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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA FESP CURSO DE BACHARELADO EM DE DIREITO DANIEL LUSTOSA DE CARVALHO VIOLÊNCIA FÍSICA E MAUS-TRATOS CONTRA OS IDOSOS: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA JURÍDICA JOÃO PESSOA 2012

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA – FESP

CURSO DE BACHARELADO EM DE DIREITO

DANIEL LUSTOSA DE CARVALHO

VIOLÊNCIA FÍSICA E MAUS-TRATOS CONTRA OS IDOSOS: UMA ANÁLISE

SOB A ÓTICA JURÍDICA

JOÃO PESSOA 2012

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DANIEL LUSTOSA DE CARVALHO

VIOLÊNCIA FÍSICA E MAUS-TRATOS CONTRA OS IDOSOS: UMA ANÁLISE

SOB A ÓTICA JURÍDICA

Artigo Científico apresentado à Banca Examinadora de Artigos Científicos da FESP Faculdades, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientadora: Sheyla Barreto Braga de Queiroz

JOÃO PESSOA 2012

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C331v Carvalho, Daniel Lustosa de Violência física e maus-tratos contra os idosos: uma

análise sob a ótica jurídica / Daniel Lustosa de Carvalho. – João Pessoa, 2012.

23f. Artigo (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino

Superior da Paraíba – FESP. 1. Idoso 2. Maus-tratos 3. Estatuto 4. Violência I. Título.

BC/FESP CDU: 34-053.9 (043)

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DANIEL LUSTOSA DE CARVALHO

VIOLÊNCIA FÍSICA E MAUS-TRATOS CONTRA OS IDOSOS: UMA ANÁLISE

SOB A ÓTICA JURÍDICA

Artigo Científico apresentado à Banca

Examinadora de Artigos Científicos da

Faculdade de Ensino Superior da Paraíba

- FESP, como exigência parcial para a

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Profª. Sheyla Barreto Braga de Queiroz

Orientadora - Fesp Faculdades

_________________________________________________

Professor Examinador

Fesp Faculdades

_________________________________________________

Professor Examinador

Fesp Faculdades

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VIOLÊNCIA FÍSICA E MAUS-TRATOS CONTRA OS IDOSOS: UMA ANÁLISE

SOB A ÓTICA JURÍDICA

DANIEL LUSTOSA DE CARVALHO*

RESUMO

Hodiernamente, vivencia-se um período de grandes avanços médicos, e uma melhor qualidade de vida, fato este, que eleva a expectativa de vida do ser humano, o que se traduz em um aumento significativo da população com mais de 60 anos. Na medida em que cresce a população idosa, também crescem os problemas referentes aos descasos e agressões impingidos a essa parcela da sociedade. Embora tenham sido contemplados com a Lei 10.741/03, Estatuto do Idoso, reforçando ainda mais a proteção a sua dignidade e seus direitos fundamentais, não é raro saber que o ancião é violentado e desrespeitado quase todo dia. Os casos mais conhecidos são os de agressões físicas, mas o idoso poderá sofrer ao mesmo tempo violações como abandono, negligência, apropriação indébita dos seus recursos financeiros, entre outros. Assim este artigo teve como objetivo analisar e investigar as formas de agressão contra os idosos, os sujeitos que os agridem, bem como as conseqüências advindas de tais atos na vida do ancião. No mais, aborda os meios utilizados pelo Estado no combate à violência e punição para os que desrespeitarem tais preceitos. Para tanto, o estudo realizado caracterizou-se por ser uma pesquisa bibliográfica e documental com abordagem qualitativa. Os resultados mostraram que, mesmo com a existência de leis que assegurem o bem-estar do idoso, não se pode falar de sua execução, pois há um aumento significativo dos índices de violência contra o idoso, nem da ausência de políticas sociais direcionadas àqueles em situação de risco. Esse contexto reflete na própria negação dos direitos fundamentais da pessoa humana, em relação aos quais a República Federativa do Brasil possui obrigação constitucional e moral de proteção, tanto mais quando se tem em vista os tratados internacionais dos quais é signatária.

Palavras - chave: Idoso. Maus-tratos. Estatuto. Violência.

* Graduando em Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP. Email: <[email protected]>.

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INTRODUÇÃO

O Brasil tem apresentado mundialmente um dos maiores índices de

violência contra o idoso, o que vem a confirmar o tratamento banal que sempre lhe

foi dispensado, visto que, nos casos de violência e maus-tratos, aplica-se a Lei nº

10.741/03 – O Estatuto do Idoso. Neste contexto, a legislação nacional se mostrava

ineficaz no combate à agressão contra o idoso, colaborando para a impunidade, e

gerando, tanto nas vítimas quanto nas pessoas que denunciavam uma percepção

negativa da tutela jurisdicional.

O processo de redemocratização que ocorreu no Brasil, a partir de meados

1985, culminou com a constitucionalização dos direitos humanos e a ratificação de

diversos tratados internacionais, com ênfase no Pacto de San José da Costa Rica.

Embora o Brasil tenha inserido na Constituição um vasto leque de direitos e

garantias fundamentais, e a despeito da autoaplicabilidade das normas dos tratados

ratificados, o Estado se mostrou e ainda se revela por vezes falho e omisso no

combate à violência e aos maus-tratos contra o idoso.

São poucas as informações e estudos sobre a agressão física e maus-tratos

contra o idoso na sociedade brasileira e, especificamente, na Paraíba, malgrado o

fenômeno que vem acontecendo nos grandes centros urbanos do país não seja

diferente daquilo detectado em João Pessoa ou em qualquer outra cidade

paraibana.

