fichamento a crise do paradigma dominante

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Carolina Bouchardet Dias SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 40-59. 1. São fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica descrito no capítulo “O paradigma dominante” atravessa uma profunda crise irreversível e um novo paradigma tomará este lugar. Boaventura diz, ainda, que estamos vivendo um período de revolução científica e que “... os sinais nos permitem tão-só especular acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário...” (p. 40-41) que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica. 2. Esta crise é resultado de condições teóricas e sociais que serão expostas ao longo do capítulo. O reconhecimento das insuficiências do paradigma científico foi consequência do avanço, da evolução da própria ciência. “O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda” (p. 41). 3. A primeira condição teórica da crise do paradigma dominante surgiu com Einstein, que foi o responsável por romper em primeiro lugar o paradigma da ciência moderna e dar ensejo a uma revolução científica. O pensamento da relatividade da simultaneidade está na raiz disso. “Einstein distingue entre a simultaneidade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e a simultaneidade de acontecimentos distantes, em particular de acontecimentos separados por distâncias astronômicas.” (p. 41-42), e, através deste estudo, ele conclui que a simultaneidade dos acontecimentos não pode ser verificada, mas apenas definida, desconstruindo o tempo e o espaço absolutos de Newton. Passa-se, portanto, à conclusão de que as leis da física e da geometria assentam-se em medições locais, pois dois acontecimentos

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Fichamento para a aula de Metodologia da Pesquisa, ministrada pela professora Leila Duarte, sobre o capítulo A Crise do Paradigma Dominante

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Page 1: Fichamento a Crise Do Paradigma Dominante

Carolina Bouchardet Dias

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 40-59.

1. São fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica descrito no capítulo “O paradigma dominante” atravessa uma profunda crise irreversível e um novo paradigma tomará este lugar. Boaventura diz, ainda, que estamos vivendo um período de revolução científica e que “... os sinais nos permitem tão-só especular acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário...” (p. 40-41) que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica.

2. Esta crise é resultado de condições teóricas e sociais que serão expostas ao longo do capítulo. O reconhecimento das insuficiências do paradigma científico foi consequência do avanço, da evolução da própria ciência. “O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda” (p. 41).

3. A primeira condição teórica da crise do paradigma dominante surgiu com Einstein, que foi o responsável por romper em primeiro lugar o paradigma da ciência moderna e dar ensejo a uma revolução científica. O pensamento da relatividade da simultaneidade está na raiz disso. “Einstein distingue entre a simultaneidade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e a simultaneidade de acontecimentos distantes, em particular de acontecimentos separados por distâncias astronômicas.” (p. 41-42), e, através deste estudo, ele conclui que a simultaneidade dos acontecimentos não pode ser verificada, mas apenas definida, desconstruindo o tempo e o espaço absolutos de Newton. Passa-se, portanto, à conclusão de que as leis da física e da geometria assentam-se em medições locais, pois dois acontecimentos simultâneos num sistema de referência não são simultâneos noutro sistema de referência. 

4. A segunda condição teórica da crise é a mecânica quântica. Esta relativizou o rigor das leis de Newton no domínio da microfísica. Heisenberg e Bohr demonstraram que é impossível medir um objeto sem interferir nele e o alterar e esta demonstração de que o objeto que sai de um processo de medição não é o mesmo que nele entrou, teve implicações. “Por um lado, sendo estruturalmente limitado o rigor do nosso conhecimento, só podemos aspirar a resultados aproximados e por isso as leis da física são tão-só probabilísticas. Por outro lado, a hipótese do determinismo mecanicista é inviabilizada uma vez que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir.” (p. 44-45). Além disso, a divisão entre sujeito e objeto é muito mais complexa do que pode parecer.

5. A terceira condição teórica é o questionamento do rigorismo matemático, que acontece após as investigações de Godel. O teorema da incompletude

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mostrou que, “mesmo seguindo à risca as regras da lógica matemática, é possível formular proposições indecidíveis, proposições que se não podem demonstrar nem refutar” (p. 45).

