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ARMANDO V. DI BERNARDI DE ASSIS FORC ¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM FLUIDO VISCOSO E UMA APLICAC ¸ ˜ AO DA TEORIA DE JOGOS ` A MEC ˆ ANICA QU ˆ ANTICA FLORIAN ´ OPOLIS 2010

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ARMANDO V. DI BERNARDI DE ASSIS

FORCA DE ARRASTO NOMOVIMENTO DE UMA ESFERA EM

FLUIDO VISCOSO E UMAAPLICACAO DA TEORIA DE

JOGOS A MECANICA QUANTICA

FLORIANOPOLIS

2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE POS-GRADUACAO

EM FISICA

FORCA DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMAESFERA EM FLUIDO VISCOSO E UMA APLICACAO

DA TEORIA DE JOGOS A MECANICA QUANTICA

Dissertacao submetida aUniversidade Federal de Santa Catarina

como parte dos requisitos para aobtencao do grau de Mestre em Fısica

ARMANDO V. DI BERNARDI DE ASSIS

Florianopolis, Julho de 2010

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FORCA DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMAESFERA EM FLUIDO VISCOSO E UMA APLICACAO

DA TEORIA DE JOGOS A MECANICA QUANTICA

ARMANDO V. DI BERNARDI DE ASSIS

Esta Dissertacao foi julgada adequada para obtencao do Tıtulo de Mestreem Fısica, Area de concentracao Mecanica Estatıstica e Transicoes deFase, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pos-Graduacao

em Fısica da Universidade Federal de Santa Catarina.

Marcelo Henrique Romano Tragtenberg,Dr.

Orientador

Roberto Cid Fernandes, Dr.Coordenador do Programa de Pos-Graduacao em Fısica

Banca Examinadora:

Marcelo Henrique Romano Tragtenberg,Dr.

Presidente

Ronald Dickman, Dr.

Nilton da Silva Branco, Dr.

Marcio Santos, Dr.

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Primeiramente a YHVH, por me fazer acredi-tar, por tudo. Aos meus pais, Armando Valeriode Assis Filho e Edna di Bernardi de As-sis, a minha irma Carolina di Bernardi deAssis, pelos incansaveis, incessantes, incen-tivos em minha vida. Ao departamento depos-graduacao em fısica, em particular aoProf. Dr. Marcelo Henrique Romano Tragten-berg, meu orientador, pelo que muito me ensi-nou para o que aqui se poe em dissertacao.Ao coordenador do curso de pos-graduacaoem fısica da Universidade Federal de SantaCatarina, Prof. Dr. Roberto Cid Fernan-des, pelo zelo e competencia inerentes a suacoordenacao. A CAPES pelo suporte finan-ceiro.

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AGRADECIMENTOS

Ratifico o principal, primordial, intenso, agradecimento a YHVH,pelo que nao me permitiu o desespero em momentos extremamente crıticosda vida intelecto-academica e por: ter disponıvel a excelencia da Univer-sidade Federal de Santa Catarina que tanto amo - dentro do que e inerenteao programa de pos-graduacao em fısica que: na incansavel, indelevel,indispensavel, presenca de meu orientador Professor Dr. Marcelo HenriqueRomano Tragtenberg, permitiu que se ampliassem meus conhecimentoscientıficos. Nessa esteira, e nao poupando as palavras: consideracoes degratidao a presenca sempre competente do Professor Dr. Roberto Cid Fer-nandes a me fazer zelar por este degrau em minha carreira e a CAPES, porfomentar, principalmente, os Joules que minhas mitocondrias consumiramdurante seus muitos ciclos de Krebs.

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Resumo da Dissertacao apresentada a UFSC como parte dos requisitosnecessarios para a obtencao do grau de Mestre em Fısica.

FORCA DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMAESFERA EM FLUIDO VISCOSO E UMA APLICACAO

DA TEORIA DE JOGOS A MECANICA QUANTICA

Armando V. di Bernardi de AssisJulho / 2010

Orientador: Marcelo Henrique Romano Tragtenberg, Dr..Area de Concentracao: Mecanica Estatıstica e Transicoes de Fase.Palavras-chave: Navier Stokes, camada-limite, crise do arrasto, von Neu-mann, teoria dos jogos, mecanica quantica.Numero de Paginas: 158

A dependencia funcional da forca de arrasto viscoso sobre uma esfera quecai sob a acao da gravidade com resistencia do ar na iminencia da crise doarrasto e o primeiro e principal objeto deste trabalho teorico. Considera-seum regime de escoamento com camada-limite suficientemente desenvolvidae em processo de turbulencia. Obtem-se analiticamente para a forca de ar-rasto uma dependencia quadratica com a velocidade-limite, sendo o valor docoeficiente de arrasto em funcao do numero de Reynolds na regiao de crisedo arrasto concordante com a experiencia. De consideracoes termodinamicas,obtem-se uma condicao teorica necessaria para a crise do arrasto que pode sertestada em laboratorio. Na segunda parte, o objeto e estudarmos a estruturaaxiomatica da teoria de jogos com a possibilidade de interpretacao da pro-babilidade no contexto da utilidade, como definida por John Von Neumanne Oskar Morgenstern, vislumbrando aplica-la na demonstracao de que a suaestrutura de grupo e a mesma que a da funcao de medida proposta no artigode Hugh Everett III.

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Abstract of Dissertation presented to UFSC as a partial fulfillment of therequirements for the degree of Master in Physics.

DRAG FORCE IN THE MOTION OF AN SPHERE INVISCOUS FLUID AND ONE APPLICATION OF THEGAME THEORY TO THE QUANTUM MECHANICS

Armando V. di Bernardi de AssisJul / 2010

Advisor: Marcelo Henrique Romano Tragtenberg, Dr..Area of Concentration: Statistical Mechanics and Phase Transitions.Keywords: Navier Stokes, boundary layer, drag crisis, von Neumann, gametheory, quantum mechanics.Number of pages: 158

The dependence of the viscous drag force on falling sphere under local grav-itational field and air resintance at the drag crisis is the first and the mainsubject of this theoretical work. A flow regime with sufficiently developedboundary layer in process of turbulence is considered. A square law func-tional dependence on terminal velocity is analytically obtained for the dragforce, being the drag coefficient at the drag crisis in excellent agreement withexperimental data. By thermodynamic considerations, a theoretical necessarycondition for the drag crisis that can be tested in laboratory is obtained. Inthe second part, the object is the investigation of the axiomatic structure ofthe game theory with the possibility of interpretation of probability under thecontext of utility, this one as defined by John Von Neumann and Oskar Mor-genstern, to apply it in the derivation that its group structure is the same asthe measure function proposed by Hugh Everett III in his paper.

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SUMARIO

Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.1 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.2 Contribuicoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201.3 Organizacao do Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Conceitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212.1 A Equacao de Navier-Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . 212.2 O Referencial da Esfera em Queda . . . . . . . . . . . . . . 272.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de

Navier-Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 332.4 Determinacao Geral da Expressao para o Calculo da Forca de

Arrasto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 572.5 Continuacao da Secao 2.3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 602.6 Aplicacao da Equacao (2.122) a MRU Instantaneo . . . . . . 70

A Crise do Arrasto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 753.1 O Problema Concreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 753.2 Calculo do Angulo de Separacao θS . . . . . . . . . . . . . 813.3 Analise Termodinamica da Estabilidade Mecanica do Ponto

de Separacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 843.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da

Crise do Arrasto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

Conceitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1014.1 Sobre Formulacao de Estado Relativo em Mecanica Quantica 1014.2 O Conceito de Utilidade - Apontamentos Iniciais - Parte 1 . 1064.3 O Conceito de Utilidade - Mais Apontamentos - Parte 2 . . . 1104.4 O Conceito de Utilidade - Mais Apontamentos - Parte 3 . . . 1124.5 Obtencao Quase-Heurıstica da Estrutura de Grupo das Utili-

dades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1154.6 Dos Axiomas da Utilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1224.7 O Tratamento Axiomatico da Utilidade - Formulacao do

Problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1244.8 O Tratamento Axiomatico da Utilidade - Deducao a Partir dos

Axiomas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

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4.9 Carater Probabilıstico em Mecanica Quantica sem o Postu-lado de Born? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

4.10 Processo de Observacao e a Formulacao de Estados Relativos 1434.11 Determinacao da Natureza de aka∗k . . . . . . . . . . . . . . 151

Conclusoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

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LISTA DE FIGURAS

1 Esfera em queda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302 Escoamento do fluido numa regiao ℜ. . . . . . . . . . . . . 313 Desenho esquematico de parte da camada-limite. . . . . . . 774 Esfera em queda. Camada-limite (boundary layer), pontos de

separacao, wake, mainstream e angulo de separacao θS. . . . 805 Desenvolvimento assintotico para o ponto de separacao.

Assıntota ja em baixos numeros de Reynolds onde o regimeainda e laminar. Angulo medido a partir do polo sul. (WUCHIH-YUNG WEN, 2004) (SCHLICHTING, 1979) (ACHENBACH,1972). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

6 Desenho esquematico da vizinhanca do ponto de separacao. . 857 Desenho esquematico com os detalhes para integracao no in-

terior da camada-limite. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 938 Crise do Arrasto: reducao brusca do coeficiente de arrasto. O

caso aqui investigado refere-se a esfera lisa (cırculos abertos)(CHOI WOO-PYUNG JEON, 2006). . . . . . . . . . . . . . . . . 100

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1 INTRODUCAO

Havia duas motivacoes cientıficas entre mim e o prof. Dr. Marcelo H.R. Tragtenberg ao final da minha graduacao. A primeira surgiu na disciplinade Evolucao dos Conceitos da Fısica, ministrada pelo prof. Dr. Marcelo H. R.Tragtenberg, em 2007.2. Surge do celebre experimento de Galileu na Torrede Pisa, que alguns consideram uma lenda. Tratava-se de saber qual dentredois corpos abandonados do alto da torre chegaria primeiramente ao solo, omais leve ou o mais pesado, levando-se em conta a resistencia do ar, numfluido viscoso. Para isso, era preciso determinar a forca de arrasto do fluidosobre a esfera, e particularmente sua dependencia com a velocidade da esferaem relacao ao solo. Descobrir essa dependencia foi a primeira motivacao.

A segunda motivacao continua sendo a navalha de Born. Da ne-cessidade de colapso no postulado de medida de Born, pelo menos umainformacao, a mais preciosa, emerge de uma interacao quantica entre umobservador e um observado, qual dentre os auto-estados emergiu dentre ospossıveis. Que tem a natureza a esconder? Talvez nao esconda nada, poisso tenha a nos fornecer as probabilidades. Um objeto quantico carrega ainformacao sobre as probabilidades por postulado a parte, o da equacaoda dinamina (Schroedinger, no escopo classico), porem, necessita de outropostulado, a navalha de Born, para que ofereca a informacao de qual estadovai emergir/emergiu. Emergir/emergiu, expressao que traduz literalmenteuma navalha. Tudo, antes do colapso, acontece exatamente como estavaentre observador e observado, funcao de onda representando o observadointacta, incolume matematicamente, e operador de medida do observador,tambem intacto, incolume, sem que sequer interajam, nem em infinitesimosde segundos antes do momento altamente localizado, singular para os dois:o momento em que chega um cidadao respeitavel, idos tempos o seu nasci-mento, e decreta a extincao do objeto quantico, pelo corte de sua navalhapostulatoria. O cidadao e Born. Informacao, probabilidades, dinamica, jogode gato-e-rato: ingredientes da teoria de jogos. Esses ingredientes sao asegunda motivacao.

1.1 Objetivos

O primeiro objetivo deste trabalho e o estudo da Equacao de Navier-Stokes em casos-limite para obtencao de heurıstica, eventual e conjuntamentecom outras disciplinas da fısica teorica e experimental, aplicavel a criacao de

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20 1 INTRODUCAO

modelo que vise proporcionar, quando aplicado matematicamente, entendi-mento sobre o fenomeno da crise do arrasto, obtendo, assim, de primeirosprincipios, o coeficiente de arrasto de crise.

O segundo objetivo e demonstrar que a estrutura de grupo da utilidadede Von Neumann em teoria de jogos e identica a da medida no escopo deHugh Everett III.

1.2 Contribuicoes

As principais contribuicoes deste trabalho sao:

• Proporcionar entendimento sobre a crise do arrasto;

• Obtencao de uma condicao fısico-matematica para a instalacao da crisedo arrasto;

• Obtencao da dependencia funcional quadratica com a velocidade paraescoamentos com altos numeros de Reynolds;

• Proporcionar heurıstica sobre a crise do arrasto ratificada pela con-cordancia experimental com o coeficiente de crise por nossa heurısticaobtido;

• Lancar alguma luz sobre o comportamento de dinamica de fluidos ori-unda da equacao de Navier-Stokes;

• Demonstrar importante relacao estrutural-teorica entre a utilidade emteoria de jogos e a medida em mecanica quantica.

1.3 Organizacao do Trabalho

Este trabalho esta organizado em capıtulos. Os capıtulos 2 e 3 tratamde fluidos. Os capıtulos 4 e 5 de teoria de jogos e mecanica quantica.

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2 CONCEITOS

2.1 A Equacao de Navier-Stokes

(LANDAU; LIFSHITZ, 1959), (LADYZHENSKAYA, ), (A., 1993), (V.I., 1998)Aplicando o princıpio fundamental da dinamica newtoniana a um elemento1

δV arbitrario de um fluido continuum de materia que flui numa regiao de umreferencial inercial, sendo~r o vetor posicao do centro de massa do elementode fluido, ρ o campo escalar de densidade no fluido,~v a velocidade do centrode massa do elemento de fluido considerado, ~f a aceleracao de campo externo(por exemplo, da gravidade), ∂ (δV ) a superfıcie do elemento considerado,p o campo de pressao, n a normal exterior a um elemento infinitesimal desuperfıcie dS da superfıcie ∂ (δV ) de area S englobando δV , Γ o tensor deefeitos de viscosidade (ficando tacito o carater viscoso), temos2

∫δV

ρ(~r, t)~vdV =∫

δVρ(~r, t)~f dV +

∮∂ (δV )

p(~r, t)(−n)dS +∮

∂ (δV )Γ · ndS.

(2.1)

Seja~k =∮

∂ (δV ) pndS, donde:

~λ ·~k =∮

∂ (δV )

(p~λ)· ndS, ∀ ~λ ~cte,

~λ ·~k =∫

δV~∇ ·(

p~λ)

dV =∫

δV~λ ·(~∇p)

dV =~λ ·∫

δV

(~∇p)

dV,

~k =∫

δV

(~∇p)

dV,

que substituıdo em (2.1), e com a aplicacao do Teorema de Gauss tambem a

1Elemento de fluido ainda nao necessariamente infinitesimal.2A rigor,

∫δV ρ(~r, t)~vdV =

∫δV ρ(~r, t)~f dV +

∮∂ (δV ) T · ndS, onde T e um tensor a

ser determinado. Na hipotese de isotropia, temos Txx = Tyy = Tzz = −p ∴ Ti j =−pδi j + Γi j . Assim,

∫δV ρ(~r, t)~vdV =

∫δV ρ(~r, t)~f dV +

∮∂ (δV ) (−p1+Γ) · ndS, onde 1

e a matriz identidade. Representando a matriz identidade pela dıada xx + yy + zze utilizando-se da algebra tensorial que define o produto diadico AB de dois ve-tores A e B atuando sobre um terceiro vetor C de um espaco vetorial como sendo(AB) ·C = A(B ·C), temos

∫δV ρ(~r, t)~vdV =

∫δV ρ(~r, t)~f dV +

∮∂ (δV ) (−p(xx+ yy+ zz)+Γ) ·

ndS =∫

δV ρ(~r, t)~f dV +∮

∂ (δV ) (−p(x(x · n)+ y(y · n)+ z(z · n))+Γ · n)dS =∫

δV ρ(~r, t)~f dV +∮∂ (δV ) p(−n)dS +

∮∂ (δV ) Γ · ndS, que e a equacao (2.1).

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22 2 CONCEITOS

integral de Γ, fornece:

∫δV

ρ~vdV =∫

δVρ~f dV −

∫δV

(~∇p)

dV +∫

δV

(~∇ ·Γ

)dV ∴

∫δV

[ρ(~r, t)~v−ρ(~r, t)~f +~∇p(~r, t)−~∇ ·Γ

]dV =~0. (2.2)

Como δV e arbitrario, facamos que seja infinitesimalmente arbitrario demodo a conter exatamente um elemento infinitesimal qualquer de fluido,donde ~v torna-se a aceleracao do proprio elemento infinitesimal3 e donde:

ρ~v−ρ~f +~∇p−~∇ ·Γ =~0, (2.3)

sendo~v a velocidade de um ponto arbitrario do fluido.Analisemos o tensor de tensoes mais geral que fornece a forca

por unidade de area de um e-lemento de fluido infinitesimal, tensor4

Ti j = −pδi j + Γi j, quanto a simetria. Os efeitos viscosos estarao relaciona-dos a Γ, pois os efeitos do tensor −p1 nao sao tangenciais, mas normais.Modelando os efeitos viscosos como sendo de primeira ordem, temos quea dıada (∇~v)i j = ∂vi/∂x j contera todas as variacoes de primeira ordem5.Assim, os efeitos viscosos serao impostos como oriundos de ∇~v. Investigue-mos, primeiramente, a parte anti-simetrica de ∇~v. Um tensor anti-simetricotem tres e somente tres componentes independentes, assim como um vetor,de modo que se pode obter tal tensor anti-simetrico de um vetor atraves dealguma relacao conveniente entre eles. Designemos por ~ω tal vetor e impon-hamos a relacao (∇~v)a ·~u = ~ω×~u, onde (∇~v)a e a parte anti-simetrica de ∇~v

e ~u um vetor arbitrario. Obtemos ~ω =(~∇×~v

)/2. Em particular, para dois

pontos do fluido com vetor posicao relativa δ~r, temos (∇~v)a · δ~r = ~ω × δ~r,donde vemos que o tensor (∇~v)a seleciona as partes das diferencas de veloci-

3Obviamente a passagem da equacao (2.2) a (2.3) e legıtima mesmo que δV nao seja in-finitesimal, porem isso nao e interessante, pois ainda terıamos um sistema de partıculas e ~v naoseria a aceleracao de δV , i.e., ainda seria a de seu centro de massa.

4Vide nota de rodape 2.5Lembremos que os efeitos viscosos sao modelados como sendo oriundos de movimentos

relativos entre laminas de fluido. Assim, em primeira ordem, o tensor de viscosidade e modeladocomo dependente da taxa de variacao da velocidade ao passarmos de uma lamina de fluido aoutra, donde a diada (∇~v)i j contera todas as variacoes possıveis. Num fluido em repouso osefeitos tangenciais de movimento relativo entre laminas elementares de fluido cessam, dondepersistem somente efeitos normais, fato este que nos inclinou a desprezar −pδi j do tensor deviscosidade.

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2.1 A Equacao de Navier-Stokes 23

dade entre os dois pontos de posicao relativa δ~r referidos que correspondema uma rotacao rıgida em torno do ponto que foi tomado como origem do vetorδ~r com velocidade angular ~ω =

(~∇×~v

)/2. Assim, a parte anti-simetrica da

dıada ∇~v sempre sera diferente de zero quando houver rotacao em um fluido,sendo, portanto, um efeito de viscosidade sempre presente caso se considerea parte anti-simetrica da dıada. Porem, num caso de rotacao pura de umfluido, nao pode haver efeito viscoso, dada a inexistencia de movimentotangencial relativo entre camadas de fluido adjacentes. Conclui-se que sedeve desprezar a parte anti-simetrica da dıada ∇~v, restando a parte simetrica.Como os efeitos normais dados por −p1 tambem tem tensor simetrico, otensor T = −p1 + Γ deve ser simetrico. Como o traco de um tensor e uminvariante por transformacoes de coordenadas6, podemos decompor a partesimetrica da dıada ∇~v, numa soma de um tensor simetrico de traco nulo(∇~v)ts com um tensor (∇~v)c a ser determinado7. Notemos que se subtrairmos

6O traco de um tensor tridimensional T e dado por Tr (T) = ∑3i=1 Tii. Assim, sejam ai j as

componentes do tensor de transformacao de um sistema de coordenadas tridimensional paraoutro. Assim, Tr (T) = ∑

3i=1 ∑

3j,l=1 a jialiT

′jl = ∑

3j,l=1

[∑

3i=1 a jiali

]T′jl = ∑

3j,l=1 T

′jlδ jl = ∑

3j=1 T

′j j .

7Essa ideia esta sendo posta apos consideracoes fısicas. Um fluido pode dilatar ou nao. Umfluido viscoso incompressıvel possuira efeitos viscosos, porem nao oriundos de dilatacao. As-sim, num caso geral, o tensor de viscosidade mais geral pode ser decomposto na soma de umtensor de viscosidade oriunda de compressao dilatante, por isso o subındice c em (∇~v)c e umtensor de efeitos de viscosidade eminentemente cisalhantes tangenciais, que sera (∇~v)ts, comoveremos. E resultado conhecido da teoria de tensores simetricos a possibilidade de se escol-her um sistema de coordenadas que diagonaliza o tensor simetrico, os eixos principais. Nessesistema, a parte simetrica da dıada (∇~v), (∇~v)s, a que nos interessa, a que contem todos osefeitos viscosos, contera, em sua diagonal, como unicos termos nao-nulos, as derivadas da ve-locidade na direcao da velocidade, termos esses que nao podem estar relacionados ao cisal-hamento tangencial (lembremos que no cisalhamento tangencial a variacao da velocidade emedida ao passarmos de uma lamina infinitesimal de fluido para outra, o que se da normal-mente a superfıcie da lamina, portanto, ortogonalmente a velocidade). Assim, nesse sistema decoordenadas de eixos principais, os componentes fora da diagonal principal do tensor (∇~v)s,termos esses que nunca contem derivadas na direcao da velocidade, so podem estar relaciona-dos ao outro efeito viscoso, i.e., ao cisalhante tangencial, donde, por serem nulos esses ter-mos no sistema de coordenadas dos eixos principais, conclui-se que o cisalhamento tangencialsera nulo no sistema de coordenadas dos eixos principais. Concluımos que os efeitos de vis-cosidade devidos a dilatacao devem estar presentes na diagonal principal do tensor mais geral,pois, no sistema dos eixos principais onde o cisalhamento tangencial inexiste, a diagonal per-siste como a unica que contem componentes de derivadas na direcao da velocidade. Assim, oscomponentes da parte simetrica da dıada (∇~v), (∇~v)s, responsaveis por efeitos de viscosidadedilatantes, estarao na diagonal principal. A retirada desses efeitos de viscosidade dilatantes dotensor mais geral devera sempre fornecer o tensor de cisalhamento tangencial, este dependentedo sistema de coordenadas, como vimos. Perguntemo-nos: qual informacao contida na diag-onal da dıada (∇~v) que caracteriza suficientemente a presenca ou nao de efeitos viscosos decompressibilidade, i.e., dilatantes? Ora, tal efeito existira tao somente se ~∇ ·~v 6= 0, que e exata-

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24 2 CONCEITOS

(1/3)Tr (∇~v)s = (1/3)~∇ ·~v de cada componente da diagonal de (∇~v)s, oque equivale a subtrair o tensor (∇~v)c = (1/3)Tr (∇~v)s 1 = (1/3)~∇ ·~v1,temos que o tensor resultante (∇~v)ts sera de traco nulo. Assim, temos adecomposicao (∇~v)ts = (∇~v)s− (1/3)~∇ ·~v1. Fisicamente, notamos que essae a decomposicao mais geral8 da parte simetrica de ∇~v, pois, sendo essa partesimetrica a responsavel pelos efeitos viscosos totais, como vimos anterior-mente, e notando que o efeito viscoso de (∇~v)c = (1/3)~∇ ·~v1 e claramentedivergente, temos que, se subtraıdo de (∇~v)s, fornecera o efeito exclusiva-mente cisalhante tangencial dado por (∇~v)ts. Note-se que tal efeito viscosodivergente dado por (∇~v)c somente aparece em fluidos compressıveis, i.e.,quando ~∇ ·~v 6= 0. Dado o exposto, temos que Γ deve ser escrito como acombinacao dos efeitos viscosos de compressibilidade e de cisalhamento,i.e.:

Γ = α (∇~v)ts +β (∇~v)c = α

[(∇~v)s−

13~∇ ·~v1

]+ζ ~∇ ·~v1, (2.4)

onde α e ζ = β/3 sao coeficientes a determinar. Apliquemos a equacao (2.4)ao caso particular de um escoamento planar de um fluido incompressıvel, comcampo de velocidades das camadas planares paralelo ao eixo x e camadasplanares de fluido com normal y. Somente a componente x de~v nao sera nula.~∇ ·~v = 0, por incompressibilidade. Ve-se facilmente que as unicas compo-

mente Tr(∇~v)s, portanto um invariante. Assim, a medida de compressibilidade de um fluido,dada pela taxa de variacao temporal da densidade, que pela equacao da continuidade e pro-porcional a ~∇ ·~v, e invariante por transformacao de coordenadas. Como o efeito e sempre omesmo independentemente do sistema de coordenadas, temos que a causa deve ser a mesmae, como −p1 e invariante (vide nota de rodape 13), assim, o tensor (∇~v)c deve ser invari-ante. Um tensor diagonal sera invariante se suas unicas componentes nao-nulas forem todasiguais. Os unicos tensores com tais caracterısticas com dependencia de primeira ordem em ~∇ ·~vsao (∇~v)c = γ~∇ ·~v1, onde γ e uma constante. O tensor cisalhante tangencial (∇~v)ts deve sersimetrico, pois advem da diferenca de dois tensores simetricos, (∇~v)s− γ~∇ ·~v1 e de traco nulo,pois o tensor cisalhante se anula no sistema de coordenadas dos eixos principais, sendo, portanto,nulo seu traco neste sistema e em qualquer outro, dada a invariancia do traco de um tensor portransformacao de coordenadas (confira nota de rodape 5). A traco de (∇~v)ts = (∇~v)s− γ~∇ ·~v1 eTr(∇~v)ts = (1−3γ)(∂vx/∂x+∂vy/∂y+∂vz/∂ z) = (1−3γ)~∇ ·~v, donde se conclui que γ = 1/3.

8Imaginemos a deformacao de uma massa fluida densa e viscosa por nossas maos. Taldeformacao dar-se-a, ou nao, quando aplicarmos forcas normais e/ou tangenciais a massa flu-ida. A massa fluida pode expandir-se, caso de compressibilidade, donde deve aparecer termono tensor mais geral de viscosidade que dependa do divergente do campo de velocidades, termoesse associado exclusivamente a efeitos de compressibilidade. Assim, os termos restantes quenao se associam ao divergente do campo estariam exclusivamente relacionados a efeitos de cisal-hamento puro sem compressao.

Page 25: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.1 A Equacao de Navier-Stokes 25

nentes de Γ que nao se anulam sao Γ12 = Γ21 = (1/2)α ∂vx/∂y. Entao, aforca cisalhante d~F atuante num elemento infinitesimal de area d~S = dSy edada por:

d~F = Γ ·d~S =12

α∂vx

∂ydSx. (2.5)

A equacao (2.5) e exatamente a lei de Newton da viscosidade que define aviscosidade dinamica η , quando tomamos9 α = 2η em (2.5). Escrevendoa expressao para a parte simetrica de um tensor em (2.4), i.e., (∇~v)s =(1/2)(∇~v+(∇~v)t), e α = 2η em (2.4), temos:

Γ = η

[∇~v+(∇~v)t − 2

3~∇ ·~v1

]+ζ ~∇ ·~v1. (2.6)

Assim, em termos de componentes, temos que o tensor de viscosidade maisgeral Γ, dado pela equacao (2.6), que fornece a forca viscosa por unidade dearea que os elementos externos a um volume de fluido exercem na superfıcieque engloba este volume, e dado por:

Γik = η

(∂vi

∂xk+

∂vk

∂xi− 2

3δik

∂vλ

∂xλ

)+ζ δik

∂vλ

∂xλ

, (2.7)

onde η e ζ sao coeficientes independentes da velocidade. Num caso maisgeral, poderıamos supor η e ζ tensoriais, mas estamos supondo isotropia.

Reescrevendo a equacao (2.3) em termos de componentes, temos:

9Nao seria o sinal negativo necessario pois a forca cisalhante se opoe ao gradiente de ve-locidade? Primeiramente devemos definir se queremos medir a forca externamente a dS, i.e.,a forca que a camada de fluido externa adjacente exerce no elemento de area ydS, lembrandoque y e normal exterior, ou se queremos medir a forca internamente a dS, tambem dita atravesde dS, a forca que a camada de fluido interna adjacente exerce no elemento de area ydS. Noprimeiro caso, a constante deve ter sinal positivo, pois basta lembrarmos que para o caso de umfluido viscoso newtoniano entre duas placas paralelas em que a placa superior e puxada paradireita (x) com velocidade constante e em que um agente externo exerce uma forca d~F para adireita, a superfıcie ydS em contato com a placa superior recebe uma acao desta placa exata-mente igual a d~F , sendo esta a forca que se considera na definicao de fluido viscoso newtonianod~F = η∂vx/∂ydSx, i.e., a forca que um agente externo exerce sera tao mais intensa quanto maioro gradiente de velocidade, donde e clara a necessidade do sinal positivo. Num volume encerradopor uma superfıcie, medimos a forca que os elementos de fluido externos ao volume exercem nasuperfıcie englobando o volume, situacao analoga ao caso do primeiro caso. No segundo caso,obviamente a forca exercida sera a reacao −d~F , contrapondo-se viscosamente ao movimentoda placa. Deixando claro que estaremos calculando efeito externo sobre superfıcies de normalexterior, entende-se por que adotaremos o sinal positivo na lei de viscosidade de Newton.

Page 26: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

26 2 CONCEITOS

ρ vi−ρ fi +∂ p∂xi− ∂Γik

∂xk= ρ vi−ρ fi +

∂ p∂xi

+

− ∂

∂xk

(∂vi

∂xk+

∂vk

∂xi− 2

3δik

∂vλ

∂xλ

)+ζ δik

∂vλ

∂xλ

]= 0⇒

ρ vi−ρ fi +∂ p∂xi− ∂

∂xk

(∂vi

∂xk+

∂vk

∂xi− 2

3δik

∂vλ

∂xλ

)]−δik

∂xk

∂vλ

∂xλ

)︸ ︷︷ ︸

∂xi

∂vλ

∂xλ

)=

ρ vi−ρ fi +∂ p∂xi− ∂

∂xk

(∂vi

∂xk+

∂vk

∂xi− 2

3δik

∂vλ

∂xλ

)]− ∂

∂xi

∂vλ

∂xλ

)= 0.

(2.8)

Os coeficientes de viscosidade η e ζ sao, em geral, funcoes da pressao e datemperatura. Supondo que sejam constantes, reescrevemos (2.8):

ρ vi−ρ fi +∂ p∂xi−η

∂ 2vi

∂x2k−η

∂xi

(∂vk

∂xk

)+

+23

η∂

∂xi

(∂vλ

∂xλ

)−ζ

∂xi

(∂vλ

∂xλ

)= 0

sendo, pois, que podemos reescrever, dados os ındices mudos:

ρ vi−ρ fi +∂ p∂xi−η

∂ 2vi

∂x2k− 1

∂xi

(∂vλ

∂xλ

)−ζ

∂xi

(∂vλ

∂xλ

)= 0 ∴

ρ vi−ρ fi +∂ p∂xi−η

∂ 2vi

∂x2k−(

13

η +ζ

)∂

∂xi

(∂vλ

∂xλ

)= 0,

que posto sob a forma vetorial fornece:

ρ~v−ρ~f +~∇p−η~∇2~v−(

13

η +ζ

)~∇(~∇ ·~v

)=~0. (2.9)

Supondo o fluido incompressıvel, temos ~∇ ·~v = 0, donde obtemos a formada equacao de Navier-Stokes que utilizaremos aqui, estando implıcitas ashipoteses sobre o fluido que anteriormente impusemos: isotropia, decorrendo

Page 27: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.2 O Referencial da Esfera em Queda 27

a constancia da viscosidade, e incompressibilidade. Portanto:

ρ~v−ρ~f +~∇p−η~∇2~v =~0. (2.10)

2.2 O Referencial da Esfera em Queda

Ao obtermos a equacao (2.10), foi suposto o escoamento do fluido emreferencial inercial.

Suponhamos, agora, o espaco tridimensional totalmente preenchidocom um fluido definido pelas grandezas anteriormente mencionadas naequacao (2.10). Em tal espaco ha um campo de aceleracao ~g constante emcada ponto e que independe da presenca do fluido, i.e., se retirarmos o fluidode uma certa porcao do espaco, verificaremos que um corpo ideal puntiformeabandonado em tal porcao do espaco estara cinematicamente acelerado de ~g.Definamos, entao, a vertical ascendente pelo versor ez = −~g/ |~g|. Tomemosuma origem na reta suporte de ez e definamos um plano xy ortogonal a ez,o qual denominaremos chao, e que passe pela origem. Seja, agora, umaesfera de massa m, raio R e densidade ρ ′, com centro O′ a uma distanciavertical h do chao e em repouso em relacao ao chao. Pode haver, entao,um vınculo que segura a esfera para que nao ”caia” em direcao ao chao,suposto vınculo que supostamente nao perturba em nada a condicao detotal repouso dos elementos do fluido circundante, sendo o suposto vınculoindependente do fluido e de ~g, podendo, ainda, ser nulo o suposto vınculo.Retira-se o vınculo. Nesse instante, se nao houvesse o campo ~g e o fluido, aesfera permaneceria em repouso em relacao ao chao no sistema xyz, sendo,entao, que, como analise analoga com condicao inicial da esfera executandomovimento retilıneo uniforme, em vez de repouso, no referencial do chao,permite concluir que na ausencia do vınculo, do fluido e do campo ~g, aesfera permaneceria executando movimento retilıneo uniforme, e inercialesse sistema na ausencia de ~g, do fluido e do vınculo, reiteramos10.

10Tal explanacao que aqui se faz pode parecer desnecessaria. Porem, o que se quer enfatizare que a equacao de Navier-Stokes deve ser tomada num referencial inercial, sendo o campogravitacional tratado como campo externo ao fluido e atuante numa regiao onde vale o princıpioda inercia na ausencia do fluido e do campo. A suposta existencia de um vınculo, ventiladaalgumas linhas acima, serve tao somente para enfatizar que o referencial tomado como inercialcertamente o sera na presenca do fluido e do campo ~g se tal vınculo for nulo em toda parte, oque sera verdade no caso da ausencia do campo ~g e do fluido, dado que o caso em que ~g e osefeitos aceleradores do fluido se cancelam em toda parte necessita do campo e do fluido para sedefinir o referencial como inercial, caso de situacao particular, o que obviamente e incompatıvel

Page 28: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

28 2 CONCEITOS

A dinamica de queda da esfera pode, entao, ser resolvida se soubermosa forca devida ao fluido na esfera, dado que a outra forca e devida ao campo~g que conhecemos e, obviamente, no escopo classico, a massa m da esfera.

Para determinarmos a forca devida ao fluido, temos de resolver aequacao (2.10) para o caso do escoamento de um fluido numa regiao ondevale o princıpio da inercia, com campo externo ~f , sendo, pois, que devemser dadas as condicoes de contorno na superfıcie da esfera. Sao exatamenteas condicoes de contorno na superfıcie da esfera que caracterizarao o movi-mento da mesma no fluido.

Se h(t) for a cota (altura) z do centro da esfera, em nao havendorotacao da esfera, o movimento da esfera sera vertical descendente sendoque, como todos os pontos do fluido na superfıcie da esfera ficam aderi-dos a ela pela condicao de nao-escorregamento nos escoamentos vis-cosos, todos os pontos do fluido na superfıcie da esfera terao a velocidade~v(∂ es f era) = h(t)ez. No infinito, os elementos do fluido estarao suposta-mente nao-perturbados, onde o nosso problema, no referencial xyz e o deresolver:

ρ~v−ρ~g+~∇p−η~∇2~v =~0, ~∇ ·~v = 0;

lim|~r|→∞

~v =~0, ~v(∂ es f era) = h(t)ez (nao-escorregamento).(2.11)

Infelizmente, o referencial xyz nao tem a conveniencia do referencial atado aesfera, dado que neste podemos utilizar as coordenadas polares planas comcentro no centro da esfera, dada a simetria axial z que nos permite tratar oproblema no plano, i.e., ainda que possamos tratar o problema no plano noreferencial xyz, e conveniente trata-lo em coordenadas polares planas comcentro no centro da esfera, pelo que se vislumbra ser necessario a posteriorintegracao na superfıcie esferica para a determinacao da forca de arrasto11

viscoso. Porem, no referencial atado a esfera, teremos forca de inercia, poiso mesmo estara acelerado em relacao ao referencial inercial do chao. Naesteira do que foi explanado na nota de rodape 10, poderıamos cogitar a im-possibilidade de se tratar a aceleracao de referencial nao-inercial que aparece

a uma generalizacao em se adotar sempre um referencial inercial para a aplicacao da equacao deNavier-Stokes. Assim, o referencial adotado para a aplicacao da equacao de (2.10) e aquele livrede campos efetivos e do fluido, caso contrario, incorporam-se, como veremos em seguida, todosos campos existentes na ausencia de fluido ao campo ~f na equacao (2.10).

11O que denominamos forca de arrasto tambem contem a forca de empuxo hidrostatico, comodemonstraremos mais adiante. Porem, isso nao nos causara nenhuma dificuldade.

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2.2 O Referencial da Esfera em Queda 29

no referencial atado a esfera como equivalente a um campo gravitacional, dig-amos~g0, a ser incorporado a ~f na equacao (2.10), dado que tal efeito inexistena ausencia de fluido, pois o referencial atado a esfera estaria em queda livre(portanto, com~g0 =~0), sendo, assim, que~g0 nao seria independente do fluido.Um observador em tal referencial teria de localizar uma regiao sem fluido (ointerior da esfera) e medir o campo gravitacional local ~g0 com uma balanca.Concluiria que em regiao de seu referencial onde ha ausencia de fluido existeum campo~g0 que, se inexistente, traria o seu referencial ao status de inercial.A questao a ser respondida e se tal campo e realmente fictıcio de referen-cial nao-inercial, caso em que nao poderia ser oriundo de efeitos locais devizinhanca, ou seja, associado a corpos nas vizinhancas, situacao em que talcampo seria independente do fluido, ou se tal campo e realmente dependentedo fluido, caso em que nao poderia ser tratado como campo eminentementeexterno. Claramente, o referencial atado a esfera estara acelerado em relacaoao referencial do chao, este inercial, sendo, portanto, aquele, nao-inercial.Se imaginarmos uma mirıade de reguas ideais rıgidas todas conectanto ospontos do espaco em repouso no referencial em queda, inclusive para os pon-tos externos ao interior da esfera onde se fez o laboratorio de observacoes,portanto adentrando o fluido, teremos que todos eles cairao exatamente damesma maneira em relacao ao chao, i.e., com a mesma aceleracao, dondeo efeito nao-inercial de se estar acelerado em relacao ao referencial inercialdo solo sera o mesmo em todos esses pontos. Assim, tal efeito e um efeitode contorno e independe da presenca local do fluido, donde, na equacao in-finitesimal (2.10), tal campo deve ser realmente tratado como independente depresenca local do fluido. Conforme veremos em seguida, essa interpretacao erealmente correta. Do ponto de vista do fluido, o efeito de se ter uma condicaode contorno e externa ao fluido, i.e., a fronteira da esfera e imposta externa-mente ao fluido, sendo decorrente de tal fronteira a forca de arrasto sobre aesfera, do que decorre a aceleracao do referencial em queda em relacao aoreferencial inercial do chao, do que decorre o efeito global de todos os pon-tos da mirıade de reguas caırem da mesma forma em relacao ao chao, donde,finalmente, o efeito inercial decorre de condicao externa imposta a presencaglobal do fluido, devendo, portanto, ser descrito por ~f (efeito externo ao flu-ido) na equacao (2.10) no referencial da esfera em queda. Assim, parece,heuristicamente, que para escrever a equacao de Navier-Stokes no referencialda esfera em queda devemos determinar o campo equivalente a aceleracao dereferencial nao-inercial e coloca-lo na equacao (2.10) no lugar de ~f , comofizemos com ~g no referencial xyz. Mostremos que, tanto heuristica quantorigorosamente, essa e a interpretacao que deve ser dada a aceleracao de refer-

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30 2 CONCEITOS

encial nao-inercial que aparece no referencial da esfera em queda e, tambem,que tal aceleracao e externa as presencas locais de fluido no referencial nao-inercial atado a esfera.

