fichamento psicologia e poesia.docx corrigido

8

Click here to load reader

Upload: fran-bourneuf

Post on 06-Sep-2015

217 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

poesia

TRANSCRIPT

  • O esprito na arte e na cincia

    JUNG, Carl Gustav. O esprito na arte e na cincia. Rio de janeiro: Vozes, 1991.

    Psicologia e poesia

    uma particularidade da alma, ser no apenas me e origem de toda a

    ao humana, como tambm, expressar-se em todas as formas e atividades do

    esprito; no podemos encontrar em parte alguma a essncia da alma em si

    mesma, mas somente perceb-la e compreend-la em suas mltiplas formas

    de manifestao (Jung, 1991, p.55).

    Jung (1991) entende a fora imagstica como um fenmeno psquico, e

    como tal deve ser considerada pelo psiclogo.

    Portanto estudar as circunstncias psicolgicas do homem criador

    equivale a estudar o prprio aparelho psquico. No primeiro caso, o objeto da

    anlise e interpretao psicolgicas a obra de arte concreta; no segundo,

    trata-se da abordagem do ser humano criador, como personalidade nica e

    singular. Ainda que a obra de arte e o homem criador estejam ligados entre si

    por uma profunda relao, numa interao recproca, no menos verdade

    que no se explicam mutuamente. Certamente possvel tirar de um,

    dedues vlidas no que concerne ao outro, mas tais dedues nunca so

    concludentes. (Jung, 1991).

    Contudo, o momento criador, cujas razes mergulham na imensido do

    inconsciente, permanecer para sempre fechado ao conhecimento humano

    (Jung, 1985). Poderemos somente descrev-lo em suas manifestaes,

    pressenti-lo, mas nunca ser possvel defini-lo. Assim, a critica de arte e a

    psicologia sempre sero interdependentes, mas com princpios diversos (Jung,

    1991).

    O aspecto psicolgico da obra de arte difere-se, em sua natureza, da

    perspectiva literria. Os valores e fatos que so importantes para a literatura

    podem no ter qualquer interesse para a psicologia (Jung, 1991).

  • Um romance que no tem pretenses de ser psicolgico oferece, em

    geral, melhores possibilidades de estudo ao psiclogo do que aquele que se

    rotula como tal. Dessa maneira, o autor no tem intenes psicolgicas, no

    antecipa a psicologia de seus personagens. Portanto, no s deixa espao

    anlise e interpretao, como as requer, pela objetividade de suas

    descries. Mas, esse preceito psicolgico ultrapassa os limites deste gnero

    literrio sendo vlido tambm para a poesia.

    [...] no Fausto distingue a primeira da segunda parte. A tragdia amorosa explica-se por si mesma, enquanto a segunda parte exige um trabalho de interpretao. primeira parte o psiclogo nada tem a acrescentar que o poeta j no o tenha dito, e muito melhor. A segunda parte, pelo contrrio, apresenta uma fenomenologia de tal modo prodigiosa, que o poder criador do poeta como que consumido e at ultrapassado; nela, nada se explica por si mesmo e cada novo verso pede a interpretao do leitor (Jung, 1991, p.58).

    Para Jung (1991), O Fausto caracteriza da melhor forma os dois polos

    extremos entre os quais, do ponto de vista psicolgico, pode-se criar uma obra-

    prima literria. Um modo designado de, o modo psicolgico de criar; e ao

    segundo, o modo visionrio de criar. O modo psicolgico tem como tema

    centrais contedos que se acontecem nos limites da conscincia humana tendo

    como exemplo, uma experincia de vida, uma comoo, uma vivncia

    passional, algo que a conscincia genrica conhece. Esse tema,

    captado pela alma do poeta, elevado a partir de uma vivncia banal, altura de sua vivncia interior e de tal modo transformado que aquilo que at ento parecia trivial, ou que se sentia confusa e penosamente, colocado, por sua nova expresso, no primeiro plano da conscincia do leitor [...] Desta forma o poeta lhe atribui um grau superior de clareza e de humanidade (Jung, 1991 p.58).

