filmes em sala de aula–realidade e ficção-uma análise do uso do cinema pelos professores de...
TRANSCRIPT
-
SANDRO LUIS FERNANDES
FILMES EM SALA DE AULA REALIDADE E FICO:
Uma anlise do uso do cinema pelos professores de histria
Dissertao apresentada como requisito
parcial para obteno do grau de Mestre.
Curso de Ps-Graduao em Educao
Linha de Cultura, Escola e Ensino ,
Universidade Federal do Paran.
Orientadora: Professora Doutora Susana da
Costa Ferreira.
CURITIBA
ABRIL/2007
-
ii
-
iii
SUMRIO
LISTA DE GRFICOS E TABELAS .................................................................... v
RESUMO ................................................................................................................ vi
ABSTRACT ............................................................................................................ vii
INTRODUO ....................................................................................................... 01
Captulo 1 Cinema, histria e ensino ................................................................ 10
1.1 A histria e o Ensino de Histria: uma discusso .............................................. 10
1.2 Os filmes e o cotidiano escolar .......................................................................... 14
1.3 Cinema, escola e histria no Brasil: uma reviso .............................................. 21
1.4 A indstria cultural, o cinema e a escola no Brasil ............................................ 28
Captulo 2 O cinema nas prticas escolares: o discurso dos professores
entrevistados............................................................................................................. 37
2.1 Os objetivos do uso de filmes em sala de aula .................................................... 37
2.1.1 Discusso e complementao das aulas e estudos de histria .......................... 37
2.1.2 Crtica s produes ........................................................................................ 40
2.1.3 Ilustrao e fixao de temas histricos ......................................................... 43
2.2 A presena da tecnologia na escola ................................................................... 46
2.3 A relao dos professores com o cinema e algumas perspectivas tericas ....... 48
2.4 Reflexo em torno da Indstria Cultural do ponto de vista dos entrevistados .. 54
2.5 A relao dos alunos com o cinema e a interferncia nos hbitos com o uso de filmes
pelos professores de Histria ............................................................................. 56
Captulo 3 Possibilidades de anlise flmica para uso de obras cinematogrficas
como recurso didtico ............................................................................................ 60
3.1 As prticas escolares e os filmes produzidos pela indstria .............................. 61
3.2 Possibilidades de anlise do filme pelo professor ............................................. 64
3.2.1 A continuidade ................................................................................................ 68
3.2.2 Os personagens ............................................................................................... 68
3.2.3 Planos .............................................................................................................. 68
3.2.4 Seqncias ....................................................................................................... 68
3.2.5 Cenrios e figurinos ........................................................................................ 69
-
iv
3.2.6 Texto ............................................................................................................... 69
3.2.7 Trilha sonora e efeitos relao entre som e imagem .................................... 69
3.2.8 Alguns aspectos scios organizacionais e empresariais do cinema ................ 70
3.2.9 Pontos de vista da narrativa ............................................................................ 71
3.3 Sugestes para encaminhamento de prticas em sala de aula ........................... 71
3.3.1 Gladiador ....................................................................................................... 72
3.3.1.1 Representaes a respeito da civilizao romana antiga no cinema ............ 76
3.3.2 O nome da Rosa............................................................................................. 78
3.3.2.1 Sugesto de atividades.................................................................................. 81
3.3.3 Olga................................................................................................................. 83
3.3.3.1 Comparao entre produes de pases diferentes....................................... 86
3.3.3.2 Comparao entre produes de pocas distintas......................................... 86
3.3.4 Tempos Modernos.......................................................................................... 87
3.3.4.1 O mundo do trabalho.................................................................................... 88
3.3.4.2 O homem e as mquinas............................................................................... 92
3.5 Consideraes a respeito das atividades sugeridas............................................. 95
CONSIDERAES FINAIS................................................................................. 98
REFERNCIAS...................................................................................................... 102
ANEXOS.................................................................................................................. 109
-
v
LISTA DE GRFICOS E TABELAS
Tabela 1 Filmes relacionados para comparao em relao obra Cruzada. 73
Tabela 2 Filmes relacionados para atividade com a obra Gladiador............. 74
Tabela 3 Outras obras picas (dcada de 50 e 60)........................................... 77
Tabela 4 Obras relacionadas para atividade com o filme O nome da Rosa .. 79
Tabela 5 Obras relacionadas para atividade com o filme Olga....................... 84
Tabela 6 Obras escolhidas para estudos relacionados ao filme Tempos Modernos 88
Grfico 1 Formao dos professores pesquisados............................................. 110
Grfico 2 Tempo de magistrio dos professores ............................................. 111
Grfico 3 Colgios pesquisados: nmero de professores.................................. 111
Grfico 4 Colgios: total de alunos................................................................... 112
Grfico 5 Qualidade do acervo de filmes da escola segundo os professores ... 113
Grfico 6 Freqncia do uso de filmes............................................................. 113
-
vi
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa emprica envolvendo professores de Histria do ensino mdio de
nove escolas de uma regio de Curitiba. A observao foi realizada com vinte e um
profissionais, sendo nove deles entrevistados. Foram analisadas as condies materiais, as
prticas, os conceitos e a presena da indstria cultural nesta relao de ensino, a qual
interfere na formao dos alunos. Tal relao foi analisada considerando a cultura escolar, a
prtica didtica, e a relao do professor com seus alunos e com o cinema. No
desenvolvimento h uma reviso bibliogrfica de estudos a respeito das relaes histricas
entre cinema e educao, com nfase ao ensino de histria, indstria cultural,
tecnologia, bem como de estudos que enfatizam o cinema como produto cultural com
linguagem esttica singular. As entrevistas analisadas levaram necessidade de sugerir
prticas didticas para o ensino de histria envolvendo filmes j apresentados em prticas
dos professores.
Palavras-chave: Ensino de Histria, Ensino Mdio, Cinema e Indstria Cultural.
-
vii
ABSTRACT
This is an empirical research involving High School History teachers from nine different
schools in the city of Curitiba. The observation was made from twenty-one professionals,
nine of which were interviewed. Material conditions, practices, concepts, and the cultural
industry presence in this learning sector were analyzed; all of them interfere in students
background. This relation was analyzed considering school culture, didactics, student-
teacher relationships, and cinema. The development brings a bibliographic review about the
historical relations between cinema and education, with special emphasis to History
learning, cultural industry, technology and also studies which emphasize cinema as a
cultural product with a singular aesthetics language. The analyzed interview showed the
need of suggesting didactic practices for History teaching which involve films previously
presented in class by teachers.
Key-words: History learning, High School, Cinema and Cultural Industry.
-
1
INTRODUO
Numa reunio formal de professores de ensino mdio, um professor de Biologia fez
a seguinte declarao: aps passar horas organizando um vdeo para seus alunos, viu seu
trabalho recompensado quando, na sala de aula, ao passar sua produo para a turma,
observou um silncio sepulcral, todos prestando muita ateno. Segundo o mesmo
professor, coisa rara naquela turma, principalmente na ltima aula, caso de tal experincia.
Sem entrar em apreciaes quanto qualidade do vdeo de Biologia, importante
registrar o sucesso de tal tipo de atividade em outras disciplinas, em todos os nveis de
ensino. Declaraes e comentrios sobre a prtica so comuns por parte dos professores, e
nos colgios facilmente detectada pela procura macia de agendamento do material
(televiso, videocassete e DVD).
Dvidas pairam diante de tal constatao: como os professores usam esses recursos?
Na disciplina Histria isso freqente, inclusive com filmes de fico. H preparao dos
professores em relao ao uso das imagens? Qual o significado da presena do cinema no
cotidiano dos professores? Quais as discusses tericas que fundamentam tal prtica?
Na graduao do curso de Histria, era comum a presena de filmes histricos em
algumas disciplinas. Usados das mais diversas maneiras, tambm tinham presena
garantida em discusses intelectuais e programas no-regulares de erudio. Cine-debates,
discusses a respeito de diretores, filmes como documento, obras historiograficamente
corretas e incorretas, tudo era objeto de discusso. Porm no havia preocupao com
disciplinas que se dirigissem diretamente ao uso regular do cinema em sala de aula.
Diante da constatao de tal lacuna na formao de professores e orientao de
alunos em geral, busca-se compreender a presena e o uso do cinema no ensino mdio na
disciplina de Histria. Ou seja, como os professores vem, entendem e se relacionam com o
cinema, considerando outrossim a percepo dos profissionais do ensino sobre a influncia
do cinema no cotidiano de seus alunos, como os professores dimensionam a linguagem
cinematogrfica em suas prprias reflexes pessoais e, principalmente, o uso que se faz de
tais recursos flmicos em sala de aula.
Para tratar das questes envolvidas nas prticas observadas e procurar responder aos
questionamentos iniciais, alguns pressupostos e categorias so necessrios para a
-
2
elaborao de todas as etapas da pesquisa. Em primeiro lugar entender a cultura e sua
presena na escola, o papel da Indstria Cultural como fornecedora de bens culturais que
fazem parte do cotidiano de alunos e professores, levando em conta que tais bens no so
produzidos para fins didticos e pedaggicos.
Para fundamentar o processo de entendimento destas prticas necessrio
considerar o histrico do uso do cinema como recurso didtico, e as possibilidades de
anlises flmicas usadas e sugeridas neste tipo de ambiente, a sala de aula. E finalmente
buscar entender o processo de formao e pseudo-formao dos professores e estudantes
segundo a crtica da Escola de Frankfurt.
Ao levar o recurso flmico para sala de aula necessrio refletir sobre sua insero
no cotidiano, em virtude da grande aceitao do cinema. Por ser um produto da Indstria
Cultural assimilado e consumido cotidianamente, sua presena comum maioria em salas
de cinema, VHS ou DVD, e principalmente na TV, aberta e fechada. Dessa forma se faz
necessrio pensar a atitude dos professores diante de um tipo especfico de produo
cultural contempornea.