Para determinarmos o campo de inercia, facamos um experimentoimaginario e comprovemos posteriormente a veracidade do resultado obtido.Tal experimento segue das ideias heurısticas explanadas anteriormente. Umanota para o termo campo de inercia que, mesmo que possa ser abusivo quantoao jargao, sera utilizado deliberadamente como sinonimo de aceleracao queaparece no re-ferencial em queda como consequencia de estar acelerado emrelacao a um referencial inercial, i.e., em relacao ao chao.

Figura 1: Esfera em queda

Na figura ao lado, a esfera de massam tem uma balanca de massa desprezıvel emseu interior que mede a forca normal que o”chao” da esfera faz na massa de prova m0.Isolando o sistema composto pelas massasm+m0, temos:

(m+m0) h(t)ez = ~F ′drag +(m+m0)~g ∴

h(t)ez =~F ′drag

(m+m0)+~g. (2.12)

Ja, isolando a massa de prova m0, temos:

m0h(t)ez = ~N +m0~g⇒ h(t)ez =~Nm0

+~g,

(2.13)onde ~N e a reacao normal, com versor ez, cujo modulo e medido pela balanca.De (2.12) e (2.13), temos:

~F ′drag

(m+m0)+~g =

~Nm0

+~g⇒~Nm0

=~F ′drag

(m+m0)=

~Fdrag +δ~Fdrag(m0)(m+m0)

,

donde o campo gravitacional no interior da esfera,~g0, e definido e dado por:

~g0 = limm0→0

−~Nm0

= limm0→0

−~Fdrag +δ~Fdrag(m0)

(m+m0)=−

~Fdrag

m, (2.14)

Page 31: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.2 O Referencial da Esfera em Queda 31

onde ~Fdrag e a forca de arrasto viscoso original, sem a massa de prova, eδ~Fdrag(m0) e o incremento a forca de arrasto original - por termos consideradoa presenca interna da massa de prova m0.

Substistituindo o campo externo dado por (2.14) na equacao (2.10)para ~f , temos a equacao de Navier-Stokes no referencial atado a esfera:

ρ′~v′−ρ

′~g0 +~∇′p′−η′~∇′2~v′ = ρ

′~v′+ρ′~Fdrag

m+~∇′p′−η

′~∇′2~v′ =~0, (2.15)

onde as linhas denotam as medidas feitas no referencial atado a esfera.Para demonstrar que a heurıstica que levou a equacao (2.15) esta

realmente correta, tomemos os referenciais S (inercial) e S′ (nao-inercial),conforme esquematizado abaixo e o escoamento do fluido numa regiao ℜ,sendo P a localizacao de um ponto do fluido:

Figura 2: Escoamentodo fluido numa regiaoℜ.

Temos que:

~r =~h+~r′ ∴

~r =~h+~r′,

~r = ~v =~h+~r′.(2.16)

~∇ =3

∑j=1

e j∂

∂x j=

3

∑j=1

e j

3

∑k=1

∂x′k∂x j

∂x′k=∑

j,ke j

∂x′k∂x j

∂x′k.

(2.17)

De (2.16), temos que:x′j = x j−h j,

(2.17)∴ ~∇ = ∑

j,ke j

∂x j(xk−hk)

∂x′k. (2.18)

No nosso caso12, temos, para o sistema atado a esfera, digamos S′ ≡ x′y′z′,

12Os pontos representam diferenciacoes ordinarias em relacao ao tempo do ponto de vista doreferencial inercial do chao (S). Porem, como os versores dos dois sistemas de coordenadas de

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32 2 CONCEITOS

com origem no centro da esfera, que: h j = h j(t) e e j//e′j, sendo entao, por(2.18), que:

~∇ = ∑j,k

e′j∂

∂x j(xk−hk(t))

∂x′k= ∑

j,ke′j

∂xk

∂x j

∂x′k= ∑

j,ke′jδk j

∂x′k= ∑

je′j

∂x′j∴

~∇ = ~∇′. (2.19)

No sistema S = xyz, a equacao (2.10), e dada por:

ρ~v−ρ~g+~∇p−η~∇2~v =~0,

que, pelas equacoes (2.16) e (2.19), e reescrita:

ρ

(~h+~v′

)−ρ~g+~∇′p−η~∇′2

(~h+~v′

)=~0⇒

⇒ ρ

(~h+~v′

)−ρ~g+~∇′p−η~∇′2

(~h(t)+~v′

)=~0⇒

⇒ ρ~h+ρ~v′−ρ~g+~∇′p−η~∇′2~v′ =~0. (2.20)

Sendo ρ , p e η escalares, sao invariantes por transformacoes de coorde-nadas13, temos:

⇒ ρ′~h+ρ

′~v′−ρ′~g+~∇

′p′−η

′~∇′2~v′ =~0. (2.21)

A segunda lei de Newton aplicada a esfera de massa m fornece, no referencialS≡ xyz:

(2.21′) :

m~h = ~Fdrag +m~g⇒~h =~Fdrag

m+~g,

que, substituıdo em (2.20), fornece:

nosso problema, os sistemas atado ao chao (S) e atado a esfera (S′), mantem-se paralelos, temosque nao havera variacao destes versores, donde as diferenciacoes terao o mesmo significadofısico nos dois sistemas, quando aplicadas a mesma grandezal vetorial que utilize esses versorescomo base num dos sistemas. Por exemplo, (d/dt)S~r

′= (d/dt)S (x′e

′x + y′e

′y + z′e

′z) = x′e

′x +

y′e′y + z′e

′z + x′ ˙e

′x + y′ ˙e

′y + z′ ˙e

′z = x′e

′x + y′e

′y + z′e

′z = (d/dt)S′~r

′.

13Lembremos que a hipotese de isotropia nos permite que escrevamos ηi j = ηδi j , ρi j = ρδi j ,pi j = −pδi j . Tais tensores sao invariantes por transformacao de coordenadas. De fato, p′i j =∑k,l aika jl pkl = ∑k,l aika jl(−p)δkl = −p∑l aila jl = −pδi j = −p′δi j , donde p = p′. O mesmoraciocınio se aplica a ρ e a η .

Page 33: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 33

ρ′~Fdrag

m+ρ

′~g+ρ′~v′−ρ

′~g+~∇′p′−η′~∇′2~v′ =~0 ∴

ρ′~v′+ρ

′~Fdrag

m+~∇

′p′−η

′~∇′2~v′ =~0,

que e exatamente a equacao (2.15) obtida heuristicamente.Ficando tacito entao que passamos para o referencial da esfera, onde,

abandonando as linhas na equacao (2.15) e tendo em vista as condicoesde contorno lim|~r′|→∞~v′ = −h(t)e′z e ~v′ (∂esfera) = ~0, temos o problemamatematico:

ρ~v+ρ

~Fdrag

m+~∇p−η~∇2~v =~0, ~∇ ·~v =~0;

lim|~r|→∞

~v =−h(t)ez, ~v(∂esfera) =~0 (nao-escorregamento).(2.22)

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao deNavier-Stokes

Nesta secao, exploraremos fısica e matematicamente a solucao daequacao (2.22) para o calculo da forca de arrasto que o fluido faz na esfera.Encontraremos serios problemas, ja de pronto, relacionados a nao-linearidadeda equacao de Navier-Stokes. Investigaremos sob quais condicoes podemostratar a equacao (2.22) como linear. Dentro das condicoes de validade doprincıpio de superposicao, i.e., na validade de linearidade de (2.22), propore-mos solucao que superponha modos de Fourier em representacao integral demaneira a descrever o movimento real da esfera em queda como superposicaode oscilacoes da mesma dentro do fluido. Determina-se, tambem para estasecao, a expressao geral para o calculo da forca de arrasto, utilizando-se vol-ume de controle indeformavel, dado que utilizaremos a expressao geral nocaso particular de lineridade aqui nesta secao tratado e, tambem, na aplicacaoprincipal que faremos quando da analise posterior sobre crise do arrasto (ob-jeto principal deste trabalho). Veremos que as condicoes de validade da lin-earidade de (2.22) nos levarao a necessidade de baixos numeros de Reynolds,

Page 34: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

34 2 CONCEITOS

grandeza a ser definida. Porem, a expressao obtida para a forca de arrastoainda sera mais geral que a de Stokes, pois nao imporemos regime esta-cionario. Enfim, a investigacao que aqui faremos e tao somente para queganhemos alguma heurıstica sobre a dinamica que surge, e suas implicacoes,da equacao (2.22), no nosso problema de queda da esfera, ainda que asinformacoes oriundas estejam vinculadas a validade de linearidade.

Suponhamos que estejamos num caso geral de regime transitorio emque o campo de velocidades dependera tambem do tempo enquanto naoatingido o estacionario, sendo que este estacionario pode ser atingido deforma arbitraria quanto ao tempo, i.e., rapida ou lentamente. Nesse regimetransitorio, denotaremos o campo de velocidades na equacao (2.22) por14

U(~r, t), onde~r e o vetor posicao de um ponto do fluido no referencial da es-fera em queda. Colocaremos tambem um ındice 0 nas demais grandezas quedevem ser diferentemente notadas neste caso particular, conforme facilmentese depreende abaixo. Temos que:

~U (~r, t) =ddt

~U (~r, t) =3

∑j=1

x j∂

∂x j~U (~r, t)+

∂ t~U (~r, t)⇒

⇒ ~U (~r, t) =

(∑

jx j

∂x j

)~U (~r, t)+

∂ t~U (~r, t) ∴

~U (~r, t) =[~U (~r, t) ·~∇

]~U (~r, t)+

∂ t~U (~r, t) ,

donde reescrevemos na equacao (2.22):

ρ

[~U (~r, t) ·~∇

]~U (~r, t)+ρ

∂ t~U (~r, t)+

ρ

m~F0

drag +~∇p0−η~∇2~U (~r, t) =~0.

(2.23)

Como a forca de arrasto ~F0drag no regime transitorio, assim como em

todo o regime, estara direcionada ao longo de ez, com sentido ascendente,podemos considera-la como ~F0

drag = F0dragez em (2.23).

Entao, o rotacional da forca de arrasto no regime transitorio e:

14Tal diferenca de notacao pois tal campo devera depois se amoldar as condicoes que deter-minaremos para que (2.22) seja tratada como linear, i.e., queremos evidenciar o carater particularque nesta secao daremos.

Page 35: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 35

~∇×~F0drag = (ex∇x + ey∇y + ez∇z)×

(F0

dragez

)∴

~∇×~F0drag = (ex× ez)∇xF0

drag +(ey× ez)∇yF0drag +(ez× ez)∇zF0

drag,

que e claramente nulo, dado que se F0drag depender da posicao, assim o fara

somente em relacao a cota z (lembremos que, por hipotese, a esfera deslocar-se-a segundo a vertical).

Entao, tomando o rotacional em ambos os lados de (2.23), e lem-brando que um campo gradiente e irrotacional, temos:

ρ~∇×[(

~U (~r, t) ·~∇)

~U (~r, t)]+ρ

∂ t

[~∇×~U (~r, t)

]−η~∇2

[~∇×~U (~r, t)

]=~0,

ou:

~∇×[(

~U (~r, t) ·~∇)

~U (~r, t)]+

∂ t

[~∇×~U (~r, t)

]− η

ρ

~∇2[~∇×~U (~r, t)

]=~0.

(2.24)

Seja o numero de Reynolds Re = 2RU (~r, t)ρ/η no regime transitorio,onde 2R e o diametro da esfera. Tomando as dimensoes tıpicas, temos que otermo ~∇×

[(~U (~r, t) ·~∇

)~U (~r, t)

]tera modulo da ordem de U2/(2R)2.

Ja o termo (η/ρ)~∇2[~∇×~U (~r, t)

], tera modulo da ordem de

ηU/[ρ (2R)3

], donde:

∣∣∣(η/ρ)~∇2[~∇×~U (~r, t)

]∣∣∣∣∣∣~∇×[(~U (~r, t) ·~∇)

~U (~r, t)]∣∣∣ ∼= ηU/ρ (2R)3

U2/(2R)2 =η

2RρU=

1Re

. (2.25)

Entao, vemos que para pequenos valores do numero de Reynolds(Re << 1), podemos desprezar o primeiro termo de (2.24), frente ao terceiro,e reescrever:

∂ t

[~∇×~U (~r, t)

]− η

ρ

~∇2[~∇×~U (~r, t)

]=~0, (2.26)

o que sera claramente valido num regime transitorio com baixo numero de

Page 36: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

36 2 CONCEITOS

Reynolds.Sera somente esse o caso? Poderemos desprezar o termo nao-linear,

~∇ ×[(

~U (~r, t) ·~∇)

U (~r, t)], somente se o regime transitorio estiver na

condicao Re << 1? Investiguemos mais o assunto. Para tal, suponhamosverdadeira a equacao (2.26):

∂ t

(~∇×~U

)=

η

ρ

~∇2(~∇×~U

). (2.27)

A equacao (2.27) e a conhecida equacao da conducao do calor para ~∇×~U .Tomando solucoes de (2.27) na forma ~∇× ~U =~s0ei(~k·~r−ωt), com ~s0 = ~cte, esubstituindo em (2.27), temos:

−iω~s0ei(~k·~r−ωt) =−η

ρk2~s0ei(~k·~r−ωt) ∴

k2 =iρω

η⇒ k =

√i(

ρω

η

)1/2

. (2.28)

Para calcularmos as raızes de i, i.e.,√

i, facamos√

i = α + iβ ; α , β ∈ R.Entao, temos:

i = (α + iβ )2 = α2 +2iαβ −β

2 ∴α2−β 2 = 0;

2αβ = 1.

Dado isso, temos:

α2−(

12α

)2

= 0⇒ α2− 1

4α2 =4α4−1

4α2 = 0 ∴

4α4 = 1⇒ α

4 = 1/4⇒ α2 =±1/2.

Como α ∈ R, temos:

α2 = 1/2⇒ α =±

√2/2 ∴

β =1

2α=±1

22√2

=±√

22∴

Page 37: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 37

√i ∈

√2

2+ i

√2

2;−√

22− i

√2

2

,

e a equacao (2.28) torna-se:

k =(

ρω

η

)1/2(±√

22

(1+ i)

)=±(1+ i)

(ρω

)1/2

. (2.29)

Seja λ o versor de onda da solucao proposta para ~∇× ~U na equacao(2.27), lembrando que estamos determinando as condicoes para a validadeda retirada do primeiro termo nao-linear da equacao (2.24) para o regimetransitorio. Assim, dado o exposto, temos:

~∇×~U =~s0ei(±(ρω/2η)1/2(1+i)λ ·~r−ωt

)=~s0e±i(ρω/2η)1/2

λ ·~r∓(ρω/2η)1/2λ ·~r−iωt ∴

~∇×~U =~s0e∓(ρω/2η)1/2λ ·~re±i

((ρω/2η)1/2

λ ·~r∓ωt). (2.30)

Notemos que: ∣∣∣~∇×~U∣∣∣= s0e∓(ρω/2η)1/2

λ ·~r, (2.31)

donde vemos que devemos tomar o sinal negativo, dado que terıamos umrotacional de modulo infinito no infinito.

A analise qualitativa que se torna importante aqui e a de que a vorti-cidade, ~∇× ~U , decai em regimes em que a equacao (2.27) e valida, ou seja,quando desprezamos o termo nao-linear na equacao (2.24). A princıpio, issopode ocorrer independentemente do numero de Reynolds, desde que (2.27)seja valida. Continuemos a analise.

Sabemos que a distancia δ na qual a amplitude de uma onda cai de umfator e e chamada de profundidade de penetracao da onda. Entao, de (2.31),temos:

δ (ρω/2η)1/2 = 1⇒ δ =(

ρω

)1/2

. (2.32)

Entao, do exposto, vemos que podemos fazer uma analise qualitativareferente a equacao (2.27) sobre a vorticidade, donde concluımos haver umdecrescimento exponencial da vorticidade quando penetramos para o interiordo fluido, reiterando, mais uma vez, que ainda estamos supondo condicoes

Page 38: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

38 2 CONCEITOS

sob as quais e valida a equacao (2.27).Notando que a solucao proposta para o rotacional na equacao (2.27) e

oscilatoria de frequencia ω , o mesmo sucedera com a velocidade ~U (~r, t) doselementos de fluido. Em outras palavras, podemos conjecturar que o movi-mento do fluido causado por oscilacoes da esfera imersa e rotacional numacerta camada em torno da esfera, tornando-se irrotacional para distancias maisafastadas, i.e., potencial. A profundidade de penetracao do fluxo rotacionalseria, entao, da ordem de ≈ (η/ρω)1/2, conforme a equacao (2.32), sob ahipotese de validade de (2.27).

Temos, entao, dois casos-limite importantes a considerar: δ >> 2R,δ << 2R. Entao:

δ >> 2R(2.32)⇒ 2η

ρω>> 4R2⇒ (2R)2

ω <<2η

ρ⇒ 2Rω

2<<

η

(2R)ρ=

URe∴

Re <<U

ωR(2.33)

Seja l a amplitude de oscilacao tıpica dos elementos do fluido. Entao, U ≈ωl,que, substituıdo em (2.33), fornece:

Re <<ωlωR

=lR

. (2.34)

3.1.a) Entao, e lıcito supor (2.27) valida para baixos numero de Reynoldsquando δ >> 2R, se as amplitudes de oscilacao caracterısticas no fluidoforem menores ou da mesma ordem de grandeza que a dimensao carac-terıstica da esfera.Agora:

δ ≈ 2R(2.32)⇒ 2η

ρω≈ 4R2⇒ (2R)2

ω ≈ 2η

ρ⇒ 2Rω

2≈ η

(2R)ρ=

URe∴

Re≈ UωR

(2.35)

Novamente, seja l a amplitude de oscilacao tıpica dos elementos do fluido,donde U ≈ ωl, que, substituıdo em (2.35), fornece:

Re≈ ωlωR

=lR

. (2.36)

Page 39: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 39

3.1.b) Entao, e lıcito supor (2.27) valida para baixos numero de Reynoldsquando δ ≈ 2R, se as amplitudes de oscilacao caracterısticas no fluido forembem menores que a dimensao caracterıstica da esfera.

Inferimos das conclusoes 3.1.a e 3.1.b que, para uma mesma esfera de raioR, para l << R a partir da situacao δ >> R, a equacao (2.27) continuaravalida (sendo, portanto, desprezıveis os efeitos nao-lineares) para escoamen-tos em que, a medida que as regioes rotacionais do fluido vao se confinandoa partes mais proximas da esfera, de δ >> 2R para δ ≈ 2R, nao aumentemas amplitudes de oscilacao durante esse confinamento. Isso significa que,em escoamentos em que as amplitudes de oscilacao diminuam, devera haverum amortecimento suficiente para cessar os efeitos nao-lineares. Recordandoque o numero de Reynolds Re = 2RU (~r, t)ρ/η e inversamente proporcional aviscosidade, e que esta seria a responsavel pelos efeitos viscosos de amorteci-mento, donde, ainda que a viscosidade η fosse constante, seu efeito seria dis-sipativo no numero de Reynolds Re = 2RU (~r, t)ρ/η , e dado que a dissipacaode energia cinetica dos elementos de fluido traduz-se numa diminuicao docampo de velocidades U (~r, t), o efeito da viscosidade nao deveria ser o dediminuir o numero de Reynolds? A resposta seria positiva se colocassemosa esfera no fluido com alguma velocidade inicial e deixassemos a mesma so-mente sob acao do fluido. Mas, neste caso, as regioes rotacionais afastar-se-iam da superfıcie da esfera e nao o contrario. Assim, deve agir um agenteexterno ao fluido, como o campo gravitacional, por exemplo, que realizetrabalho nos elementos de fluido de modo a incrementar a energia cineticadesses elementos, situacao esta em que aumentaria o numero de Reynolds e,assim, aparecendo o efeito de confinar a rotacionalidade do fluido as regioesproximas a superfıcie da esfera. Agora, notemos que o operador ~U (~r, t) ·~∇representa a derivada direcional na direcao da velocidade. Suponhamos ocaso em que δ << 2R.Proximo a superfıcie da esfera, a velocidade do fluido sera predominante-mente tangencial. Na direcao tangencial, a velocidade variara apreciavel-mente em distancias que forem da ordem das dimensoes tıpicas da esfera,i.e., 2R. Entao: ∣∣∣(~U (~r, t) ·~∇

)~U (~r, t)

∣∣∣≈ U2

2R≈ (ωl)2

2R, (2.37)

onde l e a amplitude de oscilacao tıpica dos elementos do fluido nas proxim-idades da esfera no caso δ << 2R. A derivada ∂~U (~r, t)/∂ t, neste caso, seratal que:

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40 2 CONCEITOS

∣∣∣∂~U (~r, t)/∂ t∣∣∣≈Uω ≈ lω2. (2.38)

De (2.37) e (2.38), temos que:∣∣∣(~U (~r, t) ·~∇)

~U (~r, t)∣∣∣∣∣∣∂~U (~r, t)/∂ t

∣∣∣ ≈ ω2l2

2R× 1

lω2 ≈lR

. (2.39)

Vemos, entao, de (2.39), que, se a amplitude de oscilacao dos elementos dofluido nas proximidades da esfera for tal que l << R, poderemos desprezar oprimeiro termo da equacao (2.24), frente ao segundo, o que sera equivalentea dizer que (2.27) continua valida. Notemos que num escoamento em quel << R, caso em que (2.27) e valida para δ >> 2R e para δ ≈ 2R, devido a3.1.a e 3.1.b, (2.27) continuara valida para δ << 2R, i.e., nos escoamentoscom l << R o confinamento das regioes rotacionais do fluido a superfıcie daesfera poderao ser suficientemente descritos pela equacao (2.27). Assim, nahipotese de escoamentos em que l << R, portanto satisfatoria a descricao,o estudo, da propagacao do rotacional de tais escoamentos pela equacao(2.27), temos que, no regime em que δ << 2R:

δ << 2R(2.32)⇒ 2η

ρω<< 4R2⇒ (2R)2

ω >>2η

ρ⇒ 2Rω

2>>

η

2Rρ=

URe∴

Re >>U

ωR≈ ωl

ωR=

lR

. (2.40)

Comparando (2.34), (2.36) e (2.40), vemos que o confinamento das regioesrotacionais em direcao as proximidades da superfıcie da esfera, para escoa-mentos em que se mantem a relacao l << R, portanto descritos por (2.27),e acompanhado de um aumento do numero de Reynolds. Inferimos em taisescoamentos que os efeitos rotacionais serao importantes tao mais proxima-mente a superfıcie da esfera quanto maior o numero de Reynolds. Tal regiaoproxima da esfera onde os efeitos rotacionais sao importantes e o que denom-inaremos, mais adiante, camada limite.

Assim, supor-se-a valida a equacao (2.27) para o regime transitorio,pois faremos a hipotese valida para esta secao de que l << R. Na deducaoda equacao (2.40) ha duas hipoteses cruciais, a de que os efeitos rotacionaisestao confinados as vizinhancas da esfera e a de que sempre se verificara

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2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 41

l << R. A conclusao, exatamente (2.40), e a de que nao ha limite superior adhoc para o numero de Reynolds sob tais hipoteses. Assim, pode ser possıvel,ou seja, nao e impossıvel dentro das hipoteses aqui supostas, a equacao (2.27)continuar localmente valida nas regioes do fluido em que a relacao l << R severifique. Fora da regiao rotacional de um fluido, i.e., fora da profundidadede penetracao, fora da camada limite, o escoamento vai-se tornando eminen-temente irrotacional. Ora, a tensao de cisalhamento tangencial e a que medea taxa de deformacao de um elemento infinitesimal de fluido de modo a naoalterar seu volume, i.e., sem os efeitos viscosos de compressibilidade. Assim,um cubo elementar de fluido transformar-se-ia nao mais num prisma reto,sob acao pura do cisalhamento tangencial, mas num prisma com arestas in-clinadas, deformadas, portanto rotacional. Assis, se houver cisalhamento tan-gencial, havera rotacional. A recıproca nao e verdadeira, pois, numa rotacaopura, ha rotacional, mas nao cisalhamento. Obviamente, em regioes onde naoha rotacional, nao ha deformacao, logo, nao ha cisalhamento. Do exposto,concluımos que fora da profundidade de penetracao, fora da camada limite,fora da regiao de confinamento progressivo da vorticidade, teremos escoa-mento irrotacional e de cisalhamento nulo. A equacao que descreve o escoa-mento de fluidos sem viscosidade e a equacao de Euler que pode ser obtida de(2.3) tomando-se ~∇ ·Γ = 0. Obviamente isso sera possıvel se Γ = 0. Assim,num escoamento incompressıvel, caso em que Γ, o tensor de efeitos viscososde cisalhamento tangencial e de compressibilidade, sera o proprio tensor decisalhamento tangencial, a regiao externa a camada limite, por ser eminen-temente irrotacional, sera bem descrita pela equacao de Euler com campode velocidades potencial, i.e., na regiao fora da camada limite ter-se-a umescoamento de fluido bem ideal. Lembremos que esse comportamento naocontraria o fato de termos viscosidade constante, i.e., o fato de que o fluidoainda seja viscoso mesmo sob tais condicoes, pois o que faz com que um flu-ido se comporte idealmente nao e a viscosidade mas sim o tensor de efeitosviscosos, e este pode ser nulo mesmo na presenca de viscosidade. Dessesfatos surge a possibilidade de, para altos numeros de Reynolds em um casogeral, resolvermos o escoamento do fluido na regiao externa a camada limitecomo potencial descrita pela equacao de Euler. Aqui, nesta secao, para gan-harmos mais heurıstica sobre o comportamento da equacao de Navier-Stokespara o nosso caso concreto a ser definido mais adiante, principalmente no queconcerne ao calculo da forca de arrasto, suporemos, ainda, que l << R. Dadoo exposto, a mesma analise que alicerca a suposicao de validade de (2.27)alicerca o reescrever de (2.23) para o regime transitorio:

Page 42: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

42 2 CONCEITOS

ρ∂

∂ t~U (~r, t)+

ρ

m~F0

drag +~∇p0−η~∇2~U (~r, t) =~0. (2.41)

A velocidade de queda da esfera e uma funcao desconhecida do tempo,durante o regime transitorio, dada por, conforme notacao utilizada em (2.22):h0(t). Representemos h0(t) como uma integral de Fourier:

h0(t) = limM→∞

12π

∫ M

−Mhω e−iωtdω, hω = lim

M→∞

∫ M

−Mh0(τ)eiωτ dτ. (2.42)

Sendo a equacao (2.41) linear15, a forca de arrasto no regime transitorio, ~F0drag,

15Para efeitos de aplicacao do princıpio da superposicao, poder-se-ia afirmar que a equacao(2.41) nao seria linear homogenea a rigor, pois o termo de fonte nao-homogeneo ρ~F0

drag/m naopermitiria a obtencao das solucoes para os campos de velocidade e de pressao simplesmente pelasoma de solucoes independentes de (2.41), argumentando-se que a superposicao deveria ser feitasobre as solucoes da linear homogenea correspondente e esta soma somada a uma solucao partic-ular, em (2.41). Tal objecao realmente seria verdadeira se ρ~F0

drag/m fosse considerado um termo

prescrito de modo que as somas de solucoes para os campos p0, por exemplo pα0 + pβ

0 , e ~U(~r, t),por exemplo ~U(~r, t)α + ~U(~r, t)β devessem, quando substituıdas em (2.41), satisfazer a mesma.Porem, se nao o considerarmos prescrito, i.e., de modo que o mesmo seja tambem campo-solucaoda equacao (2.41), a soma dos campos pα

0 + pβ

0 , ~U(~r, t)α +~U(~r, t)β e ρ~F0,αdrag/m+ρ~F0,β

drag/m sat-isfariam a equacao (2.41). Sob tal enfoque, terıamos realmente a equacao (2.41) como linearhomogenea, pois a operacao [ρ/m +~∇ + (ρ∂/∂ t − η~∇2)][~F0

drag; p0; ~U(~r, t)] = (ρ/m)~F0drag +

~∇p0 + (ρ∂/∂ t − η~∇2)~U(~r, t) e realmente linear. Imaginemos que a esfera de nosso prob-lema esteja oscilando dentro do fluido com frequencia ω . Em tal situacao, terıamos a 3-upla [~F0ω

drag; pω0 ; ~U(~r, t)ω ]. Tal situacao seria caracterizada por uma condicao de contorno no

infinito, no referencial da esfera, em que os elementos de fluido no infinito estariam execu-tando oscilacao harmonica de frequencia ω . Para outra frequencia, em particular num movi-mento de mesma amplitute l, onde U ≈ ωl, a condicao de contorno e outra, o que causariauma mudanca no campo de referencial nao-inercial ~F0ω

drag, pois o arrasto puro sera outro (o em-

puxo hidrostatico nao varia). Assim, para cada ω , teremos uma 3-upla [~F0ωdrag; pω

0 ; ~U(~r, t)ω ]solucao de (2.41) para o mesmo tipo (porem nao fixo) de condicao de contorno. Notemos queagora um campo prescrito fixo, como o gravitacional no referencial do chao em nosso prob-lema, pode ser considerado, pois se consideraria simplesmente ρ~F0ω

drag/m = −ρδ (ω)~g ∀ ω .Esta discussao serve para fundamentar o princıpio da superposicao em modos de Fourier quefazemos nesta secao. Vamos fixar um modo atraves da representacao integral em modos deFourier da condicao de contorno no infinito em todas as frequencias de oscilacao possıveis paraos elementos de fluido no infinito no referencial da esfera. Entao, as frequencias de oscilacaocaracterısticas serao as da representacao integral de Fourier do campo de velocidades dos ele-mentos de fluido no infinito. Do ponto de vista do referencial da esfera e o fluido quem oscilasendo a fonte de oscilacao do fluido elastico as oscilacoes no infinito de frequencia ω . Assim,para um modo de frequencia ω das oscilacoes dos elementos de fluido no infinito no referen-

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2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 43

sera dada pela soma integral das forcas de arrasto para as velocidades com-ponentes de Fourier hω exp(−iωt). Determinemos, entao, primeiramente, aforca se arrasto sobre uma esfera que executa oscilacoes unidirecionais, semrotacao, num fluido. A condicao de contorno, no referencial da esfera, nasuperfıcie da esfera, impoe que:

~Uω (~r, t)∣∣∂es f era =~0.

Ja a condicao de contorno no infinito, no referencial da esfera, impoe:

~Uw (~r, t) |∞ =−hω e−iωt ez,

onde os ındices ω indicam que estamos trabalhando com o caso restrito,reiteramos, das componentes de Fourier, por enquanto. Facamos:

~Uω (~r, t) = ~Uω (~r, t)− hω e−iωt ez,

entao, as condicoes de contorno para ~Uω (~r, t) sao:

(2.42′) :

~Uω (~r, t)

∣∣∂ sphere = hω e−iωt ez;

~Uω (~r, t) |∞ =~0.

Da condicao de incompressibilidade ~∇ ·~Uω (~r, t) = 0, temos que:

~∇ ·~Uω (~r, t) = ~∇ ·(~Uω (~r, t)− hω e−iωt ez

)= ~∇ ·~Uω (~r, t) = 0,

cial da esfera, ao resolvermos a equacao (2.41) para esta frequencia, teremos, para os camposencontrados, que ρ

∂ t~Uω (~r, t) + (ρ/m)~F0ω

drag +~∇pω0 − η~∇2~Uω (~r, t) =~0. Integrando para to-

das as frequencias, temos (2π)−1 ∫ ∞

−∞[ρ ∂

∂ t~Uω (~r, t)+ (ρ/m)~F0ω

drag +~∇pω0 −η~∇2~Uω (~r, t)]dω =

~0 ⇒ ρ∂

∂ t ((2π)−1 ∫ ∞

−∞~Uω (~r, t)dω) +~∇((2π)−1 ∫ ∞

−∞(ρ/m)ϕ0

dragdω) +~∇((2π)−1 ∫ ∞

−∞pω

0 dω)−η~∇2((2π)−1 ∫ ∞

−∞~Uω (~r, t)dω) =~0. Assim, como vemos, a superposicao de modos obtidos

de (2.41) satisfazendo suas respectivas condicoes de contorno oscilatorias de mesma natureza(porem nao fixas) no infinito satisfara a equacao (2.41). Vemos que as integrais na equacaoenterior sao representacoes integrais de solucoes de (2.41). Serao entao essas integrais asrepresentacoes dos campos que satisfazem (2.41) e a condicao de contorno original no infinito?A resposta sera positiva se tais representacoes integrais satisfizerem a condicao de contorno orig-inal no infinito. Ao superpormos os modos estaremos representando a condicao de contornooriginal, pois estaremos tambem superpondo as condicoes de contorno modais. Assim, obtemosque as solucoes modais de (2.41) fornecerao os coeficientes da representacao integral de Fourierdos campos-solucao do problema original.

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44 2 CONCEITOS

onde o campo de velocidades auxiliar ~Uω (~r, t), auxiliar para que tenhamos, deacordo com (2.42’), campo nulo no infinito, sera necessariamente o rotacionalde um campo vetorial, digamos ~θω , donde:

~Uω (~r, t) = ~∇×~θω . (2.43)

Esperamos que o problema tenha simetria axial z, donde poderemostrata-lo em qualquer plano polar (plano paralelo ao eixo z e passando pelaorigem, sendo esta origem, como ja o explicitamos anteriormente, o centroda esfera em queda). Tomaremos16, entao, ~θω , em (2.43), ortogonal ao planopolar considerado, e na forma:

~θω =(~∇ψ

)×(~ae−iωt) ; (2.44)

~∇ψ = ~∇ψ (r,θ) ,

~a ∈ plano polar, com ~a ~cte. Com essa escolha, ou seja, com ~∇ψ (r,θ), o quesera plausıvel pela simetria axial, e com ~a constante, ~a devera estar em todosos planos polares que formos considerar para resolver o problema, dado quenao ha preferencia de plano polar, por simetria, o que somente sera possıvelse ~a estiver sobre o eixo z. Portanto, ~a e um vetor z-axial auxiliar constante.Entao, das equacoes (2.43) e (2.44), temos:

~Uω (~r, t) = ~∇×[(

~∇ψ×(~ae−iωt))]= e−iωt~∇×

[~∇× (ψ~a)

]; (2.45)

ψ = ψ (r,θ) , ~a = aez.

Temos, entao, de (2.45):

~∇×~Uω (~r, t)=~∇×

e−iωt~∇×[~∇× (ψ~a)

]= e−iωt

(~∇×~∇×

)(~∇× (ψ~a)

).

(2.46)

Mas: (~∇×~∇×

)=(~∇~∇ ·−~∇2

), (2.47)

16Essa sera a nossa escolha. Como veremos, satisfara o problema matematico.

Page 45: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 45

(2.46)∧(2.47)∴

~∇×~Uω (~r, t) = e−iωt(~∇~∇ ·−~∇2

)(~∇× (ψ~a)

)=~∇[~∇ ·(~∇× (ψ~a)

)]−~∇2

[~∇× (ψ~a)

]e−iωt ∴

~∇×~Uω (~r, t) =−e−iωt~∇2[~∇× (ψ~a)

], (2.48)

pois o divergente do rotacional e nulo. Substituindo o resultado de (2.48) naequacao (2.27), temos:

∂ t

−e−iωt~∇2

[~∇× (ψ~a)

]=

η

ρ

~∇2−e−iωt~∇2

[~∇× (ψ~a)

]⇒

⇒−iωe−iωt~∇2[~∇× (ψ~a)

]= e−iωt η

ρ

~∇4[~∇× (ψ~a)

]⇒

⇒ η

ρ

~∇4[~∇× (ψ~a)

]+ iω~∇2

[~∇× (ψ~a)

]=~0⇒

⇒ η

ρ

~∇4[(

~∇ψ

)×~a]+ iω~∇2

[(~∇ψ

)×~a]

=~0⇒

⇒ η

ρ

[~∇4(~∇ψ

)]×~a+ iω

[~∇2(~∇ψ

)]×~a =~0 ∴

η

ρ

[~∇4(~∇ψ

)]+ iω

[~∇2(~∇ψ

)]×~a =~0. (2.49)

Tentaremos o campo gradiente na forma ~∇ψ = ψ(r)er, ou seja, tentaremosum campo radial. Se conseguirmos satisfazer as condicoes de contorno, naohavera problema algum com a nossa escolha. Parece claro da escolha, queo primeiro fator do lado esquerdo da igualdade em (2.49), o que perfaz oproduto vetorial com ~a, somente sera colinear ~a se o mesmo for nulo. Defato:

~∇ψ = ψ(r)er⇒ ψ = ψ(r)(2.49)∴

Page 46: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

46 2 CONCEITOSη

ρ

[~∇(~∇4

ψ

)]+ iω

[~∇(~∇2

ψ

)]×~a =

η

ρ

~∇ j(r)+ iω~∇l(r)×~a =

=[

η

ρp(r)+ iωq(r)

]er

×~a,

demonstrando a colinearidade somente no caso de nulidade, dado que~a = aez ⇒ er ×~a 6=~0, com p(r), q(r), j(r) e l(r) funcoes da variavel r.Entao, temos necessariamente que:

~∇

ρ

~∇4ψ + iω~∇2

ψ

]=~0 ∴

η

ρ

~∇4ψ + iω~∇2

ψ = λ , (2.50)

onde λ e uma constante complexa. Colocando (2.50) na forma:

η

ρ

~∇2(~∇2

ψ

)+ iω~∇2

ψ = λ ,

notamos que a mesma admite uma solucao particular constante, i.e.,

η

ρ

~∇2 (ε)+ iωε = λ ⇒ ε =λ

iω=− iλ

ω, (2.51)

com ε , conforme mencionado, constante. Necessitamos, entao, resolver so-mente a equacao homogenea:

η

ρ

~∇2(~∇2

ψ

)+ iω~∇2

ψ = 0, (2.52)

que e semelhante a equacao que nos leva, por exemplo, no contexto da FısicaNuclear, ao potencial de Yukawa. Equacoes homogeneas desse tipo tem basede solucoes na forma eµr/r. Entao, substituindo em (2.52):

η

ρ

~∇2(

eµr

r

)+ iω

eµr

r= 0⇒ η

ρr−2 d

dr

(r2 d

dr

)(eµr

r

)+ iω

eµr

r= 0⇒ ···

⇒(

η

ρµ

2 + iω)

eµr

r= 0 ∴

Page 47: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 47

µ2 =− iρω

η⇒ µ =

√−i(

ρω

η

)1/2

. (2.53)

Para determinarmos as raızes de −i, facamos√−i =

√−1√

i = i√

i. Comoja determinamos as raızes de i anteriormente, na marcha que levou a (2.29),temos:

√−i ∈

√2

2i−√

22

;−√

22

i+√

22

=− 1√

2+

1√2

i;1√2− 1√

2i

,

de modo que determinamos (2.53):

µ =±(1− i)(

ρω

)1/2

. (2.54)

Temos, entao, a nossa base B de solucoes da equacao homogenea (2.52), i.e.:

B =

1r

e(1−i)r(

ρω

)1/2

;1r

e−(1−i)r(

ρω

)1/2

. (2.55)

Adotaremos somente o sinal negativo, ou seja, tomaremos uma das con-stantes, na combinacao linear dos elementos da base B, como sendo nula,para que nao haja divergencia no infinito, pois:

lim|~r|→∞

(1/r)exp(ρω/2η)1/2 r = ∞,

Entao, somando com a solucao particular, temos:

~∇2ψ =

Ar

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2− iλ

ω, A ∈ C ∴ (2.56)

r−2 ddr

(r2 d

drψ

)=

Ar

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2− iλ

ω⇒ ·· ·

· · · ⇒ rddr

(dψ

dr

)=−2

(dψ

dr

)+Ae−(1−i)r(ρω/2η)1/2

− iλ rw∴

r d(

dr

)+[

2(

dr

)−Ae−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+iλ rω

]dr = 0. (2.57)

Page 48: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

48 2 CONCEITOS

Procuremos um fator de integracao para (2.57), F (r,dψ/dr). Multiplicandoambos os lados de (62) por F (r,dψ/dr), temos:

rF (r,dψ/dr)d(

dr

)+[

2(

dr

)−Ae−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+iλ rω

×F (r,dψ/dr)dr = 0. (2.58)

Impondo:

∂ r(rF (r,dψ/dr)) =

=∂

∂ (dψ/dr)

[2

dr−Ae−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+iλ rω

]F (r,dψ/dr)

,

temos:

r∂F∂ r

+F =[

2dψ

dr−Ae−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+iλ rω

]∂F

∂ (dψ/dr)+2F.