É importante ressaltar que o Estatuto do Idoso foi inovador, principalmente

por englobar aspectos civis, processuais e penais, suscitando uma análise crítica do

seu texto. Entretanto, como todo processo dinâmico permeado por forças sociais e

complexas, verificam-se inúmeras barreiras que tem impedido a efetividade plena da

Lei em comento.

Diante do exposto, este estudo tem como objetivo maior analisar as formas

de violência física sofrida pelo idoso sob o enfoque essencial, mas não apenas,

jurídico.

2 BREVE HISTÓRICO DO IDOSO NO CONTEXTO SOCIAL

O envelhecimento populacional é um fenômeno que vem adquirindo

proporções mundiais, demonstrando ser uns dos maiores problemas que afligem a

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humanidade, pois há um aumento da expectativa de vida, constituindo uma

sobrecarga em órgãos governamentais imprescindíveis, como nas áreas da saúde e

previdência. Para compreender todas estas mudanças, é necessário discutir sobre o

fenômeno do envelhecimento e a representação social em que os idosos estavam

inseridos nos diferentes tempos e espaços, evidenciando suas representatividades

em momentos históricos distintos.

Nas sociedades mais antigas, o idoso exerceu um papel fundamental, indo

do apogeu ao seu início de submissão nos primórdios do século XVIII. Os antigos

hebreus se destacavam pela importância que davam a seus anciãos, que, em

épocas de nomadismo, eram considerados os chefes naturais do povo, consultados

quando necessário. Na cultura hebraica, encontra-se Matusalém, figura bíblica que

teria vivido 969 anos. Uma vida longa era vista mais como uma bênção do que como

uma carga e esta bênção é vislumbrada nos patriarcas bíblicos.

Nas primeiras organizações familiares de que se tem conhecimento, o

indivíduo mais antigo era reverenciado por todos como símbolo de sabedoria. Nas

diferentes civilizações foi colocado com o status de pater familia, detendo o poder de

vida ou morte sobre seus filhos e escravos. O ancião no seio organizacional familiar

foi peça importante na transmissão dos costumes, tradições herdadas e legados

pelos antepassados aos outros integrantes do grupo.

Para os egípcios, as pessoas de maior idade representavam a experiência e

a sabedoria: exerciam a função de educadores e guias dos mais jovens. Em Roma,

a condição de poder do idoso estava vinculada à propriedade, vínculo que o

mantinha como pessoa de respeito. Não eram consideradas, portanto, as suas

particularidades como ser humano:

Se tal condição não repousasse na força, a pessoa do velho não teria o mesmo respeito. Então, aquele que não possuía bens patrimoniais não obtinha reconhecimento na sociedade, muitas vezes acabando como dependente da ajuda dos filhos ou institucionalizado. (SANTIN, 2008, p.143).

Percebe-se que a maior expressão de poder na Roma antiga não advinha

da força física ou dos conhecimentos milenares. Ostentar o poder neste período

significava necessariamente possuir bens. A propriedade era a maior forma de

expressão que o ser humano pode exercer: quanto mais terras o cidadão romano

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possuísse, maior poder era o seu dentro do seu grupo social, não importando a sua

idade.

Operando-se um grande corte no tecido histórico, tem-se que, com as

mudanças sociais e econômicas no final do século XVIII, advindos da Revolução

Industrial, a sociedade, que até então era predominantemente camponesa e rural,

começa a migrar para os grandes centros urbanos, causando um crescimento

populacional.

Com a expansão do capitalismo exacerbado e com a procura por mão de

obra para trabalhar nos setores fabris, junto com a Revolução Industrial, além das

condições subumanas em que a pessoa foi posta à época, começa a surgir um

problema para os idosos, pois, na indústria era imprescindível o vigor físico, sendo

inseridos no mundo do trabalho os mais jovens, por deles depender a produção.

Tendo em vista que o ancião não conseguia acompanhar o ritmo de

exigência imposto pelas fábricas, nasce aí uma fenda abismal entre o idoso e o

jovem. Dentro desta lógica, os idosos, em sua imensa maioria, por terem reduzida a

sua capacidade fisiológica de trabalho, que pode ser associada a uma ou mais

doenças crônicas, não têm como enfrentar uma competição na qual as condições

são desiguais.

A partir de todo contexto social no qual foram inseridos os idosos, despontou

uma nova concepção de idoso, como também, uma inversão de valores, visto que a

capacidade física figurava e ainda importa para a inserção no mundo de trabalho.

Segundo Correia (2007) devido à crescente industrialização, o idoso deixou

de ser reconhecido pela sua experiência e passou a ser visto como inútil,

improdutivo, e esta nova visão contribuiu para a criação de asilos, albergues dos

inválidos e lares. O papel do ancião na sociedade passou a ser visto como uma

doença social, sendo a estrutura familiar alterada em grande escala.

A fonte de saber que por muitos anos foi cultuada e apreciada por aqueles

que ouviam as histórias dos mais velhos dá lugar à necessidade de uma produção

cada vez mais veloz, em que a mão de obra jovem, e não o seu intelecto, é o centro

do interesse.

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2.1 O IDOSO NA CONTEMPORANEIDADE

A sociedade moderna depara-se hoje com um dos grandes problemas que é

o processo de envelhecimento da população mundial. O envelhecimento é um

fenômeno inerente a todo ser vivo:

Envelhecer pressupõe alterações físicas, psicológicas e sociais no indivíduo. Tais alterações são naturais e gradativas. É importante salientar que essas transformações são gerais, podendo se verificar em idade mais precoce ou mais avançada e em maior ou menor grau, de acordo com as características genéticas de cada indivíduo e, principalmente, com o modo de vida de cada um. (ZIMERMAM, 2000, p. 20).

