fichamento 05 [leandro aragão] - direito, escassez e escolha, de gustavo amaral

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO Disciplina : Direitos Humanos e Direitos Fundamentais Fichamento da obra: “Direito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas”, de Gustavo Amaral Aluno: Leandro Santos de Aragão 1

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Page 1: Fichamento 05 [Leandro Aragão] - Direito, Escassez e Escolha, De Gustavo Amaral

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO

Disciplina: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

Fichamento da obra:

“Direito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez

de recursos e as decisões trágicas”, de Gustavo Amaral

Aluno: Leandro Santos de Aragão

SALVADOR - BAHIA

2012

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Universidade Federal da BahiaFaculdade de Direito – Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito Público - 2012.2Disciplina: Direitos Humanos e Direitos FundamentaisProf. Saulo José Casali Bahia

Aluno: Leandro Santos de Aragão

Notas de fichamento

Livro: Direito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas

Autor: Gustavo Amaral

Editora: Lumen Juris

Cidade: Rio de Janeiro

Ano: 2010

Edição: 2ª ed.

Modo de citação:AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

Foi determinado o fichamento da introdução e dos capítulos 1 a 4 do livro. Cabe aqui uma observação: não há, nominalmente, uma introdução no livro. Há, sim, uma apresentação do Prof. Ingo Sarlet (PUC-RS) e um pequeno prefácio do Prof. Ricardo Lobo Torres (UERJ). Portanto, esse dois textos serão considerados a introdução do livro.

Ao fichamento.

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Páginas xii-xx Nesse trecho estão uma apresentação do Prof. INGO SARLET (PUC-RS) e um pequeno prefácio do Prof. RICARDO LOBO TORRES (UERJ). O Prof. INGO SARLET tece elogios ao pioneirismo, à construção analítica e ao rigor acadêmico da obra de GUSTAVO AMARAL. Apesar disso, afirma que possui pensamento parcialmente diferente em relação aos temas tratados no livro. Aponta que a tese central de que “a escassez não pode assumir um lugar menor na esfera do debate jurídico” precisa ser tomada a sério (p. xv) e o tema reserva do possível não pode ser simplesmente tomado ou invocado como um inibidor à “intervenção judicial na esfera das políticas públicas e de realização dos direitos a prestações, deixando o caminho livre ao arbítrio do administrador e legislador” (p. xv). INGO SARLET sustenta, ainda, que “a noção de direito subjetivo em matéria de direitos a prestações não prescinde de uma diferenciação ou decodificação, de tal sorte que não será em função da simples combinação de textos constitucionais (...) que se poderá, desde logo e sem maior desenvolvimento argumentativo, extrair direitos subjetivos a prestações de caráter definitivo, no estilo ‘pediu-levou’, como se inexistissem outros aspectos a serem considerados” (p. xv). Destacou a responsabilidade maior do Estado em assegurar, de modo definitivo, o acesso aos bens e serviços indispensáveis à tutela e promoção da dignidade da pessoa humana. Por fim, demonstrou que, apesar da posição “bastante distinta” (p. xvi) do entendimento do GUSTAVO AMARAL, o livro deste é crucial para abrir o debate sobre a necessidade de levar a sério tanto o orçamento e a escassez quanto o controle e a gestão daquele. E nesse cenário de seriedade que as obrigações de transparência, prestação de contas (accountability), controle das prioridades, efetivas aplicações dos recursos acabam por impor ao poder público (e, não, ao particular) o encargo de “demonstrar eventuais razões que justificam, em determinados casos, a impossibilidade de atender certas demandas essenciais” (p. xvi). Já o prefácio do Prof. RICARDO LOBO TORRES foi trivial: um panorama do livro de GUSTAVO AMARAL. Ele conseguiu sintetizar a obra ao dizer que o propósito central dela é desenhar as razões para que se “possa garantir a entrega das prestações públicas sem ocasionar a desigualdade em favor das classes já privilegiadas, o que é inevitável na adjudicação individual de direitos” (p. xix). Teceu elogios ao posfácio, principalmente quanto à análise do consequencialismo jurídico.