Impondo F = F(r), temos r dFdr +F = 2F ⇒ F = r dF

dr ⇒ F = r e um fator deintegracao. Entao, (2.58) torna-se:

r2d (dψ/dr)+ r[2(dψ/dr)−Ae−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+ iλ r/ω

]dr = 0 =

(2.59)= M (r,dψ/dr)d (dψ/dr)+N (r,dψ/dr)dr = dC,

sendo C uma constante complexa, pois agora ∂M/∂ r = ∂N/∂ (dψ/dr), i.e.,temos um diferencial total da constante C. Entao:

r2 =∂C

∂ (dψ/dr)⇒

(59′)︷ ︸︸ ︷C = r2 dψ

dr+g(r),

onde g(r) e uma funcao exclusiva de r. Assim, temos:

Page 49: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 49

∂C∂ r

=∂

∂ r

(r2 dψ

dr+g(r)

)= N =

r[

2dψ

dr−Ae−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+iλ rω

]⇒ ··· ⇒

⇒ dgdr

(r) =−Are−(1−i)r(ρω/2η)1/2+

iλ r2

ω∴

g(r) =iλω

∫r2dr−A

∫re−(1−i)r(ρω/2η)1/2

dr⇒ ··· ⇒

⇒ g(r)=iλ r3

3ω+

2ηA

ρω (1− i)2

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2 (59′)⇒

C = r2 dψ

dr+g(r) = r2 dψ

dr+

iλ r3

3ω+

+2ηA

ρω (1− i)2

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2∴ r2 dψ

dr=

=

C− iλ r3

3ω− 2ηA

ρω (1− i)2

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

,

(2.60)

onde C e uma constante arbitraria complexa. Como no calculo do campo develocidades ~Uω (~r, t), do inıcio do regime transitorio, precisaremos, somente,de ~∇ψ , vide as equacoes (2.43) e (2.44), nao e necessario que integremos(2.60). Porem, e necessario que (2.60) convirja no infinito, pois la precis-aremos aplicar condicao de contorno, o que somente sera possıvel se λ = 0.Entao, (2.60) torna-se:

dr= r−2

C− 2ηA

ρω (1− i)2

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

,

(2.61)

com C e A, reiteramos, constantes arbitrarias complexas.

Page 50: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

50 2 CONCEITOS

Podemos, entao, por (2.61), calcular ~∇ψ:

~∇ψ = er∂ψ

∂ r= e

dr=

= err−2

C− 2ηA

ρω (1− i)2

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

.

(2.62)

Entao, de (2.44):

~θω =(~∇ψ

)×(~ae−iωt)=

(~∇ψ

)×(aeze−iωt) (2.62)⇒

a−1r2~θω eiωt =

=

C− 2ηA

ρω (1− i)2

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

(er× ez) ,

~θω =−ar−2 sinθ

C− 2ηA

ρω (1− i)2 ×

×

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

e−iωt eφ . (2.63)

pois er× ez =−sinθ eφ . Substituindo (2.63) em (2.43), temos:

~Uω (~r, t) = ~∇×~θω =−ae−iωt[

er∂

∂ r+

r∂

∂θ+

r sinθ

∂φ

×

sinθ

r2

C− 2ηA

ρω (1− i)2

[1+(1− i)r

(ρω

)1/2]

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

.

Utilizando as relacoes triviais entre os versores das coordenadas esfericas eos das coordenadas cartesianas, apos algum rearranjo algebrico, encontramos:

~Uω (~r, t) = asinθe−iωt eθ

Ar

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2− C

r3 +

Page 51: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 51

2ηA

ρω (1− i)2 r3e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+A

(1− i)r2

(2η

ρω

)1/2

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+

−acosθe−iωt er

2Cr3 −

4ηA

ρω (1− i)2 r3e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

+

− 2A(1− i)r2

(2η

ρω

)1/2

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

. (2.64)

Tomando a primeira condicao de contorno em (2.42’), temos:

~Uω (R,θ , t) = hω e−iωt ez = hω e−iωt (cosθ er− sinθ eθ ) ,

onde R e o raio da esfera. Convem notar que a segunda condicao de contornoem (42’), ~Uω (r,θ , t)r→∞

=~0, e satisfeita por (2.64) como consequencia danossa escolha (λ = 0) em (2.56).

Entao, aplicando a primeira condicao de contorno em (2.64), temos:

aAR

e−(1−i)R(ρω/2η)1/2− aC

R3 +2ηaA

ρω (1− i)2 R3e−(1−i)R(ρω/2η)1/2

+

aA(1− i)R2

(2η

ρω

)1/2

e−(1−i)R(ρω/2η)1/2=−hω ; (2.65)

−2aCR3 +

4ηaA

ρω (1− i)2 R3e−(1−i)R(ρω/2η)1/2

+

+2aA

(1− i)R2

(2η

ρω

)1/2

e−(1−i)R(ρω/2η)1/2= hω . (2.66)

Multiplicando (2.65) por −2 e somando a (2.66), obtemos A:

A =−3hω R2a

e(1−i)R(ρω/2η)1/2. (2.67)

Substituindo (2.67) em (2.66), calculamos C:

C =− hω R3

2a

[1+

ρω (1− i)2 R2+

3(1− i)R

(2η

ρω

)1/2]

. (2.68)

Page 52: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

52 2 CONCEITOS

Substituindo (2.67) e (2.68) em (2.64), e depois em ~Uω (~r, t) = ~Uω (~r, t)−hω e−iωt ez, expressao definida anteriormente (vide a expressao que antecede(2.42’)), obtemos o campo ~Uω (~r, t):

~Uω (~r, t) = asinθe−iωt eθ

−3hω R

2are(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

+

+hω R3

2ar3

[1+

ρω (1− i)2 R2+

3(1− i)R

(2η

ρω

)1/2]

+

− 3η hω R

aρω (1− i)2 r3e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

+

− 3hω R2a(1− i)r2

(2η

ρω

)1/2

e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

+

−acosθe−iωt er

− hω R3

ar3

[1+

ρω (1− i)2 R2+

3(1− i)R

(2η

ρω

)1/2]

+

+6η hω R

aρω (1− i)2 r3e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

+

+3hω R

a(1− i)r2

(2η

ρω

)1/2

e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

+

−hω e−iωt ez; ez = cosθ er− sinθ eθ . (2.69)

A equacao (2.69) fornece, entao, o campo de velocidades para o fluido, paraa esfera oscilante, de frequencia ω , com oscilacao unidirecional ao longo dedo eixo Oz, sendo o campo de velocidades observado no referencial atado aesfera, ratificando, satisfazendo as condicoes de contorno em (2.22) para ascomponentes de Fourier de h0(t), e satisfazendo a equacao linear (2.41) para~Uω (~r, t), conforme requerido. Resolvemos, entao, uma parte importante doproblema, que e a determinacao do campo de velocidades do fluido no refer-encial atado a esfera, ~Uω (~r, t), o que nos permitira calcular ~F0ω

drag, i.e., a forcade arrasto que devera ser integrada em ω , pelo princıpio da superposicao,dada a linearidade de (2.43).

Na marcha que levou da equacao (2.23) a equacao (2.24), vimos que

Page 53: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 53

~F0drag e irrotacional. Obviamente, pelos mesmos motivos, ~F0ω

drag tambem serairrotacional. Entao, escrevemos (2.41) para ~Uω (~r, t):

ρ∂

∂ t~Uω (~r, t)+

ρ

m~∇ϕ

0ωdrag +~∇pω

0 −η~∇2~Uω (~r, t) =~0, (2.70)

onde escrevemos ~F0ωdrag como um campo gradiente pelo motivo acima ex-

posto, sendo pω0 o campo escalar de pressao devido ao campo componente

de Fourier ~Uω (~r, t). Reescrevemos, entao, a equacao (2.70):

~∇(

ϕ0ωdrag

ρ

m

)+~∇pω

0 = ~∇(

ρ

0ωdrag + pω

0

)= η~∇2~Uω (~r, t)−ρ

∂ t~Uω (~r, t) ∴

~∇

(ϕ0ω

drag

m+

pω0

ρ

)=

η

ρ

~∇2~Uω (~r, t)− ∂

∂ t~Uω (~r, t) . (2.71)

mas:

~∇2~Uω (~r, t) = 17~∇2[~Uω (~r, t)− hω e−iωt ez

]= ~∇2~Uω (~r, t) =

(2.43)= ~∇2

[~∇×~θω

] (2.44)= ~∇2

~∇×

[(~∇ψ

)×(~ae−iωt)]=

= e−iωt~∇2[~∇×~∇× (ψ~a)

] (2.47)= e−iωt~∇2

~∇[~∇ · (ψ~a)

]−~a~∇2

ψ

=

= e−iωt~∇2~∇[~∇ · (ψ~a)

]− e−iωt~a~∇4

ψ. (2.72)

Temos, por (2.50) e, como vimos na marcha que levou de (2.60) a (2.61),dado que λ = 0:

~∇4ψ =

−iωρ

η

~∇2ψ,

que, substituıdo em (2.72), fornece:

~∇2~Uω (~r, t) = e−iωt~∇~∇2[~∇ · (ψ~a)

]+

iω~aρ

ηe−iωt~∇2

ψ. (2.73)

17Vide a equacao que antecede (2.42’).

Page 54: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

54 2 CONCEITOS

Substituindo (2.73) em (2.71), temos:

~∇

(ϕ0ω

drag

m+

pω0

ρ

)=

η

ρe−iωt~∇

~∇2[~∇ · (ψ~a)

]+

+iωe−iωt~∇2 (ψ~a)− ∂

∂ t~Uω (~r, t) . (2.74)

Fazendo uma inspecao em (2.69) e facil verificar que:

∂ t~Uω (~r, t)=

~Uω (~r, t)hω e−iωt

∂ t

(hω e−iωt)= 18

~Uω (~r, t)− hω e−iωt ez

hω e−iωt

∂ t

(hω e−iωt) .

(2.75)

Notando que hω e−iωt e a velocidade componente de Fourier da es-fera, dependente do tempo19, denominemo-la uω(t) e, obviamente,∂

∂ t

(hω e−iωt

)= uω(t), donde reecrevemos (2.75):

∂ t~Uω (~r, t) = ~Uω (~r, t)

uω(t)uω(t)

− uω(t)ez(2.43)=

[~∇×~θω

]uω(t)

uω(t)− uω(t)ez =

(2.44)=

uω(t)uω(t)

~∇×

[(~∇ψ

)×(~ae−iωt)]−~∇

zuω(t)+

uma funcao arbitraria de t︷︸︸︷γ(t)

= e−iωt

[~∇×~∇× (ψ~a)

] uω(t)uω(t)

−~∇(zuω(t)+ γ(t)) =

(2.47)=

e−iωt uω(t)uω(t)

~∇[~∇ · (ψ~a)

]−~∇2 (ψ~a)

−~∇(r cosθ uω(t)+ γ(t)) ∴

∂ t~Uω (~r, t) =

e−iωt uω(t)uω(t)

~∇[~∇ · (ψ~a)

]− e−iωt uω(t)

uω(t)~∇2 (ψ~a)+

−~∇(r cosθ uω(t)+ γ(t)) . (2.76)

18Vide nota anterior.19E notando que hω = hω (ω) = limM→∞

∫M−M h0(τ)eiωτ dτ e uma funcao exclusiva de ω ,

porem ω ainda e fixo, pois ainda estamos considerando o caso de oscilacao da esfera unidi-recionalmente em Oz, com frequencia ω .

Page 55: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.3 Analise, Heurıstica e Dificuldades na Solucao da Equacao de Navier-Stokes 55

Entao (vide a nota de rodape 19), uω(t) = hω (−iω)e−iωt = −iωuω(t),donde a equacao (2.76) torna-se:

∂ t~Uω (~r, t) =−iωe−iωt~∇

[~∇ · (ψ~a)

]+ iωe−iωt~∇2 (ψ~a)+

−~∇(r cosθ uω(t)+ γ(t)) . (2.77)

Substituindo (2.77) em (2.74), temos:

~∇

(ϕ0ω

drag

m+

pω0

ρ

)=

η

ρe−iωt~∇

~∇2[~∇ · (ψ~a)

]+ iωe−iωt~∇2 (ψ~a)+

+iωe−iωt~∇[~∇ · (ψ~a)

]− iωe−iωt~∇2 (ψ~a)+~∇(r cosθ uω(t)+ γ(t))⇒

~∇

(ϕ0ω

drag

m+

pω0

ρ

)=

~∇

η

ρe−iωt~∇2

[~∇ · (ψ~a)

]+ iωe−iωt

[~∇ · (ψ~a)

]+ r cosθ uω(t)+ γ(t)

pω0 = ηe−iωt~a ·

[~∇(~∇2

ψ

)]+ iωρe−iωt~a ·

(~∇ψ

)+

+ρr cosθ uω(t)+ pc(t)−ρ

0ωdrag, (2.78)

estando determinado, entao, o campo de pressao no fluido para a esfera queoscila unidirecionalmente com frequencia ω , ao longo de Oz, componentede Fourier, no transitorio, sendo pc(t) uma funcao exclusiva do tempo -sendo, pois, a cada instante, de mesmo valor em todo o fluido20, o que naoinfluenciara, como veremos, o calculo da forca sobre a esfera. Precisamosdeterminar ~∇

(~∇2ψ

)e ~∇ψ , para colocarmos em (2.78). De (2.56), temos:

~∇(

~∇2ψ

)= er

∂ r

(Ar

e−(1−i)r(ρω/2η)1/2)

=

20A rigor, em toda regiao do fluido em que a equacao diferencial e integravel.

Page 56: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

56 2 CONCEITOS

= er

[−A

r

(ρω

)1/2

(1− i)e−(1−i)r(ρω/2η)1/2− A

r2 e−(1−i)r(ρω/2η)1/2

]=

(2.67)= er

[3hω R2ar

(ρω

)1/2

(1− i)e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2+

+3hω R2ar2 e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

], (2.79)

e, substituindo (2.67) e (2.68) em (2.62), temos:

~∇ψ =er

r2

− hω R3

2a

[1+

ρω (1− i)2 R2+

3(1− i)R

(2η

ρω

)1/2]

+

+2η

ρω (1− i)23hω R

2a

[1+(

ρω

)1/2

(1− i)r

]e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

(2.80)

Substituindo (2.79) e (2.80) em (2.78), e levando em condideracao que~a · er = aez · er = acosθ , temos:

pω0 = η

=uω (t)︷ ︸︸ ︷hω e−iωt cosθ ·

·

[3R2r

(ρω

)1/2

(1− i)e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2+

3R2r2 e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

]+

+ρ iω hω e−iωt︸ ︷︷ ︸=−uω (t)

cosθ

− R3

2r2

[1+

ρω (1− i)2 R2+

3(1− i)R

(2η

ρω

)1/2]

+

+3Rη

ρω (1− i)2 r2

[1+(

ρω

)1/2

(1− i)r

]e(1−i)(R−r)(ρω/2η)1/2

+

+ρr cosθ uω(t)+ pc(t)−ρ

0ωdrag. (2.81)

Como calcularemos da forca de arrasto no caso aqui tratado nesta secao etambem posteriormente, quando da analise do nosso problema concreto de

Page 57: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.4 Determinacao Geral da Expressao para o Calculo da Forca de Arrasto 57

iminencia da crise do arrasto, facamos uma pausa aqui para abrimos umanova secao destinada a deducao da expressao geral para o calculo da forca dearrasto, antes de continuarmos.

2.4 Determinacao Geral da Expressao para o Calculo da Forca de Ar-rasto

Seja agora a equacao da continuidade, ainda tomada no caso maisgeral, para que possamos interpretar o que se fara no seguimento:

∂ρ

∂ t+~∇ · (ρ~v) = 0⇒ ∂ρ

∂ t+

∂ (ρvk)∂xk

= 0. (2.82)

O momento linear por unidade de volume de um elemento de fluido e dadopor ρ~v, donde a taxa de variacao do momento por unidade de volume e (taxade variacao temporal):

∂ t(ρ~v) = ρ

∂~v∂ t

+~v∂ρ

∂ t= ρ

∂v j

∂ t+ v j

∂ρ

∂ t=

∂ t(ρv j) . (2.83)

A equacao mais geral, (2.3):

ρ~v−ρ~f +~∇p−~∇ ·Γ =~0⇒ ρ∂~v∂ t

(~v ·~∇

)~v−ρ~f +~∇p−~∇ ·Γ =~0 ∴

ρ∂v j

∂ t+ρvk

∂v j

∂xk−ρ f j +

∂ p∂x j−

∂Γ jk

∂xk= 0. (2.84)

De (2.82), temos que: ∂ρ/∂ t =−∂ (ρvk)/∂xk, o que, substituıdo em (2.83),fornece:

ρ∂v j

∂ t− v j

∂ (ρvk)∂xk

=∂

∂ t(ρv j)⇒ ρ

∂v j

∂ t= v j

∂ (ρvk)∂xk

+∂

∂ t(ρv j) ,

que, substituıdo em (2.84), fornece:

v j∂ (ρvk)

∂xk+

∂ t(ρv j)+ρvk

∂v j

∂xk−δ jk (ρ fk)+δ jk

∂ p∂xk−

∂Γ jk

∂xk= 0. (2.85)

Page 58: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

58 2 CONCEITOS

Supondo que o vetor ρ~f seja irrotacional, como no nosso caso, podemosreescrever (2.85):

v j∂ (ρvk)

∂xk+

∂ t(ρv j)+ρvk

∂v j

∂xk−δ jk

∂ϕρ~f

∂xk+δ jk

∂ p∂xk−

∂Γ jk

∂xk= 0, (2.86)

onde ρ~f = ~∇ϕρ~f . Portanto, de (2.86), determinemos ∂ (ρv j)/∂ t:(

v j∂ (ρvk)

∂xk+ρvk

∂v j

∂xk

)+

∂ t(ρv j) =

∂xk

(δ jkϕ

ρ~f −δ jk p+Γ jk

)⇒

⇒ ∂

∂xk(ρv jvk)+

∂ t(ρv j) =

∂xk

(δ jkϕ

ρ~f −δ jk p+Γ jk

)⇒

⇒ ∂

∂ t(ρv j) =

∂xk

(δ jkϕ

ρ~f −δ jk p+Γ jk−ρv jvk

)∴

∂ t(ρ~v) = ~∇ ·

[1ϕ

ρ~f −1p+Γ−ρ (~v~v)]. (2.87)

Integrando (2.87) num volume arbitrario fixo nao-deformavel21, temos:

∂ t

∫ρ~vdV =

∫~∇ ·[1ϕ

ρ~f −1p+Γ−ρ (~v~v)]

dV =∮

Π · ndS, (2.88)

onde Π e o tensor:

Π = 1ϕρ~f −1p+Γ−ρ (~v~v) . (2.89)

O lado esquerdo da igualdade (2.88) e a variacao temporal instantanea domomento linear total do volume arbitrario22 considerado. Para interpretarmoso lado direito, facamos:

∂ t

∫ρ~vdV =

∮ (1ϕ

ρ~f

)· ndS +

∮Π · ndS. (2.90)

21Sob tal hipotese, os limites de integracao nao variarao com o tempo, permitindo, assim,que comutemos os operadores

∫dV ( · · ·) e (∂/∂ t)( · · ·), ao integramos a equacao (2.87) para a

obtencao de (2.88).22Leia-se arbitrario, porem fixo nao-deformavel.

Page 59: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.4 Determinacao Geral da Expressao para o Calculo da Forca de Arrasto 59

Vimos da analise do referencial da esfera, por (2.14), que ~f =~g0 =−~Fdrag/m,onde ~Fdrag e a forca que o fluido faz na esfera, donde:∮ (

1ϕρ~f

)· ndS =

∫~∇ ·(

1ϕρ~f

)dV =

∫~∇(

ϕρ~f

)dV =

=∫

ρ~f dV(11)=∫−ρ

~Fdrag

mdV. (2.91)

Ficando tacito, entao, que tomaremos (2.90) no referencial da esfera, temos:

∂ t

∫ρ~vdV =−

∫ρ

~Fdrag

mdV +

∮Π · ndS,

onde Π e o tensor:

Π =−1p+Γ−ρ (~v~v) . (2.92)

Com ~Fdrag nao dependendo da posicao, somente do tempo, pois ~Fdrag e aforca resultante do fluido na esfera a cada instante, reescrevemos:

~Fdrag

m

∫ρdV =

∮Π · ndS− ∂

∂ t

∫ρ~vdV ∴

~Fdrag =m∫ρdV

(∮Π · ndS− ∂

∂ t

∫ρ~vdV

). (2.93)

Reiteramos que m e a massa da esfera, ρ e a densidade no interior do volumede integracao - nao necessaria e somente a do fluido ou da esfera23, nas duasintegrais de volume na expressao (2.93). A equacao (2.93) e a expressaogeral para o calculo da forca total que o fluido faz na esfera, adotando-sevolume de controle24 fixo, no referencial da esfera, e indeformavel.

23Podendo ser, por exemplo, como mais adiante o faremos, a densidade da esfera mais a dacamada limite aderida a ela, em seus respectivos volumes, obviamente.

24Volume de controle fixo e indeformavel em um referencial e uma regiao volumetrica emrepouso desse referencial, rıgida e sem fluido.

Page 60: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

60 2 CONCEITOS

2.5 Continuacao da Secao 2.3

Calculemos, entao, ~F0ωdrag, a forca de arrasto que devera ser integrada

em ω , pelo princıpio da superposicao, reiteramos, dada a linearidade de(2.41), para que obtenhamos ~F0

drag, i.e., a forca de arrasto no inıcio do regimetransitorio.

Facamos uma observacao aqui que deixarıamos para o final. O quena realidade estamos chamando de forca de arrasto ~Fdrag e a forca total queo fluido faz na esfera, incluindo o termo de empuxo. Isso nao sera problemaalgum, pois ao final ficara trivial a determinacao do arrasto puro. Entenda-se,portanto, ate que separemos arrasto em arrasto puro + empuxo, como forcade arrasto a que o fluido exerce na esfera.

Entao, de (2.95), tomando o volume de integracao (volume de cont-role) como sendo o volume ocupado pela esfera, sendo que no referencial daesfera a mesma esta em repouso, donde a velocidade do fluido no interior dovolume de controle (o fluido no interior do volume de integracao e a propriaesfera) e nula, sendo a densidade dentro do volume de controle a densidadeda esfera, que denominaremos por ρ ′, temos:

~F0ωdrag =

m∫VS

ρ ′dV

(∮∂VS

Π · ndS− ∂

∂ t

∫VS

ρ′~0dV

)∴

~F0ωdrag =

∮∂VS

Π · ndS(2.92)=

∮∂VS

[−1pω

0 +Γ0ω −ρ

(~Uω (~r, t)~Uω (~r, t)

)]· ndS,

(2.94)

onde ∂VS e VS sao a superfıcie e o volume da esfera respectivamente. Γ0ω eo tensor de cisalhamento no regime transitorio para a velocidade componentede Fourier, i.e., para o caso que estamos analisando de oscilacao translacionalcom frequencia ω .

Ao calcularmos (2.94), devemos tomar o campo de velocidades nasuperfıcie da esfera, o qual, pela condicao de nao escorregamento, e nulo.Entao, (2.94) torna-se:

~F0ωdrag =−

∮∂VS

pω0 ndS +

∮∂VS

γ0ω

rr γ0ωrθ

γ0ωrφ

γ0ωθr γ0ω

θθγ0ω

θφ

γ0ωφr γ0ω

φθγ0ω

φφ

1

0

0

dS ∴

Page 61: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.5 Continuacao da Secao 2.3 61

~F0ωdrag =−

∮∂VS

pω0 ndS +

∮∂VS

γ0ω

rr

γ0ωθr

γ0ωφr

dS =

−∮

∂VS

pω0 ndS +

∮∂VS

0ωrr er + γ

0ωθr eθ + γ

0ωφr eφ

)dS, (2.95)

onde pω0 e o campo de pressao dado por (2.81) e γ0ω

rr , γ0ωθr = γ0ω

rθ, γ0ω

φr = γ0ωrφ

,sao componentes do tensor de cisalhamento que, em coordendas esfericas,sao dadas por25

γ0ωrr = 2η

∂ rUω

r (~r, t)∣∣∣∣r=R

; (2.96)

γ0ωθr = η

(1r

∂θUω

r (~r, t)+∂

∂ rUω

θ (~r, t)− 1r

Uωθ (~r, t)

)∣∣∣∣r=R

; (2.97)

γ0ωφr = η

(∂

∂ rUω

φ (~r, t)+1

r sinθ

∂φUω

r (~r, t)− 1r

Uωφ (~r, t)

)∣∣∣∣r=R

. (2.98)

De (2.69), temos a componente em θ de Uω (~r, t), i.e., Uωθ

(~r, t), e a compo-nente em r de Uω (~r, t), i.e., Uω

r (~r, t), que, com (2.32), para a profundidade depenetracao, permitem, apos algumas manipulacoes triviais de diferenciacao ealgebra, obter:

∂ rUω

θ (~r, t)∣∣∣∣r=R

=32

(1δ

+1R− i

δ

)uω(t)sinθ ; (2.99)

∂θUω

r (~r, t)∣∣∣∣r=R

= 0; (2.100)

∂ rUω

r (~r, t)∣∣∣∣r=R

= 0; (2.101)

25Vide Landau, L.D. and Lifshitz, E.M., Fluid Mechanics Course of Theoretical Physics,Vol.6. English Edition. Pergamon Press, London-Paris-Frankfurt, 1959, 536 pp.

Page 62: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

62 2 CONCEITOS

Uωθ (~r, t)|r=R = 0. (2.102)

Entao, de (2.96) e (2.101), vemos que:

γ0ωrr = 0. (2.103)

De (2.97), (2.99), (2.100) e (2.102), temos:

γ0ωθr =

2

(1δ

+1R− i

δ

)uω(t)sinθ . (2.104)

De (2.81), obtemos o campo de pressao na superfıcie da esfera para o casode oscilacao unidirecional que estamos analisando, i.e., pω

0

∣∣r=R, o que, com

a utilizacao de (2.32) para a profundidade de penetracao, e apos algum rear-ranjo, permite que obtenhamos:

pω0 |r=R =

(3

2δ+

32R− 3i

)ηuω(t)cosθ +

32

ρRuω(t)cosθ + pc(t)−ρ

0ωdrag.

(2.105)

Temos, obviamente, por (2.69), que γ0ωφr = 0 em (2.98)26. Podemos, entao,

por (2.105), (2.103) e (2.104), dado que γ0ωφr = 0, reiteramos, calcular (2.95):

~F0ωdrag =−

∮∂VS

[(3

2δ+

32R− 3i

)ηuω(t)cosθ+

+32

ρRuω(t)cosθ + pc(t)−ρ

0ωdrag

]erdS+

+∮

∂VS

2

[1R

+1δ− i

δ

]uω(t)sinθ eθ dS⇒ ·· ·27⇒ (2.106)

26Lembremos que a simetria do problema aqui tratado impoe que o campo de velocidades naotenha componente em φ , nem dependa de φ , confira a equacao (2.69), donde, dada a equacao(2.98), γ0ω

φr = 0.27O calculo de (106) segue trivialmente sobre a esfera. Tomam-se os versores er =

sinθ cosφ ex + sinθ sinφ ey + cosθ ez, eθ = cosθ cosφ ex + cosθ sinφ ey − sinθ ez e o elementode superfıcie em coordenadas esfericas dS = R2 sinθ dθ dφ , sendo os limites de integracao θ ∈[0;π] e φ ∈ [0;2π].

Page 63: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.5 Continuacao da Secao 2.3 63

~F0ωdrag =−4πR2

(3

2δ+

32R− 3i

)uω(t)ez−

4πR2

332

ρRuω(t)ez+

m

∮∂VS

ϕ0ωdragndS− 8πR2

33η

2

(1R

+1δ− i

δ

)uω(t)ez =

−4πR2

(3

2δ+

32R

+3R

+3δ

)uω(t)ez+

−4πR3

3ρ uω(t)ez−

4πR2

6ρRuω(t)ez +

ρ

m

∮∂VS

~∇(

ϕ0ωdrag

)dV+

−4πR2

(− 3i

2δ− 3i

δ

)uω(t)ez =

=−4πR2

(9

2δ+

92R

)uω(t)ez−mliquω(t)ez−

4πR2

6ρRuω(t)ez+

~F0ωdrag

mVesfera−

4πR2

3ωη

(− 3

2δ− 3

δ

) −uω (t)︷ ︸︸ ︷iωuω(t) ez,

onde mliq e a massa de fluido incompressıvel contida num volume igual aoda esfera, e Vesfera e o volume da esfera. Portanto:

~F0ωdrag

(2.21′)= −6πηRuω(t)

(1+

)ez−mliquω(t)ez−

4πR2

6ρRuω(t)ez+

−mliq~g0ω +2πR2

32η

ω

(ρω

)1/2(−3

2−3)

uω(t)ez(2.14)=

=−6πηRuω(t)(

1+Rδ

)ez−mliq (−~g0ω +~g)− 4πR2

6ρRuω(t)ez+

−mliq~g0ω −92

2πR2

32η

ω

(ρω

)1/2

uω(t)ez ∴

~F0ωdrag =−6πηRuω(t)

(1+

)ez−

4πR2

6ρRuω(t)ez+

Page 64: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

64 2 CONCEITOS

−92

2πR2

32η

ω

(ρω

)1/2

uω(t)ez−mliq~g. (2.107)

Conforme dissemos anteriormente, o que chamamos de forca dearrasto e a forca total que o flui-do faz na esfera, que e a forca viscosa maiso empuxo. Como queremos determinar o que passaremos a chamar de efeitoeminentemente viscoso (todos os efeitos, descontado o empuxo hidrostatico),chamar-se-a ~F , sem o subındice drag, o que, no caso em questao, seradenotado ~F0ω e que, entao, notando que mliq~g e o empuxo, permite quereescrevamos (2.107):

~F0ω +(−mliq~g

)=−6πηRuω(t)

(1+

)ez−

4πR2

6ρRuω(t)ez+

−3πR2(

2ηρ

ω

)1/2

uω(t)ez−mliq~g(2.32)∴

~F0ω =−6πηRuω(t)(

1+Rδ

)ez−3πR2

(2ηρ

ω

)1/2(1+

2R9δ

)uω(t)ez.

(2.108)

Notemos que para a forca acima que chamamos de efeito eminentementeviscoso, forca emeninentemente de arrasto, e dado que num movimento os-cilatorio de frequencia ω a velocidade e a aceleracao nao estarao sempreapontando no mesmo sentido, havera momentos em que a segunda parcela damesma realiza trabalho motor. Isso pode parecer contraditorio a nomenclaturaque usamos acima, efeito eminentemente viscoso, para ~F0ω , pois remete aideia de dissipacao. Lembremos que o que chamamos de forca eminente-mente de arrasto e a forca que o fluido faz na esfera sem o empuxo. Ob-viamente, ao retirarmos o empuxo nao estaremos retirando todos os efeitosdo tensor de pressoes sobre a superfıcie da esfera. O tensor de cisalhamentoΓ0ω , esse sim, e totalmente dissipativo, porem, o de pressoes, em determina-dos momentos, sera o que introduzira energia proveniente do fluido a esfera.Ratifique-se, entao, que a forca de arrasto que buscamos, a forca eminente-mente de arrasto, e a forca total que o fluido faz na esfera, sem o empuxo.

Resolvemos, entao, o problema oscilante. Precisamos, agora, aplicaro princıpio da superposicao a (2.108) para todas as frequencias possıveis,

Page 65: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.5 Continuacao da Secao 2.3 65

pois nossa velocidade desconhecida da esfera, esta dada por (2.42) no inıciodo regime transitorio. Notemos que, de (108):

limω→0

~F0ω (2.32)= lim

δ→∞

~F0ω =

−6πηRu0(t)ez +[−3πR2 (2ηρ)1/2 u0(t) lim

ω→0

(− iω√

ω

)+

−3πR2 (2ηρ)1/2 u0(t) limω→0

(2R9

)(ρω

)1/2 (−iω)√ω

]ez =−6πηRu0(t)ez,

ou seja28, temos o regime de Stokes a baixas velocidades quando ω→ 0, i.e.,na iminencia do movimento, conforme esperado.

Devemos escrever (2.108) em funcao de ω , para que apliquemos oprincıpio da superposicao. Entao, reescrevendo (2.108), temos:

~F0ω (2.32)= −6πηRuω(t)ez−6πηR2uω(t)

)1/2

ω1/2ez+

−3πR2 (2ηρ)1/2ω−1/2uω(t)ez+

−3πR2 (2ηρ)1/2ω−1/2

(2R9

)(ρ

)1/2

ω1/2uω(t)ez. (2.109)

Utilizando, novamente, uω(t) =−iωuω(t), temos, para (109):

~F0ω =−6πηRuω(t)ez−6πηR2 (−iωuω(t))(−iω)

)1/2

ω1/2ez+

−3πR2 (2ηρ)1/2ω−1/2uω(t)ez−3πR2

ρ

(2R9

)uω(t)ez =

=−6πηRuω(t)ez−6πηR2(

ρ

)1/2

uω(t)iω−1/2ez+

−3πR2 (2ηρ)1/2ω−1/2uω(t)ez−3πR2

ρ

(2R9

)uω(t)ez =

28Deve ser notado que aplicamos a identidade: uω (t) =−iωuω (t), no calculo do limite acima.

Page 66: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

66 2 CONCEITOS

=−6πηRuω(t)ez−3πR2(

4η2ρ

)1/2

iuω(t)ω−1/2ez+

−3πR2 (2ηρ)1/2ω−1/2uω(t)ez−

2πR3

3ρ uω(t)ez ∴

~F0ω =−6πηRhω e−iωt ez−2πR3

ddt

(hω e−iωt) ez+

−3πR2 (2ηρ)1/2ω−1/2 (1+ i)

ddt

(hω e−iωt) ez. (2.110)

Retornemos as equacoes (42):

(2.47) :

h0(t) = lim

M→∞

12π

∫ M

−Mhω e−iωtdω = lim

M→∞

∫ M

−Mhω e−iωtdν ;

hω = limM→∞

∫ M

−Mh0(τ)eiωτ dτ.

Notemos que, na realidade, ainda que a tenhamos feito uma alusaoheurıstica a uma velocidade componente de Fourier, hω e−iωt e uma densi-dade de velocidade por frequencia ν (velocidade/ν), com dimensao de com-primento. Temos, entao, que (2.110) nos fornece, na realidade, a densidadede forca de arrasto viscoso por frequencia ν , i.e.,

d~F0

dν= ~F0ω = 2π

d~F0

dω⇒ d~F0 =

12π

~F0ω dω. (2.111)

Entao, substituindo (2.110) em (2.111), integrando de −∞ a ∞ nasfrequencias de Fourier29:

~F0 =−6πηR limM→∞

12π

∫ M

−Mhω e−iωtdω ez+

29A representatividade dos campos por suas respectivas integrais de Fourier necessita de todasas frequencias para que haja completeza e, portanto, convirjam as integrais representativas. Note-se que na interpretacao de que ω seja a frequencia angular de oscilacao dos elementos de fluidono infinito, com velocidade hω e−iωt , temos que ω = 2π/T > 0, pois o perıodo T e fisicamenteuma grandeza positiva. Isso sera levado em conta logo em seguida, no calculo da integral sobreas frequencias de Fourier.

Page 67: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.5 Continuacao da Secao 2.3 67

−2πR3

ddt

(1

2πlim

M→∞

∫ M

−Mhω e−iωtdω

)ez+

−3πR2 (2ηρ)1/2 (1+ i)1

2πlim

M→∞

∫ M

−M

1ω1/2

ddt

(hω e−iωt)dω ez. (2.112)

Notemos que:

ddt

(hω e−iωt)=−iω hω e−iωt = uω =

(−iω hω

)e−iωt = (u)

ωe−iωt ,

sendo, obviamente, (u)ω

os coeficientes da representacao de u(t) por umaintegral de Fourier, i.e.:

u(t) = limM→∞

12π

∫ M

−M(u)

ωe−iωtdω;

(u)ω

= limM→∞

∫ M

−Mu(τ)eiωτ dτ,

(2.113)

donde, levando isso em consideracao, e usando (2.42), reescrevemos (2.112):

~F0 =[−6πηRh0(t)− 2πR3

3ρ h0(t) +

−3πR2 (2ηρ)1/2 (1+ i)1

2πlim

M→∞

∫ M

−M

1ω1/2 (u)

ωe−iωtdω

]ez

(2.113)=

=[−6πηRh0(t)− 2πR3

3ρ h0(t) +

−3πR2 (2ηρ)1/2 (1+ i)1

2πlim

M→∞

∫ M

−M

∫ M

−M

1ω1/2 u(τ)e−iω(t−τ)dτdω

]ez ∴

~F0 =[−6πηRh0(t)− 2πR3

3ρ h0(t)−3πR2 (2ηρ)1/2 (1+ i)

12π·

· limM→∞

∫ M

−M

∫ M

−M

1ω1/2 h(τ)e−iω(t−τ)dτdω

]ez. (2.114)

Tomando a parte real de (2.114), temos a solucao fısica da forca.

