filosofia da existência: origem, características e situação na filosofia actual

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Revista Portuguesa de Filosofia Filosofia da Existência: Origem, características e situação na Filosofia actual Author(s): Júlio Fragata Source: Revista Portuguesa de Filosofia, T. 16, Fasc. 3 (Jul. - Sep., 1960), pp. 336-350 Published by: Revista Portuguesa de Filosofia Stable URL: http://www.jstor.org/stable/40333885 . Accessed: 11/05/2014 12:04 Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at . http://www.jstor.org/page/info/about/policies/terms.jsp . JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. . Revista Portuguesa de Filosofia is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista Portuguesa de Filosofia. http://www.jstor.org This content downloaded from 77.100.111.200 on Sun, 11 May 2014 12:04:26 PM All use subject to JSTOR Terms and Conditions

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Revista Portuguesa de Filosofia

Filosofia da Existência: Origem, características e situação na Filosofia actualAuthor(s): Júlio FragataSource: Revista Portuguesa de Filosofia, T. 16, Fasc. 3 (Jul. - Sep., 1960), pp. 336-350Published by: Revista Portuguesa de FilosofiaStable URL: http://www.jstor.org/stable/40333885 .

Accessed: 11/05/2014 12:04

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Filosofia da Exist6ncia Origem, caracteristicas e situaqao na Filosofia actual

1. - Na sequencia historica do pensamento filosofico oci- dental, verificamos, repetidas vezes, que o impulso deixado por pensadores mais eminentes tende a degenerar, originando uma epoca de multiplicidade e decadencia que encerra, apesar de tudo, os germenes de novo apogeu.

A primeira efervescencia do pensamento grego veio a diluir-se num jogo sofistico de palavras contra o qua! reagiu o espi- rito sensato e serio de Socrates que atingiu a mais elevada pujan^a em Platao e Aristoteles. Do declinio dos liltimos tempos anterio* res a nossa era e primeiros seculos do Cristianismo surgiu, num novo impulso, por um lado o platonismo emanantista de Plotino, por outro, o platonismo cristianizado de S. Agostinho. Segue-se novo periodo de rescaldo, preparado, a volta do pensamento aris- totelico, pelos arabes, judeus e cristaos. Deste ambiente brotou a sintese aristotelico*crista de S. Tomas de Aquino que manteve o apogeu filosofico durante o final da Idade Media.

O declinio da Escolastica marca o inicio da filosofia do Renascimento, periodo de desorientagao e confusao do qual se levantou, contudo, a serie dos filosofos fundamentals da Filosofia Moderna, sob o influxo caracteristico de Descartes 0). Um novo declinio, no seculo do Iluminismo, originou o esfor^o <sintetico de Kant e a pujan^a filosofica dos pensadores subsequentes, ate que, a partir dos meados do seculo pa<ssado, se apresenta uma nova

C) £ interessante salientar como o impuUo cartesiano tern as suas raizes particularmente na Filosofia medieval, sabre tudo na Escolastica que nao deixava de continuar a exercer o seu influxo, mais ou menos latente, na mentalidade renascentista e que Descartes estudou em La Fleche. Sobre este ass unto, cfr. £. Gilson, Etude sur le role de la pensee mediivale dans la formation du sys- teme car t£ si en, Vrin, Paris, 1951*

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jClio fragata - filosofia da exist£ncia 337

epoca de multiplicidade e divergencias acentuadas, entre as quais se enquadra a Filosofia da Existencia, vulgarmente designada tanv bdm por Existencialismo (2).

2. - Os germenes da situagao presente descobrimo-los ja na Filosofia do Renascimento. Neste ambiente notam-se duas ten- dencias que hao-de explicar as duas correntes fundamentals da Filosofia Moderna e, ulteriormente, o desabrochar da Filosofia da Existencia.

Por um lado, o interesse primordial pelo homem, tipico do humanismo renascentista, levou os pensadores a valorizagao daquilo que o constitui precisamente como homem, que e a razao. Compreendemos assim o racionalismo de Descartes, continuado sobretudo em Espinosa e Leibniz.

Por outro lado, a paixao pela natureza e o esperan$oso des- pertar das ciencias empiricas induziram naturalmente ao interesse pela experiencia, o que explica o empirismo filosofico dos pensa- dores ingleses, representado sobretudo por Hobbes, Locke, Berke- ley e Hume.

