filmes em sala de aula–realidade e ficção-uma análise do uso do cinema pelos professores de...

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  • SANDRO LUIS FERNANDES

    FILMES EM SALA DE AULA REALIDADE E FICO:

    Uma anlise do uso do cinema pelos professores de histria

    Dissertao apresentada como requisito

    parcial para obteno do grau de Mestre.

    Curso de Ps-Graduao em Educao

    Linha de Cultura, Escola e Ensino ,

    Universidade Federal do Paran.

    Orientadora: Professora Doutora Susana da

    Costa Ferreira.

    CURITIBA

    ABRIL/2007

  • ii

  • iii

    SUMRIO

    LISTA DE GRFICOS E TABELAS .................................................................... v

    RESUMO ................................................................................................................ vi

    ABSTRACT ............................................................................................................ vii

    INTRODUO ....................................................................................................... 01

    Captulo 1 Cinema, histria e ensino ................................................................ 10

    1.1 A histria e o Ensino de Histria: uma discusso .............................................. 10

    1.2 Os filmes e o cotidiano escolar .......................................................................... 14

    1.3 Cinema, escola e histria no Brasil: uma reviso .............................................. 21

    1.4 A indstria cultural, o cinema e a escola no Brasil ............................................ 28

    Captulo 2 O cinema nas prticas escolares: o discurso dos professores

    entrevistados............................................................................................................. 37

    2.1 Os objetivos do uso de filmes em sala de aula .................................................... 37

    2.1.1 Discusso e complementao das aulas e estudos de histria .......................... 37

    2.1.2 Crtica s produes ........................................................................................ 40

    2.1.3 Ilustrao e fixao de temas histricos ......................................................... 43

    2.2 A presena da tecnologia na escola ................................................................... 46

    2.3 A relao dos professores com o cinema e algumas perspectivas tericas ....... 48

    2.4 Reflexo em torno da Indstria Cultural do ponto de vista dos entrevistados .. 54

    2.5 A relao dos alunos com o cinema e a interferncia nos hbitos com o uso de filmes

    pelos professores de Histria ............................................................................. 56

    Captulo 3 Possibilidades de anlise flmica para uso de obras cinematogrficas

    como recurso didtico ............................................................................................ 60

    3.1 As prticas escolares e os filmes produzidos pela indstria .............................. 61

    3.2 Possibilidades de anlise do filme pelo professor ............................................. 64

    3.2.1 A continuidade ................................................................................................ 68

    3.2.2 Os personagens ............................................................................................... 68

    3.2.3 Planos .............................................................................................................. 68

    3.2.4 Seqncias ....................................................................................................... 68

    3.2.5 Cenrios e figurinos ........................................................................................ 69

  • iv

    3.2.6 Texto ............................................................................................................... 69

    3.2.7 Trilha sonora e efeitos relao entre som e imagem .................................... 69

    3.2.8 Alguns aspectos scios organizacionais e empresariais do cinema ................ 70

    3.2.9 Pontos de vista da narrativa ............................................................................ 71

    3.3 Sugestes para encaminhamento de prticas em sala de aula ........................... 71

    3.3.1 Gladiador ....................................................................................................... 72

    3.3.1.1 Representaes a respeito da civilizao romana antiga no cinema ............ 76

    3.3.2 O nome da Rosa............................................................................................. 78

    3.3.2.1 Sugesto de atividades.................................................................................. 81

    3.3.3 Olga................................................................................................................. 83

    3.3.3.1 Comparao entre produes de pases diferentes....................................... 86

    3.3.3.2 Comparao entre produes de pocas distintas......................................... 86

    3.3.4 Tempos Modernos.......................................................................................... 87

    3.3.4.1 O mundo do trabalho.................................................................................... 88

    3.3.4.2 O homem e as mquinas............................................................................... 92

    3.5 Consideraes a respeito das atividades sugeridas............................................. 95

    CONSIDERAES FINAIS................................................................................. 98

    REFERNCIAS...................................................................................................... 102

    ANEXOS.................................................................................................................. 109

  • v

    LISTA DE GRFICOS E TABELAS

    Tabela 1 Filmes relacionados para comparao em relao obra Cruzada. 73

    Tabela 2 Filmes relacionados para atividade com a obra Gladiador............. 74

    Tabela 3 Outras obras picas (dcada de 50 e 60)........................................... 77

    Tabela 4 Obras relacionadas para atividade com o filme O nome da Rosa .. 79

    Tabela 5 Obras relacionadas para atividade com o filme Olga....................... 84

    Tabela 6 Obras escolhidas para estudos relacionados ao filme Tempos Modernos 88

    Grfico 1 Formao dos professores pesquisados............................................. 110

    Grfico 2 Tempo de magistrio dos professores ............................................. 111

    Grfico 3 Colgios pesquisados: nmero de professores.................................. 111

    Grfico 4 Colgios: total de alunos................................................................... 112

    Grfico 5 Qualidade do acervo de filmes da escola segundo os professores ... 113

    Grfico 6 Freqncia do uso de filmes............................................................. 113

  • vi

    RESUMO

    Trata-se de uma pesquisa emprica envolvendo professores de Histria do ensino mdio de

    nove escolas de uma regio de Curitiba. A observao foi realizada com vinte e um

    profissionais, sendo nove deles entrevistados. Foram analisadas as condies materiais, as

    prticas, os conceitos e a presena da indstria cultural nesta relao de ensino, a qual

    interfere na formao dos alunos. Tal relao foi analisada considerando a cultura escolar, a

    prtica didtica, e a relao do professor com seus alunos e com o cinema. No

    desenvolvimento h uma reviso bibliogrfica de estudos a respeito das relaes histricas

    entre cinema e educao, com nfase ao ensino de histria, indstria cultural,

    tecnologia, bem como de estudos que enfatizam o cinema como produto cultural com

    linguagem esttica singular. As entrevistas analisadas levaram necessidade de sugerir

    prticas didticas para o ensino de histria envolvendo filmes j apresentados em prticas

    dos professores.

    Palavras-chave: Ensino de Histria, Ensino Mdio, Cinema e Indstria Cultural.

  • vii

    ABSTRACT

    This is an empirical research involving High School History teachers from nine different

    schools in the city of Curitiba. The observation was made from twenty-one professionals,

    nine of which were interviewed. Material conditions, practices, concepts, and the cultural

    industry presence in this learning sector were analyzed; all of them interfere in students

    background. This relation was analyzed considering school culture, didactics, student-

    teacher relationships, and cinema. The development brings a bibliographic review about the

    historical relations between cinema and education, with special emphasis to History

    learning, cultural industry, technology and also studies which emphasize cinema as a

    cultural product with a singular aesthetics language. The analyzed interview showed the

    need of suggesting didactic practices for History teaching which involve films previously

    presented in class by teachers.

    Key-words: History learning, High School, Cinema and Cultural Industry.

  • 1

    INTRODUO

    Numa reunio formal de professores de ensino mdio, um professor de Biologia fez

    a seguinte declarao: aps passar horas organizando um vdeo para seus alunos, viu seu

    trabalho recompensado quando, na sala de aula, ao passar sua produo para a turma,

    observou um silncio sepulcral, todos prestando muita ateno. Segundo o mesmo

    professor, coisa rara naquela turma, principalmente na ltima aula, caso de tal experincia.

    Sem entrar em apreciaes quanto qualidade do vdeo de Biologia, importante

    registrar o sucesso de tal tipo de atividade em outras disciplinas, em todos os nveis de

    ensino. Declaraes e comentrios sobre a prtica so comuns por parte dos professores, e

    nos colgios facilmente detectada pela procura macia de agendamento do material

    (televiso, videocassete e DVD).

    Dvidas pairam diante de tal constatao: como os professores usam esses recursos?

    Na disciplina Histria isso freqente, inclusive com filmes de fico. H preparao dos

    professores em relao ao uso das imagens? Qual o significado da presena do cinema no

    cotidiano dos professores? Quais as discusses tericas que fundamentam tal prtica?

    Na graduao do curso de Histria, era comum a presena de filmes histricos em

    algumas disciplinas. Usados das mais diversas maneiras, tambm tinham presena

    garantida em discusses intelectuais e programas no-regulares de erudio. Cine-debates,

    discusses a respeito de diretores, filmes como documento, obras historiograficamente

    corretas e incorretas, tudo era objeto de discusso. Porm no havia preocupao com

    disciplinas que se dirigissem diretamente ao uso regular do cinema em sala de aula.

    Diante da constatao de tal lacuna na formao de professores e orientao de

    alunos em geral, busca-se compreender a presena e o uso do cinema no ensino mdio na

    disciplina de Histria. Ou seja, como os professores vem, entendem e se relacionam com o

    cinema, considerando outrossim a percepo dos profissionais do ensino sobre a influncia

    do cinema no cotidiano de seus alunos, como os professores dimensionam a linguagem

    cinematogrfica em suas prprias reflexes pessoais e, principalmente, o uso que se faz de

    tais recursos flmicos em sala de aula.

    Para tratar das questes envolvidas nas prticas observadas e procurar responder aos

    questionamentos iniciais, alguns pressupostos e categorias so necessrios para a

  • 2

    elaborao de todas as etapas da pesquisa. Em primeiro lugar entender a cultura e sua

    presena na escola, o papel da Indstria Cultural como fornecedora de bens culturais que

    fazem parte do cotidiano de alunos e professores, levando em conta que tais bens no so

    produzidos para fins didticos e pedaggicos.

    Para fundamentar o processo de entendimento destas prticas necessrio

    considerar o histrico do uso do cinema como recurso didtico, e as possibilidades de

    anlises flmicas usadas e sugeridas neste tipo de ambiente, a sala de aula. E finalmente

    buscar entender o processo de formao e pseudo-formao dos professores e estudantes

    segundo a crtica da Escola de Frankfurt.

    Ao levar o recurso flmico para sala de aula necessrio refletir sobre sua insero

    no cotidiano, em virtude da grande aceitao do cinema. Por ser um produto da Indstria

    Cultural assimilado e consumido cotidianamente, sua presena comum maioria em salas

    de cinema, VHS ou DVD, e principalmente na TV, aberta e fechada. Dessa forma se faz

    necessrio pensar a atitude dos professores diante de um tipo especfico de produo

    cultural contempornea.

