fomentos de polÍticas pÚblicas para a … · 2 mestranda do programa de planejamento e análise...

11
1 FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A RECUPERAÇÃO DE APRENDIZAGEM ESCOLAR CONTÍNUA 1 Rosilene de Fátima Rocioli Messias 2 Genaro Alvarenga Fonseca 3 Eixo Temático: Políticas públicas para a educação básica. RESUMO Este trabalho pretende argumentar sobre a recuperação contínua de aprendizagem, como um processo utilizado para retomar os conteúdos não aprendidos na escola e ainda pesquisar como esta prática é realizada no âmbito de sala de aula de forma contínua nas escolas municipais de uma urbe do interior paulista. Busca-se refletir sobre a aplicação dos processos, intervenções e meios utilizados para tal. Sendo assim, a investigação dirige sua análise para a pesquisa bibliográfica e análise documental de forma qualitativa no intuito de averiguar a possibilidade de observar como a recuperação contínua de aprendizagem escolar está sendo utilizada precariamente através do método de avaliação contínua. Entende-se que o próprio processo de recuperação, pode ser inviabilizado, ao levar-se em conta restritamente a relação direta entre avaliação e recuperação de aprendizagem. Palavras chave: Recuperação. Contínua. Aprendizagem. Políticas Públicas. Abstract: This paper aims to discuss about recovery of learning as a process used to retake content not learned in school and to research how this recovery is performed in classroom in a continuous way in municipal schools of a city in São Paulo State, seeking to reflect on the process, on the interventions and on the means to do so. We also try to investigate whether recovery learning occurs in loco, as there are a lot of students who need to be recovered. Thus, this work used bibliographic research and qualitative documental analyses. We observed that recovery learning is being minimized in continuous evaluation. This fact invalidates the entire process of success of this public policy, besides impossible progressive advances of students to achieve a quality education. Keywords: Recovery. Continuous. Learning. Public Policies. 1 Este trabalho faz parte das investigações do mestrado do programa política públicas 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal de Franca. Especialista em Alfabetização e Letramento, Educação Infantil e Educação especial. Email. [email protected] 3 Doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2004) e Doutorado em Educação Escolar na Universidade Estadual Paulista- Campus de Araraquara (2010). É professor Assistente Doutor RDIDP da UNESP (Universidade Estadual Paulista) Campus de Franca . email. [email protected]

Upload: truongdieu

Post on 23-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

1

FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A RECUPERAÇÃO DE APRENDIZAGEM ESCOLAR CONTÍNUA1

Rosilene de Fátima Rocioli Messias2

Genaro Alvarenga Fonseca3

Eixo Temático: Políticas públicas para a educação básica.

RESUMO

Este trabalho pretende argumentar sobre a recuperação contínua de aprendizagem, como um

processo utilizado para retomar os conteúdos não aprendidos na escola e ainda pesquisar

como esta prática é realizada no âmbito de sala de aula de forma contínua nas escolas

municipais de uma urbe do interior paulista. Busca-se refletir sobre a aplicação dos processos,

intervenções e meios utilizados para tal. Sendo assim, a investigação dirige sua análise para a

pesquisa bibliográfica e análise documental de forma qualitativa no intuito de averiguar a

possibilidade de observar como a recuperação contínua de aprendizagem escolar está sendo

utilizada precariamente através do método de avaliação contínua. Entende-se que o próprio

processo de recuperação, pode ser inviabilizado, ao levar-se em conta restritamente a relação

direta entre avaliação e recuperação de aprendizagem.

Palavras chave: Recuperação. Contínua. Aprendizagem. Políticas Públicas.

Abstract: This paper aims to discuss about recovery of learning as a process used to retake

content not learned in school and to research how this recovery is performed in classroom in a

continuous way in municipal schools of a city in São Paulo State, seeking to reflect on the

process, on the interventions and on the means to do so. We also try to investigate whether

recovery learning occurs in loco, as there are a lot of students who need to be recovered.

Thus, this work used bibliographic research and qualitative documental analyses. We

observed that recovery learning is being minimized in continuous evaluation. This fact

invalidates the entire process of success of this public policy, besides impossible progressive

advances of students to achieve a quality education.

Keywords: Recovery. Continuous. Learning. Public Policies.