Nos seres humanos, este processo causa grandes transformações ao longo

da vida, desencadeando modificações psicossociais, hormonais e fragilidades por

todo o corpo:

O processo de acumular experiências e enriquecer a vida por meios de conhecimento e habilidades físicas. Essa sabedoria adquirida proporciona o potencial para tomar decisões razoáveis e benéficas a respeito de nós mesmos. O grau de independência que dispomos na vida está diretamente relacionado à atividade maior ou menor em nosso corpo, mente e espírito [...] o envelhecimento pode ser definido como uma série de processos que ocorrem nos organismos vivos, e com o passar do tempo, leva a perda da adaptabilidade, a alteração funcional e, eventualmente a extinção. (MORHY, 1999, p. 26).

Parte-se do princípio de que o envelhecimento de um indivíduo está

associado a um processo biológico de declínio das capacidades físicas, relacionado

a novas fragilidades psicológicas e comportamentais. Então, o estar saudável deixa

de ser relacionado com a idade cronológica e passa a ser entendido como a

capacidade de o organismo responder às necessidades da vida cotidiana, a

capacidade e a motivação física e psicológica para continuar na busca de objetivos

e conquistas pessoais e familiares. Alguns critérios são utilizados para a

demarcação do que venha a ser um “idoso”. O mais comum baseia-se no limite

etário, como é o caso, por exemplo, da Política Nacional do Idoso.

Destarte, faz-se mister esclarecer que será considerado idoso no Brasil todo

cidadão independente de sexo ou nacionalidade que tenha 60 anos de idade ou

mais. Desta forma, além dos amparos e garantias constitucionais de proteção, será

também ele escudado pelo Estatuto do Idoso, uma conquista para dito grupo de

pessoas, que carece de atenção especial, e que é alvo de todo tipo de discriminação

no decorrer de suas vidas.

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Já a Organização Mundial da Saúde considera como idosas as pessoas

com 60 anos ou mais, se elas residem em países em desenvolvimento, e com 65

anos e mais se residem em países desenvolvidos. É relevante compreender que o

grande aumento do envelhecimento da população mundial pode ser explicado em

função da diminuição dos índices de natalidade e de mortalidade, de melhores

condições de vida da população mundial e do progresso na saúde e dos avanços na

medicina:

De acordo com dados das Nações Unidas, ao longo dos anos, o número de pessoas com idade acima de sessenta anos aumentou consideravelmente: em 1950 eram aproximadamente 200 milhões de pessoas com mais de sessenta anos de idade: em 1975 esse número aumentou para 350 milhões; e as projeções são que em 2025 a população de idosos atingirá a marca de 1100 milhões. (HERÉDIA, 2000, p. 31).

Em relação à sociedade brasileira, esta também acompanha a tendência

mundial: aquele que, há décadas passadas, era considerado um país de jovens,

padece do mesmo problema que enfrenta o restante do mundo. Da mesma forma

que a maior parte do mundo, Estados como o Brasil não estão preparados e

engajados em uma luta por mudanças estruturais, que atendam às pessoas da

terceira idade de forma digna e condizente com as suas necessidades:

No Brasil, o índice de idosos cresce em maior velocidade em relação ao da população infantil, conforme dados do IBGE, em 1981 o numero de idosos representava 6,4% da população; em 1993, aumentou para 8,0% e, em 2003 aumentou para 9,6%. A maior concentração de idosos no país encontra-se na região Sul e Sudeste, e a menor constatação esta na região Norte e Nordeste do país. Na Paraíba, as pessoas com mais de 60 anos de idade representaram em 2009 11,4% de toda a população sendo considerada, em números relativos, a terceira mais idosa do país. (HERÉDIA, 2004, p.10 - 11).

Tendo em vista os dados apresentados, nota-se que no Brasil há um

aumento significativo da população idosa ao longo dos anos. Ora, um país mais

habitado por idosos acarreta uma série de problemas que vem culminando ao longo

dos tempos. Como são pessoas que requerem mais atenção, por conta de uma

saúde frágil, os idosos não possuem um atendimento apropriado nos hospitais

públicos, não há políticas públicas que assegurem seu bem-estar, eles são

constantemente discriminados e muitas vezes seus direitos não são respeitados

pelo próprio Estado democrático de direito.

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As grandes cidades, seu próprio lar e até mesmo os familiares não estão

adaptados ou preparados para receber e acomodá-los da maneira mais segura,

abundam calçadas esburacadas, inexistem prédios com rampa de acesso e,

ademais, o transporte público sem acessibilidade adequada é um dos obstáculos

encontrados pelo idoso, que possui uma coordenação motora já debilitada pela força

do tempo, tendo que se esquivar das armadilhas que uma cidade não adaptada

esconde todos os dias. São estes os perigos com que se defrontam os idosos

quando a questão é se locomover pelos grandes centros.

3 O IDOSO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEGISLAÇÃO

Após a Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana foi

reconhecida como valor fundamental, englobando, na Declaração Universal de 1948

e nos demais pactos internacionais referentes a direitos humanos, todas as

categorias de direitos fundamentais, deixando, ademais, a janela aberta para o

surgimento e incorporação de novéis categorias.

No entanto, a positivação dos direitos fundamentais não ocorreu de forma

plena, sendo o idoso por muito tempo esquecido, inexistindo dispositivos legais que

o protegesse. A título ilustrativo, a Constituição de 1934 expressou seu amparo legal

apenas à maternidade e à infância, não se pronunciando sobre os demais

segmentos da sociedade.