    Nesta perspectiva importante um olhar sobre a produo cinematogrfica

    contempornea, em relao aos meios de realizao. Considerando a evoluo industrial de

    produo de filmes, diversos elementos devem ser considerados na gama variada da

    produo cinematogrfica, assim como nas implicaes contextuais e histricas que podem

    ajudar a entender no s a presena do cinema na escola, como fornecer elementos para

    uma utilizao adequada, na recorrente prtica dos professores em sala de aula.

    Elementos tais como: direo, trilha sonora, cenrios, figurinos, efeitos sonoros,

    visuais, etc., compem um panorama passvel de anlise que pode ajudar a entender a

    produo, bem como apontar procedimentos didticos que orientem os alunos para a crtica

    e conscincia histrica.

    Alm do trabalho com a anlise flmica, faz-se necessrio verificar as possibilidades

    de trabalho com cinema, estudos, matrias, notcias e informaes que orientem e discutam

    a prtica do uso de filmes como recurso didtico e tambm como fonte histrica,

    percorrendo a histria do uso do cinema em sala de aula no Brasil, nos diversos nveis de

    ensino, at recomendaes didticas explcitas sobre o uso do cinema em aulas de Histria.

  • 3

    No Brasil, a preocupao e tambm alguma prtica com filmes na escola aparece

    desde os anos 20, com maior disseminao nos anos 80 e com grande presena a partir dos

    anos 90 (SUBTIL e BELLONI, 2002). Com a disseminao de recursos prprios das novas

    tecnologias, os filmes passam a contar com uma facilitao no seu uso.

    A grande presena em sala de aula relativa ao baixo custo de aquisio de

    equipamentos, facilidade de acesso aos vdeos por parte dos professores e melhoria da

    qualidade tcnica das produes ao longo dos anos. Sendo assim, a tecnologia como

    recurso da Indstria cultural recorrente. Destacam-se duas possibilidades de anlise: a

    tecnologia da comunicao facilitando o acesso; e a indstria cultural acelerando o

    consumo e facilitando a divulgao e presena das produes cinematogrficas.

    A abordagem foi orientada teoricamente pela categorizao e conceitos: cinema,

    indstria cultural e semiformao. Principalmente em relao prtica e reflexo dos

    professores em torno das relaes culturais do contexto escolar, relacionadas com as

    atividades que utilizam filmes. A identificao das prticas comuns e singulares dos

    docentes, resultantes e resultados dos produtos e processos culturais que compem o

    universo scio escolar, seja interno, externo, intercambiantes ou instveis iluminar o

    percurso.

    So consideradas como um dos pontos de partida nas pesquisas, as transformaes

    culturais produzidas pelos sujeitos escolares, na dinmica do prprio processo interno das

    rotinas de escolarizao, que geram experincias individuais e alteram as relaes sociais.

    Este estudo procurar entender a conduo destas prticas e a preparao dos professores,

    com base na presena da cultura industrial e tecnolgica na escola. A investigao teve

    como base a observao da ao promovida por professores e a organizao didtica em

    relao aos alunos que vivenciam tais experincias na escola.

    A partir de meados dos anos 80, com auge nos anos 90, houve uma grande

    disseminao dos equipamentos que proporcionaram a facilitao do uso do cinema na

    escola: TV e videocassete. Dentro dessa perspectiva, a investigao das escolas pblicas de

    ensino mdio revelou a posse, a instalao e o uso dos equipamentos. Os nove colgios

    observados pertencem a um setor1 especfico do Ncleo Regional de Educao de Curitiba,

    1 O Ncleo Regional de Educao de Curitiba subdividido em setores. E cada setor responsvel pelo contato direto com as escolas de determinada regio da cidade. Os nove colgios pesquisados compunham o quadro total de ensino mdio do qual este setor era responsvel no ano de 2005.

  • 4

    vinculado Secretaria Estadual da Educao do Paran. Esto localizados em 6 bairros de

    uma regio da cidade.

    Em nenhum dos colgios havia projetores multimdia, apesar de alguns

    professores demonstrarem anseio pela aquisio de um. Mas, em se tratando da estrutura,

    no houve reclamaes relevantes sobre a mesma. Apenas consideraes sobre necessidade

    de ampliao das dimenses da TV ou melhoria no local de exibio de filmes (cadeiras

    mais confortveis ou adequao de som e luz). O colgio com maior nmero de alunos

    tambm o que tem melhor estrutura para uso de filmes na escola. Possui uma sala

    especial, alm de equipamento que pode circular pelas dependncias do colgio.

    Desenvolveu-se pesquisa de aproximao nos colgios, iniciada por uma

    conversa com a direo e posteriormente a entrega de um questionrio a ser respondido

    pelos professores de histria do estabelecimento, bem como se efetivaram entrevistas com

    professores e responsveis pela organizao didtica e pedaggica da escola.

    Os colgios foram escolhidos por tratar-se de amostra representativa e por

    atenderem escolares de uma mesma regio. Considera-se tambm que a comunidade os

    classifica em nveis diferentes. Os colgios tm diferenas significativas em nvel de infra-

    estrutura e de projeto pedaggico, bem como so distintos por seu cuidado na organizao,

    na disciplina e na relao com a comunidade. So diferentes inclusive quanto dimenso.

    O maior tem cerca de 1.100 alunos, nos trs turnos no ensino mdio, e o menor tem cerca

    de 100 alunos. Esta definio dos colgios foi determinada pelo setor do ncleo regional de

    Educao de Curitiba. A autorizao para pesquisa foi estendida aos nove colgios que

    faziam parte desse setor. A quantidade de professores prende-se ao fato dos colgios terem

    na sua maioria apenas duas aulas de histria por semana, apenas em dois colgios as

    terceiras sries tinham trs aulas por semana dessa disciplina.

    A escolha da Histria, como disciplina a ser investigada, deveu-se a observao

    emprica do uso recorrente do cinema em sala de aula pelos professores. Nesta disciplina,

    durante a pesquisa com os professores, foram verificados os procedimentos didticos, o

    comportamento dos envolvidos durante a apreciao de filmes, e o nvel de experincias

    geradas pelas atividades propostas pelos professores segundo seus prprios relatos.

    Os filmes selecionados definem-se por apresentar caractersticas histricas,

    baseados num fato ou tema histrico importante; ou porque marcaram a histria do cinema

  • 5

    e da humanidade. A seleo de filmes relacionados no trabalho resulta de observaes

    prvias e contatos com professores. O interesse mais profundo, instigador da pesquisa,

    decorre dos questionamentos recorrentes sobre a presena e a influncia da Indstria

    Cultural, revelada ou incgnita nos filmes apresentados nas aulas de histria no ensino

    mdio.

    Os filmes de fico analisados so os histricos, ou seja, que faam referncia

    historiografia, ou possibilitem alguma discusso histrica, seja como argumento principal,

    secundrio ou apenas cenrio para a obra. Pelas categorias de anlise ou gnero que

    estavam abertos nos questionrios de aproximao, podem estar includos diversos tipos de

    filmes: drama, aventura, suspense, ao, animao, policial, western, romance, etc. Sobre a

    organizao das categorias considera-se Ferro (1992). Partindo do princpio do

    desconhecimento dos professores em relao aos gneros, apresentou-se um rol de

    tipologias que facilitariam a categorizao segundo critrios da indstria cinematogrfica

    bem como da relao entre a produo e a historiografia e o ensino de histria.

    Diferenciando gneros consagrados com a criao da categoria histrica, pensando no

    contedo histrico oficial da obra, ou ambientao adequada s necessidades do roteiro que

    mostram temas ou caractersticas histricas marcantes.

    A presena marcante da indstria cultural norte-americana no ensino facilmente

    detectada considerando as obras citadas com mais freqncia nas aulas de histria de

    acordo com o questionrio de aproximao entregue a vinte professores. Dos vinte e um

    filmes citados com os ltimo s utilizados em sala de aula, apenas 8 so produzidos fora dos

    EUA, dois na Alemanha, um na Polnia, um na Frana e quatro no Brasil. E mesmo assim

    a maioria dos estrangeiros seguem a esttica hollywoodiana, ou seja, baseados numa

    narrativa e argumentos comuns no cinema produzido no Estados Unidos da Amrica do

    Norte. Exceo que cabe apenas a um filme produzido pelo cineasta brasileiro Slvio Back:

    A guerra dos Pelados, o qual desenvolve um modo de produo com oramento limitado

    que se aproxima esttica do Cinema Novo, com caracterstica de denncia de um

    problema social (a posse da terra) no resolvido no Brasil.

    Ao estabelecer contato com os professores, buscou-se entender o processo cultural

    que leva a contradio do uso do cinema. A contradio refere-se linguagem

    cinematogrfica que afasta o aluno dos textos, ao mesmo tempo em que possibilita a crtica

  • 6

    do universo imagtico e oral do cotidiano. Essa compreenso ser efetivada por meio da

    anlise dialtica dos processos e experincias pelos quais passam os professores no

    cotidiano da sala de aula, com o uso de uma linguagem baseada na oralidade e nas imagens.

    Outro foco do estudo so as experincias envolvendo o cinema na perspectiva do repertrio

    dos professores, bem como suas relaes com as produes culturais dentro e fora da

    escola, possibilitando ressignificar o cotidiano dos envolvidos, investigando os

    procedimentos, prticas, estratgias, instrumentos e recursos pedaggicos.

    Os professores que participaram da pesquisa responderam questionrios em um

    primeiro momento de aproximao com a escola. Ao todo 20 professores responderam.

    Portanto, estas questes foram a porta de acesso aos procedimentos utilizados para

    apreciao de filmes na escola. Posteriormente, com base no retorno dos questionrios,

    foram marcadas entrevistas2 que ocorreram individualmente no espao da escola em que o

    professor leciona. Nove professores, um de cada colgio, foram entrevistados. O critrio de

    seleo foi relativo ao professor que mais utilizava o cinema em suas aulas. Nos dois

    colgios onde havia apenas um professor de histria, mesmo assim a entrevista revelou a

    utilizao de filmes pelos professores numa freqncia satisfatria para o desenvolvimento

    da pesquisa.