1 Este trabalho faz parte das investigações do mestrado do programa política públicas 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal de Franca. Especialista em Alfabetização e Letramento, Educação Infantil e Educação especial. Email. [email protected] 3 Doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2004) e Doutorado em Educação Escolar na Universidade Estadual Paulista- Campus de Araraquara (2010). É professor Assistente Doutor RDIDP da UNESP (Universidade Estadual Paulista) Campus de Franca . email. [email protected]

Page 2: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

2

Introdução

"Ninguém poderá educar-me se eu não consentir, de alguma maneira, se eu não colaborar"

Charlot

Esta pesquisa busca arguir sobre a recuperação contínua escolar de uma escola municipal do interior do Estado de São Paulo, buscando compreender os processos de implementação de uma política pública na ação (portfólios e registros) de quem as realiza em loco. O interesse pelo tema se deu na intenção de colaborar com a reflexão assertiva das propostas de políticas públicas podendo fazer, como diria WITTGENSTEIN (1922), o verdadeiro "isomorfismo4" entre as políticas públicas e suas práticas, verificando em que medida esta mesma política tem cumprido seu objetivo em promover o aprendizado para todos e, consequentemente, em promover uma educação de qualidade, e como esta está sendo realizada na unidade escolar. A necessidade de avançar sobre esses estudos de recuperação contínua de aprendizagem em sala de aula tem a sua importância no cerne da humanidade que é possibilitar a todos a oportunidade de desenvolver-se adequadamente para a sua emancipação e conquistar a tão sonhada educação de qualidade.

Para tanto, esse trabalho buscou fundamentar-se em teóricos contemporâneos refletindo sobre os processos de avaliação contínua, recuperação contínua e mediação do conhecimento, confrontando-se com o documento oficial da rede municipal de educação do município em questão, documento este utilizado para orientar os trabalhos dos professores em como promover o acompanhamento, as intervenções e os registros de seus alunos. A pesquisa valeu-se também da abordagem qualitativa na concepção histórico-crítica com os instrumentos de pesquisa bibliográfica e análise documental.

A recuperação contínua escolar: conceito, legalidade e políticas

A escola como a guardiã do conhecimento acumulado tem, e sempre terá, como principal função a mediação dos saberes socialmente construídos para serem reconstruídos, ampliados e aprimorados dentro do processo histórico. Segundo Saviani (2000, p.92), "[...] a produção social do saber é histórica, portanto não é obra de cada geração independente das demais". Portanto, o saber nunca estará completo e acabado, devido a sua dinâmica transformadora, a fim de bem servir a sociedade. Como afirma Fontana (2000 p.180) "[...] No tempo, vivemos e somos nossas relações sociais, produzimo-nos em nossa história [...] No tempo nos constituímos [...]".

Ao pensar nessas assertivas nos reportamos às microestruturas notadamente à sala de aula, onde o "olhar" se volta para o professor como profissional pertencente a um tempo,

4 Isomorfismo – Correspondência entre dois ou mais objetos de natureza igual ou não.

Page 3: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

3

sofrendo as consequências do mesmo e cujas demandas sociais esperam deste a mediação da aprendizagem para todos.

A LDBEN 9394/96 traz a ideia de que se faz necessário que os professores ensinem a todos e a cada um de acordo com as suas necessidades, a saber: Art. 13 inciso III - "Os docentes devem incumbir-se de zelar pela aprendizagem do aluno". Ou seja, cabe ao professor promover meios buscando estratégias coerentes que possam auxiliar o discente a aprender. Na mesma lei: Art. 24 inciso V descreve que para ensinar é preciso promover “[...] a avaliação contínua do desenvolvimento do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período [...].” A lei sinaliza a necessidade que os discentes devem desenvolver-se de forma qualitativa e não com excessos quantitativos de conteúdos que nada condizem com a sua realidade. Segundo Messias (2015), existe uma diferença entre avaliação contínua e a recuperação contínua. A avaliação contínua e processual, segundo o referencial das escolas públicas municipais de Franca (REC 20, diz que a avaliação processual e contínua "[...] oportuniza ao professor e à equipe escolar o acompanhamento da construção do conhecimento do aluno, em seu dia-a-dia, intervindo de imediato, estimulando o seu caminhar, por meio de mudanças de procedimentos". Caberia ao docente utilizá-la a fim de refletir sobre todos os seus discentes e a cada um, para que possa intervir com êxito garantindo que a aprendizagem ocorra, evitando, assim, situações excludentes em suas ações. Saviani afirma: "A ação escolar permite que se acrescentem novas determinações que enriquecem as anteriores e estas, portanto de forma alguma são excluídas” (2000, p. 27), ou seja, concebe-se a ideia de que a recuperação contínua está para além de avaliação contínua da aprendizagem, pois avaliar continuamente seria uma forma de detectar o que o aluno conseguiu assimilar construindo o seu conhecimento ou não. Já a recuperação contínua parte da avaliação contínua para intervir, mediando o conhecimento tanto para aqueles que conseguiram compreender o que lhe foi ensinado, avançarem ainda mais, quanto para aqueles que não construíram adequadamente o seu conhecimento, poderem apreendê-lo. Segundo a exigência das metas escolares estabelecidas pela Secretaria Municipal de Educação da cidade estudada, todos devem aprender o mínimo estipulado por esta mesma meta, e assim poder ter condições de aprender e/ou aprimorar o seu conhecimento.

