estado2. Nossa opo por
privilegiar as relaes empregatcias na
definio do que terceirizao se d
tambm por que procuramos analis-la do
ponto de vista do trabalho, mas,
principalmente, porque na natureza dos
contratos firmados entre as
empresas/fundaes e os trabalhadores que
encontramos o que h de mais estvel
dessas relaes. Todo o resto fluido: a
definio de atividade-fim e atividade-meio,
a real capacidade tcnica das empresas
subcontratadas, a noo de parceria, a idia
2 Quando o Sistema nico de Sade deixa de colocar servidores concursados dentro dos hospitais universitrios, por exemplo, e o faz atravs da contratao de trabalhadores via fundaes, o que est em jogo uma economia com os custos da fora de trabalho atravs de um processo de subcontratao.
de que a terceirizao garante qualidade. E
quando falamos de relao empregatcia
no estamos nos referindo ao tipo de
contrato que o trabalhador estabelece
(temporrio ou por tempo indeterminado)
nem s condies de remunerao e
proteo desse trabalho (presena de mais
ou menos direitos trabalhistas, maior ou
menor salrio). Referimo-nos sim, ao fato
de que, entre o trabalhador e a atividade
que ele desenvolve para benefcio da
produo ou do servio de uma empresa,
h outra empresa, cujos recursos provm da
primeira (mesmo que, como h vrios
casos, a terceira seja contratada por mais de
uma tomadora) e cujos lucros so auferidos
a partir da intermediao de fora de
trabalho. Nessa relao importa pouco,
portanto, se a empresa terceirizada tem ou
no maior capacidade tcnica que a
contratante.
De maneira geral, as definies de
terceirizao oferecidas pelas reas de
direito e administrao de empresas
privilegiam o aspecto da organizao do
trabalho com nfase na natureza das
atividades terceirizadas. Com exceo de
alguns autores da rea do direito (Carelli,
2002 e 2003, por exemplo), usa-se como
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uma boa parte das empresas de terceirizao do pas surgiram
fundadas por antigos trabalhadores das empresas
principais, em processos individuais ou coletivos
suporte fundamental da definio de
terceirizao os conceitos ambguos de
atividade-fim e atividade-meio, ou seja, no
tipo de atividade que repassada. Quando
esse no o aspecto central da definio,
faz-se aluso s relaes interempresariais
recorrendo-se noo de parceria e
opo por uma empresa que detenha maior
capacidade tcnica para executar
determinada atividade. Nesta ltima
referncia ainda h o
agravante da falta de
historicidade do
processo no Brasil:
uma boa parte das
empresas de
terceirizao do pas
surgiram fundadas por antigos
trabalhadores das empresas principais, em
processos individuais ou coletivo (as
cooperativas, por exemplo). Outras tantas
surgem meteoricamente por ocasies de
editais pblicos e desaparecem na mesma
velocidade (vide o caso das gatas nas
refinarias brasileiras). Em outras palavras,
uma definio de terceirizao no pode
basear-se na especializao da terceira.
Certamente isso no o fator determinante
para se subcontratar trabalhadores no
Brasil.
Num outro flanco de anlise,
tambm nos parece impossvel concordar
com Martins (2005: 25) que a terceirizao
se caracterizaria apenas quando h uma
relao duradoura entre duas empresas, de
contanto constante entre o funcionrio da
subcontratada e a contratante. Para esse
autor, a terceirizao
no se confunde com a
subcontratao; o que as
diferiria seria o fato de
que na terceirizao o
contrato seria
permanente e no
ocasional, em picos de
aumento de demanda ou de produo. O
contrato duradouro entre uma contratante e
uma subcontratada , na nossa
compreenso, apenas um dos tipos de
terceirizao possvel. Talvez ele seja
menos precrio do ponto de vista do
trabalhador, pois tem mais chances de
propiciar vnculos trabalhistas mais slidos
(com os direitos que um contrato por
tempo indeterminado garante) e de maior
organizao no local de trabalho. Mas,
definir terceirizao pela longevidade da
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relao entre duas empresas seria ignorar
uma gama imensa de relaes
interempresariais no contexto brasileiro;
inclusive as numerosas subcontrataes
realizadas pelas refinarias brasileiras para
sua ampliao e manuteno.