Páginas 1-7 No início do Capítulo 1, o autor apresenta a transformação do cenário constitucional. Até 1988, havia um nebuloso cenário de insinceridade normativa com uma “Constituição semântica”. Nesse cenário pré-1988, um poder faticamente superior lastreado pela força ruidosa das armas e tanques impunha ao direito constitucional um papel marginal. Foi a época lassaleana do direito constitucional brasileiro: da Constituição como folha de papel. Com a Constituição de 1988, resgatou-se a imperatividade do texto constitucional e a necessidade de termos uma Constituição pra valer. A normatividade da Constituição demandou um engajamento: o texto constitucional teria de ser levado a sério. A vontade de Constituição passa a ser crucial (e o Brasil entra num período constitucional hesseano). As instituições, os direitos individuais e os direitos fundamentais moldados pela escrita constitucional deixavam de ter papel secundário para assumir o protagonismo jurídico. Mesmo assim, o autor ressalta a necessidade de não normatizar o inalcançável. Aponta que há limites de eficácia normativa: o direito do dever-ser vira, nas contingências da realidade, um direito do poder-ser. Afirma que as deficiências intrínsecas do texto, a manifesta ausência de condições materiais para o cumprimento e a impossibilidade de jurisdicização do bem ou interesse que se pretendeu tutelar são obstáculos naturais à efetividade do texto constitucional, algo que se sobressai diante da Constituição brasileira de 1988, classificada como “compromissória, analítica, dirigente, casuística e prolixa” (p. 5). Assim, o autor demonstra que a inexistência de ênfase na questão dos limites de aplicação do direito gerou uma lógica pautada por critérios extremos: ou se aplica o direito (e a norma vale) ou não se aplica o direito (e a norma não vale). É quase um maniqueísmo constitucional. Diante disso, o autor ressalta a necessidade de adotar outra lógica, que contenha um “critério de controle da razoabilidade da aplicação ao caso concreto, notadamente do confronto entre a microjustiça do caso concreto com a macrojustiça dada pela possibilidade de aplicar a mesma regra jurídica construída para o caso concreto a todos os demais que se assemelham” (p. 6)

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Páginas 7-19 O autor demonstra que as mudanças sociais decorrentes do fim do regime militar e a pauta de reivindicações da sociedade civil potencializaram o desejo por mais direitos expressos no texto constitucional de 1988. Afirma que “fatores históricos e sociológicos causaram uma legitimação popular à intervenção do Judiciário em decisões da Administração e do Legislativo, bem como deu a alguns de seus membros certa sensação de ‘campeões da cidadania’, isso tudo associado a um pré-conceito de que as decisões governamentais, executivas ou legislativas, não tinham a coisa pública e o bem comum e tão elevada conta quanto deveriam” (p. 8); houve uma “sobrevalorização dos meios judiciais de controle e uma subvalorização dos meios não judiciais, como a opinião pública, as manifestações populares e, principalmente, o voto” (p. 9). Em seguida, o autor trabalha a questão da assistência do Estado quanto ao custeio de tratamentos de saúde de particulares, tendo em mira o artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Demonstra que a jurisprudência é dissonante ao aplicar critérios de solução diversos ao mesmo tema: o custeio pelo Estado do tratamento de particulares acometidos de grave moléstia. Ora os Tribunais dizem que o direito à saúde é absoluto e, por isso, o Estado tem a obrigação de custear todo o tratamento de um indivíduo, não tangenciando a questão orçamentária ou mesmo a repelindo como barreira. Ora os Tribunais se autocontêm, não invadindo o espaço da gestão da política pública de saúde que entendem ser do Executivo ou afirmando que não há um direito subjetivo correlato ao direito geral à saúde por conta da destinação geral dessas políticas públicas. Ele aponta que a falta de uniformidade jurisprudencial evidencia dois problemas mais relevantes: a questão da alocação dos recursos escassos na área da saúde e a escolha das prioridades. Aliás, como afirmam Octávio Luiz Motta Ferraz et al., “por mais recursos que se destine à saúde, nunca será possível atender a todas as necessidades de saúde de uma população, esteja ela em país economicamente desenvolvido ou em desenvolvimento como o Brasil. Sempre haverá necessidade de se fazer escolhas, e estas são muitas vezes difíceis na área da saúde” (“Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante”. In Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 52, n. 1, 2009, p. 231, disponível em http://www.scielo.br/pdf/dados/v52n1/v52n1a07.pdf, acesso em 29/12/2012). As necessidades da área da saúde sempre estarão, portanto, diante de alguns dilemas: a quais interesses atender com os recursos existentes? E a quem caberá decidir pela alocação dos recursos? Como o responsável pela decisão deverá justificar a escolha tomada?As respostas a essas perguntas passam pelo estabelecimento de critérios claros, precisos e sindicáveis de alocação de recursos escassos que prezem, sobretudo, pelo princípio da igualdade. Esses critérios nem sempre são encontrados numa decisão judicial, de microjustiça. Por isso que, em matéria de decisão judicial envolvendo ordem de alocação de recursos escassos, a “justiça do caso concreto deve ser sempre aquela que possa ser assegurada a todos que estão ou possam vir a estar em situação similar, sob pena de se quebrar a isonomia” (p. 18).