A Constituição de 1946 acrescentou a proteção à adolescência, que, à

época, pela norma vigente, se iniciava aos 14, indo até os 18 anos de idade. Já a

Constituição de 1967, mantendo a proteção aos ora citados e garantindo aos

excepcionais acessos à educação, também manteve a omissão das suas

antecessoras e acabou esquecendo os idosos. Percebe-se que o idoso foi deixado

às margens da lei e desprovido de qualquer amparo especial por parte do Estado

brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 inovou e acabou por representar um marco

na evolução dos direitos e garantias fundamentais, principalmente no atinente à

proteção ao idoso. Foram várias as alterações de significativa importância que

advieram com a atual Carta Magna. Tendo em vista constituir-se em verdadeira

cláusula de proteção ao ser humano, a inserção do princípio da dignidade da pessoa

humana foi garantida como um dos fatores fundamentais para sua elaboração. Por

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esse motivo, a referida Carta foi apelidada de Constituição Cidadã. Além das

garantias genéricas que foram consagradas pelo princípio da dignidade humana

elencada no artigo 1º, III, da Lex Major, outras garantias específicas à pessoa do

idoso foram lembradas:

Com a redação dada pelo legislador constituinte, o artigo 229 da carta maior, dispõe que: os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência e enfermidade. Em complementação, o artigo 230 da Constituição Federal determina: a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Indo mais além o dispositivo que trata da Assistência Social, mais precisamente no artigo 203, I CF88 diz que será prestada a assistência a quem dela necessitar independente de que a pessoa tenha contribuído para o regime. (BRASIL, 1988, p. 135 -146)

Como se pode notar, o idoso teve lugar merecido na Magna Carta. As

garantias constitucionais conferidas ao cidadão da terceira idade demonstram que o

direito foi conclamado a prover respostas às demandas na área que eram carentes

de qualquer atitude por parte do Estado. Não só o Estado foi intimado a prestar a

assistência ao ancião, como também a própria família tem o dever legal e não

apenas moral de cuidar e amparar o ente com idade avançada a fim de dar-lhe

melhores condições de saúde e lazer de forma digna.

Face ao exposto, Santin (2008) considera que não há dúvidas de que a

Constituição brasileira de 1998 visou dar uma efetiva proteção ao idoso, tendo em

vista garantir a sua dignidade enquanto pessoa humana. Entretanto, cabe ao Estado

e a própria sociedade abrir os olhos para a realidade em que estão inseridos os

cidadãos maiores de 60 anos, tendo em vista que, ao negar a efetividade dos seus

direitos, também o respeito à dignidade humana será violado.

No entanto, apenas as garantias dadas ao idoso escritas no papel e não

exercidas na prática não foram suficientes para que se alcançasse o ideal de justiça

desejado e que o tratamento digno a essas pessoas fosse plenamente ofertado pelo

Estado, e, principalmente, respeitado pela sociedade.

Com o intuito de promover ações afirmativas voltadas para esta classe tão

carente, foi promulgada a Lei n.º 8.842, de 04 de janeiro de 1994, denominada de

Política Nacional do Idoso, que traz o seguinte objetivo geral: “Promover a

autonomia, integração e participação efetiva dos idosos na sociedade, de modo a

exercer a sua cidadania”. (BRASIL, 2012, p.01)

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A referida Lei também traz uma inovação bastante interessante, que é a

descentralização de suas ações, até então centradas na União, delegando, por

conseguinte, aos Estados e Municípios, e, também, a entidades não

governamentais, políticas que visem beneficiar o indivíduo de idade avançada.

A Política Nacional do Idoso é embasada por princípios e diretrizes tais

como: assegurar ao idoso todos os direitos de cidadania, sendo a família, a

sociedade e o Estado os responsáveis em garantir sua participação na comunidade,

defender sua dignidade, bem-estar e direito à vida. O processo de envelhecimento

diz respeito à sociedade de forma geral e o idoso não deve sofrer discriminação de

nenhuma natureza, bem como deve ser o principal agente e o destinatário das

transformações indicadas por tal Política. E por fim, cabe aos poderes públicos e à

sociedade em geral a aplicação da mencionada Lei, considerando as diferenças

econômicas, sociais, além das regionais.

Como observado, a referida Política apresenta ações inovadoras, usadas

como referência na abordagem do idoso. Entretanto, a garantia dos direitos sociais

para este ator não tem se concretizado efetivamente, pois esta vem sendo

implementada no Brasil de forma lenta e gradativa. Diante desta situação, cabe,

portanto, aos idosos, às famílias e à sociedade em geral a conscientização e

participação política na busca da justiça social para a garantia plena dos direitos

teoricamente assegurados.

Diante disto, como modo de garantir ainda mais seus direitos e aplicar

sanções aos que desrespeitarem tal preceito legal, foi promulgada a Lei nº 10.741,

de 1º de outubro de 2003, denominada de Estatuto do Idoso.

O Estatuto do Idoso foi editado visando garantir existência mais digna às

pessoas acima de sessenta anos. Para tanto, traz dispositivos de proteção aos

direitos fundamentais dos idosos, muitos já afirmados na Constituição Federal de

1988.

Uma inovação bastante interessante trazida pela Lei específica é a

obrigatoriedade de os profissionais na área da saúde comunicar as autoridades

judiciais quaisquer casos que lhes chamem a atenção quando um idoso der entrada

em uma unidade de saúde mostrando alguns sintomas de espancamento ou mau-

trato proveniente de negligência. Cria-se, assim, um elemento informativo, que se

soma ao disque-denúncia (Disque 100), quando esta não puder ser realizada por

qualquer outra pessoa:

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Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra idoso serão obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde a quaisquer dos seguintes órgãos I-autoridade PoliciaI; II-Ministério publico; III - Conselho Municipal do Idoso; IV - Conselho Estadual do Idoso; V - Conselho Nacional do Idoso. (BRASIL, 2011, p. 18 - 19).

