ferrari 2011 - metáforas e metonímias

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Copyright \O 20 Ii da Autora Todos os direitos desta edição reservados à Edirora Conrcxro (Edirora Pinsky Leda.) Montllgnn Ik capa, tliagmmllpl0 Gusravo S. Vilas Boas Ptrpll"'fão Ik text« Maiara Gouveia RrIIis4/J.. Rinaldo Mii~i Dado. Internacionais de Calaiog:t->io na Publiaç10 (eIP) (Oman Brasileira do Livro. SP. Brasil) Femri. Lilian Introduçio à lingulstica cogniúva I Lilian Femri. - São Paulo: Contexto. 20 n. Bibliografia. ISBN 978·85·7244-657-0 I. Cogniçio 2. LinguIstica cogniúva I. TItulo. ll-07296 CDD-415 {ndice para c:adlogo sistem.lcico: 1. Lingulscic:acogniciva 415 EDITOU CONTIIXTO Diretor editorial: Jaime Pitult] Rua Dr. JO$<! Elias. 520 - Alto da Lapa 05083-03Q - São Paulo - s P 'ABlC (I 1) 3832 5838 [email protected] www.cditoracontexto.com.br I I I I I r\~R1\AR \ I Li tl~n . "1:",+roduc;ão à Li ("\5 V ís h <M (03'" i t-; vo . 20--1 -\ •. Metáforas e metonímias Um dos traços que diferencia a Linguística Cognitiva de outras aborda- gens é a importância atribuída aos processos de metáfora e metonimia. Com o objetivo de detalhar essa nova perspectiva em relação às chamadas figuras de linguagem, este capitulo busca traçar um panorama das principais contri- buições referentes ao assunto, não apenas reconhecido como um dos pilares fundamentais da área, mas também responsável por repercussões interessantes nas Ciências Cognitivas e Sociais, de um modo geral, e em disciplinas vizinhas, como a Psicologia Cognitiva e a Antropologia. Metáforas da vida cotidiana Tradicionalmente considerada uma forma especial de discurso, caracte- rística da linguagem literária, a metáfora passou a ser tratada como processo fundamental no uso cotidiano da linguagem. A Teoria da Metáfora Conceptual tem como marco inicial o livro Metaphors we live by, de Lakoff e Johnson (1980). Nesse trabalho, os autores fornecem uma série de evidências do ca- ráter rotineiro de processos metafóricos, não apenas na linguagem, mas no pensamento e na ação: "Nosso sistema conceptual ordinário, em termos do qual pensamos e agimos, é basicamente de natureza metafórica" (1980: 3). A metáfora está relacionada à noção de perspectiva, na medida em que diferentes modos de conceber fenômenos particulares estão associados a di- fcrentes metáforas. Por exemplo, podemos falar metaforicamente do conceito de AFETO em termos de: (a) temperatura (O diretor é uma pessoa fria; ElaJoi recebida calorosa- mente nafesta) (b) distância espacial (Eu me sinto bem próxima do meu irmão; Eu acho o jeito dela distante; Ele é bastante inacessível)

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Do livro FERRARI, L. Introdução à Linguística Cognitiva. São Paulo: Contexto, 2011.

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  • Copyright \O 20 Ii da Autora

    Todos os direitos desta edio reservados Edirora Conrcxro (Edirora Pinsky Leda.)

    Montllgnn Ik capa, tliagmmllpl0Gusravo S. Vilas Boas

    Ptrpll"'fo Ik textMaiara Gouveia

    RrIIis4/J..

    Rinaldo Mii~i

    Dado. Internacionais de Calaiog:t->io na Publia10 (eIP)(Oman Brasileira do Livro. SP. Brasil)

    Femri. LilianIntroduio lingulstica cogniva I Lilian Femri. - So Paulo:

    Contexto. 20n.

    Bibliografia.ISBN 978857244-657-0

    I. Cogniio 2. LinguIstica cogniva I. TItulo.

    ll-07296 CDD-415

    {ndice para c:adlogo sistem.lcico:1. Lingulscic:acogniciva 415

    EDITOU CONTIIXTODiretor editorial: Jaime Pitult]

    Rua Dr. JO$'ABlC (I 1) 3832 [email protected]

    www.cditoracontexto.com.br

    IIII

    I

    r\~R1\AR \ I Li tl~n . "1:",+roduc;o Li("\5 V s h

  • 92 Introdu60 Unguistlca Cognhlva

    Do mesmo modo, uma DISCUSSO pode ser caracterizada como:

    (a) um prdio (Isso sustenta o que eu estou dizendo; Seu argumentodesmoronou)

    (b) uma jornada (Aonde voc quer chegar?; Isso me leva prximaconcluso; Esse argumento nos leva mais adiante)

    Compreender um raciocnio tambm pode ser concebido corno "se-.guir algum": (Eu no consigo acompanhar seus argumentos; :Aqueladiscusso me deixou perdida). Ou'ma guerra: (Seus argumentos so in-defensveis; Ele atacou todos os pontos fracos do meu argumento; Sua'crtica foi direto ao alvo; Eu destru o argumento dele; Eu nunca venci umadiscusso com ele).

