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FLORA DO CERRADO: FERRAMENTAS

DE CONSERVAÇÃO DA DIVERSIDADE

VEGETAL NO SUDOESTE GOIANO

Frederico Augusto Guimarães Guilherme

Luzia Francisca de Souza

Érica Virgínia Estêfane de Jesus Amaral

Christiano Peres Coelho

Gabriel Eliseu Silva

Steffan Eduardo Silva Carneiro

Introdução

Quanto custa proteger a biodiversidade do planeta? Para um grupo de

cientistas, o valor aproxima-se a US$ 80 bilhões por ano (McCarthy et ai. 2012). Essa estimativa foi feita com base na redução do risco de extinção de todas as espécies ameaçadas, estabelecimento e manutenção de áreas protegidas de 17% dos ecossistemas terrestres e 10% dos costeiros e ma­rinhos. No Brasil, embora bem próximo dos 17% de área terrestre preser­vada, a diversidade de ecossistemas está comprometida, visto que a maior parte das Unidades de Conservação (UCs) está na Amazônia, restando poucas na Floresta Atlântica, no Cerrado e na Caatinga. A Convenção da Diversidade Biológica ( CDB) estabelece uma série de metas a serem al­cançadas nos próximos anos para que, até 2020, tenha sido possível fre­ar a extinção de espécies. Uma das metas estabelece que cada país tenha um catálogo de plantas e fungos, corretamente determinados e mapeados. No ano de 2015, o Brasil finalizou essa meta, estabelecida pela Estratégia Global para a Conservação de Plantas (GSPC-CDB), com a publicação de cinco artigos (BFG 2015; Costa & Peralta 2015; Maia et al. 2015; Prado et

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al. 2015; Menezes et al. 2015). A meta 2020 será a publicação da flora mo­no grafada de cada país signatário, a qual o Brasil está cumprindo através do projeto "Flora do Brasil 2020", embora ainda existam muitas lacunas de coleta no país.

O Cerrado brasileiro tem importante destaque com relação à sua grande extensão, biodiversidade, heterogeneidade de ambientes e por englobar parte das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: rios São Francisco, Paraná (e posteriormente Rio da Prata) e Amazonas (Alho & Martins 1995 ). Em função desses importantes mananciais hídricos, superficiais e subterrâne­os, como o Aquífero Guarani, representando recursos econômicos para boa parte da população da região central e de todo o país, muitas vezes é tratado como a caixa d'água do Brasil.

É considerada a savana mais rica floristicamente, quando comparada com as demais ao longo do planeta (Klink 1996). Na plataforma da Flora do Brasil estão registradas 12.400 espécies de plantas com flores e 750 de plantas sem flores, totalizando atualmente 13.150 espécies vegetais (Flora do Brasil 2020), número superior ao de grande parte de outras floras no mundo. O Cerrado destaca-se ainda pela grande variação fitofisionômica, apresentando formas florestais, savânicas e campestres (Ribeiro & Walter 2008).

Entretanto, a rápida expansão do agronegócio nos últimos 30 anos tem causado extensa conversão das áreas naturais em pastagens e monoculturas. As taxas atuais de desmatamento variam entre 22.000 e 30.000km2 por ano (Machado et al., 2004a), superiores àquelas da Amazônia. Isso se deve em parte ao modo com que o Código Florestal trata os diferentes biornas brasi­leiros. Enquanto é exigido que apenas 20% da área dos estabelecimentos agrí­colas sejam preservadas como reserva legal no Cerrado, em áreas de floresta tropical na Amazônia, esse percentual sobe para 80%.

A estimativa sobre a vegetação natural remanescente indica que cerca de 80% da área do Cerrado passa por alguma forma de intervenção humana, o que significa que apenas 21,3% ( 432.814 km2) ainda se conservam intactos. Essas alterações do uso da terra representam grandes ameaças à biodiversida­de genética, de espécies e de ecossistemas no Cerrado ( ver Faleiro & Farias Neto 2008 ), conferindo uma ideia dos riscos da perda de informações sobre as várias formas de vida e o funcionamento dos ecossistemas da região. As perturbações antrópicas são a maior causa da fragmentação de ambientes na-

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turais e representam importante ameaça à biodiversidade (Whitmore 1997; Viana & Pinheiro 1998).

