filo sofia

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A RELAÇÃO ENTRE A RACIONALIDADE TECNOLOGICA E A INDÚSTRIA CULTURAL Atualmente vivemos em uma sociedade onde toda função é muito bem delimitada e específica. Desde que nascemos somos indagados do que queremos ser quando crescermos, ao terminar o colégio sofremos pressões sociais para que nos aperfeiçoamos em algo, fazendo cursos técnicos ou alguma faculdade, quando acabamos a faculdade temos que fazer mestrado, após isso doutorado e se tivermos conseguido chegar a esse ponto somos incentivados a fazer pós-doutorado. Toda essa busca pela especialização por conhecimentos cada vez mais centrados visa à produtividade, eficiência e lucro, presente no livro O Capital de Karl Marx, que vem a ser a racionalidade tecnológica 1 . Tomando como exemplo uma fábrica que tenha o modelo de linha de produção Fordista, cada parte do produto final será feita por uma pessoa que é especializada naquele fragmento do produto, se for uma camisa uma pessoa será especialista em fazer a modelagem desta camisa, a próxima sessão da montagem terá alguém para fazer exclusivamente o corte da peça e assim por diante sendo que ao final da produção de todas as partes elas serão juntadas como um quebra cabeça realizando o produto final. Da mesma forma que o Fordismo se aplica ao produto pode ser aplicado também ao trabalhador, pois não importa quem tenha fabricado a peça, o que importa é que ela seja feita transformando o trabalhador em uma mera peça do quebra cabeça. 1 MARCUSE, Hebert. Tenologia,Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999. Termo aparece à partir do século XX. 1

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Page 1: Filo Sofia

A RELAÇÃO ENTRE A RACIONALIDADE TECNOLOGICA E A INDÚSTRIA CULTURAL

Atualmente vivemos em uma sociedade onde toda função é muito bem

delimitada e específica. Desde que nascemos somos indagados do que queremos

ser quando crescermos, ao terminar o colégio sofremos pressões sociais para que

nos aperfeiçoamos em algo, fazendo cursos técnicos ou alguma faculdade, quando

acabamos a faculdade temos que fazer mestrado, após isso doutorado e se tivermos

conseguido chegar a esse ponto somos incentivados a fazer pós-doutorado. Toda

essa busca pela especialização por conhecimentos cada vez mais centrados visa à

produtividade, eficiência e lucro, presente no livro O Capital de Karl Marx, que vem a

ser a racionalidade tecnológica1.

Tomando como exemplo uma fábrica que tenha o modelo de linha de produção

Fordista, cada parte do produto final será feita por uma pessoa que é especializada

naquele fragmento do produto, se for uma camisa uma pessoa será especialista em

fazer a modelagem desta camisa, a próxima sessão da montagem terá alguém para

fazer exclusivamente o corte da peça e assim por diante sendo que ao final da

produção de todas as partes elas serão juntadas como um quebra cabeça

realizando o produto final. Da mesma forma que o Fordismo se aplica ao produto

pode ser aplicado também ao trabalhador, pois não importa quem tenha fabricado a

peça, o que importa é que ela seja feita transformando o trabalhador em uma mera

peça do quebra cabeça.

Chegamos a um ponto que não só as fábricas aderiram a essa racionalidade

como também é adotado por todo meio social, devido ao caráter competitivo do

capitalismo. Há quem planeje toda a vida de modo a torna-la mais eficiente, é como

os itinerários de viagens as pessoas não se viajam pra aproveitar os lugares com

calma e relaxar e sim para conhecer o máximo de lugares possíveis e para dizer que

estiveram lá.

Essa racionalização do cotidiano se tornou possível graças a Revolução

Francesa (final do século XVIII e começo do século XIX) e seu lema de “Liberdade,

Igualdade e Fraternidade” que foi a base para sistemas políticos liberais viabilizando

o pleno desenvolvimento da racionalidade tecnológica. “Para realizar esta

racionalidade pressupunha-se um ambiente social e econômico adequado, um

1 MARCUSE, Hebert. Tenologia,Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999. Termo aparece à partir do século XX.

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ambiente que atraísse indivíduos cuja conduta social fosse pelo menos em grande

medida, seu próprio trabalho. A sociedade liberal era considerada o ambiente

adequado à racionalidade individualista.” 2 Essa racionalidade individualista nada

mais é do que a busca do próprio interesse que só é possível que aconteça através

da liberdade proporcionada pela sociedade liberal, que prega valores como a livre

concorrência.

Mas afinal se há a liberdade para a busca dos próprios interesses como o

individuo vai parar a mero posto de peça de quebra cabeça citado anteriormente?