De acordo com a definio que
propomos, subcontratao e terceirizao
so sinnimos. O que interessa reter aqui
o que vrios autores (Morin, 2004; Carelli,
2002 e 2003, entre outros) apontaram como
externalizao da contratao de
trabalhadores. Toda vez que uma empresa
resolve subcontratar, o que ela faz
transferir para outra os riscos e parte dos
custos com a contratao da fora de
trabalho (os trabalhadores, os terceiros).
Isso porque o contrato deixa de ser
trabalhista (empresa x trabalhador) e passa
a ser comercial ou civil (empresa x
empresa). Tal acontece se a empresa
subcontratada ou no especialista na
funo, se o contrato dela com seus
trabalhadores ou no por tempo
indeterminado, se a relao entre
contratante e subcontratada ou no
duradoura.
A opo pelo uso da palavra
terceirizao, ao invs de subcontratao,
se d por vrios motivos: a) esse o termo
consagrado no Brasil; b) sobre ele que se
constri as aes pblicas e se organiza
trabalhadores e empresrios em suas
entidades classistas; c) toda a bibliografia
sobre o tema est assentada nesse termo; d)
ltimo e mais importante, ele expressa com
exatido a nfase que demos em nossa
definio: a condio de terceiro do
trabalhador no contratado entre duas
empresas.3
Diante da definio de terceirizao
a que chegamos, no h como deixar de
considerar o trabalho temporrio, tal como
regulamentado pela Lei no. 6.019 de 3-1-
1974, como uma forma de terceirizao.
Trabalho temporrio4, numa parte
expressiva dos casos, contratao de
trabalhadores por empresa interposta. Nele
o vnculo do trabalhador com uma
empresa e quem paga seu salrio
indiretamente outra, mesmo que o
contrato de trabalho seja diferente dos
3 As empresas subcontratadas tambm so chamadas, normalmente, no Brasil de terceiras. Aqui, pode-se entender que ela terceira relao entre a empresa contratante e seus prprios trabalhadores. 4 Em 1973 um nmero estimado de 50 mil trabalhadores estava sob regime de locao de fora de trabalho. Ou seja, quando surge a primeira norma sobre o tema (em 3/1/1974), o trabalho temporrio j era largamente utilizado (Martins, 2005).
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chamados terceirizados estveis. Nas
palavras de Belkacem (2000: 140):
A forma do elo contratual uma relao triangular, onde intervm trs atores: um trabalhador, uma empresa de trabalho temporrio e uma empresa utilizadora. O trabalhador (aqui temporrio) aluga a sua fora de trabalho para uma empresa de trabalho temporrio, que, por sua vez, aluga a fora de trabalho do trabalhador para uma empresa terceira.
Ou seja, no trabalho temporrio, a
nfase da terceirizao no que Carelli
(2002 e 2003) define como intermediao
de fora de trabalho5, mais que em outras
formas de terceirizao. Se do ponto de
vista legal o estatuto desse tipo de contrato
de trabalho diferente do que se reconhece
como terceirizao pois contrato com
tempo determinado e que pode ser
utilizado, a princpio, somente em situaes
bastante especficas , do ponto de vista
prtico, as relaes que se estabelecem
entre as duas empresas e o trabalhador
contratado so da mesma natureza que 5 Para esse autor, h terceirizao lcita e terceirizao ilcita; somente nessa ltima caberia ao do Direito o Trabalho. A ilcita seria aquela onde o principal elemento a intermediao da fora de trabalho, sem que a empresa terceirizada tenha know-how especfico, pessoal permanente, material de trabalho prprio, entre outros fatores. De fato, na nossa compreenso, no h como separar terceirizao de intermediao de fora de trabalho no Brasil. Estudos de Pochmann (2007) apontam que um trabalhador terceirizado ganha, em mdia, a metade que um no-terceirizado.
aquelas dos trabalhadores interpostos entre
cooperativas, subcontratadas fixas ou no e
contratantes. A importncia da
subcontratao atravs do contrato de
trabalho temporrio pode ser observada
por meio do nmero elevado de empresas
desse tipo: cinco mil em todo o Brasil no
incio dos anos 2000.