Páginas 21-25 No capítulo 2 e como formar de estabelecer as premissas para a definição dos critérios jurídicos claros e sindicáveis de alocação de recursos escassez, o autor enfrenta inicialmente uma questão terminológica: o significado ou os significados da palavra direito. A palavra direito não é um signo singularmente cognoscível. Ela não traz dose adequada de informações capazes de permitir a compreensão segura daquilo que se prescreve (cf.: ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 321). Por isso que o signo direito se presta a vários significados e sofre marcadamente influências do contexto (que é decisivo para o domínio semântico de determinada palavra). Essa polissemia já foi enfrentada por diferentes doutrinadores, que chegaram a esquematizações díspares. Em conclusão a esse trecho, o autor afirma, sem marcar posição própria e com base no jurista argentino Santiago Nino, que as normas jurídicas não são suficientes para justificar ações e decisões tais como aquelas fundadas na invocação de direitos fundamentais.

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Páginas 25-35 Na segunda parte do capítulo 2, o autor enfrenta a questão dos direitos fundamentais: sua evolução, seu conteúdo e sua exigibilidade. O autor tenta extrair maior precisão semântica da palavra direito a partir da análise da evolução dos direitos fundamentais. Estes são fenômenos normativos exclusivos da Era Moderna. Ainda que ideais como liberdade, igualdade e dignidade fossem socialmente compartilhados por alguns ou muitos, nenhum deles foi expresso como um direito. É a partir da Era Moderna e por conta de todas as mudanças sociais, políticas, econômicas e religiosas que determinados valores se normatizam e se expandem, para inicialmente garantir liberdades econômicas e, gradualmente, liberdades de ideias, de crença, de associação e de participação política. Daí é que os reclamos sociais inicialmente foram para garantir efetividade para os direitos decorrentes de “estado de natureza”, como o direito à vida e à sobrevivência, que incluiria o direito à propriedade e à liberdade (p. 27); em seguida, surgiram os reclamos por participação política e só mais recentemente surgiu a necessidade de reconhecimento dos direitos não mais relacionados com os indivíduos em si, mas, sim, com os indivíduos vinculados a alguma características em comum ou a um critério de identidade grupal ou coletivo.O autor menciona as “gerações” de direitos fundamentais, que não se superam, mas convivem entre si (p. 29). A primeira delas seria a voltada aos direitos de liberdade, que demandavam uma postura de não intromissão por parte do Estado. São “direitos negativos”. Por decorrem da própria Constituição, essa “geração” de direitos não exigiria a intermediação legislativa para serem aplicados. Historicamente, a eficácia dessa “geração” é independente do trabalho do legislador infraconstitucional. Já a “geração” dos direitos sociais trouxe consigo a ideia de ação estatal. A eficácia desses direitos estaria diretamente relacionada com uma intervenção ativa do Estado. São “direitos positivos”, que impõem um agir estatal ao mesmo tempo em que, para uma das correntes, dependeriam da existência de lastro orçamentário e da intermediação legislativa para sua eficácia (embora, quanto a esse requisito, exista uma polêmica quanto à extração de direitos a prestações positivas diretamente da Constituição, particularmente nos EUA, onde predomina a visão de que a Constituição só garante direitos negativos; para uma visão contrária à tendência dominante baseada numa “ficção jurídica que pode dar margem a uma inação vergonhosa do Estado”, cf.: MACNAUGHTON, Jenna. “Positive Rights in Constitutional Law: No Need to Graft, Best not to Prune”. In University of Pennsylvania Journal of Constitutional Law , vol. 3, issue 2, april 2001, pp. 750-782. Ver, também, com ênfase nos direitos constitucionais estaduais: HERSKOFF, Helen. “‘Just Words’: Common Law and the Enforcement of State Constitutional Social and Economic Rights.” 