3. - Nestas duas correntes fundamentals da Filosofia Mo- derna, manteve-se o Racionalismo numa suposi^ao realista, ao passo que o Empirismo come^ou a desenvolver-se numa tendencia idealista. A sintese de Kant operou uma modifica^ao surpreen- dente: Transpos para o racionalismo o idealismo que veio a cul- minar em Hegel. O homem passou entao a ser um momento evo- lutivo da ideia. E, como o processo dialectico se desenvolve com a rigidez da necessidade logica, tambem o homem se viu despro- vido de liberdade, despersonalizado, inteiramente diluido no Estado que passou a constituir o supremo grau de ser.

O equivalente do empirismo anterior a Kant manifestou-se, posterionnente, no materialismo, representado sobretudo pela ten-

O £ pereferivel a expressao «Filosofia da Existencia», por ser menos discutivel na opiniao dos mesmos pensadores que se costumam agrupar nesta corrente. Sartre e Merleu-Ponty nao rejeitam a designac,ao de «existencialistas». Heidegger e Jaspers, pelo contrario, nao concordam com ela; o mesmo se diga de Marcel que, apesar de tudo, consente ser denominado «existencialista cris- tao». Todos eles, exceptuando Heidegger, concordam porem em ser designados como «filosofos da exUteiicia». Cfr. J. Wahl, Les philosophies de V existence, Colin, Paris, 1954, pp. 7-8.

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dencia positivista, pelos filosofos evolucionistas e pelo Materia- lismo Dialectics O materialismo apresenta-se agora desprovido do antigo idealismo, mas mais crassamente experimentalista. Nele, o homem acaba por ficar reduzido a um momento evolutive da materia. O seu condicionalismo e equiparado ao de qualquer ser meramente material; apenas a peculiar organiza^ao mecanica Ihe permite um modo diferente de reagir. Os seus impulses regenvse porem pelas leis fisico-quimicas da materia. Temos o homem redu- zido a um mero automato, desprovido de liberdade, e portanto igualmente despersonalizado, diluido na materialidade.

4. _ Contra esta despersonaliza^ao arvoraram-se sobretudo dois pensadores: Kierkegaard e Nietzsche. O primeiro moveu-se num piano espiritualistico, e portanto com armas hauridas fun- damentalmente do mesmo racionalismo; o segundo, num piano materiali&ta, e por isso sem renunciar inteiramente ao evolucio* nismo que Ihe forneceu as bases para a idealizagao do super* -homem. Ambos reagiram sem abandonar inteiramente o campo do adversario. Um e outro pretenderam concentrar o pensamento no homem concreto com todas as suas possibilidades vitais de superagao, e levar a cabo uma obra de resgate.

Esta sugestao foi aproveitada pela actual Filosofia da Exis- tencia que assim tern em Kierkegaard e Nietzsche os seus mais influentes precursores. O metodo fenomenologioo, iniciado por Husserl, pora ao seu alcance um processo analitico-reflexivo de evidenciagao em ordem a este empreendimento de revaloriza^ao do homem concreto.

5. - Mais dificil se torna determinar as caracteristicas fun- damentais da Filosofia da Existencia. A razao da dificuldade esta no caracter individualistico dos que se costumam designar como representantes desta corrente. Somos sempre levados a admitir que nenhuma defini^ao quadra perfeitamente a qualquer deles. O con'junto de caracteristicas, que necessariamente tern de abran- ger a muitos, em nenhum se verifica integralmente, pelo menos num sentido rigoroso, e em cada qual adquire sempre uma modali- dade, por vezes notavelmente diferenciada.

No entanto, julgamos possivel salientar um conjunto carac- teristico de elementos que revelem uma mentalidade suficiente"

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JOLIO FRAGATA-FILOSOFIA DA EXIST&NCIA 339

mente definida no impulso ou na maneira de filosofar dos autores que se costumam agrupar aqui. £ o que vamos tentar fazer.

6. - Encontramos ja um elemento importante ao delinear a origem historica desta corrente filosofica: Trata-se dum impulso de valoriza$ao do homem. Portanto, entre os tres pontos tradicio- nais da tematica filosofica, - mundo, homem, Deus, - e a volta do homem que se desenvolve a Filosofia da Existencia, o que nao significa que descure o mundo nem que rejeite necessariamente a Deus. Este interesse humanistico parece-nos mesmo o mais fun* damentaL O homem e precisamente a «existencia» que aqui esta em questao.