Nesta perspectiva importante um olhar sobre a produo cinematogrfica
contempornea, em relao aos meios de realizao. Considerando a evoluo industrial de
produo de filmes, diversos elementos devem ser considerados na gama variada da
produo cinematogrfica, assim como nas implicaes contextuais e histricas que podem
ajudar a entender no s a presena do cinema na escola, como fornecer elementos para
uma utilizao adequada, na recorrente prtica dos professores em sala de aula.
Elementos tais como: direo, trilha sonora, cenrios, figurinos, efeitos sonoros,
visuais, etc., compem um panorama passvel de anlise que pode ajudar a entender a
produo, bem como apontar procedimentos didticos que orientem os alunos para a crtica
e conscincia histrica.
Alm do trabalho com a anlise flmica, faz-se necessrio verificar as possibilidades
de trabalho com cinema, estudos, matrias, notcias e informaes que orientem e discutam
a prtica do uso de filmes como recurso didtico e tambm como fonte histrica,
percorrendo a histria do uso do cinema em sala de aula no Brasil, nos diversos nveis de
ensino, at recomendaes didticas explcitas sobre o uso do cinema em aulas de Histria.
-
3
No Brasil, a preocupao e tambm alguma prtica com filmes na escola aparece
desde os anos 20, com maior disseminao nos anos 80 e com grande presena a partir dos
anos 90 (SUBTIL e BELLONI, 2002). Com a disseminao de recursos prprios das novas
tecnologias, os filmes passam a contar com uma facilitao no seu uso.
A grande presena em sala de aula relativa ao baixo custo de aquisio de
equipamentos, facilidade de acesso aos vdeos por parte dos professores e melhoria da
qualidade tcnica das produes ao longo dos anos. Sendo assim, a tecnologia como
recurso da Indstria cultural recorrente. Destacam-se duas possibilidades de anlise: a
tecnologia da comunicao facilitando o acesso; e a indstria cultural acelerando o
consumo e facilitando a divulgao e presena das produes cinematogrficas.
A abordagem foi orientada teoricamente pela categorizao e conceitos: cinema,
indstria cultural e semiformao. Principalmente em relao prtica e reflexo dos
professores em torno das relaes culturais do contexto escolar, relacionadas com as
atividades que utilizam filmes. A identificao das prticas comuns e singulares dos
docentes, resultantes e resultados dos produtos e processos culturais que compem o
universo scio escolar, seja interno, externo, intercambiantes ou instveis iluminar o
percurso.
So consideradas como um dos pontos de partida nas pesquisas, as transformaes
culturais produzidas pelos sujeitos escolares, na dinmica do prprio processo interno das
rotinas de escolarizao, que geram experincias individuais e alteram as relaes sociais.
Este estudo procurar entender a conduo destas prticas e a preparao dos professores,
com base na presena da cultura industrial e tecnolgica na escola. A investigao teve
como base a observao da ao promovida por professores e a organizao didtica em
relao aos alunos que vivenciam tais experincias na escola.
A partir de meados dos anos 80, com auge nos anos 90, houve uma grande
disseminao dos equipamentos que proporcionaram a facilitao do uso do cinema na
escola: TV e videocassete. Dentro dessa perspectiva, a investigao das escolas pblicas de
ensino mdio revelou a posse, a instalao e o uso dos equipamentos. Os nove colgios
observados pertencem a um setor1 especfico do Ncleo Regional de Educao de Curitiba,
1 O Ncleo Regional de Educao de Curitiba subdividido em setores. E cada setor responsvel pelo contato direto com as escolas de determinada regio da cidade. Os nove colgios pesquisados compunham o quadro total de ensino mdio do qual este setor era responsvel no ano de 2005.
-
4
vinculado Secretaria Estadual da Educao do Paran. Esto localizados em 6 bairros de
uma regio da cidade.
Em nenhum dos colgios havia projetores multimdia, apesar de alguns
professores demonstrarem anseio pela aquisio de um. Mas, em se tratando da estrutura,
no houve reclamaes relevantes sobre a mesma. Apenas consideraes sobre necessidade
de ampliao das dimenses da TV ou melhoria no local de exibio de filmes (cadeiras
mais confortveis ou adequao de som e luz). O colgio com maior nmero de alunos
tambm o que tem melhor estrutura para uso de filmes na escola. Possui uma sala
especial, alm de equipamento que pode circular pelas dependncias do colgio.
Desenvolveu-se pesquisa de aproximao nos colgios, iniciada por uma
conversa com a direo e posteriormente a entrega de um questionrio a ser respondido
pelos professores de histria do estabelecimento, bem como se efetivaram entrevistas com
professores e responsveis pela organizao didtica e pedaggica da escola.
Os colgios foram escolhidos por tratar-se de amostra representativa e por
atenderem escolares de uma mesma regio. Considera-se tambm que a comunidade os
classifica em nveis diferentes. Os colgios tm diferenas significativas em nvel de infra-
estrutura e de projeto pedaggico, bem como so distintos por seu cuidado na organizao,
na disciplina e na relao com a comunidade. So diferentes inclusive quanto dimenso.
O maior tem cerca de 1.100 alunos, nos trs turnos no ensino mdio, e o menor tem cerca
de 100 alunos. Esta definio dos colgios foi determinada pelo setor do ncleo regional de
Educao de Curitiba. A autorizao para pesquisa foi estendida aos nove colgios que
faziam parte desse setor. A quantidade de professores prende-se ao fato dos colgios terem
na sua maioria apenas duas aulas de histria por semana, apenas em dois colgios as
terceiras sries tinham trs aulas por semana dessa disciplina.
A escolha da Histria, como disciplina a ser investigada, deveu-se a observao
emprica do uso recorrente do cinema em sala de aula pelos professores. Nesta disciplina,
durante a pesquisa com os professores, foram verificados os procedimentos didticos, o
comportamento dos envolvidos durante a apreciao de filmes, e o nvel de experincias
geradas pelas atividades propostas pelos professores segundo seus prprios relatos.
Os filmes selecionados definem-se por apresentar caractersticas histricas,
baseados num fato ou tema histrico importante; ou porque marcaram a histria do cinema
-
5
e da humanidade. A seleo de filmes relacionados no trabalho resulta de observaes
prvias e contatos com professores. O interesse mais profundo, instigador da pesquisa,
decorre dos questionamentos recorrentes sobre a presena e a influncia da Indstria
Cultural, revelada ou incgnita nos filmes apresentados nas aulas de histria no ensino
mdio.
Os filmes de fico analisados so os histricos, ou seja, que faam referncia
historiografia, ou possibilitem alguma discusso histrica, seja como argumento principal,
secundrio ou apenas cenrio para a obra. Pelas categorias de anlise ou gnero que
estavam abertos nos questionrios de aproximao, podem estar includos diversos tipos de
filmes: drama, aventura, suspense, ao, animao, policial, western, romance, etc. Sobre a
organizao das categorias considera-se Ferro (1992). Partindo do princpio do
desconhecimento dos professores em relao aos gneros, apresentou-se um rol de
tipologias que facilitariam a categorizao segundo critrios da indstria cinematogrfica
bem como da relao entre a produo e a historiografia e o ensino de histria.
Diferenciando gneros consagrados com a criao da categoria histrica, pensando no
contedo histrico oficial da obra, ou ambientao adequada s necessidades do roteiro que
mostram temas ou caractersticas histricas marcantes.
A presena marcante da indstria cultural norte-americana no ensino facilmente
detectada considerando as obras citadas com mais freqncia nas aulas de histria de
acordo com o questionrio de aproximao entregue a vinte professores. Dos vinte e um
filmes citados com os ltimo s utilizados em sala de aula, apenas 8 so produzidos fora dos
EUA, dois na Alemanha, um na Polnia, um na Frana e quatro no Brasil. E mesmo assim
a maioria dos estrangeiros seguem a esttica hollywoodiana, ou seja, baseados numa
narrativa e argumentos comuns no cinema produzido no Estados Unidos da Amrica do
Norte. Exceo que cabe apenas a um filme produzido pelo cineasta brasileiro Slvio Back:
A guerra dos Pelados, o qual desenvolve um modo de produo com oramento limitado
que se aproxima esttica do Cinema Novo, com caracterstica de denncia de um
problema social (a posse da terra) no resolvido no Brasil.
Ao estabelecer contato com os professores, buscou-se entender o processo cultural
que leva a contradio do uso do cinema. A contradio refere-se linguagem
cinematogrfica que afasta o aluno dos textos, ao mesmo tempo em que possibilita a crtica
-
6
do universo imagtico e oral do cotidiano. Essa compreenso ser efetivada por meio da
anlise dialtica dos processos e experincias pelos quais passam os professores no
cotidiano da sala de aula, com o uso de uma linguagem baseada na oralidade e nas imagens.
Outro foco do estudo so as experincias envolvendo o cinema na perspectiva do repertrio
dos professores, bem como suas relaes com as produes culturais dentro e fora da
escola, possibilitando ressignificar o cotidiano dos envolvidos, investigando os
procedimentos, prticas, estratgias, instrumentos e recursos pedaggicos.
Os professores que participaram da pesquisa responderam questionrios em um
primeiro momento de aproximao com a escola. Ao todo 20 professores responderam.
Portanto, estas questes foram a porta de acesso aos procedimentos utilizados para
apreciao de filmes na escola. Posteriormente, com base no retorno dos questionrios,
foram marcadas entrevistas2 que ocorreram individualmente no espao da escola em que o
professor leciona. Nove professores, um de cada colgio, foram entrevistados. O critrio de
seleo foi relativo ao professor que mais utilizava o cinema em suas aulas. Nos dois
colgios onde havia apenas um professor de histria, mesmo assim a entrevista revelou a
utilizao de filmes pelos professores numa freqncia satisfatria para o desenvolvimento
da pesquisa.
Na entrevista foram investigadas questes mais especficas, assim como outras
complementares ainda no abordadas nos questionrios, sempre em relao prtica dos
professores quanto s atividades com o uso dos filmes: fundamentao terica, observaes
sobre a recepo dos alunos, uso na escola, relao com a indstria cinematogrfica e
consumo. As entrevistas objetivaram confirmao e aprofundamento em algumas questes
para validao da aproximao j realizada com o questionrio: gneros utilizados,
freqncia de uso, acervo, estrutura da escola e estratgias de abordagem.