Page 68: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

68 2 CONCEITOS

Mantendo a notacao ~F0 para a forca de arrasto no transitorio, temos, entao:

~F0 =−6πηRh0(t)− 2πR3

3ρ h0(t)−3πR2 (2ηρ)1/2

[(1+ i)

12π·

· limM→∞

∫ M

−M

∫ M

−M

1ω1/2 h(τ)e−iω(t−τ)dτdω

]ez, (2.115)

onde ℜ retorna a parte real do conteudo entre colchetes em (2.115), dondeesta, assim, dentro das consideracoes ate aqui feitas, resolvida a equacao(2.23) para o transitorio. Na esteira do que foi discutido na nota de rodape29, temos que os termos de velocidade hω e−iωt tornar-se-ao hω e−i(−ω)t , amedida que tomarmos valores negativos para ω quando da integracao nasfrequencias de Fourier, mudando a forma anterior se mantivermos ω > 0,este, na condicao de ser fisicamente positivo. Assim, temos que permitir arepresentacao dos campos, o que impoe ω ∈ [−∞; ∞], e, concomitantemente,a forma hω e−iωt com ω positivo. Para lidarmos com essa ideia, retornemosa equacao (2.110). Essa equacao foi deduzida em termos das oscilacoesfısicas no fluido, portanto ω > 0 nessa equacao. Porem, ao integrarmos essaequacao, na marcha da equacao (2.110) a (2.112), ω devera percorrer a retareal, sem que tal operacao matematica interfira no problema fısico. A unicamaneira de conciliar as duas necessidades, manter ω > 0 na integranda, oque garante coerencia fısica, e permitir que ω percorra os reais na integracao,mantendo a forma da integranda neste percurso, e tomando |ω| na integranda.Definamos a integral:

I =∫

−∞

∫∞

−∞

|ω|−1/2 h(τ)e−i|ω|(t−τ)dωdτ =

=∫

−∞

∫ 0

−∞

(−ω)−1/2 h(τ)e−i(−ω)(t−τ)dωdτ+

+∫

−∞

∫∞

0ω−1/2h(τ)e−iω(t−τ)dωdτ =

= 2∫

−∞

∫∞

0ω−1/2h(τ)e−iω(t−τ)dωdτ. (2.116)

Tomando o intervalo de integracao em τ como (−∞; t] ∪ [t; ∞), reescrevemos(2.116):

Page 69: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.5 Continuacao da Secao 2.3 69

I = 2∫ t

−∞

∫∞

0ω−1/2h(τ)e−iω(t−τ)dωdτ+

+2∫

t

∫∞

0ω−1/2h(τ)e−iω(t−τ)dωdτ. (2.117)

Fazendo a transformacao x = iω(t− τ) em (2.117), reecrevemos (2.117):

I =2√

i

∫ t

−∞

(∫ i∞

0x−1/2e−xdx

)h(τ)√t− τ

dτ+

+2√

i

∫∞

t

(∫ i∞

0x−1/2e−xdx

)h(τ)√t− τ

dτ ⇒

I =2√

i

∫ t

−∞

(∫ i∞

0x−1/2e−xdx

)h(τ)√t− τ

dτ+

+2√

i

∫∞

t

(∫ i∞

0x−1/2e−xdx

)h(τ)√−1√

τ− tdτ. (2.118)

A segunda integral foi reescrita nessa forma pois τ > t nesta integral, de modoa manter

√τ− t ∈ R. As duas integrais identicas entre parenteses na equacao

(2.118) sao integrais na variavel complexa x. Nessa integracao, podemostomar um caminho de integracao que coincida com o semi-eixo imaginario[0 + ε; ∞]i, o que implicara o mesmo resultado que a integral sobre o semi-eixo real, com, agora, x ∈ R, [0 + ε; ∞), com ε → 0. Mas tal integral eexatamente a funcao gama de 1/2, i.e., o resultado das duas integrais entreparenteses em (2.118) e Γ(1/2) =

√π . Assim, reescrevemos (2.118):

I =2√

π√i

∫ t

−∞

h(τ)√t− τ

dτ +2√

π

i√

i

∫∞

t

h(τ)√τ− t

dτ. (2.119)

Agora lembremos que aa raızes quadradas nessa integral sao provenientesda equacao (2.32) para a profundidade de penetracao, introduzida nessa in-tegranda quando das passagens da equacao (2.106) a (2.109). Tal raiz so-mente deve considerar a raiz sem o sinal negativo, pois o sinal a ser tomadoja fora definido na marcha que leva da equacao (2.31) a (2.32). Assim,tomando somente a raiz positiva de i, na equacao anterior, e dado que talraiz e

√i = (√

2/2)(1 + i) (confira o calculo de dessa raiz na marcha (2.28)→ (2.29)). Assim, reescrevemos (2.119)

Page 70: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

70 2 CONCEITOS

I =2√

1+ i

∫ t

−∞

h(τ)√t− τ

dτ− i2√

1+ i

∫∞

t

h(τ)√τ− t

dτ. (2.120)

O termo que requer a parte real, na equacao (2.115), e ℜ[(1 + i)I], sendo,entao, dado por:

12π

ℜ [(1+ i)I](2.120)

=2√2π

∫ t

−∞

h(τ)√t− τ

dτ. (2.121)

Substituindo esse resultado em (2.115), obtemos a forca de arrasto no regimetransitorio para o escoamento dentro das hipoteses de validade de lineari-dade, validade da equacao (2.27), conforme discutimos anteriormente. As-sim, temos:

~F0 =−[

6πηRh0(t)+2πR3

3ρ h0(t)+6

√πR2 (ηρ)1/2

∫ t

−∞

h(τ)√t− τ

]ez.

(2.122)

2.6 Aplicacao da Equacao (2.122) a MRU Instantaneo

Seja um referencial inercial que, aqui, nesta subsecao, sera chamadode referencial inercial do chao, onde se prescreve um campo ~g, referencialinercial este preenchido com um fluido em repouso e com uma esfera imersa,esta tambem em repouso (podendo haver, ou nao, um vınculo ideal quesegure a esfera sem perturbar o fluido). Coloquemos todo o fluido a subirnesse referencial com velocidade30 v(t)ez, com v positiva, sem que a esferasaia do repouso, e apliquemos a equacao (2.122) nesse caso. Alguem poderiaargumentar se poderıamos utilizar o metodo que temos adotado, dado quea situacao aqui proposta, do ponto-de-vista de uma queda da esfera, dadoque a esfera nao estaria caindo em relacao ao referencial inercial do solo,nao seria analoga. Quando a esfera e colocada no fluido, para que fiquesempre em repouso no referencial inercial do chao, deve haver o somatorionulo de forcas ~F0− ρliqV~g + ρmV~g + ~D =~0, onde ~F0 e a forca eminente-mente viscosa que o fluido faz na esfera, −ρliqV~g o empuxo hidrostaticosentido pela esfera, ρmV~g o peso da esfera e ~D a forca que um vınculo, um

30O caso especial de MRU sera tratado somente ao final desta subsecao, como caso particulardo que aqui se explanara.

Page 71: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.6 Aplicacao da Equacao (2.122) a MRU Instantaneo 71

dinamometro, eventualmente, faz, alem das outras, para manter a esfera emrepouso no referencial do chao. Ainda, ρliq e a densidade do fluido, ρm adensidade da esfera de massa m, V , o volume da esfera31, e ~g a aceleracaolocal da gravidade no referencial do chao. Supo-nhamos que alterassemosa densidade da esfera ate o valor ρq de modo a ter uma situacao em que~D =~0, situacao de queda, i.e., esfera somente sujeita ao campo e ao fluido.A situacao de equilıbrio de forcas agora seria ~F0′ − ρliqV~g + ρqV~g = ~0.Agora, se a forca eminentemente viscosa for equivalente nas duas situacoes,deveremos ter ~F0 = ~F0′ ⇒ ~D = (ρq − ρm)V~g. Isso quer dizer que, se anatureza se comportasse de modo a serem equivalentes as tais duas situacoes,entao o dinamometro teria de medir (ρq−ρm)V~g, sempre que utilizassemosuma esfera de massa ρm que tivesse apresentado valor nulo no dinamometrona situacao em que fosse ρq a sua densidade, mas nao podemos garantirisso. Porem, a recıproca e suficiente para que garantamos equivalencia nostratamentos. Se medirmos ~D 6=~0 em um dinamometro para a esfera dedensidade ρm, teremos que ~F0 − ρliqV~g + ρmV~g + ~D = ~0, garantido pelasegunda lei de Newton. Assim, tomemos uma esfera32 com densidadetal que ~D = Dez = −(ρq − ρm)V gez ⇒ ρq = ρm −D/(V g) e coloquemoso experimento de modo a que um sensor imaginario medindo a forcaeminentemente viscosa mude o regime de escoamento ate que a forca emi-nentemente viscosa agora medida, mantendo-se ρ ′m = ρq fixo, seja a mesmaque a da situacao com densidade ρm, i.e., ~F0′ = ~F0. Nessas condicoes,~F0′ − ρliqV~g + ρ ′mV~g + ~D′ = ~0, ~F0 − ρliqV~g + (ρm − D/(V g))V~g + ~D′ =~0⇒ (~F0−ρliqV~g + ρmV~g +~D)+~D′ =~0. O termo entre parenteses do ladoesquerdo da igualdade na equacao anterior e nulo, donde ~D′ =~0, ou seja,temos a situacao de queda, sem o vınculo ~D′. Ainda que haja equivalencia emrelacao a forca de arrasto, o escoamento mudou, pois o tal dispositivo ima-ginario teria de modificar o escoamento para que, a medida que alterassemoso vınculo, mantendo a situacao de equilıbrio, a forca eminentemente viscosase tornasse a da situacao em que a densidade da esfera era ρm. Assim,poderıamos ter que a situacao de queda em que a densidade da esfera e ρq,ainda que equivalente quanto ao calculo da forca de arrasto, nao o seriaem relacao ao campo de velocidades. No referencial do chao, na situacaoem que ρ ′m = ρq, se alterarmos o vınculo, para que se mantenha a situacaode equilıbrio, teremos de modificar o arrasto viscoso, o que, a princıpio,demanda a alteracao do campo de velocidades, alterando as condicoes de

31Tomaremos esferas de mesmo volume V nos dois casos que aqui se elencam.32Vide nota de rodape 30.

Page 72: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

72 2 CONCEITOS

contorno. Assim, a nova condicao de contorno no inflinito, no referencialdo chao para o problema que aqui nesta subsecao tratamos, teria de ser, naausencia de vınculo, v′ez. A condicao de contorno na superfıcie da esfera,com ou sem vınculo, e de velocidade nula, pois a esfera esta em repouso,com ou sem vınculo, no referencial do chao. Mas, como sabemos, a forcade arrasto depende do numero de Reynolds Re = 2Rv′ρ/η , onde ρ e adensidade do fluido, independente da densidade da esfera. Como a forcade arrasto e invariante nas duas situacoes, temos que v′ = v, donde nao sealteraram as condicoes de contorno (mesma equacao diferencial, teorema daexistencia e unicidade), e os campos serao os mesmos nas duas situacoes.Tudo isso poderia ser simplesmente demonstrado pelo fato de que nao hacomo o fluido distinguir a natureza do vınculo nas duas situacoes, seja eleexercido por um dinamometro ou pelo excedente de forca peso que se pos aose variar a densidade da esfera. Assim, sera sempre reprodutıvel a situacaode repouso com vınculo externo por outra em queda sem vınculo sem que sealtere a situacao fısica do escoamento, i.e., equivalentemente, se utilizarmos,para a situacao de queda, esfera de mesmo volume mas com densidadeρq = ρm−D/(V g), onde ρm e D sao obtidos da situacao em que ha equilıbriocom o vınculo ~D = Dez. Note-se que o que denominamos referencial do chaoaqui nesta subsecao e o proprio referencial da esfera, pois a mesma estara emrepouso em relacao ao mesmo, com ou sem ausencia de vınculo. Em todaa nossa discussao nas secoes anteriores, chamamos de referencial do chao,em relacao ao qual a esfera cai, aquele referencial em que os elementos defluido no infinito estao em repouso. Como, no exemplo desta subsecao, aesfera esta num referencial inercial com campo externo prescrito ~g onde ofluido, ocupando todo o referencial, sobe com velocidade vez, nao terıamosa mesma condicao de contorno em que os elementos de fluido devem estarno referencial inercial com campo prescrito externo ~g e com condicao decontorno de velocidade nula dos elementos no infinito. Ou seja, o referencialque era tomado como inercial nas secoes anteriores nao era o da esfera, aindaque este pudesse ser inercial eventualmente (como no caso de velocidadeterminal). Nos vimos, do calculo que nos fez chegar a equacao (2.93),que o campo nao-inercial medido na nossa balanca imaginaria e dado por−~Fdrag/m, obviamente na situacao em que o referencial inercial e o externoa esfera, atado ao chao, e com condicao de contorno de velocidade nula doselementos de fluido no infinito. Seja o referencial S′ que sobe juntamentecom o fluido com a mesma velocidade do fluido no infinito, no exemplo destasubsecao. Se os elementos de fluido no infinito estiverem acelerados, S′ seranao-inercial, pois estara acelerado em relacao ao referencial do chao, que e

Page 73: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

2.6 Aplicacao da Equacao (2.122) a MRU Instantaneo 73

inercial na ausencia de ~g e do fluido. Como vez e a velocidade de subida doselementos de fluido no infinito, temos que o campo ~g

′sera ~g− vez. Agora,

esse referencial pode ser tratado como inercial com campo externo prescrito~g′. Tudo o que concluımos nas secoes anteriores sera valido em S′ quanto

a aplicacao da equacao de (2.93). De fato. A segunda lei de Newton em Srequer que ~F0− ρliqV~g + ρqV~g =~0. Em S′, dado que os efeitos de inerciaserao inseridos a ~g para definir ~g

′, a segunda lei de Newton em S′ requer que

~F0′ − ρliqV~g′+ ρqV~g

′= ~F0′ − ρliqV (~g− vez) + ρqV (~g− vez) = mq(−vez).

Das duas equacoes anteriores concluımos que ~F0′ − ρliqV~g′= ~F0− ρliqV~g,

ou seja, a forca total que o fluido faz na esfera, empuxo mais efeito eminente-mente viscoso, e a mesma nos dois referenciais. O lado esquerdo da equacaoanterior e a forca total exercida pelo fluido na esfera, no referencial onde aesfera cai. Porem, o empuxo nao sera mais o mesmo, conforme se depreendeda equacao anterior, donde ~F0′ −~F0 = −ρliqV vez. O que essa equacao querdizer e que se tomarmos o referencial da esfera como inercial, o referencialS, considerando o fluido subindo, nao e equivalente, para efeitos eminente-mente viscosos medidos nos respectivos referenciais inerciais, a consideraro referencial da esfera em queda (referencial da esfera agora nao-inercial),metodo que usamos nas secoes anteriores, em que o fluido tambem sobede maneira identica33. A razao e muito simples: Se num caso for inercialo referencial adotado atado a esfera, no outro sera nao-inercial, donde, amenos de grandezas que sejam invariantes, como a forca total que o fluidofaz na esfera, por exemplo, nao serao esses dois referenciais equivalentes.Obviamente, os dois tratamentos serao equivalentes se o fluido subir comvelocidade constante. Resolvamos o problema desta subsecao. Da equacaoanterior, ~F0 = ~F0′ + ρliqV vez, e da equacao (lembre-se que o referencial S′,que sobe junto com o fluido, para o problema nesta subsecao tratado, e o dassecoes anteriores34) (2.122), temos:

~F0 =−[

6πηR(−v(t))+2πR3

3ρ (−v(t))+

+ 6√

πR2 (ηρ)1/2∫ t

−∞

(−v(τ))√t− τ

]ez +ρV vez. (2.123)

33Note-se que a forca total que o fluido faz na esfera e invariante.34Ainda que nao-inercial aqui, considerado como tal, pois prescrevemos o efeito nao-inercial

ao campo ~g, algumas linhas acima, resultando no campo que se chamou ~g′=~g− vez. Portanto,

leia-se ~F0′ , em (2.122).

Page 74: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

74 2 CONCEITOS

Agora consideremos o caso particular do fluido subindo instantaneamentecom velocidade constante v0ez. Pata t < 0, temos que velocidade do fluidoe nula, i.e., v(t) = 0. Para t > 0, temos que a velocidade do fluido e v0. Aaceleracao v(t) do fluido e nula, exceto em t = 0, quando e infinita. A variacaoda velocidade dv do fluido no intervalo de tempo dt, t ∈ (0− |dt|/2; 0 +|dt|/2), e dada por v0. Assim

v0 =∫ 0+|dt|/2

0−|dt|/2v(t)dt =

∫∞

−∞

v(t)dt, (2.124)

onde se estenderam as integrais ate o infinito pois v(t) e nulo ∀ t, exceto emt = 0. Podemos interpretar a integral anterior dentro do escopo de teoria dedistribuicoes, dado que esta filtrando o valor v0, donde vemos que∫

−∞

v(t)dt =∫

−∞

v(t)δ (t)dt = v0 = v0 ·1 = v0

∫∞

−∞

δ (t)dt =∫

−∞

v0δ (t)dt ∴

v(t) = v0δ (t). (2.125)

Onde δ (t) e a funcao Delta de Dirac. De (2.125) e (2.123), temos, para t > 0,

~F0 =[

6πηRv0 +2πR3

3ρv0δ (t)+6

√πR2 (ηρ)1/2×

×(∫

−∞

−∫

t

)v0δ (τ)√

t− τdτ

]ez +

43

πR3ρv0δ (t)ez. (2.126)

Como estamos considerando t > 0, podemos desprezar as deltas de Dirac.Tambem, por causa disso, a segunda integral entre parenteses em (2.126) enula. A primeira integral e tao somente v0/

√t. Assim, temos que a forca de

arrasto na esfera que foi posta instantaneamente em MRU em t > 0 e dadapor

~F0(t) = 6πηRv0

(1+R

√ρ

πηt

)ez, t > 0. (2.127)

Note-se que, ainda que a a esfera esteja em MRU, o fluido nao entrou noregime estacionario, sendo, pois, que se atinge o regime estacionario deStokes cessado o termo de decaimento para t→ ∞.

Page 75: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

75

3 A CRISE DO ARRASTO

3.1 O Problema Concreto

1O numero de Reynolds local e dado por:

Re =2Rv∞ρ

η, (3.1)

onde o ındice ∞ refere-se ao regime estacionario de escoamento, sendo R oraio da esfera em queda. Estaremos interessados na analise do escoamento doar/fluido em torno da esfera em queda quando da fase estacionaria do escoa-mento sob altos numeros de Reynolds. A principal diferenca entre a equacaode Navier-Stokes e a equacao de Euler e a presenca da viscosidade naquelae a ausencia nesta, sendo esta obtida daquela quando da imposicao de nuli-dade da viscosidade. E resultado por nos conhecido da analise da equacao deNavier-Stokes para baixos numeros de Reynolds que a vorticidade ~∇×~v sat-isfaz a equacao diferencial parcial do calor, sendo, assim, que tem uma quedaexponencial proporcional ao afastamento da superfıcie da esfera. Tanto parabaixos quanto para altos numeros de Reynolds, ha a condicao de contornode nao-escorregamento na superfıcie da esfera, imposicao que exige o anu-lamento do vetor velocidade na superfıcie da esfera, nao somente da compo-nente normal, como no caso nao-viscoso. Assim, deve haver o decrescimoobrigatorio da velocidade ate o anulamento na superfıcie da esfera, nos es-coamentos viscosos, independentemente do numero de Reynolds. Quando onumero de Reynolds e baixo, essa condicao de contorno e mais suave do quequando o numero de Reynolds e alto, perfazendo regioes tao mais proximasda superfıcie da esfera que contenham menor suavidade de gradiente de ve-locidades a proporcao do incremento no numero de Reynolds, i.e., perfazendouma camada limite de borda exponencialmente distante da superfıcie taomenos espessa quanto maior o numero de Reynolds. Nessa regiao, camadalimite, ha maior intensidade de vorticidade. Com numero de Reynolds sufi-cientemente alto, os efeitos cisalhantes e rotacionais estarao confinados a umaregiao proxima da superfıcie da esfera e a regiao mais afastada com escoa-mento aproximadamente irrotacional, ou seja, potencial. Esperamos que umescoamento onde e alto o numero de Reynolds seja, em grande parte do flu-ido, exceto nas imediacoes da esfera, e em regioes nao-lineares, semelhantea um escoamento com baixa viscosidade. A rigor, quando nos referimos a

1Vide grafico referente a crise do arrasto (queda brusca da forca de arrasto) na pagina 51.

Page 76: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

76 3 A CRISE DO ARRASTO

ser um escoamento com baixa viscosidade, estamos nos referindo ao baixocisalhamento nas regioes mais afastadas da esfera, alem da camada limite, oque retira a parcela que contem Γ na equacao (2.3) nessas regioes, mas naopelo que seria nula a viscosidade η nessas regioes, dado que η e constante.Matematicamente, o escoamento mais afastado e tratado como irrotacional,pois no infinito, quando do estacionario, o campo de velocidades do fluido econstante, sendo nulo o rotacional no infinito. Assim, a circulacao em tornodesse ponto irrotacional no infinito e, pelo teorema de Stokes, ~∇×~v ·d~α =~0,onde ~α e a area circundada pelo contorno infinitesimal adotado. Como noinfinito sera valida a equacao de Euler pelo baixo cisalhamento quando ealto o numero de Reynolds, nao havera efeitos relacionados a friccao internano infinito e tambem nos locais de validade aproximada da equacao de Eu-ler, sendo pois que o fluxo sera adiabatico nessas regioes, isentropico, sendo,portanto, valido o teorema de conservacao da circulacao e, assim, sera nula avorticidade ao longo de todas as linhas de corrente que estejam na regiao devalidade aproximada da equacao de Euler, ou seja, em toda essa regiao forada camada limite (nao incluindo o wake2, pois neste nao e valida a equacaode Euler). Portanto, a regiao fora da camada limite e irrotacional e passıvelde ser tratada em termos de potencial. Ha uma diferen-ca fundamental en-tre o tratamento que daremos aqui e o que de praxe e adotado em relacao ascondicoes de contorno na regiao potencial: nao adotaremos que o campo sejao da solucao potencial apenas no infinito; adotaremos que o campo seja poten-cial numa distancia δ da superfıcie da esfera que permita, dentro de criterioa ser adotado, tomar o campo de velocidades para3 r ≥ R + δ como sendo oobtido pelo tratamento potencial, i.e., pela solucao da equacao de Euler. Issoposto, pelo que sendo suficientemente alto o numero de Reynolds, teremosa regiao potencial mais proxima da superfıcie da esfera do que matematica-mente a terıamos caso a pusessemos no infinito e resolvessemos as equacoesde camada limite (Prandtl). Tomemos, entao, uma regiao muito proxima dasuperfıcie da esfera, de modo que tenhamos o plano formado pelos versoreseθ e eφ . Tomemos o eixo local normal ao plano com versor er. Temos, entao,que, nessa regiao diminuta, podemos tomar a equacao de Navier-Stokes emcoordenadas cartesianas com eixo Oy ao longo de er, com escoamento departe da camada limite de espessura δ no plano dos versores eθ e eφ , quesera, para a analise que brevemente faremos, o plano xOz. Na fig. 3 esta es-

2Esteira de vortices que se forma atras da esfera devido a efeitos nao-lineares, quando do altonumero de Reynolds.

3r, θ e φ sao coordenadas esfericas com origem no centro da esfera e plano azimutal paraleloao chao.

Page 77: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

3.1 O Problema Concreto 77

Figura 3: Desenho esquematico de parte da camada-limite.

quematizado o que se expos.

vx∂vx

∂x+ vy

∂vx

∂y=− 1

ρ

∂ p∂x

ρ

(∂ 2vx

∂x2 +∂ 2vx

∂y2

);

vx∂vy

∂x+ vy

∂vy

∂y=− 1

ρ

∂ p∂y

ρ

(∂ 2vy

∂x2 +∂ 2vy

∂y2

);

∂vx

∂x+

∂vy

∂y= 0.

(3.2)

Em (3.2) (LANDAU; LIFSHITZ, 1959) esta a equacao de Navier-Stokespara o escoamento planar localmente considerado e tambem a condicao de in-compressibilidade. Omitimos o termo ∂~v/∂ t, pois estamos aqui considerandoo regime estacionario4. Tambem omitimos o termo de campo nao-inercial,dado que o mesmo nao influenciara5 na analise que agora fazemos. Estando

4Mesmo que tenhamos um processo de turbulencia na camada limite, como consideraremosmais adiante, teremos, caso nao haja convencimento, por forca de hipotese, que o escoamentoturbulento medio sera estacionario, i.e., feito sobre os ensembles dos campos turbulentos develocidade

5A rigor, devemos inseri-lo como o gradiente de um campo potencial, i.e., ~F = ~∇ϕ~F , pois ~Fe irrotacional. Feito isso, na analise que se sucede para p, obterıamos ∂ p′/∂y ∼= 0, onde p′ =ρϕ~F/m + p. Assim,

(ρϕ~F/m+ p

)ext =(ρϕ~F/m+ p

)int ⇒ ρϕ int~F

/m + pint =(ρϕ~F/m+ p

)ext ,onde os ındices ext e int referem-se ao exterior e ao interior da camada limite, respectivamente.

Page 78: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

78 3 A CRISE DO ARRASTO

num regime em que a camada limite seja suficientemente fina, i.e., δ << R,torna-se claro que o fluxo sera predominantemente paralelo a superfıcie daesfera, dentro da camada limite. Temos, entao, que vy/vx << 1. Por causada condicao de nao-escorregamento na superfıcie da esfera, e do alto numerode Reynolds, a velocidade variara muito rapidamente com y, ao nos afastar-mos ligeiramente da superfıcie da esfera, com variacao apreciavel a distanciasda ordem da largura da camada limite δ , por hipotese. Ja ao longo do eixoOx, a velocidade variara muito mais lentamente, i.e., somente a distanciascomparaveis a dimensao da esfera. Esperamos, entao, que as variacoes de ve-locidade em relacao a y sejam muito maiores que as em relacao a x e vemosque, nesta aproximacao, pelas equacoes (3.2):

∂ p∂y∼= 0 ∴

∂ p∂ r∼= 0, (3.3)

na regiao da camada limite. Ha dois pressupostos essenciais para a validadeda equacao (3.3), necessariamente: camada limite suficientemente fina e es-coamento tangencial dos elementos de fluido interiores a camada limite emrelacao a superfıcie da esfera. Se o escoamento for laminar, uma camadalimite suficientemente fina tera necessariamente que possuir escoamento deseus elementos de fluido tangenciais a superfıcie da esfera. Porem, se o escoa-mento nao for laminar, uma camada limite suficientemente fina laminarmentepode nao o ser nao laminarmente para efeitos de tangencia de seus elementosde fluido. Assim, poderia haver discrepancia entre o campo de pressoes naborda da camada limite em contato com o escoamento potencial e o campode pressoes interno a camada limite, nesses casos de nao-laminaridade, aindaque a espessura da camada limite seja suficientemente fina para um caso lam-inar, reiteramos. Porem, pode haver um valor de espessura de camada limiteque, mesmo em sendo turbulenta a camada limite, tal espessura seja sufi-cientemente fina para que os campos de pressao externo e interno sejam osmesmos, ainda que nao tenhamos tangencia dos elementos de fluido inter-namente a camada limite. A equacao (3.3) nao e uma condicao suficientepara a tangencia dos elementos de fluido da camada limite. No caso laminar,porem nao suficientemente fina a camada limite, teremos discrepancia entreos campos externo e interno a camada limite. Nos veremos da analise ter-modinamica que faremos da estabilidade do equilıbrio do ponto de separacaona iminencia da crise do arrasto que devera haver um aumento na desordem

Isso e exatamente o que faremos com o campo de pressoes, tomando o campo de pressoes externoa camada limite, porem adotando o potencial nao-inercial na expressao para o campo de pressoesexterno como sendo o potencial nao-inercial interno.

Page 79: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

3.1 O Problema Concreto 79

dos elementos, primeiramente, nas regioes proximas a superfıcie da esferae, depois, nas regioes mais afastadas em direcao a borda da camada limite.Isso significa, dentro das consideracoes que aqui faremos neste trabalho, quea camada limite, quando da crise do arrasto, fica turbulenta, primeiramente,nas regioes mais proximas a superfıcie da esfera, como deverıamos esperar,dado que aı estarao mais fortemente concentradas as vorticidades e os efeitosnao-lineares devidos ao cisalhamento mais intenso na superfıcie da esfera.Assim, no momento da crise do arrasto, esperamos que os elementos de flu-ido mais proximos a borda externa da camada limite continuem tangenciaisa mesma, e, portanto, a direcao paralela a superfıcie da esfera, pois a ca-mada limite sera supostamente fina dado o alto numero de Reynolds, donde,nessa regiao interna a camada limite, e proxima da borda externa, teremosa validade de (3.3). Ja nas regioes mais proximas da superfıcie da esfera,nao terıamos a validade de (3.3), a rigor, a menos que a camada limite fossesuficientemente fina para tal. Isso nao sera empecilho para nos, pois tomare-mos nossa superfıcie de controle na regiao onde poderemos aplicar a equacao(3.3), sendo que ainda que nao saibamos o campo de pressoes na superfıcieda esfera, na regiao da camada limite, obteremos o resultado correto para aforca de arrasto. A equacao (3.3), dentro da validade para sua aplicabilidade,nos diz que havera um baixo gradiente radial de pressao, sendo as variacoesde energia cinetica dos elementos de fluido facilitadas tangencialmente, naoradialmente. O escoamento externo a camada limite onde o fluxo e potencialsera denominado mainstream.

Seja, para a analise que faremos por algumas linhas, o escoamentoinicial de nossa esfera que cai, i.e., que ainda nao tenha sido atingido oestacionario6 de velocidade limite na iminencia da crise do arrasto. Aose afastar do equador (nossa esfera cai verticalmente para baixo com seuseus polos sul→norte na vertical e direcionados para cima), em direcao aopolo norte, um elemento de fluido na camada limite sentira um aumentode pressao, o que comunicara ao elemento um decrescimo em sua energiacinetica. Efeito oposto ocorrera do polo sul ao equador. Eventualmente,para um dado numero de Reynolds, toda a energia cinetica de tal elementode fluido podera ser retirada no polo norte. Nesse instante, a camada limiteestara na iminencia de iniciar seu descolamento da esfera, sendo o pontoinicial de descolamento o polo norte da esfera.

6Quando falamos estacionario, queremos dizer estado estacionario.

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80 3 A CRISE DO ARRASTO

Figura 4: Esfera em queda. Camada-limite(boundary layer), pontos de separacao,wake, mainstream e angulo de separacao θS.

Com o aumento do numerode Reynolds, o descolamentose sucede ate um valor lim-ite θS nas proxi-midades doequador da esfera, sendo ospontos de descolamento sobrea esfera, pontos de veloci-dade nula para elementos nacamada limite que se desco-lam, deno-minados pontosde estagnacao/separacao in-stantanea nas vizinhancas dasuperfıcie da esfera7. Assim,as derivadas do campo develocidades nessa vizinhancaserao nulas, implicando anulidade do cisalhamentona vizinhanca do ponto de

separacao. Os elementos de fluido para cima dos pontos de estagnacao teminversao de velocidades, gerando um backflow nas partes da regiao acimado polo norte da esfera, denominada wake. Havera formacao de vortices,rarefacao e zonas de baixa pressao no wake. O descolamento da camadalimite se estabiliza num angulo θS proximo ao equador. Desde o momentodo descolamento do ponto no polo norte ate a sua gra-dual, porem rapida,estabilizacao nas proximidades do equador, a camada limite e laminar comnumero de Reynolds suficientemente baixo para isso. Quando o angulo dedescolamento se estabiliza, o numero de Reynolds continuara aumentandoate um valor que tornara iminente a crise do arrasto (pois estamos sob ahipotese de que o estacionario dar-se-a na iminencia da crise do arrasto, ondee alto o numero de Reynolds). Nesse processo, ainda sob o angulo de desco-lamento fixo θS, a camada limite sofrera transicao de laminar a turbulenta. Noestacionario, na iminencia da crise do arrasto, o escoamento tera tres zonas

7Note-se que na superfıcie da esfera todos os pontos relativos a elementos de fluido teraovelocidade nula - pela condicao de nao-escorregamento, inclusive no ponto de separacao. Ainversao no campo de velocidades que gera a separacao da-se nos elementos de fluido den-tro da camada limite que escoam, i.e., que nao estao em contato direto com a superfıcie daesfera. Assim, o ponto de separacao encontra-se na vizinhanca da superfıcie da esfera nesteponto. Nessa vizinhanca, na hipotese de velocidade tangencial a superfıcie da esfera, teremos~v(S) = vθ (S)eθ +0er +0eφ =~0, plausıvel dentro de condicoes de laminaridade nessa vizinhancada separacao, onde S designa a vizinhanca do ponto de separacao.

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3.2 Calculo do Angulo de Separacao θS 81

bem caracterısticas, com a camada limite descolada ainda sob o angulo θSperto do equador: o wake, ou esteira de vortices na parte superior acima dospontos de separacao, extensao de camada limite descolada separando o wakedo mainstream e o mainstream. Nessas condicoes a camada limite aindapossuira uma zona laminar nas imediacoes de fronteira com o mainstream,mas contera regiao turbulenta nas imediacoes da superfıcie da esfera. Tem-seentao um equilıbrio delicado que sera analisado no escopo da termodinamica,sendo que a quebra de tal equilıbrio faria com que a camada limite ficasseturbulenta em sua totalidade pela conveccao de vorticidade oriunda do wakequando da quebra de separacao entre as duas regioes (wake) na crise doarrasto. Essa mistura por conveccao entre wake e camada limite ocorredurante um intervalo de tempo pequeno em que o ponto de separacao sobepara mais proximo do polo norte, tempo suficiente para que a turbulencia seinstale na totalidade da camada limite, fazendo com que caia drasticamenteo arrasto (θS diminui). Inıcio de turbulencia na camada limite e essencialpara o inıcio da crise do arrasto e e exatamente nesse ponto de regime deescoamento que poremos o nosso estacionario sob analise. Isto e, suporemosa iminencia da crise do arrasto, com camada limite colada no ponto deseparacao laminar assintotico θS, com elementos de fluido no interior dacamada limite com perda de laminaridade por turbulencia nas proximidadesda superfıcie da esfera e ainda com laminaridade nas proximidades da bordaexterna da camada limite em contato com o mainstream.

3.2 Calculo do Angulo de Separacao θS

(SCHLICHTING, 1979) Como estaremos aqui interessados nadeterminacao do angulo assintotico (vide fig. 3 abaixo) laminar de separacao,pois o mesmo desenvolve-se rapidamente ainda quando de numeros deReynolds baixos e, conforme colocado anteriormente, sera esse o angulo emque se encontrara descolada a camada limite quando da iminencia da crise doarrasto, segue-se o calculo de camada limite laminar baseado nas equacoesde Prandtl com condicoes de contorno no infinito. As equacoes de Prandtlpara a camada limite foram adaptadas para o caso de corpos axissimetricoscom eixo de simetria paralelo ao fluxo no infinito por E. Boltze. Seja x ocomprimento de arco de circunferencia medido em relacao ao polo sul daesfera ate um ponto arbitrario Q sobre a esfera tal que xQ ∈ [0;πR]. Seja y aaltura radial a partir desse ponto. Seja o plano ortogonal ao eixo de simetriada esfera paralelo ao fluxo no infinito e passando por Q. A interseccaodesse plano com a esfera e uma circunferencia de raio r(x). Denotando

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82 3 A CRISE DO ARRASTO

Figura 5: Desenvolvimento assintotico para o ponto de separacao. Assıntotaja em baixos numeros de Reynolds onde o regime ainda e laminar. Angulomedido a partir do polo sul. (WU CHIH-YUNG WEN, 2004) (SCHLICHTING,1979) (ACHENBACH, 1972).

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3.2 Calculo do Angulo de Separacao θS 83

as componentes de velocidade paralela e normal a esfera em Q por u e v,respectivamente, e o fluxo potencial por U(x) nas imediacoes da superfıcieda esfera, E. Boltze determinou as equacoes de Prandtl para a camada limitede corpos axissimetricos com eixo de simetria paralelo ao fluxo no infinito:

∂u∂ t

+u∂u∂x

+ v∂u∂y

=− 1ρ

∂ p∂x

ρ

∂ 2u∂y2 ;

∂ (ur)∂x

+∂ (vr)

∂y= 0,

(3.4)

com as respectivas condicoes de contorno:

y = 0 : u = v = 0; y = ∞ : u = U (x, t) . (3.5)

Podemos, sem perda de generalidade, analisar o caso laminar estacionario,pois estamos interessados, aqui, no angulo de separacao laminar. Para isso,introduz-se uma funcao de corrente ψ (x,y) tal que:

u =1r

∂ (ψr)∂y

=∂ψ

∂y;

v =−1r

∂ (ψr)∂x

=−∂ψ

∂x− 1

rdrdx

ψ.

(3.6)

Tal funcao de corrente transforma a equacao (16) em:

∂ψ

∂y∂ 2ψ

∂x∂y−(

∂ψ

∂x+

1r

drdx

ψ

)∂ 2ψ

∂y2 = UdUdx

ρ

∂ 2ψ

∂y2 , (3.7)

com as respectivas condicoes de contorno:

y = 0 : ψ = 0,∂ψ

∂y= 0; y = ∞ :

∂ψ

∂y= U(x). (3.8)

Expande-se o campo de velocidades local nas imediacoes da superfıcie daesfera para o fluxo potencial U(x) numa serie de potencias na coordenadacurvilınea x, bem como o contorno da esfera r(x), sendo a funcao de correnteψ (x,y) escrita como uma serie em x com coeficientes variaveis dependentesde y (serie de Blasius), sendo que as funcoes coeficientes na serie de Blasius,funcoes de y, sao previamente escritas independentemente de quaisquer

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84 3 A CRISE DO ARRASTO

parametros particulares do proble-ma em analise, pelo metodo devido a N.Froessling. Obtem-se, assim, para o caso da esfera, a distribuicao de veloci-dades u/U∞ = u

(x/R ; (y/R)

√U∞Rρ/η

)/U∞. Da condicao de anulamento

do cisalhamento no ponto de separacao ∂u/∂y|x=xS= 0, obtem-se:

1−0,3925(xS/R)2 +0,0421(xS/R)4−0,00259(xS/R)6 = 0⇒

xS/R = 1,913 rad ∴ (3.9)

xS/R = π−θS = 1,913 rad⇒ θS = 1,229 rad = 70,4. (3.10)

3.3 Analise Termodinamica da Estabilidade Mecanica do Ponto deSeparacao

(LANDAU; LIFSHITZ, 1959) Sabe-se que um fluido pode estar emequilıbrio mecanico, nao existindo movimento macroscopico, sem que estejaem equilıbrio termico.Consideremos a equacao de Navier-Stokes para o nosso problema de quedada esfera, i.e., a equacao (2.22). A condicao de equilıbrio mecanico para umaregiao do fluido requer que:

ρ~Fm

+~∇p =~0, (3.11)

pois ~v =~0 em tal regiao, por hipotese; sendo que essa condicao expressapela equacao (3.11) pode ser satisfeita, conforme ja o dissemos, mesmo quea temperatura nao seja constante em tal regiao. Pensemos na instabilidade doequilıbrio mecanico em tal regiao como sendo consequencia da necessidadede conveccao, i.e., da necessidade de se misturarem diferentes partes do fluidona regiao mencionada para que seja estabelecido o equilıbrio termico. Assim,a condicao de estabilidade do equilıbrio mecanico passa a ser a de ausenciade conveccao.

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3.3 Analise Termodinamica da Estabilidade Mecanica do Ponto de Separacao 85

Figura 6: Desenho esquematico davizinhanca do ponto de separacao.