Para proporcionar a recuperação contínua seria fundamental promover a avaliação diagnóstica, a princípio, e com esse pré-requisito dos alunos, darem continuidade no processo de ensino e aprendizagem por meio da mediação, com desafios relevantes, sequenciais de forma paulatina e crescentes valendo-se de variedades de metodologias. Vygostky (1998) descreve esse processo denominando-o como “Zona do Desenvolvimento Proximal”, que segundo esta teoria, seria partir daquilo que o indivíduo sabe, os pré-requisitos (zona real) para se chegar ao conhecimento que ele precisa saber (zona potencial), por meio de desafios e da mediação do conhecimento. Portanto, a zona proximal seria intermediária a todo processo, sendo a distância que há entre a zona real até a potencial. Ou melhor, seria aproveitar as diferenças de todos, no que tange ao que eles já sabem, para enriquecer o conhecimento de cada um de forma pessoal e particular potencializando-os.

Potencializar-se significaria recuperar-se? Segundo a indicação CEE nº 05/98 "[...] Dentro do ensino-aprendizagem. Recuperar significa voltar, tentar de novo, adquirir o que

Page 4: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

4

perdeu [...]". Seria necessário a repetição para resolver este problema? De acordo com Hoffmann (2014, p. 27):

O grande equívoco das escolas está em conceber a recuperação como repetição e não evolução natural no processo de aprendizagem. Recuperar não é voltar atrás, mas ir em frente, prosseguir com experiências educativas alternativas que provoquem o estudante a refletir sobre os conceitos e noções em construção, evoluindo para novos patamares de conhecimento.

Ou seja, potencializar-se está para além de recuperar-se, entendendo que não bastaria apenas repetir conteúdos escolares perdidos e não aprendidos, mas sim, desenvolver e construir competências e habilidades que proporcionariam ao educando "aprender a aprender, a fazer, a ser e a conviver." (DELORS, 2012 p.74). Nisto estaria o princípio do verdadeiro aprendizado, onde o educando estaria realmente apto a adquirir novos conhecimentos calcados na base sólida de aprendizados anteriores.

Aspectos das políticas públicas de recuperação contínua de aprendizagem no município de Franca.

A educação é um direito intocável socialmente construído e conquistado por lutas sociais. É um ato político como nos lembra FREIRE (1983), podendo beneficiar ou não as instituições, os sistemas, as classes sociais etc., promovendo ou não as desigualdades sociais. É devido às necessidades sociais com as desigualdades existentes que surgem organizações e "clamores de luta" para a melhoria da condição humana das camadas sociais diversas, que com o Estado de direito a partir da Constituição Federal de 1988 reinicia-se a possibilidade de criações de políticas públicas a fim de resolver problemas sociais existentes.

As políticas públicas segundo a definição de Azevedo (2003, p.38) "[...] é tudo o que o governo faz ou deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões [...]". Então, as políticas públicas educacionais são tudo que o governo executa, propõe, orienta e define para ser feito. Surge assim o problema desta pesquisa que é desvelar como é executado o processo de recuperação contínua em uma escola municipal de Educação Básica francana.