A intenção do legislador foi criar um mecanismo que contribuísse com

informações técnicas que ajudasse a identificar se o paciente com mais de 60 anos foi

vítima de agressão ou qualquer outro ato perpetrado por alguém contra a sua

vontade. Logo, além de uma análise técnica feita por profissionais competentes, ela

serviria de denúncia.

Observa-se, ao longo do tempo, que o idoso foi adquirindo direitos, muitos

deles oriundos de leis específicas que foram sendo consolidadas e direcionadas

sempre a lhe proporcionar garantias fundamentais e dignidade que, até então, não

eram expressas nas constituições. Embora essas leis coloquem o idoso, numa

situação mais confortável quando se trata de reconhecimento, ainda são insuficientes

para aniquilar de uma vez por todas o problema da agressão e o péssimo tratamento

a ele concedido. Diante disto, fica claro que não só a lei basta para trazer o efetivo

gozo e beneficio de direitos, se os cidadãos não se sensibilizarem diante deste

problema que acomete os idosos brasileiros.

4 VIOLÊNCIA E O IDOSO: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA JURÍDICA

Vive-se em uma sociedade moderna, que muitas vezes se comporta como

se estivesse nas comunidades primitivas, onde impera a violência, produto de uma

crise geral, social, econômica e política que afeta todas as camadas da vida. Nas

camadas sociais, encontram-se as partes mais vulneráveis da população, formadas

por crianças, jovens, pessoas portadoras de deficiência, mulheres e pessoas idosas.

Estes grupos são os mais atingidos pelo fenômeno da violência e suas múltiplas

formas.

Como forma de frear o avanço da violência e, principalmente, de punir

aquele que maltrata a pessoa senil, o legislador pátrio, ao instituir o Estatuto do

Idoso, mais precisamente no seu artigo 4º, descreveu de forma plena que será

repudiada toda e qualquer forma de ato que venha a atentar contra a dignidade do

maior de 60 anos: “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência,

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discriminação, crueldade ou opressão, e todo atentado a seus direitos, por ação ou

omissão, será punido na forma da lei.” (BRASIL, 2011, p. 16).

A violência contra o idoso atualmente é tratada como um problema social

que atinge não só os países com menores índices de desenvolvimento, como

também aqueles que possuem índices de desenvolvimento humano altíssimos. Isso

mostra que o fenômeno não é exclusivo só dos pobres, podendo também ser

identificado em povos com condição financeira e cultural muito além dos demais:

Como exemplo, nos EUA, mais de dois milhões de idosos sofrem maus-tratos a cada ano; dados disponíveis indicam que apenas 19% dos casos chegam a conhecimento público, percebidos por vizinhos ou policiais. Quatro em cada cem idosos canadenses sofrem algum tipo de violência; como é típico nos casos de violência em família, a maioria dos sofrimentos impingidos a idosos no ambiente doméstico não é registrada. (POMILIO, 2007, p. 03)

Os maus-tratos na velhice ocorrem de várias formas: física, sexual,

emocional e financeira. De acordo com Minayo (2007), frequentemente, uma pessoa

de idade sofre, ao mesmo tempo, vários tipos de maus-tratos. Pesquisadores que

têm analisado arquivos de Emergência Hospitalares e de institutos médico-legais

comprovam, historicamente, a existência de ações violentas contra idosos, como

lesões e traumas físicos, mentais e emocionais, entre outros.

Sabendo que a violência contra o idoso faz parte de problema universal, é

importante considerar que a partir de estudos epidemiológicos, a Organização

Mundial de Saúde conceitua violência como:

Uma noção referente aos processos e às relações sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou objetivadas em instituições, quando empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem, ou de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físicos, mentais e morais. A Rede Internacional para a Prevenção dos Maus Tratos contra o Idoso assim define a violência contra esse grupo etário: O maltrato ao idoso é um ato (único ou repetido) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança. (MINAYO, 2007, p. 14).

É obvio que os maus tratos contra o idoso não são um fenômeno recente,

mas, antes, constituem um ciclo de ações perversas, amplamente incorporadas à

relação de poder, baseadas no gênero, no qual o filho ou qualquer outro parente

assume o papel de tutor e o idoso que antes era a pilastra central, o patriarca da

casa, torna-se submisso por motivos fisiológicos, passando, assim, a ser tratado

como um peso dentro de casa. “Pelo fato de dominação existente, os idosos chegam

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a responsabilizar a si mesmos por qualquer situação de maus-tratos e não ao

agressor” (FIGUEIREDO, 1998, p. 22).

Neste sentido, compreende-se que o abuso praticado contra o idoso está

presente em vários contextos históricos e culturais, manifestado nas mais variadas

formas de violação aos direitos e liberdades fundamentais. Entende-se que, dentre

os vários tipos de violência contra o idoso, a doméstica e familiar aparece como uma

das mais severas, desvendando uma relação de dominação do filho ou outro

parente sobre este

4.1 AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA

Quando se fala em violência contra as pessoas idosas, a primeira ideia é

dar-se ênfase apenas à física, mas esta não é a única, pois há inúmeras formas em

que pode se travestir. Ao serem analisadas as atrocidades contra a pessoa de

idade, oriunda de relações sociais, observa-se que o modus operandi pode mudar,

mas seus resultados sempre serão arrasadores. Suas causas muitas vezes resultam

das desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais em que o idoso está

inserido.