Nao ha duvida que em Heidegger o ponto central para o qual convergem todas as suas analises e o ser, cujo sentido pro* fundo pretende desvendar. Sob este aspecto, Heidegger tern razao em nao querer ser enquadrado sob a designa^ao de « existencia- lista» ou «filosofo da existencia». O seu ambiente proprio esta antes na linha dos pensadores que, por meio da analise fenome- nologica, buscaram uma restauragao do espirito metafisico aba- lado por Kant, ou seja, na continua^ao de Husserl, M. Scheler e N. Hartmann. Apesar de tudo, nao ha ninguem que se atreva a eliminar Heidegger da corrente vulgarmente chamada Existencia- lismo- Porque? - Sem duvida porque ele apresenta outras carac- teristicas a que adiante nos referiremos; tambem, porque foi ele um dos principals influenciadores desta mentalidade filosofica, embora muitos «existencialistas» se tenham afastado tanto dele que se colocaram em posigoes inteiramente opostas. Alem disso, se o homem, a existencia, ou o Dasein, como prefere dizer Hei- degger, nao constitui o ponto central enquanto ultimo fim em vista, e nele, contudo, que se centram as analises heideggerianas em ordem a esse fim. O ponto de apoio e portanto o homem. E uma analitica do homem, embora empreendida em orde-m a investigagao daquilo que fundamenta o proprio ser da Metafisica, nao deixa de chamar a aten^ao para a importancia do homem e contribuir portanto, indirectamente pelo menos, para a sua valo- riza^ao*

Este interesse pelo homem, cujas ansias mais profundas se investigam numa tentativa de apaziguamento, e bem nitido quer em Kferkegaard, Jaspers e Marcel, quer em Sartre e Merleau-Ponty. Os tres primeiros nem se contentam so com investigar estas ansias

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e aquieta4as num am-bito meramente humano; esfor$am»se por elevar o homem a um piano em que se lhe abram perspectivas ultra-humanas de resgate. E a Divindade aparece, embora atraves de processos divergentes e nem sempre satisfatorios, como comple- mento necessario para o qual o homem deve inevitavelmente abrhvse, em ordem a uma valorizac.ao da sua mesma individua- lidade.

Kierkegaard deturpou esta elevac,ao num cristianismo dema* siado antropocentrico (3). Jaspers ofuscou-a com a concep^ao de um Deus que aparece apenas em cifras e a que a enigmatica «fe filosofica» nao consegue tirar o caracter inacessiveL Marcel foi, sem diivida, o que mais francamente se abriu para o Set aibsolu- tamente transcendente, misterioso e inefavel, encontrado atraves do «misterio do ser» em que o proprio individuo humano se ve comprometido.

Sartre, para quern «o Existencialismo e um Hutnanismo», situa-se numa perspectiva exclusivamente humana. Coloca-se num piano «onde existem so homens» (4) e, encerrado ne«te horizonte fechado, esforc,a*se por « tirar todas as consequencias duma posi^ao atei-a coerente» (5). Cremos que consegue faze-lo, mas as conse- quencias a que chegou sao a prova mais evidente da incoerencia da posi^ao ateista que pressupoe. Este existencialismo e apenas um esforc,o frustrado de apaziguamento das ansias mais profun* damente humanas. A valorizagao do homem no sentido pleno nao e concebivel a partir duma tal atitude, porque so se pode valorizar quern dispoe de elementos que estao para alem daquilo que ele mesmo e. E Sartre fecha-se exclusivamente sobre o homem que fica assim reduzido a «uma paixao inutil» (6). Merleau-Ponty, partindo da mesma posi^ao ateista, adopta uma atitude mais opti* mista. Cremos que nesta conclusao e menos penetrante do que Sartre, porque menos logico. A razao deste optimismo esta antes

(a) Como o cristianismo autentico deve ser tcocentrico, apresenta-se*nos em Kierkegaard uma e&pecie de « cristianismo invertido». Tivemos ocasiao de nos referir mais explicitamente a este assunto num pequeno artigo, O existencia* lismo teologico de Kierkegaard, publicado na revista «Filosofia», Lbboa, 2 (1956), 250-255.

(4) J.'P. Sartre, V exist entialisme est un humanisme, Nagel, Paris, 1951, p. 36.

(■) Ib., p. 94. (e) J.-P. Sartre, Vetre et le niant, Gallimard, Paris, 1943, p. 708.

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no seu materialismo, no qual procura refugiar-se, a maneira de Nietzsche, e em cujo progressive desenvolvimento quer encontrar a esperan^a redentora. MerleauJPonty e francamente simpatizante com o Materialismo Dialectico (7)«

7. - - Afirmando que a Filosofia da Existencia segue num impulso de humaniza^ao, em ordem a resgatar e valorizar o homem, nao dizemos afrida tudo relativamente a esta caracteris- tica fundamental. Existe nela qualquer coisa que a determina ainda mais e a torna, por assim dizer, exclusiva desta corrente filosofica.