É fato que após a LDBEN 9394/96, a ideia de recuperação de aprendizagem escolar passou a estar associada a todo o processo de ensino e aprendizagem no qual estão submetidos os discentes, dando assim a ideia de que é preciso evitar as defasagens e as retenções criando imperativos que possibilitam a implementação de políticas de progressão na educação, pois desde 1998 o Estado de São Paulo adotou o sistema de progressão continuada5 que idealiza a não repetência a fim de minimizar a evasão escolar que acontecia no sistema seriado. A progressão continuada traz em seu cerne a ideia que o aluno deve ser levado de forma progressiva a aprender e superar as suas dificuldades e defasagem de aprendizagem curricular no percurso de sua vida escolar, construindo e desenvolvendo competências e habilidades. Conforme cita SILVA (2010, p. 2) "[...] a recuperação de aprendizagem surge, entre outras

5 Progressão continuada- Politica publica instituída no estado de São Paulo, corresponde o ensino em ciclos.

Page 5: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

5

ações do poder público, como uma melhoria de qualidade do ensino e da minimização do fracasso escolar [...]."

A questão do fracasso escolar tem um processo histórico e é evidente que nas escolas atinge parte dos educandos. Segundo Cordié (1996, p. 17):

O fracasso escolar é uma patologia recente. Só pôde surgir com a instauração da escolaridade obrigatória no fim do século XIX e tomou um lugar considerável nas preocupações de nossos contemporâneos, em consequência de uma mudança radical na sociedade [...] não é somente a exigência da sociedade moderna que causa os distúrbios, como se pensa muito frequentemente, mas um sujeito que expressa seu mal-estar na linguagem de uma época em que o poder do agente de cristalização para um distúrbio que se inscreve de forma singular na história de cada um.

Todo o educando deve ser observado cotidianamente, para evitar o fracasso escolar no que tange ao seu rendimento escolar, pelos seus professores, conforme dispõe na LDBEN, já mencionado nesta pesquisa. De acordo com a resolução nº 011 de 15 de abril de 2014:

[...] os resultados dos rendimentos dos alunos nos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º anos e educação de Jovens e Adultos serão traduzidas em notas numa escala de 0 (zero) a 10 (dez), sempre em números inteiros, nos componentes curriculares previstos no quadro curricular homologado para o ano letivo vigente, sendo eles: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física, Matemática, Ciências, História e Geografia. Na seguinte conformidade: I - 0 a 4 - Rendimento escolar não satisfatório II- 5 a 6 - Rendimento escolar regular III- 7 a 10 - Rendimento escolar satisfatório IV- Além das notas, o professor deverá emitir pareceres, em contemplação ao processo avaliativo, sempre que se fizer necessário. (PME, p. 41)

As notas referendadas aos alunos são concebidas a partir de estratégias empregadas para a avaliação do processo de ensino e aprendizagem e do instrumento de acompanhamento escolar. Segundo o Referencial Curricular das Escolas Públicas Municipais de Franca as práticas avaliativas além da contínua e processual devem ser:

Avaliação diagnóstica - visa identificar os conhecimentos prévios dos alunos e o reconhecimento dos "caminhos a serem seguidos nos processos de ensino e aprendizagem". Auxilia o processo de desenvolvimento de competências e de construção da autonomia. Avaliação cumulativa - bimestral e semestral- contempla aspectos cognitivos numa visão interdisciplinar a fim de facilitar o processo de novas aprendizagens. Avaliação participativa - se dá mediante a criação, em sala de aula, de espaço de interlocução, produção, trabalho, reflexão e construção de conhecimento, onde o professor reflete e discute com os alunos o estágio de aprendizagem que atingiram tendo o objetivo de juntos,

Page 6: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

6

planejarem novas e necessárias situações de aprendizagem (REC p. 313) Além das práticas avaliativas supracitadas, a mesma Secretaria de Educação se vale de instrumentos, como políticas públicas, para garantir a aprendizagem dos discentes. Instrumentos estes que são julgados fundamentais para promover a aprendizagem, a saber: “plano de metas, acompanhamento do processo pedagógico, acompanhamento do processo de alfabetização, sondagem das hipóteses de escrita, sondagem matemática, sondagem sobre escrita de números, sondagem sobre as estruturas aditivas, sondagem sobre as estruturas multiplicativas, avaliação diagnostica, desenho na educação infantil e avaliação diagnóstica de produção de textos". (PME, p. 42) Desses instrumentos o que responde a nossa investigação é o acompanhamento do processo pedagógico, que será analisado a seguir.