Ao lado, encontra-se esquema-tizada a vizinhanca do ponto deseparacao assintotico laminar, pontoS, bem como destacado o valornulo do tensor de cisalhamento nasvizinhancas de S, ΓS = 0. A regiaohachurada encontra-se supostamenteem equilıbrio mecanico com os elemen-tos de fluido em repouso nessa regiao.Ha uma suposta descontinuidade docampo de velocidades nas bordas dareferida regiao em contato com o flu-ido, conforme se infere do desenho es-quematico ao lado. Consideremos umelemento de fluido num ponto P daregiao hachurada. Consideremos o eixonormal local no ponto S, que deno-minaremos de eixo z. Assim, a alturalocal desse elemento de fluido sera z =r−R. Suponhamos agora que esse ele-

mento de fluido sofra um deslocamento brusco do equilıbrio, δ z, i.e., adiabati-camente, dentro da regiao hachurada. Em z, seu volume especıfico (recıprocoda densidade) e V (p,s), onde p e a pressao em z e s a entropia especıfica (en-tropia por unidade de massa do elemento de fluido), tambem em z. Em z+δ z,seu volume especıfico, quando da repentina e suposta expansao adiabatica, eV (p′,s), onde p′ e a pressao em z + δ z. Para que o equilıbrio seja estavel,sera necessaria a existencia de uma forca restauradora que tenda a trazer oelemento de fluido adiabaticamente deslocado para uma posicao hidrostati-camente equivalente a sua posicao original. Isso significa que o elementodeslocado deve ser mais pesado do que o fluido por ele deslocado na novaposicao. Seja V (p′,s′) o volume especıfico do elemento deslocado de suaposicao em z + δ z, onde s′ e a entropia de equilıbrio mecanico em z + δ z.Assim, temos a condicao de estabilidade:

V(

p′,s′)−V

(p′,s)

> 0. (3.12)

Expandindo essa diferenca em potencias de s′− s, utilizando o fato de ques′−s = (ds/dz)δ z, a relacao termodinamica (∂V/∂ s)p = (T/cp)(∂V/∂T )p,onde cp = (T ∂ s/∂T )p e o calor especıfico a pressao cons-tante, quantidade

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86 3 A CRISE DO ARRASTO

positiva, assim como T , temos a condicao de estabilidade mecanica:(∂V∂T

)p

dsdz

> 0. (3.13)

Para fluidos nao-anomalos em relacao ao comportamento de aumento de den-sidade com a diminuicao da temperatura, a condicao de estabilidade torna-sesimplesmente8:

dsdz

> 0, (3.14)

i.e., a entropia deve crescer com a distancia a superfıcie imersa. Assim,espera-se que na iminencia da crise do arrasto a entropia seja maior na su-perfıcie do que em regiao subsequentemente mais afastada, nas vizinhancasdo ponto de separacao. A condicao de establidade expressa pela equacao(3.14) nos diz que a entropia deve ser maior nas regicoes mais afastadas doponto de estagnacao em sua vizinhanca. Os efeitos nao-lineares turbulentosdentro da camada limite estao relacionados a vorticidade que e mais intensana superfıcie da esfera, portanto mais interiormente a camada limite. Issose sucede dentro da camada limite, mas nao nas vizinhancas do ponto deestagnacao ainda em equilıbrio, pois contrariaria (3.14). Assim, deve haveruma transferencia contınua de vorticidade de regioes externas a vizinhancado ponto de separacao para dentro desta que, em virtude de seu confina-mento (figura 3.2), torna insustentavel a situacao de equilıbrio, de maneiraque, desfeito o equilıbrio, desfaz-se (3.14). A vorticidade esta relacionada aocisalhamento nos fluidos viscosos, sendo o cisalhamento mais intenso na su-perfıcie da esfera (nas vizinhancas do ponto de separacao, o que acontece e ooposto, i.e., o cisalhamento e nulo na situacao de equilıbrio desta regiao, por-tanto baixa a vorticidade, esta, a vorticidade, aumentando para pontos maisafastados da vizinhanca do ponto de separacao). Assim, na camada limite,em regioes mais distantes do ponto de separacao, o que acontece e o inversode (3.14) e essas regioes nao estao em equilıbrio mecanico. Assim, as regioesproximas a suferfıcie da esfera devem tornar-se mais caoticas antes dasregioes laminares mais afastadas, desfazendo-se, quando da instalacao da tur-bulencia na superfıcie da esfera, a condicao de estabilidade dada pela equacao(3.14), pelo que o execesso de caoticidade transferida para a vizinhanca doponto de separacao tornaria insustentavel o equilıbrio mecanico ate entao

8Para fluido anomalo basta inverter a desigualdade.

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3.3 Analise Termodinamica da Estabilidade Mecanica do Ponto de Separacao 87

la estabelecido. Parece que temos, entao, uma condicao fısico-matematicapara a crise do arrasto. Representando a entropia especıfica em termos dasvariaveis intensivas temperatura absoluta e campo de pressao, s = s(T, p),utilizando uma das relacoes de Maxwell (∂ s/∂ p)T =−(∂V/∂T )p, tem-se:

ddz

s(T, p) =cp

TdTdz−(

∂V∂T

)p

d pdz

> 0. (3.15)

Da equacao (3.11) temos que d p/dz + (ρ/m)F = 0, onde z e a coorde-nada vertical usual9 z = r cosθS atada a esfera, donde dz = cosθS dr =cosθS d (z+R), e com a utilizacao do coeficiente de expansao termica α =(1/V )(∂V/∂T )p, lembrando que V = 1/ρ e o volume especıfico (densidaderecıproca), reescrevemos a condicao de estabilidade mecanica (3.15):

dTdz

>−αT cosθS

mcpF. (3.16)

Sendo a equacao (3.16) condicao de estabilidade mecanica, temos porcondicao de crise do arrasto a negativa de (3.16), i.e.:

dTdz≤−αT cosθS

mcpF. (3.17)

Como (αT cosθS)/(mcp) > 0 (pois estamos considerando fluidos nao-anomalos, θS = 70,4), a tempe-ratura devera decrescer de uma quantidadeigual ou superior a quantidade (αT cosθS)/(mcp)dz ao nos afastarmos dasuperfıcie da esfera, na situacao de crise do arrasto. Supondo que haja con-tinuidade para regimes estacionarios com numero de Reynolds inferiores aonumero de Reynolds crıtico de crise do arrasto, i.e., que dT va continua-mente diminuindo mais intensamente em quantidades que tendam a quanti-dade crıtica (αT cosθS)/(mcp)dz a medida que se tomam estacionarios comnumeros de Reynolds proximos do crıtico, chegar-se-a a um momento emque teremos um regime estacionario tal que dT diminuira tao intensamentequanto o valor crıtico (αT cosθS)/(mcp)dz, sendo pois a crise do arrastoinstalada, nao mais sendo possıvel, sob esta hipotese de continuidade, ter-seuma diminuicao maior de dT que a crıtica tal que:

9Na vizinhanca de S, os pontos tem coordenada esferica θ aproximadamente fixa sob o angulode separacao θ = θS.

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88 3 A CRISE DO ARRASTO

dTdz

=−αT cosθS

mcpF, (3.18)

pois a crise do arrasto ja estaria instalada. Assim, a equacao (3.18) nosfornece uma condicao para a crise do arrasto que pode ser testada em lab-oratorio. Para exemplificar, se tomarmos o fluido como sendo um gas ideal10,α = 1/T , diatomico, U = 5nRgasT/2⇒CV = dU/dT = 5nRgas/2⇒Cp =nRgas +CV = 7nRgas/2⇒ cp = 7Rgas/2Mmol , onde n e o numero de moles deum elemento de fluido, Rgas a constante universal dos gases, CV a capacidadetermica a volume constante do gas, Cp a capacidade termica a pressao con-stante do gas e Mmol a massa molar do gas. Assim, a equacao (3.18) integradanessas condicoes dentro da camada limite permite obter a diferenca crıtica detemperatura entre a superfıcie da esfera e a borda externa da camada limite,quando da instalacao da crise do arrasto:∫ TCL

Tes f era

dT =−2Mmol cosθSF7mRgas

∫ R+δ

Rdz ∴ (3.19)

Tes f era−TCL = (∆T )Crit =2Mmol cosθSFδ

7mRgas, (3.20)

onde Tes f era e a temperatura na superfıcie da esfera, TCL a temperatura daborda externa da camada limite (temperatura de mainstream), (∆T )Crit adiferenca crıtica de temperatura e δ a espessura da camada limite, todosquando da crise do arrasto.

3.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da Crise doArrasto

O problema da solucao para um escoamento potencial no mainstream,estacionario, reduz-se ao de se encontrar uma funcao potencial K(~r), pois:

~∇×~v∞ = ~∇×~v∞(~r) =~0⇒~v∞ =~v∞(~r) = ~∇K(~r), (3.21)

10Alguem poderia argumentar da impossibilidade de tratarmos um gas, pela compressibilidadeinerente. Porem, estamos analisando as vizinhancas do ponto de separacao onde ~v ≈~0 em todaa regiao de vizinhanca, donde o termo de compressibilidade na equacao mais geral (2.9), estaintegrada nesta vizinhanca, torna-se desprezıvel (~∇ ·~v≈ 0).

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3.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da Crise do Arrasto 89

onde ~v∞(~r) e o campo de velocidades no mainstream, sendo que o ındice ∞,conforme ja mencionado, refere-se ao estacionario (tempo infinito). Para ummainstream incompressıvel, temos tambem:

~∇ ·~v∞(~r) = ~∇ ·(~∇K(~r)

)= 0 ∴

~∇2K(~r) = 0. (3.22)

A condicao de contorno no infinito, e dada por

lim|~r|→∞

~v∞(~r) =−h∞(t)ez, (3.23)

pois estamos no referencial em queda, sendo a outra condicao de contorno deimpenetrabilidade na borda da camada limite:

~v∞ · er|r=R+δ∼= 0, (3.24)

conforme ja referido como sendo tratamento diferente do usualmente ado-tado na solucao da equacao de Prandtl (SCHLICHTING, 1979), este ultimocom condicao de contorno potencial somente no infinito; i.e., forcaremosa solucao potencial numa borda externa de camada limite, distante δ dasuperfıcie da esfera, onde os efeitos cisalhantes sejam desprezıveis segundoalgum criterio conveniente. Da condicao de contorno no infinito para omainstream:

lim|~r|→∞

~v∞(~r) =−h∞(t)ez ∴

lim|~r|→∞

(vr

∞er + vθ∞eθ

)=−h∞(t)(cosθ er− sinθ eθ ) ,

donde temos, entao, no infinito, por (3.21), que:

~∇K (r→ ∞) =−h∞(t)cosθ er + h∞(t)sinθ eθ ∴

∂K∂ r

∣∣∣∣r→∞

er +1r

∂K∂θ

∣∣∣∣r→∞

eθ =−h∞(t)cosθ er + h∞(t)sinθ eθ ,

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90 3 A CRISE DO ARRASTO

∂K∂ r

∣∣∣∣r→∞

=−h∞(t)cosθ ⇒ K (r→ ∞) =−rh∞(t)cosθ +g(θ), (3.25)

onde g(θ) e uma funcao arbitraria de θ . Temos, da componente em θ :

1r

∂K∂θ

∣∣∣∣r→∞

(3.25)=

1r

∂θ

(−rh∞(t)cosθ +g(θ)

)= h∞(t)sinθ +

g′(θ)r

,

donde inferimos que g′(θ) = 0⇒ g(θ) = cte, donde:

K(r→ ∞)∼=−rh∞(t)cosθ + cte. (3.26)

Como a constante nao influenciara no campo de velocidades do mainstreamno infinito, pois~v∞ =~∇K no mainstream, podemos escrever assintoticamenteque:

K(~r)→−rh∞(t)cosθ , (3.27)

quando r→ ∞. Dado o exposto, tentaremos o potencial de mainstream:

K (r,θ) = f (r)cosθ . (3.28)

Substituindo (3.28) em (3.22), temos:

~∇2K =1r2

∂ r

(r2 ∂K

∂ r

)+

1r2 sinθ

∂θ

(sinθ

∂K∂θ

)= 0⇒(3.28). . . ⇒

⇒ r2 f ′′(r)+2r f ′(r)−2 f (r) = 0. (3.29)

Procurando solucao de (3.29) na forma f (r) = ∑∞n=−∞ αnrn e substituindo-a

em (3.29), encontramos:

∑n=−∞

[n(n−1)+2n−2]αnrn = 0. (3.30)

Facilmente concluımos que αn = 0 ∀ n /∈ −2,1. Temos, entao que f (r) edada por:

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3.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da Crise do Arrasto 91

f (r) = α1r +α−2

r2 . (3.31)

Entao, pela equacao (3.28), temos que:

K (r,θ) =(

α1r +α−2

r2

)cosθ , (3.32)

com α1, α−2 constantes. Substituindo o (3.32) em (3.21), temos:

~v∞ =~∇[(

α1r +α−2

r2

)cosθ

]=[

er∂

∂ r+

r∂

∂θ

](α1r +

α−2

r2

)cosθ⇒ . . .∴

~v∞(~r) =(

α1−2α−2

r3

)cosθ er−

(α1 +

α−2

r3

)sinθ eθ . (3.33)

Pela condicao de impenetrabilidade na borda externa da camada-limite,temos:

~v∞ · er|r=R+δ∼= 0, (3.34)

donde, por (3.33) e (3.34) temos:[α1−

2α−2

(R+δ )3

]cosθ = 0 ∀ θ ⇒ α1 =

2α−2

(R+δ )3 ,

que, substituıdo em (3.33), fornece o campo de velocidades no mainstream:

~v∞(~r)∼=

[2α−2

(R+δ )3 −2α−2

r3

]cosθ er−

[2α−2

(R+δ )3 +α−2

r3

]sinθ eθ .

Aplicando a condicao de contorno ~v∞(mainstream,r → ∞) = −h∞(t)ez =−h∞(t)cosθ er + h∞(t)sinθ eθ a equacao anterior, obtemos α−2 =−(R+δ )3 h∞(t)/2 e, assim:

~v∞(~r) =−h∞(t)

[1− (R+δ )3

r3

]cosθ er + h∞(t)

[1+

(R+δ )3

2r3

]sinθ eθ .

(3.35)

Page 92: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

92 3 A CRISE DO ARRASTO

Retornando a equacao de Navier-Stokes (2.22):

ρ~v∞(~r)+ρ

m~F∞ +~∇p∞−η~∇2~v∞(~r) =~0⇒

ρ

(~v∞ ·~∇

)~v∞ +ρ

∂~v∞

∂ t+

ρ

m~F∞ +~∇p∞−η~∇2~v∞ =~0. (3.36)

Usando a identidade:(~v∞ ·~∇

)~v∞ = ~∇

(v2

2

)−~v∞×

(~∇×~v∞

)= ~∇

(v2

2

), (3.37)

e a identidade:

~∇2~v∞ = ~∇(~∇ ·~v∞

)−~∇×

(~∇×~v∞

)=~0, (3.38)

tem-se:

ρ~∇

(v2

2

)+

ρ

m~F∞ +~∇p∞ =~0⇒ ~∇

v2∞

2+

ρ

∞ + p∞

)=~0 ∴

p∞ = p0∞−

ρ

∞−ρv2

2, (3.39)

sendo p0∞ constante no mainstream. Para calcularmos a forca que o fluido faz

na esfera ~F∞, utilizamos as equacoes (2.92) e (2.93):

~F∞ =m∫

VC ρdV

(∮SC

Π∞ · ndS− ∂

∂ t

∫VC

ρ~v∞dV)

, (3.40)

Π∞ = [−1p∞ +Γ∞−ρ (~v∞ ~v∞)]|SC . (3.41)

Page 93: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

3.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da Crise do Arrasto 93

Figura 7: Desenho esquematico com osdetalhes para integracao no interior dacamada-limite.

O termo dependente dotempo na equacao (3.40) naopode ser retirado sob o mesmoargumento utilizado para omainstream, pois a integral devolume que o contem em (3.41)sera avaliada em regiao deturbulencia dentro da camadalimite, dada a iminencia su-posta da crise do arrasto, sendoque tal regiao de turbulenciasomente podera ser consider-ada estacionaria nos moldes danota de rodape 3 desta secao,i.e., sob condicao de estaciona-riedade na media temporal feita

sobre os ensembles. Tendo isso em mente, que os calculos serao feitos sobre amedia temporal dos ensembles, seguimos com nossos calculos. Definiremosa superfıcie de controle SC como sendo a superfıcie AFGBA (BA em contatocom o wake) esquematizada na figura 3.5. O volume de controle VC sera ovolume interno a superfıcie de controle SC. A turbulencia estara instaladano volume AFGBA (BA em contato com a camada limite) da camada limite,sendo tal superfıcie uma vizinhanca da superfıcie da esfera nessa regiao, deforma que as superfıcies BG e AF estejam nas vizinhancas dos pontos deseparacao na iminencia de satisfazer a condicao de arrasto (3.18). Note-sea superfıcie BG esquematizada na figura 3.2 como interna a vizinhanca deseparacao, onde os elementos de fluido estao sob condicao suposta de anula-mento de cisalhamento e de velocidade (o mesmo para AF , porem esta naoesquematizada na figura 3.2). Estando os efeitos de cisalhamento confinadosa superfıcie da esfera, pelo elevado valor do numero de Reynolds (ainda que aturbulencia esteja distribuıda dentro da vizinhanca da superfıcie de controle,o cisalhamento pode estar confinado somente a regiao superficial, i.e., podehaver baixo cisalhamento em FG, porem alto em AB, pelo que a turbulenciaem FG e propagada de AB, sendo a geracao de turbulencia relacionada aoalto gradiente de velocidade em AB na superfıcie, nao havendo necessidadede um alto gradiente em FG, ainda que com turbulencia em FG11) e peladesprezibilidade dos efeitos cisalhantes frente aos efeitos de pressao na su-

11Pode existir turbulencia sem cisalhamento num fluido de Euler, por exemplo, pois e possıvelhaver vorticidade em superfıcies de separacao com descontinuidade no campo de velocidades.

Page 94: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

94 3 A CRISE DO ARRASTO

perfıcie de controle e lıcito que se reescreva, pelas equacoes (3.40) e (3.41):

~F∞ =m∫

VC ρdV

∮SC

[−1p∞−ρ (~v∞ ~v∞)] · ndS

. (3.42)

A integral no denominador e simplesmente m + mCL, ou seja, a soma dasmassas da esfera e da camada limite. Note-se que o tensor~v∞ ~v∞ anula-se nasuperfıcie BA em contato com o wake, pela condicao de nao-escorregamento,e na superfıcie de vizinhanca dos pontos de separacao (AF e GB na figura 3),pelo suposto anulamento da velocidade nessa vizinhanca. Assim, tem-se:

m+mCL

m~F∞ =−

[∫FG

+∫

GB+∫

BA+∫

AF

]1p∞ · ndS+

−∫

FG[ρ (~v∞ ~v∞)] · ndS. (3.43)

Como na vizinhanca da superfıcie da esfera AFGBA (BA em contato coma camada limite) havera turbulencia, os elementos de fluido nao serao maistangenciais a superfıcie da esfera, donde nao poderemos aplicar a equacao(3.3), i.e., nao poderemos dizer que o campo de pressoes e o mesmo deCD dado pela equacao (3.39) pDC

∞ = p0∞− (ρ/m)ϕ∞

DC− (ρ/2)v2∞ (R+δ , θ),

com v∞ (R+δ , θ) solucao potencial dada por (3.35). Porem, como a regiaoFGCDF sera suficientemente laminar para que p

′FG∞∼= p

′DC∞ , radialmente,

(vide nota de rodape 5), pois se sustentam as condicoes de validade de (3.3),teremos que havera uma discrepancia entre o campo de pressoes efetivo nasuperfıcie AB em contato com a camada limite e o campo de pressoes efetivop′ potencial (vide nota de rodape 3.4)12. Como a nossa superfıcie de controleescolhida nao passa pela regiao de discrepancia do campo de pressoes, naoincorreremos em erro ao adotar a utilizacao de (3.3) na camada limite, poissera valida em GF. Temos que, pela nota de rodape 5, por (3.39) e por (3.35):

ρ

∞FG + pFG

∞ =ρ

∞DC + pDC

∞ =

= p0∞−

ρ

2v2

∞(R+δ , θ) = p0∞−

98

ρ(h∞(t)

)2 sin2θ ∴ (3.44)

12De fato tal discrepancia existe (SMITH DAVID K. HILTON, 1999) (CHOI MICHAEL R. SMITH,) (CONSTANTINESCU, 2004) (YEUNG, 2007), sendo tao menor quanto maior for o numero deReynolds.

Page 95: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

3.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da Crise do Arrasto 95

pFG∞ =−ρ

∞FG + p0

∞−98

ρ(h∞(t)

)2 sin2θ . (3.45)

O campo de pressoes em GBAF (BA em contato com o wake) sera constante,(SCHLICHTING, 1979) (CONSTANTINESCU, 2004) 13, e pelo que ja se encontrainstalado o caos no wake, donde, ainda que por argumentacao heurıstica,deve-se esperar uma homogeneidade de transferencia de quantidade de movi-mento do wake para a esfera nessa regiao. Para calcular o campo de pressoesnessa regiao, basta que calculemos o campo nas vizinhancas do ponto deseparacao. De acordo com o esquematizado na figura 3.2, e la argumentado,a vizinhanca de S, ponto de separacao, tem cisalhamento nulo, sendo que aıvalera a equacao de Euler. Os pontos G nas figuras 3.2 e 3.3 sao os mesmose estao numa regiao de descontinuidade suposta do campo de velocidades.Porem, na vizinhanca de G externa a area hachurada da figura 3.2, onde avelocidade nao e nula14, temos tambem cisalhamento nulo, por hipotese deconfinamento do cisalhamento a superfıcie da esfera, dado o alto numerode Reynolds e ja anteriormente argumentado. Assim, a equacao de Eulertambem seria valida nessa regiao vizinha do ponto G, porem externa a regiaohachurada da figura 3.2, externa a vizinhanca do ponto de separacao. Peladescontinuidade, ha vorticidade em G. Assim a equacao de Bernoulli seriavalida somente ao longo de uma linha de corrente. Porem, se no momentoda crise do arrasto, a vizinhanca do ponto de separacao que sai do equilıbriomecanico pela condicao (3.18) o fizer convectivamente segundo SG15 nafigura 3.2, o que parece ser uma aproximacao geometrica plausıvel pelapequenez da vizinhanca de S, mantendo-se o baixo cisalhamento e, portanto,a validade da equacao de Euler, teremos que SG sera uma linha de corrente,donde:

pS∞ +ρ

F∞

mRcosθS = pG

∞ +ρF∞

m

(R+δ

′)cosθS +12

ρv2∞

(R+δ

′, θS)⇒

13Vide nota de rodape 12.14Pela desprezibilidade do cisalhamento nessa vizinhanca externa de G, as laminas do fluxo

sul (escoamento abaixo da regiao de separacao, na figura 3.2) e do fluxo norte (escoamento acimada regiao de separacao, na figura 3.2) confinantes e em contato com a vizinhanca de separacaoconfinada escorregam por sobre esta regiao interna a G, regiao esta onde ha repouso suposto parao fluido aı contido que perfaz a vizinhanca de separacao.

15O ponto G na figura 3.2 subira com a sua lamina de fluxo sul, quando do inıcio da crise doarrasto, perfazendo com o ponto S a nova linha SG de crise do arrasto, nova linha esta esquema-tizada pela linha pontilhada que parte de S, na figura 3.2, ate ponto de encontro do fluxo sul como fluxo norte.

Page 96: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

96 3 A CRISE DO ARRASTO

pS∞∼= pG

∞ +12

ρv2∞

(R+δ

′, θS), (3.46)

pois δ ′ << R, onde δ ′ e a distancia radial da superfıcie da esfera a superfıcieFG. Assim, por (3.45) e (3.46), o campo de pressoes nas vizinhancas dowake (AB em contato com o wake no desenho 3.2) e do ponto de separacao,quando da crise do arrasto, e dada por:

pS∞ =−ρ

∞(R+δ

′, θS)+ p0

∞−98

ρ(h∞(t)

)2 sin2θS +

12

ρv2∞

(R+δ

′, θS).

(3.47)

Representando o campo quadratico de velocidades no interior da camadalimite, campo medio temporal sobre os ensembles, por uma serie de Fourierem r, pois interessa-nos o perfil quadratico de velocidades interno da su-perfıcie da esfera a borda da camada limite, para um dado θ , e tendo em vistaque, pelo alto numero de Reynolds quando da crise do arrasto, e plausıvel semodelar tal perfil quadratico por uma funcao degrau, temos que:

v2∞

(R+δ

′, θ)

=12(v2

∞ (R, θ)+ v2∞ (R+δ , θ)

)=

=12

v2∞ (R+δ , θ) =

98(h∞(t)

)2 sin2θ , (3.48)

devido a condicao de nao-escorregamento e a equacao (3.35). Assim, ocampo de pressoes nas vizinhancas do wake e do ponto de separacao, por(3.48) e (3.47), e dado por:

pS∞ =−ρ

∞(R+δ

′, θS)+ p0

∞−9

16ρ(h∞(t)

)2 sin2θS =

−ρ

∞GBAF + p0

∞−9

16ρ(h∞(t)

)2 sin2θS, (3.49)

onde GBAF e a regiao do wake em contato com a esfera mais a regiao vizinhaao ponto de separacao. Em virtude da turbulencia em FG, o campo de veloci-dades nao sera tangencial. Na figura 3.3 esta esquematizado um elemento defluido turbulento que atravessa essa superfıcie num instante arbitrario. Assim,

Page 97: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

3.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da Crise do Arrasto 97

instantaneamente, antes de efetuarmos a media temporal sobre os ensembles,temos o campo turbulento em FG16:

~vFG(R+δ

′,θ , t)

= vFG(R+δ

′,θ , t)(cosα(t) er + sinα(t) eθ ) . (3.50)

Assim, a quantidade convectiva de quantidade de movimento que atravessaFG, (~v~v)FG · n =~vFG (R+δ ′,θ , t)(~vFG (R+δ ′,θ , t) · n), da equacao (3.43),possui media temporal sobre os ensembles:

〈(~v~v)FG · n〉t = (~v∞ ~v∞) · n =

=⟨vFG

(R+δ

′,θ , t)(cosα(t) er + sinα(t) eθ )×

×[vFG

(R+δ

′,θ , t)(cosα(t) er + sinα(t) eθ ) · er

]⟩t ∴ (3.51)

〈(~v~v)FG · n〉t = (~v∞ ~v∞) · n =⟨v2

FG(R+δ

′,θ , t)×

×(cos2

α(t) er + cosα(t)sinα(t) eθ

)⟩t . (3.52)

Assumindo ausencia de memoria, i.e., nao-correlacao entre o campoquadratico v2

FG (R+δ ′,θ , t) e o angulo de ataque α(t) a superfıcie FG,aleatoriedade dos angulos de ataque de maneira que sejam equiprovaveis osangulos de ataque α(t) ∈ [0;π], temos que a media temporal sobre os en-sembles para a quantidade convectiva de quantidade de movimento dada por(3.53) torna-se:

〈(~v~v)FG · n〉t = (~v∞ ~v∞) · n =12⟨v2

FG(R+δ

′,θ , t)⟩

t er. (3.53)

⟨v2

FG (R+δ ′,θ , t)⟩

t e o perfil quadratico medio sobre os ensembles temporal-mente, o qual foi repre-sentado por uma serie de Fourier em r para um dado θ

16Notemos que podemos tratar a media temporal dos ensembles, quando da instalacao daturbulencia nas vizinhancas da esfera, ate que a turbulencia atinja a vizinhanca do ponto deseparacao, quando, instantaneamente, pela condicao (3.18), ocorre a crise do arrasto. Todos oscalculos medios sobre os emsambles temporais que temos feito sao feitos na iminencia da crisedo arrasto, nao quando da instalacao da crise por (3.18).

Page 98: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

98 3 A CRISE DO ARRASTO

na equacao (3.48), aproximado, conforme la o supusemos plausıvel, por umafuncao degrau, donde reescrevemos (3.53):

(~v∞ ~v∞) · n =12

v2∞

(R+δ

′, θ)

er =9

16(h∞(t)

)2 sin2θ er. (3.54)

Calculamos a forca que o fluido faz na esfera utilizando os resultados obtidosem (3.45), (3.49) e (3.54) na equacao (3.43):(

1+mCL

m

)~F∞ =

∫FG

∞FG− p0

∞ +98

ρ(h∞(t)

)2 sin2θ

)erdS+

+∫

GBAF

∞GBAF − p0

∞ +9

16ρ(h∞(t)

)2 sin2θS

)ndS+

−∫

FG

916

ρ(h∞(t)

)2 sin2θ erdS =

ρ

m

∮SC

ϕ∞ndS− p0

∮SC

ndS+

+9

16ρ(h∞(t)

)2∫

FGsin2

θ erdS +916

ρ(h∞(t)

)2 sin2θS

∫GBAF

ndS =

m

∫VC

~∇ϕ∞dV − p0

∫VC

~∇(1)dV+

+9

16ρ(h∞(t)

)2∫

θ=π

θ=θS

∫φ=2π

φ=0sin2

θ (sinθ cosφ ex+

+sinθ sinφ ey + cosθ ez)(R+δ

′)2 sinθ dθ dφ +

+916

ρ(h∞(t)

)2 sin2θS

∫θ=θS

θ=0

∫φ=2π

φ=0(sinθ cosφ ex+

+sinθ sinφ ey + cosθ ez)R2 sinθ dθ dφ +

Page 99: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

3.4 Determinacao Analıtica da Forca de Arrasto Iminencia da Crise do Arrasto 99

+9

16ρ(h∞(t)

)2 sin2θS

∫ r=R+δ ′

r=R

∫φ=2π

φ=0(−cosθS cosφ ex+

−cosθS sinφ ey + sinθSez)r sinθS dr dφ =

m

∫VC

~F∞dV +9π

8ρ(h∞(t)

)2 (R+δ′)2 ez

∫θ=π

θ=θS

sin3θ cosθ dθ+

+9π

8ρ(h∞(t)

)2 R2 sin2θS ez

∫θ=θS

θ=0sinθ cosθ dθ+

+9π

8ρ(h∞(t)

)2 sin4θS ez

∫ r=R+δ ′

r=Rr dr =

= Empuxo+mCL

m~F∞ +

32ρ(h∞(t)

)2 R2 sin4θS ez ∴

~Fa =9π

32ρ(h∞(t)

)2 R2 sin4θS ez, (3.55)

pois ~F∞/m =−~g quando de velocidade limite (estacionario) e δ ′ << R, onde~Fa e a forca puramente viscosa exercida pelo fluido na esfera, a que querıamoscalcular. Para finalizar, calculemos o coeficiente de arrasto CD no momentoda crise do arrasto:

CD =2Fa

πρR2(h∞(t)

)2 =916

sin4θS =

916

sin4 (70,4) = 0,44, (3.56)

parecendo estar em excelente concordancia com a experiencia (CHOI MICHAELR. SMITH, ) (SMITH DAVID K. HILTON, 1999) (CHOI WOO-PYUNG JEON, 2006).

Page 100: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

100 3 A CRISE DO ARRASTO

Figura 8: Crise do Arrasto: reducao brusca do coeficiente de arrasto. Ocaso aqui investigado refere-se a esfera lisa (cırculos abertos) (CHOI WOO-PYUNG JEON, 2006).

Page 101: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

101

4 CONCEITOS

4.1 Sobre Formulacao de Estado Relativo em Mecanica Quantica

(III, 1957) Para que se estabeleca a posicao do problema definidor doterritorio teorico sobre o qual cami-nharemos, comecemos por tecer algunscomentarios relativos ao artigo1 que servira de base para nossas consideracoesem mecanica quantica, no que concerne a aparente ineficacia de aplicacaodesta mecanica a sistemas isolados. O artigo de Everett estabelece a mecanicaquantica sobre uma nova perspectiva, a saber: as observacoes sao tratadascomo interacoes que se processam dentro de um sistema, como um casoespecial das interacoes ordinarias, i.e., nao como um novo e diferente tipode processo que passa a existir postulatoria e originariamente do nada. Aformulacao matematica convencional da mecanica quantica com seus pos-tulados sobre probabilidades de observacao devera ser dedutıvel consequen-temente, i.e., nao ad hoc, mas a posteriori, ou ainda, como consequencia deuma nova ou meta mecanica quantica. Ambas as formulacoes, a convencionalou a de Everett, aplicam-se tanto a sistemas simples quanto a sistemas com-plexos, tanto a partıculas quanto a campos. Ambas as formulacoes fornecemmodelos matematicos para o mundo fısico. Na formulacao de Everett, ou for-malismo de estado relativo, associa-se a um sistema isolado uma funcao deestado que obedece a uma equacao de onda linear. A teoria lida, entao, coma totalidade de caminhos possıveis nos quais essa funcao de estado possa serdecomposta em uma soma de produtos de funcoes de estado para os subsis-temas do sistema global isolado, nada mais do que isso. Por exemplo, emum sistema dotado de quatro graus de liberdade, x1, x2, x3, x4 e de uma co-ordenada temporal, t, o estado geral pode ser denotado por ψ(x1,x2,x3,x4, t).Todavia, nao ha como ψ definir qualquer unico estado para qualquer unicosubsistema, i.e., definir um subconjunto de x1, x2, x3 e x4. A um subsistemaconsistindo, digamos, dos graus de liberdade x1 e x3, nao pode ser prescritoum estado u(x1,x3, t) independentemente do estado prescrito ao sistema re-manescente de graus de liberdade x2 e x4. Em outras palavras, nao ha ordinar-iamente como se definir independentemente f ou u de modo a permitir quese denote ψ na forma2 ψ = u(x1,x3, t) f (x2,x4, t). Portanto, o maximo que

1Hugh Everett, III, Revs. Modern Phys. 29, 454, (1957).2Alguem poderia objetar de que o produto u f e em essencia a definicao de que os estados

denotados por u e por f , para os respectivos subsistemas, sao independentes. Isso somenteseria verdadeiro se o produto desses estados definissem um estado global u f ≡ ψ , com u e findependentes a priori. Porem, e o oposto que ocorre, i.e., o estado global ψ e que e prescrito,

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102 4 CONCEITOS

pode ser feito e associar o estado relativo, urel(x1,x3, t), relativo a um estadoespecificado f (x2,x4, t) do subsistema remanescente. O metodo de prescricaode estados relativos urel(x1,x3, t) para um subsistema, relativamente ao outrosubsistema remanescente com estados especıficos f (x2,x4, t), permite que sedecomponha ψ numa superposicao de produtos, cada qual consistindo de ummembro de um conjunto ortonormal para um subsistema e seu correspondenteestado relativo para o outro subsistema remanescente, i.e.,

ψ = ∑i

ai fi(x2,x4, t)uirel(x1,x3, t), (4.1)

onde f e um conjunto ortonormal. O formalismo de estados relativosrelaciona-se com a observacao ainda abstratamente, dado que a observacaose processa dentro de um sistema isolado. A teoria da observacao devetornar-se um caso especial de uma teoria de correlacoes entre subsistemas.

Como esse modelo matematico para a natureza se relaciona com oatual esquema conceitual da fısica? Podemos sucintamente concluir: (1) Oformalismo conceitual de estado relativo para a mecanica quantica e comple-tamente diferente do esquema conceitual convencional da observacao externaem mecanica quantica e (2) As conclusoes do novo tratamento devem corre-sponder completamente, nos casos familiares, as conclusoes da analise usualem mecanica quantica. Portanto, ha correspondencia nas conclusoes, poremcom completa discrepancia conceitual. O formalismo de observacao externaem mecanica quantica, o convencional, tem o grande merito de ser dualıstico,dado que associa uma funcao de estado ao sistema sob estudo, por exemplouma partıcula, mas nao ao equipamento que perfaz a observacao. O sistemasob estudo pode ser aumentado de modo a incluir o objeto original, por ex-emplo uma partıcula, como um subsistema, e o equipamento observador, porexemplo um contador Geiger, como subsistema remanescente. Para tal, de-veremos aumentar o numero de variaveis na funcao de estado, dado que sedevem incluir os graus de liberdade relacionados ao equipamento observador.Todavia, no formalismo convencional, o equipamento observador situa-se ex-ternamente ao sistema que e inserido na equacao de onda. Nao ha como serdiferente no programa convencional da mecanica quantica, i.e., nao ha comonao haver dualidade dentro da estrutura axiomatica do edifıcio convencionalda mecanica quantica. Tal como Bohr3 tao claramente enfatizou, sempre se

sendo, assim, que tal prescricao obrigatoriamente correlacionara de modo unico e especıfico umdos estados ao outro.

3Capıtulo por Niels Bohr em Albert Einstein, Philosopher-Scientist, editado por P. A. Schilpp(The Library of Living Philosophers, Inc., Evanston, Illinois, 1949).

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4.1 Sobre Formulacao de Estado Relativo em Mecanica Quantica 103

interpreta a amplitude de onda por intermedio de observacoes de uma carac-terıstica classica feitas de fora, i.e., externamente ao sistema quantico. O for-malismo convencional nao admite outro vies interpretativo para a amplitudede onda; sendo logi-ca e axiomaticamente auto-consistente; expurga qualquerdescricao classica da dinamica interna do sistema quantico. Na formulacaoconvencional de observacao externa, a consistencia teorica interna com con-ceitos classicos e salvaguardada por princıpio a parte: o princıpio da com-plementaridade4. Sucintamente, sem a possibilidade de existencia de umequipamento de medida classico, o arsenal matematico da mecanica quanticaconvencional parece, em princıpio, ser totalmente desprovido de correlacaocom o mundo fısico. Ao inves de fundamentar a mecanica quantica so-bre a fısica classica, a formulacao de estado relativo a fundamenta sobreum tipo totalmente diferente de modelo para a fısica. De fato, esse novomodelo tem caracterıstica intrınseca propria; e conceitualmente auto-contido,definindo suas proprias possibilidades por interpretacao; nao requerendo,para sua formulacao, qualquer referencia a conceitos classicos. Ainda nose difıcil tornar translucido o quao decisivamente o formalismo de estadorelativo fara emergir os conceitos classicos. Essa infelicidade inicial, nesteestagio, tem precedentes analogos no desenvolvimento epistemologico dafısica: como quando Newton descreveu a gravidade por algo ora tao irra-cional como a acao a distancia; como quando Maxwell descreveu algo ja oranao tao irracional como a acao a distancia em termos de algo ora tao irracionalcomo uma teoria de campo; como quando Einstein expurgou um caraterprivilegiado para qualquer sistema de coordenadas, colapsando, num exameprefacial, os ora arraigados, paradigmaticos, fundamentos da medida fısicarelacionados aos sistemas de coordenadas. Como se poderia responsavel,paradigmatica e atualmente considerar um modelo para a natureza que naosiga nem o esquema newtoniano, onde as coordenadas sao funcao do tempo,nem a descricao de observacao externa, onde as probabilidades sao prescritasaos possıveis resultados da medida? A mera analise das decomposicoes alter-nativas da funcao de estado, como na equacao 4.1, sem que se diga o signifi-cado da decomposicao ou como interpreta-la, e aparentemente definir umaestrutura teorica tao pobremente quanto possıvel. Nada tao comparavel podeser citado a partir de outras areas da fısica, exceto o princıpio da relativi-dade geral que estabelece que todos os sistemas de coordenadas regulares saoigualmente justificados. Assim como na relatividade geral, na formulacao deestado relativo em mecanica quantica, a analise da observacao e a chave para

4O princıpio da complementaridade de Bohr: os aspectos corpuscular e ondulatorio sao com-plementares. Ambos sao necessarios, mas nao podem ser observados simultaneamente.

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104 4 CONCEITOS

a interpretacao fısica5.As observacoes nao sao feitas de fora do sistema por um super obser-

vador. Nao ha observador algum a priori, de modo a ser desprovida de sentidoa teoria de observacao externa convencional da mecanica quantica. Ao invesdisso, o papel do aparato observador e tratado no modelo matematico comoparte de um sistema isolado. Tudo que o modelo prevera ou podera preversobre observadores esta contido nas inter-relacoes entre as autofuncoes doobjeto parte do sistema isolado e as respectivas funcoes de estado rela-tivo da parte remanescente do sistema isolado. Qualquer tentativa de seprescrever probabilidades a observaveis estara tao desprovida de sentidoquanto a prescricao instantanea de posicao e momento de uma partıculaem mecanica quantica ordinaria6. A palavra probabilidade implica a nocaode observacao externa com aparato observador a ser descrito em termostipicamente classicos. Nem esses termos classicos, nem a observacao ex-terna e nem consideracoes apriorıstas sobre probabilidade inserem-se nosfundamentos do formalismo de estado relativo da mecanica quantica.

