filosofia política moderna

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BRASÍLIA-DF. FILOSOFIA POLÍTICA MODERNA

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Filosofia

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  • Braslia-DF.

    FilosoFia Poltica Moderna

  • Elaborao

    Aline Sabbi EssenburgRogrio de Moraes Silva

    Produo

    Equipe Tcnica de Avaliao, Reviso Lingustica e Editorao

  • Sumrio

    APrESEntAo .................................................................................................................................. 4

    orgAnizAo do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA ..................................................................... 5

    introduo ..................................................................................................................................... 7

    unidAdE niCA

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA ............................................................................................................ 9

    CAPtulo 1

    PERSONALIDADES ................................................................................................................... 9

    CAPtulo 2

    HISTRIA SOCIAL .................................................................................................................. 38

    PArA (no) finAlizAr ...................................................................................................................... 45

    rEfErnCiAS .................................................................................................................................... 46

  • 4Apresentao

    Caro aluno

    A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa rene elementos que se entendem necessrios para o desenvolvimento do estudo com segurana e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinmica e pertinncia de seu contedo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas metodologia da Educao a Distncia EaD.

    Pretende-se, com este material, lev-lo reflexo e compreenso da pluralidade dos conhecimentos

    a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos especficos da rea e atuar de forma

    competente e conscienciosa, como convm ao profissional que busca a formao continuada para

    vencer os desafios que a evoluo cientfico-tecnolgica impe ao mundo contemporneo.

    Elaborou-se a presente publicao com a inteno de torn-la subsdio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetria a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a

    como instrumento para seu sucesso na carreira.

    Conselho Editorial

  • 5organizao do Caderno de Estudos e Pesquisa

    Para facilitar seu estudo, os contedos so organizados em unidades, subdivididas em captulos, de forma didtica, objetiva e coerente. Eles sero abordados por meio de textos bsicos, com questes

    para reflexo, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradvel. Ao

    final, sero indicadas, tambm, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

    A seguir, uma breve descrio dos cones utilizados na organizao dos Cadernos de Estudos e Pesquisa.

    Provocao

    Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes

    mesmo de iniciar sua leitura ou aps algum trecho pertinente para o autor

    conteudista.

    Para refletir

    Questes inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faa uma pausa e reflita

    sobre o contedo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocnio. importante

    que ele verifique seus conhecimentos, suas experincias e seus sentimentos. As

    reflexes so o ponto de partida para a construo de suas concluses.

    Sugesto de estudo complementar

    Sugestes de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,

    discusses em fruns ou encontros presenciais quando for o caso.

    Praticando

    Sugesto de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didtico de fortalecer

    o processo de aprendizagem do aluno.

    Ateno

    Chamadas para alertar detalhes/tpicos importantes que contribuam para a

    sntese/concluso do assunto abordado.

  • 6Saiba mais

    Informaes complementares para elucidar a construo das snteses/concluses

    sobre o assunto abordado.

    Sintetizando

    Trecho que busca resumir informaes relevantes do contedo, facilitando o

    entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

    Exerccio de fixao

    Atividades que buscam reforar a assimilao e fixao dos perodos que o autor/

    conteudista achar mais relevante em relao a aprendizagem de seu mdulo (no

    h registro de meno).

    Avaliao Final

    Questionrio com 10 questes objetivas, baseadas nos objetivos do curso,

    que visam verificar a aprendizagem do curso (h registro de meno). a nica

    atividade do curso que vale nota, ou seja, a atividade que o aluno far para saber

    se pode ou no receber a certificao.

    Para no finalizar

    Texto integrador, ao final do mdulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem

    ou estimula ponderaes complementares sobre o mdulo estudado.

  • 7introduo

    Preocupaes de cunho filosfico permearam o Estado durante muitos sculos, desde que o

    governo se estabeleceu como tal, fazendo com que inmeros filsofos se debruassem em um

    pensamento poltico.

    Portanto, ao tratarmos de temas relacionados Filosofia Poltica Moderna, vamos apresentar as

    personalidades e seus aspectos importantes do pensamento filosfico, permeando a maneira como

    o homem relaciona-se com o mundo em que est inserido.

    Em seguida, abordaremos a histria social poltica, os rituais, a fico e a literatura na filosofia

    poltica moderna.

    Este Caderno de Estudos e Pesquisa, portanto, tem o objetivo de proporcionar informaes acerca

    da Filosofia Poltica Moderna, com o compromisso de orientar os profissionais da rea de Filosofia,

    para que possam desempenhar suas atividades com eficincia e eficcia.

    objetivos

    Conhecer aspectos relevantes das personalidades da Filosofia Poltica Moderna; e

    Identificar a histria social poltica, os rituais, a fico e a literatura na Filosofia Poltica Moderna.

  • 9unidAdE niCAfiloSofiA PoltiCA

    ModErnA

    CAPtulo 1Personalidades

    A filosofia poltica moderna, quando abarca questes referentes ao Estado e sociedade, se divide

    na vertente jusnaturalista da qual so tributrios Hobbes, Locke, Rousseau e na marxista.

    A concepo poltica tradicional, com Aristteles, constri, de maneira histrica, o Estado, ou

    seja, parte da famlia para a Plis, at chegar ao Estado; os jusnaturalistas partem da construo

    racional em busca do sentido do Governo em contratos sociais que visam o bem comum. Enveredamos, a fim de compreendermos melhor as ideias modernas acerca da poltica, tambm

    pelo pensamento de Plato, de Maquiavel, dos Mdicis, de Montesquieu e de Rousseau. O Estado capitalista marxista dialoga com Chaplin, e Tocqueville, com Edward Hopper e Stuart Mill.

    Cabe aqui chegarmos aos estudos antropolgicos e histricos da filosofia poltica, alm da literatura

    como criao de outros sujeitos e, assim como na realidade, de inmeras personalidades, a fim de

    sobreviver ao modernismo que assola a sociedade.

    Aristteles

    Vemos, primeiramente, em Aristteles (384-322 a.C.), em sua obra Poltica, escritos sobre a moral,

    incluindo a formao dos indivduos e os meios para que isso ocorra. O filsofo fala que o Estado ,

    de fato, moral; desse modo, visaria o sujeito, enquanto que a poltica focaria na coletividade. Como

    o bem comum tido como superior ao particular, o Estado, ento, seria superior ao indivduo.

    Para o filsofo, de extrema importncia que o Estado se atente educao, no momento em que

    esta desenvolve todas as faculdades humanas, sobretudo as espirituais, intelectuais e fsicas. E a

    formao dos sujeitos se d por meio das artes liberais a poesia e a msica so as mais virtuosas

    e mediante treinamento profissional.

    Assim como Plato, Aristteles desaprova o governo que no visa a educao moral e cvica pacfica,

    preocupando-se apenas com as vitrias e as guerras, de modo a colocar a conquista sobre a virtude.

    Foi o que aconteceu em Esparta, segundo o filsofo, que focou na guerra como tarefa primeira do

    Estado, sem entender que ela, assim como o trabalho, meio, e no fim, para se chegar paz.

    No sculo V a.C, Esparta derrotou Atenas, tomando o controle do Peloponeso at 371 a.C, quando

    Atenas se tornou a capital poltica e Esparta, a capital militar. Em meio s vinhas e oliveiras, no

    conseguiu ser uma potncia urbana, concentrando-se na formao de cidados-soldados, corajosos

    e com muita disciplina, buscando sempre a severidade e a virtuosidade.

  • 10

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    Os espartanos eram mandados ao exrcito quando tinham apenas sete anos de idade, a fim de

    aprender as artes da guerra e do desporto. Quando chegavam idade dos 12, eram deixados sozinhos,

    nus e sem comida beira de penhascos e s retornavam cidade com 18 anos. At que completassem

    30 anos, eram tidos como cidados de segundo escalo, no podendo exercer direitos polticos,

    como o voto, alm de estarem sujeitos a agresses por parte dos mais velhos. Em compensao,

    poderiam atacar os hilotas para se preparar para a guerra, inclusive, havia a temporada de caa

    aos hilotas. Estes ltimos, se matassem um espartano, tinham dois dias de folga como prmio por

    aniquilar quem no era bom o suficiente para integrar o exrcito. Passados os 30 anos, os homens

    tornavam-se oficiais, com todos os direitos de um cidado, incluindo, ento, o voto, o casamento e

    ter relaes com mulheres. Mas s poderiam viver com suas famlias depois dos 60 anos.

    Figura 1. Leonidas at Thermopylae (1814), de Jacques-Louis David, em que retrata o maior espartano

    Figura 2. Runas da Esparta antiga

  • 11

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    Aristteles protege o direito privado, a famlia e a propriedade particular, diferente de Plato.

    Importante observar que ele toma o Estado como uma sntese de sujeitos, que so substancialmente

    distintos, por isso o Governo no pode ser uma unidade substancial, nem mesmo a famlia.

    O filsofo discorre sobre a monarquia constituda pelo carter e valor de uma unidade, o governante,

    cuja tirania seria a sua degenerao , a aristocracia constituda por poucos cidados, em que o

    carter e o valor permeiam a qualidade e sua degenerao se d na oligarquia e a democracia uma vez que muitos governam e o carter e o valor esto na liberdade, correndo o risco de ocorrer uma demagogia.

    Aristteles tambm se colocava contrrio a Plato quando este se pautava na razo para explicar

    a vida social e poltica. Segundo aquele, essas ideias no estavam de acordo com a realidade objetiva; por isso, deve-se utilizar a induo ao invs da razo. por meio da induo que podemos

    encontrar os conceitos universais, com a anlise de casos particulares, e no pela resoluo de contradies de pensamento.

    Athenas, bem como outras cidades gregas, possua uma repblica democrtica-intelectual, da qual

    Aristteles era partidrio, visando o bem comum e no um governo desptico em busca somente de

    situaes vantajosas.

    Figura 3. Athenas

    Para Aristteles, cada movimento tem uma finalidade. O comportamento humano, por exemplo,

    movido pela busca de viver bem, de ser feliz, e isso um princpio universal, uma verdade absoluta, e nela que sua filosofia poltica pautada.

    Dessa maneira, as cidades-estados existem para promover a felicidade dos sujeitos, pois eles so, por

    natureza, sociais e polticos; tendem a viver em comunidade em busca de uma vida melhor, mesmo

    no necessitando da assistncia mtua. E a vida possui um encanto e doura inerentes sua prpria

  • 12

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    natureza (ARISTTELES, 1985, p. 89). Os homens permanecem juntos enquanto o interesse

    comum contribui para a virtude de cada um, afinal, o Estado deve promover uma vida virtuosa, no

    simplesmente prover a vida, mas prover uma vida digna; capacitar todos, famlias e aparentados, a

    viver bem, ou seja, a ter uma vida plena e satisfatria (ARISTTELES, 1999, p.223-228).

    no Estado, na comunidade, que podem ser saneadas as necessidades do homem, pois ele um ser

    social e poltico. O homem, de natureza social e poltica, faz surgir o Estado, que satisfaz, se assim

    se pode falar, necessidades do cidado. Mas o seu objetivo final espiritual, ou seja, o Estado deve

    promover a virtude, que leva felicidade. O Estado formado por famlias e estas, de indivduos a mulher, os filhos, os escravos, os bens, alm do dirigente do grupo , conforme fala Aristteles.