O mero impulso de valoriza^ao humana invadiu continua* mente, dum modo mais ou menos preponderate, o pensamento de quase todos os filosofos. A antiga Grecia conheceu uma valori- za^ao a partir do encanto das qualidades naturais e da explora- ^ao das actividades emocionais que Platao exaltou com a doutrina da perenidade na vida de alem-tiimulo. S. Agostinho foi o eco cristao deste exaltamento, com a doutrina da perenidade em Deus.

A etica aristotelica orientou-se tambem a uma valorizagao humana, pela explicitagao das normas em conformidade com as quais o homem deve proceder. Mas aqui e antes a razao fria que fala, apresentando aquilo que a vontade livre deve seguir em ordem a garantia do aperfei^oamento humano. Este mesmo me- todo, embora com mentalidade diferente e conteudo notavelmente alterado, foi seguido por Epicuro e pelos estoicos. A etica dos filosofos escolasticos e o eco cristao do processo aristotelico. Mas, enquanto Ari«toteles a apresentou como urn todo, no complexo das exigencias humanas, a etica filosofica da Escolastica apre- s>enta^e apenas como um elemento parcial que deve ser comple- tado, no hom^m concreto, por uma valorizagao mais intima e individual, orientada pelos misterios da Redengao e da Salva^ao.

No Renascim-ento, assistimos a uma nova modalidade de exaltamento humano. O homem ganha consciencia de si e pre* tende impor-s« com a pujanga da sua individualidade e qualida* des naturais. Esta valoriza^ao nao so e demasiado naturalista, mas tambem demasiado exteriorizada e, por is.so, reveste um cunho de caracter ainda peculiarmente colectivo. O coarctamento exagerado

O Sobre este assunto, cfr. D. Martins, O comunismo existencialista de Merleau-<Pontyf artigo publicado nesta revista, 9 (1953), 225-250.

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ao ambito da natureza humana, que pretende arvorar-se como independente e sem peias, mostra os germenes duma autosuficien- cia radical e doentia de que alguns filosofos da Existencia hao-de ser o eco. O Iluminismo exagerara esta tendencia, por uma exal- tagao desmedida das possibilidades da razao humana. Fica-se ainda, apesar de tudo, num piano demasiado teorioo de propa* ganda e nao se toca intimamente na vitalidade concreta e indi- vidual.

A valorizagao empreendida pela Filosofia da Existencia nao pretende normalizar nem sistematizar principios que o homem haja de seguir. Nao formula, portanto, propriamente, uma dou- trina que, estabelecida e como que colocada fora do hom^m, seja norma da sua actividade interna. Isto seria teorizar demasiado e conceder a razao um papel exageradamente preponderante. fi neste sentido que a Filosofia da Existencia esta em oposi^ao com o processo aristotelico, que foi seguido tambem por Descartes, muito caracteristicamente por Espinosa e mesmo por Kant e seus imediatos continuadores* O impulso existencialista encontra-se antes enquadrado na linha platonica e augustiniana. Mas, aquilo que, nestes autores, era mais espontaneo e implicito, aqui expli- cita-se vincadamente e dum modo reflexamente preconcebido. Alem disso, esta valoriza^ao, ao contrario daquela que e buscada atraves da tecnica moderna, nao tern tanto em vista o bem-estar geral, nem projecta altera^ao no curso exterior dos acontecimen- tos. Toda ela esta voltada para o individuo, e caracteristicamente personalista e, tendo em conta a realidade concreta da pessoa humana, nas suas ansias e exigencias naturais internas e na sua rela^ao ao ambiente exterior, procura chamar a atengao para estas inquieta^oes e para aquilo que podera apazigua*las. £ a&sim que o homem consegue realizar-se e, por isso, valorizar-se.

Sob este aspecto, a Filosofia da Existencia apresenta-se ja suficientemente definida como tal. Nunca antes se insistira tanto f ilosof icamente no caracter concreto e vital do homem, - na sua modalidade de «Existente». So o Cristianismo revelou com niti* dez uma preocupagao semelhante; mas uma religiao revelada esta para alem dos mold'es de qualquer filosofia.

8. -- As outras caracteristicas da Filosofia da Existencia jul* gamo4as antes uma consequencia deste impulso de valoriza^ao do homem atraves do seu «existir» concreto. Convem, no entanto,

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charnar a atengao, dum modo particular, para mais duas: Uma brota do caracter concreto deste panto de partida; outra, do pro- prio fim valorativo que $e tern em vista.