62 Stanford Law Review 1521, june 2010; ZACKIN, Emily. Looking for Rights in All the Wrong Places: Why State Constitutions Contain America’s Positive Rights. Princeton University Press, 2013 – capítulo 1 disponível em http://government.arts.cornell.edu/assets/psac/fa12/Zackin_PSAC_Oct26.pdf).As correntes relativas à eficácia positiva dos direitos sociais (ou positivos) são: 1ª) direitos positivos não geram eficácia positiva imediata e dependem tanto da intervenção legislativa quanto da existência de meios materiais; 2ª) direitos positivos estão no mesmo nível dos individuais, com o que podem ter suas prestações exigíveis por mera invocação do texto constitucional, desconsiderado qualquer outro fator; 3ª) direitos positivos são diretamente exigíveis por invocação constitucional, mas sua concretização se submete à reserva do possível (por outras palavras, a existência de lastro orçamentário ainda sem destinação); e 4ª) há direitos positivos ligados a um mínimo existencial que são sempre exigíveis e há outros direitos positivos que se submetem à reserva do possível (posição de Ricardo Lobo Torres) Quanto às duas últimas correntes, a concretização dos direitos fundamentais positivos se condiciona em razão da disponibilidade dos meios financeiros estatais disponíveis (já que a “impossibilidade econômica” se apresenta como um limite necessário à prestação dos direitos fundamentais). Se as decisões inevitáveis sobre prioridades alocativas deixarem de ser uma questão de discricionariedade política para ser uma questão de observância de direitos fundamentais, a judicialização destas disputas políticas poderá ser feita sem muito critério de extensão. Por conta disso e para evitar que os direitos fundamentais se reduzam a uma mera “sinalização constitucional”, é importante atribuir “graus de realização possível” a eles (cf. ERNST-WOLFGANG BÖCKENFÖRDE, inclusive forte texto de crítica ao capitalismo e ao Estado estruturado em razão dele: http://leiturasfilosoficas.blogspot.com.br/2009/06/ernst-wolfgang-bockenforde_11.html).

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Páginas 37-41 O autor inicia o capítulo 3 apresentando a insuficiência da distinção tradicional entre direitos positivos como fonte exclusiva de tarefas constitucionais e direitos negativos como limitadores monopolistas da ação estatal (por impor deveres de abstenção ao Estado). Como a Constituição deixou de ser apenas um texto contendo os limites de atuação do Estado para impor tarefas, consequentemente tanto os direitos negativos quanto os direitos positivos possuem, ao mesmo tempo, uma dimensão positiva e uma dimensão negativa.A crítica mais contundente, segundo o autor, à distinção tradicional foi feita por CASS SUNSTEIN e STEPHEN HOLMES no livro The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Eles demonstraram a superação dessa dicotomia com base na ideia pragmática de enforcement (ou, numa tradução livre e ainda imperfeita, de imposição): todos os direitos, pouco importando se negativos ou positivos, implicam custos “porque pressupõem o custeio de uma estrutura de fiscalização para implementá-los” (p. 39). E essa estrutura de fiscalização deverá obrigatoriamente ser mantida pelo Estado; sem esse aparato estatal, os direitos concedidos pelo texto constitucional se tornam, na prática, não exercitáveis porque sempre haverá a possibilidade de eles não serem respeitados por outros e os faltosos, diante da inexistência de enforcement, não sofrerem qualquer sanção ou ordem coercitiva para cumpri-los. Aliás – eu acrescento –, a inexistência de mecanismos de enforcement eficientes e de baixo custo é visto por alguns grandes teóricos como uma das causas do subdesenvolvimento econômico (cf. NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge Press, 2004, p. 54-60). Diante disso e com várias menções aos valores gastos pelo Estado para proteção e asseguração dos direitos, os autores norte-americanos refutam pragmaticamente a visão filosófica libertária de Estado mínimo propagada por autores como ROBERT NOZICK e RICHARD EPSTEIN. Os autores citaram, ainda, a decisão da Suprema Corte norte-americana de 1989 no caso DeShaney v. Winnebago County Department of Social Services (cf. aqui a decisão da maioria liderada por Rehnquist: http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0489_0189_ZS.html). Nessa ação, a mãe de um menor vítima de maus-tratos paternos invocou a cláusula do devido processo legal em sentido substancial para acionar o departamento de serviço social local pela omissão quanto à proteção do menor. A mãe, que era separada do pai, disse que aquele órgão estatal foi omisso na proteção do menor, apesar dos avisos da segunda mulher do pai agressor e dos alertas dos médicos do hospital local que relataram escoriações múltiplas típicas de maus-tratos na criança. A Suprema Corte assim resumiu juridicamente e decidiu o caso:

“The Due Process Clause of the Fourteenth Amendment provides that ‘[n]o State shall . . . deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law.’ Petitioners [p195] contend that the State deprived Joshua of his liberty interest in ‘free[dom] from . . . unjustified intrusions on personal security,’ see Ingraham v. Wright, 430 U.S. 651, 673 (1977), by failing to provide him with adequate protection against his father's violence. The claim is one invoking the substantive, rather than the procedural, component of the Due Process Clause; petitioners do not claim that the State denied Joshua protection without according him appropriate procedural safeguards, see Morrissey v. Brewer, 408 U.S. 471, 481 (1972), but that it was categorically obligated to protect him in these circumstances, see Youngberg v. Romeo, 457 U.S. 307, 309 (1982).But nothing in the language of the Due Process Clause itself requires the State to protect the life, liberty, and property of its citizens against invasion by private actors. The Clause is phrased as a limitation on the State's power to act, not as a guarantee of certain minimal levels of safety and security. It forbids the State itself to deprive individuals of life, liberty, or property without ‘due process of law’, but its language cannot fairly be extended to impose an affirmative obligation on the State to ensure that those interests do not come to harm through other means. Nor does history support such an expansive reading of the constitutional text. [p.196] Like its counterpart in the Fifth Amendment, the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment was intended to prevent government ‘from abusing [its] power, or employing it as an instrument of oppression,’ Davidson v. Cannon, supra, at 348; see also Daniels v. Williams, supra, at 331 (‘to secure the individual from the arbitrary exercise of the powers of government,’ and ‘to prevent governmental power from being ‘used for purposes of oppression’) (internal citations omitted); Parratt v. Taylor, 451 U.S. 527, 549 (1981) (Powell, J., concurring in result) (to prevent the ‘affirmative abuse of power’). Its purpose was to protect the people from the State, not to ensure that the State protected them from each other. The Framers were content to leave the extent of governmental obligation in the latter area to the democratic political processes.” (citação minha, extraída do link imediatamente acima citado e inexistente na obra fichada)

Cf., a propósito do devido processo legal substantivo, o amplo e magistral estudo de LETÍCIA DE CAMPOS VELHO MARTEL – Devido processo legal substantivo: razão abstrata, função e características de aplicabilidade. A linha decisória da Suprema Corte Estadunidense. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