As fitofisionomias tipicamente savânicas e florestais na microrregião do Sudoeste Goiano e áreas limítrofes

1 apresentam um bom exemplo desse

processo. Atualmente1

esses ecossistemas estão representados por fragmen­tos pequenos

1 isolados e com graus diversos de perturbação

1 imersos numa

matriz dominada por monoculturas1

especialmente milho1

soja1

pecuária1 e mais recentemente

1 o avanço exponencial da cana-de-açúcar. Nesse contex­

to1 a mortalidade

1 o recrutamento e o crescimento vegetal desempenham um

importante papel na manutenção da estrutura1 da diversidade e dos processos

de ciclagem de nutrientes em ambientes naturais (Lewis et al. 2004; Stephen­son & van Mantgem 2005). Por isso1 estudos sobre a dinâmica de ambientes naturais têm se baseado na análise de variações desses mecanismos ao longo do tempo visando avaliar o estado de conservação e a capacidade de recupe­ração após a ocorrência de distúrbios naturais ou antrópicos

1 potencializados

pelos efeitos das mudanças climáticas.

Análises florísticas da vegetação do Cerrado brasileiro têm revelado ele­vada heterogeneidade entre áreas

1 caracterizada por associação particular de

espécies (Ratter et al. 2003). Por exemplo1 Souza ( 2009) 1 em estudo na RPPN

Pousada das Araras1

Sudoeste Goiano1 inventariou nove fitofisionomias dife­

rentes em 147 hectares. Isso independe das distâncias que separam as áreas (Felfili & Silva Junior 1993)

1 e difere possivelmente como consequência das

alterações fisionômicas1 das variações no solo

1 da disponibilidade de água no

lençol freático1

da influência do fogo1

da substituição de estágios serais para cerradão ou floresta

1 dos fatores estocásticos ou relacionados à distribuição

das espécies (Furley & Ratter 1988\ da precipitação total e da duração da estação seca (Ratter et al. 1996).

Ratter et al. (2003) revelaram uma lacuna no conhecimento sobre a ve­getação do cerrado do Sudoeste e regiões circunvizinhas do estado de Goiás1

não só no aspecto florístico1 mas também na compreensão do funcionamento

dos ecossistemas aí encontrados. Além disso1

outro estudo sobre a distribui­ção de plantas raras no Brasil ( Giulietti et al. 2009) 1

revelou que o Cerrado apresenta o segundo maior número de Áreas Chave para a Biodiversidade (ACB). As ACB são regiões de elevada significância global do ponto de vista de conservação de biodiversidade

1 e são identificadas segundo critérios ba-

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seados em vulnerabilidade e insubstituibilidade, comumente utilizados em planejamento sistemático da conservação (Langhammer et al. 2007). Goiás é o quarto estado em número de espécies vegetais raras. As regiões onde se inserem importantes divisores de grandes bacias hidrográficas, como a Ser­ra do Caiapó (divisora das bacias do Paraná e Araguaia-Tocantins), que têm uma considerável quantidade de fitofisionomias do Cerrado ainda preserva­das, devido ao declive acentuado em várias destas regiões, é particularmente importante sob esse aspecto.

Apesar de sua extensão, elevada biodiversidade local e regional, vários endemismos, além de ecossistemas, flora, fauna ameaçados, fatos que o trans­forma num hotspot mundial, conferindo alta relevância para a conservação, o Cerrado é pouco representado no sistema brasileiro de áreas protegidas.Apenas 5,5% de sua extensão original insere-se em UCs. O número total deÁreas de Preservação Ambiental (APAs) é de 102, distribuídos em 83.520km 2, ou 4, 1 % do Cerrado (Mittermeier et al. 2005).

Visando conhecer a diversidade florística do Brasil, do Cerrado brasi­leiro e, mais especificamente, do Sudoeste Goiano, pesquisas científicas têm sido conduzidas há quase duas décadas na Universidade Federal de Goiás - Regional Jataí. Esses estudos regionais têm possibilitado a otimização deesforços e recursos destinados ao inventário da biodiversidade de ecossiste­mas naturais e seu entendimento frente ao avanço do agronegócio na região,com vistas ao cumprimento das metas propostas pelo Brasil (Souza 2009;Souza & Guilherme 2013; Souza 2014; Souza et al. 2015; Souza et al. 2016;Guilherme et al. 2016). Inventários da flora e fauna funcionam como impor­tantes ferramentas para subsidiar a elaboração de políticas públicas regionais,com a perspectiva de criação de UCs que garantam a manutenção das espé­cies e equilíbrio do funcionamento desses ambientes naturais remanescentes(Trajano 2010).