    O Estado formado pelos homens livres, que seriam os cidados, e por aqueles que no possuem

    direitos polticos, que seriam os escravos e os trabalhadores. Se a felicidade consiste em agir

    conforme as qualidades morais e no exerccio perfeito destas (ARISTTELES, 1985, p. 237), ela

    no dada a estes ltimos por no possurem essas caractersticas. As mulheres e escravos so

    naturalmente ignorantes e no podem, portanto, fazer cincia e filosofar.

    O homem deve nortear as mulheres e os filhos, uma vez que so imperfeitos; a famlia tem fins

    educativos e econmicos, por isso deve ter condies de multiplicar seus bens, alm de ter uma

    propriedade necessidade material de todo ser humano e, para mant-la, so necessrios

    escravos. Estes so tidos como, naturalmente, seres humanos, porm, lhes faltam tempo e liberdade

    para a cultura da alma.

    Na cidade melhor constituda e naquela dotada de homens absolutamente

    justos [...], os cidados no devem viver uma vida de trabalho trivial ou de

    negcios, pois esses tipos de vida so ignbeis e incompatveis com as qualidades

    morais, e tampouco devem ser agricultores os aspirantes cidadania, pois o

    lazer indispensvel ao desenvolvimento das qualidades morais e prtica das

    atividades polticas (idem, p. 237).

    Plato

    Plato (428-347 a.C.), antecessor de Aristteles, via na razo humana, juntamente com a dialtica,

    a resoluo para todas as contradies, de modo a encontrar as coisas em si, que estariam no

    mundo das ideias. Desse modo, a ideia do Bem, da harmonia, amparada pela justia, o que

    leva a dizer que o poder poltico se justifica pela inteno de promover a justia e o bem comum.

    Mas apenas os sbios so capazes de governar, uma vez que os demais homens so ignorantes, no

    devendo, portanto, participar da vida poltica.

    Somente os filsofos poderiam estar frente do governo, pois, uma vez dotados de excelente

    racionalidade e do conhecimento da dialtica, saberiam da verdadeira justia para o bem de toda

    a sociedade, e assim, pode(m) ou no lanar mo da persuaso, ater-se s leis ou livrar-se delas,

    desde que governe utilmente (PLATO, 1979, p. 245).

    O saber indubitvel fundamenta o poder poltico dos filsofos, dos guardies e juzes, excluindo os

    demais homens da poltica. Estes, tinham a alma imersa no mundo sensvel inferior ao mundo das

    ideias e, por isso, agiam de acordo com suas paixes e no com sua racionalidade.

  • 13

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    Segundo o filsofo, o Estado surge a partir das necessidades humanas e, como so muitas, preciso

    muitas pessoas para supri-las: cada um vai recorrendo ajuda deste para tal fim e daquele para

    tal outro. Quando esses associados e auxiliares se renem todos numa s habitao, o conjunto dos

    habitantes recebe o nome de cidade ou Estado (PLATO, s/d, p.47).

    O Estado visa o bem comum, promovendo a justia e a harmonia na sociedade, e isso possvel se

    o governante convencer a todos a fazer o que a natureza o dotou, o que foi determinado a cada

    sujeito fazer, e, caso no houvesse a obedincia, poderia se utilizar da fora fsica para tal.

    Maquiavel e os Mdicis

    Muitos sculos depois, chegamos s ideias de um pensador do Renascimento, Maquiavel (1469-

    1527), que conviveu com uma sociedade em meio instabilidade poltica, s guerras, presena

    da igreja nas disputas hegemnicas. Participou, tambm, da florescncia da cultura e da poltica

    de Florena, sob os comandos de Loureno de Mdici, o Magnfico, e viu, inclusive, a sua queda,

    quando do governo de Piero de Mdici (sucessor de Loureno). Este foi expulso pelo criador da

    Repblica Florentina, o monge dominicano Savonarola, tambm afastado do poder e queimado.

    A instabilidade do poderio religioso, que se alternava entre papas e as alianas, e discrdias com

    diversas famlias refletiu na poltica do estado florentino. A nova repblica, da qual o prprio

    Maquiavel foi secretrio, foi destituda pelos espanhis, em 1512, colocando os Mdicis novamente

    no poder. Fato curioso foi a visita, em 1502, a Csar Brgia, na Romagna, que resultou na Descrio

    da maneira empregada pelo Duque Valentino (Csar Brgia) para matar Vitellozzo Vitelli, Oliverotto

    da Fermo, Signor Pagolo e o Duque de Gravina, Orsini. Aqui o filsofo descreve os assassinatos

    polticos requeridos pelo filho do Papa Alexandre VI Brgia.

    Os banqueiros Mdicis colocaram Florena a seu servio pessoal, e, com suas riquezas, contriburam para a criao de grandes obras renascentistas, promovendo a arte, a literatura e a cincia. Atuaram na cidade: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Dante Alighiei, Brunelleschi e Maquiavel.

    Figura 4. Palcio dos Mdicis, em Florena

    O principado dos Mdicis teve incio quando, em 1434, Cosmo Mdici fez uma entrada triunfal

    em Florena, mostrando que estava de volta cidade aps seu exlio em Veneza, em detrimento

    da acusao de tentar um governo tirano. Maquiavel bem sabia que aqui comeava o fim de um

  • 14

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    governo republicano. E foi o que se deu: os Mdicis bajulavam financeiramente a classe mdica e se

    aliavam aos poderosos, construindo, assim, uma verdadeira dinastia, que durou cerca de 300 anos,

    comandando a poltica, as artes e a religio.

    Figura 5. Esttua de Cosimo Mdici, na Piazza della Signoria, em Florena

    Em O Prncipe, vemos a simpatia de Maquiavel por monarcas fortes e determinados, que defendem

    seu povo acima de tudo; assim, a Itlia, no caso, seria poderosa e unificada, com um legtimo rei. E

    isso, denotamos diante dos elogios distendidos a Csar Brgia. Este confiou o poder da Romanha1 cidade recm-conquistada e ainda sob maus frutos do antigo governo a Dom Ramiro dOrco, que demonstrou ser um verdadeiro tirano. Brgia, para retomar sua popularidade, mandou matar o

    ministro em praa pblica, causando um gigantesco choque, mas tambm admirao populao.

    Um prncipe, portanto, deve primar pela integridade e bem-estar de seu povo, e no deve hesitar

    mesmo em situaes em que a crueldade permeia.

    Figura 6. Retrato de um Cavalheiro (Cesare Borgia), de Altobello Melone

    1 Ravenna, Forl-Cesena, Rimini e parte de Bolonha (em meio a Imola), formam a Romanha, regio da Itlia setentrional, hoje, Emlia-Romanha.

  • 15

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    Maquiavel se mostrou contrrio a vrias ideias e pensamentos reinantes antes do Renascimento2, incluindo o de Aristteles de que um governante deveria ser prudente. A prudncia aristotlica,

    portanto, daria lugar, para este filsofo, coerncia.

    Maquiavel falava sobre a poltica em termos muito especficos, utilizando a moral como parmetro

    das atitudes do homem. um dos primeiros pensadores a colocar a poltica e o social em discusso;

    para tanto, se utiliza do mtodo de Aristteles, lendo tudo aquilo que havia sobre o assunto e os

    descrevendo a seu prprio Tempo.

    A moral e a religio no integravam o que tinha de fundamental na poltica maquiavlica, e o poder

    deveria ser mantido a todo custo, ou seja, a essncia da poltica era a conquista e a manuteno

    do poder. Aqui se desenha a virt de um prncipe, o saber como agir em cada momento, em cada circunstncia, devendo ser astuto antes mesmo de tico. Diz ele: se ensinei aos Prncipes de que modo

    se estabelece a tirania, ao mesmo tempo mostrei ao povo os meios para dela se defender.(EIDE, 1986, p. 49)

    A virt maquiavlica relaciona-se com virilidade, ou seja, com o poder de se impor diante das dificuldades, e isso possvel pelo carter, pela fora e pelo clculo a partir dela pode-se conquistar

    a fortuna. Falava da necessidade de haver um exrcito bem treinado e doutrinado segundo as

    aspiraes do Estado. aqui que a religio torna-se necessria, como doutrinao e no libertao.

    Maquiavel acredita na repetio histrica, em que o contexto e os personagens mudam, mas no o

    roteiro. Os homens comportam-se de maneira igual, segundo ele, pois possuem os mesmos instintos

    e fraquezas. Assim, no h que idealizar o Estado, pois h somente o possvel diante das qualidades

    dos sujeitos.

    Maquiavel autor de uma das mais lidas comdias italianas, A Mandrgora (1515), e A Arte

    da Guerra (1519-1520), contextualizadas nas reunies nos Jardins de Rucellai, ambas publicadas

    em vida. Tambm escreveu Discorsi sopra la prime deca di Tito Livio (1517), Istorie Fiorentine

    (1520-1525), as comdias Clizia (1524) e Andria, o conto Belfagor e O Prncipe (1513).

    o absolutismo de Hobbes

    Diante das disparidades entre rei e Parlamento no sculo XVII, pensadores se colocaram na defesa de um ou de outro, como Hobbes, que defendia o absolutismo, e Locke, o liberalismo.

    Realista convicto, Hobbes (1588-1679) escreveu Leviat3 (1651), em que se posicionou favorvel

    monarquia, diante de seu descontentamento com os acontecimentos durante a Repblica de Cromwell, como a disputa entre o rei e o parlamento, a Guerra Civil Inglesa (1642-1649) e a execuo

    de Carlos I.4

    2 Maquiavel, assim como outros renascentistas, procurava uma nova maneira de pensar, de governar, de agir, uma maneira que ia de encontro ao medieval, incluindo a nfase na separao entre a Igreja e o Estado.

    3 Leviat quer dizer: monstro que governou o caos primitivo, fazendo referncia ao Estado, que, segundo Hobbes, seria um poderoso monstro.

    4 Acontecia tambm a laicizao, a partir do rompimento da igreja inglesa com a cidade de Roma. Assim, a ideia de um soberano que teria sido escolhido por Deus deixa de existir. Oliver Cromwell fica frente da Revoluo Puritana e executa o Rei Carlos I, em 1649.