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Páginas 41-45 Comentando a decisão da Suprema Corte, o autor demonstra a visão de SUNSTEIN e HOLMES: “A posição da Suprema Corte, criticada no livro (de SUNSTEIN e HOLMES), foi que a garantia do devido processo significa uma limitação ao poder de agir do Estado, não uma garantia de níveis mínimos de segurança e proteção. Seu propósito seria proteger as pessoas do Estado, não assegurar que o Estado as proteja de outras. Embora Holmes e Sunstein demonstrem a fragilidade do argumento, asseveram que alguns autores (dentre os quais, RICHARD POSNER) defenderam a conclusão da Suprema Corte não porque haveria alguma indiferença da constituição para com a situação do pequeno Joshua, mas porque os tribunais, por diversas razões, não podem eficazmente manejar recursos escassos. Ao invés de (sic) alegar que as pessoas não têm direito a uma assistência afirmativa do Estado, ou que nenhuma ação estatal estivesse envolvida como causa direta, esses autores afirmam que o judiciário está mal aparelhado para tomar decisões racionais sobre como agências executivas devem alocar seus recursos e seu tempo.” (p. 41-42)O argumento dos autores é que, num cenário de recursos orçamentários escassos, haverá inevitavelmente algumas pessoas cujos direitos serão violados para as quais o Estado pouco ou nada poderia ou pode fazer. A esfera qualitativa de um direito passa, também, pela análise dos custos incorridos para efetivá-los. Com isso, direitos perdem seus tons tradicionalmente absolutos e assumem um relativismo intrinsecamente vinculado à mensuração dos custos. Custos acabam por afetar “o propósito, a intensidade e a consistência da efetividade dos direitos” (p. 43). Garantir direitos passa a ser, do ponto de vista do Estado, uma ação visando resolver um problema que, entretanto, acarreta inevitavelmente outro problema: como alocar recursos para tanto num cenário de escassez e diante de outras medidas igualmente importantes? Proteger e garantir direitos no cenário de recursos escassos implicam trade-offs para o Estado, ou seja, criam situações de escolha entre opções conflitantes, sendo que o ganho decorrente da escolha de uma opção levará inexoravelmente a uma perda de outra. “Por depender de recursos escassos, os direitos demandam ou implicam escolhas disjuntivas de natureza financeira” (p. 43). A propósito, esse dilema foi bem sintetizado por DANIEL WEI LIANG WANG: “A escassez de recursos exige que o Estado faça escolhas, o que pressupõe preferências e que, por sua vez, pressupõem preteridos. O grande debate que a exigibilidade judicial dos direitos sociais suscita é a possibilidade daqueles que foram preteridos de buscarem, por meio do poder Judiciário, a tutela de seus direitos, e se esse Poder teria legitimidade democrática, competência constitucional e formação técnica para realizar essa tarefa.” (“Escassez de recursos, custos de direitos e a reserva do possível na jurisprudência do STF”, In Revista Direito GV. São Paulo: 2008, n. 8, p. 540).Mesmo diante da teoria consistente de SUNSTEIN e HOLMES e da aparente superação da dicotomia entre direitos positivos e negativos, GUSTAVO AMARAL ressalta a utilidade dessa divisão e propõe um aperfeiçoamento teórico. Para ele, a “identificação dos direitos sociais como positivos é artificial” (p. 44). Há direitos sociais que são negativos por não demandarem qualquer conduta estatal intrinsecamente relacionada (ex., direito de sindicalização e direito de greve). Por outro lado, há direitos cuja eficácia social não depende necessariamente de uma ação estatal (ex. liberdade de expressão e liberdade de credo): são o que ele chamou de “direitos parcialmente independentes”, que são acometidos de conflitos de delimitação (saber os limites de cada direito envolvido no conflito) resolvidos por meio de um critério de prevalência (saber qual direito se imporá em razão dos fatos estarem contidos nos seus limites). Nesses casos, não haverá obstáculos orçamentários evidentes que impeçam o cumprimento de ordem judicial para que o Estado se abstenha de fazer algo ou o faça (p. ex., uma liminar para ordenar a liberação de uma mercadoria, uma ordem de habeas corpus, uma ordem garantindo a liberdade religiosa).Existem, também, direitos cuja eficácia social depende intrinsecamente de uma conduta estatal positiva (ex. assistência social): são os por ele denominados “direitos dependentes” (p. 44). Quanto a estes, existe também “um choque de outra ordem: a competição por recursos escassos. É o exemplo de dois feridos à bala e um só centro cirúrgico: ambos têm o direito, mas só um pode ser assistido. Alguma solução precisará ser dada, pois a inação já é uma forma de solução: deixar ambos morrer. Há, portanto, uma escolha dramática, uma opção disjuntiva a ser feita. Essa decisão, ao contrário da anterior, não será retroativa, pois não negará o direito daquele que não foi atendido. Bem ao contrário, a decisão sequer será prospectiva, eis que surgindo meios para atender o outro necessitado, ele o será. Será ela, pois, meramente relativa e circunstancial, muito embora possa significar a vida ou a morte de alguém” (p. 45). Aqui, o atendimento de um direito significa necessariamente o não atendimento de outro, dados a finitude e a insuficiência de recursos para simultaneamente atendê-los: haverá uma escolha trágica.