9. - Em rigor, um ponto de partida concreto pode ser fun* damento de dedugoes especulativas. Mas entao, o proprio filo- sofar perde espontaneamente o seu caracter concreto e adquire um sentido que se convencionou chamar « abstractor A Filosofia da Existencia nao pretende so partir da realidade humana como se apresenta, mas conservar tambem este frescor vital, atraves do desenvolvimento filosofico. Em pleno seculo XX, encontrou ao -seu alcance um metodo particularmente apto a permitir a reflexao filosofica sem necessidade de abandonar o terrene vital e concreto: Este metodo foi a Fenomenologia, desenvolvida, a partir de 1900, por E. Hus&erl. Mesmo prescindindo do caracter de depura^ao «transcendental» a que o seu fundador pretendeu eleva-la, - ati- tude que foi rejeitada, logo desde inicio, por todos os di&cipulos do mesmo Husserl - o metodo fenomenologico reveste um duplo as-pecto de importancia flagrante no impulso existencialista. Por um lado, possui uma propriedade de penetra^ao reflexiva, gragas a qual as coisas como que afloram a consciencia, tornando*se intui- tivamente presentes. Esta «intui^ao» nao e mais que o viver cons- ciente da presen^a do objecto. Tratando-se duma filosofia que tern como centro o homem, nao ha diivida que o metodo fenomenolo* gico se revela particularmente apto a fazer vir a superficie os pro- blemas tipicamente humanos em que eu mesmo, neste impulso reflexivo, me vejo intrometido.

Por outro lado, a fenomenologia descreve o resultado desta evidencia^ao. Portanto, nao teoriza, mas apenas verifica, depois de nos ter levado ao contacto intimo com a realidade. Ate que ponto se apresenta ou nao possivel uma fidelidade rigorosamente exclusiva a este metodo, e um problema que nao discutimos aqui. A Filosofia da Existencia caminha porem, dum modo preponde* rante, nesta orienta^ao. Heidegger, Sartre e Merleau-Panty sao os autores que mais fieis se mantem a ela. Que a fenomenologia nao implica necessariamente uma exclusao daquilo que transcende o ambito dos objectos rigorosamente proporcionados a nossa inte- ligencia - a que os escolasticos chamaram quidditas rei mate' rialis - podera admitir'Se, e transparece mesmo praticamente na filosofia fenomenologica de M. Scheler e Edith Stein. Em con-

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creto, porem, Heidegger nao se abriu, ate agora, para alem deste ambito; Sartre e MerleauJ?onty fecharam-se mesmo explicita- mente sobre ele. Jaspers e Marcel preferiram ate renunciar ao rigor do metodo fenomenologico para, de algum modo, se abrirem ao Ser infinito.

10. - Finalmente, uma caracteristica consequente, neste impulso de valorizagao, e a importancia concedida a liberdade. Podera atribuir-se-lhe vim ambito mais ou menos amplo, uma interpretac,ao mais ou menos remota da que e defendida na Filo* sofia Escolastica, mas renunciar inteiramente a ela seria sacrificar aquilo que de mais vital e concreto ha no homem. £ pela liberdade que este se distingue dos outros animais e se transforma no ser «inseguro» que corre o risco da propria d-ecisao. Sem ela, o homem nao poderia desesperar, viveria tranquilo, sem temor, sem angus* tias e sem a nausea da propria existencia. Mas e gramas a ela que se torna capaz de efectuar a sua propria realizagao, de mostrar aquilo que verdadeiramente e, de se valorizar.

Aqui, tocamos urn ponto tambem caracteristico nesta corrente filosofica: A existencia precede a essencia. Primeiro e o homem, no seu viver, na sua existencia concreta. Mas esta «Existencia» revela*se a si mesma, como inqui»eta e ansiosa, atra* ves duma serie de possibilidades. Na medida em que conhece estas possibilidades, compreende o homem a sua essencia qu«e ele, pela decisao livre, tern que realizar, se pretende valorizar*se, - encontrar urn sedativo para a sua angustia. £ nesta antecipa^ao da existencia a essencia, daquilo que e ao que pode ser, que se atinge o homem, na sua totalidade concreta, como ser temporal. Atraves do tempo, mostra ele integralmtente aquilo que e: ex-sis* tencia, - ser continuamente fora de si, em realiza^ao continua.

Kierkegaard falseia, por vezes, o ambito e o sentido desta liberdade, pois para ele o homem tern possibilidade de ser tanto mais livre quanto mais inevitavel e aquilo que tern que viver. Por isso, o supremo acto de liberdade realiza4o-a na aceita^ao espon* tanea da morte. Jaspers pretende mesmo estabelecer uma liberdade para alem do determinismo e do indeterminismo, identificada com o proprio homem concreto. Tal liberdade e antes uma mera impo- sigao de si mesmo. Podera talvez considerar-se ainda como uma decisao; mas nao e uma elei^ao.