  • 16

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    Hobbes defendia o poder absoluto, ameaado por ideias liberais que, de fato, se concretizaram anos

    depois. Na poca de Hobbes, o absolutismo real atingira o seu apogeu, mas se encontrava em vias

    de ser ultrapassado, ao enfrentar inmeros movimentos de oposio baseados em ideias liberais.

    (ARANHA, 2003, p. 238)

    Seu pensamento constitui-se em uma metafsica materialista, em que a humanidade seria movida

    por sentimentos irracionais inatos, incluindo aqui o medo da morte violenta. Caso no existisse mais

    governo, a vida seria solitria, pobre, vil, bruta e breve, em uma guerra constante da populao

    pela busca de meios de subsistncia.

    O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam de jus naturale,

    a liberdade que cada homem possui de usar seu prprio poder, da maneira

    que quiser, para a preservao de sua prpria natureza, ou seja, de sua vida; e

    consequentemente de fazer tudo aquilo que seu prprio julgamento e a razo

    lhe indiquem como meios adequados a esse fim. (HOBBES, 1974)

    Hobbes, assim como Aristteles, se utiliza da induo e da deduo como mtodo de anlise para

    as questes polticas. Ele induz que os homens agem naturalmente em busca de satisfazer seus

    interesses, mesmo que tenham que lutar entre si. Assim, possuem a liberdade de lutar e sentem-

    se constantemente ameaados de morte por aquele que pretende alcanar o que lhe agrada. O

    homem seria o lobo do prprio homem porque, em estado de natureza, eles viviam sem leis, na

    insegurana, podendo, a qualquer momento, ser atacado pelo seu semelhante, que estaria em busca

    de suas necessidades. E isso seria o extremo de um individualismo operante.

    Somente aprimorando a razo ele pode colocar limites s suas aes movidas pela sensibilidade,

    de modo a se comportar racionalmente na sociedade, mantendo a paz, a prosperidade e a segurana. No momento em que os sujeitos, pautados na racionalidade, deixam de agir segundo o

    princpio de guerra de todos contra todos (HOBBES, 1999, p. 109), ou seja, quando abandonam

    seu estado de natureza em prol da civilidade, nasce o Estado. Isso ocorre a partir de um pacto social, em que os sujeitos renunciam liberdade incondicional, dando a um soberano o poder

    para tomar decises polticas.

    Assim, o soberano pode fazer e revogar leis, julgar de acordo com seus princpios, nomear ministros

    e praticar, inclusive, ao que no seja lcita (HOBBES, 1992, p. 133-225). Ele pode fazer tudo o que for possvel para chegar paz, no tendo nenhuma obrigao de prestar contas a nenhum rgo

    ou indivduo, que deveria ser submisso ao governo, de maneira incondicional.

    Ao monarca dado todo o poder; a ele tudo lcito, inclusive governar despoticamente, pois o

    povo lhe deu o poder absoluto, e no Deus. Ele deve promulgar e abolir leis; o prprio legislativo,

    sendo perigosa a diviso do poder, a exemplo da disputa entre monarca e parlamento que culminou

    em uma guerra civil. Pode, tambm, conceder a propriedade individual, assegurando os bens dos sujeitos.

    O representante dos cidados seria um s sujeito quando na Monarquia, uma reunio de sujeitos

    quando na democracia e uma assembleia de alguns deles quando na aristocracia. A monarquia

  • 17

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    a defendida por Hobbes, na medida em que s nela h o verdadeiro afastamento do estado de

    Natureza, em que o interesse do soberano coloca-se igual ao dos demais cidados.

    Quando Hobbes fala de formas de governo, quer mostrar que so diferentes quanto sua eficincia,

    capacidade de garantir a paz e a segurana do povo, fim para o qual a soberania foi instituda.

    (HOBBES, 1999, p. 154). Para o filsofo, quanto menos pessoas governando, no caso da monarquia,

    mais eficiente o governo. Ela evita, de todo modo, que interesses particulares influenciem nas corretas

    decises do soberano. Em consequncia, a democracia seria mais ineficiente e inconveniente para se

    governar, uma vez que os sditos participam nas decises, podendo se inflamar com suas paixes,

    dificultando a busca da paz e da prosperidade.

    A fim de encontrar a melhor forma de governo, Hobbes sugestiona que os cidados no participem

    do legislativo, executivo e judicirio, alm de no emitir sediciosa opinio, segundo a qual, o

    julgamento do bem e do mal pertence aos particulares (HOBBES, 1992, p. 203), e nem interpretar

    as sagradas escrituras. De fato, os sujeitos, excludos da vida poltica, no devem sequer decidir

    se devem ou no seguir as ordens, pois a no obedincia prejudica o fim para o qual foi criada a

    soberania (HOBBES, 1999, p. 176).

    O absolutismo favoreceu o desenvolvimento da sociedade, mas no conseguiu mais abarcar as necessidades que surgiam em detrimento do prprio desenvolvimento. Os burgueses tinham papel

    fundamental nisso, uma vez que estavam por trs do capitalismo comercial que ora surgia.

    De fato, podemos falar que o homem um animal poltico. Em Hobbes, essa ideia se desenha

    quando fala do homem como o lobo do prprio homem e em Locke, quando afirma que ele se

    representa por meio de outros homens. importante que o sujeito, fazendo parte de um grupo

    social, seja politizado, e se posicione frente aos problemas que interferem no seu cotidiano e no de

    seus semelhantes.

    o liberalismo de locke

    Em seu Tratado sobre o Governo Civil, publicado dois anos depois da queda de Jaime II, em

    decorrncia da Revoluo Gloriosa (1688), Locke discorre sobre a poltica em um constitucionalismo

    liberal, contrrio ao absolutismo naturalista hobbiniano. Fala sobre os princpios da liberdade

    individual, da propriedade e da divisibilidade dos poderes do Estado.

    Locke, assim como Hobbes, tambm fala de um estado de Natureza seguido de um contrato, fazendo

    surgir o Estado. A partir da, o filsofo se distancia do outro ao dizer que, mesmo em estado natural,

    o homem possui a razo, na medida em que cada sujeito luta por sua liberdade e colhe os frutos de

    seu prprio trabalho, apesar da inexistncia de leis e da garantia de seu cumprimento; afinal, no

    havia nenhuma instituio que averiguasse essas aes. Esse estado no era no sentido brutal e de

    antissociabilidade, como nas ideias de Hobbes; h agora um sentido moral, em que cada sujeito

    tinha o dever de agir perante o outro da mesma maneira que este age, ou seja, embasado no respeito.

    No estado de natureza no existe a certeza de defesa nem de punio, enquanto que, no estado

    civilizado, essa certido se torna regular em detrimento da autoridade. A fim de obter a garantia

  • 18

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    de seus direitos naturais direito vida, liberdade e aos bens , os sujeitos renunciam ao direito

    de defesa e de justia, dando ao Estado essa determinao. E, sendo violados os direitos inatos, era

    cabvel ao cidado a revolta e a resistncia perante o governo.

    Os cidados concedem ao Estado alguns de seus direitos, colocando em suas mos a tarefa de julgar, punir e defender. Caso a autoridade pblica no cumpra com suas tarefas, ou se houver

    abuso de poder, a populao pode romper com o contrato. O povo, ento, poderia substituir um soberano por outro.

    Locke defende, ento, um sistema monrquico-parlamentarista, como ocorre na atual Inglaterra,

    em que cada poder est em mos separadas e com suas determinadas funes. No era aconselhvel

    por ele que o poder estatal estivesse nas mos de um s indivduo, pois este estaria sujeito ao erro

    ou poderia agir de maneira precipitada, o que afetaria toda a populao.

    Os homens passam, ento, do estado de natureza para o estado social por meio do consentimento,

    e no por conquista ou imposio, pois, se todos so livres e iguais ningum pode ser submetido ao poder de outro sem estar de acordo.

    Sendo todos os homens igualmente livres, iguais e independentes, nenhum

    pode ser tirado desse estado e submetido ao poder poltico de outrem sem o

    seu prprio consentimento, pelo qual pode convir, com outros homens, em

    se agregar e se unir em sociedade, tendo em vista a conservao, a segurana

    mtua, a tranquilidade da vida, o gozo sereno do que lhes cabe na propriedade,

    e melhor proteo contra os insultos daqueles que desejariam prejudic-los e

    fazer-lhes mal. (LOCKE, 1989, p. 97)

    As leis civis, portanto, so derivadas da lei natural, racional e moral, havendo liberdade e igualdade

    entre os homens que tinham o direito vida e propriedade; e a renncia desses direitos implicaria

    na tambm renncia da dignidade, da sua natureza como ser humano.

    O autor defende a liberdade individual, bem como seus princpios, a propriedade privada e a diviso do Estado no que diz respeito ao seu poder; por isso, coloca que o poder legislativo e o executivo no

    devem estar nas mos dos mesmos sujeitos, a fim evitar abusos. Coloca, ainda, que a propriedade

    privada fruto do trabalho dos cidados, sendo dever do Estado proteg-la, e que este no deve

    interferir na religiosidade dos sujeitos.

    Locke passou para a Histria justamente como o terico da monarquia

    constitucional um sistema poltico baseado, ao mesmo tempo, na dupla

    distino entre as duas partes do poder, o parlamento e o rei, e entre as duas

    funes do Estado, a legislativa e a executiva, bem como na correspondncia

    quase perfeita entre essas duas distines o poder legislativo emana do

    povo representado no parlamento; o poder executivo delegado ao rei pelo

    parlamento. (BOBBIO, 1980, p. 105)

    Ambos autores, Hobbes e Locke, ditaram as bases de pensamentos dominantes na ps-modernidade,

    no momento em que questionaram a realidade, comprometendo-se, assim, com o social. Locke,

  • 19

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    inclusive, ao se colocar em uma vertente liberal, repensando o Estado absoluto, substituindo-o pela representao popular democrtica, tornou-se o terico da Revoluo Liberal na Inglaterra.

    O pensamento ocidental coloca que h uma diversidade infindvel de leis desde os sofistas ao sculo

    XVIII, o que s denuncia uma justia consideravelmente instvel, por isso se pode encontrar a

    unidade original no direito natural, que comum a todos. J Montesquieu falava que esse problema

    era inexistente, pois essas leis no eram produto somente da fantasia dos homens.

    Em O Esprito das Leis (1748), Montesquieu (1689-1755) coloca suas ideias a respeito da poltica,

    cujos problemas, segundo ele, estavam em si mesmos, no havendo ideias j estabelecidas sobre o

    esprito e a natureza.