A gama do que pode ser chamado de
terceirizao ampla e variada. Sem querer
esgotar todas as relaes possveis entre
duas empresas e trabalhadores
subcontratados, cremos que uma lista do
que e do que no terceirizao pode
clarear a definio dada, pode exemplific-
la e explic-la. O primeiro passo
compreender o que significam os termos
acompanhados do sufixo em ingls
sourcing. Normalmente esses termos so
usados por consultorias empresariais e pela
literatura da rea de administrao para
classificar e hierarquizar as formas de
terceirizao.
comum encontrar-se nos textos
brasileiros a palavra terceirizao como
sinnimo do termo em ingls outsourcing.
Entretanto, segundo Oliveira (1994: 28), a
palavra significa a prestao de servios por
terceiros a alguma entidade cuja atividade
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principal no aquela. Ou seja,
terceirizao de atividades centrais, tal
como acontece em vrias empresas
brasileiras, no poderiam ser chamadas de
outsourcing. H variaes das palavras,
neologismos retirando-se o out, para
qualificar outros processos: dumbsourcing:
terceirizao de servios que no so
finalidade da empresa: limpeza, vigilncia,
etc.; multisourcing: o departamento da
empresa terceirizado aos pedaos, para
vrias subcontratadas; co-sourcing: uma
forma de parceria na qual a terceirizao
abrange no apenas a prestao de servios
especficos, mas vai desde a definio de
projetos, consultoria e desenvolvimento de
sistemas, at a definio de estratgias para
o uso da tecnologia da informao;
smartsourcing: terceirizao praticada atravs
da formao de alianas, visando a atuao
no mercado com os melhores produtos,
aplicada em atividades importantes de
negcio; global sourcing: o mais importante
deles, fornecimento global, diretamente
relacionado com a internacionalizao dos
mercados. O global sourcing foi bastante
facilitado pela diminuio dos custos de
importao nos governos neoliberais (de
Collor Lula). O mercado fornecedor da
empresa passa a ser, virtualmente, todas as
empresas do mundo. Ocorre a
especializao dentro de uma mesma
empresa: uma se torna fornecedora das
outra.
Seguindo nossa definio, as
principais formas de terceirizao hoje, no
Brasil, so:
a) Cooperativas de trabalhadores que
prestam servio para uma empresa
contratante. Normalmente so ex-
trabalhadores demitidos e incentivados a
montar uma cooperativa. A cooperativa
contratada pela empresa principal, os seus
trabalhadores passam a receber por
produo.
b) Empresas externas que pertencem a
uma rede de fornecedores para uma
empresa principal (exemplo: fornecedores
de autopeas para as montadoras).
Possivelmente a forma de subcontratao
mais organizada, menos precria e que
sofre menos presses contrrias sua
existncia. constituda por empresas de
tamanho variado, no caso das maiores, com
participao de capitais multinacionais.
Essa uma forma de terceirizao mais
difcil de ser caracterizada como tal;
principalmente pela importncia que as
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empresas de autopeas tm no mercado de
trabalho brasileiro. Mas trata-se, numa
cadeia ampla de trabalho subcontratado
convergindo para o produto final de uma
ou mais empresas principais. No caso do
setor automotivo, principal nicho desse
tipo de terceirizao, houve um processo
posterior de transferncia e/ou
externalizao de setores da produo; mas,
em larga medida, ele j nasceu estruturado
em redes de subcontratao. Aqui a
terceirizao em cascata freqente.
c) Empresas externas(s)
contratante(s), subcontratadas para tarefas
especficas, tais como as centrais de
atendimento.
d) Empresas de prestao de servios
internos contratante: limpeza,
manuteno, montagem, jardinagem,
segurana, logstica, recursos humanos, etc.
Essa a forma, digamos, clssica de
terceirizao; sobre a qual no pairam
dvidas da natureza das relaes
estabelecidas. So empresas contratadas de
maneira exclusiva ou no, permanente ou
no para desenvolvimento de atividades
dentro da contratante. Esse tipo de
terceirizao acontece no setor produtivo e
no de servios e pode estar presente tanto
nas atividades consideradas secundrias
quanto nas principais. Tambm bem
comum na iniciativa privada e nos servios
pblicos.
e) As chamas Personalidades Jurdicas
(PJs): so empreendimentos sem
empregados, que passaram a realizar
atividades que eram desenvolvidas por
trabalhadores assalariados formais. Trata-se
de uma forma de terceirizao que tem
ganhado importncia no cenrio brasileiro.