Sartre, pelo contrario, vinca particularmente o caracter inde-

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terminista da liberdade que nao e um atributo, mas constitui o proprio ser humano, naquilo mesmo que tern de especificamente humano que e «ser-para-si», vazio de «ser-em-si». Esta liberdade e um fim em si mesma, age exclusivamente para si, e por isso apresenta-se com plena autonomia. Nao conhece peias, mas tam- bem nao possui garantias para a sua escolha. O homem fica assim um ser essencialmente lan^ado para a incerteza, vazio e sem espe- ranga; nao tern mais que aguentar com a propria nausea e infe- licidade, e diluuvse numa vida espontanea entregue ao curso livre da natureza, se quer encontrar algum alivio. Neste ponto, Sartre esta flagrantemente em oposi^ao com Kierkegaard que pretendia elevar o homem acima desta vida ao sabor dos sentidos, como a dos animais. Uma filosofia onde falha Deus e logico que se refu- gie nesta espontaneidade naturalistica, se quer ainda encontrar alguma sombra de satisfa^ao,

Em Marcel, aparece claramente uma liberdade ao servigo da fidelidade. Uma liberdade assim concebida tern uma finalidade fora de si mesma, onde esta o seu enlevo e a sua esperan$a- Mar- cel e o filosofo da «esperan$a» acalentadora que culmina no amor, na intimidade do eu e tu. E este «Tu» e iiltimamente o Ser infi* nito, aquele que sabe perfeitamente corresponder a fidelidade a que <o «eu» livremente se d-ecidiu.

11. - Se quisermos tentar resumir as caracteristicas da Filo- sofia da Existencia numa unica frase, sempre imperfeita, mas sufi- cientemente clara, depois do que acabamos de dizer, podemos escrever:

A Filosofia da Existencia, vulgarmente chamada Existen- cialismo, e uma corrente filosofica, que tern como centro o homem, com o fim de o valorizar, atraves duma andlise da sua existencia concreta e das suas possibilidades, realiz&veis sob o influxo da decU sao livre.

Fagamos apenas duas rapidas observances. OEm primeiro lugar, de modo nenhum se trata dum sistema

filosofico, pois nao estamos perante um corpo doutrinal que se pretenda apresentar como organizado. Trata-se duma corrente, ou seja, dum impulso, duma especie de mentalidade que se mani* festa na ansia de valoriza^ao humana, com cunho caracteristica- mente original e, por vezes, muito divergente nos diferentes auto- res. Por isso, tivemos ocasiao de salientar o caracter vago e ate

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mesmo deficiente, quando pretendemos aplicar este complexo de caracteristicas a determinado filosofo em particular. Heidegger e sem diivida aquele a quern quadram mals imperfeitamente, pois nao so prescinde da finalidade valorativa do homem, mas nem sequer tern em vista urn problema propriamente centrado no homem. Sartre, se nao consegue seguir num impulso de valori- zagao positiva, nao ha diivida que, pelo menos, se orienta, mesmo demasiado exclusivamente, para o homem.

Nao se segue daqui a exclusao de um autor sistematico do ambito da Filosofia da Existencia. Cremos ate que o pensamento de qualqu^r deles e susceptivel de ser mais ou menos facilmente sistematizado, como aconteceu com Marcel (8), apesar de -ele, como em geral os demais representantes desta corrente, nao pre* tender^m uma sistematizagao.

Em* segundo lugar, observemos que, embora se trate dum impulso de valoriza$ao vital e concreto, nao se tern em vista um procesiso de caracter propriamente pragmatico. Se assim fosse, estariamos perante uma tecnica e nao perante uma corrente filoso- fica. Nao se pretende ensinar como o homem deve proceder na vida pratica para se valorizar. Faz*se-lhe apenas cair na conta das suas deficiencias, do seu valor, das suas aspiragoes e possibi- lidades concretas e vitais. Trata-se, primariamente, duma inves- tiga^ao, em ordem a qual o metodo fenomenologico, gramas ao seu poder analitico*reflexivo, se mostrou particularmente apto. Este impulso filosofico tera espontaneamente a forga das ideias concretas: formar uma mentalidade em conformidade com a qual cada homem orientara praticamente a sua vida integral.

12. - Uma vez clarificadas as caracteristicas fundamentais da Filosofia da Existencia, podemos ainda tentar situa-la no pen- samento filosofico contemporaneo. Salientamos ja que este se encontra numa epoca de multiplicidade e divergencias. Tal ambiente formou-se sobretudo de ha um seculo para ca e nele e,

(8) Esta sistematiza^ao foi feita por R. Troisfontaines, na obra em 2 volumes, De V existence a Vetre - La philosophic de Gabriel Marcel, Nauwc- laerts, Lou vain, 1953. Na carta*prefacio, o pr6prio Marcel elogia esta sistema- tiza^ao pela sua clareza e fidelidade, e declara tratar-se dum livro que ele mesmo desejaria ter escrito (p. 9).