    O filsofo, ento, mostrou que as prprias leis, as positivas5, implicam ou excluem outras; elas so

    autorrefenciveis, ou melhor, relacionam-se entre si, e isso acontece no pelas mos do homem ou por

    alguma instituio, mas por elas mesmas. Diz ele: As leis, no seu significado mais lato, so relaes

    necessrias que derivam da natureza das coisas. H uma razo primitiva, e as leis so as relaes que

    se encontram entre os vrios seres, e das relaes desses seres entre si. (MONTESQUIEAU, 1979)

    A ideia racionalista da existncia de leis universais comuns a todos tambm est presente aqui,

    porm, com um encadeamento entre elas. Isso implica que um governo necessite de determinada legislao, e outro, com diferente formatao, demande outra. No negamos que os costumes de um povo, sua moral, suas atividades comerciais, influenciam suas regras. E, de fato, os homens livres

    enquanto seres inteligentes violam constantemente as leis que Deus estabeleceu, modificando

    tambm as que eles prprios criaram (Idem).

    Montesquieu e os trs poderes

    Montesquieu se apoiou nas teorias de Aristteles e Locke para formular a tripartio dos poderes de

    maneira clara, objetiva e detalhada, alm de falar sobre um conjunto de leis de uma constituio. E

    hoje o que prevalece em vrios governos que pretendem nomear suas autoridades a cada segmento

    social, evitando o autoritarismo, a violncia e a arbitrariedade, to recorrentes nos governos absolutistas que se pautavam em ideias particulares e religiosas.

    Segue-se ao constitucionalismo a diviso do governo em trs poderes: Executivo, Legislativo e

    Judicirio. A Inglaterra possua sua constituio dividida, mas no de maneira clara, e em busca

    das especificaes que Montesquieu se debrua.

    O rei regeria o Executivo, podendo vetar o que fora decidido pelo parlamento, que constitua o

    Legislativo. Este atendia s convocaes do Executivo, e formava-se pelo corpo dos comuns

    pessoas da sociedade e pelo corpo dos nobres nobres, intelectuais e sujeitos influentes , que

    podiam vetar aqueles. Formulavam suas propostas e estatutos em assembleias distintas, chegando

    avaliao real. O Judicirio deveria ser dividido, pois os nobres seriam julgados por pessoas

    de igual classe, ou seja, por outros nobres. Esse fato e a existncia de diversos tribunais para as

    5 Montesquieu ocupa-se das leis positivas, no sobre as leis naturais.

  • 20

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    particularidades de cada caso demonstrava que Montesquieu poderia no pensar na igualdade dos sujeitos perante a lei.

    A tripartio contribuiria para o equilbrio e a autonomia de cada segmento de poder, podendo um interferir no outro quando preciso, ou seja, h a limitao e o equilbrio do poder promovido por

    ele mesmo, nas palavras de Montesquieu: [...] s o poder freia o poder. Todos regem a sociedade, em conjunto, havendo uma igualdade na sociedade e no governo.

    O filsofo no v liberdade na democracia e na aristocracia, a no ser que no ocorra um poder

    abusivo, e, de fato, para ele, quem possui o poder tende a ultrapass-lo. Por isso, necessrio que haja limitaes frente ao comando. A liberdade do sujeito ocorre porque h, de fato, leis que

    orientam a vida social; h liberdade somente onde h moderao.

    rousseau

    Rousseau (1712-1778), autor de Contrato Social, coloca tamanha e devida responsabilidade no

    homem pelos seus atos e as consequncias acarretadas. Se h desigualdade entre os sujeitos, de

    sua responsabilidade tal fato, e cabe a eles agir de maneira pedaggica e poltica para resolver seus

    males. Portanto, a causa e a soluo esto no mesmo objeto o homem quem dever solucionar.

    aqui que Rousseau coloca a primazia da poltica sobre a teodiceia.

    Rousseau se ope doutrina crist, mas tambm ao jusnaturalismo. Para ele, o estado de natureza

    um estado moral, e a sociedade um meio para que o sujeito exera a sua humanidade; ele se torna

    homem por meios educativos e polticos. Assim, espera-se que uma sociedade bem frutfera concilie

    a tica e a poltica.

    O filsofo discorre sobre o mau, colocando-o como resultado da desigualdade humana, ou seja,

    produto da ao dos sujeitos, e no originado de um pecado nem de sua natureza, como em

    Maquiavel e Hobbes. As qualidades surgem em meio s relaes entre os indivduos, por isso

    que a superao do mau, por exemplo, s pode acontecer com a poltica, que funda a moral e visa mudana social.

    A liberdade rousseauniana igualitria e no convive com injustias, portanto, no liberal. A

    liberdade no tem suas razes na discrdia, por isso que critica a mxima do modernismo no que

    concerne um progresso contnuo e inevitvel.

    Nossos escritores consideram tudo como se fosse uma obra-prima da poltica

    do nosso sculo as cincias, as artes, o luxo, o comrcio, as leis e os outros

    laos que, estreitando entre os homens os liames da sociedade pelo interesse

    pessoal, colocam todos numa dependncia mtua, do-lhes necessidades

    recprocas e interesses comuns, e obrigam cada qual concorrer para a felicidade

    dos outros a fim de poder alcanar a sua. Certamente essas ideias so belas

    e apresentadas com uma feio favorvel, mas, ao examin-las com ateno

    e sem parcialidade, nas vantagens que elas, a princpio, parecem apresentar,

    encontra-se muito a ser refutado.

  • 21

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    , pois, coisa maravilhosa, terem-se colocado os homens na impossibilidade de

    viverem entre si sem se suspeitarem, se suplantarem, se enganarem, se trarem

    e se destrurem mutuamente. Importante, daqui por diante, abster-nos de um

    dia deixar de nos vermos como somos, pois, para dois homens, cujos interesses

    concordam, talvez cem mil os possuem opostos, e no existe outro meio para

    vencer seno enganar ou perder toda essa gente. Eis a fonte funesta das violncias,

    das traies, das perfdias e de todos os horrores que, necessariamente, exigem

    um estado de coisas no qual cada um, fingindo trabalhar para a fortuna ou a

    reputao dos demais, s procura elevar a sua acima e s expensas deles.

    Que ganhamos com isso? Muito palavrrio, os ricos e os arrazoadores, isto ,

    inimigos da virtude e do bom senso. Em compensao, perdemos a inocncia

    e os costumes. A multido rasteja na misria, todos so escravos do vcio. Os

    crimes no cometidos j esto no fundo dos coraes e, para serem executados,

    s lhes falta a segurana da impunidade.

    Estranha e funesta constituio, na qual as riquezas acumuladas sempre

    facilitam os meios para acumular outras maiores ainda; na qual impossvel,

    para aquele que nada possui, adquirir qualquer coisa; na qual o homem de

    bem no conta com qualquer meio de sair da misria; na qual os demais

    desavergonhados so mais dignificados e na qual se tem necessariamente

    de renunciar virtude para se tornar um homem honesto! [...] todos esses

    vcios no pertencem tanto ao homem, quanto ao homem mal governado.

    (ROUSSEAU, 1973, p. 423)

    Walter Benjamin (1892-1940) questiona se a civilizao moderna no seria tambm a barbrie, Max

    Weber (1864-1920) chama esses tempos de gaiola de ao e Karl Marx (1818-1883) diz que tudo

    parece estar impregnado do seu contrrio. Para Rousseau, a modernidade to grandiosa est sendo construda com a misria, e isso no uma lei histrica.

    No h necessidade de vcios, de agir com maldade para adquirir a sapincia, de enganar todo o

    tempo outras pessoas em prol de si mesmo. E isso que acontece nesses tempos modernos, segundo o filsofo.

    bem possvel que uma selvagem faa uma m ao, mas no possvel que

    adquira o hbito de agir mal... Creio poder-se fazer uma avaliao bastante

    exata dos costumes dos homens baseando-se no grande nmero de negcios

    que tm entre si quanto mais comerciam juntos, tanto mais admiram seus

    talentos e indstrias, mais se enganam decente e habilidosamente e mais

    dignos so de desprezo. Lastimo dizer: o homem de bem aquele que no tem

    necessidade de enganar ningum, e o selvagem esse homem. (ROUSSEAU,

    1973, p. 970)

    Rousseau d importncia recuperao da esfera pblica do sujeito, por isso vlida a democracia

    direta, em que os homens devem falar por si, serem soberanos, contra a representatividade. O

    filsofo fala de uma sociedade em que o indivduo dela participe politicamente, mas assinala que a

    verdadeira democracia composta por deuses, portanto, impossvel. Immanuel Kant (1724-1804)

  • 22

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    tambm coloca que s deveria ser feito o que tenha possibilidade de ser pblico, de ser feito sob os

    olhos dos demais; por isso, devemos sempre lutar por um bom exerccio do poder, assim podemos

    exercer nossa liberdade.

    Rousseau fala que a massificao a simulao da cidadania e acontece quando no h essa esfera

    pblica em que podemos agir livremente. aqui que critica a sociedade moderna em benefcio da

    simplicidade do campo.

    Em meios aos centros urbanos o eu do sujeito se dissolve em uma total indiferena, onde tudo

    parece ser permitido, exceto o amor e o dio, que se do na esfera privada. Todos agem como que

    em um grande teatro, representando, inclusive, a si mesmos.

    O objetivo principal agradar, e contanto que as pessoas se apreciem, esse

    objetivo estar suficientemente conseguido [...] cada qual pode facilmente ocultar

    sua conduta de vista pblica, mostrando-se apenas por sua reputao, enquanto

    que no campo as pessoas so menos imitativas; tendo poucos modelos, cada qual

    retira mais de si mesmo, e coloca mais de si mesmo em tudo aquilo que se faz.6

    A cidadania, com se d, acontece como que artificialmente, em que cada sujeito visa somente seu

    sucesso, e a massificao torna-se uma maneira de os homens imaginarem sendo livres e autnomos.

    Rousseau, ento, se mostra contrrio ao mtodo indutivo, do qual os naturalistas, sobretudo Hobbes,

    so partidrios. De acordo com o filsofo, os naturalistas se equivocam ao generalizar caractersticas

    dos civilizados a fim de compreender os primitivos, alm de estabelecer princpios gerais que regem

    a vida social, assim, falando incessantemente de necessidades, avidez, opresso, desejo e orgulho,

    transportaram para o estado de natureza ideias que tinham adquirido em sociedade; falavam do

    homem selvagem e descreviam o homem civil(ROUSSEAU, 1999, p. 52). Dessa maneira, pode-se

    cair no engano de generalizar a crueldade dos civilizados, como o fez Hobbes, para os primitivos, e,

    assim, intensificar a opresso como funo do Estado. Rousseau coloca que os homens primitivos

    viviam de maneira igual entre eles e podiam exercer sua liberdade.

    O Estado decorrente das desigualdades entre os sujeitos, e, como no estado de natureza eles eram

    livres e iguais, esse tipo de agrupamento no existia. E todos os conflitos se do a partir da concepo

    da propriedade privada; aqui que os homens comeam a guerrear entre si. De certo modo, os

    proprietrios de terras no tinham fora nem razes para combater os isentos de posses, assim

    encontraram uma maneira de usar, em seu favor, as prprias foras daqueles que o atacavam

    (Idem, p. 99), propondo um pacto social.