Na anlise, considera-se a qualificao do professor somada observao atenta
das descries das prticas pedaggicas, experincias e dimenso cultural dos professores,
coletadas nas entrevistas. Depois da primeira aproximao com o ambiente da escola,
outras observaes foram pertinentes para o desenvolvimento do trabalho. Na observao
em relao aos professores, para evitar constrangimentos, no foram presenciadas as
prticas na sala de aula. Apenas foi solicitada descrio de como a as atividades
2 Ver anexo roteiro de entrevista com professores.
-
7
envolvendo cinema so desenvolvidas: os filmes utilizados, a reao dos alunos, os
procedimentos do professor, o encaminhamento dos trabalhos, as relaes estabelecidas e
as experincias presenciadas.
Quanto aos demais envolvidos no processo escolar, principalmente os
coordenadores da disciplina de Histria, e, na sua ausncia, supervisores e diretores que
acompanham o trabalho do professor, foram estabelecidas conversas referentes
aproximao, para validar os relatos dos professores, bem como foram consultados os
responsveis pela manuteno ou instalao de equipamentos na escola, buscando
principalmente identificar os procedimentos de uso relacionados com as demais atividades
da escola, como dados sobre o uso de filmes e projetos de ensino, alm da sondagem de
como a representao das prticas dos professores so observadas.
A pesquisa proporcionou a comparao das escolas no mbito pblico. O estudo
comparativo de casos resultar em anlises em torno de prticas comuns, e nas diferenas
qualitativas com base na interpretao e tambm em dados estatsticos. A observao do
resultado quantitativo proporcionar a anlise qualitativa e os dados sero tratados num
continuum3.
Outrossim, estudos bibliogrficos realizados sobre a trajetria, no Brasil, do uso
do cinema em sala de aula4 possibilitaram a historicizao do papel da indstria cultural e
do governo na atitude dos professores. Com isso foi possvel analisar a participao do
mercado nestas escolhas e selees, ditando regras de produo e consumo. Isto deu
suporte para as investigaes, no que tange aos esforos didtico-pedaggicos e
institucionais para uso de equipamentos que melhorem e facilitem o trabalho dos
professores.
Os estudos concomitantes investigao possibilitaram a compreenso da atual
valorizao das tecnologias. As escolas esto mais voltadas para as tecnologias da
informao, principalmente informtica. E a informtica tem destaque em relao infra-
estrutura e espao das escolas investigadas.
3 Conforme Houaiss (2001): srie longa de elementos numa determinada seqncia, em que cada um difere minimamente do elemento subseqente, da resultando diferena acentuada entre os elementos iniciais e finais da seqncia analisada. 4 Almeida (2004), S (1967 e 1976), Napolitano (2003), Serrano (1930), Schvarzman (2004) e Woiski (1952).
-
8
Para o tratamento das entrevistas, desenvolveu-se anlise do discurso5, destacando
nfases e omisses comuns nos discursos dos professores, quantitativamente comparados
quanto formao, uso do cinema, tipos e ttulos de filmes, domnio terico do uso e
prticas em sala de aula, bem como a relao com a indstria cultural e a cultura escolar.
Na tcnica de associao de idias, o observador no neutro ou passivo. A
interpretao fundamental. Desta forma o nmero de entrevistas torna-se significativa
quando baseadas em entrevistas semi-estruturadas longas relacionadas a levantamentos
paralelos sobre as conjunturas sociais, histricas e culturais, as quais ajudam a construir as
relaes dos sujeitos sociais. Segundo SPINK, considerar o fato como parte da
interpretao, e conseguir empatia dos investigados, que so diferentes por escolha do
investigador, possibilita melhor desenvolvimento da interpretao, que
hermeneuticamente mais uma interpretao.
O primeiro captulo trata das aproximaes tericas que tratam das discusses em
torno dos conceitos de indstria cultural, semiformao, cultura, tecnologia e
desenvolvimento dos meios de comunicao no Brasil. A inteno deste captulo
apresentar as categorias que foram utilizadas para desenvolvimento da pesquisa e
consideraes sobre a investigao, envolvendo professores de histria do ensino mdio em
Curitiba.
O panorama da abordagem, desenvolvida diretamente na escola, considera a
presena constante do cinema no ensino de histria, bem como o seu uso freqente e muitas
vezes atabalhoado, por parte dos professores. Duas motivaes conduziram inicialmente a
pesquisa, e com elas iniciam-se as primeiras aproximaes ao tema aqui desenvolvido
histria cinema ensino, foram elas: a cultura escolar e o cinema.
O captulo 2 configura o desenvolvimento da anlise das entrevistas considerando
dialeticamente a construo da prtica pelos professores e as contradies geradas por essa
prtica, em contraposio ao discurso. Foram selecionados trechos das entrevistas e
apresentados em categorias que foram subdivididas em: objetivos com o uso de filmes em
sala de aula, a presena da tecnologia na escola, a relao dos professores com o cinema e
aproximaes tericas, reflexo em torno da indstria cultural e a relao dos alunos com o
cinema segundo os professores.
5 Spink (2000).
-
9
No desenvolvimento das anlises sobre o discurso foi considerada a dificuldade de
elaborao dos trabalhos com cinema, partindo da dificuldade de reflexo por parte dos
professores, bem como a semiformao recebida e reproduzida, sem esclarecimento e
crtica, em relao utilizao dos bens culturais produzidos pela indstria. Tal tratamento
didtico apresenta contradies: aproxima o aluno de fatos histricos, por ser uma
linguagem prxima e recorrente; porm o afasta da historiografia e do tratamento de
documentos histricos. E, consequentemente, o aluno se distancia da possibilidade de
desenvolver uma conscincia histrica.
A analise desenvolvida em torno das prticas dos professores motivou a continuao
do trabalho numa perspectiva que envolvesse crticas aos filmes e prticas desenvolvidas
pelos professores, e que ao mesmo tempo sugerisse prticas que considerassem uma
formao consciente e crtica aos alunos.
No captulo 3, em apenas algumas breves consideraes, a proposta de sugesto
para a observao de alguns aspectos significativos dos filmes, visando oferecer aos
professores de histria um percurso possvel para sistematizar uma prtica que possibilite o
desenvolvimento da conscincia histrica, da formao plena, bem como da capacidade
reflexiva e crtica dos envolvidos no uso de filmes em sala de aula.
-
10
Captulo 1 Cinema, histria e ensino.
1.1 A histria e o ensino de histria: uma discusso
O ensino de Histria no Brasil passa por um processo de reviso acadmica desde
os anos 80 (Schmidt, 1998). Essa reviso prope uma ruptura com o ensino positivista, o
qual trata de uma Histria que entende o passado para prever o futuro. Mas esta proposta de
mudana tem obstculos, considerando que h dilaceramentos no ensino provocados pela
ausncia de capacitao contnua, investimentos e mesmo salrios que possibilitem a
atualizao dos professores. Entretanto, h avanos na discusso, que podem ser percebidas
em algumas prticas de professores de Histria do ensino fundamental e mdio.
Um dos problemas a serem superados, discutidos na reviso do ensino de Histria,
a possibilidade de incluir nas aulas de histria, o prprio aluno. Saber da sua origem, dos
seus saberes, dos seus interesses e expectativas, e com isso tornar a aula de histria
dinmica e participativa, considerando na relao de aprendizagem o que o aluno traz de
experincias e significados de seu cotidiano, ou seja, da sua realidade mais prxima.
Entendemos por realidade mais prxima do aluno tudo o que est ligado sua prpria experincia de vida, que tem a ver com o que ele sente, pensa, sabe, se interessa, se preocupa etc., e que est marcado profundamente pela experincia do meio cultural que o envolve, dos grupos sociais nos quais ele est inserido. A questo sobre o objeto de estudo a ser trado deve ser suscitada pelo presente que o aluno vive. (CABRINI e outros, 1987, p.39)
Conhecer o aluno se responsabilizar pela Histria que ele vai aprender. E aprender
na pluralidade cultural, a partir da diversidade, sem excluir alunos distantes da realidade
esperada, idealizada e configurada nos materiais trazidos para sala de aula ou ainda
escolhendo alunos ideais que compartilhem ou esperem como resultado uma formao
reprodutivista. Muitos manuais de histria que esto no mercado editorial, apresentam uma
histria formal e oficial que deve ser ensinada segundo uma tradio conservadora.6
6 Ensino conservador parte de uma prtica positivista que considera que a histria serve para construir o futuro sem os erros do passado.
-
11
O professor, na nsia de atualizar seu discurso e se aproximar do aluno, utiliza os
filmes na sala de aula como alternativa e muitas vezes como substituio originada pela
ausncia e ou dificuldades de obteno do material didtico e de outros recursos como
bibliotecas equipadas, visitas a museus e locais histricos, pinacotecas entre outros.
Mas, caso no se considere a cultura do aluno, qualquer estratgia de ensino pode
ser refutada e no lograr xito. Isto porque as intenes do professor e do projeto de ensino
tm que ser claras e devem passar distante do que habitualmente chamado de ensino
tradicional ou conservador:
O passado aparece, portanto, de maneira a homogeneizar e a unificar as aes humanas na constituio de uma cultura nacional. A histria se apresenta, assim, como uma das disciplinas fundamentais no processo de formao de uma identidade comum o cidado nacional destinado a continuar a obra de organizao da nao brasileira. (NADAI, 1997, p.25)
A linearidade do discurso apontado por NADAI desconsidera o aluno e as
informaes que compem um universo cultural que deve ser levado em conta nas opes
didticas e recortes estudados em sala de aula. Esta elaborao da Histria do ensino de
Histria o objeto de estudo de PINSKY (1997), que conduz a uma reflexo sobre toda
uma trajetria histrico-educacional que se inicia com um contedo pitoresco, depois
herico, livre de contradies, passando por uma histria engajada e depois supostamente
integradora nos anos militares.