Análise do instrumento Acompanhamento do Processo Pedagógico

Esse estudo se valeu da concepção histórico-crítica e como abordagem a pesquisa qualitativa. O trabalho pautou-se em responder o questionamento principal inicial que seria: como é realizada a recuperação contínua da aprendizagem em sala de aula no município estudado. E para tanto foi estudado o documento intitulado Acompanhamento do Processo Pedagógico, documento usado em rede que tem como objetivos:

Registrar o acompanhamento permanente e contínuo do processo de aprendizagem do aluno, propor intervenções pedagógicas (agrupamentos, trabalhos diversificados, atendimento individualizado, encaminhamentos etc.) e nortear o trabalho do professor [...] Registrar informações importantes trazidas pela família. (Acompanhamento do Processo Pedagógico, p.2)

Para a realização da pesquisa valemo-nos da análise documental de uma escola, sendo escolhida por favorecer a pesquisadora com os dados necessários. A instituição se mostrou solicita e disponibilizou os dados solicitados. Foram analisados os documentos do 3º ano (três salas de aulas) e 5º anos (duas salas).

O instrumento Acompanhamento do Processo Pedagógico é composto dos seguintes itens:

1. Na primeira página contem a orientação para a organização do documento;

2. Solicita anexar na ficha a lista oficial de alunos e o relatório perfil inicial da sala;

3. Plano de meta de aprendizagem do ano proposto pela rede municipal de educação;

4. Orientação e detalhamento para o processo de avaliação;

5. Quadro Acompanhamento do aluno (nesta ficha individual marcam-se bimestralmente, por meio de um X positivamente, os seguintes critérios: atenção, concentração, execução da atividade, compreensão e atendimento a regras e consígnas, autonomia para ações de vida diária, organização do material pessoal, memórias de curto e longo prazo, coordenação global e fina, linguagem e comunicação oral, raciocínio lógico-

Page 7: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

7

matemático, compreensão dos processos de: adição, subtração, multiplicação e divisão, expressão criativa, relacionar-se bem com colegas e professores, excesso de faltas, interessar-se por histórias, ler com entonação e fluência, realizar a atividade proposta, escrever com legibilidade, produzir textos, interessar-se por jogos e brincadeiras e hipótese de escrita);

6. Quadro de encaminhamentos aos técnicos da escola e a profissionais da saúde bimestralmente

7. Observações gerais dos alunos e da sua família;

8. Na última página conta que professor deverá fazer relatório final da turma.

Análise dos dados

Foram analisados cinco portfólios, segundo três dos terceiros anos e dois dos quintos anos, que correspondem ao instrumento “Acompanhamento” do processo pedagógico de 2015. Para a análise, apreciou-se cada portfólio marcando em uma ficha a parte o que havia sido contemplado pelo professor (preenchimento dos quadros), além disso, quais registros continham nas pastas portfólio de cada classe e de cada aluno.

Em relação aos dos terceiros anos, observou-se que todas as docentes fizeram o portfólio contendo os relatórios de perfil inicial, final e lista com os nomes dos alunos da sala de aula. Por outro lado, no que se refere ao Quadro Acompanhamento dos Alunos no 3ºA dos 20 alunos matriculados e frequentes o ano todo, percebe-se a evolução da aprendizagem de 7 alunos que passaram a ser avaliados a partir do segundo bimestre ou bimestres sequentes de forma positiva, ou seja, apenas 35,0% tiveram algum registro de acompanhamento. No 3ºB, de 21 alunos matriculados durante o ano todo em 10, percebe-se a evolução em relação ao quadro de acompanhamento do aluno passando a ser avaliado positivamente após o segundo bimestre, logo, 47,61% tiveram algum registro. No 3º C, de 19 alunos matriculados 3 foram avaliados de forma evolutiva e positiva tendo um percentual de 15,78% de todo a classe. Mediante a estes resultados, observa-se que são poucos os alunos que tiveram alguma evolução positiva no eu tange aos critérios do quadro Acompanhamento do Aluno.

Ainda, neste instrumento Acompanhamento Pedagógico, existe outro quadro que se refere aos encaminhamentos realizados de cada aluno. Abordando os quesitos frequência dos alunos na recuperação paralela, atendimento pedagógico, atendimento da sala de recursos, monitor, atendimento do Orientador Educacional e encaminhado a recursos da comunidade, teve a média de 83% de abstenção de seu preenchido corretamente.