    Como ilustram os exemplos, a metfora , essencialmente, um meca-nismo que envolve a conceptualizao de um domnio de experincia emtermos de outro. Sendo assim, para cada metfora, possvel identificar umdomnio-fonte e um domnio-alvo. O domnio-fonte envolve propriedadesfisicas e reas relativamente concretas da experincia, enquanto o domnio-alvo tende a ser mais abstrato. Em exemplos como "Ele tem alta reputaona empresa"; "Ele despontou como o ator revelao este ano"; "Joo tem umcargo relativamente baixo", o domnio-fonte a dimenso vertical do espao.fisico, e o domnio-alvo o status social.

    Metforas de tempoOutra metfora bastante recorrente a que nos permite conceber TEMPO

    em termos de ESPAO ou de MOVIMENTO atravs do espao.Nesses casos, h duas perspectivas possveis: otempo concebido como

    um local para onde o EGO se dirige ou como entidade que se desloca no espaoem direo ao EGO. Observemos:

    I) Tempo como local(70) J estamos perto do Natal.(71) Ele chegou em cima da hora.(72) Daqui para frente o curso vai ficar mais dificil.(73) Estamos nos aproximando da minha estao do ano favorita.

    Metforas e metonimlaa 93

    lI) Tempo como entidade(74) O Natal est chegando.(75) O tempo voa.(76) O ano est passando muito rpido.(77) O tempo no para.

    O fato de que, em uma mesma lngua o tempo possa ser concebido deduas formas diferentes confirma o carter metafrico de sua conceptualizao.Como no podemos acess-lo diretamente por meio de nossos sentidos (viso,audio, olfato etc.), recorremos ao conhecimento de base experiencial relativoao espao e o projetamos para o domnio abstrato de tempo.

    No caso da concepo do tempo como um local para onde o EGO se dirige, interessante notar que h variao interlingustica. Em pesquisa recentemen-te publicada sob o ttulo "With the future behind them" I,Nez e Sweetser(2006) demonstraram que em aymara, lngua indgena falada nos Alpes andi-nos,' diferentemente do que acontece na grande maioria das lnguas, o futuro

    - concebido como um local atrs do EGO, enquanto o passado representadocomo um local frente do EGO.

    Observemos os seguintesexeroplos, em que o item polissmico nayra(olho/viso/frente) usado em expresses que indicam tempo passado:

    (78) nayra marafrente ano"ano passado"

    (79) ancha nayra pacha-namuito frente tempo-em"muito tempo atrs"

    Por outro lado, o item qhipuru (costas/atrs) integra expresses que in-dicam tempo futuro, conforme os exemplos:

    (80) qhipruqhipa urucostas/atrs dia"um dia futuro"

  • 94 Introdll1j60 Ungulstlca Cognltlva

    (81) akata qhiparuaka -ta qhipa urueste de atrs dia"daqui para frente"

    Nez e Sweetser (2006) ressaltam que a maior parte das lnguas privile-gia as correlaes metafricas entre passado/atrs e futuro/frente por concebero EGOem deslocamento por um caminho. Assim, o lugar por onde o EGOjpassou CONHECIDO;o lugar por onde o EGOainda vai passar DESCONHECIDO.OS falantes de aymara privilegiam uma concepo esttica, em que o que CONHECIDOest no campo visual do EOOe o que DESCONHECIDOest fora doseu campo visual. Assim, o passado estaria frente; o futuro estaria atrs.

    Apesar da conceptualizao do tempo como espao ter sido observadaem todas as lnguas descritas at o momento, existem metforas que relacio-nam o conceito abstrato de tempo a outros domnios da experincia, caso deTEMPO DINHEIRO:

    (82) Estou perdendo meu tempo.(83) Essa mquina vai fazer voc poupar tempo.(84) Como voc gasta seu tempo?

    Esses enunciados ilustram, mais uma vez, que a essncia da metfora experienciar uma coisa em termos de outra.