O aluno, sujeito que precisa ser levado em conta no ensino, ser humano que
transforma a sociedade e tambm influenciado por ela, s volta a ser discutido como
principal objeto da histria pesquisa e ensino nos anos 70, sob tutela dos militares, ou
seja, numa discusso isoladamente acadmica. O professor que teve experincias
pedaggicas e didticas com essa discusso revolucionria, ao chegar realidade da sala de
aula, enfrenta impedimentos de ordem econmica e estrutural das conseqncias
devastadoras da dcada de 80, que envolveram a desvalorizao dos professores em meio a
crises econmicas e polticas sucessivas.
Depois disso, o professor de Histria deve percorrer quais caminhos? Segundo
SCHMIDT (1998):
-
12
O professor de Histria pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho necessrias; o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lanar os germes do histrico. Ele o responsvel por ensinar o aluno a captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista. Ao professor cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegr-los num conjunto mais vasto de outros problemas, procurando transformar, em cada aula de Histria, temas em problemticas. (p.39)
Refletindo sobre as possibilidades do uso do cinema nas aulas de Histria, deve-se
levar em conta o filme, sua representao, seu valor como documento e tambm como
produto cultural reconhecidamente importante para os jovens que estabelecem no ensino
mdio estudos mais aprofundados de Histria. Freqentemente, os alunos reconhecem no
cinema traos do seu cotidiano e da sua cultura.
Segundo SCHMIDT:
Assim como a fotografia (imagem imvel), o cinema (imagem mvel) uma linguagem contempornea que exige cuidados especiais no seu uso na sala de aula. Alguns aspectos precisam ser mencionados como: a necessidade do conhecimento da historiografia do cinema; estudos sobre a presena da histria no cinema; da presena do historiador no cinema; a questo dos documentrios histricos e a construo da memria (ou da memria em runas); o cinema e a formao da conscincia histria e, finalmente, os aspectos que envolvem a especificidade do uso do filme no ensino de Histria. (2005, p.225)
O filme o objeto que pode auxiliar, pela linguagem conhecida, pela fascinao
provocada nos adolescentes. Trata-se de uma outra forma de produzir, entender, refletir e
criticar historicamente, pois um documento diferente dos contedos dos livros e ao
mesmo tempo comum aos estudantes, levando ao entendimento da provisoriedade da
verdade histrica. Segundo Schmidt (1998, p. 62): (...) levar superao da
compreenso do documento como prova do real, para entend-lo como documento
figurado, como ponto de partida do fazer histrico na sala de aula. Ento a transposio
didtica do contedo histrico associado ao filme deve levar em conta a problematizao, o
ensino, a construo e reconstruo de conceitos, os diversos momentos histricos da obra
(produo e argumento principal) e o documento. Etapas comuns no ensino de Histria,
levando em conta a explicao histrica que motivou o uso da obra cinematogrfica.
Tais explicaes devem ir alm da determinao do fato estudado como causa
acontecimento conseqncia.
-
13
Muito mais que as determinaes causais, importante levar o educando compreenso das mudanas e permanncias, das continuidades e descontinuidades. Essas noes so fundamentais na sua educao histrica e exigem, por parte do professor, uma grande ateno aos diferentes ritmos dos diferentes elementos que compem um processo histrico, bem como s complexas inter-relaes que interferem na compreenso dos processos de mudana social. (SCHMIDT, 1998, p.61)
O filme o suporte de um argumento. Traz uma verdade que pode ser construda
com base nos interesses e condies da produo. Por exemplo, o tempo, discusso
essencial na Histria, tem tratamentos diversos de acordo com os interesses artsticos ou
comerciais. Mostra-se com isso o interesse de quem produz em permitir presenas ou
ausncias. Ou mesmo reconstruo parcial da memria. Este tipo de anlise, corroborada
por Schmidt, mostra pressupostos para o ensino de Histria. Inclusive aponta para a
diversidade de percursos que ocorrem no ensino, as escolhas de alunos e professores que
possibilitam discusses de determinados enfoques dos fatos, dos heris, documentos e datas
histricas e dos prprios filmes que os registram.
Segundo SCHMIDT (2005) a seleo de alguns elementos pode levar a uma quebra
de paradigma com o ensino tradicional. Levando a aula de Histria do ensino mdio numa
direo de eixos temticos7, considerando a realidade social dos educandos e do meio onde
vivem superando limites locais e regionais. Os elementos so os seguintes:
A histria vista como processo, superando a linearidade e a evoluo
positiva;
A anlise dialtica da histria, rompendo com o entendimento de fatos
separados sem anlise da totalidade;
A histria sempre partindo do presente contrapondo-se idia de estudos
imparciais;
A interpretao da histria com base na realidade social (micro e macro) do
aluno, dando condies ao mesmo de entender e interferir.
7 Segundo SCHMIDT (2005, p. 206), Nesse sentido, eixos temticos podem ser entendidos, no s como a definio de questes articuladoras da anlise do real, como tambm o entendimento de que essas questes reportam-se a vrios assuntos que guardam unidade entre si a partir de uma identidade que lhes prpria.
-
14
1.2 Os filmes e o cotidiano escolar
A perspectiva de analisar a presena da tecnologia, da indstria cultural,
especialmente investigadas por meio da utilizao de filmes na escola, posto que dessa
forma integram a cultura escolar, bem como a preocupao com a relao do cinema com a
formao pedaggica e prtica didtica dos professores, estruturaram este trabalho.
A facilidade do uso e do acesso tornou a presena do cinema algo comum na cultura
escolar, seja como exemplos ilustrativos citados nos diversos contedos, indicaes em
material didtico, ou a exibio de filmes na sala de aula, recorrente a presena do cinema
no ensino.
O foco destes estudos estar no uso do cinema produzido para entretenimento e
consumo em massa, utilizados nas aulas de histria, pelos professores de colgios (ensino
mdio) pblicos, em Curitiba. Chamados de comerciais por alguns ou cinema
hollywoodiano por outros, o cinema presente nas aulas de histria vai alm dos
documentrios produzidos com fins historiogrficos, factuais ou biogrficos. Isto
demonstra, conforme Tardy (1976), uma maturidade pedaggica que discute a cultura alm
da tentativa legitimadora e positivista dos documentrios:
Alis, no certo que a distino entre cinema documentrio e cinema de fico seja inteiramente vlida e que no passe de uma dessas divises ditas escolares, que no constituem segredo apenas da pedagogia. Onde termina o documento? Sem dvida, em parte alguma, pois todo filme, examinado sob uma perspectiva adequada, pode revelar um aspecto documentrio. (p.33)
Usar os recursos didticos do vdeo ou DVD, televiso e cinema, transformou a
perspectiva da aula de histria, que tinha nos livros (didticos e paradidticos) e imagens de
obras de arte ou de acontecimentos que marcaram a histria do perodo estudado, o apoio
visual ao ensino. A ampliao do uso de recursos veio de fora da escola para dentro, e a
cultura escolar incorporou-o como prtica didtica.
-
15
Percebem-se muitas falhas tericas, pedaggica e historicamente, no uso e na
presena8 de filmes no cotidiano escolar. O que o professor produz como reflexo histrica
vai interferir no aprendizado do aluno. Segundo Rsen (2001), o raciocnio histrico do
historiador, e por extenso do professor de histria que na graduao teve contato com
historiografia, deve pressupor os seguintes elementos: como produzir a reflexo histrica?
Pode-se chegar l medida que o tratamento das fontes e da bibliografia pertinente ao tema seja permanentemente acompanhado de uma reflexo sobre as prprias questes colocadas, sobre os resultados possivelmente decorrentes dessas questes, sobre os procedimentos metdicos mais adequados s questes e, por fim, sobre os efeitos de orientao dos resultados esperados. Essas reflexes podem ser sistematizadas no mbito de uma teoria da histria. Com seu auxlio, o esforo de fundamentar os procedimentos de pesquisa facilitado, o carter argumentativo do trabalho reforado e sua qualidade cientfica, aumentada. Ao mesmo tempo, logra-se manter o controle sobre o volume de material pesquisado, extraindo dele o conjunto de informaes essenciais ao tema. (p. 41)
No universo dos sujeitos escolares, a tecnologia que pode levar o cinema para todos
est disseminada. Seu uso na escola, e tambm no lazer, comum, seja na TV aberta ou a
cabo, bem como pelas facilidades de locao (VHS e DVD). Em observaes
preliminares9, a partir do ano de 2001, todas as escolas de educao bsica que j haviam
sido palco para orientao de projetos de ensino, e tinham TV e vdeo disponvel para
professores e alunos. Escolas da Prefeitura Municipal de Curitiba e alguns colgios
particulares chegam hoje a ter TV em todas as salas de aula.
Tal presena destaca a cultura miditica na escola, vinculada principalmente
atualizao didtica e tecnolgica. Mas h preocupaes em torno dessa presena, na
medida em que no h crticas ou reflexes consistentes respeito de tais procedimentos
dentro da escola. Para Almeida (2001) isto reflexo da nova cultura oral presente na
sociedade. O autor considera que h uma valorizao cada vez maior da imagem e do som
8 comum, alm do uso de filmes na prtica dos professores, citao de filmes como recursos significativos ou ilustrativos, o que se considera como presena de obras cinematogrficas. Tambm podemos incluir as recomendaes no livro didtico para trabalho com filmes ou referncias, citaes de obras cinematogrficas no cotidiano escolar. Pode se considerar ainda a presena das obras cinematogrficas quando os alunos fazem referncias a filmes ou se utilizam deles para compor suas reflexes acerca do conhecimento histrico. 9 Orientao de projetos de ensino desde 2001, convnio entre Prefeitura Municipal de Curitiba e UNICENP. At 2004 o projeto foi chamado de Fazendo Escola, a partir de 2005 passou a se chamar Projeto Escola & Universidade. Total de 13 escolas, excluindo aquelas nas quais foram realizadas apenas avaliaes de projetos.