    Na entrevista foram investigadas questes mais especficas, assim como outras

    complementares ainda no abordadas nos questionrios, sempre em relao prtica dos

    professores quanto s atividades com o uso dos filmes: fundamentao terica, observaes

    sobre a recepo dos alunos, uso na escola, relao com a indstria cinematogrfica e

    consumo. As entrevistas objetivaram confirmao e aprofundamento em algumas questes

    para validao da aproximao j realizada com o questionrio: gneros utilizados,

    freqncia de uso, acervo, estrutura da escola e estratgias de abordagem.

    Na anlise, considera-se a qualificao do professor somada observao atenta

    das descries das prticas pedaggicas, experincias e dimenso cultural dos professores,

    coletadas nas entrevistas. Depois da primeira aproximao com o ambiente da escola,

    outras observaes foram pertinentes para o desenvolvimento do trabalho. Na observao

    em relao aos professores, para evitar constrangimentos, no foram presenciadas as

    prticas na sala de aula. Apenas foi solicitada descrio de como a as atividades

    2 Ver anexo roteiro de entrevista com professores.

  • 7

    envolvendo cinema so desenvolvidas: os filmes utilizados, a reao dos alunos, os

    procedimentos do professor, o encaminhamento dos trabalhos, as relaes estabelecidas e

    as experincias presenciadas.

    Quanto aos demais envolvidos no processo escolar, principalmente os

    coordenadores da disciplina de Histria, e, na sua ausncia, supervisores e diretores que

    acompanham o trabalho do professor, foram estabelecidas conversas referentes

    aproximao, para validar os relatos dos professores, bem como foram consultados os

    responsveis pela manuteno ou instalao de equipamentos na escola, buscando

    principalmente identificar os procedimentos de uso relacionados com as demais atividades

    da escola, como dados sobre o uso de filmes e projetos de ensino, alm da sondagem de

    como a representao das prticas dos professores so observadas.

    A pesquisa proporcionou a comparao das escolas no mbito pblico. O estudo

    comparativo de casos resultar em anlises em torno de prticas comuns, e nas diferenas

    qualitativas com base na interpretao e tambm em dados estatsticos. A observao do

    resultado quantitativo proporcionar a anlise qualitativa e os dados sero tratados num

    continuum3.

    Outrossim, estudos bibliogrficos realizados sobre a trajetria, no Brasil, do uso

    do cinema em sala de aula4 possibilitaram a historicizao do papel da indstria cultural e

    do governo na atitude dos professores. Com isso foi possvel analisar a participao do

    mercado nestas escolhas e selees, ditando regras de produo e consumo. Isto deu

    suporte para as investigaes, no que tange aos esforos didtico-pedaggicos e

    institucionais para uso de equipamentos que melhorem e facilitem o trabalho dos

    professores.

    Os estudos concomitantes investigao possibilitaram a compreenso da atual

    valorizao das tecnologias. As escolas esto mais voltadas para as tecnologias da

    informao, principalmente informtica. E a informtica tem destaque em relao infra-

    estrutura e espao das escolas investigadas.

    3 Conforme Houaiss (2001): srie longa de elementos numa determinada seqncia, em que cada um difere minimamente do elemento subseqente, da resultando diferena acentuada entre os elementos iniciais e finais da seqncia analisada. 4 Almeida (2004), S (1967 e 1976), Napolitano (2003), Serrano (1930), Schvarzman (2004) e Woiski (1952).

  • 8

    Para o tratamento das entrevistas, desenvolveu-se anlise do discurso5, destacando

    nfases e omisses comuns nos discursos dos professores, quantitativamente comparados

    quanto formao, uso do cinema, tipos e ttulos de filmes, domnio terico do uso e

    prticas em sala de aula, bem como a relao com a indstria cultural e a cultura escolar.

    Na tcnica de associao de idias, o observador no neutro ou passivo. A

    interpretao fundamental. Desta forma o nmero de entrevistas torna-se significativa

    quando baseadas em entrevistas semi-estruturadas longas relacionadas a levantamentos

    paralelos sobre as conjunturas sociais, histricas e culturais, as quais ajudam a construir as

    relaes dos sujeitos sociais. Segundo SPINK, considerar o fato como parte da

    interpretao, e conseguir empatia dos investigados, que so diferentes por escolha do

    investigador, possibilita melhor desenvolvimento da interpretao, que

    hermeneuticamente mais uma interpretao.

    O primeiro captulo trata das aproximaes tericas que tratam das discusses em

    torno dos conceitos de indstria cultural, semiformao, cultura, tecnologia e

    desenvolvimento dos meios de comunicao no Brasil. A inteno deste captulo

    apresentar as categorias que foram utilizadas para desenvolvimento da pesquisa e

    consideraes sobre a investigao, envolvendo professores de histria do ensino mdio em

    Curitiba.

    O panorama da abordagem, desenvolvida diretamente na escola, considera a

    presena constante do cinema no ensino de histria, bem como o seu uso freqente e muitas

    vezes atabalhoado, por parte dos professores. Duas motivaes conduziram inicialmente a

    pesquisa, e com elas iniciam-se as primeiras aproximaes ao tema aqui desenvolvido

    histria cinema ensino, foram elas: a cultura escolar e o cinema.

    O captulo 2 configura o desenvolvimento da anlise das entrevistas considerando

    dialeticamente a construo da prtica pelos professores e as contradies geradas por essa

    prtica, em contraposio ao discurso. Foram selecionados trechos das entrevistas e

    apresentados em categorias que foram subdivididas em: objetivos com o uso de filmes em

    sala de aula, a presena da tecnologia na escola, a relao dos professores com o cinema e

    aproximaes tericas, reflexo em torno da indstria cultural e a relao dos alunos com o

    cinema segundo os professores.

    5 Spink (2000).

  • 9

    No desenvolvimento das anlises sobre o discurso foi considerada a dificuldade de

    elaborao dos trabalhos com cinema, partindo da dificuldade de reflexo por parte dos

    professores, bem como a semiformao recebida e reproduzida, sem esclarecimento e

    crtica, em relao utilizao dos bens culturais produzidos pela indstria. Tal tratamento

    didtico apresenta contradies: aproxima o aluno de fatos histricos, por ser uma

    linguagem prxima e recorrente; porm o afasta da historiografia e do tratamento de

    documentos histricos. E, consequentemente, o aluno se distancia da possibilidade de

    desenvolver uma conscincia histrica.

    A analise desenvolvida em torno das prticas dos professores motivou a continuao

    do trabalho numa perspectiva que envolvesse crticas aos filmes e prticas desenvolvidas

    pelos professores, e que ao mesmo tempo sugerisse prticas que considerassem uma

    formao consciente e crtica aos alunos.

    No captulo 3, em apenas algumas breves consideraes, a proposta de sugesto

    para a observao de alguns aspectos significativos dos filmes, visando oferecer aos

    professores de histria um percurso possvel para sistematizar uma prtica que possibilite o

    desenvolvimento da conscincia histrica, da formao plena, bem como da capacidade

    reflexiva e crtica dos envolvidos no uso de filmes em sala de aula.

  • 10

    Captulo 1 Cinema, histria e ensino.

    1.1 A histria e o ensino de histria: uma discusso

    O ensino de Histria no Brasil passa por um processo de reviso acadmica desde

    os anos 80 (Schmidt, 1998). Essa reviso prope uma ruptura com o ensino positivista, o

    qual trata de uma Histria que entende o passado para prever o futuro. Mas esta proposta de

    mudana tem obstculos, considerando que h dilaceramentos no ensino provocados pela

    ausncia de capacitao contnua, investimentos e mesmo salrios que possibilitem a

    atualizao dos professores. Entretanto, h avanos na discusso, que podem ser percebidas

    em algumas prticas de professores de Histria do ensino fundamental e mdio.

    Um dos problemas a serem superados, discutidos na reviso do ensino de Histria,

    a possibilidade de incluir nas aulas de histria, o prprio aluno. Saber da sua origem, dos

    seus saberes, dos seus interesses e expectativas, e com isso tornar a aula de histria

    dinmica e participativa, considerando na relao de aprendizagem o que o aluno traz de

    experincias e significados de seu cotidiano, ou seja, da sua realidade mais prxima.

    Entendemos por realidade mais prxima do aluno tudo o que est ligado sua prpria experincia de vida, que tem a ver com o que ele sente, pensa, sabe, se interessa, se preocupa etc., e que est marcado profundamente pela experincia do meio cultural que o envolve, dos grupos sociais nos quais ele est inserido. A questo sobre o objeto de estudo a ser trado deve ser suscitada pelo presente que o aluno vive. (CABRINI e outros, 1987, p.39)

    Conhecer o aluno se responsabilizar pela Histria que ele vai aprender. E aprender

    na pluralidade cultural, a partir da diversidade, sem excluir alunos distantes da realidade

    esperada, idealizada e configurada nos materiais trazidos para sala de aula ou ainda

    escolhendo alunos ideais que compartilhem ou esperem como resultado uma formao

    reprodutivista. Muitos manuais de histria que esto no mercado editorial, apresentam uma

    histria formal e oficial que deve ser ensinada segundo uma tradio conservadora.6

    6 Ensino conservador parte de uma prtica positivista que considera que a histria serve para construir o futuro sem os erros do passado.

  • 11

    O professor, na nsia de atualizar seu discurso e se aproximar do aluno, utiliza os

    filmes na sala de aula como alternativa e muitas vezes como substituio originada pela

    ausncia e ou dificuldades de obteno do material didtico e de outros recursos como

    bibliotecas equipadas, visitas a museus e locais histricos, pinacotecas entre outros.

    Mas, caso no se considere a cultura do aluno, qualquer estratgia de ensino pode

    ser refutada e no lograr xito. Isto porque as intenes do professor e do projeto de ensino

    tm que ser claras e devem passar distante do que habitualmente chamado de ensino

    tradicional ou conservador:

    O passado aparece, portanto, de maneira a homogeneizar e a unificar as aes humanas na constituio de uma cultura nacional. A histria se apresenta, assim, como uma das disciplinas fundamentais no processo de formao de uma identidade comum o cidado nacional destinado a continuar a obra de organizao da nao brasileira. (NADAI, 1997, p.25)

    A linearidade do discurso apontado por NADAI desconsidera o aluno e as

    informaes que compem um universo cultural que deve ser levado em conta nas opes

    didticas e recortes estudados em sala de aula. Esta elaborao da Histria do ensino de

    Histria o objeto de estudo de PINSKY (1997), que conduz a uma reflexo sobre toda

    uma trajetria histrico-educacional que se inicia com um contedo pitoresco, depois

    herico, livre de contradies, passando por uma histria engajada e depois supostamente

    integradora nos anos militares.