Exaurem-se aqui, por enquanto, as diferencas conceituais entre o for-malismo ordinario, diga-mos formalismo antigo, e o formalismo de estadorelativo, digamos formalismo novo, em mecanica quantica. Passemos a cor-respondencia entre os dois formalismos. O artigo de Everett mostra que essacorrespondencia e proxima e detalhada. O rastrear dessa correspondencia re-quer que o sistema isolado em consideracao inclua o que se pode denominarum subsistema observador. Tal subsistema pode ser tao simples quanto umapartıcula que esta a colidir com uma partıcula sob estudo. Nesse caso, a corre-spondencia ocorre num nıvel primitivo entre o formalismo de estado relativo,onde o sistema consiste de duas partıculas, e o formalismo de observacao ex-terna, onde o sistema consiste de apenas uma partıcula. As correlacoes entreas autofuncoes da partıcula objeto e as funcoes de estado relativo da partıculaobservadora, no esquema de estado relativo, estao estreitamente relacionadas,agora no esquema ordinario, as afirmativas axiomaticas relacionadas, nesteesquema ordinario, as varias possibilidades de saıda em uma medida feita

5Assim como em relatividade geral, nao ha um observador externo privilegiado em um superlocal em que se prescrevam as leis dos fenomenos fısicos observados sem que se considere apresenca imersa do sistema de coordenadas do observador. Em relatividade geral, o sistema decoordanadas regular adotado esta imerso na propria estrutura do espaco-tempo, na estrutura davariedade de Riemann, correlacionado espaco-temporalmente ao fenomeno observado.

6Assim como a mecanica quantica ordinaria, em virtude de sua estrutura matematica oriundade seu edifıcio axiomatico, nao permite a prescricao instantanea da posicao e do momento de umapartıcula, o edifıcio axiomatico da formulacao de estado relativo nao permite que se prescrevamprobabilidades a observaveis.

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4.1 Sobre Formulacao de Estado Relativo em Mecanica Quantica 105

sobre a partıcula objeto.Uma correspondencia mais detalhada pode ser tracada entre as duas

formas de mecanica quantica quando o sistema observador for suficiente-mente complexo para ter o que se pode descrever como estados de memoria.Nesse caso, pode-se constatar as evidencias dos aspectos complementaresda teoria de observacao externa usual emergindo com outra forma interpre-tativa dentro da teoria de estado relativo, i.e., quando se constroi o sistemaobservador complexamente equipado com o que se define como estados dememoria, consegue-se vislumbrar a emergencia dos aspectos complementaresquantico-classicos da teoria ordinaria dentro do escopo, com outro vies inter-pretativo, da teoria quantica de estado relativo. Tais aspectos complementaressao expressos em termos das limitacoes no grau de correlacao entre os esta-dos de memoria para observacoes sucessivas da mesma grandeza fısica numsistema, quando da observacao de uma grandeza nao-comutavel. Nesse vies,tem-se, pelo formalismo de estado relativo, pela primeira vez, a possibilidadede um modelo matematico fechado para a complementaridade.

Fisicamente, nao deve ser suficiente que um unico observador ouaparato faca medidas, para que se defina medida, i.e., tal acao tao primordialem fısica, a medida, nao deve ser plausivelmente encerrada simplesmente porum ato postulatorio de navalha sem que se analise possıvel coerencia do quequer que seja tal ato, quando se consideram outros aparatos diferentes queefetuam medidas exatamente de mesma natureza fısica. Em outras palavras,aparatos diferentes que perfacam a mesma medida fısica sobre um mesmo ob-jeto devem mostrar um padrao de consistencia, se se espera que o conceito demedida faca sentido. Tal consistencia demandara a formulacao de observacaoexterna para a mecanica quantica? Seria tal linguagem classica, a linguagemaprioristicamente necessaria da formulacao convencional de observacao ex-terna, realmente um pre-requisito para que se comparem medidas feitas porobservadores diferentes?

A analise de multiplos observadores no artigo de Everett atraves dateoria de estados relativos indica que a necessaria consistencia entre medi-das e prontamente obtida sem que se faca referencia a formulacao de obser-vador externo. A objecao em tal situacao pode ser delineada pela assertiva:ora, mas a comunicacao para a verificacao de coerencia deve pressuporque em termos claros haja a necessidade de ser feita em termos classicos,pois o mundo e classico, i.e., deve demandar conceitos classicos. Objetar-se-ia dessa objecao: todavia, o tipo de fısica que se encerra num sistemaisolado nao se ajusta a terminologia classicamente disponıvel pelo vies deobservacao externa, pois inexiste tal observador externo! Assim, a termi-

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106 4 CONCEITOS

nologia tem de se ajustar em concordancia com o tipo de fısica encerrado numsistema isolado. Resumidamente, o problema da coerencia entre multiplosobservadores resolve-se dentro da teoria de estados relativos, sem que paratal se insira a teoria convencional da medida a formulacao de estados rela-tivos. A coerencia entre multiplos observadores e autocontida na formulacaode estados relativos.

Nao e o objetivo desta secao, colocar a formulacao de estado rela-tivo da mecanica quantica em total claridade de desenvolvimento, dado queo faremos mais detalhadamente no decorrer das secoes posteriores. Porem,podemos aqui colocar em termos totalmente claros o que tal formulacao naopretende ser. Tal formulacao nao pretende suplantar o formalismo conven-cional de observacao externa da mecanica quantica, mas dar um novo e in-dependente fundamento para esse formalismo. Nao introduz a ideia de umsuper observador, rejeitando tal conceito ab initio. Nao prove prescricao al-guma que permita dizer qual e a forma funcional correta do hamiltonianode um dado sistema fısico. Nao fornece qualquer meio de previsao para adependencia funcional da funcao de estado do sistema isolado nas variaveisdesse sistema. Em outras palavras, a teoria de estados relativos nao pretenderesolver todas as questoes da fısica. O conceito de estados relativos demandaum quadro totalmente novo em relacao as caracterısticas inerentes aos fun-damentos da fısica. Parece nao ser possıvel escapar ao vies da formulacaode estados relativos, se se quiser ter um modelo matematico completo para amecanica quantica interna a um sistema isolado. Excetuando-se o conceitode estados relativos, nenhum sistema autoconsistente de ideias ha disponıvela explicacao da quantizacao de um sistema isolado como, por exemplo, douniverso da relatividade geral.

Antes de retornarmos a formulacao de estados relativos em mecanicaquantica pela analise sucinta do artigo de Everett, passemos agora a aponta-mentos relativos a teoria de jogos para que possamos, quando do retorno aformulacao de Everett nas secoes finais, finalizar com a aplicacao a que nospropusemos nesta dissertacao, i.e., a aplicacao da teoria de jogos ao problemada medida em mecanica quantica.

4.2 O Conceito de Utilidade - Apontamentos Iniciais - Parte 1

Facamos apontamentos relativos ao conceito-chave em teoria de jogos,o conceito de utilidade. Um breve discorrer sobre o surgimento da utilidadee direcionamento para uma primeira tentativa heurıstica de definicao desse

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4.2 Utilidade: Apontamentos e Heurıstica 107

conceito. Importancia: o conceito de utilidade parece ser ponto-chave nareinterpretacao da probabilidade para o que se vislumbra utilizar dentro doescopo do problema do calapso da funcao de onda7.

Utilidade: Apontamentos e Heurıstica

• O conceito de utilidade (NEUMANN; MORGENSTERN, ) surge dentro dateoria economica como uma medida subjetiva para a preferencia.

• Von Neumann e Morgenstern8 cogitam a possibilidade de tratar a util-idade numericamente, ainda que a literatura considerasse isso comosendo radical.

• Como a questao da medida da utilidade guarda caracterısticas simi-lares as de questoes de mensurabilidade em ciencias fısicas, fazem-senecessarios alguns comentarios.

• Historicamente, a utilidade foi concebida como sendo quantitativa-mente mensuravel, i.e., como um numero.

• Sendo a forma original da utilidade ingenua, surgiram varias objecoes.

• E claro que toda medida, todo processo de medida, ou melhor, todoclamor por mensurabi-lidade, em ultima analise, e baseado em algumasensacao imediata, a qual possivelmente nao pode e certamente naoprecisa ser analisada com mais profundidade (como as sensacoes deintensidade luminosa, calor e esforco muscular, por exemplo, nos cor-respondentes ramos da fısica).

• No caso da utilidade, a sensacao imediata de preferencia - preferenciaa um objeto ou a um agregado de objetos em relacao a outro - prove asensacao imediata suficiente ao clamor por mensurabilidade.

7Tais apontamentos sao oriundos de uma serie de seminarios ministrados conjuntamente commeu orientador, Professor Dr. Marcelo Henrique Romano Tragtenberg, quando se vislumbravauma aplicacao mais geral da teoria de jogos ao problema do colapso da funcao de onda emmecanica quantica atraves de uma generalizacao da propriedade de filtragem da funcao delta deDirac no escopo da teoria de particoes em teoria de jogos. Ainda que a aplicacao da teoria dejogos neste trabalho seja mais singela, limitada a uma reinterpretacao do processo de medida pelaformulacao de estados relativos em mecanica quantica, o problema original do colapso ainda eobjeto de intenso interesse e pesquisa por parte deste estudante.

8Von Neumann, John, and Oskar Morgenstern, Theory of Games and Economic Behavior,first edition, second edition, third edition, Princeton University Press, Princeton, 1944, 1947,1953.

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108 4 CONCEITOS

• Porem, a sensacao imediata de preferencia pode ser suficiente paracomparar duas preferencias especıficas a dois objetos correlatos empreferencia (preferir cafe a cha), para uma pessoa, sendo insuficiente, asensacao imediata de preferencia, ratificamos, para a comparacao entrepreferencias (utilidades) nao-correlatas (preferir cafe a ficar sentado)ou entre pessoas diferentes.

• Como nao ha intuitivamente um caminho significante para se somaremduas utilidades para uma mesma pessoa, o conceito de utilidade comosendo nao-numerico sempre pareceu plausıvel.

• No inıcio da teoria do calor, o conceito de calor era intuitivamentebaseado na sensacao de um corpo ser mais quente que outro, naohavendo um meio significativo de expressar o quanto, quantas vezes,ou em que senso um corpo seria mais quente que outro.

• A comparacao com o calor mostra o quao pouco se pode prever emrelacao ao estado final da possıvel teoria vindoura.

• No caso do calor, as cruas indicacoes qualitativas que clamavam pormensurabilidade nao poderiam ser argumentos para desprezar a possi-bilidade de mensurar quantitativamente, numericamente, o calor, peloque agora o sabemos.

• O calor mostrou-se quantitativamente descritıvel nao por apenas umaquantidade, mas por duas, a saber: a quantidade de calor e a temper-atura. A quantidade de calor e mais diretamente numerica, por sua adi-tividade, e, de forma inesperada, conectada a energia mecanica, estaultima sabidamente numerica. Ja a temperatura, tambem numerica,de um modo mais sutil, nao aditiva, possui rıgida escala numerica ad-vinda do estudo dos gases ideais, sendo o papel da temperatura absolutaconectado ao da entropia.

• O desenvolvimento historico da teoria do calor indica que devemos sercautelosos em relacao a assercoes negativas sobre resultados finais dealguma teoria que possa advir de um clamor por mensurabilidade, ouem relacao a necessidade de definir espectro de aplicabilidade - note-mos o exemplo do clamor por mensurabilidade da sensacao luminosa,do qual adveio a teoria geometrica da luz, das cores e dos comprimen-tos de onda, todas numericas, mas de naturezas numericas diferentes.

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4.2 Utilidade: Apontamentos e Heurıstica 109

• Aceitemos, por um momento, o quadro em que um indivıduo que pos-sui um sistema de preferencias completo, i.e., para quaisquer dois ob-jetos ou eventos imaginados, tenha clara intuicao de preferencia. Maisprecisamente, esperamos dele que, para quaisquer dois eventos alter-nativos colocados como possibilidades, seja habil a dizer qual dos doisprefere. E uma extensao natural desse quadro, que o indivıduo possacomparar combinacoes de eventos com probabilidades especıficas.

• Por uma combinacao de dois eventos, queremos dizer: Denotemos osdois eventos por B e C e usemos, por simplicidade, a probabilidadede 50%-50%. Entao, a combinacao e o prognostico, o prospecto, dever B ocorrer com a probabilidade de 50% e (se B nao ocorrer) C coma probabilidade (restante) de 50%. Notemos que as duas alternativassao mutuamente exclusivas, nao havendo possibilidade de ocorrenciade complementaridade. Existe a certeza absoluta de que um dos doiseventos, B ou C, ocorrera.

• Recolocando: Esperamos que o indivıduo em consideracao, i.e., oreferido indivıduo que possui um sistema de preferencias completo,possua uma intuicao clara de preferencia ao evento A em relacao acombinacao 50-50 de B ou C, ou do contrario.

• Parece claro que se ele preferir A em relacao a B e tambem a C, entaoele preferira A em relacao a combinacao 50-50 de B ou C. Semel-hantemente, se ele preferir tanto B quanto C em relacao a A, entao elepreferira a combinacao 50-50 de B ou C em relacao a A.

• Se ele preferir A em relacao a, digamos, B, mas tambem preferir Cem relacao a A, entao qualquer assertiva de sua preferencia a A emrelacao a combinacao 50-50 de B ou C contera fundamentalmente novainformacao.

• Especificamente: Se ele preferir A em relacao a combinacao 50-50de B ou C, entao parece haver uma base plausıvel para a estimativanumerica de que sua preferencia a A em relacao a B esta em excessoem relacao a sua preferencia a C em relacao a A.

• Tomemos um exemplo simples: Assumamos que um indivıduo prefirao consumo de uma xıcara de cha em relacao a uma de cafe, e uma decafe em relacao a uma de leite. Se quisermos saber se a ultima pre-ferencia - i.e., a diferenca entre as utilidades da xıcara de cafe e da de

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110 4 CONCEITOS

leite - excede a primeira preferencia - i.e., a diferenca entre as utili-dades da xıcara de cha e da de cafe - sera suficiente que coloquemos oindivıduo diante da situacao em que deve decidir se prefere uma xıcarade cafe a uma xıcara de conteudo determinado por um dispositivo com50%-50% de chance de fornecer cha ou leite.

• Observemos que nos apenas postulamos uma intuicao individual quepermite decidir qual dentre dois eventos e o preferıvel. Nos nao pos-tulamos diretamente qualquer estimativa intuitiva dos tamanhos rel-ativos das duas preferencias (nao postulamos diretamente os valoresdas diferencas entre as utilidades do cha e do cafe nem os valores dasdiferencas entre as utilidades do cafe e do leite). Isso e importante, dadoque a informacao de preferibilidade e reprodutıvel por questionamento,decorrendo desta a inferencia dos tamanhos relativos das diferencas deutilidade.

• Se aceitamos esse ponto de partida, temos um criterio de comparacaoentre a preferencia a C em relacao a A e a preferencia a A em realacaoa B.

• Conforme veremos, a introducao de medidas numericas para a utilidadepodera ser conseguida pela utilizacao de probabilidades.

4.3 O Conceito de Utilidade - Mais Apontamentos - Parte 2

Mais apontamentos relacionados ao conceito-chave em teoria de jo-gos, o conceito de utilidade. Em continuidade ao exposto na secao anterior,expoe-se uma plausibilidade para a utilizacao da probabilidade como me-dida para a utilidade. A plausibilidade advem heuristicamente por metodoexposto que procura generalizar o criterio de comparacao de preferencias an-teriormente discutido. Importancia: procura-se dar um passo importante nacompreensao e na obtencao de subsıdios que bem caracterizem intuitivamentea utilidade para uma posterior axiomatizacao que seja bem fundamentada.

Utilidade: A Probabilidade como Medida da Preferencia

• Terminamos nossa discussao anterior afirmando que a introducao demedidas numericas para a utilidade pode ser conseguida pela utilizacaode probabilidades. De fato, como demons-traremos no seguimento.

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4.3 Utilidade: A Probabilidade como Medida da Preferencia 111

• Consideremos tres eventos C, A e B, para os quais a ordem de pre-ferencias individuais e a colocada, i.e., C e mais preferıvel que A que emais preferıvel que B.

• Seja α um numero real entre 0 e 1, tal que o evento A e igualmentepreferıvel em relacao a combinacao de eventos B com 1−α de prob-abilidade ou C com a probabilidade remanescente α , i.e., A e tao pre-ferıvel quanto um dispositivo hipotetico que sorteie B com 1−α deprobabilidade ou C com a probabilidade remanescente α .

• Sugerimos, entao9, o uso de α como uma estimativa numerica para arazao da preferencia de A em relacao a B pela preferencia de C emrelacao a B. Para tal, consideremos a determinacao da razao q entrea utilidade de obter-se 1 unidade de certo benefıcio pela utilidade deobter-se 2 unidades de certo benefıcio, sendo tal determinacao feitapelo procedimento seguinte.

• A escolha deve ser feita dentre duas opcoes: Obter 1 unidade doreferido benefıcio com probabilidade 1, sendo este o evento X , ouescolher um dispositivo que sorteie 2 unidades do referido benefıciocom probabilidade α ou 0 unidades do referido benefıcio com prob-abilidade 1−α , sendo o referido dispositivo o evento Y . Os eventosX e Y sao mutuamente exclusivos. Suponhamos que seja escolhidoo evento X . Entao, de alguma forma, o valor de α nao foi grande osuficiente, supondo que 2 unidades do referido benefıcio seja absoluta-mente10 mais util que 1 unidade do referido benefıcio, sendo, entao, queo indivıduo julgou mais util, condicionalmente - nao-absolutamente, 1unidade do referido benefıcio em relacao a 2 unidades.

• Com que valor o indivıduo que faz a escolha compara o valor de α?Antes de tentarmos responder, postulando a resposta ou nao, verifique-mos mais algumas plausibilidades inerentes.

9Tal sugestao tornar-se-a clara a posteriori, sendo, agora, feita a fortiori. A intuicao, o ansatz,advem de se testarem as relacoes com o pior cenario, B.

10Supoe-se plausıvel que 2 unidades do referido benefıcio seja absolutamente mais util que 1unidade do referido benefıcio, i.e., se α = 1 entao e certa a escolha do evento Y. No caso emque 1 unidade do referido benefıcio fosse absolutamente mais util que 2 unidades do referidobenefıcio, bastaria que invertessemos e colocassemos 1 unidade do referido benefıcio comosendo o sorteado pelo dispositivo com probabilidade α , para que fosse recuperada configuracaoanaloga a anterior.

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112 4 CONCEITOS

• Se a probabilidade α nao foi grande o suficiente, de alguma forma, in-tuitivamente, nao o foi em relacao a algum valor. Entao, dentro dos in-teresses daquele que faz a escolha, dentro de seus parametros proprios,dentro de seus criterios proprios, o mesmo julgou insuficiente o valorde α . Tal julgamento parece pressupor a comparacao com algumainformacao que possa ter sido obtida no momento da escolha, algunsinstantes anteriormente ou mais preteritamente. De qualquer forma, nocaso de haver tido criterio, julgamento de escolha, parece haver a ne-cessidade da informacao com a qual se compara valores, o de α sendoum deles, e, mui plausivelmente, a necessidade de memoria11.

• Assim, dentro de criterios proprios, condicionalmente - nao absoluta-mente pois pode haver a chance de se obterem 0 unidades do referidobenefıcio, o indivıduo parece comparar a utilidade de obter 1 unidadedo referido benefıcio com a de obter 2 unidades do referido benefıcioe, de alguma forma, comparar com α .

• Parece plausıvel que a resposta ao questionamento feito anteriormenteseja: o indivıduo que faz a escolha compara o valor de α com oobtido da comparacao entre a utilidade de obter 1 unidade do referidobenefıcio e a de obter 2 unidades do referido benefıcio, condicional-mente e por criterios proprios.

4.4 O Conceito de Utilidade - Mais Apontamentos - Parte 3

Apontamentos finais relacionados ao conceito-chave em teoria de jo-gos, o conceito de utilidade. Em continuidade ao exposto na secao anterior,damos um arremate heurıstico que prepara cami-nho para a axiomatizacao.Procura-se chegar a contento a uma prova da plausibilidade do que se exposcomo sendo possıvel interpretar a probabilidade como medida de preferencia,de utilidade. Importancia: abertura de caminho para a axiomatizacao.

Utilidade: A Probabilidade como Medida da Preferencia

• Terminamos nossa discussao anterior afirmando ser plausıvel que o in-divıduo que faz a escolha compare, por algum criterio, o valor de α

com o obtido da comparacao entre as preferencias de A e C em relacaoao pior cenario, i.e., em relacao ao evento B.

11Pois o juızo de escolha pressupora alguma informacao que permita a comparacao com α .

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4.4 Utilidade: A Probabilidade como Medida da Preferencia 113

• Definamos agora um valor para a probabilidade α como sendo o quetorne, para um dado indivıduo que perfaca a escolha, os eventos A e Xigualmente preferıveis - sendo X, conforme o fizemos anteriormente,o evento composto constituıdo pelo prognostico de se obter C com aprobabilidade α ou B com a probabilidade remanescente 1−α - i.e.,supor-se-a que seja possıvel o ajuste da probabilidade α de sorteio deC ate um valor que torne impossıvel a um indivıduo que escolha entreA ou X estabelecer preferencia e, assim, a definicao de tal valor comoq.

• Antes de discorrermos um pouco mais profundamente sobre algumasimplicacoes de tais plausibilidades, notemos que, assim como foi posto,temos um cenario relacionado a probabilidade onde nao e possıvelao indivıduo que perfaz a escolha utilizar o que quer que possa exi-stir como informacao para eficacia na escolha de preferencia, ou, aoque parece ser equivalente, que nao ha, para o referido indivıduo,informacao relevante. Podemos, entao, ao que parece ser plausıvel,dizer que ha uma ausencia de informacao relevante12.

• Consideremos a seguinte questao: O que acontecera com o valor de α

se, sob as mesmas condicoes relacionadas aos eventos A e X, colocar-mos dois indivıduos diferentes para perfa-zerem suas escolhas?

• Primeiramente, notemos que a assertiva: sob as mesmas condicoesrelacionadas aos eventos A e X e incompleta se nao considerarmosos indivıduos que perfazem a escolha, dado que, conforme o puse-mos anteriormente, ha um ordenamento de preferencias relacionadoaos eventos C, A e B para quem perfaz a escolha. Entendamos, entao,no questionamento feito, que ha o mesmo ordenamento de preferenciaspara ambos os referidos indivıduos.

• Assim, se α for definido para um dos indivıduos conforme posto an-teriormente, i.e., na situacao de impossibilidade de inferencia de pre-ferencia, parece plausıvel que, se definido da mesma forma para o outroindivıduo, nao necessariamente tera o mesmo valor, dado que os in-divıduos terao criterios proprios relacionados com as suas preferenciasde A e C em relacao ao pior cenario B.

12Na terminologia de teoria de jogos, temos um cenario de jogador do tipo 0, o acaso proba-bilıstico, quando da ausencia de informacao.

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114 4 CONCEITOS

• Por exemplo, ainda que mantido o ordenamento das preferencias in-dividuais - ordenamento CAB para ambos os indivıduos, conformemencionado - suponhamos que as utilidades dos eventos A e B sejampraticamente iguais e que a utilidade de C exceda muito a de A paraum dos indivıduos; que as utilidades dos eventos A e C sejam pratica-mente iguais e que a utilidade de A exceda muito a de B, para o outro.Parece que o primeiro indivıduo nao escolheria o evento X somente seα fosse muito mais proximo de 0 do que de 1, aproximando mais para0 do que para 1 o valor de α deste indivıduo, i.e., o valor da probabil-idade de sorteio do dispositivo hipotetico para o evento C de modo aser impossıvel a inferencia de preferencia pelo primeiro indivıduo. Jao segundo indivıduo, por preferir muito mais o evento A em relacaoao pior cenario B, conforme mencionamos, parece que nao escolheriao evento X por extensa faixa de α , nao somente para α proximo de 0,sendo, pois, que para α proximo de 1 e que estaria em posicao dubiade escolha.

• Notamos, entao, que mesmo mantido o ordenamento, criterios propriosque levam a diferencas proprias de utilidade levam a valores distintospara α para diferentes indivıduos que perfazem escolhas em cenariosque sao identicos em criterios que independem do escolhedor.

• Parece que uma generalizacao da probabiblidade como definida inde-pendentemente do escolhedor esbarra nas arbitrariedades dos criteriosrelativos aos indivıduos que perfazem as escolhas, sendo estes criteriosos que aparentemente condicionam as referidas preferencias absolutasde cada um dos indivıduos, condicionando as diferencas relativas entreos eventos A, B e C para cada um dos indivıduos.

• Porem, no exemplo anterior, notemos que, quer seja no primeiro caso,em que α esta mais proximo de 0, quer no segundo caso, em que α estamais proximo de 1, i.e., independentemente dos criterios proprios dosescolhedores, tanto para o primeiro quanto para o segundo indivıduo,um valor de α que exceda o valor crıtico que indefine preferencia (des-ignamos por q esse valor crıtico) implicara a escolha do evento X.Notemos igualmente que, tambem no exemplo anterior, quer seja noprimeiro caso, em que α esta mais proximo de 0, quer no segundocaso, em que α esta mais proximo de 1, i.e., independentemente doscriterios proprios dos escolhedores, tanto para o primeiro quanto parao segundo indivıduo, um valor de α que seja menor que o valor crıtico

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4.5 Obtencao Quase-Heurıstica da Estrutura de Grupo das Utilidades 115

que indefine preferencia (designamos por q esse valor crıtico) implicaraa escolha do evento A.

• Portanto, temos que, independentemente13 do escolhedor:

α > q⇒ Preferencia de C excede a preferencia de A em relacaoao pior cenario B;

α = q⇒ Preferencia de C iguala a preferencia de A em relacaoao pior cenario B;

α < q⇒ Preferencia de C e inferior a preferencia de A em relacaoao pior cenario B.

• Assim, parece que, no escopo exposto, a probabilidade e uma medidada preferencia. A comparacao parece que e, entao, no processo deescolha, independentemente de quem faca a escolha, feita entre o valorda probabilidade e um valor de probabilidade definido como aquele emque ha uma ignorancia quanto a preferencia.

• Analogamente, parece que, para um dado α , um dado indivıduo queperfaca escolha de preferencia entre os eventos X ou A compara α comum valor q que, conforme expusemos anteriormente14, deve ser umamedida comparativa entre as preferencias de A e C em relacao ao piorcenario B. Aqui, claramente, q tem papel comparativo de preferencia,coadunando tambem com a assertiva de que a probabilidade pode serutilizada como medida de preferencia.

4.5 Obtencao Quase-Heurıstica da Estrutura de Grupo das Utilidades

Fazemos mais alguns apontamentos relacionados ao conceito-chaveem teoria de jogos, o conceito de utilidade. Em continuidade ao expostona secao anterior, damos mais um arremate heurıstico que ja se funde aocaminho de axiomatizacao. Procura-se discutir brevemente o objeto de nossaprocura teorica e obter um esboco quase-heurıstico da estrutura de grupo dasutilidades. Importancia: caminho para a axiomatizacao.

13Independentemente de qual indivıduo faca a escolha, nao de sua existencia.14Vide nota de rodape 9.

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116 4 CONCEITOS

Utilidade: Construcoes Teoricas e Estrutura de Grupo das Utilidades

• Lembremos que comecamos e terminamos nossa discussao anterior naassercao de plausibilidade em se admitir que um indivıduo que perfacaescolha de preferencia entre os eventos X ou A tenha de comparar aprobabilidade α relacionada ao evento C em X com uma medida com-parativa entre as preferencias de A e C em relacao ao pior cenario B,sendo, como o vimos, q a referida medida comparativa - sendo esta acondicionante no processo decisorio, pelo que se inferiu das desigual-dades obtidas.

• Comparemos as preferencias de A e C em relacao ao pior cenarioB pelo criterio da razao15 e exploremos as consequencias e possıveisplausibilidades, i.e.:

q≡ U(A)−U(B)U(C)−U(B)

, (4.2)

onde U(A) e a utilidade do evento A, U(C) e a utilidade do evento C eU(B) e a utilidade do evento B.

• Aqui, uma analise mais descuidada pode levar a conclusao de que esta-mos realmente postulando a existencia de uma escala numerica para autilidade - pelo que esta posto na equacao (4.2) acima.

• Tal conclusao seria realmente uma completa distorcao e falta de en-tendimento do nosso procedimento. De fato, o que realmente postu-lamos e a possibilidade de se associarem probabilidades a eventos -dada a evidencia empırica para tal - e, assim, a associacao das mesmasprobabilidades a tudo o que for inerente ao acontecimento do evento,incluindo a sua utilidade - seja la o que for isso. A equacao (4.2) euma hipotese de passagem heuristicamente relevante, i.e., condicaonecessaria de nosso procedimento postulatorio real de associar prob-abilidades a eventos, mas colocada reversamente como aparentementeem condicao de suficiencia somente para a eficacia de digressao.

• Sejamos mais claros: nao precisamos implorar pela existencia de umaescala numerica para a utilidade para que os nossos procedimentos an-teriores sejam plausıveis, pois em todos os nossos procedimentos ante-

15Confira, novamente, a nota de rodape 9.

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4.5 Utilidade: Construcoes Teoricas e Estrutura de Grupo das Utilidades 117

riores, ratificamos, somente associamos eventos a probabilidades semnenhuma referencia numerica a utilidade.

• Assim, para efeitos de digressao, supoe-se valido o reescrever de (4.2)deliberadamente:

U(A)≡ qU(C)+(1−q)U(B). (4.3)

• Como sabemos16, o resultado de um evento X composto de um eventoC com probabilidade q ou de um evento B com probabilidade 1− q edado pela ponderacao probabilıstica: X = qC + (1−q)B. Conformemencionamos, o mesmo devera ocorrer com o que quer que estejaatrelado aos eventos - pois dada a ocorrencia de um evento, tem-sea ocorrencia do que quer que esteja atrelado a esse evento. Assim, autilidade U(X) de um evento X composto de um evento C [com util-idade atrelada U(C)] com probabilidade q ou de um evento B [comutilidade atrelada U(B)] com probabilidade 1− q sera dada tambempela ponderacao probabilıstica: U(X) = qU(C)+(1−q)U(B).

• Vemos, entao, que a equacao (4.3) nos faz a assercao de que a utilidadede A e equivalente a utilidade do evento X composto dos eventos C ouB com as probabilidades respectivas q e 1−q. Mas isso e realmente oque deve acontecer, dado que nao ha como inferir preferencia quandoa probabilidade do evento C e α = q, pois, nessas condicoes, os even-tos A e X sao igualmente uteis, U(A) ≡ U(X), conforme discorridoanteriormente.

• Voltemos ao evento X originalmente definido. A utilidade desseevento, pelo exposto, seria U(X) = αU(C) + (1−α)U(B). Temostres situacoes possıveis relacionadas ao evento A:

U(X) > U(A)⇒ αU(C)+(1−α)U(B) > U(A)⇒

α >U(A)−U(B)U(C)−U(B)

⇒ α > q;

16Por exemplo: como escrever o possıvel resultado de um lancamento de uma moeda nao-viciada? Podemos pensar num numero infinitamente grande de lancamentos e, ao final, notar quemetade dos resultados foi cara C e metade coroa C. Assim, o resultado de muitos lancamentos deuma moeda nao-viciada e escrito: N

2 C+ N2 C, onde N e o numero de sorteios. O espaco amostral

Ω =

C,C

mostra que q = 1−q = 1/2. Entao, para um sorteio (N = 1), escrevemos o possıvelresultado de um lancamento de uma moeda nao-viciada: 1

2 C+ 12 C = qC+(1−q)C.

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118 4 CONCEITOS

U(X) = U(A)⇒ αU(C)+(1−α)U(B) = U(A)⇒

α =U(A)−U(B)U(C)−U(B)

⇒ α = q;

U(X) < U(A)⇒ αU(C)+(1−α)U(B) < U(A)⇒

α <U(A)−U(B)U(C)−U(B)

⇒ α < q.

• Notamos que todos os tres resultados anteriores sao concordantes comos que obtivemos na secao anterior.

• Nas marchas que levam a construcoes de teorias que se propoem autilizar a matematica na modelagem e quantificacao de grandezas eoperacoes naturais, ha um processo que parece ser globalmente padrao:deteccao de grandezas e operacoes naturais → operacoes naturais re-stringem os possıveis modelos matematicos → modelos matematicoscompatıveis com as grandezas e operacoes naturais → escolha de ummodelo matematico compatıvel ≡ teoria→ sistema de transformacoesentre todos os mapeamentos que levam para espaco numerico final ≡grupos→ numeros.

• Passemos agora a construcao de uma teoria para a utilidade. Primeira-mente, supoe-se que exista e que seja reprodutıvel observacionalmente,para todo par evento-escolhedor17, um objeto abstrato inerente aoevento e correlacionado com o estado de interesse do escolhedor peloevento, objeto abstrato esse que denominaremos utilidade. Essa e anossa grandeza natural. Supoe-se que, para um mesmo escolhedor,dois eventos quaisquer, com utilidades abstratas u e v, tenham sempreuma operacao natural de ordenamento completo u > v (diz-se u e pre-ferıvel a v). Supoe-se tambem que a utilidade de um evento composto

17Ser reprodutıvel observacionalmente em nosso escopo significa que a utilidade inerente aum dado evento nao se altera se todas as condicoes forem mantidas num instante posterior. Porexemplo, a falha num resultado para um determinado dispositivo relacionado ao evento X an-teriormente mencionado nao exclui a possibilidade do mesmo fim numa outra ocasiao por dis-positivo identico, i.e., o fato de ter-se um resultado indesejado a um escolhedor nao deve fazercom que, a posteriori, tal escolhedor tenha sua preferencia modificada, pois tal situacao, tal pos-sibilidade indesejada e sempre, para o escolhedor, sabidamente possıvel de ocorrer a qualquertempo, sendo, assim, que a possibilidade de tal situacao indesejavel deve fazer parte do conjuntode informacoes utilizadas pelo escolhedor quando de sua formacao de juızo de preferencia.

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4.5 Utilidade: Construcoes Teoricas e Estrutura de Grupo das Utilidades 119

por utilidades abstratas u ou18 v com probabilidades respectivas α e1−α seja dada pela operacao natural αu+(1−α)v. Como dissemos,as operacoes u > v e αu+(1−α)v sao nossas operacoes naturais.

• Nosso caminho parece claro: Precisamos reproduzir numericamentenossas grandezas e opera-coes naturais. Precisamos achar uma corre-spondencia entre as utilidades abstratas e numeros que permita que asrelacoes naturais u > v e αu +(1−α)v nas utilidades abstratas sejamconceitos sinonimos para numeros.

• Denotemos a correspondencia procurada por19: u→ ρ = U(u), onde ue a utilidade abstrata e U(u) o numero cuja correspondencia o gerou.

• O requisito de reprodutibilidade numerica requer que: se u e preferıvela v entao U(u) > U(v) e que: a utilidade U (αu+(1−α)v) de umevento composto seja reprodutıvel numericamente, i.e., seja dada porαU(u)+(1−α)U(v). Entao, temos os requisitos:

u > v⇒U(u) > U(v), (4.4)

U (αu+(1−α)v) != αU(u)+(1−α)U(v). (4.5)

• Se duas de tais correspondencias existirem:

u→ ρ = U(u), (4.6)

u→ ρ′ = U ′(u), (4.7)

entao teremos uma correspondencia entre numeros:

ρ ρ′, (4.8)

que pode ser reescrita:ρ′ = φ(ρ). (4.9)

18Aqui o conectivo ou (∨) enfatiza o carater mutuamente exclusivo dos dois possıveis resulta-dos de saıda (outcomes) no referido evento composto.

19Alguem pode objetar que neste ponto estamos tacitamente supondo ser possıvel a repro-dutibilidade numerica do objeto abstrato utilidade. A objecao esta correta. Suponhamos, mo-mentaneamente, ser possıvel tal reprodutibilidade. A garantia devera advir de um conjunto depostulados plausıveis que a garanta, sendo que tal conjunto de postulados, bem como a prova degarantia, serao devidamente explorados nas proximas secoes.

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120 4 CONCEITOS

• De (4.6) e (4.4), temos:

u > v⇒U(u) > U(v)⇒ ρ > σ . (4.10)

• De (4.7) e (4.4), temos:

u > v⇒U ′(u) > U ′(v)⇒ ρ′ > σ

′. (4.11)

• A condicao ρ > σ em (4.10) e a reprodutibilidade numerica do orde-namento natural u > v pela hipotese (4.4), sendo, portanto, ρ > σ atraducao numerica de que u e preferıvel a v. Nesse sentido20: ρ > σ ⇒u > v. Assim:

ρ > σ(4.11)⇒ ρ

′ > σ′ (4.9)⇒ φ(ρ) > φ(σ) (4.12)

• De (4.6) e (4.5), temos:

U (αu+(1−α)v) != αU(u)+(1−α)U(v) = αρ +(1−α)σ .(4.13)

• De (4.7) e (4.5), temos:

U ′ (αu+(1−α)v) != αU ′(u)+(1−α)U ′(v) = αρ′+(1−α)σ

′.(4.14)

• A equacao (4.13) e o mapeamento αu+(1−α)v U→ αρ +(1−α)σ .

• A equacao (4.14) e o mapeamento αu+(1−α)v U ′→ αρ ′+(1−α)σ ′.

• Mas, conforme visto e ratificado pela equacao (4.9), esses mapea-

mentos sao interrelacionados por φ , i.e., αρ + (1−α)σφ→ αρ ′ +

(1−α)σ ′, donde:

φ (αρ +(1−α)σ) = αρ′+(1−α)σ

′ (4.9)= αφ(ρ)+(1−α)φ(σ).

(4.15)

• A equacao (4.15) parece mostrar que o nosso grupo de transformacoese o das transformacoes lineares, dado que uma transformacao linear φ e

20Pois a reprodutibilidade numerica deve traduzir a situacao natural, i.e., reproduzir o ordena-mento natural.

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4.5 Utilidade: Construcoes Teoricas e Estrutura de Grupo das Utilidades 121

toda aquela que satisfizer φ (ρ +σ) = φ(ρ)+φ(σ) e φ (βσ) = βφ(σ).Equivalentemente, podemos definir uma transformacao linear φ comotoda aquela que satisfaz φ (αρ +βσ) = αφ(ρ)+βφ(σ). Porem, note-mos que a segunda definicao somente permitira a obtencao das duasprimeiras se os coeficientes α e β nao estiverem correlacionados - oque nao ocorre no nosso caso. Assim, mesmo que uma transformacaolinear do tipo φ(ρ) = ω0ρ satisfaca a equacao (4.15) ela nao sera atransformacao mais geral. Nossa transformacao mais geral que satisfaza equacao (4.15) sera a transformacao afim φ(ρ) = ω0ρ +ω1. De fato:

φ (αρ +βσ) = ω0 (αρ +βσ)+ω1 =

= α (ω0ρ)+β (ω0σ)+αω1−αω1 +βω1−βω1 +ω1 ∴

φ (αρ +βσ) = α (ω0ρ +ω1)+β (ω0σ +ω1)+(1−α−β )ω1 ∴

φ (αρ +βσ) = αφ(ρ)+βφ(σ)+(1−α−β )ω1. (4.16)

• Vemos, entao, de (4.16), que o grupo de trasnformacoes afins satisfazao quesito (4.15) desde que 1−α−β = 0, ou seja, β = 1−α , que e onosso caso.

• Conclui-se desta secao: se os objetos abstratos inerentes aos paresdo tipo evento-escolhedor, denominados utilidades abstratas, estespropriedades intrınsecas inerentes aos juızos de escolha em seusrespectivos pares evento-escolhedor, forem, aqui ainda por forcade hipotese, reprodutıveis numericamente dentro dos moldes destasecao, entao o grupo de transformacoes que representa a relacaoentre dois de tais numeros matematicamente reproduzidos a partirde uma mesma utilidade abstrata e o das transformacoes afins.