-
16
em detrimento da linguagem escrita. E essa nova cultura, prioritariamente imagtica e
sonora, est presente na escola. Fazem parte da cultura escolar elementos provenientes da
produo cultural que transmitem imagens e sons. Nas ltimas dcadas, principalmente
com a disseminao da televiso no Brasil, a produo cultural sofreu interferncias desse
meio de comunicao de massa. Reduziu-se a bilheteria nos cinemas10, bem como no
houve incremento significativo na leitura e tampouco na aquisio de livros11.
Segundo Almeida (2004), a cultura produzida com esse objetivo de consumo facilita
o acesso e o entendimento, infantilizando a programao e tratando o espectador de
maneira homognea e simples. As imagens e os sons so produzidos com princpios
diferentes da comunicao priorizada na escola: a escrita; e isto cria dificuldades ao
estudante que vem com uma referncia de leitura e escrita aqum da expectativa da escola.
As caractersticas de produo marcantes da sociedade com a ampliao do uso de
VHS e DVD aproximam a produo cinematogrfica de boa parte da populao. Alm
disso, na programao televisiva, de filmes e novelas, ou ainda de programas na TV de
auditrio, jornalismo e entretenimento, comum o uso da linguagem do cinema
(sonoplastia, trilha sonora, efeitos, etc.) para emocionar e prender a ateno do
telespectador com uma linguagem conhecida. Essa presena social da mdia, marca a
aproximao de programas de entretenimento (filmes, novelas, seriados, desenhos
animados, esportes, etc.) de acordo com os interesses empresariais que determinam tempo,
10 Conforme ALMEIDA e BUTCHER (2003) houve reduo numericamente at 1997, e mesmo com o incremento a partir de ento, proporcionalmente a presena nas salas de cinema pequena. 11 Cmara Brasileira do Livro (CBL), conforme pesquisa realizada em 2001. Segundo Felipe Lindoso, diretor de relaes internacionais da CBL, o brasileiro s no l porque no tem acesso ao livro. Isso acontece porque ganha mal e por desconhecimento da obra que est no mercado. Somam-se a esses fatores a questo da falta de costume, de tempo e de vontade do leitor se dirigir s estantes de uma biblioteca e apanhar um livro. Situao agravada por um sistema ineficaz de bibliotecas pblicas. No Brasil h uma populao alfabetizada, com mais de 14 anos, em torno de 86 milhes de pessoas. De acordo com pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, feita pela CBL em 40 cidades espalhadas por todas as regies do Pas, 62% desse contingente afirmam que gostam de ler, enquanto que 30% haviam lido um livro nos trs ltimos meses que antecederam a pesquisa, e 20% tinham lido apenas uma obra no ltimo ano. Lindoso explica que o ndice de leitura do povo brasileiro, quem compra e quem l um livro, at que bastante razovel. Ou seja, esse pblico l, em mdia, at seis livros por ano. Mas faz uma ressalva: traduzindo para uma populao alfabetizada, isso d l,2 livro ao ano, que significa um ndice extremamente baixo se comparado por exemplo com os nove livros por pessoa lidos nos Estados Unidos, e os 18 pelo Japo e Alemanha. E no se pode dizer que o livro brasileiro seja caro. No Brasil, de acordo com Lindoso com base na pesquisa, 11% das pessoas no lem por no terem dinheiro para comprar livros. Apenas 8% dos livros lidos foram retirados em bibliotecas pblicas, enquanto que aproximadamente metade da populao comprou os livros que leu. Por mais estranho que possa parecer, no cmputo geral, 39% declararam no ter tempo para a leitura, revela Lindoso. Semana da UNICAMP: 23 a 29 de julho de 2001. http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/semana/unihoje_sema152pag01.html - acesso em 02/12/2006.
-
17
horrio, programao, possiblidades de escolha, bem como do uso de estratgias comerciais
e industriais para o incentivo do consumo no lazer ou no cio.
Assim, a cultura produzida com interesses massivos, oral e imagtica, est na escola
vinculada atualizao tecnolgica e didtica12, tentando aproximaes com a cultura do
educando, com base numa lgica industrial de atualizao e novidades constantes. Para
refletir sobre o cinema produzido para fins comerciais na sala de aula, foi necessrio
considerar sua vinculao Indstria Cultural e cultura de massa, tendo como inteno
entender como este produto cultural chega de uma forma transparente13 at a escola, e
como tratado e usado pelos professores.
A indstria cultural est inserida na categoria de cultura, porque produz cultura com
fins diversos que interferem nas relaes sociais, transformando relaes e smbolos,
influencia e sofre influncias; necessrio considerar com Williams (1969), crtico
marxista, uma anlise da cultura considerando sua produo para a massa. Ao falar sobre
cultura de massa o autor historiciza o conceito e os interesses da produo, mostrando que a
inteno inicial prioritariamente o consumo da massa, que era originalmente tratada como
inferior, pois se destinava a quem tinha poucos recursos sociais e econmicos. Aos poucos
a produo foi sendo mais especfica sem deixar de ser industrial, diferenciando seus
produtos para atender a diversidade.
Esse autor ingls, ao pensar a cultura, orienta para que se deva considerar o valor
ideal (universal) de determinada produo, ou o modo como ela disseminada e
apropriada, bem como o seu valor como documento, que engloba caractersticas da
produo. Mas a anlise principal da cultura deve ser social, considerando significados e
valores. Ento para Williams no h cultura inferior ou superior, h diferenas quanto
apropriao. No pelo fato da cultura ser produzida para massa, que ela apropriada da
mesma forma por todos os destinatrios de um determinado produto cultural.
(...) eu definiria a teoria da cultura como um estudo das relaes entre os elementos de todo um modo de vida. A anlise da cultura tem a inteno de conhecer a origem da organizao que constitui a complexidade dessas relaes. As anlises de obras ou instituies especficas so, neste contexto, as anlises de um tipo especial de
12 A presena de equipamentos, principalmente de informtica, serve para demonstrar a atualizao da escola diante da produo tecnolgica e industrial (consumo) de ponta. 13 No h questionamento a respeito da presena, pois a escola reflete as condies e expectativas da sociedade.
-
18
organizao, as relaes que umas e outras representam como partes da organizao em seu conjunto. Nelas, a palavra chave padro: qualquer anlise cultural profunda comea com o conhecimento de um tipo caracterstico de padres, e a anlise cultural geral se ocupa das relaes entre eles, que s vezes revelam identidades e correspondncias inesperadas entre atividades ento consideradas separadas, e em outras ocasies mostram descontinuidades imprevistas. (WILLIAMS, 2003, p. 56) 14
Considerando Williams, se faz necessrio entender o uso e a experincia do cinema
em sala de aula, fazendo parte da obra histrica e cultural, construda com base em
determinado contexto, e principalmente com a possibilidade de produzir representaes que
so experimentadas e assimiladas, singular e coletivamente, dependendo da faixa etria e
capital cultural15 dos indivduos espectadores. Williams (2003) ainda nos proporciona
aprofundamentos sobre teoria da cultura que auxiliaro na continuidade da interpretao de
aspectos peculiares que se nos apresentam at o momento.
De acordo com essa orientao a respeito de padro, so elementos fundamentais da
pesquisa, a observao da prtica dos professores de histria em relao ao cinema, bem
como a presena da cultura de massa na cultura escolar, considerando aspectos como
tecnologia e indstria cultural.
O padro sugerido por Williams ser utilizado na anlise dos depoimentos a respeito
do uso de filmes por professores de histria. Tais sujeitos escolares comumente fazem uso
desse produto cultural para prticas didticas no ensino de histria.
Produzidos sem finalidade didtica, os filmes so utilizados em sala de aula
principalmente para retratar uma poca, normalmente a apresentada no argumento do filme,
ou raras vezes como observao de um filme produzido em determinado contexto histrico.
Obras produzidas com fins comerciais, para o consumo em larga escala, apresentam
determinado padro de uso em sala de aula por professores que no tiveram orientao
14 Traduzido pelo autor: (...) yo definira la teora de la cultura como el estudio de las relaciones entre los elementos de todo un modo de vida. El anlisis de la cultura es el intento de descubrir la naturaleza de la organizacin que constituye el complejo de esas relaciones. El anlisis de obras o instituciones especficas es, em este contexto, el anlisis de su tipo esencial de organizacin, las relaciones que unas u otras encarnan como partes de la organizacin en su conjunto. En l, la palabra clave es "patrn": cualquier anlisis cultural til se inicia con el descubrimiento de un tipo caracterstico de patrones, y el anlisis cultural general se ocupa de las relaciones entre ellos, que a veces revelan identidades y correspondencias inesperadas entre actividades hasta entonces consideradas por separado, y en otras ocasiones muestran discontinuidades imprevistas. 15 BORDIEU (2004). O capital cultural refere-se ao investimento familiar e pessoal na aquisio de conhecimentos e bens culturais que so sancionados pelo estado por meio da certificao escolar.
-
19
terica para tal. Portanto esse uso recorrente mostra a busca de apoio didtico em algo
cotidiano, da cultura comum, entre professores e alunos. Num primeiro momento esse
consumo no crtico, ou seja, gera acomodao dos sujeitos escolares diante da Indstria
Cultural.
Adorno e Horkheimer (DUARTE, 2004, p. 51) acreditavam que esses processos
industriais de produo da cultura, baseados numa racionalidade tcnico-cientfica, no
davam espao para reflexo. Apesar de tecnicamente avanados, so construdos numa
tica da facilitao do entendimento, ou seja, mediocrizados.