    O aluno, sujeito que precisa ser levado em conta no ensino, ser humano que

    transforma a sociedade e tambm influenciado por ela, s volta a ser discutido como

    principal objeto da histria pesquisa e ensino nos anos 70, sob tutela dos militares, ou

    seja, numa discusso isoladamente acadmica. O professor que teve experincias

    pedaggicas e didticas com essa discusso revolucionria, ao chegar realidade da sala de

    aula, enfrenta impedimentos de ordem econmica e estrutural das conseqncias

    devastadoras da dcada de 80, que envolveram a desvalorizao dos professores em meio a

    crises econmicas e polticas sucessivas.

    Depois disso, o professor de Histria deve percorrer quais caminhos? Segundo

    SCHMIDT (1998):

  • 12

    O professor de Histria pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho necessrias; o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lanar os germes do histrico. Ele o responsvel por ensinar o aluno a captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista. Ao professor cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegr-los num conjunto mais vasto de outros problemas, procurando transformar, em cada aula de Histria, temas em problemticas. (p.39)

    Refletindo sobre as possibilidades do uso do cinema nas aulas de Histria, deve-se

    levar em conta o filme, sua representao, seu valor como documento e tambm como

    produto cultural reconhecidamente importante para os jovens que estabelecem no ensino

    mdio estudos mais aprofundados de Histria. Freqentemente, os alunos reconhecem no

    cinema traos do seu cotidiano e da sua cultura.

    Segundo SCHMIDT:

    Assim como a fotografia (imagem imvel), o cinema (imagem mvel) uma linguagem contempornea que exige cuidados especiais no seu uso na sala de aula. Alguns aspectos precisam ser mencionados como: a necessidade do conhecimento da historiografia do cinema; estudos sobre a presena da histria no cinema; da presena do historiador no cinema; a questo dos documentrios histricos e a construo da memria (ou da memria em runas); o cinema e a formao da conscincia histria e, finalmente, os aspectos que envolvem a especificidade do uso do filme no ensino de Histria. (2005, p.225)

    O filme o objeto que pode auxiliar, pela linguagem conhecida, pela fascinao

    provocada nos adolescentes. Trata-se de uma outra forma de produzir, entender, refletir e

    criticar historicamente, pois um documento diferente dos contedos dos livros e ao

    mesmo tempo comum aos estudantes, levando ao entendimento da provisoriedade da

    verdade histrica. Segundo Schmidt (1998, p. 62): (...) levar superao da

    compreenso do documento como prova do real, para entend-lo como documento

    figurado, como ponto de partida do fazer histrico na sala de aula. Ento a transposio

    didtica do contedo histrico associado ao filme deve levar em conta a problematizao, o

    ensino, a construo e reconstruo de conceitos, os diversos momentos histricos da obra

    (produo e argumento principal) e o documento. Etapas comuns no ensino de Histria,

    levando em conta a explicao histrica que motivou o uso da obra cinematogrfica.

    Tais explicaes devem ir alm da determinao do fato estudado como causa

    acontecimento conseqncia.

  • 13

    Muito mais que as determinaes causais, importante levar o educando compreenso das mudanas e permanncias, das continuidades e descontinuidades. Essas noes so fundamentais na sua educao histrica e exigem, por parte do professor, uma grande ateno aos diferentes ritmos dos diferentes elementos que compem um processo histrico, bem como s complexas inter-relaes que interferem na compreenso dos processos de mudana social. (SCHMIDT, 1998, p.61)

    O filme o suporte de um argumento. Traz uma verdade que pode ser construda

    com base nos interesses e condies da produo. Por exemplo, o tempo, discusso

    essencial na Histria, tem tratamentos diversos de acordo com os interesses artsticos ou

    comerciais. Mostra-se com isso o interesse de quem produz em permitir presenas ou

    ausncias. Ou mesmo reconstruo parcial da memria. Este tipo de anlise, corroborada

    por Schmidt, mostra pressupostos para o ensino de Histria. Inclusive aponta para a

    diversidade de percursos que ocorrem no ensino, as escolhas de alunos e professores que

    possibilitam discusses de determinados enfoques dos fatos, dos heris, documentos e datas

    histricas e dos prprios filmes que os registram.

    Segundo SCHMIDT (2005) a seleo de alguns elementos pode levar a uma quebra

    de paradigma com o ensino tradicional. Levando a aula de Histria do ensino mdio numa

    direo de eixos temticos7, considerando a realidade social dos educandos e do meio onde

    vivem superando limites locais e regionais. Os elementos so os seguintes:

    A histria vista como processo, superando a linearidade e a evoluo

    positiva;

    A anlise dialtica da histria, rompendo com o entendimento de fatos

    separados sem anlise da totalidade;

    A histria sempre partindo do presente contrapondo-se idia de estudos

    imparciais;

    A interpretao da histria com base na realidade social (micro e macro) do

    aluno, dando condies ao mesmo de entender e interferir.

    7 Segundo SCHMIDT (2005, p. 206), Nesse sentido, eixos temticos podem ser entendidos, no s como a definio de questes articuladoras da anlise do real, como tambm o entendimento de que essas questes reportam-se a vrios assuntos que guardam unidade entre si a partir de uma identidade que lhes prpria.

  • 14

    1.2 Os filmes e o cotidiano escolar

    A perspectiva de analisar a presena da tecnologia, da indstria cultural,

    especialmente investigadas por meio da utilizao de filmes na escola, posto que dessa

    forma integram a cultura escolar, bem como a preocupao com a relao do cinema com a

    formao pedaggica e prtica didtica dos professores, estruturaram este trabalho.

    A facilidade do uso e do acesso tornou a presena do cinema algo comum na cultura

    escolar, seja como exemplos ilustrativos citados nos diversos contedos, indicaes em

    material didtico, ou a exibio de filmes na sala de aula, recorrente a presena do cinema

    no ensino.

    O foco destes estudos estar no uso do cinema produzido para entretenimento e

    consumo em massa, utilizados nas aulas de histria, pelos professores de colgios (ensino

    mdio) pblicos, em Curitiba. Chamados de comerciais por alguns ou cinema

    hollywoodiano por outros, o cinema presente nas aulas de histria vai alm dos

    documentrios produzidos com fins historiogrficos, factuais ou biogrficos. Isto

    demonstra, conforme Tardy (1976), uma maturidade pedaggica que discute a cultura alm

    da tentativa legitimadora e positivista dos documentrios:

    Alis, no certo que a distino entre cinema documentrio e cinema de fico seja inteiramente vlida e que no passe de uma dessas divises ditas escolares, que no constituem segredo apenas da pedagogia. Onde termina o documento? Sem dvida, em parte alguma, pois todo filme, examinado sob uma perspectiva adequada, pode revelar um aspecto documentrio. (p.33)

    Usar os recursos didticos do vdeo ou DVD, televiso e cinema, transformou a

    perspectiva da aula de histria, que tinha nos livros (didticos e paradidticos) e imagens de

    obras de arte ou de acontecimentos que marcaram a histria do perodo estudado, o apoio

    visual ao ensino. A ampliao do uso de recursos veio de fora da escola para dentro, e a

    cultura escolar incorporou-o como prtica didtica.

  • 15

    Percebem-se muitas falhas tericas, pedaggica e historicamente, no uso e na

    presena8 de filmes no cotidiano escolar. O que o professor produz como reflexo histrica

    vai interferir no aprendizado do aluno. Segundo Rsen (2001), o raciocnio histrico do

    historiador, e por extenso do professor de histria que na graduao teve contato com

    historiografia, deve pressupor os seguintes elementos: como produzir a reflexo histrica?

    Pode-se chegar l medida que o tratamento das fontes e da bibliografia pertinente ao tema seja permanentemente acompanhado de uma reflexo sobre as prprias questes colocadas, sobre os resultados possivelmente decorrentes dessas questes, sobre os procedimentos metdicos mais adequados s questes e, por fim, sobre os efeitos de orientao dos resultados esperados. Essas reflexes podem ser sistematizadas no mbito de uma teoria da histria. Com seu auxlio, o esforo de fundamentar os procedimentos de pesquisa facilitado, o carter argumentativo do trabalho reforado e sua qualidade cientfica, aumentada. Ao mesmo tempo, logra-se manter o controle sobre o volume de material pesquisado, extraindo dele o conjunto de informaes essenciais ao tema. (p. 41)

    No universo dos sujeitos escolares, a tecnologia que pode levar o cinema para todos

    est disseminada. Seu uso na escola, e tambm no lazer, comum, seja na TV aberta ou a

    cabo, bem como pelas facilidades de locao (VHS e DVD). Em observaes

    preliminares9, a partir do ano de 2001, todas as escolas de educao bsica que j haviam

    sido palco para orientao de projetos de ensino, e tinham TV e vdeo disponvel para

    professores e alunos. Escolas da Prefeitura Municipal de Curitiba e alguns colgios

    particulares chegam hoje a ter TV em todas as salas de aula.

    Tal presena destaca a cultura miditica na escola, vinculada principalmente

    atualizao didtica e tecnolgica. Mas h preocupaes em torno dessa presena, na

    medida em que no h crticas ou reflexes consistentes respeito de tais procedimentos

    dentro da escola. Para Almeida (2001) isto reflexo da nova cultura oral presente na

    sociedade. O autor considera que h uma valorizao cada vez maior da imagem e do som

    8 comum, alm do uso de filmes na prtica dos professores, citao de filmes como recursos significativos ou ilustrativos, o que se considera como presena de obras cinematogrficas. Tambm podemos incluir as recomendaes no livro didtico para trabalho com filmes ou referncias, citaes de obras cinematogrficas no cotidiano escolar. Pode se considerar ainda a presena das obras cinematogrficas quando os alunos fazem referncias a filmes ou se utilizam deles para compor suas reflexes acerca do conhecimento histrico. 9 Orientao de projetos de ensino desde 2001, convnio entre Prefeitura Municipal de Curitiba e UNICENP. At 2004 o projeto foi chamado de Fazendo Escola, a partir de 2005 passou a se chamar Projeto Escola & Universidade. Total de 13 escolas, excluindo aquelas nas quais foram realizadas apenas avaliaes de projetos.