Embora seja constituda por um
trabalhador apenas, h uma empresa
interposta (a dele), o que faz diminuir
sensivelmente os custos com a fora de
trabalho (a sua prpria) e a carga tributria
que recai sobre as contratantes.6
f) Quarteirizao ou quartizao ou
terceirizao delegada ou terceirizao em
cascata. Muitos autores dizem que h um 6 Mudar as formas de contratao altera significativamente os custos com a fora de trabalho no Brasil. Como aponta Pochmann, contratar um autnomo ou uma cooperativa bem mais barato que gerar um emprego interno. Na comparao com o emprego assalariado formal (pblico ou privado), o peso da cunha fiscal o contrato PJ (empresa) chega a ser 56,5% inferior e o do autnomo de 11,7% inferior. No foi por outro motivo que a exploso da abertura de novos negcios no Brasil se deu, em grande parte, devido ao surgimento das empresas sem a presena de empregados, modificando significativamente a natureza e composio dos custos de contratao dos trabalhadores. (Pochmann, 2007: 15).
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processo de quarteirizao somente quando
existe uma empresa que gerencia os
contratos da principal com as
subcontratadas. Na nossa opinio, o termo
terceirizao em cascata define melhor o
processo e abarca vrias possibilidades de
subcontratao por empresa j
subcontratadas. Tal processo comum nas
redes de subcontratao e, como vermos no
item seguinte, nos processos de
terceirizao dentro das refinarias. Se o
objetivo da subcontratao sempre
diminuio dos custos com a fora de
trabalho, fcil imaginar as conseqncias
da terceirizao em cascata na precarizao
das condies de utilizao e remunerao
dela.
Conforme j apontado ao longo do
texto, uma das principais caractersticas da
terceirizao, que a torna um poderoso
instrumento de reduo dos custos com a
fora de trabalho, o fato de que os
contratos deixam de ter natureza trabalhista
e passam a serem civis ou mercantis. As
formas de terceirizao apontadas acima
enquadram-se em contratos de uma ou
outra natureza. Segundo Martins (2005: 53-
54), os principais contratos de natureza
civil empregados na terceirizao so a
empreitada e a subempreitada, a prestao
de servios e a parceria. A empreitada ou
locao da obra distingue-se da locao
de servios pelo fato de na primeira
contratar-se um resultado, e na segunda,
uma atividade, embora em ambas haja, a
princpio, independncia e autonomia na
prestao de servios. Na empreitada o
empreiteiro pode ser pessoa fsica ou
jurdica, mas o empregado s pode ser
pessoa fsica (art. 3o da CLT). No contrato
de trabalho desse empregado no consta o
resultado, mas a atividade; o empreiteiro
autnomo para gerenciar esse trabalho.
Ainda segundo Martins, h a
terceirizao por contratos mercantis, por
exemplo: 1) engineering: o objetivo desse tipo
de terceirizao a obteno de uma
indstria construda, instalada e em
funcionamento; 2) contrato de
fornecimento: ambas as partes pactuam a
entrega de alguma coisa, sendo que
contrato cessa no momento dessa entrega;
3) concesso mercantil: onde a montadora
procura terceiros para ajud-la na
comercializao de veculos e na prestao
de servios de assistncia tcnica ao
adquirente do veculo; 4) consrcio:
pactuao de consrcio para a produo de
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bens ou servios; 5) assistncia tcnica:
terceirizao, pois uma empresa treina
outra para o fornecimento de assistncia
tcnica de manuteno e conservao de
seus produtos; 6) representao comercial
autnoma: o autnomo nunca pode ser
pessoa jurdica; ele nunca subordinado
direo do empregador.