    Unamo-nos para defender os fracos da opresso, conter os ambiciosos e

    assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence; instituamos regulamentos

    de justia e de paz, aos quais todos sejam obrigados a se conformar; que no

    abram exceo para ningum e que, submetendo igualmente a deveres mtuos,

    o poderoso e o fraco reparem de certo modo os caprichos da fortuna. Em outras

    palavras, em lugar de voltar nossas foras contra ns mesmos, reunamo-nos

    num poder supremo que nos governe com sbias leis, que protejam e que

    defendam todos os membros da associao, expulsem os inimigos comuns e

    nos mantenham em concrdia eterna. (Ibidem, pp. 99-100)

    6 Carta a DAlembert (1758).

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    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    Com o pacto social, constituiu-se um governo soberano, acarretando na limitao da liberdade, antes natural. Ressalte-se que Rousseau no contra o pacto social, mas questiona se o poder no deveria ter sido atribudo ao povo, ou mesmo, se este no deveria participar das assembleias, das quais s

    fazem parte mesmo os particulares. S com a participao popular pode-se ter um poder poltico

    legitimamente constitudo, assim ele seria uma forma de associao que defenda e proteja de toda a

    fora comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, se unindo a todos, obedea apenas, portanto, a si mesmo, e permanea to livre como antes. (Ibidem, pp. 69-71)

    Rousseau defendia a participao direta dos cidados nas decises polticas, aniquilando o poder

    absolutista. Diz ele que a soberania, sendo apenas o exerccio da vontade geral, jamais pode ser

    alienada, e que o soberano, sendo um ser coletivo, apenas pode ser representado por si mesmo.

    (Ibidem, p. 66)

    Marx e Chaplin

    Marx procura por uma viso econmica da histria e vice-versa, alm de discorrer sobre como

    ocorreram, ao longo dos tempos, as relaes econmicas. O autor fala da existncia de uma dialtica

    inacabvel entre opressores e oprimidos, havendo sempre uma luta de classes.7 Engels falava que as classes surgiam em decorrncia das relaes econmicas, que so, de fato, a base de toda a sociedade.

    O filsofo em questo sugestionava a inverso da pirmide social, em que a maioria, no caso a classe

    proletria, deveria estar no topo, no poder, como sendo a que poderia aniquilar com o capitalismo em detrimento do socialismo. O capitalismo, de fato, impedia que as foras produtivas se desenvolvessem, pelo fato de haver a subordinao a poucos sujeitos8. O que Marx acreditava era na unio dos

    homens e de todos os povos, controlando, de maneira conjunta, a produo; assim, poderiam unir-se

    economicamente, acarretando, consequentemente, uma outra forma de governo, o socialismo.

    H lutas de classes quando ainda persistem a propriedade privada e dualidades extremas, como

    senhores e escravos, burgueses e proletariados. E a classe proletria, de acordo com Marx, no

    deveria se limitar a aes sindicalistas, mas exercer uma verdadeira luta ideolgica e poltica em

    favor do socialismo. Os sindicatos teriam menos importncia que os partidos polticos, por meio dos quais o proletrio organizaria a sua tomada de poder.

    No h dvidas quanto s ideias de Marx contrrias ao sistema capitalista, quando, segundo ele, h

    apenas injustias e explorao de mo de obra, sendo um governo selvagem, em que perdura a mais-

    valia.9 Porm, na modernidade, o capitalismo gera a mais-valia relativa, quando ocorre a reduo progressiva da jornada trabalhista. Mas isso no quer dizer menos trabalho, ocorre, sim, um aumento

    da produtividade com o auxlio tecnolgico. Assim, as empresas continuam com suas metas produtivas

    enquanto o operrio ganha menos ele cada vez se empobrece mais quando produz mais riquezas,

    tornando-se uma mercadoria mais vil do que as mercadorias por ele criadas.

    7 Em O Manifesto Comunista consta, j no incio do primeiro captulo, que A histria de toda sociedade passado a histria da luta de classes.

    8 E os trabalhadores seguiam as ideias da elite, pois eram essas ideologias que a burguesia divulgava. 9 A mais-valia constitui-se da diferena entre o preo da fora trabalhista, seis horas, por exemplo, e o preo do seu resultado, 10

    horas, por exemplo. Ou seja, o trabalhador sempre termina por ganhar menos por suas tarefas, uma vez que acaba por execut-las em mais horas do que o contrato. O lucro acontece porque o preo pago ao trabalhador baixo, agregado ao aumento da jornada de trabalho.

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    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    No mundo do lucro, as mercadorias aumentam de valor enquanto h uma desvalorizao dos

    sujeitos, fato esse que acarreta na chamada alienao, ou seja, quando a produo de algo alheio

    ao seu produtor. Ocorre tambm a objetificao, em que o trabalhador nega o produto criado; aqui

    a negao fortemente expressa, na medida em que o objeto tambm se ope a seu criador. Quando

    a fora do trabalho concebe um valor ao produto, acarreta uma negao da negao quando o

    produtor, que d, ento, valor ao objeto produzido, sai de seu estado alienante.

    No podemos deixar de nos lembrar do filme Tempos Modernos (1936)10, de Charles Chaplin, e

    sua crtica ferrenha ao capitalismo e era industrial, em que mquinas substituem homens e estes,

    por vezes, so levados escravido ou criminalidade.

    Figura 7. Tempos Modernos (Chaplin)

    O filme denuncia o tratamento dado aos trabalhadores, os proletariados em termos marxistas,

    e discorre sobre os burgueses, os detentores dos meios de produo, que exploravam a mo de

    obra, visando aumentar a produtividade e o lucro. E isso se dava com longas horas de trabalho em

    condies desumanas, sem higiene e proteo contra acidentes.

    Os vrios quadros do filme denunciam de maneira clara a situao capitalista de produo intensa. J

    na sua apresentao, um relgio est ao fundo, lembrando que o tempo controlado na era industrial.

    Figura 8. Tempos Modernos (Chaplin)

    10 O filme conta a histria de um operrio que tem um colapso nervoso em detrimento da monotonia frentica do seu trabalho. Aps a volta do sanatrio, ele se v desempregado em meio a uma crise que assola a comunidade. preso equivocadamente, suspeito de liderar um protesto de trabalhadores, e tenta, a todo custo, voltar cadeia. Concomitantemente, uma menina rouba comida para suas irms; elas no tm me e o pai morre em um conflito. Quando so levadas a um agente social, a menina foge. E nasce uma bonita relao de amizade e companheirismo.

  • 25

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    O controle espacial tambm denunciado na imagem de um rebanho, sobreposta de trabalhadores

    saindo do metr em direo fbrica.

    Figura 9 e 10. Tempos Modernos (Chaplin)

    No interior da indstria o calor intenso e de extremo barulho, mas ningum utiliza qualquer tipo

    de proteo enquanto exerce sua funo.

    Figura 11. Tempos Modernos (Chaplin)

    Os painis de controle das mquinas so desproporcionais aos seres humanos.

    Figura 12. Tempos Modernos (Chaplin)

  • 26

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    As baias (como vemos ainda em muitas instituies bancrias) so muito pequenas e os trabalhadores

    exercem uma funo repetitiva, sempre vigiados por um comandante que no admite falhas.

    Figuras 13, 14 e 15. Tempos Modernos (Chaplin)

    O tempo controlado a fim de no parar a produo; e quando o operrio precisa ir ao banheiro, o

    ponto batido, portanto, descontado de seu salrio.

    Figura 14. Tempos Modernos (Chaplin)

  • 27

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    E enquanto trabalha, almoa com o auxlio de uma mquina.

    Figura 15. Tempos Modernos (Chaplin)

    O trabalhador, ento, aps a situao opressora de trabalho, cai dentro de uma das mquinas e tem

    um surto, comeando a aparafusar as pessoas, continuando sua tarefa repetitiva.

    Figura 16. Tempos Modernos (Chaplin)

    De fato, a luta por melhores condies de trabalho e aumento salarial ocorre desde a Revoluo

    Industrial, mas a tnica do filme toca a explorao, em que o operrio produz o produto, seja um

    automvel ou eletrodomstico, mas, com o que recebe de salrio no consegue comprar o que ele

    prprio produziu.

    Para aprofundamento das discusses sobre os assuntos aqui abordados, sugerimos

    que voc assista ao filme Tempos Modernos (1936)

    E hoje no h muita diferena. Muito se busca por inovaes tecnolgicas a fim de que os

    trabalhadores possam produzir mais, sem aumento salarial e sem perda de tempo. Crtica essa

    culmina, no filme, na mquina que os operrios deveriam utilizar para fazer suas refeies, a fim de

    no interromper suas funes.

  • 28

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    Diante dessa enorme produo, os burgueses no pensaram, talvez, que poderia haver uma crise

    de superproduo, a exemplo da Grande Depresso, que teve incio em 1929 e se estendeu at a

    Segunda Guerra Mundial. A produo exacerbada aps a Primeira Guerra Mundial, quando muitos

    pases investiam pesado na fabricao de seus produtos a fim de se recuperar, e, claro, utilizando a

    fora de trabalho dos lugares mais afetados pelos conflitos, teve como consequncia o fechamento

    de fbricas e empresas e vrios pases entraram em crise, inclusive o Brasil.

    A crtica do filme aos modos produtivos capitalistas, busca desenfreada pelo lucro e s condies

    de trabalho cabe tambm ao Brasil moderno, onde ainda o lucro se sobrepe aos indivduos. At

    crianas so submetidas ao trabalho, em situaes primrias.

    Figura 17. Mina de ouro em Serra Pelada (1986), de Sebastio Salgado.

    tocqueville e Edward Hopper

    Destacamos agora o pensamento poltico de Alxis de Tocqueville (1805-1859), por diferenciar-se

    de Plato e Aristteles, e tambm de Hobbes e Rousseau, no momento em que se debrua sobre o

    surgimento do estado americano e a participao dos cidados nas tomadas de deciso na sociedade.

    Atuante politicamente e no satisfeito com os rumos da Frana aps o golpe de Estado de

    Luis Bonaparte, Tocqueville deixou a poltica em favor dos estudos histrico-sociais. Sua obra

    compreende duas de extrema relevncia: Democracia na Amrica (1834) e O Antigo Regime e

    a Revoluo (1856).

    Para estudar a vida poltica francesa e americana, o filsofo descreve as respectivas realidades

    sociais, bem como denuncia os condicionamentos polticos em que estas se deram histrica e

    evolutivamente, diferente dos antigos e modernos, que partiam, para suas anlises, de princpios gerais gerados racionalmente e da generalizao indutiva.

