filosofia da mente

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A configuração da relação “corpo e mente” em filmes de ficção científica. Gutemberg de Queirós 1 A ficção científica, principalmente a partir dos anos 70, propõe debates filosóficos de várias vertentes. Mais do que simples produtos midiáticos, as produções cinematográficas desse gênero são ricas em temas de discussões, inclusive o dualismo mente e corpo. A temática já fora explorada na chamada Filosofia Moderna, de forma implícita por Descartes, na distinção entre corpo (“res extensa”) e alma (“res cogitans”). Descartes expõe um dualismo da constituição do corpo. (ANDRADE, 2006, p. 55). Andrade (Idem) então questiona “como uma mente imaterial pode ser capaz de controlar (racionalmente) um veículo-corpo físico, material?” Esse mesmo questionamento pode ser dado na produção de 1971, Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. O protagonista, Alex, papel Malcolm McDowell, um sociopata de carisma que pratica inúmeros atos de violência com sua gangue. Após ser capturado e preso, é selecionado para testes de um tratamento psicológico. O processo nomeado de tratamento de Ludovico é constituído por uma longa terapia aversão a atos violentos. Sob doses de drogas, Alex é preso em uma cadeira e forçado a assistir inúmeras cenas de violência. Durante as sessões, ele fica enjoado por conta da medicação. Dessa forma, haverá assimilação da violência com os enjoos. Alex fica incapaz de agir de forma agressiva. Todo o tratamento exposto, tanto no livro de Anthony Burgess, como no filme, é uma crítica ao Behaviorismo, a psicologia comportamental. O tratamento de Ludovico é uma caracturização dessa psicologia. O que está em ponto é como a mente de Alex, entorpecida pelo tratamento, interfere no corpo, causando náuseas. A mente, fazendo assimilações de imagens com sensações, afeta drasticamente o organismo material da personagem. 1 Graduando no curso Bacharelado em Humanidades pela Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Ceará, Brasil. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC (2014-2015).

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A configurao da relao corpo e mente em filmes de fico cientfica. Gutemberg de Queirs[footnoteRef:1] [1: Graduando no curso Bacharelado em Humanidades pela Universidade Internacional da Integrao da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Cear, Brasil. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica PIBIC (2014-2015).]

