fichamento cassio hissa entrenotas

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1 FICHAMENTO Pontos para o Debate (26/08/2013) Vanessa Cristina Ferreira Simões (GECA/CAPES/PPGArtes/UFPA) 1- Dados bibliográficos do texto: HISSA, Cássio Eduardo Viana. Entrenotas: compreensões de pesquisa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. pp. 9-58 2- Sobre o autor: É professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Sociais da América Latina. É doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista, com pós-doutorado em Sociologia e Epistemologia pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Autor de A mobilidade das fronteiras (2002); organizador e autor de Saberes ambientais (2008) e Conversações: de artes e de ciências (2011), todos publicados pela Editora UFMG. 3- Objeto de estudo Os dilemas da pesquisa contemporânea, de suas instituições (universidade) e sujeitos (pesquisadores), bem como a articulação/ distanciamento da pesquisa no/do mundo. 4- Problemática Como pensar a pesquisa fora de modelos e receituários, de modo a questionar seus procedimentos que extraem dela sensibilidades, criação e experiência de mundo, bem como devolver a ela seu comprometimento crítico e dialógico na transformação social? 5- Objetivos - “Romper com o imobilismo político e criativo que tem dominado a ciência, a arte, a vida, sobretudo das últimas décadas do século 20 aos nossos dias, exige de nós a nossa própria transgressão, a ruptura com modelos de pensamento herdados do início da modernidade e que ressoam ainda nos chamados textos da ciência deste inicio de século 21.” Orelha do livro.

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Page 1: Fichamento Cassio Hissa Entrenotas

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FICHAMENTOPontos para o Debate

(26/08/2013)Vanessa Cristina Ferreira Simões(GECA/CAPES/PPGArtes/UFPA)

1- Dados bibliográficos do texto:HISSA, Cássio Eduardo Viana. Entrenotas: compreensões de pesquisa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. pp. 9-58

2- Sobre o autor:É professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Sociais da América Latina. É doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista, com pós-doutorado em Sociologia e Epistemologia pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Autor de A mobilidade das fronteiras (2002); organizador e autor de Saberes ambientais (2008) e Conversações: de artes e de ciências (2011), todos publicados pela Editora UFMG.

3- Objeto de estudo Os dilemas da pesquisa contemporânea, de suas instituições (universidade) e sujeitos (pesquisadores), bem como a articulação/ distanciamento da pesquisa no/do mundo.

4- ProblemáticaComo pensar a pesquisa fora de modelos e receituários, de modo a questionar seus procedimentos que extraem dela sensibilidades, criação e experiência de mundo, bem como devolver a ela seu comprometimento crítico e dialógico na transformação social?

5- Objetivos- “Romper com o imobilismo político e criativo que tem dominado a ciência, a arte, a vida, sobretudo das últimas décadas do século 20 aos nossos dias, exige de nós a nossa própria transgressão, a ruptura com modelos de pensamento herdados do início da modernidade e que ressoam ainda nos chamados textos da ciência deste inicio de século 21.” Orelha do livro.- Debater e apontar novos caminhos para a pesquisa contemporânea, onde caibam criação e experiência no mundo.

6- Aporte teórico e metodologia:O autor acumulou notas, rascunhadas por ele ao longo de suas experiências em cursos e seminários de metodologia de pesquisa, epistemologias e teoria social, que se desdobram no texto do livro em argumentos que entrelaçam ideias construídas em diálogo com alunos e colegas professores, às discussões de autores, como Boaventura de Souza Santos, Walter Benjamin, Jacques Rancière, Roland Barthes, Cristovam Buarque e Paulo Freire; bem como fragmentos de obras de romancistas, como José Saramago, e de poetas, como Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa.

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7- Tópicos para o debate

Ciência-Saber: Arte- Arte de viver“Antes de tudo, a arte de viver é a de absorver sabedorias, com paciência do artesão, no tempo do cultivar, no tempo lento do bordar compreensões, no tempo de quem espera e, simultaneamente, na rotina de quem fabrica a utopia da presença do mundo em nós e de nós em cada um. É a arte de cultivar o ser. É a arte de se abrir e de se educar para todas as possibilidades, todas, de diálogo.” p. 18“Para a ciência moderna, que, sob as referências do positivismo, procura se libertar das subjetividades, a resposta será sempre não: a ciência não é arte.” p. 19