6. A quarta e ultima condição teórica diz respeito aos avanços do conhecimento nas áreas da microfísica, da química e da biologia. A teoria das estruturas dissipativas e o princípio da “ordem através de flutuações” mostrou que a “irreversibilidade nos sistemas abertos significa que estes são produto da sua história.” (p. 47). A nova concepção da matéria e da natureza que surge com essa teoria é dificilmente compaginável com a herdada da física clássica. A teoria recupera conceitos aristotélicos como os de potencialidade e virtualidade, os quais parecem ter sido negligenciados pela revolução científica do século XVI.

7. Essa teoria de Prigogine, contudo, não é um fenômeno isolado, e aí reside sua importância. Faz parte de um movimento de vocação transdisciplinar e convergente que atravessa as várias ciências da natureza e sociais. Este movimento e as condições explicadas por Boaventura favoreceram uma reflexão epistemológica sobre o conhecimento científico. Essa reflexão apresenta duas facetas sociológicas de relevo: 1°- é realizada, majoritariamente, pelos próprios cientistas, “que adquiriram uma competência e um interesse filosóficos para problematizar a sua prática científica.” (p. 50). Surgiram muitos cientistas-filósofos, contrariando a euforia científica condescendente do século XIX, que tinha aversão à reflexão filosófica; 2°- Essa reflexão compreende questões antes deixadas à sociologia.

8. Do conteúdo desta reflexão, irradiam alguns temas. O primeiro tema principal destacado por Boaventura é o questionamento do conceito de lei e de causalidade, que lhe está associado. A formulação das leis da natureza baseia-se no pensamento de que os fenômenos observados só dependem de um conjunto restrito de condições cuja interferência é medida e observada, o que implica uma separação entre os fenômenos. “A simplicidade das leis constitui uma simplificação arbitrária da realidade que nos confina a um horizonte mínimo para além do qual outros conhecimentos da natureza, provavelmente mais ricos e com mais interesse humanos, ficam por conhecer” (p. 51). Há, então, o declínio da hegemonia da legalidade, concomitante com o declínio da hegemonia da causalidade. “o causalismo, enquanto categoria de inteligibilidade do real, tem vindo a perder terreno em favor do finalismo.” (p. 53).

9. O segundo grande tema derivado dessa reflexão epistemológica diz respeito ao conteúdo do conhecimento científico. O conhecimento científico, desencantado, “transforma a natureza num autómato” (p. 53). Ao aviltar a natureza, os cientistas se aviltam a si mesmos, na medida em que há a redução do diálogo experimental ao exercício de uma prepotência sobre a natureza. Os limites desse tipo de conhecimento são, então, qualitativos, “não são superáveis com maiores quantidades de investigação ou maior precisão dos instrumentos.” (p. 54) e a sua precisão é limitada, pois se o conhecimento

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só avança na medida da progressiva fragmentação do objeto, a qual é irredutível ao todo, logo, o conhecimento centrado na análise dessas fragmentações é distorcivo.

10.Quanto às condições sociais que levaram à crise do paradigma dominante, Boaventura não se estende, mas as explica brevemente.“... a industrialização da ciência acarretou o compromisso desta com os centros de poder económico, social e político, os quais passaram a ter um papel decisivo na definição das prioridades científicas.” (p. 57).Essa industrialização modificou tanto o nível das aplicações da ciência, quanto o nível da organização da investigação científica.O evento das bombas de Hiroshima e Nagasaki foi um exemplo de modificação no nível de aplicação da ciência, a qual coincide com interesses econômicos e políticos. Já no âmbito de organização do estudo científico, a industrialização provocou uma estratificação e hierarquização da comunidade científica, criando diversas relações de poder autoritárias e desiguais dentro dela, e “a investigação capital-intensiva (...) tornou impossível o livre acesso ao equipamento, o que contribuiu para o aprofundamento do fosso, em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, entre os países centrais e os países periféricos." (p. 58).

11.A crise do paradigma dominante, então, representou uma despedida “dos lugares conceituais, teóricos e epistemológicos, ancestrais e íntimos, mas não mais convincentes e securizantes...” (p. 58), rumo a um caminho melhor “onde finalmente o optimismo seja mais fundado e a racionalidade mais plural...” (p. 58).