Ento a negativa em relao Indstria Cultural pertinente, conforme Zuin, Pucci
e Ramos-de-Oliveira (1999):
O ceticismo de Adorno de que a necessria massificao da cultura corresponda real democratizao da produo, reproduo e assimilao simblica tambm j lhe rendeu o rtulo de pensador elitista. Ora, como vimos, o frankfurtiano no contra a aplicao racional do aparato tcnico, de modo a atenuar o doloroso esforo proveniente da vida em sociedade. Contudo, afirmar que a massificao cultural por si s j demanda o fim da desigualdade entre os grupos sociais uma atitude no mnimo ingnua, para no dizer perigosa. Adorno contra a forma irracional como a racionalidade tcnica se efetiva na sociedade, sob a tutela do fetiche da mercadoria. (p. 64)
Essa negao no pelo uso ou pela presena dos produtos industriais, mas pela
ausncia de reflexo, pelo uso comum que se d apenas pela facilitao ou pela prtica
recorrente de aproximao de temas distantes a uma cultura escolar; que apenas usa os
aparelhos e apresenta os filmes como ilustrao ou base para discusso, que no considera
a elaborao, produo, direo ou aspectos industriais, de consumo em massa (SEVERO,
2004).
A iluso da presena inovadora da tecnologia e do uso facilitado ilude e torna a
formao medocre ou parcial. Formao que poderia ser crtica, desenvolvendo anlises e
revendo a insero desse aspecto da Indstria Cultural em nossas vidas. De acordo com
SCHMIDT (2005, p. 203) essa formao se desenvolve a partir da: (...) aquisio de
elementos fundamentais para uma viso crtica da realidade em que vivem. (...) a
necessidade de que a educao histrica instrumentalize para uma participao consciente e
ativa na realidade local, nacional e mundial. Quando isso no ocorre, pode ser vista como
semiformao:
-
20
Justamente quando denunciamos a hegemonia da Halbbildung16 sobre a Bildung17 que podemos vislumbrar o seu sentido original de sustentao de uma individualidade livre, radicada na sua autoconscincia onde perdura o no-presente e baseada na necessria sublimao dos impulsos, visando uma convivncia social no patolgica. A desconfiana adorniana se baseia numa sociedade que promete, mas no cumpre, pois no se luta contra os contedos das promessas burguesas e, sim, contra a iluso de que elas j se encontram efetivadas. (ZUIN, PUCCI e RAMOS-DE-OLIVEIRA, 1999, p. 64).
Considerando a teoria da semicultura adorniana, os professores, de uma maneira
geral, parecem no refletir sobre a possibilidade de crtica ao cinema e sua produo, o
que gera pseudoformao, ou seja, semiformao. A cultura que enaltece a formao
individualista e tem um fim em si, semicultura. Esta formao cultural burguesa18 busca a
igualdade, mas em relao s classes trabalhadores apenas os molda para o trabalho. A
Indstria Cultural (projeto burgus) consolida a semicultura. Dessa forma, a heteronomia
continua, no h libertao para todos. A mdia, com a consolidao de sua prpria
linguagem e domnio, usa o esporte, a televiso, o cinema e o rdio para consolidar a
cultura, que forma heteronimicamente, sem reflexo, desenvolvendo uma contradio do
esprito capitalista: que tenta formar parcialmente propondo uma suposta liberdade.
Neste sentido, a funo dos bens de formao cultural a de manter os indivduos
na sua posio, semiformados, sem reflexo. Segundo Adorno (1996, p. 394), Por
inmeros canais, se fornecem s massas, bens de formao cultural. Neutralizados e
petrificados, no entanto, ajudam a manter no devido lugar aqueles para os quais nada
existe de muito elevado ou caro. Ento a semiformao pode ser encontrada na escola,
pois diversos bens culturais de consumo esto presentes nas instituies escolares (msicas,
gravuras, slogans) sem serem considerados objetos de reflexo, inclusive o cinema, motivo
desta pesquisa.
A reflexo que busca superar a semicultura impe um caminho a ser seguido. Caso
contrrio, o uso do cinema na escola pode encaminhar para a semiformao. Ao apresentar
a Histria aos alunos, com base no cinema, sem a reflexo sobre a forma de produo e os
interesses presentes no filme, h um enquadramento da obra que faz com que ela seja
16 Semicultura ou semiformao (dependendo do tradutor). 17 Formao, cultura ou formao cultural (tambm depende do tradutor). 18 Entender burguesia, como classe que se torna autnoma pelo comrcio, e d sustentao ao capitalismo.
-
21
reconhecida por alunos e professores como linguagem comum, que se parece com a
verdadeira formao.
Segundo o filsofo de Frankfurt, a semiformao adulteraria nossa percepo e a
vida sensorial, criando confuso com o que visto por meio da representao no cinema e a
historicidade do fato. Adorno efetiva algumas consideraes sobre o cinema em sua obra de
1996 (p. 399), no sentido de consolidao da semiformao, e enfatiza inclusive as
caractersticas supostamente didticas e formadoras: As estrelas de cinema, as canes de
sucesso com suas letras e seus ttulos irradiam um brilho igualmente calculado.
Neste sentido, Adorno aponta perigos na aproximao da cultura produzida em
massa. Na escola, ao usar filmes para ilustrar a Histria, sem produzir ou tentar uma
cuidadosa reflexo19, os professores podem limitar-se a consolidao de uma semicultura,
ao no propor a uma auto-reflexo crtica e constante sobre a semiformao:
A experincia a continuidade da conscincia em que perdura o ainda no existente e em que o exerccio e a associao fundamentam uma tradio no indivduo fica substituda por um estado informativo pontual, desconectado, intercambivel e efmero, e que se sabe que ficar borrado no prximo instante por outras informaes. (ADORNO, 1996, p. 405.)
1.3 Cinema, escola e histria no Brasil: uma reviso.
A presena de filmes no desenvolvimento dos estudos histricos tratada,
principalmente como documento de anlise. De acordo com Ferro (1992), o cinema tem
conquistado espao nos estudos histricos e a recomendao de anlise da historicidade das
obras cinematogrficas est embasada na comparao entre filmes e comparao da
recepo de um mesmo filme em pocas distintas. A cinematografia reflete as diversas
condies ideolgicas e estticas da produo de uma obra, em determinado contexto. Tal
contexto tomado considerando a poca de lanamento e o uso que se faz em outro
momento histrico, mesmo em sala de aula. E esta temtica tem variaes quanto aos
valores estabelecidos em determinada poca ou lugar.
19 Refletir voltar-se sobre si mesmo, pensar nos motivos que levam a pensar de determinado forma. Considerar a totalidade, a radicalidade e a profundidade das teses apresentadas ou usadas para conceituar.
-
22
Alm disso, Sorlin (1994) avanando a partir das recomendaes de Ferro, mostra
como o discurso necessrio para existir a imagem cinematogrfica. S a imagem do filme
sem inteno e sem palavras que direcionem o olhar, no produz reais possibilidades de
anlise ou crtica histrica. Dessa maneira, deve-se considerar o filme e as relaes que o
discurso provoca antes, durante e depois da sua produo, porque no cinema
contemporneo o discurso faz parte da linguagem.
Essa anlise do uso do cinema na histria, desenvolvida por Ferro, relevante para
o trabalho acadmico. Mas no considera a especificidade do ensino de histria. E trata do
filme como fonte/documento histrico para pesquisa. Outras abordagens, recolhidas nas
obras de autores brasileiros depois dos anos 30 do sculo XX, consideravam o cinema
como um instrumento fundamental que auxiliaria diretamente no ensino e na aprendizagem
dos alunos. Woiski (1952) considera que os educadores deveriam apreciar e considerar o
uso do cinema, principalmente os documentrios. Sugere que cada sala deveria estar
equipada para receber projetores de cinema que auxiliariam sobremaneira no ensino,
mostrando concretamente o que os alunos no tm condies de presenciar ... podemos,
por exemplo, trazer pelo cinema, ante seus olhos, o fundo do oceano...
Esta direo j era pensada em 1930, por Serrano e Venancio Filho, que
preocupavam-se em mostrar os caminhos corretos para utilizao do cinema pelos
professores, inclusive registrando a preocupao de no substituir o professor pelo
cinematgrafo.
No livro Cinema e Educao, os autores citados anteriormente descrevem a
inveno do cinema, bem como sua disseminao com instrumento educativo pelo mundo.
Alm de recomendarem filmes, os autores recomendam prticas didticas com o uso do
cinema. As estratgias referem-se ao uso em outros pases, abordando tambm a descrio
tcnica das obras, dos equipamentos envolvidos na projeo (explicaes fsicas e
qumicas) at orientao a respeito de algumas obras consideradas boas ou ms.
Aps essa primeira incurso de educadores brasileiros no mbito do cinema na
educao, destaca-se a importncia do INCE Instituto Nacional de Cinema Educativo
fundado em 1936 que teria a funo de produzir filmes didticos, tendo Humberto Mauro20
como diretor em filmes que abordavam, inclusive, a histria oficial do Brasil. desta
20 SCHVARZMAN (2004).
-
23
incurso do diretor (at 1964) que resultam, alm de filmes histricos, e biogrficos, filmes
sobre saneamento, sade, biologia, geografia, literatura e arte.
Entretanto, no Brasil, a relao incipiente entre cinema, histria e educao, s
adquire dimenses significativas, ou seja, os professores s passam a usar regularmente os
filmes em sala de aula, quando os custos de reproduo de filmes e a distribuio, alm do
equipamento so substitudos: projetores caros so trocados por geis e baratos
videocassetes e televisores. Os custos so barateados a partir dos anos 80, mas os filmes
passam a integrar mais constantemente as prticas pedaggicas e a serem realmente
disponveis e acessveis nos anos 90 (Setton, 2004).
Antes desse movimento de expanso, uma autora teve destaque nas reflexes sobre
cinema e escola nos anos 60 e 70: Irene Tavares de S. Esta (1967) reflete sobre a
influncia do cinema e aborda aspectos negativos e positivos, incluindo a necessidade de
censura e indicaes para pais e professores. Essas indicaes vo de comentrios sobre
caractersticas tcnicas de um filme, idade para apreciao de obras cinematogrficas at
possibilidades de anlises temticas. Alm disso, Tavares de S se detm em explicar
gneros de filmes e tambm em analisar filmes (clssicos na poca da edio do livro). Em
sua obra de 1976, a autora se preocupa em criticar e analisar filmes que julga tratarem de
temas significativos para a educao, inclusive em aspectos atitudinais.
