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Pequenos poemas em prosa (O Spleen de Paris)
BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. O Spleen de Paris. Trad. de Leda Tenório da Motta. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
Esta obra escrita em prosa poética contem cinquenta poemas sem rima
e sem metrificação que rompem com a forma clássica de fazer poesia,
aproximando a poesia do cotidiano da cidade o que de alguma forma aproxima
o autor da vida moderna, uma vida de fragmentada. Assim, cada fragmento
tem existência própria: “Parta-a em numerosos fragmentos e você verá que
cada um pode existir isoladamente” (Baudelaire, 1995, p16). Os Pequenos poemas em prosa (Spleen de Paris) foram publicados pela vez em 1869, dois
anos após a morte do poeta.
O prefácio do livro é uma carta ou dedicatória a Arsène Houssaye e nela
Baudelaire define sua ambição em criar “uma de uma prosa poética,
musical, sem ritmo e sem rimas, tão macia e maleável para se adaptar aos
movimentos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da
consciência” (Baudelaire, 1995, p16).
“Neste prefácio, Baudelaire nos apresenta a matéria-prima de sua obra:”
“É, sobretudo, da frequentação da enorme cidade e do crescimento de
suas inumeráveis relações que nasce esse ideal obsedante” (Baudelaire,
1995, p.16).
E termina comentando o ineditismo de sua prosa poética:
Logo no começo do trabalho, eu me apercebi que não somente eu ficava bem longe de meu misterioso e brilhante modelo, mas também que fazia alguma coisa (se isso pode ser chamada de alguma coisa) de singularmente diferente [...] (Baudelaire, 1995, p.16, grifos nossos). ..
“O quarto duplo”
Este é o quinto poema do livro e foi escolhido por apresentar elementos da
temática da pesquisa (o espaço). Neste poema em prosa é perceber a
escrita permeada de contradições e simultaneidades onde o interior é
invadido pelo o exterior, apontando antagonismos da modernidade.
“Um quarto que parece um devaneio, um quarto verdadeiramente espiritual
onde a atmosfera estagnante é ligeiramente tingida de rosa e azul”
(Baudelaire, 1995, p.21).
Neste poema em prosa, o narrador (ou eu lírico) cria um refúgio na
imaginação de um espaço onde tudo é beleza e harmonia: “Aqui tudo tem
suficiente clareza e a deliciosa obscuridade da harmonia” “(Baudelaire, 1995,
p.21)”.
Nos leva a um espaço suspenso no tempo, invadido por sensações,
perfumes e luzes onde objetos assumem “formas alongadas, prostradas,
lânguidas “e” “Os tecidos falam uma língua muda como as flores, como os
céus, como os sóis poentes” ““ (Baudelaire, 1995, p.21) Um devaneio poético
fora do tempo, paralisado no tempo, um refúgio inventado, onírico,
extasiante: “Isso que nós chamamos geralmente de vida, mesmo em sua
expansão mais feliz, nada tem de comum com essa vida suprema que,
agora, eu conheço e saboreio minuto a minuto, segundo a segundo”
(Baudelaire,1995, p.21).
Mas toda essa ordem inventada se mostra efémera e é invadida pelas
vozes do cotidiano, pelo mundo lá fora com suas cobranças e burocracias,
desfazendo instantes de beleza e felicidade:
“É um oficial de justiça que vem me torturar, em nome da lei; uma infame concubina que vem exibir sua miséria e juntar as trivialidades de sua vida às dores da minha; ou então um jovem secretário de diretor de jornal que vem reclamar a entrega de um manuscrito” (Baudelaire, 1995p. 22).
E assim toda a magia se dissipa, o espaço da rua toma todo o interior
que se desnuda em um espaço feio, sujo e fétido. Sua intimidade, seu refúgio
é assaltado pelos pelo tempo do mundo moderno que se materializa:
”Oh! Sim, o Tempo reapareceu, o Tempo reina soberano agora; e com o horroroso velho voltou todo o demoníaco cortejo de Lembranças, de Arrependimentos, de Espasmos, de Medos, de Angústias, de Pesadelos, de Cóleras e de Neuroses” (Baudelaire, 1995p. 22).
“O crepúsculo da noite”
Este poema em prosa é o vigésimo segundo poema em prosa do livro e
foi escolhido por apresentar elementos espaciais que serão considerados
na pesquisa.
O texto escrito em 1ª pessoa apresenta uma paisagem vista por um
observador que de uma sacada imagina uma grande paz acontecendo nos
“pobres espíritos fatigados pelo trabalho da jornada e seus pensamentos
tomam agora as cores ternas e indecisas do crepúsculo. (Baudelaire, 1995).
Mas, também chegam ao observador um grande uivo vindo do alto da
montanha,[...] “ composto por uma multidão de gritos discordantes que o
espaço transforma em lúgubre harmonia[...]. Os uivos que escuta chega do
hospício que fica no alto da montanha.[,,,]”( Baudelaire, 1995, p.47)
Mas o poeta de sua solidão comtempla [...] “o repouso do imenso vale,
arrepiado de casas onde cada janela diz: “A paz agora está aqui, está aqui a
alegria da família”, eu posso, quando o vento sopra do alto, embalar meus
pensamentos assombrados por essa imitação das harmonias do inferno
(Baudelaire, 1995)”.
O narrador (ou eu lírico?) fala de sua falta de paz, sua falta de alegria,
presentes na casa dos cidadãos comuns. O poeta é um solitário e um
observador e continuamente atordoado com os ruídos das multidões.
Fala de dois amigos que também enlouqueciam com a chegada do
crepúsculo. Um deles perdia a amizade e a polidez e maltratava a todos por
que via coisas: A noite, precursora de profundas volúpias, para ele estragava
as coisas mais suculentas!”( Baudelaire, 1995)
O outro amigo mudava de humor com o cair do dia: “Indulgente e
sociável durante o dia, ficava impiedoso à noite, e exercia, raivosamente,
suas manias crepusculares não somente em relação aos outros, mas,
também, consigo próprio.
O primeiro morreu louco sem reconhecer sua família e o segundo
carrega consigo eternamente a dualidade dos humores.
Mas o narrador ao contrário do amigo se sente bem com a chegada da noite
apesar de se sentir intrigado com essa sensação:
[...] “Vós sois para mim o sinal de uma festa interior, vós sois a redenção de uma angústia! Na solidão das planícies, nos labirintos pedregosos de uma capital, a cintilação das estrelas, a explosão das lanternas, vós sois o fogo de artifício da deusa Liberdade!( Baudelaire, 1995p.47)
Assim, o crepúsculo apresenta significações diferentes; é o sofrimento
do louco, o descanso do trabalhador e a angustiante liberdade do poeta.
Termina o texto voltando ao crepúsculo, como um momento de passagem, de transformação:
“Crepúsculo, como sois doce e terno! Os clarões róseos que se arrastam ainda no horizonte, como a agonia do dia sob a opressão vitoriosa da sua noite, [...] o s pesados cortinados que uma mão invisível atrai das profundezas do Oriente, imitam todos os sentimentos complicados que lutam no coração do homem nas horas solenes de sua vida” (Baudelaire, 1995p.48).
Compara o crepúsculo às vestes da dançarina que deixam entrever na
transparência o vestido real ou a verdadeira fantasia:
[...] “onde uma gaze transparente e sombria deixa entrever os esplendores amortecidos de uma saia deslumbrante, como sob o negro presente transparece o delicioso passado; e as estrelas vacilantes, de ouro e prata, dos quais é semeada, representam estes fogos da fantasia que só se iluminam bem sob o luto fechado da Noite” (Baudelaire, 1995, p.48).