Caracterização fisiográfica do Sudoeste Goiano

A microrregião do Sudoeste Goiano ocupa uma área aproximada de 61500 Km2, o equivalente aos territórios de Israel e Suíça juntos. Abrange atualmente 26 municípios, como apresentado na Tabela 1 (IBGE 2009). Os municípios de Rio Verde,Jataí, Mineiros e Chapadão do Céu se destacam pe-

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las maiores taxas de crescimento populacional e apresentam alta atratividade pelo dinamismo econômico, em função da ascensão do agronegócio goiano, especialmente a produção sucroalcooleira, grãos e carnes. Em função disso, não houve qualquer preocupação com os impactos ambientais gerados no passado, tanto pela ocupação agrícola, quanto pelo adensamento populacio­nal que ocorreu a partir da década de 70. A região está inserida no Domí­nio do Cerrado do Brasil Central, na unidade geomorfológica de Planaltos e Chapadas da Bacia Sedimentar do Paraná, estendendo-se por outros estados brasileiros.

O Sudoeste Goiano em geral é dominado pelos climas tropicais e conti­nentais, tropical de savana e mesotérmico, segundo a classificação climática de Koppen (1948). São duas estações bem definidas, com chuva no verão e seca no inverno. Os níveis pluviométricos apresentam média anual osci­lando entre 1600 e 1800 mm.ano·1, com precipitação máxíma nos meses de dezembro a março. O período chuvoso inicia-se em outubro e estende-se até o início de abril, enquanto o período de estiagem compreende os meses demaio a setembro, com temperaturas médias mínimas de 18,5ºC, ocorrendonos meses de junho e julho. Entretanto, a temperatura média anual é de 24°C( Souza 2009). Durante a estação chuvosa, as médias de umidade relativa ul­trapassam 70%, ao passo que no período seco as porcentagens se aproxímamde 50%, atingindo os menores valores no mês de agosto ( 45% ), caracterizan­do a estação seca nos Cerrados do Planalto Central brasileiro (sensu Mariano& Scopel 2001).

Os solos da região são diversificados, podendo ocorrer Argissolos, Cambissolos, Neossolos quartzarênicos e principalmente Latossolos, que se apresentam nas formas de Latossolos Vermelhos Distroférricos, Latossolos Vermelhos Distróficos e Latossolos Vermelho-Amarelo Distrófico (Reatto et al. 2008). O relevo apresenta cotas altimétricas variando entre 550 e 1.000 m, as quais acompanham as feições geológicas. Áreas com altitudes mais baixas estão relacionadas às formações relativamente mais antigas, como Serra Geral e Vale do Rio do Peixe. Já as áreas mais elevadas estão relacionadas às forma­ções recentes, com sedimentos terciários, também denominados chapadões (Martins & Oliveira 2013). Maiores detalhes sobre o processo de uso e ocu­pação dos solos no Sudoeste Goiano são apresentados no capítulo anterior (Alécio Perini).

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TABELA 1. Lista de municípios do Sudoeste Goiano e respectivas áreas em km2• Quanti­

tativo de exsicatas registradas no Herbário Jataiense (HJ) e porcentagens, até o ano de2013, para cada município dessa região

Municlpio Area (km2) Registros no HJ %

Acreúna 1566,0 3 0,0

Aparecida do Rio Doce 602,3 386 5,9

Aporé 2900,3 177 2,9

Cachoeira Alta 1654,3 94 1,4

Caçu 2251,1 479 5,9

Castelândia 297,4 o 0,0

Chapadão do Céu 2354,8 30 0,5

Gouvelândia 830,7 o 0,0

ltajá 2091,4 o 0,0

ltarumã 3433,6 o 0,0

Jataí 7174,2 3034 41,4

Lagoa Santa 458,9 1 0,0

Maurilândia 393,8 o 0,0

Mineiros 8896,3 210 3,0

Montividiu 1874,6 18 0,3

Paranaiguara 1153,8 o 0,0

Perolândia 1029,6 9 0,1

Portelând ia 550,6 23 0,4

Quirinópolis 3780,2 8 0,1

Rio Verde 8388,3 43 0,6

Santa Helena de Goiás 1127,9 2 0,0

Santa Rita do Araguaia 1361,8 29 0,4

Santo Antônio da Barra 451,6 o 0,0

São Simão 414,1 213 3,3

Serranópolis 5526,5 2200 33,7

Turvelândia 934,3 o 0,0

Outros municípios do estado de Goiás - 129 1

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Contribuição dos inventários para a conservação da flora no Sudoeste Goiano