- Razão-Emoção “O que poderá ser puro? Existirá a ciência como ela se imagina, pura? Feita exclusivamente de razão que, também, é concebida em sua pureza?” p. 19“A experimentação do mundo precede a razão. Adiante, mais do que isso: a razão é feita da experimentação do mundo e o pensamento é feito do sentir. Ser afetado pelo mundo, portanto, é pressuposto da construção do pensamento. Não existiria um pensamento racional: o adjetivo nos induziria a construir a imagem de exclusividade da razão na concepção do pensamento. Não existiria, tampouco, uma emoção pura: aqui, o adjetivo, do mesmo modo, nos induziria à exclusão da razão na concepção da emoção. Pensamento e experimentação do mundo se entrecortam: estimulam-se e se reconstroem, ou se redesenham, simultaneamente. Fazem um só, um todo indivisível.” p. 20“É artificial a concepção do sujeito do conhecimento que neutraliza o sujeito do mundo que deveria carregar. Não há sujeito do conhecimento e, tampouco, sujeito do saber, que não seja sujeito do mundo. As disciplinas científicas, que caracterizam a ciência moderna, e os limites que se põem entre elas são também artificiais.” p. 20“Na sua maioria, os sujeitos do conhecimento acreditam que podem, por exemplo, se despir de sua própria história, da sua condição de sujeitos afetados pelo mundo, e que podem se desvencilhar do contexto no qual estão inseridos para que, assim, construam o discurso da ciência. Para muitos, é o discurso incompreensível que, predominantemente, se expressa através da técnica. É o que se pode dizer da ciência moderna: que é ciência-técnica; que se esvazia de arte; que se priva da sabedoria; que se serve mal da linguagem e da palavra; que não dialoga.” p. 20-21

- Ciência-saber x Ciência-técnica“A ciência moderna é feita da negação da arte, da desqualificação da emoção. Pode-se até refletir acerca da imprescindibilidade da emoção que, negada, concede origem à ciência que se imagina apenas feita de razão. Não são apenas distantes, arte e ciência – e, aqui, diz-se da ciência técnica que se expressa através do conhecimento científico. Diz-se, também, da arte que se expressa, forte, através da ciência-saber. A ciência-técnica é hegemônica, enquanto a ciência-saber é fronteiriça. A ciência-técnica cultua a velocidade à luz da racionalidade. A ciência-saber é vagar, é paciência, é lentidão, é artesania. É arte de saber o mundo. A ciência-saber é mistura e compartilhamento, envolvimento. É presença do sujeito. É discurso em prol de sabedoria. É discurso contra a corrupção da arte em nós e contra a corrupção da arte da ciência. É discurso em prol da ciência que interpreta, representa, afeto e se deixa afetar, que se assume como a arte da leitura do mundo desenhada pelos sujeitos que cultivavam a sua presença na sua própria leitura.” p. 21

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Texto de ciência: a reta é curva- A suposta escrita científica“Para muitos, a escrita científica estabelece relações de constituição com o método científico de pensar. Assim, o texto da ciência supostamente se distinguiria do texto literário, do poético, porque ele exigiria, em princípio, um exercício metodológico e, preferencialmente, epistemológico, distinto dos exercícios da arte. Conforme o argumento trabalhado pela ciência, tal distinção se refere à idea de rigor, de precisão argumentativa e explicativa. É o que deseja a ciência moderna ao prometer a verdade, quando, diferentemente da arte, promete a explicação da realidade tal como ela é. Mas o que é a realidade senão, também, um produto da nossa interpretação?” p.23-24“O estilo ensaístico, conforme os paradigmas da ciência, não se adequaria às necessidades do rigor e da precisão. O ensaio, nesses termos, não seria compreendido como texto científico. Mas não haverá argumento, rigor e precisão na escrita ensaística de Walter Benjamin (1892-1940)?” p.24“Refiro-me a razão que, constitutiva da ciência moderna, faz imaginar a existência do texto de ciência a partir da inexistência do sujeito no seu próprio texto. Nisso, sim, há razão; mas razão de ciência moderna: haveria um excesso de sujeito no texto ensaístico. Mas como poderíamos pensar a inexistência do sujeito do texto a partir da evidente existência do texto? O sujeito do texto é o seu próprio texto; e se ele se esconde atrás de suas palavras, gesto inútil, o texto perde a sua capacidade de diálogo. A recusa do eu transforma-se em rejeição do outro.” p.24-25“Há, portanto, uma questão que se impõe e que diz respeito à capacidade dialógica da escrita. O texto científico convencional, hermético, não dialoga como deveria com outros saberes, com os leitores, com o mundo. Ele não é trabalhado para isso. A ciência, que deseja ser só ciência e nada além disso, produz o seu texto que, contraditoriamente, não precisa ser compreendido por muitos para ser científico e incorporar poderes.” p.25“A pesquisa não é o resultado da ligação entre dois pontos, previamente concebidos. É uma rota que, por sua vez, ‘não é uma estrada, nem um atributo físico; é uma direção, uma linha imaginária ligando um ponto de partida com uma destinação’. Entretanto, esses pontos – de partida e de destino – vão se descobrindo ou se fazendo ao longo do processo de construção da própria rota. Os textos de pesquisa, também, são feitos desse fazer rotas ou desse construir cartografias enquanto se fazem caminhos.” p.26