  • 16

    em detrimento da linguagem escrita. E essa nova cultura, prioritariamente imagtica e

    sonora, est presente na escola. Fazem parte da cultura escolar elementos provenientes da

    produo cultural que transmitem imagens e sons. Nas ltimas dcadas, principalmente

    com a disseminao da televiso no Brasil, a produo cultural sofreu interferncias desse

    meio de comunicao de massa. Reduziu-se a bilheteria nos cinemas10, bem como no

    houve incremento significativo na leitura e tampouco na aquisio de livros11.

    Segundo Almeida (2004), a cultura produzida com esse objetivo de consumo facilita

    o acesso e o entendimento, infantilizando a programao e tratando o espectador de

    maneira homognea e simples. As imagens e os sons so produzidos com princpios

    diferentes da comunicao priorizada na escola: a escrita; e isto cria dificuldades ao

    estudante que vem com uma referncia de leitura e escrita aqum da expectativa da escola.

    As caractersticas de produo marcantes da sociedade com a ampliao do uso de

    VHS e DVD aproximam a produo cinematogrfica de boa parte da populao. Alm

    disso, na programao televisiva, de filmes e novelas, ou ainda de programas na TV de

    auditrio, jornalismo e entretenimento, comum o uso da linguagem do cinema

    (sonoplastia, trilha sonora, efeitos, etc.) para emocionar e prender a ateno do

    telespectador com uma linguagem conhecida. Essa presena social da mdia, marca a

    aproximao de programas de entretenimento (filmes, novelas, seriados, desenhos

    animados, esportes, etc.) de acordo com os interesses empresariais que determinam tempo,

    10 Conforme ALMEIDA e BUTCHER (2003) houve reduo numericamente at 1997, e mesmo com o incremento a partir de ento, proporcionalmente a presena nas salas de cinema pequena. 11 Cmara Brasileira do Livro (CBL), conforme pesquisa realizada em 2001. Segundo Felipe Lindoso, diretor de relaes internacionais da CBL, o brasileiro s no l porque no tem acesso ao livro. Isso acontece porque ganha mal e por desconhecimento da obra que est no mercado. Somam-se a esses fatores a questo da falta de costume, de tempo e de vontade do leitor se dirigir s estantes de uma biblioteca e apanhar um livro. Situao agravada por um sistema ineficaz de bibliotecas pblicas. No Brasil h uma populao alfabetizada, com mais de 14 anos, em torno de 86 milhes de pessoas. De acordo com pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, feita pela CBL em 40 cidades espalhadas por todas as regies do Pas, 62% desse contingente afirmam que gostam de ler, enquanto que 30% haviam lido um livro nos trs ltimos meses que antecederam a pesquisa, e 20% tinham lido apenas uma obra no ltimo ano. Lindoso explica que o ndice de leitura do povo brasileiro, quem compra e quem l um livro, at que bastante razovel. Ou seja, esse pblico l, em mdia, at seis livros por ano. Mas faz uma ressalva: traduzindo para uma populao alfabetizada, isso d l,2 livro ao ano, que significa um ndice extremamente baixo se comparado por exemplo com os nove livros por pessoa lidos nos Estados Unidos, e os 18 pelo Japo e Alemanha. E no se pode dizer que o livro brasileiro seja caro. No Brasil, de acordo com Lindoso com base na pesquisa, 11% das pessoas no lem por no terem dinheiro para comprar livros. Apenas 8% dos livros lidos foram retirados em bibliotecas pblicas, enquanto que aproximadamente metade da populao comprou os livros que leu. Por mais estranho que possa parecer, no cmputo geral, 39% declararam no ter tempo para a leitura, revela Lindoso. Semana da UNICAMP: 23 a 29 de julho de 2001. http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/semana/unihoje_sema152pag01.html - acesso em 02/12/2006.

  • 17

    horrio, programao, possiblidades de escolha, bem como do uso de estratgias comerciais

    e industriais para o incentivo do consumo no lazer ou no cio.

    Assim, a cultura produzida com interesses massivos, oral e imagtica, est na escola

    vinculada atualizao tecnolgica e didtica12, tentando aproximaes com a cultura do

    educando, com base numa lgica industrial de atualizao e novidades constantes. Para

    refletir sobre o cinema produzido para fins comerciais na sala de aula, foi necessrio

    considerar sua vinculao Indstria Cultural e cultura de massa, tendo como inteno

    entender como este produto cultural chega de uma forma transparente13 at a escola, e

    como tratado e usado pelos professores.

    A indstria cultural est inserida na categoria de cultura, porque produz cultura com

    fins diversos que interferem nas relaes sociais, transformando relaes e smbolos,

    influencia e sofre influncias; necessrio considerar com Williams (1969), crtico

    marxista, uma anlise da cultura considerando sua produo para a massa. Ao falar sobre

    cultura de massa o autor historiciza o conceito e os interesses da produo, mostrando que a

    inteno inicial prioritariamente o consumo da massa, que era originalmente tratada como

    inferior, pois se destinava a quem tinha poucos recursos sociais e econmicos. Aos poucos

    a produo foi sendo mais especfica sem deixar de ser industrial, diferenciando seus

    produtos para atender a diversidade.

    Esse autor ingls, ao pensar a cultura, orienta para que se deva considerar o valor

    ideal (universal) de determinada produo, ou o modo como ela disseminada e

    apropriada, bem como o seu valor como documento, que engloba caractersticas da

    produo. Mas a anlise principal da cultura deve ser social, considerando significados e

    valores. Ento para Williams no h cultura inferior ou superior, h diferenas quanto

    apropriao. No pelo fato da cultura ser produzida para massa, que ela apropriada da

    mesma forma por todos os destinatrios de um determinado produto cultural.

    (...) eu definiria a teoria da cultura como um estudo das relaes entre os elementos de todo um modo de vida. A anlise da cultura tem a inteno de conhecer a origem da organizao que constitui a complexidade dessas relaes. As anlises de obras ou instituies especficas so, neste contexto, as anlises de um tipo especial de

    12 A presena de equipamentos, principalmente de informtica, serve para demonstrar a atualizao da escola diante da produo tecnolgica e industrial (consumo) de ponta. 13 No h questionamento a respeito da presena, pois a escola reflete as condies e expectativas da sociedade.

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    organizao, as relaes que umas e outras representam como partes da organizao em seu conjunto. Nelas, a palavra chave padro: qualquer anlise cultural profunda comea com o conhecimento de um tipo caracterstico de padres, e a anlise cultural geral se ocupa das relaes entre eles, que s vezes revelam identidades e correspondncias inesperadas entre atividades ento consideradas separadas, e em outras ocasies mostram descontinuidades imprevistas. (WILLIAMS, 2003, p. 56) 14

    Considerando Williams, se faz necessrio entender o uso e a experincia do cinema

    em sala de aula, fazendo parte da obra histrica e cultural, construda com base em

    determinado contexto, e principalmente com a possibilidade de produzir representaes que

    so experimentadas e assimiladas, singular e coletivamente, dependendo da faixa etria e

    capital cultural15 dos indivduos espectadores. Williams (2003) ainda nos proporciona

    aprofundamentos sobre teoria da cultura que auxiliaro na continuidade da interpretao de

    aspectos peculiares que se nos apresentam at o momento.

    De acordo com essa orientao a respeito de padro, so elementos fundamentais da

    pesquisa, a observao da prtica dos professores de histria em relao ao cinema, bem

    como a presena da cultura de massa na cultura escolar, considerando aspectos como

    tecnologia e indstria cultural.

    O padro sugerido por Williams ser utilizado na anlise dos depoimentos a respeito

    do uso de filmes por professores de histria. Tais sujeitos escolares comumente fazem uso

    desse produto cultural para prticas didticas no ensino de histria.

    Produzidos sem finalidade didtica, os filmes so utilizados em sala de aula

    principalmente para retratar uma poca, normalmente a apresentada no argumento do filme,

    ou raras vezes como observao de um filme produzido em determinado contexto histrico.

    Obras produzidas com fins comerciais, para o consumo em larga escala, apresentam

    determinado padro de uso em sala de aula por professores que no tiveram orientao

    14 Traduzido pelo autor: (...) yo definira la teora de la cultura como el estudio de las relaciones entre los elementos de todo un modo de vida. El anlisis de la cultura es el intento de descubrir la naturaleza de la organizacin que constituye el complejo de esas relaciones. El anlisis de obras o instituciones especficas es, em este contexto, el anlisis de su tipo esencial de organizacin, las relaciones que unas u otras encarnan como partes de la organizacin en su conjunto. En l, la palabra clave es "patrn": cualquier anlisis cultural til se inicia con el descubrimiento de un tipo caracterstico de patrones, y el anlisis cultural general se ocupa de las relaciones entre ellos, que a veces revelan identidades y correspondencias inesperadas entre actividades hasta entonces consideradas por separado, y en otras ocasiones muestran discontinuidades imprevistas. 15 BORDIEU (2004). O capital cultural refere-se ao investimento familiar e pessoal na aquisio de conhecimentos e bens culturais que so sancionados pelo estado por meio da certificao escolar.

  • 19

    terica para tal. Portanto esse uso recorrente mostra a busca de apoio didtico em algo

    cotidiano, da cultura comum, entre professores e alunos. Num primeiro momento esse

    consumo no crtico, ou seja, gera acomodao dos sujeitos escolares diante da Indstria

    Cultural.

    Adorno e Horkheimer (DUARTE, 2004, p. 51) acreditavam que esses processos

    industriais de produo da cultura, baseados numa racionalidade tcnico-cientfica, no

    davam espao para reflexo. Apesar de tecnicamente avanados, so construdos numa

    tica da facilitao do entendimento, ou seja, mediocrizados.