  • 29

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    Desse modo, Tocqueville destaca as caractersticas relevantes de uma sociedade, para ento comparar realidades e estabelecer as relaes de causalidades. quando podemos conhecer o

    conceito de democracia, em que esto presentes a liberdade e a igualdade, esta sendo fundamental para um governo democrtico.

    Quando escreve Democracia na Amrica, mostra as razes do surgimento do Estado e do poder

    poltico, da constituio, na Amrica do incio do sculo XVII. De fato, assim como outros tericos,

    ele tambm enfatiza o pacto social a fim de promover o bem-estar; mas, diferente daqueles,

    Tocqueville situa no tempo e no espao a fundao dessa aliana, ou seja, a coloca como um fator

    geogrfico e histrico.

    Os ingleses que migraram para a costa do Atlntico Norte tinham caractersticas semelhantes aos

    americanos. Alm da lngua comum, tambm possuam o hbito do respeito s leis e liberdade

    poltica. O fato do deslocamento, na maioria das vezes, se deu no em detrimento da falta de condies econmicas em seu pas, no caso, a Inglaterra, mas os homens estavam em busca da

    prosperidade e de poder exercer sua religio. Assim, no Novo Mundo, a organizao da sociedade se

    mostrou fundamental, e ela se deu sob o acordo de May-Flower, o pacto social da Nova Inglaterra dos anos de 1620.

    Em nome de Deus. Amm. Ns, cujos nomes vo abaixo assinados, sditos

    leais de nosso venerado Senhor Soberano o Rei Jaime [...] tendo empreendido

    para a glria de Deus e o progresso da F Crist, e honra de nosso Rei e pas,

    uma viagem para implantar a primeira colnia nas regies setentrionais da

    Virgnia; pelo presente, solene e mutuamente na presena de Deus e de cada

    um , nos reunimos e combinamos a ns mesmos como um corpo poltico

    e civil, para nossa melhor ordem e preservao e a busca dos fins acima

    mencionados, e em virtude do presente, que promulgaremos, constituiremos

    e moldaremos as leis, ordenaes, atos, constituies e ofcios justos e iguais

    que, de tempos em tempos, forem considerados melhores e mais convenientes

    para o bem geral da Colnia; nos quais prometemos toda a devida submisso e

    obedincia. (TOCQUEVILLE, 1989, p. 53) 11

    Ao situar historicamente o pacto, Tocqueville mostra os motivos pelos quais os norte-americanos

    criaram o Estado e o poder poltico, ou seja, a partir de um acordo entre os colonos da Inglaterra no

    Novo Mundo.

    Apesar de o acordo de May-Flower no determinar a forma de governo que deveria ser instaurado,

    de se notar que a democracia se fez presente, uma vez que havia a igualdade social, a herana

    cultural inglesa e condies geogrficas favorveis, segundo Tocqueville. Essas condies nortearam

    a poltica da regio a fundao de colnias, as ideias de liberdade e de soberania da populao.

    Hobbes coloca que, ao perceberem que o estado de guerra em que se encontravam poderia

    acarretar um extermnio mtuo, os homens realizaram um pacto social. Rousseau diz que os

    homens no tinham em sua natureza o conflito, porm a sociedade os tornava assim, acarretando

    um estado de guerra; foi quando os poderosos propuseram um pacto social, aceito por todos. Aqui

    11 Alguns termos do acordo de May-Flower.

  • 30

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    nascia o Estado, em que uns ficariam sob o domnio de outros. Marx e Engels tambm viam nessa

    formao a luta de classes. Tocqueville fala que o Estado norte-americano12 foi criado por sujeitos que pertenciam mesma classe social, em busca de uma melhor ordem e o bem de todos os que

    habitavam o Novo Mundo.

    De fato, entre os imigrantes ingleses no havia aristocratas nem menos abastados que necessitavam

    garantir a sobrevivncia em outras terras, todos eram sujeitos de igualdade de fortuna e de

    intelecto (TOCQUEVILLE, 1969, p. 66). Foi o que garantiu a democracia, a soberania do povo e a criao de uma Constituio, aps a independncia das colnias, que respeitava a liberdade das

    provncias e amparava os interesses dessas pequenas regies. Os imigrantes tinham aprendido a

    tomar parte nos negcios pblicos em sua ptria-me; estavam todos habituados ao julgamento

    pelo jri, liberdade de palavra e de imprensa, liberdade pessoal, noo de direitos e prtica

    de os afirmar (Idem, p. 341).

    [...] levaram consigo para a Amrica essas instituies livres e costumes

    varonis e essas instituies preservaram-nos contra a usurpao do Estado.

    So os hbitos e costumes adquiridos pelos anglo-americanos que levaram as

    colnias britnicas, desde o seu comeo, a parecer destinadas a testemunhar o

    crescimento, no da liberdade aristocrtica de sua ptria-me, mas a liberdade

    das ordens inferiores e mdias das quais a histria do mundo ainda no tinha

    fornecido um exemplo completo. (Ibidem, p. 51)

    Quando Tocqueville fala que a geografia favoreceu um sistema poltico democrtico se deve

    inexistncia de cidadelas vizinhas que poderiam fomentar conflitos e crises financeiras; assim, no

    havia necessidade de se implementar impostos gigantescos para manter a liberdade na provncia.

    Os recursos naturais abundantes tambm favoreceram um governo estvel, pois promoviam a prosperidade da populao. Diz Tocqueville que, na Amrica, no s a legislao que democrtica, mas a prpria natureza favorece a causa do povo (Ibidem, p. 149-150).

    O protestantismo puritano, apesar do esprito de liberdade do povo, auxiliava na convico de que

    a obedincia s leis garantia a liberdade civil. De fato, a religio estabelecia valores morais a fim de

    nortear as aes dos sujeitos, limitando a aspirao incondicional pela liberdade. Tocqueville coloca

    que a moralidade a melhor garantia da lei; o pendor mais seguro da durao da liberdade (Ibidem, p. 58-59).

    certo que a igualdade social dos fundadores das colnias inglesas americanas, bem como seus

    costumes, as condies geogrficas e a religio ajudaram no estabelecimento de um governo

    democrtico na Amrica, onde o poder estava nas mos da maioria que criou instituies a fim de

    encontrar a liberdade querida.

    de se notar que, em seus escritos, Tocqueville deixa transparecer que a democracia aristocrtica,

    em que apenas nobres participam das decises polticas, de sua preferncia, mas reconhece que o

    processo de igualdade social promovido pela democracia inevitvel.

    12 O Estado norte-americano era submisso Inglaterra at o final do sculo XVIII, quando se deu a independncia e a elaborao da primeira Constituio.

  • 31

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    O espetculo dessa uniformidade universal me entristece e me gela, e sou

    tentado a ter saudades da sociedade que no mais existe. natural que o

    que mais satisfaz os olhares desse criador e desse conservador dos homens

    no absolutamente a prosperidade singular de alguns, mas o maior bem-

    estar de todos; o que me parece uma decadncia , portanto, a seus olhos, um

    progresso; o que me magoa, lhe agrada. A igualdade menos elevada, talvez,

    porm mais justa, e essa justia faz sua grandeza e sua beleza. Procurei ento

    me erguer at essa altura da contemplao divina para da olhar e julgar os

    cuidados e as penas dos homens (TOCQUEVILLE, 1989, p. 363)

    Em suas obras, Tocqueville mostra os fatores e processos que fomentaram a participao dos anglo-americanos nas decises polticas, e, aps a constatao da liberdade poltica e da soberania popular,

    mostra como a participao comunitria tanto em instituies como na vida diria dos sujeitos

    auxilia para a inexistncia de uma possvel tirania. E, segundo ele, essa participao consolida a

    democracia na sociedade moderna.

    De fato, o autor no coloca a participao do povo como uma necessidade racional de elaborar suas prprias leis (Rousseau) nem em detrimento da eficcia da soberania de um monarca (Hobbes), mas

    mostra os fatores que induziram o povo a optar pelo governo democrtico e a participar politicamente.

    A liberdade poltica e a igualdade social herdada fizeram com que os anglo-americanos no ficassem

    acomodados a decises centralizadas, o que no ocorreu na Frana. A falta de liberdade poltica e

    as desigualdades dos franceses geraram uma averso aos assuntos polticos e, em decorrncia, a passividade diante de um poder absoluto.

    Os norte-americanos, dessa maneira, confiavam em sua capacidade de resolver os problemas e a

    vencer as dificuldades que ora se apresentavam. Uma autoridade social s requerida em ltimo

    caso; as crianas, elas prprias, criam as regras que devem seguir e se punem caso ocorra alguma

    falta. Os cidados deliberam sobre os conflitos no trnsito, em lugar do executivo, e se associam

    a fim de promover a segurana, o desenvolvimento da indstria e do comrcio, as aes morais,

    a religio. Dessa maneira, fazem eles mesmos as aes de suas cidades ao invs de solicitarem

    sempre os poderes pblicos. Tocqueville demonstra que essa democracia seria mais direta do que representativa, equivalendo-se da Grcia em tempos antigos.

    A respeito do legislativo nos Estados Unidos, o autor fala que algumas vezes, as leis so feitas pelo

    prprio povo reunido como um corpo, a exemplo de Atenas, e, outras vezes, seus representantes

    escolhidos pelo sufrgio universal transacionam o negcio em seu nome e sob sua superviso

    imediata (TOCQUEVILLE, 1969, pp. 60-70).

    Mas no h de se negar que os americanos determinam a conduta de seus representantes e exigem

    que suas obrigaes sejam cumpridas. A respeito dessa maneira de representao, Tocqueville

    fala que a mesma coisa que a maioria, propriamente dita, tomar suas deliberaes na praa do

    mercado (Idem, p. 131). Sobre o executivo e o judicirio, diz que cada indivduo tem um quinho

    de poder igual e participa igualmente do governo do Estado (Ibidem, p. 70). E, ainda, que na

    Amrica, o povo nomeia o poder legislativo e o executivo e fornece os jurados que punem todas as

    infraes da lei (Ibidem, p. 100).

  • 32

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    Na sociedade recm-fundada pelos anglo-americanos, o representante eleito de maneira direta e, na maioria das vezes, isso feito a cada ano, a fim de no gerar dependncia a nenhum deles.

    Assim, apesar da forma representativa, o povo o detentor do poder; ele participa efetivamento do

    legislativo, executivo e judicirio, alm da vida comunitria. vlido lembrar que isso possvel em

    detrimento do igual nvel social da populao.

    Condies sociais iguais fomentam a vontade dos cidados pela liberdade poltica e pela participao

    efetiva nas decises; assim, se consolida a democracia.

    Em uma sociedade democrtica, os sujeitos tendem a ser menos individualistas e cientes do que afeta

    a comunidade. Tocqueville fala que o despotismo refora o individualismo e retira dos cidados

    qualquer paixo comum, qualquer necessidade mtua, qualquer vontade de um entendimento

    comum, qualquer oportunidade de aes em conjunto, enclausurando-os, por assim dizer, na vida

    privada (TOCQUEVILLE, 1989, p. 46).