Pelo simples motivo que a racionalidade tecnológica, mesmo sendo em si neutra,

em sua aplicação causa resultados contrários dependendo de como for usada. Do

mesmo modo que as tecnologias facilitam a vida, na maioria das formas de utilizá-la

induz o individuo a repetição e não ao questionamento sendo altamente alienante.

“O comércio, a técnica, as necessidades humanas e a natureza se unem em um

mecanismo racional e conveniente. Aquele seguir as instruções será mais bem-

sucedido, subordinando sua espontaneidade à sabedoria anônima que ordenou tudo

pra ele.” 3 Da mesma forma que requer certo esclarecimento, um conhecimento

orientado sobre sua função, mantem o trabalhador como indivíduo na sua

minoridade4 sendo uma situação de não liberdade, evidenciando uma classe

dominante. O indivíduo deixa de autônomo e se torna heterônomo, há uma

massificação dos indivíduos não só por causa da falta de ideias próprias e

pensamento crítico.

A Indústria Cultural5 tem um grande papel para a manutenção e uso dessa

racionalidade, pois a mesma nada mais é que um mercado, onde a mercadoria é a

cultura, vista como diversão, o papel dela é fornecer entretenimento, a posição

política, seu modo de vida, para essa nova massa, o que devem gostar e não gostar,

sendo uma Cultura Popular6 com conteúdo simples, sem rebuscamentos e que não

tenha o intuito de fazer pensar e sim esvaziar a mente, dessa forma a racionalidade

causa uma mimesis repressiva no indivíduo, pois ele descarrega suas emoções ao

assistir e/ou ouvir uma cena e não vivenciando algo, pois quando assistem à novela

a noite e veem o mocinho injustiçado vencendo sobre o seu opressor se sentem 2 Idem, p. 76.3 Idem, p.80.4 HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Paz e Terra, 2002.5 O termo Indústria Cultural se relaciona não a produção e sim a distribuição de sua mercadoria. 6 BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte Na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica, 1955.

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representados naquilo e simplesmente se acomodam e não lutam contra quem o

oprime. Sendo as novelas, os filmes de grande bilheteria, a maioria das músicas,

etc. são feitas e comercializadas para fornecer todas as ideias formadas e polidas de

tal forma que são aceitas sem questionamento algum. Um bom exemplo disso é a

moda lançada por grandes filmes como o vestido preto de Audrey Hepburn em

Bonequinha de Luxo (1961), as polainas em Flash Dance (1983) entre outros, que

atuam principalmente nos jovens que seguindo a moda buscam uma identidade

individual dentro de grupos massificados.

Os quadros, as esculturas, as músicas, as artes em geral perdem seu prestígio,

pois são facilmente reproduzidos graças ao cinema, o rádio, a fotografia. Porque ter

o CD original de uma banda se este mesmo “produto”, cunhado desta maneira

agora, está disponível gratuitamente na internet? Segundo Adorno e Horkheimer

essa facilidade provoca um déficit no conhecimento, pois para desfrutar de uma

música anteriormente era necessário saber tocá-la e além do mais os arranjos e

harmonias se tornam mais pobres, pois se baseiam em repetições de poucos

acordes e letras que também são repetitivas para que sejam facilmente decoradas e

reproduzíveis as tornando grandes sucessos.

A evolução das técnicas da Indústria Cultural ocorre como em qualquer outro

setor econômico se adequando a necessidade dos indivíduos, pois “A interrogação

não é substituída pela pura obediência. Tanto isso é verdade que a grande

reorganização do cinema às vésperas da Primeira Guerra Mundial, premissa

material da sua expansão, foi, de fato, um adequar-se consciente às necessidades

do público controladas pelas cifras de bilheteria, coisa que, no tempo dos pioneiros

do cinema, nem sequer se pensava levar em conta.” 7 ocorrendo até hoje, pois

atualmente pouco dos filmes lançados têm um roteiro original a maioria são

baseados em quadrinhos e livros de grande vendagem evidenciando que a

humanidade cada vez mais se aliena em si mesma.

Contudo a racionalidade tecnológica atinge a tudo e todos inclusive aqueles

que se valem dela para se enaltecerem, do mesmo modo ocorre com a Indústria

Cultural que rege nossa vida, pois não há como viver fora dela sendo a Indústria

Cultural a melhor exemplificação do uso da técnica para a manipulação e

dominação.

7 HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Indústria Cultural: A Mistificação das Massas. In: A Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Paz e Terra, p. 99-137, 2002.

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Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os

homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (Paulo

Freire. A Pedagogia do Oprimido).

BIBLIOGRAFIA:

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte Na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica, 1955.

HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

KANT, Immanuel. O que e o Esclarecimento? Resposta à revista semanal Büsching,

1783.

MARCUSE, Hebert. Tenologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP,

1999.

MARX, Karl. O capital. Coleção Os economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

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