Martins acredita que o franchising
que foi traduzido para o portugus como
franquia uma forma de se contratar
terceiros para a prestao de servios. O
franchising faz parte de um conjunto de
contratos mercantis que no possuem
legislao especfica. Em tese, o franqueado
independente e autnomo em relao ao
franqueador, com pessoal e administrao
prprios. Na prtica, as franqueadoras
exercem um grande poder sobre os
franqueados, delimitando sua forma de
organizao, ingerindo sobre administrao
e controle de pessoal. Como para Martins
h formas corretas de terceirizao e outras
condenveis, ele v que a grande questo
no franchising saber se o seu contrato no
de trabalho; ou seja, preciso verificar se
a franquia realmente lcita ou se no
representa uma forma de mascaramento da
relao de emprego. A fixao de preo e
estimativa de lucros das mercadorias
vendidas, determinadas pela franqueadora,
podem evidenciar a ocorrncia de uma
relao de emprego.
Segundo Krein (2007: 154), na
terceirizao atravs de PJs, a relao de
trabalho tambm pautada por um
contrato de natureza mercantil (ou
comercial). Os custos da empresa
contratante limitam-se ao pagamento e
gesto de um contrato comercial. Por esse
expediente, as empresas economizam em
torno de 60%, considerando as
contribuies sociais e os direitos
trabalhistas (incluindo o salrio indireto e
deferido).
No esforo de compreender as
formas que a terceirizao assume no nosso
pas, devemos tambm dizer que tipo de
relao entre trabalhador e empresa(s) no
terceirizao. Aqui, de maneira ainda mais
concreta, o critrio de se h ou no uma
empresa interposta na relao entre o
trabalhador e a contratante, fundamental.
Nesse sentido, no constitui caso de
terceirizao:
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a terceirizao se constituiu na principal forma de
flexibilizao da contratao, a partir dos
anos 90, no Brasil
a) Trabalho domiciliar. Se no h uma
empresa ou uma cooperativa interpostas
entre os trabalhadores e a contratante, no
h como definir o trabalho domiciliar como
terceirizao. Pode-se entend-lo como
uma forma de precarizao do trabalho
bastante acentuada, em especial nos casos
de trabalhadores do setor txtil e de
calados, pagos de acordo com a produo.
Mas, no h uma relao de dupla
subordinao (ordens e orientaes da
empresa subcontratada e
financeira da contratante)
que caracteriza a relao de
terceirizao.
b) Trabalhador
autnomo: essa a
condio de muitos trabalhadores de
domiclio, mas de vrios outros que podem
tambm prestar servios internos s
empresas. Pode-se consider-lo uma forma
de assalariamento disfarada, mas no
terceirizao. Os rendimentos desses
trabalhadores podem ser baixos, mas so
pagos diretamente pela empresa
contratante. A no ser que o trabalhador
autnomo preste servios para uma
empresa que subcontratada de outra, no
possvel caracteriz-lo como terceirizado.
c) Joint ventures tambm no so
terceirizao, pois duas ou mais empresas
se envolvem em igualdade de condies,
partilhando interesses similares na operao
que empreendem. Elas so scias; uma no
subordinada a outra (Oliveira, 1994: 68).
d) No devem ser confundidos com
terceirizao tambm os processos de
fornecimento de insumos e matrias-primas
de uma empresa para outras. Aqui no h
contratao de trabalhadores por empresa
interposta, mas sim h
um processo de
produo cuja base de
funcionamento a
diviso capitalista do
trabalho entre
empresas.
Fazer uma classificao dessa
natureza no uma coisa simples, mesmo
porque h um hibridismo nas relaes entre
empresas e trabalhadores que tornam as
fronteiras dos contratos de trabalho, por
vezes, pouco claras. Por exemplo:
caracterizar um trabalhador dono e nico
na sua prpria empresa (PJ) como
terceirizado e um autnomo como no
terceirizado quase uma questo
puramente formal o que faz bastante
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diferena nas conseqncias legais, mas
pouca no que se refere s condies de
trabalho. Parece-nos que esse motivo pelo
qual na Frana h um esforo muito maior
em mapear o que o trabalho precrio de
maneira geral do que em lutar contra essa
ou aquela forma de contratao especfica
(terceirizao, trabalho temporrio,
contratos subsidiados). Definir qual o
valor do salrio e as condies de trabalho
minimamente dignas numa determinada
formao social e brigar por elas bem
mais simples do que categorizar as relaes
de trabalho e t-las como objeto de ataque.