    A liberdade, ento, faz com que os cidados vivam, de fato, o sentimento patritico e cvico.

    [...] pode tirar os cidados do isolamento, no qual a prpria independncia

    de sua condio os faz viver, para obrig-los a aproximar-se uns dos outros,

    animando-os e reunindo-os cada dia pela necessidade de entender-se, de

    persuadir-se e de agradar-se mutuamente na prtica dos negcios comuns [...]

    fornece ambio objetivos maiores que a aquisio das riquezas e cria a luz

    que permite enxergar os vcios e as virtudes dos homens. (Idem, p. 47)

    Quando o sujeito participa da elaborao das leis, ele ajuda na promulgao de virtudes cvicas,

    alm de colaborar para que as regras se legitimem. Assim, se d de maneira eficaz a autoridade das

    regras criadas. As pessoas seguem as leis porque elas so o resultado de seu prprio trabalho. Ao

    participar do governo, o homem compreende a influncia que o bem-estar de seu pas tem no seu

    prprio; tem conscincia de que as leis lhe permitem contribuir para essa prosperidade e trabalha

    para promov-la, primeiro, porque ela o beneficia, depois, porque ela em parte trabalho seu

    (TOCQUEVILLE, 1969, p. 121-122). Os americanos, ento, possuem um interesse to zeloso nos

    negcios de seu distrito, de seu municpio e de seu pas, como se fossem seus prprios (Ibidem).

    Isso porque so ativos socialmente.

    [...] compreendem a influncia exercida pela prosperidade geral em seu prprio

    progresso social [...], e esto habituadas a considerar essa prosperidade como

    fruto de seus prprios esforos. Os cidados olham para a fortuna do bem

    pblico como sua prpria fortuna e trabalham para o bem do Estado, no

    meramente por um sentimento de orgulho ou dever, mas por aquilo que me

    atrevo a chamar cupidez. (Ibidem, pp. 121-122)

    importante tambm a participao dos cidados nos jris de um julgamento, pois ela contribui

    para a formao de virtudes cvicas, alm de, nesse momento, os governados estarem de posse total das decises.

    A instituio do jri eleva o povo, ou pelo menos uma classe dos cidados,

    ao banco dos juzes [...] serve para comunicar o esprito dos juzes ao esprito

  • 33

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    dos cidados [...] infunde, em todas as classes, o respeito pela coisa julgada

    e a noo de direito [...] ensina os homens a praticarem a equidade; todos os

    homens aprendem a julgar seus vizinhos como eles prprios seriam julgados

    [...] ensina todos os homens a no recuarem diante da responsabilidade de

    suas prprias aes e d-lhes aquela confiana viril sem qual no pode haver

    virtudes polticas [...] faz sentir, a todos, os deveres que tm de prestar

    sociedade e a parte que tomam no governo. Obrigando o homem a voltar a

    ateno para os negcios estranhos aos seus, elimina o egosmo privado, que

    a ferrugem da sociedade. (Ibidem, pp. 147-148)

    Mas engano pensar que Tocqueville no viu as possveis desvantagens que o governo democrtico poderia acarretar. Essa forma de governo defende os interesses da maioria, mas no protege totalmente os interesses de todos, por isso corre-se o risco de uma tirania na cassao da liberdade individual e no domnio sem igual da maioria sobre a minoria.

    A fim de combater esse possvel mal, Tocqueville sugere que haja instituies sociais em que a

    minoria se manifeste, tendo liberdade de imprensa e podendo se associar livremente. De fato, o que ocorre nos Estados Unidos.

    As associaes renem pessoas isoladas em defesa de alguma causa, e formam, se assim se pode

    dizer, uma nao separada, no meio de uma nao (Ibidem, p. 113). Assim, eles podem sugerir novas leis e apontar as falhas das atuais. So as sociedades democrticas, aponta Tocqueville, as que

    mais necessitam de associaes, a fim de combater o despotismo de faces ou a arbitrariedade dos

    monarcas. Uma associao criada:

    (...) para fins polticos, comerciais ou industriais, ou mesmo para fins

    de cincia ou literatura, pode-se tornar rgo poderoso e esclarecido da

    sociedade e que no poder ser usado vontade pelo Estado, nem por ele

    oprimido sem protesto. Esse rgo, defendendo seus prprios direitos

    contra a interferncia do governo, salva as liberdades comuns do pas.

    (TOCQUEVILLE, 1969, p. 354)

    Quanto liberdade de imprensa, Tocqueville s favorvel a ela por considerao aos males que

    evita, do que pelas vantagens que garante (Ibidem, p. 111). De fato, por meio da imprensa que a

    opinio pblica ganha alcance.

    Mas, e hoje, o governo americano, enquanto Estado, um instrumento para promover o bem- -estar de todos? Como se justifica que a instituio ora criada permanece em meio a um contexto

    de aumento de desigualdades sociais? Se a liberdade poltica promove a virtude cvica, como pode

    haver tanto individualismo e apatia poltica nas sociedades modernas?

    Diante dessas indagaes, lembramos de Edward Hopper (1882-1967) no momento em que retrata

    o cotidiano e os costumes de sua poca.

    O artista descreve a maneira individualista da poca, a desolao dos sujeitos em ambientes frios e

    vazios. Para intensificar essa ideia, todos aparecem sob luzes artificiais, como que em silncio, em

    meio natureza civilizatria, ao concreto, em lugares construdos. Parece que todos esto em um

  • 34

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    estado de abandono, pelos demais indivduos e pelo mundo. Os personagens parecem olhar o nada,

    em um individualismo e solido profundos.

    A obra de Hopper no engajada nem tem sentido humanista; totalmente despida de qualquer

    sentido coletivo, mesmo quando so retratadas mais de uma pessoa na tela.

    De fato, o artista, contrrio quelas obras que, inflamadas pelo esprito da depresso, mostravam

    cenas rurais com trabalhadores, coloca seus personagens em meio a cidades, a centros urbanos em

    que todos so compelidos a uma vida de isolamento, sem dores ou felicidades.

    Figura 18. Automat (1927)

    Figura 19. People in the sun (1960)

  • 35

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    Figura 20. Nighthanks (1942)

    Stuart Mill

    Expoente da corrente utilitarista, John Stuart Mill foi influenciado pelas ideias de Jeremy Bentham

    (1748-1832), nas quais a felicidade seja o prazer ou a inexistncia da dor estaria como objetivo

    a ser atingido por meio de leis, beneficiando o maior nmero de pessoas. Bentham defendia uma

    fundamentao coerente e racional e no abstrata como nos direitos naturais das aes jurdicas

    e sociais.

    [...] na tradio do pensamento anglo-saxo, que certamente o que forneceu

    a mais duradoura contribuio ao desenvolvimento do liberalismo, a partir de

    Bentham, utilitarismo e liberalismo passaram a caminhar no mesmo passo,

    e a filosofia utilitarista torna-se a maior aliada do Estado liberal. A passagem

    do jusnaturalismo ao utilitarismo assinala para o pensamento liberal uma

    verdadeira crise dos fundamentos, que alcanar o renovado debate a respeito

    dos direitos do homem desses ltimos anos. (BOBBIO, 1980, pp. 63-66)

    Stuart Mill, utilitarista, prope a defesa liberdade, em oposio teoria dos direitos naturais.

    conveniente declarar que renuncio a qualquer vantagem que possa resultar

    para meu argumento da ideia do direito abstrato como independente da

    utilidade. Considero a utilidade como ltimo recurso em qualquer questo

    de tica; ter de ser, porm, a utilidade no sentido mais amplo, baseada

    nos interesses permanentes do homem como ser progressista. (MILL,

    1963, pp. 13-14)

    A liberdade no seria um direito natural, mas a proteo do que diz respeito s decises individuais.

    Mas o governo no era visto com tamanha ameaa cassao da liberdade, a ameaa estaria em

    uma maioria que suspeitasse dos poucos dissidentes.

  • 36

    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    [...] a vontade do povo significa praticamente a vontade da parte mais numerosa

    ou mais ativa do povo a maioria, ou aqueles que conseguem se fazer aceitos

    como maioria; em consequncia, o povo pode desejar oprimir uma parte da

    sua totalidade, tornando-se necessrias precaues contra essa atitude, bem

    como qualquer outro abuso do poder. (Idem, p. 6)

    De fato, h uma grande tendncia ao aumento do poder da sociedade sobre os sujeitos, no que

    concerne opinio e ao legislativo.

    O ensaio Da Liberdade no era um apelo em prol do alvio da opresso poltica

    ou de uma modificao na organizao poltica, mas em prol da formao de

    uma opinio pblica genuinamente tolerante que atribusse valor a diferenas

    de ponto de vista, que limitasse o grau de acordo que exigia e que recebesse as

    novas ideias como fontes de novas descobertas. (SABINI, 1961, p. 689)

    Em Da Liberdade, Mill discorria sobre a interferncia da opinio coletiva sobre a individual, ou

    melhor, sobre a independncia das ideias de cada sujeito, e falava que o nico objetivo a favor do

    qual se pode exercer legitimamente presso sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada,

    contra a vontade dele, consiste em prevenir danos a terceiros (MILL, 1963, p. 12), e, ainda, se

    algum comete um ato contra, prejudicial a terceiros, concretiza-se um caso prima facie para castig-

    lo pela lei ou, quando no se puderem aplicar com segurana penalidades legais, por desaprovao geral. (Idem, p. 14)

    O que afetaria somente o indivduo, segundo Mill, no pertenceria ao contexto da ao de uma

    comunidade; por isso, o filsofo e economista indica quais seriam as liberdades que permeiam o

    sujeito, cruciais para uma sociedade livre:

    [...] em primeiro lugar, o domnio interior da conscincia, a liberdade de

    pensamento e de sentimento, a liberdade absoluta de opinio e de sentimento

    em todos os assuntos prticos ou especulativos, cientficos, morais ou teolgicos.

    Em segundo lugar, a liberdade de gostos e de ocupaes, a de formular um

    plano de vida que esteja de acordo com o carter do indivduo, a de fazer o que

    se deseja, sujeitando-se s consequncias que vierem a resultar, sem qualquer

    impedimento de terceiros, enquanto o que fizermos no lhes cause prejuzo,

    mesmo no caso em que nos julguem a conduta insensata, perversa ou errnea.

    Em terceiro lugar, a liberdade de cada indivduo resulta a liberdade, dentro

    de certos limites da combinao entre indivduos; a liberdade de se unirem

    para qualquer fim que no envolva dano a terceiros, supondo-se que as pessoas

    assim combinadas so de maior idade e no foram nem foradas nem iludidas.