    Qualquer que seja, em cada caso, sua forma artstica, os contedos do

    modo psicolgico de criar provm sempre do domnio da experincia humana,

    do primeiro plano de suas vivncias anmicas; mais fortes. Aqui tal criao

    artstica denominada de "psicolgica o pelo fato de ela mover-se sempre nos

    limites do que psicologicamente compreensvel e assimilvel. Da vivncia

    sua formulao artstica, todo o essencial se desenvolve no domnio da

    psicologia imediata. O prprio tema psquico da vivncia nada tem em si de

    estranho; pelo contrrio, nos absolutamente conhecido. Trata-se da paixo e

  • de suas vicissitudes, dos destinos e de seus sofrimentos, da natureza eterna,

    seus horrores e belezas (Jung, 1991).

    Contudo, em relao s experincias visionrias, essas questes se

    impem por si mesmas. H uma exigncia bvia de comentrios, explicaes

    nos sentimos surpreendidos, desconcertados, confusos, desconfiados ou, o

    que pior, chegamos a experimentar repugnncia. Elas nada evocam do que

    lembra a vida quotidiana, mas tornam vivos os sonhos, as angstias noturnas,

    os pressentimentos inquietantes que despertam nos recantos obscuros da

    alma." o prprio crtico literrio sente-se s vezes embaraado diante desses

    temas.

    DANTE e WAGNER parecem ter facilitado a tarefa dos crticos. No primeiro, a experincia originria revestiu-se de historicidade e, no segundo, de acontecimentos mticos, o que permite, por um mal-entendido, confundi-los com o tema originrio. Em ambos, porm, a dinmica e o sentido profundo no residem nem no material histrico, nem no mtico, e sim nas vises originrias neles expressas (Jung, 1991, p.60, grifos nossos).

    Para Jung (1991) a reduo de uma vivncia visionria a uma

    experincia pessoal a transforma em algo de inadequado, um mero

    "substitutivo". Com isso, o contedo visionrio perde sua caracterstica original,

    e ento a viso originria reduzida a um simples sintoma e o caos degenera

    a ponto de no ser mais do que uma perturbao psquica. Essa explicao

    enquadra-se tranquilamente nos limites do cosmos bem ordenado, cuja razo

    prtica nunca pretendeu ser algo de perfeito. Suas imperfeies inevitveis so

    anomalias e doenas que tambm fazem parte da natureza humana e esta

    uma suposio bsica. A viso perturbadora dos abismos existentes alm do

    humano ento se revela como pura iluso e o poeta, um enganador enganado.

    Sua vivncia originria era "humana, demasiado humana", de tal forma que

    ele nem mesmo pde enfrent-la, escondendo-a de si mesmo. ela se desvia da

    psicologia da obra de arte para concentrar-se na psicologia do poeta. Esta

    ltima no pode ser negada. Mas a primeira tambm tem seu lugar, no

    podendo ser eliminada por um simples tour de passe-passe, que consiste em

    querer faz-la uma simples expresso de um complexo pessoal. No nos

    interessa indagar aqui para que a obra de arte serve ao poeta; se serve de

  • prestidigitao, de camuflagem, ou se representa para ele um sofrimento ou

    uma ao (Jung, 1991 p.61, grifos nossos).

    A obra de arte nunca deve ser confundida com o que o poeta tem de

    pessoal, inegvel que a imagem literria uma vivncia originria autntica,

    apesar das restries do racionalismo. Ela no algo de derivado, nem de

    secundrio, e muito menos um sintoma; um smbolo real, a expresso de

    uma essencialidade desconhecida (Jung, 1991 p. 62).