O indivíduo poderá ser vítima ao mesmo tempo de várias atrocidades, tais

como, abandono, violência sexual, negligência, abuso financeiro e econômico e

violência psicológica. Esta última se caracteriza pelo “terrorismo” imposto ao idoso

com reclamações constantes, e agressões verbais, tudo com o intuito de tolher e

fazer com que o ancião fique recluso, restringindo a sua liberdade do convívio social.

Esta forma de tratamento só aumenta ainda mais no íntimo do idoso o pensamento

de que ele é um fardo e imprestável dentro do seu próprio lar.

Como se não bastasse, ainda são vítimas de abusos sexuais, sobretudo

aqueles que, não tendo a racionalidade do ser mediano, são obrigados a praticar

sexo. A vítima, contra a sua vontade, na maioria das vezes não pode se defender

dessas agressões, por incapacidade física ou por incapacidade mental de saber o

que está sendo praticado.

Outra forma como se expressa a violência a essa parcela da sociedade diz

respeito ao abandono, que também é uma característica que recai sobre eles. Esta

se manifesta pela ausência ou deserção dos familiares em prestar a assistência e os

devidos cuidados. Não é muito raro observar que os filhos, para não terem o

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trabalho de mantê-los, os colocam em asilos. Grande parte das pessoas que hoje se

encontram nos lares assistenciais são vítimas desse tipo de agressão.

A família, além de dar um mau exemplo no quesito afetividade familiar,

também transgride a norma constitucional, que impõe o dever dos filhos de cuidar de

forma digna dos pais quando estes estivem em idade avançada. Além de ser um

dever moral da família para com o idoso, é também um dever legal para com a

justiça.

Quando não são abandonados, estes muitas vezes são negligenciados por

seus familiares ou por quem tinha o dever legal de cuidar. A omissão de cuidados

devidos e necessários ao idoso representa a negação da condição mínima de

dignidade do ser humano. Trata-se de uma das formas de violência mais presentes

no país. A dependência total de outra pessoa deixa o ancião submisso aos cuidados

de pessoa da própria família ou estranha. Tarefas básicas como higiene pessoal,

alimentação e lazer são negados, deixando o cidadão na maior das penúrias que se

possa imaginar. Como muitos não têm condições de realizar tarefas básicas,

chegam a ficar o dia inteiro sem se alimentar, tomar banho e até mesmo tomar os

medicamentos nos horários certos.

Boa parte dessas pessoas recebem uma aposentadoria ou pensão, que, na

maioria das vezes, não atende suas necessidades básicas. Mesmo sendo valores

irrisórios, são de grande importância para a mantença do idoso. Como muitos não

possuem habilidades ou condições físicas para receber os benefícios, confiam a sua

senha do cartão a outros. É aqui que se caracteriza outra forma de violência

denominada de abuso financeiro, que consiste na exploração imprópria ou ilegal dos

idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e

patrimoniais. O maior índice desse tipo de crime ocorre no âmbito familiar.

Pesquisas apontam que, dos abusos domésticas, a campeã de denuncias é

a violência física. Capaz de inabilitar a pessoa, este tipo de violência se torna duas

vezes mais gravosa quando a vitima é uma pessoa com o corpo já debilitado pelas

marcas do tempo. As lesões corporais que recaem sobre parte dessas pessoas são

praticadas por entes da própria família ou por aquele que foi contratado para cuidar

do idoso – o cuidador. Nesse tipo de agressão impera a lei do silêncio: os próprios

idosos são impedidos de denunciá-los, levando em consideração que, na maioria

das vezes, são totalmente dependentes dos agressores, o que gera uma

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insegurança. Há também o fundado receio de que possam vir a sofrer algum tipo de

represália por parte do familiar agressor se vierem a esboçar algum tipo de reação:

Considerado “ranzinza, caduco, esclerosado, inválido, improdutivo”, o idoso sofre abusos que vão se consumando através do descuido, da omissão, das ofensas, sejam elas funcionais ou físicas, bem como através da posição de abandonado que o mesmo enfrenta na sociedade. Ademais, não tenhamos dúvida de que o problema da violência doméstica contra os idosos é um tema de grande complexidade para ser investigado, e contém aspectos importantes, como as condições de vida dos familiares, os aspectos sociais e os valores e princípios morais construídos ao longo da vida, sem contar que o problema fere a dignidade das vítimas, bem maior da existência de toda a vida. (PEREIRA, 2012, p. 01)

O estigma criado pela sociedade de que todo ser humano em idade

avançada é inútil acaba gerando um conflito de gerações. Os mais novos criam o

conceito de que a velhice é o fim da linha para o ser humano para o imaginário da

maioria das pessoas, sendo o idoso estigmatizado, como aquele que sempre

apresenta problemas de saúde e dificuldades de se locomover.

Embora seu corpo apresente limitações físicas, a pessoa idosa tem

sentimentos, vontades, emoções e o desejo de viver. O respeito a essas pessoas

deve ser todos os dias reiterado e afirmado pelo restante da população.

4.2 VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO NO BRASIL: UMA REALIDADE A SER

REVELADA

O aumento significativo das agressões sofridas pelo maior de 60 anos

detectada em vários lugares e camadas sociais em todo o mundo chamou a atenção

das autoridades mundiais para debater e instituir políticas voltadas a combater tais

atos. Sabe-se que a violência contra a população idosa é problema universal não

específico de algumas nações ou classes sociais menos favorecidas.

Os primeiros estudos sobre a violência doméstica contra o idoso são

recentes, vindo a sociedade científica a tomar conhecimento dos casos em 1975,

quando foi descrito pelos estudiosos da época num artigo denominado

Espancamento de avós. No Brasil, o descaso só veio ser publicizado nos idos de

1990, por meio de estudos da saúde pública dos idosos realizados pelo Ministério da

Saúde.