    Ento a negativa em relao Indstria Cultural pertinente, conforme Zuin, Pucci

    e Ramos-de-Oliveira (1999):

    O ceticismo de Adorno de que a necessria massificao da cultura corresponda real democratizao da produo, reproduo e assimilao simblica tambm j lhe rendeu o rtulo de pensador elitista. Ora, como vimos, o frankfurtiano no contra a aplicao racional do aparato tcnico, de modo a atenuar o doloroso esforo proveniente da vida em sociedade. Contudo, afirmar que a massificao cultural por si s j demanda o fim da desigualdade entre os grupos sociais uma atitude no mnimo ingnua, para no dizer perigosa. Adorno contra a forma irracional como a racionalidade tcnica se efetiva na sociedade, sob a tutela do fetiche da mercadoria. (p. 64)

    Essa negao no pelo uso ou pela presena dos produtos industriais, mas pela

    ausncia de reflexo, pelo uso comum que se d apenas pela facilitao ou pela prtica

    recorrente de aproximao de temas distantes a uma cultura escolar; que apenas usa os

    aparelhos e apresenta os filmes como ilustrao ou base para discusso, que no considera

    a elaborao, produo, direo ou aspectos industriais, de consumo em massa (SEVERO,

    2004).

    A iluso da presena inovadora da tecnologia e do uso facilitado ilude e torna a

    formao medocre ou parcial. Formao que poderia ser crtica, desenvolvendo anlises e

    revendo a insero desse aspecto da Indstria Cultural em nossas vidas. De acordo com

    SCHMIDT (2005, p. 203) essa formao se desenvolve a partir da: (...) aquisio de

    elementos fundamentais para uma viso crtica da realidade em que vivem. (...) a

    necessidade de que a educao histrica instrumentalize para uma participao consciente e

    ativa na realidade local, nacional e mundial. Quando isso no ocorre, pode ser vista como

    semiformao:

  • 20

    Justamente quando denunciamos a hegemonia da Halbbildung16 sobre a Bildung17 que podemos vislumbrar o seu sentido original de sustentao de uma individualidade livre, radicada na sua autoconscincia onde perdura o no-presente e baseada na necessria sublimao dos impulsos, visando uma convivncia social no patolgica. A desconfiana adorniana se baseia numa sociedade que promete, mas no cumpre, pois no se luta contra os contedos das promessas burguesas e, sim, contra a iluso de que elas j se encontram efetivadas. (ZUIN, PUCCI e RAMOS-DE-OLIVEIRA, 1999, p. 64).

    Considerando a teoria da semicultura adorniana, os professores, de uma maneira

    geral, parecem no refletir sobre a possibilidade de crtica ao cinema e sua produo, o

    que gera pseudoformao, ou seja, semiformao. A cultura que enaltece a formao

    individualista e tem um fim em si, semicultura. Esta formao cultural burguesa18 busca a

    igualdade, mas em relao s classes trabalhadores apenas os molda para o trabalho. A

    Indstria Cultural (projeto burgus) consolida a semicultura. Dessa forma, a heteronomia

    continua, no h libertao para todos. A mdia, com a consolidao de sua prpria

    linguagem e domnio, usa o esporte, a televiso, o cinema e o rdio para consolidar a

    cultura, que forma heteronimicamente, sem reflexo, desenvolvendo uma contradio do

    esprito capitalista: que tenta formar parcialmente propondo uma suposta liberdade.

    Neste sentido, a funo dos bens de formao cultural a de manter os indivduos

    na sua posio, semiformados, sem reflexo. Segundo Adorno (1996, p. 394), Por

    inmeros canais, se fornecem s massas, bens de formao cultural. Neutralizados e

    petrificados, no entanto, ajudam a manter no devido lugar aqueles para os quais nada

    existe de muito elevado ou caro. Ento a semiformao pode ser encontrada na escola,

    pois diversos bens culturais de consumo esto presentes nas instituies escolares (msicas,

    gravuras, slogans) sem serem considerados objetos de reflexo, inclusive o cinema, motivo

    desta pesquisa.

    A reflexo que busca superar a semicultura impe um caminho a ser seguido. Caso

    contrrio, o uso do cinema na escola pode encaminhar para a semiformao. Ao apresentar

    a Histria aos alunos, com base no cinema, sem a reflexo sobre a forma de produo e os

    interesses presentes no filme, h um enquadramento da obra que faz com que ela seja

    16 Semicultura ou semiformao (dependendo do tradutor). 17 Formao, cultura ou formao cultural (tambm depende do tradutor). 18 Entender burguesia, como classe que se torna autnoma pelo comrcio, e d sustentao ao capitalismo.

  • 21

    reconhecida por alunos e professores como linguagem comum, que se parece com a

    verdadeira formao.

    Segundo o filsofo de Frankfurt, a semiformao adulteraria nossa percepo e a

    vida sensorial, criando confuso com o que visto por meio da representao no cinema e a

    historicidade do fato. Adorno efetiva algumas consideraes sobre o cinema em sua obra de

    1996 (p. 399), no sentido de consolidao da semiformao, e enfatiza inclusive as

    caractersticas supostamente didticas e formadoras: As estrelas de cinema, as canes de

    sucesso com suas letras e seus ttulos irradiam um brilho igualmente calculado.

    Neste sentido, Adorno aponta perigos na aproximao da cultura produzida em

    massa. Na escola, ao usar filmes para ilustrar a Histria, sem produzir ou tentar uma

    cuidadosa reflexo19, os professores podem limitar-se a consolidao de uma semicultura,

    ao no propor a uma auto-reflexo crtica e constante sobre a semiformao:

    A experincia a continuidade da conscincia em que perdura o ainda no existente e em que o exerccio e a associao fundamentam uma tradio no indivduo fica substituda por um estado informativo pontual, desconectado, intercambivel e efmero, e que se sabe que ficar borrado no prximo instante por outras informaes. (ADORNO, 1996, p. 405.)

    1.3 Cinema, escola e histria no Brasil: uma reviso.

    A presena de filmes no desenvolvimento dos estudos histricos tratada,

    principalmente como documento de anlise. De acordo com Ferro (1992), o cinema tem

    conquistado espao nos estudos histricos e a recomendao de anlise da historicidade das

    obras cinematogrficas est embasada na comparao entre filmes e comparao da

    recepo de um mesmo filme em pocas distintas. A cinematografia reflete as diversas

    condies ideolgicas e estticas da produo de uma obra, em determinado contexto. Tal

    contexto tomado considerando a poca de lanamento e o uso que se faz em outro

    momento histrico, mesmo em sala de aula. E esta temtica tem variaes quanto aos

    valores estabelecidos em determinada poca ou lugar.

    19 Refletir voltar-se sobre si mesmo, pensar nos motivos que levam a pensar de determinado forma. Considerar a totalidade, a radicalidade e a profundidade das teses apresentadas ou usadas para conceituar.

  • 22

    Alm disso, Sorlin (1994) avanando a partir das recomendaes de Ferro, mostra

    como o discurso necessrio para existir a imagem cinematogrfica. S a imagem do filme

    sem inteno e sem palavras que direcionem o olhar, no produz reais possibilidades de

    anlise ou crtica histrica. Dessa maneira, deve-se considerar o filme e as relaes que o

    discurso provoca antes, durante e depois da sua produo, porque no cinema

    contemporneo o discurso faz parte da linguagem.

    Essa anlise do uso do cinema na histria, desenvolvida por Ferro, relevante para

    o trabalho acadmico. Mas no considera a especificidade do ensino de histria. E trata do

    filme como fonte/documento histrico para pesquisa. Outras abordagens, recolhidas nas

    obras de autores brasileiros depois dos anos 30 do sculo XX, consideravam o cinema

    como um instrumento fundamental que auxiliaria diretamente no ensino e na aprendizagem

    dos alunos. Woiski (1952) considera que os educadores deveriam apreciar e considerar o

    uso do cinema, principalmente os documentrios. Sugere que cada sala deveria estar

    equipada para receber projetores de cinema que auxiliariam sobremaneira no ensino,

    mostrando concretamente o que os alunos no tm condies de presenciar ... podemos,

    por exemplo, trazer pelo cinema, ante seus olhos, o fundo do oceano...

    Esta direo j era pensada em 1930, por Serrano e Venancio Filho, que

    preocupavam-se em mostrar os caminhos corretos para utilizao do cinema pelos

    professores, inclusive registrando a preocupao de no substituir o professor pelo

    cinematgrafo.

    No livro Cinema e Educao, os autores citados anteriormente descrevem a

    inveno do cinema, bem como sua disseminao com instrumento educativo pelo mundo.

    Alm de recomendarem filmes, os autores recomendam prticas didticas com o uso do

    cinema. As estratgias referem-se ao uso em outros pases, abordando tambm a descrio

    tcnica das obras, dos equipamentos envolvidos na projeo (explicaes fsicas e

    qumicas) at orientao a respeito de algumas obras consideradas boas ou ms.

    Aps essa primeira incurso de educadores brasileiros no mbito do cinema na

    educao, destaca-se a importncia do INCE Instituto Nacional de Cinema Educativo

    fundado em 1936 que teria a funo de produzir filmes didticos, tendo Humberto Mauro20

    como diretor em filmes que abordavam, inclusive, a histria oficial do Brasil. desta

    20 SCHVARZMAN (2004).

  • 23

    incurso do diretor (at 1964) que resultam, alm de filmes histricos, e biogrficos, filmes

    sobre saneamento, sade, biologia, geografia, literatura e arte.

    Entretanto, no Brasil, a relao incipiente entre cinema, histria e educao, s

    adquire dimenses significativas, ou seja, os professores s passam a usar regularmente os

    filmes em sala de aula, quando os custos de reproduo de filmes e a distribuio, alm do

    equipamento so substitudos: projetores caros so trocados por geis e baratos

    videocassetes e televisores. Os custos so barateados a partir dos anos 80, mas os filmes

    passam a integrar mais constantemente as prticas pedaggicas e a serem realmente

    disponveis e acessveis nos anos 90 (Setton, 2004).

    Antes desse movimento de expanso, uma autora teve destaque nas reflexes sobre

    cinema e escola nos anos 60 e 70: Irene Tavares de S. Esta (1967) reflete sobre a

    influncia do cinema e aborda aspectos negativos e positivos, incluindo a necessidade de

    censura e indicaes para pais e professores. Essas indicaes vo de comentrios sobre

    caractersticas tcnicas de um filme, idade para apreciao de obras cinematogrficas at

    possibilidades de anlises temticas. Alm disso, Tavares de S se detm em explicar

    gneros de filmes e tambm em analisar filmes (clssicos na poca da edio do livro). Em

    sua obra de 1976, a autora se preocupa em criticar e analisar filmes que julga tratarem de

    temas significativos para a educao, inclusive em aspectos atitudinais.