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Páginas 47-63 No capítulo 4, o autor se propõe um trabalho de precisão conceitual. Após escrutinar rapidamente os conceitos de direitos naturais, direitos públicos subjetivos, liberdades públicas e direitos morais, ele procura estabelecer o significado das expressões direitos humanos e direitos fundamentais. Direitos humanos são os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana que independem de positivação. Direitos fundamentais são os direitos humanos positivados em dado ordenamento. Em seguida, GUSTAVO AMARAL explora a diversidade de teorias acerca dos direitos fundamentais, principalmente a teoria liberal (direitos fundamentais como liberdade do indivíduo frente ao Estado), a teoria institucional (direitos fundamentais como liberdade do indivíduo orientada por interesses concretos) e a teoria axiológica (direitos fundamentais como valores comunitários). Apresenta um ponto de vista próprio: direitos fundamentais geram direitos subjetivos e pretensões substancialmente diferentes dos homólogos existentes no direito privado. Portanto, direitos fundamentais não seriam meras regras estruturantes tampouco simples valores jurídicos; mas que isso, para GUSTAVO AMARAL os direitos fundamentais seriam a positivação de direitos humanos. Estes, por sua vez, além de serem pressupostos de existência da ordem jurídica (p. 53), são essencialmente direitos naturais cujo eixo é a dignidade da pessoa humana, de acordo com a acepção jusnaturalista construída pelo hoje já falecido jurista argentino CARLOS SANTIAGO NINO (de que há princípios morais e de justiça universalmente válidos e acessíveis à razão humana que informam e condicionam um sistema normativo, qualificando-o de jurídico – cf. Introdução à análise do direito. Tradução Elza Gasparotto. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 32). GUSTAVO AMARAL aponta, também, que a positivação característica dos direitos fundamentais não lhes retira a validez moral como direitos humanos como algo pré-positivo.Posteriormente, GUSTAVO AMARAL faz uma decomposição dos direitos fundamentais. Diz que estes “investem o indivíduo em um status jurídico no qual lhe é facultado formular pretensões perante o Estado, pretensões essas que podem dirigir-se a uma abstenção estatal (pretensão negativa) ou a uma ação do Estado (pretensão positiva)” (p. 54), sem, contudo, gerar um dever correspectivo e contraposto. A tese do autor de “direito sem dever” é uma visão pragmática, sustentada na teoria de alocação dos custos dos direitos de SUNSTEIN e HOLMES. Ela não equivale ao “direito sem dever” da visão das teorias jurídicas tradicionais (os direitos potestativos, que são direitos a que não correspondem dever alguma; impõem apenas um estado de sujeição). O fundamento de GUSTAVO AMARAL para a inexistência de um dever correspectivo é a questão dos custos de oportunidade na efetivação de um direito e a própria gênese das prestações positivas decorrentes de direitos fundamentais. Como essas prestações positivas componentes de direitos fundamentais não são decorrentes de atos de vontade, mas, sim, do simples fato de pertencimento à vida em sociedade, todas as pessoas as têm. Portanto, a necessidade, apesar de limitada ao número de participantes da vida social, é extensível e invocável por todos. Por outro lado, os recursos existentes para atender a necessidade de todos não são suficientes para tal. Há um cenário de recursos escassos administrado pelo Estado para grandes necessidades dos participantes da sociedade. Por conta desse dado pragmático, o autor mostra a insuficiência da concepção tradicional de que “havendo direito há dever correspectivo que pode ser exigido coativamente” gestada em bases civilista, razão pela qual o não atendimento de direitos fundamentais – principalmente na área da saúde – não deve necessariamente configurar o descumprimento de correlatos deveres. Assim, “as pretensões voltadas a prestações positivas que podem ser formuladas com amparo em direitos humanos não encontram correlação necessária em deveres estatais” (p. 61). GUSTAVO AMARAL explica também que o consumo de recursos públicos para atendimento de prestações positivas decorrentes de direitos fundamentais não se esgota com o mero aparato judicial-estatal a quem se recorre em caso de não cumprimento. Existirão, ainda, dispêndios ou alocação de recursos orçamentários com a efetivação de uma ordem para cumprimento, o que pode ir desde a aglutinação de um aparato policial para coercitivamente impô-la até o fornecimento de um remédio ou o pagamento de uma cirurgia médica (p. 63).