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por enquanto, dificil nao so discernir com precisao os maiores vultos, mas sobretudo avaliar se come^amos ja a entrar no equi- valente as anteriores epocas de unificagao e apogeu. Nao e facil cair na conta dos grandes acontecimentos quando estes estao ainda numa fase inicial. A projecgao no futuro e o principal indicio da sua importancia. E essa prolj-ec^ao, se e mats facilmente suspei- tavel a proposito dos acontecimentos tecnioos, torna-se quase sem- pre particularmente enigmatica quando se trata dum desenvolvi- mento ideologico. Precisamos, pois, de nos distanciar mais no tempo, para que a apreciagao se torne criteriosa.

No entanto, sobretudo a partir do fim da ultima guerra, tem-se chegado ao delineamento, cada vez mais preciso, dum a mul- tiplicidade de correntes filosoficas, a volta das quais se procuram agrupar os diferentes pensadores. Nesta multiplicidade, apresen* tanvse ja, com suficiente nitidez, duas linhas fundamentais que se foram desenvolvendo simultaneamente, embora, como era de esperar, com influxos mutuos. Por um lado, temos a linha que poderemos caracterizar como idealismo*e$piritualismo que arranca do idealismo post-kantiano e continua num impulso vitalista de caracter realista. Por outro lado, temos a linha realismo*mat evict* lismo que reage contra o idealismo, numa tendencia de realismo exagerado, e encontrou eco sobretudo no ambiente materialista.

Convem termos presentes, mais em particular, os tra^os fun- damentais destas duas linhas, para salientarmos a posigao que, perante elas, ocupa a Filosofia da Existencia.

13* - O idealismo-espiritualismo representa a tendencia do pensamento filosofico na ansia dum impulso metafisico, o que nao significa ainda que todos os seus representantes admitam necess-a* riamente a Metafisica. Procura-se libertar o homem da mera materialidade, embora, por vezes, se enquadre em penspectivas meramente finitiatais. O ideal de valoriza^ao do homem, preci- siainento enquanto individuo humano, e aqui geralmente nitido. Para esta valoriza^ao contribuiu a corrente axiologica iniciada pela escola idealista de Baden e continuada no realisino equili- brado de M. Scheler e N. Hartmann. Em ordem a uma eleva^ao do homem, como ser espiritual, concorreram sobretudo pensadores francesies, como os filosofos vitalistas Bergson e Blondel e, mais conscientemente, a Filosofia do Espirito, iniciada por Lavelle e Le Senne, a que este ultimo deu tambem urn cunho axiologico*

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Nesta mesma linha, devemos inserir tambem a Escolastica contem- poranea, com o seu realismo moderado - ou, o que e o mesmo, com o seu idealismo moderado - e a sua tendencia nitidamente espiritualista. A Filosofia da vida marca ja bem claramente uma orienta^ao para o concreto e a Fenomenologia, apesar de conservar em Husserl ainda uma preponderancia especulativa, oferece, con* tudo, o metodo mais propicio a uma analise valorativa do concreto.

14. - A linha realismo-materialismo representa o des-envol- vimento filosofico sob o influxo pr<eponderante do experimenta- lismo cientifico. Esta portanto orientada para o sensivelmente observavel que tern um caracter mais pratico e imediato e, por isso mesmo, tambem concreto, embora num sentido mais colectivo que individual. Aqui podemos enquadrar a Metafisica Indutiva de Fechner, o Positivismo de Comte, o Neo^positivismo do circulo de Viena, o Pragmatismo americano de Peirce, James e Dewey, e a tendencia epistemologica em reduzir a ideia a coisa em si, nao ja com prejuizo do objecto, como no idealismo, mas com prejuizo da mesma ideia. O Evolucionismo biologico depressa come^ou a entrar no ambito filosofico, contaminado pelo materialismo da epoca, e formou o terreno mais propicio para a dialectica marxista, adoptada pelo Comunismo. A materia tornou-se a raiz ultima de tudo, ate do proprio homem que, atraves dela, deve buscar a sua unica eleva^ao. Nietzscbe pretende atingir o super*homem no «sentido da terra»; o Materialismo Dialectico aspira ao ambiente paradisiaco duma sociedade perfeitamente equilibrada, e portanto sem Estado, na doutrina materialista da evolu^ao social.