Inventários florísticos em Goiás tiveram inicio em 1818, com os estu­dos do célebre naturalista austríaco João Manuel Pohl, porém até meados do século 20 as coletas ocorriam basicamente na região leste do estado. Coletas sistematizadas noutras regiões de Goiás, só foram conduzidas após a década de 1970, com os programas governamentais de desenvolvimento do Centro Oeste. Data dessa época as primeiras campanhas de coletas da flora de muní­cipios do Sudoeste Goiano, coordenada por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás. Porém, a área física do estado sempre foi um empecilho, pois sendo as bases científicas na capital goiana e região sudeste do Brasil, as excursões de coleta eram direcionadas para o leste do estado e em áreas do entorno da capital. Com a interiorização da UFG e a organização do Campus Avançado em Jataí, e consequente contratação de profissionais qualificados a partir da década de 1990, tiveram início coletas sistematizadas no entorno de Jataí, estendendo-se a outros munícipios do sul, oeste e centro goianos.

Em 1999 foi criado o segundo herbário de Goiás na Universidade Federal de Goiás - Regional Jataí, o Herbário Jataiense (HJ), também conhecido como Herbário Germano Guarim Neto, e coordenado pelo curso de Ciências Bioló­gicas do Instituto de Biociências (IBC). Este herbário foi criado para receber e registrar o material botânico advindo das regiões supracitadas, sendo um local de referência da flora regional. Tem como metas a coleta, registro, permuta de material botânico com outros herbários, além de oferecer local para pesquisa científica, funcionando como um importante acervo de amostras botânicas no Centro-Oeste do país, principalmente da flora do Sudoeste e Centro Goianos.

O HJ possui registro na Rede de Herbários do Brasil, Centro de Refe­rência de Informação Ambiental ( CRIA) e no Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira ( SiBBr), sendo o segundo maior herbário do estado de Goiás. Conta atualmente com cerca de 10.000 amostras, principalmente exsicatas (material botânico herborizado e tombado) de plantas vasculares, predominando angiospermas, com mais de 90% do total de amostras seguidas de pteridófitas (samambaias), além de registros de gimnospermas e licófi.tas. Desse total de amostras, 7.415, ou seja, 75% estão informatizados e disponi­bilizados na rede CRIA, plataforma do INCT Herbário Virtual da Flora e dos Fungos do Brasil (http:/ /inct.florabrasil.net/). O HJ abriga amostras de 149 municípios de 20 estados brasileiros, dos quais, 49 são municípios do estado

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de Goiás, e 18 ( 36, 7%) localizam-se na região Sudoeste. O foco dos estudos e excursões botânicas foi essa região e, portanto, mais de 90% da atual coleção botânica do HJ é composta por exsicatas do Sudoeste Goiano, como pode ser visto na Tabela l. Até o momento, os municípios mais coletados são Jataí, Serranópolis, Aparecida do Rio Doce e Caçu, os quais totalizam pouco mais de 80% do total de amostras. Entre as coleções mais importantes citamos a do munícipio de Jataí com 305 l amostras e da Reserva Particular do Patrimônio Natural Pousada das Araras ( com 2200 amostras). Os principais coletores são Souza, L.F e Guilherme, F.A.G.

Atualmente, estão registradas espécies para 157 famílias botânicas, com destaque para Fabaceae (781 registros), Myrtaceae ( 636), Rubiaceae ( 435), Malpighiaceae (398), Asteraceae (396) e Euphorbiaceae (283). Ao todo o HJ contempla 745 gêneros, sendo que os mais ricos em número de registros são: Campomanesia (307 registros), Byrsonima ( 182), Myrcia ( 134) e Q}talea