    Classificando filmes, a autora mostra o impacto negativo que eles podem gerar na

    assistncia, principalmente filmes que apresentam agressividade. Esta obra marca a

    continuidade de um trabalho iniciado com o livro Cinema em debate (1974) produzido

    para orientar assistncia de colegiais em cine-clubes. Nesta obra, a autora produz uma

    anlise baseada numa temtica atitudinal e pedaggica: filmes da poca so indicados

    conforme sua relevncia para o ensino. Trata da comunicao e da censura; da infncia e do

    amor ferico; da cincia e da fantasia; da comdia e do musical; do amor e do romantismo;

    da epopia e do anti-heri; da filosofia de um autor; da violncia; do sexo; dos txicos; dos

    limites e da hiprbole; do cinema extico; do cinema brasileiro; e do cinema impossvel. A

    autora demonstra em suas obras a crena na influncia direta do cinema nos adolescentes e

    crianas, por isso uma preocupao em orientar detalhadamente a assistncia.

    No Brasil, em 1976, publicada a traduo do livro de Tardy, que aborda o cinema

    na educao numa perspectiva terica, em uma abordagem muito diferente da autora

  • 24

    brasileira Irene Tavares de S. Seu livro, publicado originalmente na Frana em 1966

    aborda a produo cultural por meio do cinema, a televiso e a perspectiva da pedagogia

    num mundo marcado pelos meios de comunicao de massa. O autor critica a postura

    acomodada e ao mesmo tempo baseada em tendncias da moda do pedagogo, que, segundo

    ele, normalmente rejeitava a reflexo sobre o uso das imagens na educao:

    Os pedagogos, em geral, tm uma conscincia tranqila. Muito bem abrigados dentro de um sistema que tanto mais poderoso justamente porque jamais foi definido com clareza, eles encontram entre as quatro paredes da sala de aula um refgio confortvel, que vibra ao doce rudo dos jogos infantis. A escola uma enseada segura, porque tem suas normas, regras, ritos, tradies, que desempenharo tanto melhor seu papel quanto mais evitarmos questionar a respeito de suas bases ontolgicas ou de sua origem histrica. As reformas passam, o sistema continua. (p. 11)

    Tardy aborda a problemtica do cinema e sua relao com a escola numa

    perspectiva desenvolvida com base em questes tericas ainda presentes atualmente. A

    presena da cultura produzida com intenes de consumo, e tambm a falta de reflexo da

    escola no que diz respeito gradativa assimilao das imagens cinematogrficas, mostra a

    atualidade do autor, j em meados dos anos sessenta preocupado com a reflexo sobre a

    influncia acrtica do cinema e da televiso na escola.

    Atualmente, trs livros especficos sobre cinema e ensino tratam diretamente do uso

    dos filmes em sala de aula. Trata-se de Napolitano (2003), Severo (2004) e Mocellin

    (2002). O primeiro elabora um manual de uso do cinema nas mais distintas disciplinas do

    Ensino Fundamental, inclusive dando algumas orientaes estticas sobre a stima arte,

    dessa maneira ampliando as possibilidades de leitura pelos professores. O autor indica

    alguns filmes bem como sugere procedimentos didticos especficos em relao a alguns.

    Diferentemente, Severo, discute e oriente a problemtica do uso de filmes

    especificadamente no ensino de histria. Alm das indicaes, no decorrer do livro,

    apresenta pesquisas, destaca a importncia de usar filmes para significar o contedo como

    sugere o terico Ausubel.

    Os dois autores citados apresentam publicaes brasileiras atuais sobre o uso do

    cinema em sala de aula e preocupam-se em ampliar a reflexo dos professores dessa prtica

    comum no ensino de histria. O segundo preocupa-se em definir o material de trabalho do

  • 25

    professor de histria quanto ao fato de levar o cinema para a sala de aula, a saber:

    considerar como filme histrico no s aquele que apresenta fatos ou heris histricos

    marcantes, mas principalmente aquele que usa a histria como problema, preocupao

    central ou expresso de uma viso determinada.

    E finalmente, Mocellin (2002), que tambm trata exclusivamente da problemtica

    do cinema nas aulas de Histria, aproxima o leitor interessado das discusses propostas por

    Marc Ferro. Na obra O cinema e o ensino de Histria o autor se preocupa em indicar obras

    da stima arte e estratgias de tratamento didtico com base na obra do historiador francs e

    apresenta uma precupao explicta com a Histria das Mentalidades. Mocellin sugere

    comparaes, cuidados com a anlise da produo e contexto do lanamento, bem como do

    tratamento, da representao colocada na obra e da recepo e representao do pblico

    espectador.

    Este autor proporciona aos professores de histria uma leitura da obra de Ferro.

    Preocupado com a didtica, Mocellin classifica obras, no da maneira tradicional, por

    gnero, mas por perodo histrico retratado (Exemplo: Renascimento ou Idade Mdia); por

    espao geogrfico (Alemanha ou Itlia); e temas especficos (Inquisio, Revoluo

    Industrial ou Holocausto.). Tambm h uma grande preocupao em classificar e indicar

    obras que retratam ou foram produzidas no Brasil.

    Sob organizao de Soares e Ferreira (2001) diversos autores escrevem sobre filmes

    nacionais, seguindo tambm as orientaes de Marc Ferro. Tratando especificamente de

    histria, o livro aponta para a diversidade de anlises de obras significativas do cinema

    brasileiro. No dirigido diretamente para o ensino, mas fornece subsdios importantes

    para a anlise de filmes histricos, o que interessa sobremaneira ao professor de histria, no

    que tange ao aumento de repertrio cinematogrfico dos docentes. Como subsdio, h

    referncias histricas, leituras estticas e tambm a respeito do argumento da obra, alm de

    comentrios a respeito da recepo do filme pelo pblico e sua insero na histria do

    cinema brasileiro.

    Assim como nos livros de Severo e Napolitano, o livro A escola vai ao cinema,

    organizado por Teixeira e Lopes (2003), trata exclusivamente de filmes de fico. Os

    autores que desenvolvem anlises, tambm orientam sobre filmes que tratam da escola no

    cinema, os quais direta ou indiretamente tratam de temas educativos na sociedade. As

  • 26

    orientaes so para professores, assim como em Soares e Ferreira, e a leitura pode ampliar

    a possibilidade de decodificar a linguagem cinematogrfica aos interessados. Tratando o

    cinema como linguagem artstica, a obra tem endereo certo: os professores. Os autores tm

    interesse em ampliar a capacidade de anlise e uso do cinema pelos educadores brasileiros.

    Elementos de cena, sons, planos, sonoplastia, tomadas de cena, canes e letras so

    categorias de anlise presentes nos artigos desse livro. Trata-se tambm de uma obra

    abrangente que destinada aos professores em geral. O livro traz fichas tcnicas,

    indicaes de leituras, roteiros de trabalho com filmes, alm de anlises pormenorizadas de

    13 filmes com 13 diferentes autores.

    Os textos do livro A escola vai ao cinema apresentam caminhos diversos: partindo

    do enredo do filme; comentrios sobre o ttulo; descrio e reflexo sobre uma cena

    especfica; anlise da conjuntura da produo; reflexes sobre a situao scio-econmico-

    histrica do enredo e ou da poca da produo; relaes com a representao da escola,

    ensino e educao de cada diretor ou argumento.

    H tambm no livro citado anteriormente a preocupao de mostrar a diversidade

    das produes cinematogrficas no mundo: comentam-se trabalhos do Brasil, Inglaterra,

    Frana, China, Ir, Japo, EUA, frica do Sul, Alemanha e Itlia. Alm de que os filmes

    retratam aspectos culturais significativos de cada pas ou do pas escolhido como cenrio

    para o filme, por exemplo, o Chile, no caso do filme O carteiro e o poeta. O que marca

    ainda algumas das anlises so as metforas usadas pelos autores, e as diversas referncias

    relacionadas ao Brasil.

    Os autores buscam levar a reflexo sobre o uso do cinema tecnicamente (anlise

    flmica), mas no deixam de mostrar como essa reflexo pode permear a leitura do filme,

    de uma certa maneira indicando possibilidades de trabalho com os alunos em sala de aula,

    como no caso do filme Filhos do paraso:

    Levei este filme, em forma de vdeo, para muitas escolas do Brasil. Os professores viram-se a si prprios e a seus estudantes no filme. Sobretudo acentuaram as dificuldades que entram na escola com a misria crescente e a delinqncia que se expande. Mostraram como muito complicado ter nas fileiras escolares meninos que j roubaram ou de quem suspeita-se, com fundamento, de pertencerem ao trfico de drogas. Se vem, com Ali e Zahara, perplexos diante de tantos problemas que ultrapassam sua capacidade de encaminhamento. (LINHARES in: TEIXEIRA e LOPES, 2003, p. 145)

  • 27

    Nos textos, os autores explicitam o trabalho desenvolvido, comentando as imagens

    com possibilidade de ampliar a anlise sobre o filme. Desse modo, os artigos podem servir

    como fonte de idias para trabalho com alunos e professores, discutindo a diversidade

    cultural, questes educacionais e de ensino. Algumas vezes, os filmes abrem possibilidades

    de reflexo e mote para discusso, mesmo sem tratar diretamente as questes voltadas

    produo da pelcula como produto cultural de uma indstria, ou sobre a conjuntura

    histrica em que a obra cinematogrfica est inserida. Eis exemplo citado pelos autores,

    sugerido pelo filme Filhos do Paraso que despertou reflexes sobre diversidade cultural:

    O sapato compartilhado apenas uma imagem de outros usos alternados, obrigatrios pela situao de misria das famlias brasileiras, convivendo com o desemprego, o latifndio e um Estado cada vez mais privatizado. As professoras contaram inmeros casos de crianas que revezam o uso de suas roupas com irmos e vizinhos para garantir um mnimo de presena escolar. Isto, sem falar num tempo vitimado pelas doenas que entram em casa e que fabricam tantos anjinhos. (LINHARES in: TEIXEIRA e LOPES, 2003, p. 145)

    No livro Cinema e Educao (Duarte, 2002) tambm abrangente, quanto as

    possibilidades de uso dos filmes na escola. Em alguns momentos do livro, quando se refere

    ao cinema na escola, a autora salienta as disciplinas de histria e geografia, apontando

    sugestes de trabalho em sala de aula. Mas, o destaque da autora para ampliao da

    reflexo e estmulo pelo gosto do cinema, abordando a apreciao de acordo com a anlise

    da linguagem e da esttica. Esta posio referendada quando a autora comenta a inocncia

    dos professores ao usar filmes em sala de aula:

    ... a escolha dos filmes que so exibidos em contexto escolar dificilmente orientada pelo que se sabe sobre cinema, mas, sim, pelo contedo programtico que se deseja desenvolver a partir ou por meio deles. Nesse caso, o filme no tem valor por ele mesmo ou pelo que representa no contexto da produo cinematogrfica como um todo; vale pelo uso que podemos ou no fazer dele em nossa prtica pedaggica. (p. 88)

    Posteriormente, a autora refora a necessidade do professor entender de cinema e da

    prtica educativa que essa ferramenta proporciona. Para isso, Roslia Duarte destaca alguns

    autores que tem se preocupado com os temas: cinema, educao e ensino separados ou

  • 28

    conjuntamente. Nesse ponto, a autora comenta estudos realizados por Christian Metz, Mary

    Dalton, Henry Giroux, Guacira Lopes Louro e urea Guimares, apontando, no final do

    livro, dicas de leitura em livros e stios na rede mundial de computadores, assim como

    fizeram Napolitano e Teixeira e Lopes.