Page 9: Fichamento 05 [Leandro Aragão] - Direito, Escassez e Escolha, De Gustavo Amaral

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Páginas 64-72 Na parte final do capítulo 4, o autor trabalha a questão da colisão de direitos fundamentais e aponta a insuficiência dos critérios tradicionais de conflito entre normas. Para ele, os critérios temporais, hierárquico e da especialidade são “insuficientes especialmente com o reconhecimento do caráter normativo dos princípios” (p. 65). Os critérios tradicionais foram de grande valia quando a aplicação do direito era vista como uma incidência quase mecânica de regras. Com a virada normativa, os princípios, até então relegados a meras declarações ou recomendações de propósitos sem eficácia alguma, passaram a ver tidos como normas em razão das quais se poderiam extrair deveres e pretensões. Os conflitos entre normas deixaram, então, de ser conflitos entre regras para serem, também, conflitos entre regra e princípio e conflito entre princípios. Acontece que os princípios, pelo alto grau de abstração, sempre carecerão de uma “mediação concretizadora” (p. 67). Os princípios são estruturalmente diferentes das regras, sendo opostos em matéria de densidade semântica. E aqui, seguindo a tese de ROBERT ALEXY, o autor sustenta que princípios seriam “mandamentos de otimização”, preenchíveis em grau distintos pela ponderação, e regras conteriam “mandamentos definitivos” (p. 67), aplicadas por subsunção (ou aplica ou não aplica). Cabe aqui uma observação minha que não desmerece a obra de GUSTAVO AMARAL, principalmente se a situarmos historicamente. Segundo noticia HUMBERTO ÁVILA (Teoria dos princípios. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 138-140), ALEXY parece ter mudado seu conceito sobre princípios para algo como “dever ser ideal” ou “mandamentos a serem otimizados” no texto “Ideales Sollen” (In Grundrecht, Prinzipien und Argumentation. Laura Clérico & Jean-Reinard Sieckmann (Orgs.). Baden-Baden: Nomos, 2009, p. 21 e ss.), transferindo o foco da distinção entre princípios e regras dos modos de aplicação e colisão para a natureza da descrição normativa. Ainda segundo ÁVILA, o Prof. RALF POSCHER (http://www.jura.uni-freiburg.de/institute/rphil/rphil/de/mitarbeiter/prof.-dr.-ralf-poscher) também visualizou essa mudança, conforme sustentado no texto “Theorie eines Phantoms – Die erfolglose Suche der Prinzipientheorie nach ihrem Gegenstand” (disponível em http://www.rechtswissenschaft.nomos.de/fileadmin/rechtswissenschaft/doc/Aufsatz_ReWiss_10_04.pdf). Advirto, porém, que a real extensão dessa possível mudança de orientação de ALEXY ainda terá de ser adequadamente avaliada. Fecho a observação.Mas o certo é que, com base na distinção de ALEXY, o autor demonstra a insuficiência dos critérios tradicionais de solução de conflitos normativos para a resolução de conflitos de pretensões positivas. Segundo o autor, nesse, o “conflito ‘quase’ que não é jurídico. Não se nega o direito de todos, apenas não se tem como atender. Não há como tratar a todos, não há como fornecer órgãos para transplante a todos, não há como fornecer moradia digna a todos, não há como garantir a segurança de todos, simultaneamente” (p. 68-69). Assim, os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos “não são suficientes, pois os conflitos de pretensão positiva ocorrem em múltiplos momentos, desde antes da elaboração do orçamento até o momento da entrega efetiva da utilidade, mas é apenas esse último momento que costuma ser visto. Não há como prestigiar o valor hierarquicamente superior, pois a colisão pode ser entre o paciente que espera na fila para transplante apenas de rim, há mais tempo, com o que espera na recém-criada fila para transplante duplo de rim e pâncreas. A ponderação, tal como preconizada, além de não ser utilizada pelos tribunais, não oferece muita utilidade, pois os valores, positivos ou morais, não parecem ser um critério seguro para decidir a prioridade de atendimento numa fila de transplantes” (p. 69).