Pesquisa: fazer o que não se sabe, aprender fazendo- A ciência interroga o mundo, mas o autor nos propõe a pensar em um movimento contrário: “O mundo poderia interrogar a ciência se os sujeitos do conhecimento não procurassem se libertar da sua condição de sujeitos do mundo.” p.29

- Natureza dos problemas que a ciência se propõe a responder“Interessa refletir sobre os critérios de seleção de problemas. Diante da diversidade de grandes dilemas e questões postos pelo mundo, a ciência seleciona alguns. Mas a ciência ignora outros, que muitas vezes, são mais importantes; são os que afetam a vida das pessoas, que se referem aos modos de via, ao modelo de civilização, às culturas. Pode-se pensar que tal negligência seja originária do lugar cultural e político de onde se origina a ciência. Tal negligência é inerente ao próprio corpo da ciência. A partir daí, pode-se refletir sobre a capacidade crítica e criativa da ciência moderna e dos sujeitos do conhecimento. A ciência deseja transformar mundos? Deseja transformar a si própria? Os sujeitos do conhecimento

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desejam se transformar de modo a construir o discurso da transformação do mundo?” p. 32-33 “Ele faz perguntas que poderão ser compreendidas como perguntas de pesquisa. Entretanto, as perguntas que faz sempre estarão muito próximas de sua condição de sujeito no mundo. Poder-se-ia inclusive afirmar que as perguntas que direciona para a pesquisa são as que ele põe para si próprio. Ele interroga recortes de mundo, que ele mesmo seleciona e constrói, e é interrogado pelas suas próprias questões. É nesse contexto, também, que se podem compreender os processos criativos no âmbito da ciência.” p. 33-34“A construção de perguntas de pesquisa é parte constitutiva do processo criativo, o seu ponto de partida. Entretanto, essa construção é destituída de sentido quando a seleção de perguntas a partir de conveniências assume o significado de logro; e, do mesmo modo, a ideia de descoberta, em tais circunstâncias, assume o significado de caminhar na direção do que já se conhece.” p. 35

- Compreender no lugar de descobrir“Trata-se de um verbo bastante relevante para o entendimento do que discorremos e que corresponde a um exercício epistemológico e a uma atitude política e ética. Será sempre útil cotejar verbos – incluindo compreender – com aquele hegemônico, escolhido para representar os resultados da pesquisa: descobrir.” p. 35“Assim, se compreender e descobrir são verbos diferentes, de outra parte poderemos dizer que a descoberta de algo é a descoberta de algo em nós e, portanto, a ampliação da compreensão de nós mesmos e, consequentemente, de nós mesmos no mundo. É com tais significados que se emprega aqui, o verbo compreender. Não há uma compreensão exterior a nós mesmos que não seja a compreensão de nós mesmos no mundo e, portanto, a compreensão do mundo transita, delicadamente, pela compreensão de nossa existência.” p. 35“Esses dois verbos – compreender e cultivar –, no sentido que os empregou Hannah Arendt, sem qualquer intenção de pensar a ciência e a pesquisa, são de forte interesse para que se encaminhe uma ideia sumária de ciência e de pesquisa que estimule o pensamento: a pesquisa é um processo que se aproxima de um cultivar a compreensão. Assim, essa imagem de pesquisa se fortalece: cultivar a compreensão de modo a estimular o diálogo que nos devolve a possibilidade de repensar, na pesquisa, a presença do outro em nós e, ainda, a nossa presença no mundo.” p. 37-38