Nos parece importante salientar,
ainda uma vez, o fato de que a terceirizao
, no Brasil, um elemento fundamental na
definio dos rumos do mercado de
trabalho, mas no o nico leo contra
qual h que se brigar. Alis, se as relaes
de terceirizao funcionassem com os
objetivos e as conseqncias que a
literatura da rea de administrao de
empresas diz que funciona, no haveria,
nessa relao de trabalho, problemas
maiores que em qualquer outra forma de
assalariamento em si, sempre precria,
pois fruto da explorao de uns sobre
outros.
Mas, porque dizemos que a
terceirizao um elemento definidor dos
rumos do mercado e das relaes de
trabalho hoje no Brasil? Desde a pesquisa
de mestrado (Marcelino, 2004)
apontvamos para a importncia desse
mecanismo de gesto da fora de trabalho
pela amplitude que ele vinha tomando no
pas e pela sua eficincia em contornar os
dois problemas que se impunham tambm
para as empresas brasileiras: a diminuio
das suas taxas de lucros bastante afetadas
pelas crises econmicas da dcada de 1980
e a necessidade de recomposio do
domnio sobre as classes trabalhadoras.
Krein (2007: 180) aponta que, apesar das
dificuldades em mensur-la com as
pesquisas disponveis e de sua crescente
complexidade, possvel afirmar que a
terceirizao se constituiu na principal
forma de flexibilizao da contratao, a
partir dos anos 90, no Brasil.7
7 Na regio metropolitana de Campinas, o trabalho terceirizado cresceu 30,7% em cinco anos. Hoje essa modalidade de contrato representa 1/3 dos 667 mil postos no mercado formal de trabalho. A mdia anual de crescimento de 5%, mais que a dos outros setores que viram em torno de 3% ao ano. Dados da ACIC (Associao Comercial e Industrial de Campinas apontam que, em 2006, na Regio Metropolitana de Campinas, havia 219, 5 mil trabalhadores terceirizados. Em 2001 esse nmero era de 167,9 mil (Correio Popular, 19/03/2007).
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Na pesquisa j mencionada ao longo
deste captulo, Pochmann chega a mesma
concluso a respeito e explica os fatores
com os quais concordamos que
convergem para tornar a terceirizao um
fenmeno crucial na definio das relaes
de trabalho no Brasil8:
O movimento de terceirizao da mo-de-obra est impondo uma nova dinmica no interior do mercado de trabalho brasileiro. Embora venha sendo implementada no perodo relativamente recente no pas, seus efeitos so expressivos e de rpida generalizao nos contratos de trabalho, o que permite equivaler fora de uma verdadeira reforma trabalhista e sindical. Isso porque o tipo de terceirizao da mo-de-obra que se expande no pas implica constituir um novo padro de emprego para o conjunto dos trabalhadores. Em sntese, o sentido da difuso do emprego de tipo asitico, simplificado no contrato de trabalho de elevada rotatividade, contida remunerao e longa jornada de trabalho. No obstante o conjunto de avanos da escolaridade dos trabalhadores ocupados e desempregados, os nveis de remunerao permanecem extremamente contidos. Mesmo que a terceirizao tenha se alastrado para alm da atividade-meio, compreendendo cada vez mais a atividade fim do processo produtivo, acentua-se a precarizao dos empregos (Pochmann, 2007: 28).
8 Em virtude da taxa de crescimento elevada da terceirizao, pesquisa da Global Outsourcing Report, revela que em 2015 o Brasil saltar da 15a para a 4a posio dessa atividade no mundo. No grupo CPFL (Companhia Paulista de Fora e Luz), por exemplo, 36% dos seus colaboradores, 9.142 ao total, so terceirizados (Correio Popular, 19/03/2007).
Segundo Pochmann, o avano da
terceirizao no Brasil se deu j na dcada
de 1990, depois do Plano Real e encontra-
se intimamente associada com o ambiente
de semi-estagnao da economia, de baixos
investimentos e incorporao de novas
tecnologias e pela abertura comercial e
financeira dos mercados nacionais. Nesse
sentido, a terceirizao se consolida como
estratgia de minimizao de custos e
define ajustes no padro de emprego
formal.