Classificando filmes, a autora mostra o impacto negativo que eles podem gerar na
assistncia, principalmente filmes que apresentam agressividade. Esta obra marca a
continuidade de um trabalho iniciado com o livro Cinema em debate (1974) produzido
para orientar assistncia de colegiais em cine-clubes. Nesta obra, a autora produz uma
anlise baseada numa temtica atitudinal e pedaggica: filmes da poca so indicados
conforme sua relevncia para o ensino. Trata da comunicao e da censura; da infncia e do
amor ferico; da cincia e da fantasia; da comdia e do musical; do amor e do romantismo;
da epopia e do anti-heri; da filosofia de um autor; da violncia; do sexo; dos txicos; dos
limites e da hiprbole; do cinema extico; do cinema brasileiro; e do cinema impossvel. A
autora demonstra em suas obras a crena na influncia direta do cinema nos adolescentes e
crianas, por isso uma preocupao em orientar detalhadamente a assistncia.
No Brasil, em 1976, publicada a traduo do livro de Tardy, que aborda o cinema
na educao numa perspectiva terica, em uma abordagem muito diferente da autora
-
24
brasileira Irene Tavares de S. Seu livro, publicado originalmente na Frana em 1966
aborda a produo cultural por meio do cinema, a televiso e a perspectiva da pedagogia
num mundo marcado pelos meios de comunicao de massa. O autor critica a postura
acomodada e ao mesmo tempo baseada em tendncias da moda do pedagogo, que, segundo
ele, normalmente rejeitava a reflexo sobre o uso das imagens na educao:
Os pedagogos, em geral, tm uma conscincia tranqila. Muito bem abrigados dentro de um sistema que tanto mais poderoso justamente porque jamais foi definido com clareza, eles encontram entre as quatro paredes da sala de aula um refgio confortvel, que vibra ao doce rudo dos jogos infantis. A escola uma enseada segura, porque tem suas normas, regras, ritos, tradies, que desempenharo tanto melhor seu papel quanto mais evitarmos questionar a respeito de suas bases ontolgicas ou de sua origem histrica. As reformas passam, o sistema continua. (p. 11)
Tardy aborda a problemtica do cinema e sua relao com a escola numa
perspectiva desenvolvida com base em questes tericas ainda presentes atualmente. A
presena da cultura produzida com intenes de consumo, e tambm a falta de reflexo da
escola no que diz respeito gradativa assimilao das imagens cinematogrficas, mostra a
atualidade do autor, j em meados dos anos sessenta preocupado com a reflexo sobre a
influncia acrtica do cinema e da televiso na escola.
Atualmente, trs livros especficos sobre cinema e ensino tratam diretamente do uso
dos filmes em sala de aula. Trata-se de Napolitano (2003), Severo (2004) e Mocellin
(2002). O primeiro elabora um manual de uso do cinema nas mais distintas disciplinas do
Ensino Fundamental, inclusive dando algumas orientaes estticas sobre a stima arte,
dessa maneira ampliando as possibilidades de leitura pelos professores. O autor indica
alguns filmes bem como sugere procedimentos didticos especficos em relao a alguns.
Diferentemente, Severo, discute e oriente a problemtica do uso de filmes
especificadamente no ensino de histria. Alm das indicaes, no decorrer do livro,
apresenta pesquisas, destaca a importncia de usar filmes para significar o contedo como
sugere o terico Ausubel.
Os dois autores citados apresentam publicaes brasileiras atuais sobre o uso do
cinema em sala de aula e preocupam-se em ampliar a reflexo dos professores dessa prtica
comum no ensino de histria. O segundo preocupa-se em definir o material de trabalho do
-
25
professor de histria quanto ao fato de levar o cinema para a sala de aula, a saber:
considerar como filme histrico no s aquele que apresenta fatos ou heris histricos
marcantes, mas principalmente aquele que usa a histria como problema, preocupao
central ou expresso de uma viso determinada.
E finalmente, Mocellin (2002), que tambm trata exclusivamente da problemtica
do cinema nas aulas de Histria, aproxima o leitor interessado das discusses propostas por
Marc Ferro. Na obra O cinema e o ensino de Histria o autor se preocupa em indicar obras
da stima arte e estratgias de tratamento didtico com base na obra do historiador francs e
apresenta uma precupao explicta com a Histria das Mentalidades. Mocellin sugere
comparaes, cuidados com a anlise da produo e contexto do lanamento, bem como do
tratamento, da representao colocada na obra e da recepo e representao do pblico
espectador.
Este autor proporciona aos professores de histria uma leitura da obra de Ferro.
Preocupado com a didtica, Mocellin classifica obras, no da maneira tradicional, por
gnero, mas por perodo histrico retratado (Exemplo: Renascimento ou Idade Mdia); por
espao geogrfico (Alemanha ou Itlia); e temas especficos (Inquisio, Revoluo
Industrial ou Holocausto.). Tambm h uma grande preocupao em classificar e indicar
obras que retratam ou foram produzidas no Brasil.
Sob organizao de Soares e Ferreira (2001) diversos autores escrevem sobre filmes
nacionais, seguindo tambm as orientaes de Marc Ferro. Tratando especificamente de
histria, o livro aponta para a diversidade de anlises de obras significativas do cinema
brasileiro. No dirigido diretamente para o ensino, mas fornece subsdios importantes
para a anlise de filmes histricos, o que interessa sobremaneira ao professor de histria, no
que tange ao aumento de repertrio cinematogrfico dos docentes. Como subsdio, h
referncias histricas, leituras estticas e tambm a respeito do argumento da obra, alm de
comentrios a respeito da recepo do filme pelo pblico e sua insero na histria do
cinema brasileiro.
Assim como nos livros de Severo e Napolitano, o livro A escola vai ao cinema,
organizado por Teixeira e Lopes (2003), trata exclusivamente de filmes de fico. Os
autores que desenvolvem anlises, tambm orientam sobre filmes que tratam da escola no
cinema, os quais direta ou indiretamente tratam de temas educativos na sociedade. As
-
26
orientaes so para professores, assim como em Soares e Ferreira, e a leitura pode ampliar
a possibilidade de decodificar a linguagem cinematogrfica aos interessados. Tratando o
cinema como linguagem artstica, a obra tem endereo certo: os professores. Os autores tm
interesse em ampliar a capacidade de anlise e uso do cinema pelos educadores brasileiros.
Elementos de cena, sons, planos, sonoplastia, tomadas de cena, canes e letras so
categorias de anlise presentes nos artigos desse livro. Trata-se tambm de uma obra
abrangente que destinada aos professores em geral. O livro traz fichas tcnicas,
indicaes de leituras, roteiros de trabalho com filmes, alm de anlises pormenorizadas de
13 filmes com 13 diferentes autores.
Os textos do livro A escola vai ao cinema apresentam caminhos diversos: partindo
do enredo do filme; comentrios sobre o ttulo; descrio e reflexo sobre uma cena
especfica; anlise da conjuntura da produo; reflexes sobre a situao scio-econmico-
histrica do enredo e ou da poca da produo; relaes com a representao da escola,
ensino e educao de cada diretor ou argumento.
H tambm no livro citado anteriormente a preocupao de mostrar a diversidade
das produes cinematogrficas no mundo: comentam-se trabalhos do Brasil, Inglaterra,
Frana, China, Ir, Japo, EUA, frica do Sul, Alemanha e Itlia. Alm de que os filmes
retratam aspectos culturais significativos de cada pas ou do pas escolhido como cenrio
para o filme, por exemplo, o Chile, no caso do filme O carteiro e o poeta. O que marca
ainda algumas das anlises so as metforas usadas pelos autores, e as diversas referncias
relacionadas ao Brasil.
Os autores buscam levar a reflexo sobre o uso do cinema tecnicamente (anlise
flmica), mas no deixam de mostrar como essa reflexo pode permear a leitura do filme,
de uma certa maneira indicando possibilidades de trabalho com os alunos em sala de aula,
como no caso do filme Filhos do paraso:
Levei este filme, em forma de vdeo, para muitas escolas do Brasil. Os professores viram-se a si prprios e a seus estudantes no filme. Sobretudo acentuaram as dificuldades que entram na escola com a misria crescente e a delinqncia que se expande. Mostraram como muito complicado ter nas fileiras escolares meninos que j roubaram ou de quem suspeita-se, com fundamento, de pertencerem ao trfico de drogas. Se vem, com Ali e Zahara, perplexos diante de tantos problemas que ultrapassam sua capacidade de encaminhamento. (LINHARES in: TEIXEIRA e LOPES, 2003, p. 145)
-
27
Nos textos, os autores explicitam o trabalho desenvolvido, comentando as imagens
com possibilidade de ampliar a anlise sobre o filme. Desse modo, os artigos podem servir
como fonte de idias para trabalho com alunos e professores, discutindo a diversidade
cultural, questes educacionais e de ensino. Algumas vezes, os filmes abrem possibilidades
de reflexo e mote para discusso, mesmo sem tratar diretamente as questes voltadas
produo da pelcula como produto cultural de uma indstria, ou sobre a conjuntura
histrica em que a obra cinematogrfica est inserida. Eis exemplo citado pelos autores,
sugerido pelo filme Filhos do Paraso que despertou reflexes sobre diversidade cultural:
O sapato compartilhado apenas uma imagem de outros usos alternados, obrigatrios pela situao de misria das famlias brasileiras, convivendo com o desemprego, o latifndio e um Estado cada vez mais privatizado. As professoras contaram inmeros casos de crianas que revezam o uso de suas roupas com irmos e vizinhos para garantir um mnimo de presena escolar. Isto, sem falar num tempo vitimado pelas doenas que entram em casa e que fabricam tantos anjinhos. (LINHARES in: TEIXEIRA e LOPES, 2003, p. 145)
No livro Cinema e Educao (Duarte, 2002) tambm abrangente, quanto as
possibilidades de uso dos filmes na escola. Em alguns momentos do livro, quando se refere
ao cinema na escola, a autora salienta as disciplinas de histria e geografia, apontando
sugestes de trabalho em sala de aula. Mas, o destaque da autora para ampliao da
reflexo e estmulo pelo gosto do cinema, abordando a apreciao de acordo com a anlise
da linguagem e da esttica. Esta posio referendada quando a autora comenta a inocncia
dos professores ao usar filmes em sala de aula:
... a escolha dos filmes que so exibidos em contexto escolar dificilmente orientada pelo que se sabe sobre cinema, mas, sim, pelo contedo programtico que se deseja desenvolver a partir ou por meio deles. Nesse caso, o filme no tem valor por ele mesmo ou pelo que representa no contexto da produo cinematogrfica como um todo; vale pelo uso que podemos ou no fazer dele em nossa prtica pedaggica. (p. 88)
Posteriormente, a autora refora a necessidade do professor entender de cinema e da
prtica educativa que essa ferramenta proporciona. Para isso, Roslia Duarte destaca alguns
autores que tem se preocupado com os temas: cinema, educao e ensino separados ou
-
28
conjuntamente. Nesse ponto, a autora comenta estudos realizados por Christian Metz, Mary
Dalton, Henry Giroux, Guacira Lopes Louro e urea Guimares, apontando, no final do
livro, dicas de leitura em livros e stios na rede mundial de computadores, assim como
fizeram Napolitano e Teixeira e Lopes.