    Jung (1991) defende que a obra de arte desta espcie no a nica que

    provm da esfera noturna. Por mais estranha e inconsciente que parea esta

    esfera, no se pode julg-la desconhecida, pois sempre se manifestou em

    todos os tempos e lugares. Para o homem primitivo, um elemento natural e

    pertencente ao seu mundo e da imagem que tem dele. Ns sim, a exclumos

    por temor superstio afastando a metafsica, a fim de construir um mundo

    de conscincia seguro e manejvel, dentro do qual reinam as leis da natureza,

    da mesma forma que as leis humanas reinam num Estado bem ordenado

    (Jung, 1991 p.62).

    Contudo o poeta distingue s vezes as imagens do mundo noturno, os

    espritos, demnios e deuses, os emaranhados secretos do destino, assim

    como a intencionalidade supra-humana e as coisas indizveis que se

    desenrolam no esprito. Discerne s vezes algo do mundo psquico, que ao

    mesmo tempo o terror e a esperana do primitivo. Seria interessante pesquisar

    se a reserva relativa superstio que se estabeleceu nos tempos modernos e

    a explicao materialista do mundo no representam derivados e uma espcie

    de continuao da magia e do medo primitivos dos espritos.

    Portanto, perfeitamente legtimo que o poeta se apodere de figuras

    mitolgicas para criar as expresses de sua experincia ntima. Nada seria

    mais falso do que supor que se recorre, nesse caso, a um tema tradicional. O

    artista cria a partir da vivncia originria, cuja natureza obscura necessita das

    figuras mitolgicas e por isso o artista busca avidamente as que lhe so afins

    para exprimir-se atravs delas. A vivncia originria carente de palavra e

    imagem, tal como uma viso num "espelho que no reflete (Jung, 1991 p.63).

    A vivncia originria um pressentimento poderoso que quer expressar-se, um

  • turbilho que se apodera de tudo o que se lhe oferece, imprimindo-lhe uma

    forma visvel

    Mas como a expresso nunca atinge a plenitude da criao, nunca

    esgotando o que ela tem de inesgotvel, o poeta muitas vezes necessita de

    materiais quase monstruosos, ainda que para reproduzir apenas

    aproximadamente o que pressentiu. Assim no pode prescindir da expresso

    contraditria e rebelde se quiser revelar a contradio inquietante de sua

    criao (Jung, 1991).

    A psicologia contribui para elucidar a essncia dessa manifestao

    mltipla, principalmente atravs da terminologia e de materiais comparativos.

    O que aparece na obra, com efeito, uma imagem do inconsciente coletivo, a

    saber, da estrutura inata e peculiar dessa psique que constitui a matriz e a

    condio prvia da conscincia. De acordo com a lei filogentica, a estrutura

    psquica, da mesma forma que a anatmica, deve conter os degraus

    percorridos pela linhagem ancestral. ( Jung,1991 p.65).

    Em relao ao poeta, o criador da obra artstica constitui um enigma,

    cuja soluo pode ser proposta de vrias maneiras, mas sempre em vo.

    No h dvida de que a psicologia moderna ocupou-se s vezes com o

    problema do artista. FREUD acreditou ter encontrado a resposta que lhe

    permitiria penetrar na obra de arte, a partir da esfera das vivncias pessoais

    do artista.

    Mas, para Jung (1991) a obra de arte, sua essncia consiste em

    elevar-se muito acima do aspecto pessoal. Derivada "do esprito e do

    corao, fala ao esprito e ao corao da humanidade. Os elementos

    pessoais constituem uma limitao, e mesmo um vcio da arte. Uma "arte"

    que fosse nica ou essencialmente pessoal mereceria ser tratada como uma

    neurose. O artista se constitui em supremo grau uma realidade impessoal e

    at mesmo inumana ou sobre-humana, pois enquanto artista ele sua obra,

    e no um ser humano (Jung, 1991, p.66).