( 103). Foram identificadas no acervo do HJ em torno de 800 espécies. A co­leção abriga duas novas espécies, sendo uma da família Asteraceae, gênero Baccharis, e outra da família Bignoniaceae, gênero Neojobertia (Figura 1-A), as quais estão aguardando descrição. Algumas coletas representam novos re­gistros para o Cerrado brasileiro, como Ocotea notata (Nees & Mart.) Mez, Achyrocline satureioides (Lam.) DC. e Solanum melissarum Bohs (Figura 1-B). Outras espécies são novos registros para Goiás como Cereus bicolor Rizzini & A. Mattos, Madura tinctoria subsp. mora ( Griseb.) Vázq.Avila. e Bacopa scabra

(Benth.) Descole & Borsini var. scabra (Souza & Guilherme 2012). A espé­cie Thismia panamensis (Standl.) Jonker (Guilherme et al. 2016) representanovo registro para o território brasileiro (Figura 2-A). Além disso, no acervoobserva-se espécies endêmicas e/ ou com centro de distribuição no Sudoes­te Goiano, como é o caso da palmeira Butia purpurascens Glasmann (Figura2-B), localmente chamada de coquinho-azedo ou palmeira-jataí, e que já foirelativamente bem estudada na região, sob o aspecto ecológico ( Guilhermeet al. 2015; Guilherme & Oliveira 2010 ).

O acervo do HJ contempla ainda várias espécies com potencial econô­mico. Assim, 119 espécies distribuídas em 30 famílias, mantidas em forma de exsicatas, são reportadas para múltiplos usos como apícolas ( 108 espécies), ornamentais (86), medicinais (59), madeireiras (38), comestíveis (32) e aromáticas (18) (Souza et al. 2015; 2016).

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Por fim, avaliações recentes têm apontado para 16 registros de espécies do Sudoeste Goiano ameaçadas de extinção; entre elas Anemopaegma arven­

se (Vell.) Stellfeld ex de Souza, popularmente conhecida como catuaba-do­-cerrado (Figura 1-C), Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F. Macbr., conhecida como garapa e a já citada Butia purpurascens (Flora do Brasil 2020 em construção 2016; HJ 2016).

F1GuRA 1. A. Neojobertio sp nova (família Bignoniaceae) em ambiente natural e detalh das Aores; B. Anemopoegmo orvense (família Bignoniaceae): visão geral da planta ern ambiente natural; C. Solonum melissorum (família Solanaceae): detalhe das Aores. (fn­tos: Souza, LF - A e B; Guilherme, FAG - C).

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F1GuRA 2. A. Thismia panamensis (família Thismiaceae): visão geral da planta em seu ambiente natural; B. Butia purpurascens (família Arecaceae) em área de pastagem. Ambas as fotos foram tiradas no município de Jataí (fotos: Guilherme, FAG.)

Especificamente no Sudoeste Goiano, a maioria das coletas botânicas (mais de 90%) foi feita em áreas de vegetação nativa, especialmente em for-

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mações savânicas, seguido de formações florestais e depois formações cam­pestres (Tabela 2). Embora com um elevado índice de desmatamento, entre outros tipos de perturbação antrópica nos últimos anos, os maiores e mais expressivos remanescentes de vegetação nativa na região ainda são de cerra­do típico, que predominavam na região em tempos pretéritos, especialmente sobre Latossolos. Isso ajuda a explicar o maior quantitativo de coletas botâni­cas em formações savânicas. Com menor frequência, também encontramos cerrado rupestre, em áreas pontuais de altitudes maiores (em torno de 1000, acima do nível do mar) e com pouca aptidão agrícola, sobre Neossolos. Estes, localizam-se especialmente nas cuestas da Serra do Caiapó, com várias nas­centes, inclusive do Rio Claro.

TABELA 2. Quantitativo de registros no Herbário Jataiense (HJ) da Regional Jataí, distri­buídos por tipo de vegetação, no Sudoeste Goiano.

Tipo vegetacional Registros no HJ %

Formações campestres 676 10,4

Formações savânicas 3305 51,0

Formações florestais 1984 30,6

Área ai terada 516 8,0

Total 6481 100,0

As formações campestres, incluem campos limpos e úmidos, tanto em áreas de interflúvio, portanto, áreas bem drenadas, como campos úmidos, sobre solos hidromórficos, com notório afloramento do lençol freático. En­tretanto, essas áreas foram reduzidas e/ ou bastante alteradas na região, nos úl­timos anos. Restaram ainda remanescentes expressivos dentro de UCs, como é o caso do Parque Nacional das Emas, e Áreas de Preservação Permanente (APPs), ao longo de cursos d'água, especialmente no alto curso do rio Cor­rente, em áreas conhecidas regionalmente como varjões.