A fico cientfica, principalmente a partir dos anos 70, prope debates filosficos de vrias vertentes. Mais do que simples produtos miditicos, as produes cinematogrficas desse gnero so ricas em temas de discusses, inclusive o dualismo mente e corpo.A temtica j fora explorada na chamada Filosofia Moderna, de forma implcita por Descartes, na distino entre corpo (res extensa) e alma (res cogitans). Descartes expe um dualismo da constituio do corpo. (ANDRADE, 2006, p. 55). Andrade (Idem) ento questiona como uma mente imaterial pode ser capaz de controlar (racionalmente) um veculo-corpo fsico, material?Esse mesmo questionamento pode ser dado na produo de 1971, Laranja Mecnica, de Stanley Kubrick. O protagonista, Alex, papel Malcolm McDowell, um sociopata de carisma que pratica inmeros atos de violncia com sua gangue. Aps ser capturado e preso, selecionado para testes de um tratamento psicolgico. O processo nomeado de tratamento de Ludovico constitudo por uma longa terapia averso a atos violentos. Sob doses de drogas, Alex preso em uma cadeira e forado a assistir inmeras cenas de violncia. Durante as sesses, ele fica enjoado por conta da medicao. Dessa forma, haver assimilao da violncia com os enjoos. Alex fica incapaz de agir de forma agressiva.Todo o tratamento exposto, tanto no livro de Anthony Burgess, como no filme, uma crtica ao Behaviorismo, a psicologia comportamental. O tratamento de Ludovico uma caracturizao dessa psicologia. O que est em ponto como a mente de Alex, entorpecida pelo tratamento, interfere no corpo, causando nuseas. A mente, fazendo assimilaes de imagens com sensaes, afeta drasticamente o organismo material da personagem. Outra produo aclamada tambm de autoria de Kubrick, o filme 2001: uma odisseia no espao. Nele encontramos uma controvrsia entre os personagens, David Bowman e Frack Poole, interpretados respectivamente por Keir Dullea e Gary Lockwood, se apresentam de forma robtica na trama. Em contrapartida, o computador de bordo Hall 9000, com a voz de Douglas Rain, apresenta desejos, sentimentos, e uma vontade de entender e ser um humano.Vemos aqui uma contradio de corpos. Bowman e Poole so cientistas, que durante o filme nada demonstram ser humanos, apesar de o serem. Hall, mesmo sendo uma mquina, demonstra mais caractersticas humanas que os cientistas. Os dois primeiros personagens possuem o corpo, enquanto o ultimo possui a mente. Alguns embates com essa temtica podem tambm ser visto em Matrix (1999), dos irmos Wachowski. Nos constatado na trama, que todos os humanos vivem exposto em uma falsa realidade, enquanto os corpos, em um estado de hibernao, so utilizados para fins energticos.Nesse caso, Matrix uma falsa realidade, onde a maioria dos seres humanos acreditam viver. Nessa falsa realidade que se encontra o fator imaterial, a mente. O fator material, os corpos, so mantidos em casulos para serem usados como baterias para as maquinas. A filosofia da obra levanta inmeras questes, nos fazendo suspeitar da nossa prpria realidade, e como poderamos encontrar pistas de que o que ns vivemos no real. Esse pensamento, novamente, no remete a Descartes, em suas reflexes sobre a distino de sonho e realidade. (ANDRADE, 2006, pp. 56-7)No filme de Spike Jonze, Ela (2013), vemos uma temtica comum no gnero da fico cientfica, a relao homem-mquina. Nesse romance, Theodore (Joaquim Phoenix), inicia um relacionamento amoroso com Samantha, um sistema operacional, (Scarlett Johansson). Logo eles se embatem com o fato de Samantha no possuir um corpo fsico. Na tentativa de suprir tal necessidade, ela convence uma amiga a relacionar-se com Theodore, enquanto ele ouve Samantha falar.Notamos novamente, assim como em 2001: uma odisseia no espao, o desejo da mquina em ter um corpo. Entretanto no decorrer da trama, evidencia-se que Theodore no exige de Samantha um corpo. Sua afeio originada dos sentimentos expostos por ela. Sentimentos so fenmenos mentais, logo, a relao entre as duas personagens se d quase que exclusivamente no campo imaterial. na mente, e no no corpo, que o relacionamento em Ela se desenvolve.Em Transcendence: a revoluo (2014), de Wally Pfister, temos um movimento de fatores. O Dr. Will Caster (Johnny Depp), um pesquisador de inteligncia artificial, sofre um atentado, o envenenando. Sua mulher, Evelyn (Rebeca Hall) faz uso das experincias do marido para transferir a conscincia de Will para um computador.Aps conectado com a internet, Will se desenvolve cada vez mais, e por meio de pesquisa com nanotecnologias, chega a controlar outros corpos humanos. Verificamos ento mais de um movimento com esse personagem, que transitou a mente, ignorando seu corpo inicial, e agora sua mente transita em outros corpos. Em outras palavras, Will transcende os corpos com a mente. Vemos tambm uma fala interessante do personagem Max (Paul Bettany), demonstrado que sua postura materialista da realidade fora abalada:Eu passei minha vida tentando reduzir o crebro a impulsos eltricos. Eu falhei. A emoo humana pode conter um conflito ilgico. Pode amar algum, e ainda assim odiar seus feitos. (Pfister, 2014)

Nessa curta analise, tentamos mostra como a relao corpo e mente atua em produes cinematogrficas com alguns exemplos de filmes de fico cientfica. Por certos outros gneros podem ser analisados, e de forma mais profunda. Entretanto na fico cientfica, muito provavelmente, essa problemtica ser utilizada em produes futuras, por ser uma temtica que se associa facilmente a relao homem-mquina, temtica essa recorrente no gnero que aqui trabalhamos.

Referncias:ANDRADE, Ramon Souza Capelle de. Conhecimento sensorial: uma abordagem ecolgica via realismo informacional. Dissertao (Mestrado em Filosofia) Marlia, 2006.