15. - Se quisermos enquadrar necessariamente a Filosofia da Existencia nalguma das linhas que acabamos de descrever, e evidente que devemos inclui-la antes no idealismo-espiritualismo. Os tseus repres-entantes mantem-se preponderantemente na sequen* cia da restauragao do impulso metafisico. Heidegger nem tern outro fim em vista ao elaborar uma «ontologia fundamental)) e desta mesma perspfcctiva se aproxima Sartre com a sua «ontologia fenomenol6gica». Ate que ponto este inter esse metafisico se mani* festa coerente, mesmo nestes dois autores, e outro problema cuja solugao, qualquer que seja, nao afecta este enquadramento.

Se o ambiente da Filosofia da Existencia se mantem franca* mente realista, nao chega aos excessos do realismo exagerado,

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caracteristico de muitos autores da linha realismo-materialismo. Cremos ate que a sua tendencia realista se deve, em grande parte, ao influxo fenomenologico que, a partir do inicio deste seculo, desviou o racionalismo kantiano do idealismo para o realismo.

Contudo, podemos salientar, mais precisamente, a posi^ao da Filosofia da Existencia perante estas duas linhas fundamentals do pen&amento filosofico contemporaneo.

16. - A Filosofia da Existencia tern de comum com ambas as tendencias o interesse preponderante pelo imediato e pelo con- creto. Ja o metodo fenomenologico, na sua origem husserliana, fora preponderantemente influenciado pelo empirismo de Hume. Esta caracteristica empirista conserva-se claramente nos filosofos da existencia que usaram esse metodo e representa, nesta corrente, urn ponto de contacto com o materialismo, enquanto tende a obser- va^ao do que se apres-enta como imediato. Simplesmente que este caracter imediato nao se restringe, na Filosofia da Existencia, ao ambito exclusivamente sensivel. O motivo desta liberta^ao esta nao so no facto de ela ser defendida pelo proprio Husserl, mas tambem nas tendencias espiritualisticas que se notam na maioria dos representantes da Filosofia da Vida, uma das correntes que, pelo s>eu sentido vital e concrete, preponderantemente influenciou a Filosofia da Existencia.

Em relagao a linha idealismo-espiritualismo, esta corrente filosofica rejeita o idealismo exagerado que contaminou essa ten- dencia, por exemplo nas escolas de Marburg e de Baden, em Croce e em Gentile; tal idealismo, explorado ate as ultimas consequen- cias, iria cair, logicamente, num panteismo despersonalizante. Pelo contrario, aceita a valoriza^ao vital de consequencias francamente libertadoars da individualidade despersonalizada. Esta aceita$ao e clara, embora nem sempre se efectue num ambiente perfeita- mentte espiritualista.

Relativamente a linha realismo-materialisimo, repudia quer a visao unilateral que nao reconhece mais nada alem da mat^ria, quer, em particular, o impulso de valoriza^ao meramente cotec- tiva em que o individuo fica submergido. fi sobretudo neste ponto que se mostra a oposi^ao ao materialismo de cujo influxo se pre- tende resgatar o individuo. Por outro lado, o individuo so pode valorizaavse atraves do desenvolvimento temporal. Esta especie de evolucionismo historico, embora enquadrado na vida indivi*

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dual, nao deixa de ter analogia com o evolucionismo biologico e historico que o materialismo desenvolve num piano orientado a valoriaagao colectiva.

1 7. - Se quisermos prescindir da ordena^ao cronologica e ater-nos, por agora, a um nexo meramente ideologico, podemos encarar do modo seguinte o movimento filosofico actual, a partir dos meados do seculo passado:

A divfcrsidade vai desde o idealis-mo, caract^ristico dos post* -kantianos das es-colas de Marburg e de Baden, passando por um atenuagao que o transforma em vitalismo e por um realismo mo- derado ate um realismo exagerado que, atraves do evolucionismo materialista veio dar finalmente ao materialismo dialectico.

Onde devemos colocar a Filosofia da Existencia? - Cremos que, precisamente, no transito do realismo moderado para o exa- gerado. Como este transito determina o ponto divisorio entre as duas linhas fundamentais a que nos referimos, a Filosofia da Exis- tencia ocupa a posigao intermediaria. Enquanto reagiu vitalistica- mente contra o idealismo, manteve-se num realismo moderado. Mas, enquanto mostra a tendencia acentuada para o concreto e o imediato, manifesta tambem os germenes duma identifica^ao rea- lista da ideia com o objecto. Contudo, esta posi^ao da Filosofia da existencia esta ainda particularmente ligada a primeira linha, - a do ideali«mo-espiritualismo. fi evidente no caso de Marcel, e mesmo no de Jaspers; menos evidente, e por is«o ja com tenden* cias mais consentaneas com a linhua do realismo-materialismo, em autores como Sartre e Merleau-^Ponty.

JDLIO FRAGATA

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