É preciso considerar ainda que, dando sequência aos dois quadros analisados, apresenta-se o item Observações dos alunos que será analisado a seguir. Em relação ao 3º A, dos 20 alunos, apenas 6 estavam com alguma descrição feita pelo professor, ou seja, o professor praticamente não registrou nenhuma observação (negativa ou positiva) que

Page 8: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

8

apontasse caminhos para intervir6 com seus alunos. No 3º B, de 21 alunos 17 tiveram alguma observação. Nessa sala pode-se perceber que a professora fez registros bimestrais da maioria dos alunos. Contudo, apontando apenas as dificuldades apresentadas, não havendo registros de avanços ou de intervenções propostas e/ou realizadas. O 3º C, de 19 alunos havia apenas 2 com descrição do professor, ou seja apenas 10, 52 % dos alunos tiveram algum tipo de observação.

Por meio desses dados, observa-se que há profissionais que estão mais atentos aos registros dos seus alunos do que outros. Outro fato que chama a atenção é que quando são registrados algo sobre o discente, o professor geralmente retrata o que não conseguiu realizar e/ou a sua dificuldade. Não há registros de alunos que mesmo atingido a meta para cada bimestre ainda tenha sido incentivado a aprimorar-se.

Nos quesitos "Propor Intervenções Pedagógicas e Informações importantes trazidas pela família" nenhum profissional se dispôs a refletir e nada consta em nenhum dos portfólios.

Analisando o instrumento de Acompanhamento Pedagógico dos quintos ano constatou-se que: Nos 5º anos as professoras fizeram o portfólio contendo os relatórios de perfil inicial, final e lista com os nomes dos alunos da sala de aula. Quanto ao Quadro de Acompanhamento do aluno: 5º A, de 29 alunos, 12 apresentam evolução da avaliação positiva no quadro sendo 41,37%, já no 5º B, de 24 alunos, 9 apresentam evolução da avaliação positiva no quadro num total de 37,50. Ou seja, as professoras dos quintos anos também não registram os avanços e nem as intervenções feitas com todos os alunos.

Em relação ao segundo quadro o de encaminhamentos dos alunos, apenas no 5º A encontramos 4 registros de alunos com encaminhamentos.

Em relação às Observações dos alunos constatou-se que: 5ª A com apenas seis observações dos 29 alunos. Já o 5º B, de 24 alunos nove tiveram algum registro nesse item.

Por outro lado, considera-se que tanto nas três salas de aula dos 3º anos, quanto nas duas dos 5º anos os portfólios demonstram a realização de 100% das avaliações que a secretaria de educação solicita para ser executadas com cada aluno como, por exemplo: Quadro de plano de metas preenchido, Sondagem das hipóteses de escrita, Sondagem matemática, Sondagem sobre escrita de números, Sondagem sobre as estruturas aditivas, Sondagem sobre as estruturas multiplicativas, Avaliação diagnóstica, Desenho na educação infantil e Avaliação diagnóstica de produção de textos. Ou seja, a atenção está para avaliar e não para intervir.

Ainda observando todos os quadros e as avaliações realizadas durante o ano, considerando como referência as metas de cada ano, pode-se perceber um número significativo de discentes que, durante todo o ano, apresentaram dificuldades de aprendizagem não sendo proporcionada de forma sistemática e prevista a recuperação continua por meio deste instrumento.

6 Intervir – Segundos autores interacionistas é a forma de mediação feita entre o ensinante e o aprendente por meio de desafios e reflexões.

Page 9: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

9

A partir da análise de todos os dados é possível verificar que nesse ano de 2015 e nessa escola os professores se ativeram mais em avaliar do que acompanhar o processo pedagógico de cada aluno.

Considerações finais

À luz do que foi exposto, somos levados a questionar mais do que concluir. Seria possível acompanhar a aprendizagem plena de todos os discentes por meio do instrumento apresentado? Estas políticas públicas têm cumprido o seu papel de melhoria do conhecimento dos alunos e consequentemente ampla melhoria do ser humano?