• Elenquemos, exauramos, entao, os possıveis e plausıveis postuladosreferentes as utilidades, para que posteriormente se verifique, ou nao,a garantia de reprodutibilidade numerica das utilidades abstratas, i.e.,sem que se precise postular a reprodutibilidade numerica nos moldesquase-heurısticos como aqui a postulamos21.

21Tal garantia e essencialmente importante, dado que, dentro da teoria economica, e tambemno nascedouro da teoria de jogos no escopo da economia, muito se conjecturou academicamentesobre a impossibilidade de reprodutibili-dade numerica da vontade, conceito aparentemente sub-jetivo no juızo de escolha.

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122 4 CONCEITOS

4.6 Dos Axiomas da Utilidade

Dado o exposto nas quatro secoes anteriores, agora ja provavelmenteconvencidos das plausibili-dades, elenquemos aqui nesta secao os axiomas dautilidade sobre os quais construiremos edifıcio teorico posterior relacionadoa medida em mecanica quantica de estados relativos. A finalidade principaldesta secao e tao somente a de elencar e comentar axiomas plausıveis e com-pletos. A estrutura axiomatica das utilidades deve permitir, por plausibilidadee completude dessa estrutura, uma avaliacao numerica das utilidades abstratasdentro do senso heurıstico sobre o qual discorremos nas quatro secoes ante-riores, i.e., permitir que se verifique a possibilidade de garantir reprodutibili-dade numerica para as utilidades abstratas.

Os Axiomas da Utilidade Comentados

• Existe um conjunto U de objetos abstratos u,v,w, · · · . U e equipadocom uma relacao denotada por u > v, sendo que ∀α ∈ R | 0 < α < 1,U tambem esta equipado com uma operacao denotada por:

αu+(1−α)v = w.

• U, a relacao u > v e a operacao αu+(1−α)v satisfazem os seguintesaxiomas:

• Axioma 1.A: u > v e uma relacao de ordenamento completo22 em U.Assim:

• Axioma 1.A.a: Para quaisquer dois u, v uma e apenas uma das tresrelacoes ocorrera:

u = v, u > v, u < v;

22Um ordenamento parcial em um conjunto U e uma relacao R em U que e: reflexiva, i.e.,(u,u) ∈ R ∀ u ∈ U; anti-simetrica, i.e., (u,v) ∈ R e (v,u) ∈ R implica u = v; transitiva, i.e.,(u,v) ∈ R e (v,w) ∈ R implica (u,w) ∈ R. Um ordenamento total num conjunto U e uma ordemparcial em U com a propriedade adicional de que, individualmente, para cada elemento (u,v)da ordem parcial R, ocorre uma e apenas uma das assertivas: (u,v) ∈ R ∧ (v,u) /∈ R, denotadopor u v e dito u estritamente domina v, ou (v,u) ∈ R ∧ (u,v) /∈ R, denotado por v u e ditov estritamente domina u, ou (u,v) ∈ R ∧ (v,u) ∈ R, denotado por u = v e dito v estritamentedomina u e u estritamente domina v. Aqui utilizaremos o sımbolo usual de ordenamento >em lugar do sımbolo , mas mantenhamos em mente que nao ha, a priori, qualquer relacaoestabelecida entre a relacao de ardenamento axiomatizada em U com a usual >.

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4.6 Os Axiomas da Utilidade Comentados 123

Comentario: Essa e a assertiva de completeza no ordenamento do sis-tema individual de preferencias do escolhedor. Na duvida, o escolhedorinferira igualdade entre u e v;

• Axioma 1.A.b: u > v, v > w implica u > w;Comentario: Essa e a transitividade de preferencias, um conceitoaparentemente plausıvel.

• Axioma 1.B: Ordenando e combinando:

• Axioma 1.B.a: u < v implica u < αu+(1−α)v;Comentario: Aqui temos a assertiva: Se v for preferıvel a u, entao:mesmo uma chance (1−α) de v, alternativamente a u, sera preferıvel.Parece plausıvel tal assertiva: Escolhendo o dispositivo, havera maisutilidade, dado que o pior ja me e certo nao escolhendo.

• Axioma 1.B.b: u > v implica u > αu+(1−α)v;Comentario: Aqui temos a assertiva de validade do dual da assertivaanterior: Se v nao for preferıvel u, entao: mesmo uma chance α de u,alternativamente a v, nao sera preferıvel. Parece plausıvel tal assertiva:Nao escolhendo o dispositivo, havera mais utilidade, dado que o melhorja me e certo nao escolhendo.

• Axioma 1.B.c: u < w < v implica a existencia de um α tal que:

αu+(1−α)v < w;

Comentario: Aqui temos a assertiva: Se w e preferıvel a u, e um aindamais preferıvel v for dado, entao a combinacao de u com uma chance(1−α) de v nao afetara a preferibilidade de w em relacao a combinacaose α for suficientemente grande. Parece plausıvel tal assertiva.

• Axioma 1.B.d: u > w > v implica a existencia de um α tal que:

αu+(1−α)v > w;

Comentario: Aqui temos a assertiva de validade do dual da assertivaanterior trocando mais preferıvel por menos preferıvel, i.e.: Se w emenos preferıvel a u, e um ainda menos preferıvel v for dado, entao acombinacao de u com uma chance (1−α) de v nao afetara a preferibil-idade de w em relacao a combinacao se α for suficientemente grande.Parece plausıvel tal assertiva.

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124 4 CONCEITOS

• Axioma 1.C: Algebra de Combinacao:

• Axioma 1.C.a: αu+(1−α)v = (1−α)v+αu;Comentario: Aqui temos a assertiva de irrelevancia de ordem, i.e., autilidade de um disposi-tivo que sorteie u, com α de probabilidade, ouv com (1−α) de probabilidade e a mesma que a de um dispositivo quesorteie v, com (1−α) de probabilidade, ou u, com α de probabilidade.Parece plausıvel a assertiva.

• Axioma 1.C.b: α (βu+(1−β )v)+(1−α)v = γu+(1− γ)v quandoγ = αβ ;Comentario: Aqui temos a assertiva de que e irrelevante a inferenciade juızo de preferibilidade se uma combinacao de dois eventos constitu-intes e obtida em dois passos sucessivos ou em apenas um passo, dadaa informacao de que as chances finais, qualquer que seja o caminhoadotado, sao as mesmas. Parece plausıvel tal assertiva.

• Passemos agora a prova de reprodutibilidade numerica das utilidadesabstratas a partir dos axiomas acima elencados.

4.7 O Tratamento Axiomatico da Utilidade - Formulacao do Problema

Provaremos que os axiomas da utilidade, enumerados na secao ante-rior, fazem com que essa grandeza abstrata seja numerica, a menos de umatransformacao afim23. Mais precisa e rigorosamente: provaremos que essesaxiomas implicam a existencia de pelo menos um mapeamento das utilidadesabstratas em numeros dentro do senso quase-heurıstico explorado na secao4.5, i.e., com as propriedades expressas pelas expressoes (4.4) e (4.5); etambem provaremos que quaisquer dois mapeamentos que possuam as pro-priedades expressas pelas expressoes (4.4) e (4.5) devem estar necessaria-mente conectados por transformacoes afins entre eles.

Antes de nos embrenharmos na analise dos axiomas 1.A a 1.C dasecao anterior, dois comentarios relacionados a esses axiomas parecem serprioritarios para que se dirimam possıveis confusoes relacionadas ao rigormatematico.

• Esses axiomas, especificamente o grupo 1.A, caracteriza o conceitode ordenamento completo, baseado nas relacoes >, = e <, conforme

23I.e., sem que se fixe um zero ou uma unidade para a utilidade. Situacao fısica analoga e adas escalas de temperatura, todas arbitrarias, porem inter-relacionadas por transformacoes afins.

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4.7 O Tratamento Axiomatico da Utilidade - Formulacao do Problema 125

ja o enfatizamos na secao anterior24. Porem, nao axiomatizaremos arelacao =, mas a interpretaremos como identidade verdade, i.e., se> ∧ <, entao = - ate para que fique enfatico o fato de a igualdade sera traducao de que ha uma situacao de total ignorancia na capacidadede inferir preferencia por parte daquele que perfaz a escolha de pre-ferencia entre duas utilidades abstratas. O procedimento alternativo,que e o de se axiomatizar tambem a igualdade =, soaria matematica eperfeitamente bem, assim como o procedimento que adotaremos semtal axiomatizacao. Os dois procedimentos sao trivialmente equivalentese representam apenas variantes de gosto matematico pessoal. A praticaem literatura logico-matematica de relevancia nao e uniforme, de modoque escolhere-mos o procedimento mais simples, economico e, ao queparece tacito dentro do nosso escopo, heuristicamente relevante.

• Conforme se depreende da secao 4.5, utilizamos o sımbolo > para arelacao natural u > v sobre as utilidades abstratas (u e v) e, tambem,para a relacao ρ > σ sobre as quantidades numericas (ρ e σ ); uti-lizamos o sımbolo operacional α · · ·+(1−α) · · · para a operacao nat-ural αu + (1−α)v sobre as utilidades abstratas (u e v) e, de mesmalide, para a operacao numerica αρ + (1−α)σ sobre as quantidadesnumericas (ρ e σ ), onde α e uma quantidade numerica em ambos oscasos. Alguem poderia objetar que tal pratica pode levar a uma mainterpretacao, a confusao. Todavia, isso nao e veraz, dado que sem-pre estara em evidencia quais sao as quantidades envolvidas quando doaparecimento de tais relacoes e operacoes, sejam elas sobre utilidadesabstratas, sejam elas sobre quantidades numericas. Tal identificacaodas designacoes para relacoes e para operacoes nos dois casos, naturale numerico, e munida de simplicidade e facilita o rastrear dos paresanalogos, natural e numerico.

Advirta-se que a prova que se fara no seguimento, com suas deducoesinerentes, tornar-se-a extensa, podendo ser, digamos assim, um tanto quantoenfadonha ao leitor matematicamente destreinado. Ja, tecnicamente, do pontode vista puramente matematico, ha mais uma possıvel objecao: a de que asdeducoes nao se poderiam caracterizar como profundas, ainda que rigorosas.Tal objecao poderia se fundamentar no fato de que as ideias que delineiam asdeducoes, ainda que sejam simples, estariam levando a uma execucao tecnicavolumosa para que se complete a prova. Possivelmente se possa achar umaexposicao mais curta.

24Vide nota de rodape 22.

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126 4 CONCEITOS

De qualquer forma, passemos a demonstracao a que nos propusemos,ainda que, talvez, esteticamente insatisfatoria.

4.8 O Tratamento Axiomatico da Utilidade - Deducao a Partir dos Ax-iomas

A deducao que aqui faremos a partir dos axiomas 1.A a 1.C elencadosna secao 4.6 sera dividida em varios passos sucessivos. Comecemos.

Proposicao 1

Se u < v, entao α < β implica

(1−α)u+αv < (1−β )u+βv.

• Prova: Obviamente α = γβ com 0 < γ < 1. Por 1.B.a (aplicado a u, v,1−β no lugar de u, v, α) u < (1−β )u + βv, donde, entao, por 1.B.b(aplicado a (1−β )u+βv, u, γ no lugar de u, v, α)

(1−β )u+βv > γ [(1−β )u+βv]+ (1− γ)u.

Pela assertiva de irrelevancia de ordem, i.e., por 1.C.a, podemos ree-screver a inequacao anterior

(1−β )u+βv > γ [βv+(1−β )u]+ (1− γ)u.

Agora, por 1.C.b (aplicado a v, u, γ , β , α = γβ no lugar de u, v, α , β ,γ = αβ ), o lado direito da inequacao anterior torna-se αv +(1−α)uque, por 1.C.a, e identicamente preferıvel a (1−α)u + αv. Assim,(1−α)u+αv < (1−β )u+βv, como querıamos demonstrar. •

Proposicao 2

Dadas duas utilidades abstratas fixas u0, v0 tais que u0 < v0, considere-se o mapeamento

α → w(> ∧<)(1−α)u0 +αv0.

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4.8 Proposicao 3 127

Tal mapeamento e injetivo (um-a-um) e monotono, do intervalo 0 < α < 1em parte do intervalo u0 < w < v0.25

• Prova: O carater monotono foi exatamente o que provamos naproposicao 1. De fato, a monotonia traduz-se matematicamente por:α < β ⇒ w(α) < w(β ); assim, dado que pela hipotese de cabecalhodesta proposicao 2 w(α) e igualmente preferıvel a (1−α)u0 + αv0,assim como tambem w(β ) e igualmente preferıvel a (1−β )u0 + βv0,temos que se traduz a monotonia matematica e equivalentemente porα < β ⇒ (1−α)u0 + αv0 < (1−β )u0 + βv0, o que e garantido pelaproposicao 1 (substituindo-se, na proposicao 1, u, v, por u0,v0). Comose sabe da analise elementar, o carater injetivo e condicao necessariada monotonia. Provamos, portanto, a injetividade e a monotonia domapeamento. Provemos que u0 < w(α) < v0. De fato, por 1.B.a(basta que troquemos u, v, α , em 1.B.a, por u0, v0, 1−α), temos queu0 < v0 ⇒ u0 < (1−α)u0 + αv0, ou seja, u0 < w(α), pois w(α) eigualmente preferıvel a (1− α)u0 + αv0 (por hipotese de cabecalhodesta proposicao 2); por 1.B.b (basta que troquemos u, v, α , em1.B.b, por v0, u0, α), temos que v0 > u0 ⇒ v0 > αv0 + (1− α)u0,que, pela assertiva de irrelevancia de ordem 1.C.a, fornece v0 >(1− α)u0 + αv0, ou seja, v0 > w(α), pois w(α) e igualmente pre-ferıvel a (1−α)u0 + αv0 (por hipotese de cabecalho desta proposicao2); assim, u0 < w(α)∧ v0 > w(α)⇒ u0 < w(α) < v0. A proposicao 2esta demonstrada. •

Proposicao 3

O mapeamento na proposicao 2, de fato, mapeia o α do intervalo 0 <α < 1 em todo o intervalo de w, i.e., em todo o intervalo u0 < w < v0.

• Prova: Assumamos que nao seja verdade, i.e., que existe algum w0 nointervalo u0 < w0 < v0 que nao seja mapeado. Entao, ∀ α no intervalo0 < α < 1 devemos ter

(1−α)u0 +αv0 (> ∨<)w0.

Conforme tenhamos < ou >, facamos que α pertenca as classes re-spectivas I ou II. Entao as classes I, II, que sao obviamente mutuamente

25Provaremos na proposicao 3 que tal parte do intervalo devera ser todo o intervalo u0 < w <v0.

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128 4 CONCEITOS

exclusivas, exaurem, conjuntamente, o intervalo 0 < α < 1. Agora ob-servemos que:Primeiro: a classe I e nao-vazia. Isso decorre imediatamente de 1.B.c(aplicado a u0, w0, v0, 1−α no lugar de u, w, v, α);Segundo: a classe II e nao-vazia. Isso decorre imediatamente de 1.B.d(aplicado a v0, w0, u0, α no lugar de u, w, v, α);Terceiro: se α estiver na classe I e β na classe II, entao α < β . De fato,como I e II sao classes disjuntas, temos necessariamente que α 6= β .Assim, a unica possibilidade seria α > β . Mas, entao, a monotoniado mapeamento da proposicao 2 implicaria, dado que α esta na classeI, que β tambem deveria estar na classe I. Porem β esta na classe II.Assim, apenas α < β e possıvel.Considerando essas tres propriedades das classes I e II, deve existir umα0 tal que 0 < α0 < 1 que separa as classes I e II, i.e., que todo α em Ie tal que α ≤ α0 e todo α em II e tal que α ≥ α0.26

Agora α0 deve pertencer a I ou a II, cuja distincao e determinada deacordo com: Primeiro: α0 esta em I. Entao, (1− α0)u0 + α0v0 <w0. Tambem w0 < v0. Aplicando 1.B.c (com (1− α0)u0 + α0v0,w0, v0, γ no lugar de u, w, v, γ) obtemos um γ tal que 0 < γ < 1 eγ[(1−α0)u0 +α0v0]+(1− γ)v0 < w0, este ultimo, por 1.C.b (com u0,v0, γ , 1−α0, 1−α = γ(1−α0) no lugar de u, v, α , β , γ = αβ ), ree-scrito (1−α)u0 + αv0 < w0. Consequentemente, α = 1− γ(1−α0)pertence a I. Todavia, α > 1− (1−α0) = α0, embora devessemos terα ≤ α0, i.e., temos uma contradicao;Segundo: α0 esta em II. Entao, (1− α0)u0 + α0v0 > w0. Tambemu0 < w0. Aplicando 1.B.d (com (1−α0)u0 + α0v0, w0, u0, γ no lu-gar de u, w, v, α) obtemos um γ tal que 0 < γ < 1 e γ[(1−α0)u0 +α0v0]+(1− γ)u0 > w0, este ultimo pode ser reescrito pela assertiva deequivalencia de ordem, 1.C.a, γ[α0v0 +(1−α0)u0]+ (1− γ)u0 > w0,este ultimo, por 1.C.b (com v0, u0, γ , α0, α = γα0 no lugar de u, v,α , β , γ = αβ ), reescrito αv0 + (1− α)u0 > w0 que, pela assertivade irrelevancia de ordem, 1.C.a, e reescrito (1− α)u0 + αv0 > w0.Consequentemente, α = γα0 pertence a II. Todavia, α < α0, emboradevessemos ter α ≥ α0, i.e., temos uma contradicao;

26Isso e justa e intuitivamente plausıvel. Isso e, alem do mais, uma inferencia perfeitamenterigorosa. De fato, coincide com um dos teoremas classicos da analise matematica concernente aintroducao dos numeros irracionais, o teorema relacionado ao corte de Dedekind. Detalhes dessecorte podem ser verificados em textos relacionados a teoria de funcoes reais ou aos fundamentosda analise matematica.

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4.8 Alguns Comentarios antes de Continuarmos 129

Assim, temos uma contradicao em cada caso.Concluımos, entao, por reducao a absurdo, que a assertiva original deque existe algum w0 no intervalo u0 < w0 < v0 nao mapeado e im-possıvel, absurda. Assim, a negativa de tal assertiva, a que querıamosprovar, e a verdadeira e, portanto, provada esta esta proposicao 3. •

Alguns Comentarios antes de Continuarmos

As proposicoes 1 e 2 provam a veracidade de que ha um mapeamentoinjetivo (um-a-um) do intervalo de utilidades u0 < w < v0 (com u0 e v0fixos, u0 < v0) no intervalo numerico 0 < α < 1. Esse e o primeiro passopara se estabelecer uma representacao numerica para as utilidades abstratas.Todavia, o resultado e significantemente incompleto por varios aspectos.Vejamos as maiores limitacoes:Primeiro: A representabilidade numerica foi obtida para um interbalo de util-idades u0 < w < v0 apenas, nao para todas as utilidades w simultaneamente,i.e., para um dado par arbitrario (u0,v0) nao se garantiu que se possa mapearα ∈ (0,1) simultaneamente em outro intervalo que nao esteja contido emu0 < w < v0. Tambem nao se torna de forma alguma claro como que serelacionam diferentes mapeamentos sobre diferentes intervalos definidos pordiferentes pares (u0,v0);Segundo: A representacao numerica pelas proposicoes 1 e 2 ainda nao foramcorrelacionadas aos nossos requisitos estabelecidos nas equacoes (4.4) e(4.5). O requisito dado pela equacao (4.4) e claramente satisfeito: e apenasuma outra maneira de se expressar a monotonia garantida pela proposicao 2.Todavia, a validade do segundo requisito, expresso pela equacao (4.5), aindaprecisa ser claramente estabelecido.

Preencher-se-ao todos esses requisitos conjuntamente nas proposicoesque se seguirao. O procedimento global de prova desses requisitos primeirae primariamente seguira o curso sugerido no primeiro comentario tecido nasecao 4.7, mas, durante esse processo global, os requisitos tecidos no segundocomentario da secao 4.7 e os apropriados resultados de unicidade tambemserao estabelecidos.

Comecemos por provar um grupo de lemas que esta mais no espıritodo segundo comentario da secao 4.7 e do requisito de unicidade; todaviaisso tambem e basico para que se prossiga com os objetivos do primeirocomentario da secao 4.7. Continuemos.

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130 4 CONCEITOS

Proposicao 4 - Definicao

Sejam u0, v0 conforme anteriormente definidos: u0, v0 fixos, u0 < v0.∀ w no intervalo u0 < w < v0 defina-se a funcao numerica f (w) = fu0,v0(w)conforme (i) a (iii) abaixo:

(i): f (u0) = 0;

(ii): f (v0) = 1;

(iii): f (w) para w(> ∨<)u0,v0, i.e., para u0 < w < v0, e o numero α ,0 < α < 1 que corres-ponde a w no senso das proposicoes 2 e 3.

Proposicao 5

O mapeamento w→ f (w) tem as seguintes propriedades:

(i’): e monotono;

(ii’): para 0 < β < 1 e w(> ∨<)u0, f ((1−β )u0 +βw) = β f (w);

(iii’):para 0 < β < 1 e w(> ∨ <)v0, f ((1 − β )v0 + βw) =1−β +β f (w).

Proposicao 6

Um mapeamento ∀ w tal que27 u0 ≤ w ≤ v0 em qualquer conjunto denumeros, mapeamento esse possuindo as propriedades (i), (ii) e tambem (ii’)ou (iii’), e identico ao mapeamento definido na proposicao 4.

• Prova: A proposicao 4 e uma definicao. Portanto, precisamos provaras proposicoes 5 e 6.Prova: Proposicao 5: (i’): Para u0 < w < v0 o mapeamento e monotonopela proposicao 2. Todo w desse intervalo sera mapeado em numeros> 0, < 1, i.e., em numeros > que o mapeamento de u0 e < que omapeamento de v0. Assim, teremos monotonia em todo o intervalo

27Daqui em diante, para economizar espaco e nao poluir demais a notacao, que se torne tacitaa equivalencia ≤≡< ∨ (> ∧<), quando desta relacao para utilidades abstratas.

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4.8 Proposicao 6 131

u0 ≤ w≤ v0.Prova: Proposicao 5: (ii’): Para w(> ∧ <)v0: a assertiva e f ((1−β )u0 +βv0) = β , o que coincide com a definicao na proposicao 2 (comβ no lugar de α). Para w(> ∨ <)v0, i.e., u0 < w < v0: coloquemosf (w) = α , i.e., pela proposicao 2 w(> ∧ <)(1−α)u0 + αv0. Entao,por 1.C.b (com v0, u0, β , α no lugar de u, v, α , β , e usando a assertivade irrelevancia de ordem 1.C.a) (1−β )u0 +βw = (1−β )u0 +β [(1−α)u0 +αv0] = (1−βα)u0 +βαv0. Assim, pela proposicao 2, f ((1−β )u0 +βw) = βα = β f (w), como desejado.Prova: Proposicao 5: (iii’): Para w = u0: A assertiva e f ((1−β )v0 +βu0) = 1− β , e isso coincide com a definicao na proposicao 2 (com1−β no lugar de α e utilizando a assertiva de irrelevancia de ordem1.C.a). Para w(> ∨ <)u0, i.e., u0 < w < v0: coloquemos f (w) = α ,i.e., pela proposicao 2 w(> ∧ <)(1−α)u0 + αv0. Entao, por 1.C.b(com u0, v0, β , 1− α no lugar de u, v, α , β , e usando a assertivade irrelevancia de ordem 1.C.a) (1−β )v0 +βw = (1−β )v0 +β [(1−α)u0 +αv0] = β (1−α)u0 +[1−β (1−α)]v0, donde, pela proposicao2, f ((1−β )v0 +βw) = 1−β (1−α) = 1−β +βα = 1−β +β f (w),como desejado.Prova: Proposicao 6: Seja o mapeamento:

P.6.1: w→ f1(w),

com (i), (ii) e tambem (ii’) ou (iii’). O mapeamento:

P.6.2: w→ f (w),

e um mapeamento um-a-um de u0 ≤ w≤ v0 em 0≤ α ≤ 1, donde essemapeamento admite inversa:

P.6.3: α → ψ(α).

Agora, combinemos P.6.1 com P.6.3, i.e., com a inversa de P.6.2:

P.6.4: α → f1(ψ(α)) = ϕ(α).

Camo ambos P.6.1 e P.6.2 satisfazem (i), (ii), obtemos para P.6.4:

P.6.5: ϕ(0) = 0, ϕ(1) = 1.

Se P.6.1 satisfaz (ii’) ou (iii’), entao, assim como P.6.2 satisfaz (ii’) e(iii’), obtemos para P.6.4:

P.6.6: ϕ(βα) = βϕ(α),

ou

P.6.7: ϕ(1−β +βα) = 1−β +βϕ(α).

Page 132: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

132 4 CONCEITOS

Agora, tomando α = 1 em P.6.6 e usando P.6.5, temos:

P.6.8: ϕ(β ) = β ,

e, tomando α = 0 em P.6.7 e usando P.6.5, tambem temos ϕ(1−β ) =1− β . Substituindo β por 1− β , nesta ultima, obtemos novamenteP.6.8.

Assim, P.6.8 e valida em qualquer caso. (ii’), (iii’) restringi-la-a a β

tais que 0 < β < 1. Todavia, P.6.5 permite β = 0 e β = 1 tambem, i.e.,permite todos os valores de β no intervalo 0≤ β ≤ 1. Considerando adefinicao de ϕ(α) por P.6.3, P.6.4, a validade geral de P.6.8 expressa aidentidade de P.6.1 e P.6.2, sendo precisamente o que querıamos provar.•

Proposicao 7

Sejam u0, v0 definidos como anteriormente: u0, v0 fixos, u0 < v0. Se-jam tambem dois valores numericos fixos α0, β0 dados tais que α0 < β0. ∀ wno intervalo u0 ≤ w≤ v0 defina-se a funcao numerica g(w) como se segue:

g(w) = gα0,β0u0,v0

(w) = (β0−α0) f (w)+α0,

f (w) = fu0,v0 conforme a proposicao 4. Notemos que:

(i): g(u0) = α0;(ii): g(v0) = β0.

Proposicao 8

Este mapeamento:w→ g(w)

tem as seguintes propriedades:

(i’): e monotono;

(ii’): para 0 < β < 1 e w(> ∨ <)u0, g((1 − β )u0 + βw) =(1−β )α0 +βg(w);

(iii’):para 0 < β < 1 e w(> ∨ <)v0, g((1 − β )v0 + βw) =(1−β )β0 +βg(w).

Page 133: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

4.8 Proposicao 9 133

Proposicao 9

Um mapeamento ∀ w tal que u0 ≤ w ≤ v0 em qualquer conjunto denumeros, mapeamento esse possuindo as propriedades (i), (ii) e tambem (ii’)ou (iii’), e identico ao mapeamento da proposicao 7.

• Prova: Usando a correspondencia entre funcoes:

g1(w) = (β0−α0) f1(w)+α0,

ou equivalentemente:

f1(w) =g1(w)−α0

β0−α0

(para f1(w), g1(w), e tambem para f (w), g(w)), as assertivas daproposicao 7 a 9 vao ao encontro das assertivas da proposicao 4 a 6.Assim, as tres proposicoes acima seguem das proposicoes 4, 5 e 6 e,portanto, provam-se as tres proposicoes anteriores. •

Proposicao 10

Assumindo (i), (ii) da proposicao 7, a equacao:

g((1−β )u+βv) = (1−β )g(u)+βg(v),

com u0 ≤ u < v ≤ v0, onde u(> ∧ <)u0, v(> ∨ <)u0 e equivalente a (ii’)na proposicao 9, e onde u(> ∨ <)v0, v(> ∧ <)v0 e equivalente a (iii’) naproposicao 9.

• Prova: Proposicao 10: (ii’): Tomemos u0, w, β no lugar de u, v, β .Prova: Proposicao 10: (iii’): Tomemos w, v0, 1−β no lugar de u, v,β . Assim, prova-se esta proposicao 10. •

Um Comentario antes de Continuarmos

Nas proposicoes 7, 8, 9 e 10, o mapeamento do intervalo de utilidadesu0≤w≤ v0 no intervalo numerico α0≤α ≤ β0 encontra-se em sua forma tec-

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134 4 CONCEITOS

nicamente adequada, com suas propriedades de unicidade necessarias. Passe-mos agora a ajustar conjuntamente os varios mapeamentos:

w→ g(w) = gα0,β0u0,v0

(w).

Proposicao 11

Sejam gα0,β0u0,v0 e um w0 tal que u0 ≤ w0 ≤ v0. Faca-se:

γ0 = gα0,β0u0,v0

(w0).

Entao, gα0,β0u0,v0 (w) coincide com gα0,γ0

u0,w0(w) neste segundo domınio u0 ≤w≤w0

(se w0 (> ∨ <)u0, i.e., u0 < w0), e gα0,β0u0,v0 (w) coincide com gγ0,β0

w0,v0(w) nesteterceiro domınio w0 ≤ w≤ v0 (se w0 (> ∨<)v0, i.e., w0 < v0).

• Prova: gα0,γ0u0,w0(w): gα0,β0

u0,v0 (w) possui as propriedades (i), (ii’) (dasproposicoes respectivas 7 e 8) para α0, γ0, u0, w0, porque elas coin-cidem com aquelas para α0, β0, u0, v0 (dado que envolvem apenasos extremos esquerdos α0, u0 nos respectivos intervalos). Tambempossui a propriedade (ii) (da proposicao 7) para α0, γ0, u0, w0, poisgα0,β0

u0,v0 (w0) = γ0. Assim, segue da proposicao 9 que gα0,β0u0,v0 perfaz dentro

do intervalo u0 ≤ w≤ w0 uma unica caracterizacao de gα0,γ0u0,w0 .

Prova: gγ0,β0w0,v0(w): gα0,β0

u0,v0 (w) possui as propriedades (ii), (iii’) (dasproposicoes respectivas 7 e 8) para γ0, β0, w0, v0, porque elas coin-cidem com aquelas para α0, β0, u0, v0 (dado que envolvem apenasos extremos direitos β0, v0 nos respectivos intervalos). Tambempossui a propriedade (i) (da proposicao 7) para γ0, β0, w0, v0, poisgα0,β0

u0,v0 (w0) = γ0. Assim, segue da proposicao 9 que gα0,β0u0,v0 perfaz dentro

do intervalo w0 ≤ w ≤ v0 uma unica caracterizacao de gγ0,β0w0,v0 . Esta

proposicao 11 esta demonstrada. •

Proposicao 12

Considerem-se uma gα0,β0u0,v0 e dois u1, v1 tais que u0 ≤ u1 < v1 ≤ v0.

Coloquem-se α1 = gα0,β0u0,v0 (u1), β1 = gα0,β0

u0,v0 (v1). Entao, gα0,β0u0,v0 (w) coincide

com gα1,β1u1,v1 (w) neste ultimo domınio u1 ≤ w≤ v1.

• Prova: Primeiramente, aplique-se a proposicao 11 a gα0,β0u0,v0 e a gα0,β1

u0,v1

Page 135: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

4.8 Um Comentario antes de Continuarmos 135

(i.e., com u0, v0, α0, β0, v1, β1 no lugar de u0, v0, α0, β0, w0, γ0; note-se que β1 = gα0,β0

u0,v0 (v1)), sendo que isso mostra que gα0,β0u0,v0 (w) coincide

com gα0,β1u0,v1 (w) neste ultimo domınio u0 ≤ w≤ v1. A seguir, aplique-se

a proposicao 11 a gα0,β1u0,v1 e a gα1,β1

u1,v1 (i.e., com u0, v1, α0, β1, u1, α1 nolugar de u0, v0, α0, β0, w0, γ0; note-se que α1 = gα0,β0

u0,v0 (u1) = gα0,β1u0,v1 (u1),

sendo que isso mostra que gα0,β1u0,v1 (w), como tambem gα0,β0

u0,v0 (w), coincidecom gα1,β1

u1,v1 (w) neste ultimo domınio u1 ≤ w ≤ v1. Esta proposicao 12esta provada. •

Um Comentario antes de Continuarmos

Deve-se tecer um comentario importante relacionado as consideracoesque nos trouxeram a proposicao 12, i.e.: saliente-se, neste ponto, que temsido escolhidos dois u∗, v∗ com u∗ < v∗ ainda fixos. Ao final, relaxar-se-a talcondicao atraves de proposicao adequada.

Proposicao 13

Se u0 ≤ u∗ < v∗ ≤ v0, entao existe um e apenas um gα0,β0u0,v0 (w) tal que:

(i): gα0,β0u0,v0 (u∗) = 0;

(ii): gα0,β0u0,v0 (v∗) = 1.

Denote-se este gα0,β0u0,v0 (w) por hu0,v0(w).

• Prova: Forme-se f (w) = fu0,v0(w) da proposicao 4. Como u∗ < v∗,entao f (u∗) < f (v∗). Para α0, β0 variaveis, a proposicao 7 fornecegα0,β0

u0,v0 (w) = (β0−α0) f (w) + α0. Assim, as assertivas (i), (ii) acimasignificam que (β0−α0) f (u∗)+α0 = 0, (β0−α0) f (v∗)+α0=1, e es-sas duas equacoes determinam α0, β0 unicamente.28 Assim, conformedesejado, gα0,β0

u0,v0 (w) existe e e unica. Provada esta esta proposicao 13.•

28α0 =− f (u∗)f (v∗)− f (u∗)

, β0 =1− f (u∗)

f (v∗)− f (u∗).

Page 136: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

136 4 CONCEITOS

Proposicao 14

Se u0 ≤ u1 ≤ u∗ < v∗ ≤ v1 ≤ u1, entao hu0,v0 coincide com hu1,v1 nesteultimo domınio u1 ≤ w≤ v1.

• Prova: Coloquem-se α1 = hu0,v0(u1), β1 = hu0,v0(v1). Entao, pelaproposicao 12, hu0,v0(w) coincide com gα1,β1

u1,v1 (w) neste ultimo domıniou1 ≤w≤ v1. Aplicando isso a w = u∗ fornece gα1,β1

u1,v1 (u∗) = hu0,v0(u∗) =

0 e gα1,β1u1,v1 = hu0,v0(u

∗) = 1. Assim, pela proposicao 13, gα1,β1u1,v1 (w) =

hu1,v1(w). Consequentemente, hu0,v0(w) coincide com hu1,v1(w) nesteultimo domınio u1 ≤ w≤ v1. Assim, demonstrada esta esta proposicao14. •

Um Comentario antes de Continuarmos

Podemos agora estabelecer o fato decisivo: todas as funcoes hu0,v0(w)ajustam-se em uma unica funcao, especificamente, o que se demonstrara naproposicao seguinte.

Proposicao 15

Dado qualquer w, e possıvel que se escolham u0, v0 tais que u0 ≤ u∗ <v∗ ≤ v0 e u0 ≤ w ≤ v0. Para todas de tais escolhas u0, v0, hu0,v0(w) tem osmesmo valor. I.e., hu0,v0(w) depende apenas de w. Denotaremos isso, entao,por h(w).

• Prova: existencia de u0, v0: u0 = Min(u∗,w) e v0 = Max(v∗,w) obvi-amente possuem as propriedades desejadas.Prova: hu0,v0(w) depende apenas de w: Escolham-se dois pares u0,v0 e u

′0, v

′0: u0 ≤ u∗ < v∗ ≤ v0, u0 ≤ w ≤ v0 e u

′0 ≤ u∗ < v∗ ≤ v

′0,

u′0 ≤ w≤ v

′. Coloquem-se u1 = Max(u0,u

′0), v1 = Min(v0,v

′0). Entao

u0 ≤ u1 ≤ u∗ < v∗ ≤ v1 ≤ v0, u1 ≤ w ≤ v1, e u′0 ≤ u1 ≤ u∗ < v∗ ≤

v1 ≤ v′0, u1 ≤ w ≤ v1. Agora, aplique-se a proposicao 14 duas vezes

(primeiro, com u0, v0, u1, v1, w e, em seguida, com u′0, v

′0, u1, v1,

w) fornecendo hu0,v0(w) = hu1,v1(w) e hu′0,v′0(w) = hu1,v1(w), donde

hu0,v0(w) = hu′0,v′0(w), conforme desejado. Esta proposicao 15 esta

demonstrada. •

Page 137: FORC¸ A DE ARRASTO NO MOVIMENTO DE UMA ESFERA EM …

4.8 Um Comentario antes de Continuarmos 137

Um Comentario antes de Continuarmos

A funcao h(w) da proposicao 15 esta definida para todas as utili-dades e possui valores numericos. Passemos agora a demonstracao de quetal funcao possui todas as propriedades que desejamos. Tal tarefa e maisfacilmente concluıda com a ajuda de dois lemas auxiliares.

Proposicao 16

Dados dois u, v com u < v, ha dois u0, v0 com u0 ≤ u∗ < v∗ ≤ v0,u0 ≤ u < v≤ v0.

• Prova: Coloquem-se u0 = Min(u∗,u), v0 = Max(v∗,v). Estaproposicao 16 esta demonstrada. •

Proposicao 17

Dados quaisquer dois u, v com u < v, coloquem-se h(u) = α , h(v) = β .Entao, α < β , e h(w) coincide com gα,β

u,v (w) neste ultimo domınio u≤ w≤ v.

• Prova: Escolham-se u0, v0 como indicado na proposicao 16. Pelaproposicao 13, hu0,v0(w) e uma gα0,β0

u0,v0 (w) com dois α0, β0 adequados.Pela proposicao 15, h(w) coincide com hu0,v0(w), i.e., com gα0,β0

u0,v0 (w),neste ultimo domınio u0 ≤ w ≤ v0. Aplicando isso a w = u e a w = v,temos gα0,β0

u0,v0 (u) = h(u) = α e gα0,β0u0,v0 (v) = h(v) = β . Pela monotonia

de gα0,β0u0,v0 (w), temos que α < β . Pela proposicao 12 (com u0, v0, α0,

β0, u, v, α , β no lugar de u0, v0, α0, β0, u1, v1, α1, β1) gα0,β0u0,v0 (w) coin-

cide com gα,βu,v (w) neste ultimo domınio u≤ w≤ v. Consequentemente

o mesmo sera verdadeiro para h(w). Assim, esta proposicao 17 estademonstrada. •29

Proposicao 18

O mapeamento:w→ h(w),

29Apos essas preparacoes, apos esses dois lemas - proposicoes 16 e 17 - estabelecamos aspropriedades relevantes de h(w).

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138 4 CONCEITOS

de todos os w num conjunto de numeros, tem as seguinte propriedades:

(i): h(u∗) = 0;

(ii): h(v∗) = 1;

(iii):h(w) e monotona;

(iv): Para 0 < γ < 1 e u < v, h((1− γ)u+ γv) = (1− γ)h(u)+ γh(v).

• Prova: (i), (ii): Segue imediatamente das proposicoes 15 e 13.Prova: (iii): Esta contido na proposicao 17.Prova: (iv): Escolham-se u, v de acordo com a proposicao 16 e,entao, α , β e gα,β

u,v (w) de acordo com a proposicao 17. Agora,por (ii’) da proposicao 8 (com u, v, v, γ no lugar de u0, v0, w,γ), gα,β

u,v ((1− γ)u + γv) = (1− γ)gα,βu,v (u) + γgα,β

u,v (v). Assim, pelaproposicao 17, temos:

h((1− γ)u+ γv) = (1− γ)h(u)+ γh(v),

conforme desejado. Portanto, esta proposicao 18 esta demonstrada. •

Proposicao 19

Um mapeamento de todos os w em qualquer conjunto de numeros,mapeamento esse possuindo as propriedades (i), (ii) e (iv) da proposicao 18,e identico ao mapeamento da proposicao 18.