A terceirizao no se configurou
como estratgia de reduo de custos,
entretanto, apenas no setor privado. Para
Pochmann (2007) e Krein (2007), a
chamada Lei de Responsabilidade Fiscal9,
contribuiu enormemente para a expanso
da terceirizao no servio pblico. Como
parte do ajuste fiscal imposto pelo Fundo
Monetrio Internacional (FMI),
[...] ela coloca limites para as despesas com pessoal e impede que aumentos de gastos sejam feitos sem que se aponte a origem dos novos recursos, com comprovao de que a despesa criada ter seus efeitos compensados por aumento permanente de receita. A lgica fazer o supervit primrio para viabilizar o pagamento da dvida. Ela tem duas conseqncias nas formas de contratao. Em primeiro lugar, inibe
9 Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000.
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a realizao de concurso pblico, pois o funcionrio contratado torna-se uma despesa permanente. Com isso, estimula a contratao temporria, emergencial, de comissionados etc. Em segundo lugar, estimula a terceirizao, pois a contratao de outra empresa no considerada despesa de pessoal (Krein, 2007: 120).
Para Krein (2007: 182), o
crescimento da terceirizao no setor
pblico est ligado a trs fatores: a) uma
forma de driblar a Lei de Responsabilidade
Fiscal para manter os servios pblicos; b)
a existncia de uma certa mentalidade onde
acredita-se que a o setor privado mais
eficiente e, portanto, deve ser imitado,
ignorando-se a especificidade do setor
pblico; c) h um uso poltico da fora de
trabalho terceirizada no sentido de
aproveitar-se de contrataes e demisses
visando os pleitos eleitorais.
Embora a terceirizao seja, mais do
que qualquer outro mecanismo de gesto
empresarial, amplamente difundida em
todos os setores econmicos, desde a
produo at os servios, sua definio no
to evidente quanto possa parecer e tem,
sem dvida alguma, implicaes polticas
importantes para a organizao dos
trabalhadores. Isto porque, no s define
um enquadramento sindical especfico, mas
tambm porque cria ou quebra identidades
de luta.
Dizemos isso pelo seguinte motivo:
no se identificar como terceirizado,
mesmo o sendo, evita determinados
problemas para as empresas
subcontratante10 e subcontrada, tais como,
a percepo pelo trabalhador da condio
de explorado em maior escala, a luta por
isonomia salarial nas mesmas funes, a
possibilidade de reivindicaes conjuntas
com as categorias preponderantes11. Se o
trabalhador assume que, simplesmente,
trabalha numa outra empresa com polticas
diferentes e que essa empresa no uma
terceirizada, seus vnculos com a
subcontratante e a possibilidade de
10 Tambm chamada de empresa contratante ou tomadora ou principal. 11 A noo de categoria preponderante diz respeito atividade principal da empresa. Por exemplo, na indstria automobilstica, a categoria preponderante a metalrgica; mesmo que haja secretrias, desenhistas, engenheiros, etc. e independentemente de sua forma de contratao, isto , sejam eles terceirizados ou no. Ento, a empresa geralmente negocia com o sindicato da categoria preponderante e aplica o mesmo ndice de reajuste salarial para os demais sindicatos. Os trabalhadores das categorias diferenciadas at podem se filiar ao sindicato da categoria preponderante, mas suas contribuies compulsrias so obrigatoriamente descontadas em favor do sindicato da categoria que lhe correspondente e que lhe representa legalmente.
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mobilizaes amplas se tornam muito mais
dbeis.
A situao descrita acima no
hipottica. Esse caso dos trabalhadores da
Funcamp (Fundao de Desenvolvimento
da Unicamp), por exemplo, cuja confuso
em torno da condio de terceirizados os
impede de sequer pensar em ter os mesmos
direitos que um trabalhador concursado da
Unicamp, mesmo realizando, boa parte das
vezes, as mesmas funes que eles.
Evidentemente, a representao sindical
desses trabalhadores tem algum papel nisso,
visto que ela no se v como representante
de trabalhadores terceirizados. Mas, essa
viso se apia de maneira evidente na
indefinio que impera no contexto
brasileiro em torno do conceito de
terceirizao
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