    1.4 A indstria cultural, o cinema e a escola no Brasil

    As prticas didticas de uso de filmes em sala de aula e a presena do cinema no

    Brasil tm caractersticas distintas. Houve preocupao com produo de filmes e materiais

    visuais didticos, nos diversos nveis de ensino, tentativas de ensino supletivo ( distncia)

    por meio do rdio, televiso e cinema desde os anos 30 do sculo passado. Mas no h

    como desconectar essas tentativas de aproximao da educao com a Indstria Cultural,

    ou seja, vinculao da escola com a produo de uma lgica moderna, industrial e

    capitalista dos meios de comunicao de massa.

    No s o cinema na sala de aula, mas a construo da idia de cinema na cultura de

    massa brasileira deve ser pensada no conjunto da construo da modernidade21. O cinema

    j foi mais freqentado no Brasil, mas os filmes so cada vez mais vistos (ALMEIDA e

    BUTCHER, 2003). Ou seja, o fenmeno televisivo no Brasil deve ser considerado nesta

    anlise, principalmente para entender a disseminao da apreciao de filmes pelos

    brasileiros e a pouca importncia atribuda linguagem especificamente cinematogrfica na

    escola, assim como a crtica e a repercusso que o cinema produz e que poderia ser levada

    para a sala de aula.

    Ortiz (2001) vai afirmar que a valorizao e penetrao da TV no Brasil resultado

    da construo da modernidade nos meios de comunicao. A maneira como se deu

    insero dos meios de comunicao na sociedade brasileira iletrada foi bem diferente da

    forma como ocorreu nos pases desenvolvidos. O universo das letras no estava

    consolidado quando o rdio e depois a televiso foram disseminados no Brasil.

    21 A modernidade como consolidao da sociedade do consumo, tendo como doutrina burguesa o capitalismo, com valores individualistas e competitivos. Onde h grande valorizao da cincia e da industrializao e informao.

  • 29

    Tabela Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais

    Brasil 1900-2000

    Populao de 15 anos de idade e mais (em milhes)

    Ano Total Analfabetos22 Taxa de analfabetismo

    1900 9728 6348 65,3

    1920 17564 11409 65,0

    1940 23648 13269 56,1

    1950 30188 15272 50,6

    1960 40233 15964 39,7

    1970 53633 18100 33,7

    1980 74600 19356 25,9

    1991 94891 18682 19,7

    2000 119533 16925 13,6

    Fonte IBGE, censo demogrfico. (PINTO, BRANT, SAMPAIO e PASCOM, 2000, p.

    513.).

    Diferentemente dos pases desenvolvidos, a imprensa escrita no Brasil no tinha a

    disseminao capaz de promover mudanas pela leitura. Depois do advento do rdio,

    vinculado poltica de criao da nacionalidade brasileira por Getlio Vargas, houve um

    direcionamento do rdio para fins de integrao da nacionalidade envolvendo o mercado de

    bens de consumo. No final dos anos 60, com a consolidao da TV como meio de

    comunicao de massa, houve uma mudana de comportamento gerencial na mdia

    brasileira que consolidou as caractersticas da indstria cultural, tais como o gerenciamento

    executivo, objetivando produo em larga escala e o consumo para a massa. Resultado de

    empreendimentos de grande envergadura, a TV passou a ser gerenciada de maneira

    capitalista, numa perspectiva gerencial moderna.

    O que caracteriza a situao cultural nos anos 60 e 70 o volume e a dimenso do mercado de bens culturais. Se at a dcada de 50 as produes eram restritas, e atingiam um nmero reduzido de pessoas, hoje elas tendem a ser cada vez mais diferenciadas e cobrem uma massa consumidora. Durante o perodo que estamos considerando, ocorre uma formidvel expanso, a nvel de produo, de

    22 Segundo o mesmo artigo, se considerarmos o conceito de analfabeto funcional os nmeros de analfabetos sero ampliados. Atualmente seriam mais de 30 milhes de brasileiros, mesmo com a melhora das condies e o alcance da escola se comparada ao perodo em questo (anos 60 e 70).

  • 30

    distribuio e de consumo da cultura; nesta fase que se consolidam os grandes conglomerados que controlam os meios de comunicao e da cultura popular de massa. (ORTIZ, 2001, p. 121).

    Tal processo vinculou, na criao de emissoras centralizadoras, uma mentalidade de

    produo industrial, de indstria cultural. E no havia uma discusso intelectual relevante

    sobre essa insero e mudana nos meios de comunicao. Assim, a tradio moderna

    brasileira no incluiu discusses e crticas sobre sua construo. Segundo Ortiz: Penso que

    hoje vivemos no Brasil a iluso de que o moderno novo, o que torna difcil compreender

    que as transformaes culturais que ocorrem entre ns, possuem uma irreversibilidade que

    faz com que as novas geraes j tenham sido educadas no interior dessa modernidade

    (2001, p. 207).

    A observao de Ortiz de certa forma explica a crena ou o descuido ingnuo dos

    professores quanto transparncia dos meios de comunicao social no Brasil, ou seja, de

    uma maneira geral, se entende que os meios no afetam a mensagem, pois so inofensivos e

    transparentes. As pessoas relacionam-se com os meios, com base numa tradio que leva a

    uma naturalizao23. Segundo FERRS:

    (...) cabe afirmar que h educadores apaixonados pelos meios audiovisuais sem terem aprendido a expressar-se na linguagem audiovisual. Os meios tendem a potenciar e a veicular uma forma de expresso especfica. Porm a linguagem no pode se reduzir aos meios. (1996, p. 15).

    Oriundos de uma formao que no privilegia a reflexo terica sobre mdia, sem

    espao para discusso sistemtica da presena dos meios de comunicao na cultura

    escolar, os professores no desenvolveram todas as potencialidades do cinema na sala de

    aula ou do cinema na cultura escolar. Mas como os alunos tm acesso a este bem cultural,

    bem como os professores, ento a presena dos filmes comum, tanto no uso direto como

    tambm como referncias para estudos e exemplos, mas sempre como meio de transmitir

    um contedo como o caso da histria, sem considerar as especificidades da linguagem e

    do produto de consumo.

    Assim, a indstria cultural est presente na escola. No s por meio do cinema, mas

    tambm por diversos produtos de consumo. Segundo Loureiro e Della Fonte (2003): Pode-

    23 Tradio sem reflexo. Como se fossem naturais, como se sempre existissem.

  • 31

    se afirmar que atualmente o cinema e a televiso representam as principais formas de mdia

    imagtico-eletrnica, veculos de formao da cultura poltico-social no Ocidente e,

    provavelmente, tambm no Oriente industrializado (p. 42).

    A presena da indstria cultural na escola evidente, seja atravs da msica, da

    informtica, dos livros didticos ou paradidticos e de programas televisivos. Essa parceria

    faz parte da cultura escolar e consciente ou inconscientemente a escola convive com essa

    produo. Bordieu (2004), ao tratar do capital cultural, da transmisso, da consolidao e

    validao desse capital na escola, afirma que necessrio historicizar o papel dos

    audiovisuais na escola, para dar conta de entender as mudanas, rejeies e permanncias

    o que no um processo intrnseco escola, de modo que, como outras instncias sociais,

    recebe influncias externas. A escola reproduz o que uma determinada cultura, escolhida

    como padro, considerada como a melhor.

    A TV e o cinema trazem representaes acerca da escola e dos currculos de cada

    disciplina. Essas representaes na escola necessitam ser consideradas com a devida

    relevncia. Como os alunos interagem com os produtos culturais e as experincias que so

    produzidas nessa relao, dentro da escola e fora dela, devem ser levados em conta para o

    preparo e as reflexes necessrias em relao aos procedimentos didticos do uso do

    cinema nas aulas de histria, assim como nas demais disciplinas.

    Como os alunos se relacionam com determinados produtos culturais? Quais so os

    hbitos de entretenimento com a participao dos produtos da Indstria Cultural? Quais as

    diferenas entre os grupos sociais na escola? So perguntas que devem ser respondidas e de

    maneira satisfatria. Pois, segundo GREEN e BIGUM:

    A relevncia dessa linha de argumentao para a escolarizao e para os estudos de mdia bvia. Antes de mais nada, parece evidente que est sendo construda, atualmente, uma nova relao entre a escolarizao e a mdia. Mas existe uma justificativa ainda mais bvia para reavaliar, urgentemente, essas instituies, suas prticas e as correspondentes inter-relaes entre elas. que no se trata apenas da crescente penetrao da mdia no processo de escolarizao, mas tambm, de forma mais geral, da importncia da mdia e da cultura da informao para a escolarizao e para formas cambiantes de currculo e de alfabetismo, como todos os problemas e possibilidades da decorrentes. (1995, p. 214).

    No Brasil, a presena de recursos audiovisuais constante, e incluem as novas

    tecnologias de comunicao na escola: videocassete (DVD), aparelhos de som rdios e