    Conforme Jung (1991) todo o ser criador uma dualidade ou uma

    sntese de qualidades contraditrias. Por um lado, ele uma personalidade

  • humana, e por outro, um processo criador, impessoal. Como homem, pode ser

    saudvel ou doentio; sua psicologia pessoal pode e deve ser explica da de um

    modo pessoal. Mas enquanto artista, ele no poder ser compreendido a no

    ser a partir de seu ato criador. (Jung, 1991, p.66).

    esperado que o artista tomado em sua totalidade promovesse um

    rico material para um tipo de psicologia analtica de carcter crtico. Sua vida

    necessariamente cheia de conflitos, uma vez que dois poderes lutam dentro

    dele. Por um lado, o homem comum, com suas exigncias legtimas de

    felicidade, satisfao e segurana vital e, por outro, a paixo criadora e

    intransigente, que acaba pondo por terra todos os desejos pessoais. Portanto

    evidente que o artista deva ser explicado a partir de sua arte:

    A obra nasce de seu criador, tal como uma criana, de sua

    me. A psicologia da criao artstica uma psicologia

    especificamente feminina, pois a obra criadora jorra das profundezas

    inconscientes, que so justamente o domnio das mes. Se os dons

    criadores prevalecem, prevalece o inconsciente como fora

    plasmadora de vida e destino, diante da vontade consciente [...]

    (Jung, 1991, p. 67).

    Portanto em relao a um arqutipo s atravs de sua confrontao com

    o consciente torna-se uma coisa ou outra (boa ou m), ou ento uma dualidade

    de opostos. Esta inflexo para o bem ou para o mal determinada consciente

    ou inconscientemente pela atitude humana do sujeito. So numerosas as

    imagens primordiais desta espcie. Por muito tempo no se manifestam, nem

    nos sonhos dos indivduos, nem nas obras de arte, at serem provocadas e

    ativadas pelos extravios da conscincia que se afastou demasiadamente do

    caminho do meio. Quando a conscincia se extravia numa atitude unilateral e,

    portanto, falsa, esses "instintos" so vivificados e delegam suas imagens aos

    sonhos dos indivduos e s vises dos artistas e visionrios, restabelecendo

    assim novamente o equilbrio anmico (Jung, 1991).

  • Por conseguinte, as necessidades mmicas de um povo so satisfeitas

    na obra do poeta e por este motivo ela significa verdadeiramente para seu

    autor, saiba ele ou no, mais do que o seu prprio destino pessoal (Jung,1991,

    p.68). O artista um instrumento de sua obra, estando por isso abaixo dela.

    No podemos esperar jamais que o poeta seja o intrprete de sua prpria

    obra. Cri-la foi sua tarefa suprema. A interpretao da obra deve ser deixada

    aos outros e ao futuro. Uma obra-prima como um sonho que apesar de

    todas as suas evidncias nunca se interpreta a si mesmo e tambm nunca

    unvoco. Para a compreenso do sentido da obra, necessrio permitir que

    ela nos modele, do mesmo modo que modelou o poeta. Compreenderemos

    ento qual foi a vivncia originria do poeta. Ele tocou as regies profundas da

    alma, saudveis e libertadoras, onde o indivduo no se segregou ainda na

    solido da conscincia, seguindo um caminho falso e doloroso. Tocou as

    regies profundas, onde todos os seres vibram em unssono e onde, portanto,

    a sensibilidade e a ao do indivduo abarcam toda a humanidade (Jung,

    1991).

    Concluindo, o segredo da criao artstica e de sua atuao consiste

    nessa possibilidade de reimergir na condio originria, mstica, porque nesse

    plano no o indivduo, mas o povo que vibra com as vivncias; no se trata

    mais a das alegrias e dores do indivduo, mas da vida de toda a humanidade.

    Por isso, a obra-prima ao mesmo tempo objetiva e impessoal, tocando nosso

    ser mais profundo (Jung, 1991, p.69). Portanto, a personalidade do poeta s

    pode ser considerada como algo de propcio ou desfavorvel, mas nunca

    essencial relativamente sua arte. Sua biografia pessoal pode ser a de um

    filisteu, de um homem bom, de um neurtico, de um louco ou criminoso;

    interessante ou no, secundria em relao ao que o poeta representa como

    ser criador (Jung, 1991 p.69).