Preocupada com os constantes casos de violência, a Organização das

Nações Unidas realizou, em abril de 2002, em Madri, a Conferência Mundial do

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Envelhecimento, em tema da qual foi aprovado o Plano Internacional sobre o

Envelhecimento. O Plano tratou da proteção e aplicação da Declaração Universal

dos Direitos Humanos a esse segmento da sociedade que é tão frágil e desprovido

de respeito.

A Organização também realizou uma pesquisa com a finalidade de

desvendar e analisar a real situação vivida pelo idoso quando o assunto é o mau-

trato, e em especial, a agressão física:

Em uma análise inicial, constatou-se que as vítimas preferenciais são as mulheres idosas em razão da histórica marginalização a qual este gênero está submetido. Quando vítimas de maus-tratos praticados pelos familiares, os idosos, e mais especialmente as idosas, em virtude de sua fragilidade física e emocional, temem denunciar os seus agressores por medo de sofrer represálias e também em virtude de, muitas vezes, alimentarem sentimento de afeto em relação aos seus algozes. (BRASIL, 2005, p. 09).

A vítima do gênero feminino, pela sua afetividade como mãe e, mais ainda, como

avó, tende, sempre que possível, fazer com que a agressão sofrida seja minimizada a fim

de manter os laços de afinidade familiar com o agressor, que muitas vezes é o filho ou o

neto, muito embora ocorram casos em que a nora também pratica o ato lesivo. "As

violências cometidas contra este segmento populacional estão presentes, na maior

parte, nas pessoas com faixa etária de 60 a 69 anos” (MINAYO, 2003, p. 14).

No Brasil, os abusos e maus-tratos são dos mais variados tipos, se

caracterizando como abandono, agressão física, negligência, coação, apropriação

de seus recursos financeiros, e tantos outros que são denunciados todos os dias. A

maior parte dessas transgressões ocorre dentro do próprio lar da vítima, onde quase

sempre são perpetrados por um familiar.

Quinze anos após a promulgação da lei de Política Nacional do Idoso e sete

anos da publicação da entrada em vigor do Estatuto do Idoso, o país não consegue

eliminar o problema do desrespeito a seus cidadãos de idade avançada, senão

vejamos:

Só no ano de 2010 as violências e os acidentes registrados contra o idoso chegaram à marca de 3,5% resultando na morte dessas pessoas. Para se ter uma ideia da real situação vivida, a cada dez minutos um idoso é vítima da violência no Brasil. Morrem mais de 13 mil idosos por acidentes e violências por ano, significando, por dia, uma média de 35 óbitos, dos quais 66% são de homens e 34%, de mulheres. Cerca de 10% dos idosos que morrem por violência são vítimas de homicídios, sendo que na maioria dos casos, são homens. Estudos parciais feitos no País mostram que a maioria das queixas dos idosos é contra filhos, netos ou cônjuges e outros 7% se referem a outros parentes. (ARIEDE, 2012, p. 01)

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As denúncias enfatizam abusos econômicos, em primeiro lugar, a exemplo

das tentativas como tentativas de apropriação dos bens do idoso ou abandono

material cometido contra ele. Em segundo lugar, agressões físicas e, em terceiro,

recusa dos familiares em dar-lhes proteção. A maioria das violências físicas

cometidas pelos filhos está associada ao despreparo psíquico e emocional de

cuidar dessas pessoas que requerem atenção redobrada.

Na Paraíba, a Promotoria de Justiça dos Direitos do Cidadão de João Pessoa registrou mais de 500 casos de violência contra os idosos no ano de 2011, o equivalente a mais de 40 vítimas por mês. 85% desses casos são sobre maus-tratos. Neste ano, já foram registrados 11 casos. Em um ano e sete meses de funcionamento, a Delegacia dos Idosos já registrou 279 processos de abusos e efetuou mais de 10 resgates. A Paraíba é o 6º Estado brasileiro com maior proporção de idosos, 437 mil idosos, o equivalente a 11,4% de sua população, de acordo com dados de 2009 do IBGE. (OLIVEIRA, 2010, p. 04)

Diante deste quadro, a ausência de políticas sociais direcionadas aos idosos

em situação de risco traduz-se na própria negação dos direitos fundamentais da

pessoa humana, os quais a República Federativa do Brasil possui obrigação

constitucional e moral de proteção, tanto mais quando se tem em vista os tratados

internacionais dos quais é signatária.

5 O MINISTÉRIO PÚBLICO E O SEU PAPEL DE CURADOR-PROTETOR

O aumento da população idosa traz consigo grandes transformações na

sociedade e, principalmente, para o Estado, já que este deve proporcionar toda uma

rede de proteção, benefícios e garantias para uma melhor qualidade de vida a seus

cidadãos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012), o número

de idosos poderá chegar à marca de 32 milhões em 2025, gerando uma significativa

mudança no perfil da população brasileira.

Uma das formas do Estado intervir diretamente como protetor é através do

Ministério Público. Segundo o Estatuto do Idoso, nos artigos 72 a 77, cabe ao

Ministério Público:

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Instaurar, inquérito civil, e ação civil pública, promover e acompanhar as ações de alimentos e interdição total ou parcial, promover revogação de instrumento procuratório; instaurar procedimentos administrativos: expedir notificações, solicitar diligências, requisitar documentos, dentre outras, também fiscalizar entidades de atendimento a Pessoa Idosa. (BRASIL, 2011, p. 30 - 31).

O Ministério Público, no uso de suas atribuições, atua na defesa

intransigente dos direitos dos idosos, em casos individuais e coletivos, buscando

uma sociedade mais justa e humana.