• Prova: Considere-se um mapeamento:

w→ h1(w),

de todas as utilidades abstratas w e numeros, satisfazendo as pro-priedades (i), (ii) e (iv) da proposicao 18. Escolham-se dois u0, v0tais que u0 ≤ u∗ < v∗ ≤ v0, e coloquem-se α0 = h1(u∗), β0 = h1(v∗).Entao, pela proposicao 9, h1(w) coincide com gα0,β0

u0,v0 (w) neste ultimodomınio u0 ≤ w ≤ v0. Coloquem-se w(> ∧ <)u∗ e w(> ∧ <)v∗,donde gα0,β0

u0,v0 (u∗) = h1(u∗) = 0, gα0,β0u0,v0 (v∗) = h1(v∗) = 1. Assim, pela

proposicao 13, gα0,β0u0,v0 e hu0,v0 . Portanto, h1(w) coincide com hu0,v0(w),

i.e., com h(w) no domınio u0 ≤ w ≤ v0. Pela proposicao 15, isso sig-nifica que h1(w) e h(w) sao completamente identicas. Esta proposicao19 esta demonstrada. •

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4.8 Um Comentario antes de Continuarmos 139

Um Comentario antes de Continuarmos

As proposicoes 18 e 19 fornecem um mapeamento de todas as util-idades em numeros, mapeamento esse possuindo propriedades plausıveis esendo unicamente caracterizado por essas propriedades, sendo, entao, quepoderıamos deixar o problema de se provar a reprodutibilidade numerica dasutilidades abstratas parar por aqui, i.e., que ja terıamos provado a reprodutibil-idade numerica das utilidades abstratas em numeros. Todavia, nao estamosainda totalmente satisfeitos, pelas seguintes razoes: a caracterizacao dada naproposicao 18 nao coincide com aquela dada em nossa argumentacao quase-heurıstica na secao 4.5, equacoes (4.4) e (4.5), pois a proposicao 18 nao vaitao longe em sua propriedade (iv) (pois na equacao (4.5) esta tacito que essaequacao sera valida para todas as utilidades abstratas u, v - enquanto a pro-priedade (iv) da proposicao 18 considera somente as utilidades tais que u < v);e a proposicao 18 introduz uma normalizacao arbitraria, pelas propriedades(i) e (ii) dessa proposicao (porem tal arbitrariedade depende de utilidadesabstratas arbitrarias u∗, v∗, nessas propriedades da proposicao 18). No segui-mento, eliminaremos esses desajustes. Tal eliminacao ocorrera em duas eta-pas. Na primeira etapa, estenderemos a propriedade (iv) da proposicao 18.Na segunda etapa, eliminaremos as utilidades arbitrarias u∗, v∗ que foramintroduzidas antes da proposicao 13.30

Proposicao 20

Sempre (1− γ)u+ γu(> ∧<)u.

• Prova: Para u(> ∨ <)(1− γ)u + γu, digamos que γ pertenca a classeI (caso <) ou a classe II (caso >). Se γ estiver na classe I ou II e se0 < β < 1, entao:

u(> ∨<)(1−β )u+β [(1− γ)u+ γu] (> ∨<)(1− γ)u+ γu,

pelos axiomas 1.B.a e 1.B.b (para γ na classe I ou II, respectivamente:primeiro, u, (1− γ)u + γu, 1−β no lugar de u, v, α no axioma 1.B.aou 1.B.b; segundo, (1− γ)u + γu, u, β no lugar de u, v, α no axioma1.B.b ou 1.B.a). Pelos axiomas 1.C.a e 1.C.b (com u, u, β , γ no lugarde u, v, α , β ), temos:

(1−β )u+β [(1− γ)u+ γu] (> ∧<)(1−βγ)u+βγu.

30Vide o comentario que antecede a proposicao 13.

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140 4 CONCEITOS

Assim, u(> ∨<)(1−βγ)u+βγu(> ∨<)(1−β )u+βu. Coloque-seδ = βγ . Sendo β livre a variar no intervalo 0 < β < 1, entao δ tambemvariara livremente no intervalo 0 < δ < γ . Assumindo 0 < γ < 1, 0 <δ < 1, temos, entao:

P.20.1: Se γ estiver na classe I ou II, entao todo δ < γ estara na mesmaclasse I ou II.

P.20.2: Sob as condicoes de P.20.1, (1− δ )u + δu(> ∨ <)(1− γ)u +γu, respectivamente.

A expressao (1− γ)u + γu fica inalterada se trocarmos γ por 1− γ ,pelo axioma de irrelevancia de ordem 1.C.a. Como 1− γ < 1− δ eequivalente a γ > δ , podem-se colocar 1− γ , 1−δ no lugar de γ , δ emP.20.1. Nessas condicoes, P.20.1 e P.20.2 tornam-se:

P.20.3: Se γ estiver na classe I ou II, entao todo δ > γ estara na mesmaclasse I ou II.

P.20.4: Sob as condicoes de P.20.3, (1− δ )u + δu(> ∨ <)(1− γ)u +γu, respectivamente.

Agora, P.20.1 e P.20.3 mostram, que se γ estiver na classe I ou II, entaotodo δ (< γ ou = γ ou > γ) estara na mesma classe I ou II. I.e., sealguma das classes I ou II for nao-vazia, entao tal classe nao-vazia con-tera todos os δ tais que 0 < δ < 1. Assuma-se ser esse o caso (paraa classe I ou II), e considerem-se dois γ , δ tais que γ < δ . Entao, porP.20.2, (1−δ )u+δu(> ∨<)(1− γ)u+ γu e, por P.20.4 (com δ , γ nolugar de γ , δ ), (1−δ )u+δu(>∨<)(1−γ)u+γu. Assim, de qualquerforma, ambos < e > manter-se-ao em (1−δ )u+δu(>∨<)(1−γ)u+γu. Isso e uma contradicao e, por conseguinte, ambas as classes de-vem ser vazias. Consequentemente, nunca u(>∨<)(1−γ)u+γu, i.e.,sempre (1−γ)u+γu(> ∧<)u, conforme desejado. Portanto, provadaesta esta proposicao 20. •

Proposicao 21

Sempre h((1− γ)u+ γv)(> ∧<)(1− γ)h(u)+ γh(v), 0 < γ < 1, paraquaisquer u, v.

• Prova: Para u < v, isso ja foi provado na proposicao 18, item (iv). Parau > v, obtem-se a prova tambem do item (iv) da proposicao 18 (com v,u, 1−γ no lugar de u, v, γ). Para u(>∧<)v, o resultado ja foi provadona proposicao 20. Assim, esta provada esta proposicao 21. •

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4.8 Um Comentario antes de Continuarmos 141

Um Comentario antes de Continuarmos

Passemos agora a demonstracao de existencia e unicidade na formadesejada, i.e., correspondendo as equacoes (4.4) e (4.5). Conforme disse-mos no comentario anterior a proposicao 20, passaremos agora a eliminacaodas utilidades de escolha fixas u∗, v∗ introduzidas no comentario anterior aproposicao 13.

Proposicao 22

Ha um mapeamento sobre um conjunto de numeros:

w→U(w),

para toda utilidade abstrata w, sendo que tal mapeamento possui as seguintespropriedades:

(i): monotonia;

(ii): para 0 < γ < 1 e para quaisquer u, v: U((1− γ)u + γv) =(1− γ)U(u)+ γU(v).

Para quaisquer dois mapeamentos U(w) e U′(w) possuindo as pro-

priedades (i) e (ii) acima, temos:

U′(w) = ω0U(w)+ω1,

com dois apropriados, porem fixos, ω0, ω1, sendo ω0 > 0.

• Prova: Sejam u∗, v∗ duas utilidades abstratas diferentes,31 u∗ (> ∨ <

31Estritamente falando, os axiomas da utilidade permitem que possa nao haver duas utilidadesdiferentes. Essa possibilidade e arduamente interessante, mas pode ser descartada facilmente.Em nao havendo duas utilidades diferentes, suas quantidades seriam zero ou um, i.e., ou naose teria utilidade alguma relacionada a um par evento-escolhedor, o que contraria o clamor pormensurabilidade inerente a existencia de preferencia sabidamente existente, ou apenas uma unicapreferencia identica para todos os eventos relacionados a essa utilidade. Tacitamente, o conjuntoU postulado no primeiro item dos axiomas da utilidade seria vazio ou unitario. No primeirocaso, nossas assertivas ainda seriam satisfeitas ao vacuo, porem contrariando o que se sabe da ex-periencia, pois um contra-exemplo de preferencia aniquilaria essa hipotese de vazio. Assumamoso segundo caso: que exista uma e somente uma utilidade w0 para um par evento-escolhedor. Talsituacao nao possui qualquer desprovimento de plausibilidade e pode tranquilamente existir den-tro de nosso quadro teorico, bastando para isso que a funcao U(w0) seja constante U(w0) = α0.Tal funcao preenche os requisitos (i) e (ii) da proposicao 22 e, quanto ao ultimo requisito, facam-

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142 4 CONCEITOS

)v∗. Se u∗ > v∗, entao, intercambiem-se u∗ e v∗. Entao, de qualquerforma, u∗ < v∗. Usem-se esses u∗, v∗ para a construcao de h(w), i.e.,da proposicao 12 a proposicao 21. O mapeamento w→ h(w) preencheo requisito (i) desta proposicao 22 em virtude da proposicao 18. Osrequisitos (iii) e (ii), tambem desta proposicao 22, sao preenchidos emvirtude da proposicao 21. Agora, consideremos primeiramente U(w).Por (i), desta proposicao 22, U(u∗) < U(v∗). Coloque-se:

h1(w) =U(w)−U(u∗)U(v∗)−U(u∗)

.

Entao, h1(w) preenche os requisitos (i), (ii) da proposicao 18 automati-camente, e (iii), (iv) dessa mesma proposicao 18, em virtude de (i), (ii)desta proposicao 22. Assim, pela proposicao 19, h1(w) = h(w), i.e.:

P.22.1: U(w) = α0h(w) + α1, onde α0, α1 sao numeros fixos: α0 =U(v∗)−U(u∗) > 0, α1 = U(u∗).

Analogamente para U′(w):

P.22.2: U′(w) = α

′0h(w) + α

′1, onde α

′0, α

′1 sao numeros fixos: α

′0 =

U′(v∗)−U

′(u∗) > 0, α

′1 = U(u∗).

Agora, P.22.1 e P.22.2 fornecem conjuntamente:

P.22.3: U′(w) = ω0U(w)+ ω1, onde ω0, ω1 sao numeros fixos: ω0 =

α′0/α0 > 0, ω1 = (α0α

′1−α1α

′0)/α0. Esse e o resultado desejado. Esta

proposicao 22 esta demonstrada. •

As proposicoes de 1 a 22 provam rigorosamente a representabilidadenumerica das utilidades abs-tratas e a interconexao dessas representacoespelo grupo das transformacoes afins, dando, portanto, veracidade as nossasconsideracoes heurısticas anteriores relacionadas as utilidades abstratas.

Passemos agora a analise do artigo de Everett e a demonstracao deque a estrutura de grupo da funcao de medida em mecanica quantica, naformulacao de estados relativos, e a mesma que a das utilidades.

4.9 Carater Probabilıstico em Mecanica Quantica sem o Postulado deBorn?

Primeiramente, para que possamos falar no conceito de probabilidadedentro da mecanica quantica sem que se introduza tal conceito a fortiori, sem

se U(w) = α0, U′(w) = α

′0, com ω0 = 1 e com ω1 = α

′0−α0.

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4.10 Processo de Observacao e a Formulacao de Estados Relativos 143

que se introduza tal conceito conforme o faz o formalismo convencional damecanica quantica, vamos demonstrar que a aleatoriedade no processo deobservacao emerge naturalmente do processo de observacao que se perfazdentro de um sistema quantico puro isolado composto de dois subsistemas,sistema-objeto e sistema-observador, na formulacao metateorica de estadosrelativos da mecanica quantica. Feito isso, vamos utilizar o contexto dasutilidades em teoria de jogos para provar que a natureza parece se utilizarde utilidades e que, realmente, de tal procedimento da natureza, aka∗k (akcoeficiente de onda do autoestado φk) emerge naturalmente como sendo aprobabilidade de que o sistema-objeto seja medido em seu estado φk pelosistema-observador (sem postulado!) - prova esta que, ao que ate entao es-tamos informados, parece ser original. Tal procedimento que aqui se faramostra que ha um criterio da natureza para o carater probabilıstico da me-dida em mecanica quantica, a utilidade de emergencia de um dado estado. Asimplicacoes de tal resultado, bem como a pesquisa do mecanismo dinamicode colapso da funcao de onda tambem serao investigados em minha tese dedoutorado quando da investigacao de uma generalizacao da filtragem de esta-dos pela dinamica de jogos e encapsulamento de j-historias.

Considere-se qualquer aparato de medida interagindo com qualquersistema objeto. Como um resultado da interacao, o estado do aparato de me-dida nao sera mais definıvel independentemente, de acordo com a formulacaode estados relativos, conforme discutido na secao 4.1. O aparato pode ser ape-nas relativamente definido em ralacao ao sistema-objeto. Em outras palavras,ha apenas uma correlacao entre os estados dos dois subsistemas (sistema-objeto e sistema-aparato). Parece que nada mais pode ser deduzido de talprocesso de medida.

Esse comportamento indefinido parece estar em frontal desacordo comnossas observacoes, visto que objetos fısicos sempre aparecem para nos comoclassicamente definidos em seus estados colapsados. Poder-se-a conciliartal caracterıstica macanico-quantica pura oriunda somente do postulado dadinamica com a experiencia? A formulacao de estados relativos deve serabandonada? Para que se respondam essas questoes, consideremos o prob-lema da observacao, observacao essa dentro do quadro metateorico de estadosrelativos da mecanica quantica.

4.10 Processo de Observacao e a Formulacao de Estados Relativos

Temos a incumbencia de fazer deducoes sobre a aparencia de umfenomeno para para observadores tratados como sistemas fısicos puros den-

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144 4 CONCEITOS

tro do quadro metateorico de estados relativos. Para que cumpramos tal in-cumbencia, sera necessario que se identifiquem algumas propriedades pre-sentes em tal observador com a experiencia preterita de tal observador. Maisclaramente, entao, para que se diga que um observador O observou um eventoα , sera necessario que o estado de O tenha se modificado de seu estado ante-rior a observacao para um novo estado dependente de α .

Sera suficiente para os nossos propositos, que consideremos os obser-vadores equipados com memoria (i.e., partes de uma natureza relativamentepermanente cujos estados estao em corres-pondencia com a experienciapreterita de tais observadores). Para que se facam deducoes relacionadas aexperiencia passada de um observador, sera suficiente que se deduzam osconteudos temporalmente atuais, i.e., atualmente presentes em sua memoria,dentro de um modelo matematico adotado para tal.

Como modelos para observadores, nos podemos, se desejarmos,considerar maquinas automaticamente funcionais, possuindo aparato senso-rial acoplado a dispositivo de gravacao capaz de regis-trar dados sensoriaispreteritos e as respectivas configuracoes dessas maquinas. Podemos suporque tais maquinas sao construıdas de maneira a permitir que suas acoes atuaissejam determinadas nao apenas por seus dados sensoriais atuais, mas tambempelo conteudo de sua memoria. Uma tal maquina desse tipo sera, entao, capazde efetuar uma sequencia de observacoes (medidas) e, alem disso, decidirsobre seus futuros experimentos com base em resultados preteritos. Seconsiderarmos que os dados sensoriais atuais, bem como a configuracao detal maquina, sao imediatamente regis-trados em sua memoria, entao as acoesda maquina num dado instante podem ser interpretadas como uma funcaodos conteudos de memoria apenas, sendo, entao, que a experiencia relevantede tal maquina estara contida em sua memoria.

Para tais maquinas, justificam-se expressoes tais como: a maquinapercebeu A, ou a maquina esta ciente de A, quando a ocorrencia de A estiverrepresentada na memoria, pois o futuro comportamento da maquina poderaestar baseado na ocorrencia de A. De fato, toda linguagem costumeira de ex-periencia subjetiva e verazmente aplicavel a tais maquinas, formando o maisutil e natural tipo, forma de expressao, em se tratando de seus comportamen-tos, bem como bem conhecidos aos indivıduos que trabalham com automatoscomplexos.

Quando se lida com um sistema representando um observadorquantica e mecanicamente, prescreve-se uma funcao de estado ψO para esseobservador. Quando o estado quantico ψO descrever um observador O cujamemoria contiver representacoes dos eventos A, B, · · · , C, denotar-se-a tal

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4.10 Processo de Observacao e a Formulacao de Estados Relativos 145

fato pela insercao de sua sequencia de memoria entre colchetes subescritos,i.e.:

ψO[A,B, ··· ,C]. (4.17)

Os sımbolos A, B, · · · , C, os quais se assumirao estar temporalmente ordena-dos, estampam as configuracoes de memoria que estao em correspondenciacom a experiencia preterita desse observador. Essas configuracoes podemser interpretadas como registro em um meio magnetico, como impressoesnuma fita de papel, como configuracoes de chaveamento em um circuito,ou configuracoes neuronais. Requisitar-se-a, apenas, que tais configuracoessejam passıveis de interpretacao o observador experimentou a sucessaode eventos A, B, · · · , C (algumas das vezes, conforme o caso, escrever-se-ao pontos numa sequencia de memoria, · · · A, B, · · · , C, indicando apossıvel presenca de memorias previas que sao irrelevantes ao caso emconsideracao32).

O modelo matematico vislumbra tratar a interacao de tais sistemas ob-servadores com outros sistemas fısicos (observacoes), dentro, somente, doquadro teorico do postulado da dinamica da funcao de onda, e deduzir asconfiguracoes de memoria resultantes, as quais terao, entao, de ser interpre-tadas como registros das experiencias preteritas desses observadores.

Comecemos por definir no que consiste uma boa medida. Uma boaobservacao de uma quantidade A, com autofuncoes φi, para um sistema S, porum observador cujo estado inicial seja ψO, consistira de uma interacao que,durante um perıodo de tempo especificado, transforme cada estado (total ≡S +O):

ψS+O = φiψ

O[ ··· ], (4.18)

num novo estado:ψ

S+O′ = φiψO[ ···αi]

, (4.19)

onde αi caracteriza33 o estado φi (o sımbolo αi pode ser o registro do auto-valor, por exemplo). Assim, requer-se que o estado do subsistema objeto, emse tratando de um autoestado seu, permaneca inalterado, e (2) que o estado

32No jargao de teoria dos jogos, tais sequencias irrelevantes denotadas por tais pontosnao estao munidas de preliminaridade, ainda que munidas de anterioridade. Ainda, quetais sequencias irrelevantes nao proveem signaling aos registros posteriores no conjunto deinformacoes nao-ambıguo do jogador.

33Deve ser entendido que ψO[ ···αi]

e um estado diferente para cada i. Uma notacao mais rig-

orosa seria ψOi [ ···αi ]

, mas nenhuma confusao advira se a subindexacao estiver apenas no ındice dosımbolo de configuracao de memoria.

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146 4 CONCEITOS

do subsistema observador modifique-se de modo a descrever um observadorque esta ciente de que autofuncao do subsitema objeto observou; i.e., algumapropriedade foi registrada na memoria do subsistema observador caracteri-zadora de qual autoestado do subsistema objeto foi observado, caracterizandoa observacao de φi nessa memoria, por exemplo34, pelo autovalor de φi. Orequisito de que os autoestados do subsistema objeto fiquem inalterados enecessario para que haja a repetibilidade da medida, e o requisito de que osubsistema observador se altere de modo a ser diferente para cada autofuncaomedida no subsistema objeto e necessario para que tal interacao seja real-mente uma observacao35. Quao proximamente uma interacao geral satisfara adefinicao de uma boa observacao dependera de dois requisitos: (1) a maneirana qual a interacao dependera das variaveis dinamicas do subsistema obser-vador, incluindo as variaveis de memoria, e, tambem, das variaveis dinamicasdo subsistema objeto; (2) o estado inicial do subsistema observador. Dados(1) e (2), pode-se, por exemplo, resolver a equacao de onda, deduzir-se oestado do sistema global isolado composto pelos dois subsistemas, objeto eobservador, depois do termino da interacao de medida, com a checagem de seum subsistema objeto que estava originalmente em um autoestado e deixadoem um autoestado, conforme demandado pelo postulado de repetibilidade.

Da definicao do que seja uma boa observacao, primeiramente, de-duziremos o resultado de uma observacao que se efetue sobre um sistema quenao esteja em um autoestado de observacao. Sabemos, de nossa definicao,que a interacao de medida transforma estados φiψ

O[ ··· ] em estados φiψ

O[ ···αi]

.Consequentemente, essas solucoes da equacao de onda podem ser super-postas para fornecer o estado final para o caso de um estado inicial de sub-sistema objeto. Assim, se o estado inicial do subsistema objeto nao for umautoestado, mas um estado geral ∑i aiφi, o estado final total so sistema global,finalizada a interacao de medida, tera a forma:

ψS+O′ = ∑

iaiφiψ

O[ ···αi]

. (4.20)

Esse princıpio de superposicao continua validamente aplicavel na

34Alguem poderia objetar de que estarıamos postulando que a medida tem como saıda o auto-valor, e que isso nao consta do postulado da dinamica, unico postulado que estamos utilizando.Porem, tal objecao seria falaciosa, dado que: por exemplo, poderia ser o caso. Tal exemploadvem de uma possıvel interpretacao, porem o registro αi pode ser qualquer coisa que caracter-ize φi, como o proprio φi.

35Caso contrario, nao haveria como se rastrear a observacao mediante o registro da observacaonos ındices de memoria da funcao de onda do subsistema observador.

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4.10 Processo de Observacao e a Formulacao de Estados Relativos 147

presenca de mais subsistemas objeto que nao interajam durante a me-dida. Assim, se sistemas S1, S2, · · · , Sn estiverem presentes, assim comoo subsistema observador O, sendo os estados originais de tais subsistemasψS1 , ψS2 , · · · , ψSn , sendo a unica interacao durante o intervalo de tempo damedida entre S1 e O, a interacao de medida transformara o estado inicialtotal:

ψS1+S2+ ···+Sn+O = ψ

S1ψS2 · · · ψSnψ

O[ ··· ] (4.21)

no estado final:

ψS1+S2+ ···+Sn+O′ = ∑

iaiφ

S1i ψ

S2 · · · ψSnψO[ ···αi]

, (4.22)

onde ai = (φ S1i ,ψS1), e onde φ

S1i sao autofuncoes da observacao.

Assim, chegamos a uma regra geral para a transformacao das funcoesde estado total que descrevem sistemas isolados dentro dos quais o processode observacao ocorre:

• Regra 1: A observacao de uma quantidade A, com autofuncoes φS1i ,

efetuada sobre um subsistema objeto S1 por um observador O, trans-forma o estado global total do sistema isolado de acordo com:

ψS1ψ

S2 · · · ψSnψO[ ··· ]→∑

iaiφ

S1i ψ

S2 · · · ψSnψO[ ···αi]

, (4.23)

onde ai = (φ S1i ,ψS1).

A seguir, consideremos que uma segunda observacao seja feita, onde onosso estado global total isolado e agora uma superposicao. Podemos aplicara Regra 1 separadamente a cada elemento da superposicao, pois cada ele-mento separadamente obedece a equacao de onda, comportando-se indepen-dentemente dos demais elementos da superposicao e, assim, superpor os re-sultados para obter a solucao final. Podemos formular isso como:

• Regra 2: A Regra 1 pode ser aplicada separadamente a cada elementoda superposicao de estados do sistema global isolado, sendo tais resul-tados oriundos dessa aplicacao superpostos para a obtencao do estadofinal total. Assim, uma determinacao de B, cujas autofuncoes sejamη

S2j , determinacao feita sobre S2 atraves da interacao com o subsistema

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148 4 CONCEITOS

observador O, transforma o estado total:

∑i

aiφS1i ψ

S2 · · · ψSnψO′

[ ···α1] (4.24)

no estado:

∑i, j

aib jφS1i η

S2j ψ

S3 · · · ψSnψO′′

[ ···αi,β j ], (4.25)

onde b j = (ηS2j ,ψS2), o que decorre da aplicacao da Regra 1 a cada

elemento:φ

S1i ψ

S2 · · · ψSnψO′

[ ···αi], (4.26)

sendo que, entao, apos essa aplicacao, superpoem-se os resultadosutilizando-se, para essa superposicao final, os coeficientes ai.

Essas duas regras, as quais seguem diretamente do princıpio dasuperposicao, fornecem um metodo conveniente para a determinacao fi-nal dos estados globais totais para qualquer quantidade de processosde observacao sucesivos em quaisquer combinacoes. Passemos agora ainterpretacao de tais estados finais totais.

Comecemos por considerar o caso simples de uma unica observacaoda quantidade A, com autofuncoes φi, no subsistema objeto S de estado inicialψS, por um observador O cujo estado inicial seja ψ

O[ ··· ]. O resultado final,

conforme visto anteriormente, sera a superposicao:36

ψS+O′ = ∑

iaiφiψ

O′

[ ···αi]. (4.27)

Nao havera mais qualquer estado independente de subsistema objeto ou desubsistema observador, dado que os dois tornaram-se correlacionados demodo biunıvoco (um-a-um)37. Todavia, em cada elemento da superposicao,

φiψO′

[ ···αi], o estado do subsistema objeto sera um particular autoestado da

36Note-se que cada elemento da superposicao tem existencia independente, i.e., ainda quediferentes elementos da superposicao registrem, em suas respectivas funcoes de onda de subsis-tema observador, diferentes medidas de autoestado do relativo subsistema objeto, nao significaque o subsistema observador tenha medido todos os autoestados do conjunto completo φi, poisha somente um registro de memoria. Tais realidades sao independentes, porem superpostas, mastal superposicao nao significa que o subsistema observador esteja ciente de todos os resultadospossıveis de medida, i.e., esteja ciente de todos os elementos do conjunto completo φi.

37Note-se a presenca do mesmo ındice i.

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4.10 Processo de Observacao e a Formulacao de Estados Relativos 149

observacao e, alem disso, o estado do subsistema observador descreve esseobservador como definitivamente conscio, percebendo, aquele estado par-ticular do subsistema objeto. Essa correlacao e o que permite que se man-tenha a interpretacao de que uma medida foi efetuada.38 Consideremos agoraa situacao em que o subsistema observador interage com o subsistema objetopela segunda vez. De acordo com a Regra 2, chegamos ao estado total dosistema global apos a segunda observacao:

ψS+O′′ = ∑

iaiφiψ

O′′

[ ···αi αi]. (4.28)

Novamente, cada elemento φiψO′′

[ ···αi,αi]descreve um autoestado do subsistema

objeto, mas, desta vez, tambem descreve o subsistema observador como tendoobtido o mesmo resultado para cada uma das duas observacoes. Assim, paracada estado separado do subsistema observador, na superposicao final, o re-sultado da observacao foi repetıvel, ainda que diferente para diferentes esta-dos. Essa repetibilidade e uma consequencia de que, apos uma observacao, oestado relativo subsistema objeto, relativo a um estado particular do subsis-tema observador, e o correspondente autoestado.

Consideremos uma situacao diferente. Um subsistema observador O,com estado inicial ψ

O[ ··· ], mede a mesma quantidade A em um numero de sis-

temas separados e identicos, os quais inicialmente no mesmo estado:

ψS1 = ψ

S2 = · · · = ψSn = ∑

iaiφi, (4.29)

onde os φi sao, conforme o usual, autofuncoes de A. O estado inicial total dosistema global e entao:

ψS1+S2+ ···+Sn+O0 = ψ

S1ψS2 · · · ψSnψ

O[ ··· ]. (4.30)

Assumamos que as medidas sejam efetuadas nos sistemas na ordemS1, S2, · · · , Sn. Entao, o estado global apos a primeira medida, pela Re-gra 1, torna-se:

ψS1+S2+ ···+Sn+O1 = ∑

iaiφ

S1i ψ

S2 · · · ψSnψO[ ··· ,α1

i ], (4.31)

38Nao ha a necessidade de se postular um colapso instantaneo, conforme o faz a mecanicaquantica convencional.

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150 4 CONCEITOS

onde α1i corresponde a medida feita sobre o primeiro sistema S1. Apos a

segunda medida, temos, pela aplicacao da Regra 2:

ψS1+S2+ ···+Sn+O2 = ∑

i, jaia jφ

S1i φ

S2j ψ

S3 · · · ψSnψO[ ··· ,α1

i ,α2j ], (4.32)

e, em geral, apos r medidas, r ≤ n, a Regra 2 fornece o resultado:

ψr = ∑i, j, ··· ,k

aia j · · · akφS1i φ

S2j · · · φ

Srk ψ

Sr+1 · · · ψSnψO[ ···α1

i ,α2j , ··· ,α

rk ]. (4.33)

Interpretemos esse estado ψr. Tal estado e a superposicao de estados:

ψ′i j ···k = φ

S1i φ

S2j · · · φ

Srk ψ

Sr+1 · · · ψSnψO[α1

i ,α2j , ··· ,α

rk ], (4.34)

cada qual descrevendo o subsistema observador com uma sequencia dememoria definida:

[α1i , α

2j , · · · , α

rk ]. (4.35)

Relativamente ao subsistema observador, os estados do subsistema objeto ob-servados foram os correspondentes autoestados φ

S1i , φ

S2j , · · · , φ

Srk , sendo que

os subsistemas remanescentes que nao interagiram observacionalmente comO, Sr+1, · · · , Sn, permaneceram inalterados.

Um elemento tıpico ψ′i j ···k da superposicao final descreve um estado

de acontecimentos onde o subsistema observador percebeu uma sequenciaaparentemente aleatoria de resultados definidos para as observacoes. Alemdisso, os subsistemas objeto identicos que foram observados por O parece-ram ter sido deixados nos correspondentes autoestados da observacao (au-toestados de A). Neste ponto, suponhamos que uma redeterminacao de umaobservacao anterior feita sobre um dos subsistemas objeto (Sl) aconteca, i.e.,que se repita a medida num subsistema objeto (Sl) ja anteriormente medido.Assim, qualquer elemento da superposicao final resultante descrevera o sub-sistema observador com uma configuracao de memoria na forma:

[α1i , · · · , α

lj, · · · αr

k , αlj], (4.36)

na qual o primeiro registro de memoria relativo a primeira medida efetuadasobre Sl coincide com o ultimo, i.e., esses estados de memoria estao cor-relacionados. Parecera, entao, ao subsistema observador, conforme descritopor um elemento tıpico da superposicao, que cada observacao inicial feitaem cada subsistema objeto identico pulou, colapsou, foi projetado, num au-

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4.11 Determinacao da Natureza de aka∗k 151

toestado de maneira aleatoria e, alem disso, que permaneceu naquele estadopara medidas subsequentes no mesmo subsistema objeto. Nao entrando nomerito sobre questoes relacionadas as frequencias relativas, pois atacaremosisso na proxima secao, as assertivas postulatorias e probabilısticas a fortiorida formulacao convencional da mecanica quantica parecem ser validas parao subsistema observador descrito por um elemento tıpico da superposicao fi-nal, emergindo naturalmente da formulacao de estados relativos a partir dopostulado da dinamica da funcao de onda.

Analisemos o quadro a que chegamos. Durante toda a sequencia doprocesso de observacao anteriormente discutido, havia apenas um subsistemafısico representando o observador, ainda que nao houvesse um unico estadopara tal observador, dado que isso decorre das representacoes dos sistemasinteragentes.39 Todavia, ha uma representacao em termos de superposicao,onde cada elemento dessa superposicao que contem um estado de subsistemaobservador definido tambem contem um correspondente estado de subsistemaobjeto. Em cada observacao (denominemos ponto) que se sucede, o estado deobservador se divide numa arvore de estados a partir desse ponto, conforme sedepreende da passagem da equacao (4.30) para a (4.31), por exemplo.40 Cadaramo dessa arvore representa uma alternativa diferente, um outcome diferenteda medida e o correspondente autoestado para o sistema global isolado. As-sim, temos uma interpretacao antropica de que: para um dado ramo repre-sentativo do subsistema observador ha um estado global correspondente, umarealidade global isolada corresponte que inclui esse subsistema observador epor ele observada, um universo e vice-versa. Todos os ramos existem simul-taneamente na superposicao apos qualquer sequencia dada de observacoes41.

4.11 Determinacao da Natureza de aka∗k

Na secao anterior vimos como o carater aleatorio emerge naturalmenteda formulacao de estados relativos. Primeiramente, pelo fato de se correla-cionarem as funcoes de onda do subsistema objeto e as respectivamente rela-

39Notem-se as modificacoes no subsistema observador conforme se processam as interacoesde medida da equacao (4.30) a (4.33).

40Note-se a arvore de possibilidades de estados a partir de ψO[ ··· ]→ ψ

O[ ···α1

i ]. Tal representacao

coincide com a representacao de j-historias, no jargao de teoria dos jogos.41O fato de nao observarmos outros ramos, nao e suficiente para se inferir que nao existam.

Situacao analoga da crıtica a teoria copernicana, dado que a inobservancia de mobilidade daterra nao se sustentou como base para que se inferisse que a mesma teria de ser estatica. Alias, aformulacao de estados relativos preve justamente a inobservancia, dado que os ramos sao linear-mente independentes, pois formam a base de autoestados da superposicao global.

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152 4 CONCEITOS

tivas do subsistema observador, conforme vimos anteriormente, entao algode comum ha entre os dois subsistemas. Se um nao fosse util ao outro,entao, nao haveria qualquer interdependencia entre os dois, contrariando oque temos analisado. Se um subsistema observador verificasse inutilidade to-tal em um subsistema objeto, entao nada em tal subsistema objeto seria pelomesmo captado, i.e., as informacoes oriundas seriam de pronto descartadas,e a configuracao de memoria do subsistema observador nao registraria nada,o que equivale a dizer, pelo que temos visto, que os dois subsistemas nao in-teragiram, i.e., que sao independentes por nao se correlacionarem. Portanto,parece vies natural que se faca a assertiva: havera alguma utilidade em umsubsistema objeto para um subsistema observador se os mesmos interagirem.A funcao de onda de estado de um dos subsistemas objeto e dada por:

ψS = ∑

iaiφi = akφk + ∑

i6=kaiφi. (4.37)

Ora, a utilidade Ud de um subsistema objeto para o seu subsistema obser-vador e exatamente a utilidade de se efetuar a medida sobre esse subsistemaobjeto, i.e., Ud =U(ψS) =U(∑∀ i aiφi). Mas, podemos dar uma interpretacaounidirecional a funcao de onda de um subsistema objeto, o que nao altera afuncao de onda, donde esperamos que nao se altere a utilidade da mesma,i.e., podemos escrever Ud = U(ψS) = U(aφ), onde a = ∑∀ i ai. Notemos quea utilidade assim interpretada passa a ser unidirecional, de modo a ser equiv-alente uma interpretacao escalar, i.e., que, por ser fisicamente equivalente talinterpretacao, as respectivas utilidades nao teriam por que se alterar sob essenovo quadro interpretativo:

Ud = U(a). (4.38)

Assim, vemos da equacao (4.38), que a utilidade acima e medida sobre orespectivo coeficiente. Em virtude da irrelevancia fısica de se multiplicaros coeficientes da funcao de onda por uma fase arbitraria, uma medida deutilidade que fosse feita sobre um coeficiente e que levasse em consideracaoa irrelevancia de fase, so poderia ser a que se fizesse sobre o modulo docoeficiente, i.e., U(as) = U(|as|). Seja a utilidade de uma amplitude β de umsubconjunto de dimensao n, βφ

′= ∑

ni=1 aiφi, da superposicao, i.e., U(β ):

U(β ) = U(|β |) = U(

√n

∑i=1

a∗i ai) = U(

√n

∑i=1|ai|2) (4.39)

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4.11 Determinacao da Natureza de aka∗k 153

A medida da utilidade desse subconjunto da superposicao deve levar emconsideracao as amplitudes inerentes a esse subconjunto da superposicao,sendo a utilidade total a soma das utilidades de cada amplitude, por criteriode simplicidade42. Assim:

U(β ) =n

∑i=1

U(ai) =n

∑i=1

U(|ai|) =n

∑i=1

U(√|ai|2). (4.40)

De (4.39) e (4.40), temos:

U(

√n

∑i=1|ai|2) =

n

∑i=1

U(√|ai|2). (4.41)

Definindo uma nova funcao f (x) = U(√

x), vemos que a equacao (4.41)torna-se:

f (n

∑i=1|ai|2) =

n

∑i=1

f (|ai|2), (4.42)

donde vemos que f tem de ser linear, i.e., f (x) =Cx, com C constante. Assim,f (x2) = Cx2 = U(

√x2) = U(x). Assim, para x = ai, temos:

U(ai) = U(|ai|) = f (|ai|2) = C|ai|2 = Ca∗i ai. (4.43)

Portanto, vemos que a equacao (4.43) e uma transformacao afim43, e tema mesma estrutura de grupo das utilidades, conforme concluıdo na equacao(4.16) e provado na proposicao 22, caso a∗i ai possa ser interpretado como util-idade. Portanto, dado isso, a∗kak seria uma medida de utilidade, uma utilidadeno sentido de Von Neumann.

Assim, essa medida de utilidade aplicada ao i, · · · k-esimo elemento dasuperposicao (4.34) fornece:

Ui j ···k = (aia j · · · ak)∗(aia j · · · ak), (4.44)

de modo que ao estado de subsistema observador com configuracao dememoria [α1

i , α2j , · · · , αr

k ] e associada a medida de utilidade a∗i aia∗ja j · · · a∗kak.

42No cenario economico isso e verdadeiro. Por exemplo a utilidade de se investir em variasacoes diferentes sera a soma das utilidades de cada acao, i.e., a soma dos lucros gerados por cadauma das acoes individualmente.

43Uma transformacao linear e uma transformacao afim que passa pela origem. Aqui, ω1 = 0(vide a proposicao 22).

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154 4 CONCEITOS

Vemos que tal e uma medida de utilidade por produto, i.e.,

Ui j ···k = UiU j · · ·Uk, (4.45)

com Ui = a∗i ai. Assim, essa medida de utilidade para um estado particularde memoria do subsistema objeto e o produto das medidas de utilidade paraos componentes individuais na sequencia de memoria, i.e., das utilidades decada um dos subsistemas objeto identicos medidos pelo subsistema obser-vador. Ha, entao, uma correspondencia entre essa estrutura de medida deutilidade e a teoria de probabilidades de sequencias aleatorias. Essa corre-spondencia parece permitir que se admita Ui j ···k como probabilidades paraas sequencias aleatorias da configuracao de memoria do subsistema objeto,donde, entao, as sequencias seriam equivalentes as sequencias aleatorias ge-radas pela prescricao de probabilidades independentes Uk = a∗kak.

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155

5 CONCLUSOES

No que concerne ao modelo estabelecido neste trabalho para a crise doarrasto, concluımos que o mesmo fornece, de primeiros princıpios, ainda quetambem tecidos sob consideracoes heurısticas fundamentadas em resultadosexperimentais aqui citados: a obtencao da dependencia funcional da forcade arrasto para regimes de escoamento sob altos numeros de Reynolds comoquadratica na velocidade, expressao esta inexistente em toda a literatura exau-rida, bem como inexistente em trabalhos ja publicados sobre hidrodinamica,estabelecendo, assim, originalidade ao resultado. A concordancia excelenteentre os resultados teoricos aqui obtidos e os experimentais e ratificada pelaprevisao teorica que aqui se fez para o coeficiente de arrasto no momento dacrise.

Em relacao a interdisciplinaridade aplicada a teoria dos jogos den-tro da mecanica quantica, este trabalho mostra que a estrutura de grupodas utilidades de von Neumann tem relacao com a estrutura de grupo dafuncao de medida em mecanica quantica sob o formalismo de estados rela-tivos, formulacao essa parecendo ser caminho natural para uma generalizacaoda mecanica quantica que expurgue necessidade de quaisquer referenciasclassicas dentro de uma teoria puramente quantica. Esse formalismo pareceser o correto a ser aplicado ao estudo da quantizacao do fluido de Weyl emrelatividade geral.

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156 5 CONCLUSOES

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