- Estar no mundo“Além disso, toda pesquisa tem o mundo como texto e a experimentação do mundo como prática e reflexão. A compreensão da pesquisa solicita sempre a compreensão daquilo que, com ela, se relaciona. Talvez, a compreensão das diversas relações estabelecidas pela pesquisa com o mundo levasse à compreensão crítica dos significados do que é pesquisar e, ainda, essa compreensão nos conduzisse à ideia da presença inevitável do outro, de diversas formas, nos processos de pesquisa.” p. 38“O entendimento de leitura objetiva, nesses termos, implicaria o controle das subjetividades e, portanto, o afastamento do sujeito do mundo sob leitura. Entretanto, esse afastamento resulta no suposto afastamento do sujeito da sua própria leitura. Como poderá o sujeito se distanciar da leitura que faz? Como poderá o sujeito ver o mundo de fora se ao mundo ele pertence? Trata-se do difícil exercício da ciência-saber e aqui deveria haver sabedoria; mas é precisamente neste ponto que o exercício intelectual da leitura do mundo se distancia do viver o mundo sem crítica, compreensão, experimentação.” p. 43-44

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- Para fazer pesquisa com criação: “Não se ensina, com receitas, esse fazer libertador. ‘Esta é a grande questão de um ensino artístico (...) aberração, se ele for entendido como a transmissão de um know-how, pois o know-how da arte é irrepetível. Portanto, será sempre necessário, também, o investimento no autodidatismo, nesse caminhar que faz caminhos. Será preciso aprender a conviver com a liberdade e seus riscos, para que se tenha a compreensão ou a percepção de que se pesquisa. É fundamental que se tenha a compreensão de que pesquisar é construir cartografias para além dos mapas, ir além dos lugares representados pelos croquis, fazer percursos e mapeamentos enquanto se faz a trajetória. Mas, como se sabe ou se intui, este é um caminho incômodo e difícil: busca a consciência de que a trajetória se faz enquanto se caminha.” p. 45

O projeto de pesquisa: espaço-tempo de pensar- Processos simultâneos: a pesquisa e o projeto“Dois processos são – ou poderão ser – realizados simultaneamente, o projeto e a pesquisa. Nessa situação, será preciso considerar a maturidade e a sensibilidade dos sujeitos. Todo projeto é feito para se desmanchar, à procura do melhor desenho para a pesquisa imaginada antes de se iniciar a trajetória e durante o caminho a se fazer. Esse caminho que se vai desenhando, por sua vez, alimenta o projeto que se reinventa em todas as suas peças de pensamento. É assim que o projeto – a pesquisa imaginada – vai se redescobrindo ou se explicitando como um espaço-tempo de pensar, capaz de ultrapassar, em vários sentidos, os espaços de fazer pesquisa. Entretanto, valeria também o contrário. O espaço de se fazer pesquisa poderia amesquinhar a pesquisa imaginada no projeto.” p. 51-52“Portanto, é de interesse das pesquisas mais bem desenhadas que tudo se inicie com um projeto: página de pensar permanentemente a pesquisa. Isso nos obriga a pensar, paciente e criticamente, as nossas convicções. Espaço-tempo de pensar: isso até poderia ser tomado como uma metáfora inadequada porque a página de fazer a pesquisa é também o lugar onde se pensa. Pensa-se ao fazer, no fazer, e, principalmente, aprende-se fazendo.” p. 52

- O projeto não deve ser uma camisa de força“Projetos podem ser feitos de modo a permitirem e estimularem modificações. Não se trata de uma cartografia representativa de algo inalterável, mas de uma representação do que é movente, por natureza. É a página de pensar, rabiscar, manifestação do pensamento a se repensar. O redesenho de ideias encontra, no projeto de pesquisa, o seu lugar.” p. 53-54“Pela tradição, o projeto é tratado como um roteiro, sem o qual a pesquisa perde o seu norte e o seu espaço de reflexão sistematizada. Entretanto, é um roteiro que vai se fazendo enquanto se caminha e, como tal, interroga a própria ideia tradicional de roteiro. Talvez seja uma bússola que se reprograma à medida que se caminha e, consequentemente, nos conduz para o exterior dos mapas prontos. O projeto é um roteiro vivo que expressa a vida dos sujeitos no mundo e, do mesmo modo, alguma vida do mundo nas pesquisas. É o que se espera deles.” p. 54

- Subjetividades no projeto“Cada sujeito do conhecimento carrega, para o seu espaço de criação, as suas escolhas, a sua trajetória – um conjunto de caminhos aparentemente caóticos –, as suas opções históricas. Não há como padronizar as subjetividades.” p.56