Por se tratar de pessoas, perfis, camadas sociais, religião, culturas, regionalismos, temos a consciência de que a diversidade existente é conflitante e torna-se um desafio contínuo às políticas públicas que em tese devam ser flexíveis e abrangentes a fim de alinhar as peculiaridades dos alunos. Assim sendo, tanto em relação ao nosso Ordenamento Jurídico Federal, quanto ao Estadual e Municipal, insurgem as particularidades regionais e humanas, embora seja um grande desafio estabelecer um critério que possibilite a aprendizagem e a recuperação contínua dessa forma que atenda todos com as diversidades, e ao mesmo tempo, e de modo particular a cada discente.

Tomando por amostragem, para análise dessa proposta, uma escola da rede pública municipal, após aprofundada observação do plano de avaliação contínua e recuperação contínua, foi possível trazer à tona aspectos que possibilitaram o vislumbre do panorama da educação municipal no que tange às políticas públicas existentes de recuperação contínua, isto é, a 'matrix' da rede municipal, a qual consiste em se fazer cumprir as determinações emanadas das leis estaduais e federais. Mas observando a escola modelo, embora se cumpram as determinações, não ficou clara a recuperação contínua, pois a avaliação contínua sobrepõe àquela de modo sutil, fazendo parecer que tudo se resume na avaliação, mas onde está a progressão contínua do aluno? Não é possível ressaltar nos registros observados o processo de acompanhamento pedagógico do aluno conforme orienta o documento. Não se percebe a evidência da recuperação contínua ainda que tenha ocorrido de modo subjetivo. Assim, então, seriam ineficazes as ferramentas utilizadas para extrair e expor a ocorrência da recuperação contínua. Seria falta de zelo por parte do docente ao preencher o documento ou em meio a tantas planilhas e documentos a serem preenchidos, tentar ser o mais sucinto possível, perdendo-se assim informações valiosas sobre o aluno. Assim, consideremos ainda a progressão continuada adotada pelo município estudado, cuja proposta vai de encontro com a realidade observada, pois em tese todos aprendem, recuperam-se e sobressaem-se, impedindo 'enxergar' a realidade do não saber dos discentes. Ora, se temos uma avaliação contínua que nos remete a uma recuperação contínua, como então temos alunos estagnados nas mesmas dificuldades de aprendizagem há anos? Assim é visível que as políticas públicas aplicadas no seio social induzem uma realidade criada para convencer de sua eficácia e angariar a

Page 10: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

10

aprovação social. Em outras palavras, esta política pública tende a estar mais para compensatória do que afirmativa 7 e uma ação burocrática.

Referências bibliográficas

AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação. In: SANTOS JÚNIOR, Orlando A. Dos et al. Políticas públicas e gestão local: programa interdisciplinar de capitalização de conselheiros municipais. Rio de Janeiro: FASE, 2003. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9.394/96. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso 10 Jul 2015. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. CORDIÉ, A. Os atrasos não existem: psicanálise de crianças com fracasso escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. DELORS, Jacques (Org.). Educação um tesouro a descobrir – Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 7. ed. São Paulo: Cortez,, 2012. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. FONTANA, R. A. C. Como nos tornamos professoras? Belo Horizonte: Autêntica, 2000. HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. – 15.ed.- Porto Alegre: Mediação, 2014. MESSIAS, Rosilene F. Rocioli. Recuperação de aprendizagem: Uma análise das políticas Públicas para a recuperação de aprendizagem das escolas públicas municipais de Franca a partir da década de 90. 2.ed. Franca: Unifacef, 2015. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 33. ed. revisada. Campinas: Autores Associados, 2000. SILVA, J. M. T. Reforço pedagógico. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C. 2010. VIEIRA, L. M. F. DICIONÁRIO: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CDROM VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

7 Políticas afirmativas – Ações afirmativas são políticas públicas feitas pelo governo ou pela iniciativa privada com o objetivo de corrigir desigualdade

Page 11: FOMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A … · 2 Mestranda do Programa de Planejamento e Análise em Políticas Públicas. É Pedagoga e Psicopedagoga da rede municipal ... para evitar

11

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Tradução: José Carlos Bruni. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999 (Coleção Os Pensadores: Wittgenstein).

Documentos: Referencial curricular da Educação infantil e do Ensino Fundamental das Escolas Públicas Municipais de Franca – 2008. Acompanhamento do Processo Pedagógico – 2015.