Savanas florestadas, conhecidas como cerradões; florestas ciliares, as quais acompanham leitos de rios e riachos; florestas de galeria, em geral lo­calizadas em fundos de vales, sob condições variadas de drenagem do solo, e florestas secas (estacionais deciduais e semideciduais), as quais ocorrem em áreas de interflúvio, ou ainda nos chapadões, como denominado regionalmen­te, compõem as formações florestais tipicamente encontradas no biorna Cer-

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rado. Todas elas ocorrem no Sudoeste Goiano e várias expedições botânicas e pesquisas científicas têm sido realizadas, explicando o bom número de espéci­mes vegetais, típicos de florestas, tombados no HJ (Tabela 2). O predomínio dessas coletas são plantas lenhosas, incluindo várias espécies arbóreas.

Mais recentemente, os estudos em florestas na região se intensifica­ram, por conta de um sítio de pesquisa dentro do contexto PELD / CNPq / FAPEG, o qual está cadastrado no site internacional de sítios de Pesqui­sas Ecológicas de Longa Duração (https:/ / data.lter-europe.net/ deims/ site/LTER _ BR _JTI). Tais estudos envolvem levantamentos florísticos, de estrutura e dinâmica de vegetação, buscando compreender os processos de funcionamento e manutenção da diversidade de espécies vegetais nos ecos­sistemas florestais do Sudoeste Goiano, inclusive com o propósito futuro de estabelecer novas áreas para conservação e manejo desses ecossistemas. Esse sítio encontra-se nos municípios de Aporé e Itajá, e a vegetação florestal remanescente, embora na área core do Cerrado brasileiro, está inserida nos Domínios da Floresta Atlântica pelo sistema de classificação fitogeográfico do IB GE ( 1992)

1 visto que são remanescentes florestais localizados na bacia

do Paraná. Espera-se com este projeto, um aumento expressivo no número de registros no HJ.

Com relação às formas ou hábitos de vida coletados e tombados no HJ, há um predomínio de coletas de plantas arbustivas, seguido de plantas herbáceas e arbóreas (Tabela 3 ). Lembrando que, para essa análise, o hábi­to herbáceo incluiu ervas terrestres, aquáticas, prostradas e rasteiras, e uma micoheterotrófica. Já o hábito arbóreo incluiu tanto árvores, como plantas arborescentes (como palmeiras e samambaiaçus) e arvoretas. O hábito trepa­dor, também conhecidas como lianas ou cipós, incluiu plantas que nascem no solo e usam outras plantas como suporte para subir. Plantas parasitas envolve­ram tanto halo-parasitas como hemi-parasitas, assim como para o hábito epi­fítico, que englobou tanto plantas holo-epítitas como hemi-epítitas. Embora com poucas coletas, o maior número de plantas epífitas no HJ ocorreu nas formações florestais, que fornecem condições adequadas para seu estabele­cimento e sobrevivência. Ou seja, são plantas tipicamente herbáceas e usam outras plantas, em geral árvores, para sustenta-las.

Plantas arbustivas foram bem frequentes nas formações savânicas e flores­tais, além de áreas antropizadas.Já as plantas de hábito arbóreo predominaram

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nas formações florestais, como esperado. Nas formações campestres, houve o predomínio de plantas herbáceas. Trata-se de um estrato muito rico em espé­cies e constantemente menos estudado do que o estrato arbustivo-arbóreo. Portanto, merece especial atenção, não só sob o aspecto de manutenção da biodiversidade e funcionamento do ecossistema, mas também quanto a aspec­tos relacionados à conservação do solo e manutenção dos mananciais hídricos, especificamente formações campestres localizadas em solos hidromorfizados.

TABELA 3. Número de exsicatas registradas no Herbário Jataiense (HJ), da Regional Ja­taí, distribuídos por tipo de vegetação. Valores entre parênteses referem-se à porcen­tagem de cada hábito de vida por formação vegetacional avaliada.