    (Idem, p. 15)

    A diferena de opinies, segundo Mill, de extrema importncia quando se quer atingir a verdade,

    consistindo na reconciliao e na combinao de opostos. Apenas dessa maneira poder haver

    justia, que alcanar todos os lados da verdade.

    Stuart Mill foi fundamental para a filosofia liberal, na medida em que colocou limites ao hedonismo

    Bethamiano, quando classificou os prazeres em inferiores e superiores moralmente. Tambm

  • 37

    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    declarou que a liberdade poltica e social era benfica em si, independente do que se chegaria a

    partir dela. Por isso diz que A boa sociedade, por conseguinte, devia ser aquela que permitisse

    liberdade e desse oportunidade para os meios livres e satisfatrios de vida (SABINI, 1961, p. 693).

    A liberdade tida como bem individual e social, e fala: Silenciar uma opinio pela fora violentava

    a pessoa e roubava tambm a sociedade da vantagem que obteria com a livre investigao e a crtica das opinies (Idem). O poder legislativo deveria criar, aumentar e conceber oportunidades iguais

    a todos. Os limites so fixados pela capacidade, com os meios disponveis, de preservar e estender

    ao maior nmero de pessoas as condies que tornavam a vida mais humana e menos coercitiva

    (Ibidem).

    Tocqueville, na Frana, com A Democracia na Amrica, e Stuart Mill, na Inglaterra, sobretudo com

    Da Liberdade, contriburam de maneira sem igual para o liberalismo europeu, embora reflitam

    sobre temas diferentes entre si.

    Tocqueville discorre sobre a realidade, de fato, americana, desde seus hbitos at as instituies

    polticas, problematizando a democracia moderna com base na experincia. Mill relaciona o indivduo

    e a liberdade na democracia do sculo XIX. No limiar dos dois tericos est a preocupao de um

    governo democrata que no tolha a liberdade individual, ou seja, a tirania da maioria (BOBBIO,

    1980, p. 57). E Tocqueville13 ainda denuncia: da prpria essncia dos governos democrticos que

    o imprio da maioria seja absoluto, pois fora da maioria, nas democracias, no existe coisa alguma

    que subsista. (TOCQUEVILLE, 1987, p. 190).

    Na viso de Tocqueville, o ideal liberal no poderia coexistir com o igualitrio, este com tendncia a

    uniformizar as condies e a maneira de viver; assim, acredita ele, no ser possvel uma instituio

    democrtica salvaguardar a liberdade. Mill, um liberal democrata, acreditava que a democracia era decorrente justamente do Estado liberal.

    vlido destacar que liberalismo e democracia no possuem conceitos e posturas iguais no que

    se refere natureza dos processos polticos na modernidade. Apoiado na supremacia individual e na propriedade, o liberalismo busca uma sociedade eficiente e competitiva; quando em uma viso

    conservadora, as transformaes seriam apenas enquanto aperfeioamento.

    Sendo uma negociao interminvel de foras divergentes polticas, a democracia se d de maneira eficaz em sociedades concebidas em meio crescente diversificao social. Tambm transformadora

    quando permite incorporar demandas que podem expressar a fora poltica dos sujeitos atuantes, e

    a representao expande o espao da minoria.

    Observamos que o neoliberalismo fica, muitas vezes, limitado supremacia do mercado capitalista,

    e isso que os defensores da democracia atacam caso no favoream o bem-estar social. Se Tocqueville e Stuart Mill falavam na tirania da maioria, os neoliberais colocam que um mal imenso

    democracia a mxima competio no Estado.

    13 Lembramos que Tocqueville defendia a liberdade sendo conservador, no constituindo-se em um democrata.

  • 38

    CAPtulo 2Histria Social

    Pensamento Poltico

    Observamos que no pensamento poltico h determinadas questes que, na abordagem de

    Aristteles, Maquiavel e Hobbes, por exemplo, se tornam efetivas em outros contextos histricos.

    Marcel Prlot coloca que os escritos de grandes autores lanam uma luz na poltica contempornea a fim de compreend-la. impossvel analisar, e ainda menos compreender, a realidade presente,

    sem o conhecimento dessas grandes obras da literatura poltica, que representam marcos na histria

    da humanidade [...] (PRLOT, 1974, p. 7). Jean Touchard (1970, p.11) observa:

    No se trata aqui somente de analisar os sistemas polticos elaborados por

    alguns pensadores, mas de integrar esses sistemas no seu contexto histrico,

    de procurar ver como nasceram e o que representavam para os homens que

    viviam nessa poca. [...] Mas logo surgem dificuldades sem conta. Como

    analisar as ideias polticas de uma sociedade? O que j de si difcil em relao

    poca em que vivemos no ser impossvel a respeito de eras passadas? O

    historiador das ideias deveria, para cada poca, perguntar a si prprio quais

    so as ideias polticas dos camponeses, dos operrios, dos funcionrios, da

    burguesia, da aristocracia etc. [...]

    Ao nos depararmos com ideias de estudiosos sobre qualquer tema histrico, sobretudo o da poltica,

    necessrio, para melhor entendimento, que se faa o estudo antropolgico tambm.

    Assim, pode haver uma histria social da poltica, permitindo a maior compreenso dos escritos

    dos filsofos como dos prprios cidados de seu tempo. E isso, tanto da leitura de textos cannicos

    inebriados de poltica quanto de um James Frazer (1981), quando fala do carter mgico da realeza, ou de um Marc Bloch (1924) em seu estudo sobre os reis europeus e sua taumaturgia.

    Jacques Le Goff se refere a uma nova Histria Poltica, que tem estudado o Estado monrquico

    moderno, em escritos de Jean-Marie Apostolids (1987) e Louis Marin (1981), alm do ingls Peter

    Burke (1993) e os americanos Ralph Giesey (1986) e Sarah Hanley Madden (1982).

    Essas pesquisas acarretaram um conceito de Estado moderno que ultrapassa a dinastia, a diplomacia e aspectos jurdicos, em que enfatiza o simblico do Antigo Regime. De fato, a partir dos anos

    1960, a histria poltica centra-se nas monarquias absolutistas. Podemos ver grandes trabalhos a

    respeito da histria poltica nas mos de Robert Mandrou, com La raison du Prince e Louis XIV

    et son temps, e Pierre Chaunu, com A civilizao da Europa Clssica. Boris Porchnev e Roland

    Mousnier colocavam as particularidades de cada provncia do absolutismo na Europa, e o Congresso Internacional de Roma (1955) colaborou para novos estudos sobre o Estado Moderno, orientando

    pesquisas de Roland Mousnier, Fritz Hartung e Boris Porchnev.

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    FILOSOFIA POLTICA MODERNA UNIDADE NICA

    Boris Porchnev colocava o campesinato e suas jacqueries como sendo contrrio s garras fiscais do Estado, sendo autnomo, longe de ser conduzido pelas elites. Para Roland Mousnier, as rebelies

    camponesas foram mesmo amparadas e promovidas pela nobreza, ora insatisfeita com a monarquia absolutista e os intendants.

    Depois da Peste Negra, aconteceram vrias revoltas de camponeses devido ao aumento considervel de trabalho, uma vez que muitos haviam morrido, portanto, havia pouca mo de obra e muito o

    que fazer e o alto valor de impostos tambm alvo dos maus contentos. No norte da Frana de 1358, em meio Guerra dos Cem Anos, a misria, de fato, assolava o pas. O termo Jacquerie

    provm de Jacques ou Jacques Bonhomme, utilizado pelos nobres quando se referiam aos camponeses.

    [...] Neste tempo, revoltaram-se os Jacques em Beauvoisin, e comearam

    a ir em direo de Saint-Leu e de Clermont no Beauvoisin. [...] E quando

    os Jacques se viram em grande nmero perseguiram os homens nobres,

    mataram vrios e ainda fizeram pior, como gente treslocada, fora de si

    e de baixa condio. Na realidade, mataram muitas mulheres e crianas

    nobres, pelo que Guilherme Carlos (seu lder) lhes disse muitas vezes que se

    excediam demasiadamente; mas nem por isso deixaram de o fazer. (PAIS,

    1992, p. 77)

    Figura 21. Massacre dos Jacques, em Meaux.

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    UNIDADE NICA FILOSOFIA POLTICA MODERNA

    os rituais, a fico e a literatura

    A partir dos anos 60, de fato, h um estudo sobre o Estado Moderno, enfatizando-se a noo de

    ritual poltico, que seriam as cerimnias reais do Antigo Regime, sobretudo em seguidores de Ernst Kantorowicz. Foram elas que elaboraram a linguagem poltica e, por meio de sua ao cnica, a

    adeso dos cidados. E esse ritual tido como fora criadora do Estado Moderno francs e ingls assim funde o jurdico com a liturgia crist. E essas pesquisas utilizam como referncia Mircea

    Eliade antroploga religiosa , Georges Dumzil antroplogo histrico , a sociologia pautada

    em Weber e historiadores do direito, como Percy Ernst Schramm.

    Esses rituais criam uma imagem ldica da realidade, em uma representao, uma figurao, uma

    histria que se enlaa em sujeitos que se tornam personagens.

    Nos escritos de Deleuze e Guattari, sobretudo quando analisam a obra de Kafka, falam do devir,

    e a este podemos comparar ao desejo revolucionrio poltico, quando os personagens resistem

    s transformaes jurdicas da subjetividade. H o prembulo de um tornar-se outro quando em

    situaes em que o desejo culmina no ato criador.

    O tornar-se nada tem de metafrico. Nenhum simbolismo, nenhuma alegoria.

    No tambm o resultado de um erro ou de uma maldio, o efeito de uma

    culpa. Como diz Melville, a propsito do tornar-se baleia do capito Achab,

    trata-se de um panorama, no de um evangelho. Trata-se de um mapa de

    intensidades. Trata-se de um conjunto de estados, distintos uns dos outros,

    enxertados no homem na medida em que ele busca uma sada. Trata-se de

    uma linha de fuga criadora, que nada quer dizer alm dela mesma. (DELEUZE,

    1997, p. 54)

    Quando Deleuze e Guattari negam o carter metafrico do devir, eles afirmam que h uma literalidade

    nas obras escritas, quando da transformao ou mutao dos personagens. Para eles, o desejo no

    est sob as bases da psicanlise, no se relaciona com a subjetividade de dipo, por exemplo. Hans,

    ao se deparar com um cavalo que se debate na rua, no tem em seu inconsciente a relao com seu pai, mas seria um devir natural, um tornar-se cavalo. (DELEUZE, 1998)

    No nvel psquico, as transformaes sociais decorrem da economia e da poltica, mais do que como

    em uma tragdia grega. Deleuze e Gattari ressaltam que as transformaes no querem dizer outra

    coisa seno elas mesmas, resultado do desejo de quem sofre a transformao, como acontece com o

    capito Achab, de Hermann em Melville.

    Convm, para compr