1.4 A indstria cultural, o cinema e a escola no Brasil
As prticas didticas de uso de filmes em sala de aula e a presena do cinema no
Brasil tm caractersticas distintas. Houve preocupao com produo de filmes e materiais
visuais didticos, nos diversos nveis de ensino, tentativas de ensino supletivo ( distncia)
por meio do rdio, televiso e cinema desde os anos 30 do sculo passado. Mas no h
como desconectar essas tentativas de aproximao da educao com a Indstria Cultural,
ou seja, vinculao da escola com a produo de uma lgica moderna, industrial e
capitalista dos meios de comunicao de massa.
No s o cinema na sala de aula, mas a construo da idia de cinema na cultura de
massa brasileira deve ser pensada no conjunto da construo da modernidade21. O cinema
j foi mais freqentado no Brasil, mas os filmes so cada vez mais vistos (ALMEIDA e
BUTCHER, 2003). Ou seja, o fenmeno televisivo no Brasil deve ser considerado nesta
anlise, principalmente para entender a disseminao da apreciao de filmes pelos
brasileiros e a pouca importncia atribuda linguagem especificamente cinematogrfica na
escola, assim como a crtica e a repercusso que o cinema produz e que poderia ser levada
para a sala de aula.
Ortiz (2001) vai afirmar que a valorizao e penetrao da TV no Brasil resultado
da construo da modernidade nos meios de comunicao. A maneira como se deu
insero dos meios de comunicao na sociedade brasileira iletrada foi bem diferente da
forma como ocorreu nos pases desenvolvidos. O universo das letras no estava
consolidado quando o rdio e depois a televiso foram disseminados no Brasil.
21 A modernidade como consolidao da sociedade do consumo, tendo como doutrina burguesa o capitalismo, com valores individualistas e competitivos. Onde h grande valorizao da cincia e da industrializao e informao.
-
29
Tabela Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais
Brasil 1900-2000
Populao de 15 anos de idade e mais (em milhes)
Ano Total Analfabetos22 Taxa de analfabetismo
1900 9728 6348 65,3
1920 17564 11409 65,0
1940 23648 13269 56,1
1950 30188 15272 50,6
1960 40233 15964 39,7
1970 53633 18100 33,7
1980 74600 19356 25,9
1991 94891 18682 19,7
2000 119533 16925 13,6
Fonte IBGE, censo demogrfico. (PINTO, BRANT, SAMPAIO e PASCOM, 2000, p.
513.).
Diferentemente dos pases desenvolvidos, a imprensa escrita no Brasil no tinha a
disseminao capaz de promover mudanas pela leitura. Depois do advento do rdio,
vinculado poltica de criao da nacionalidade brasileira por Getlio Vargas, houve um
direcionamento do rdio para fins de integrao da nacionalidade envolvendo o mercado de
bens de consumo. No final dos anos 60, com a consolidao da TV como meio de
comunicao de massa, houve uma mudana de comportamento gerencial na mdia
brasileira que consolidou as caractersticas da indstria cultural, tais como o gerenciamento
executivo, objetivando produo em larga escala e o consumo para a massa. Resultado de
empreendimentos de grande envergadura, a TV passou a ser gerenciada de maneira
capitalista, numa perspectiva gerencial moderna.
O que caracteriza a situao cultural nos anos 60 e 70 o volume e a dimenso do mercado de bens culturais. Se at a dcada de 50 as produes eram restritas, e atingiam um nmero reduzido de pessoas, hoje elas tendem a ser cada vez mais diferenciadas e cobrem uma massa consumidora. Durante o perodo que estamos considerando, ocorre uma formidvel expanso, a nvel de produo, de
22 Segundo o mesmo artigo, se considerarmos o conceito de analfabeto funcional os nmeros de analfabetos sero ampliados. Atualmente seriam mais de 30 milhes de brasileiros, mesmo com a melhora das condies e o alcance da escola se comparada ao perodo em questo (anos 60 e 70).
-
30
distribuio e de consumo da cultura; nesta fase que se consolidam os grandes conglomerados que controlam os meios de comunicao e da cultura popular de massa. (ORTIZ, 2001, p. 121).
Tal processo vinculou, na criao de emissoras centralizadoras, uma mentalidade de
produo industrial, de indstria cultural. E no havia uma discusso intelectual relevante
sobre essa insero e mudana nos meios de comunicao. Assim, a tradio moderna
brasileira no incluiu discusses e crticas sobre sua construo. Segundo Ortiz: Penso que
hoje vivemos no Brasil a iluso de que o moderno novo, o que torna difcil compreender
que as transformaes culturais que ocorrem entre ns, possuem uma irreversibilidade que
faz com que as novas geraes j tenham sido educadas no interior dessa modernidade
(2001, p. 207).
A observao de Ortiz de certa forma explica a crena ou o descuido ingnuo dos
professores quanto transparncia dos meios de comunicao social no Brasil, ou seja, de
uma maneira geral, se entende que os meios no afetam a mensagem, pois so inofensivos e
transparentes. As pessoas relacionam-se com os meios, com base numa tradio que leva a
uma naturalizao23. Segundo FERRS:
(...) cabe afirmar que h educadores apaixonados pelos meios audiovisuais sem terem aprendido a expressar-se na linguagem audiovisual. Os meios tendem a potenciar e a veicular uma forma de expresso especfica. Porm a linguagem no pode se reduzir aos meios. (1996, p. 15).
Oriundos de uma formao que no privilegia a reflexo terica sobre mdia, sem
espao para discusso sistemtica da presena dos meios de comunicao na cultura
escolar, os professores no desenvolveram todas as potencialidades do cinema na sala de
aula ou do cinema na cultura escolar. Mas como os alunos tm acesso a este bem cultural,
bem como os professores, ento a presena dos filmes comum, tanto no uso direto como
tambm como referncias para estudos e exemplos, mas sempre como meio de transmitir
um contedo como o caso da histria, sem considerar as especificidades da linguagem e
do produto de consumo.
Assim, a indstria cultural est presente na escola. No s por meio do cinema, mas
tambm por diversos produtos de consumo. Segundo Loureiro e Della Fonte (2003): Pode-
23 Tradio sem reflexo. Como se fossem naturais, como se sempre existissem.
-
31
se afirmar que atualmente o cinema e a televiso representam as principais formas de mdia
imagtico-eletrnica, veculos de formao da cultura poltico-social no Ocidente e,
provavelmente, tambm no Oriente industrializado (p. 42).
A presena da indstria cultural na escola evidente, seja atravs da msica, da
informtica, dos livros didticos ou paradidticos e de programas televisivos. Essa parceria
faz parte da cultura escolar e consciente ou inconscientemente a escola convive com essa
produo. Bordieu (2004), ao tratar do capital cultural, da transmisso, da consolidao e
validao desse capital na escola, afirma que necessrio historicizar o papel dos
audiovisuais na escola, para dar conta de entender as mudanas, rejeies e permanncias
o que no um processo intrnseco escola, de modo que, como outras instncias sociais,
recebe influncias externas. A escola reproduz o que uma determinada cultura, escolhida
como padro, considerada como a melhor.
A TV e o cinema trazem representaes acerca da escola e dos currculos de cada
disciplina. Essas representaes na escola necessitam ser consideradas com a devida
relevncia. Como os alunos interagem com os produtos culturais e as experincias que so
produzidas nessa relao, dentro da escola e fora dela, devem ser levados em conta para o
preparo e as reflexes necessrias em relao aos procedimentos didticos do uso do
cinema nas aulas de histria, assim como nas demais disciplinas.
Como os alunos se relacionam com determinados produtos culturais? Quais so os
hbitos de entretenimento com a participao dos produtos da Indstria Cultural? Quais as
diferenas entre os grupos sociais na escola? So perguntas que devem ser respondidas e de
maneira satisfatria. Pois, segundo GREEN e BIGUM:
A relevncia dessa linha de argumentao para a escolarizao e para os estudos de mdia bvia. Antes de mais nada, parece evidente que est sendo construda, atualmente, uma nova relao entre a escolarizao e a mdia. Mas existe uma justificativa ainda mais bvia para reavaliar, urgentemente, essas instituies, suas prticas e as correspondentes inter-relaes entre elas. que no se trata apenas da crescente penetrao da mdia no processo de escolarizao, mas tambm, de forma mais geral, da importncia da mdia e da cultura da informao para a escolarizao e para formas cambiantes de currculo e de alfabetismo, como todos os problemas e possibilidades da decorrentes. (1995, p. 214).
No Brasil, a presena de recursos audiovisuais constante, e incluem as novas
tecnologias de comunicao na escola: videocassete (DVD), aparelhos de som rdios e