Hábito Áreas Formações Formações Formações

Total alteradas campestres savânicas florestais

Arbóreo 123 (25,0) 14 (2,1) 497 (15,5) 662 (33,9) 1296

arbustivo 131 (26,6) 88 (13,1) 970 (30,3) 539 (27,6) 1728

sub-arbustivo 36 (7,3) 203 (30,2) 732 (22,9) 160 (8,2) 1131

trepador 42 (8,5) 15 (2,2) 225 (7,0) 294 (15,1) 576

herbáceo 157 (31,9) 351 (52,2) 760 (23,8) 274 (14,0) 1542

epifítico 1 (0,2) 1 (0,1) 12 (0,4) 21 (1,1) 35

Parasita 2 (0,4) O (O,O) 1 (O,O) 2 (0,1) 5

Total 492 672 3197 1952 6313 *

* algumas coletas não têm o hábito de vida anotado no livro de registro (tombo) do HJ.

Considerações finais

A elevada heterogeneidade fitofisionomica, aliada à riqueza vegetal exis­tente do Sudoeste Goiano permite conceituar a região como prioritária para esforços de conservação de remanescentes de vegetação nativa, e da biodi­versidade vegetal do estado de Goiás. A região ganha ainda mais importância do ponto de vista fitogeográfico, pois a Serra do Caiapó divide duas grandes bacias hidrográficas: a bacia do Paraná e a bacia do Araguaia-Tocantins. Por isso, a região abarca também não só elementos dos Domínios do Cerrado e Atlântico, como também dos Domínios Amazônicos.

A rica base de dados botânicos presentes em herbários serve como im­portante fonte de informação para caracterizar a flora de uma dada região, pre­dizendo uma adequada distribuição de espécies e fornecendo estratégias para

LOllA DO CERllADO 47

Page 13: FLORA DO CERRADO: FERRAMENTAS · Brasil estão registradas 12.400 espécies de plantas com flores e 750 de plantas sem flores, totalizando atualmente 13.150 espécies vegetais (Flora

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o planejamento e tomada de decisões relacionadas à conservação (Loiselle etal. 2008). Nesse sentido

1 o HJ

1 há quase 20 anos

1 tem registrado valiosas infor­

mações não só da flora regional1 mas de todo o estado de Goiás1

bem como dediferentes localidades do território nacional. Portanto

1 o HJ pode

1 efetivamen­

te1 contribuir para o planejamento de estratégias conservacionistas. Além dis­

so1 tem se tornado um centro de referência para botânicos e outros estudiosos1

consolidando-se como um importante acervo didático-científico1 na formação

de recursos humanos na região Centro-Oeste.

Mesmo com esses esforços1 muito ainda há que ser feito a respeito do co­

nhecimento florístico satisfatório na região1

e que leva à conservação da flora nativa e seus ambientes naturais. Como apresentado na Tabela 1

1 cerca de 50%

dos munícipios do Sudoeste Goiano ainda foram pouco coletados (menos de 10 registros no HJ) ou simplesmente não há coletas botânicas para fins científicos. A pergunta inicial nos impele a uma reflexão: se para proteger a biodiversidade mundial são necessários 80 bilhões de dólares

1 quanto os munícipios e o estado

de Goiás estão disponibilizando para proteger a biodiversidade desta região?

A formação de recursos humanos na região1

tais como biólogos1

ecólo­gos

1 geógrafos1

engenheiros agrônomos1 ambientais e florestais

1 interessados

em conservação1 ainda é incipiente frente à rapidez com que os ecossistemas

são transformados para dar espaço ao agronegócio1

urbanização e empreen­dimentos hidrelétricos e sucroalcooleiros. Portanto

1 ações de conservação da

diversidade vegetal esbarram na escassez de conhecimento básico1

como as­pectos sobre a distribuição de espécies

1 fenologia

1 taxonomia e ecologia dos

grupos biológicos. Neste sentido1 pesquisas básicas como inventários

1 devem

ser apoiadas pelas agências de fomento1 no sentido de contribuir para o cum­

primento das metas de conservação da Biodiversidade1 estipulada pela Con­

venção da Diversidade Biológica.

Agradecimentos

Os autores agradecem o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien­tífico e Tecnológico - C Pq e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás - FAPEG pelo auxílio financeiro no projeto PELD-Jataí. Agrade­cemos ao Dr. Marcelo Henrique O. Pinheiro pela leitura crítica e valiosas sugestões. O primeiro autor agradece o CNPq pela concessão da bolsa em Produtividade em Pesquisa.

48 RECONFIGURAÇÃO DO (ERRADO: USO, CONFLITOS E IMPACTOS AMBIENTAIS