As funções conferidas ao Ministério Público para a defesa dos direitos e

garantias constitucionais do idoso, por meio de medidas administrativas e judiciais,

estão elencadas no artigo 129 da Constituição da República, na Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público (Lei n.º 8.625/1993), assim como na Lei Orgânica do

Ministério Público da Paraíba (Lei Complementar Estadual n.º 97/2010).

Atualmente, o Ministério Público do Estado da Paraíba conta com um Centro

de Apoio Operacional da Cidadania e Direitos Fundamentais. Este Centro atua por

todo o Estado, fiscalizando as instituições de longa permanência, realizando

palestras, e fiscalizando políticas voltadas para o tema violência física e maus-tratos

contra os idosos. Na capital, o Ministério Público está realizando um levantamento

da população idosa que vive atualmente nas instituições de longa permanência: este

levantamento irá possibilitar traçar o perfil dessas pessoas e exigir das instituições o

cumprimento das normas do Estatuto do Idoso e de Resoluções da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária, com o intuito de garantir o cumprimento das

garantias asseguradas na legislação em vigor:

Os Conselhos dos Idosos convocam ordinariamente, a Conferência do Idoso, nas respectivas Unidades da Federação. A realização dessas conferências deverá obedecer a uma sistemática, na qual, as Conferências Municipais encaminham propostas e recomendações para as Conferências Estaduais e estas para a Conferência Nacional, que se realizará em Brasília com a participação de delegados de todos os Estados. (LIRA, 2012, p. 02).

Observa-se que o Ministério Público atua como parceiro da sociedade, da

família e de todos os entes da federação no combate à violência de todo gênero

contra os idosos.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que o envelhecimento é um problema que ultrapassa os

espaços individuais, sendo considerado um fenômeno social que requer atuação

positiva do Estado e de suas Instituições. O presente artigo constituiu-se num

trabalho desenvolvido com o intuito de observar a situação vivida pelo idoso no

Brasil. Constatou-se através de estudos e pesquisas que cada vez mais o cidadão

em idade avançada sofre violações de seus direitos mais básicos como a dignidade,

integridade física e o direito a vida, sendo vítimas de abandono, agressão física,

negligência, coação, apropriação de seus recursos financeiros ocorrendo de forma

simultânea à violência psicológica. É preciso ressaltar que a Constituição e o

Estatuto do Idoso conferiram um avanço na conquista dos Direitos dos idosos, com

fim destinado a concretizar o princípio fundamental da dignidade humana.

No decorrer da pesquisa foi possível perceber que embora o Estado tenha

instituído leis de proteção a essa parcela da sociedade, as atuações concretas e

afirmativas têm caminhado a passos lentos. Ver-se ainda de forma muito tímida as

políticas que assegurem o bem estar do idoso e que esclareçam a sociedade o mal

que na grande maioria é acobertado pelos familiares da vítima.

Apesar das previsões legislativas e de tratados internacionais que versem

sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, não se tem tido uma

diminuição dos casos de desrespeito ao cidadão de idade avançada, a imagem que

transparece nas vítimas e nas pessoas que denunciam é de uma total impunidade.

Há também de se levar em conta que não são todos os municípios do país que

estão prontos para lidar com os casos já que falta apoio físico e pessoal como

Conselhos dos Idosos e Delegacias especializadas.

Diante de todo o exposto, o combate a esse tipo de violência e a proteção

eficaz dos direitos dos idosos é um dos grandes problemas a ser solucionados pelo

Estado. Para tanto, é necessário que os governantes atentem que a população

envelhece a cada ano, aumentando ainda mais a sobrecarga na saúde e

previdência social. O Estado precisa desenvolver e disponibilizar às pessoas

envelhecidas toda uma rede de serviços capaz de assegurar os seus direitos

básicos, como, por exemplo, saúde, transporte, lazer, ausência de violência, tanto

no espaço familiar como no espaço público e “tutti quanti”. Porém, as soluções não

são simples, nem mágicas, sendo necessária uma participação de todos os órgãos

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governamentais na elaboração e implementação de planos e políticas públicas, algo

fundamental para a prevenção da violência e a preservação e o respeito aos

direitos dos idosos.

VIOLENCE AND ABUSE AGAINST THE ELDERLY: AN ANALYSIS UNDER THE

LEGAL POINT OF VIEW

ABSTRACT

Our times are experiencing a period of great medical advances and better quality of life, which, in turn, increases the life expectancy of human beings, and translates into a significant increase in the population over 60. Insofar, as the population grows older, problems relating to negligence and aggression against this portion of society are also increasing. Although they have been awarded the Elderly Statute Law 10.741/03 further reinforcing the protection of their dignity and their fundamental rights, it is not uncommon to know that the elderly citizen is abused almost every day. The best known cases are those of physical aggression, but the elderly may also suffer violations of abandonment, neglect, misappropriation of their financial resources, among others. In this sense, the article aims to analyze and investigate the forms of aggression against the elderly, and the consequences arising from such acts. Furthermore, it discusses the means used by the State in combating violence and punishment for those who violate these precepts. Thus, the study is characterized as being a bibliographical and documentary research with qualitative approach. The results showed that despite the existence of laws that ensure the welfare of the elderly can not speak the same of their execution, because there is a significant increase in rates of violence against the elderly, such as the absence of social policies directed at those risk. This context is reflected in the very denial of fundamental human rights, which the Federative Republic of Brazil has a constitutional obligation and moral protection, especially when taking into consideration the international treaties to which Brazil subscribed.

Key - words: Aged. Maltreatment. Statute. Violence.

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