    Em suma, a linguagem usada para falar de conceitos abstratos como oTEMPOno potica, retrica ou rebuscada. Falamos dessa forma porque conce-bemos os eventos temporais como projees de reas relativamente concretasde nossa experincia fsica, de base sensrio-motora,

    Metfora do condutoOutro caso clssico de como um conceito metafrico pode estar associado

    nossa experincia observado no que Michael Reddy (1979) denominou"metfora do conduto" (conduit metaphor). Reddy observou que a linguagemutilizada para retratar a comunicao verbal estruturada, em linhas gerais,pelas seguintes metforas:

    IDEIAS (OU SIGNIFICADOS) SO OBJETOSEXPRESSES LINGUSTICAS SO RECIPIENTESCOMUNICAR ENVIAR

    , '.

    Metforas e metonimlas 95

    Segundo anlise detalhada do ingls estabelecida por Reddy, 70% dasexpresses utilizadas para falar da comunicao verbal so exemplos de me-tfora do conduto. Em portugus, encontramos situao semelhante. Vejamos:

    (85) difcil passar aquela ideia para ela.(86) Eu dei aquela ideia a voc.(87) dificil colocar minhas ideias em palavras.(88) Voc no pode sair colocando ideias no papel de qualquer maneira.(89) Suas palavras parecem vazias.

    Os exemplos ilustram o fato de que concebemos o falante como aqueleque coloca objetos (ideias) dentro de recipientes (palavras) e as envia (atravsde um conduto) para o interlocutor, que, por sua vez, deve retirar esses objetos(ideias) dos recipientes (palavras) para chegar interpretao da sentena.

    Sistemas metafricos

    As metforas conceptuais podem interagir, gerando sistemas metafricos.complexos. Lakoff (1993) descreve um tipo particular de sistema metafricoque 'denomina "metfora de estrutura de evento". Trata-se, na verdade, deuma srie de metforas que interagem para que se chegue interpretao deoutra metfora, mais geral. A metfora VIDAVIAGEMpode ser composta pelosseguintes sistemas metafricos:

    ESTADOS SO LOCAIS(90) Ele 'chegou a um beco sem salda na vida.

    MUDANA MOVIMENTO(91) Ele fot dos quarenta aos cinquenta, sem nenhuma crise de meia-idade.

    CAUSAS SO FORAS(92) Ele teve impulso da famlia para se posicionar bem na vida.

    METAS SO DESTINOS(93) Ele vai chegar aonde quiser na vida.

    MEIOS SO CAMINHOS(94) Ele seguiu um caminho pouco convencional na vida. 3

  • 96 Introd~ Ungulatlca Cognltlva

    DIFICULDADES SO IMPEDIMENTOS AO MOVIMENTO(95) Vrios tipos de problema atravessaram seu caminho.

    ATIVIDADES COM PROPSITO SO JORNADAS(96) Sua vida foi uma jornada bastante estranha.

    Os exemplos ilustram projees metafricas que tm VIDAcomodomnio-alvo, e VIAGEMcomo domnio-fonte. OSEVENTOSa compor essa met-fora so eventos da vida, enquanto PROPSITOSso objetivos de vida. Entr~tanto,se VIDA VIAGEM uma metfora de.,.estrutura de evento, reflete projeescompostas por uma gama de metforas relacionadas e mutuamente coerentes.Os exemplos (90) a (96) herdam a estrutura dessas metforas especficas nombito do complexo metafrico de estrutura de evento. . .

    Vale notar que, de forma anloga, as metforas DISCUSSOVIAGEM,AMORVIAGEMeCARREIRAVIAGEMtambm se apoiam em estruturas de evento complexas.

    PersonificaoOutro tipo de correspondncia metafrica que tem merecido aten~o dos

    estudiosos a chamada Personificao. Ao analisar vrios poemas em inglssobre a morte Lakoff e Tumer (1989) concluram que o evento costuma serpersonificado 'de vrias formas: condutores, cocheiros, ceifadores, dev~rado-res, destruidores ou oponentes em luta ou jogo (por exemplo, cavaleiro ouoponente no jogo de xadrez). , . .

    Os autores estabeleceram, ainda, a hiptese de que a metfora .geralEVENTOSSOAES combinada a outras metforas inde~ndentes para vidae morte. Na metfora MORTE VlSITA,visita concebida como um evento emfuno da ao de um agente que chega para visitar algum. Assim, pode-se tera personificao da morte como um visitante, como ocorre no famoso poema"Consoada", de Manuel Bandeira:

    (97) Quando a Indesejada das gentes chegar(No sei se dura ou carovel),Talvez eu tenha medo.Talvez sorria, ou diga:- Al, iniludvel!O meu dia foi bom, pode a noite descer.

    Metfonu metonlmlaa 97

    (A noite com seus sortilgios.)Encontrar lavrado o campo, a casa limpa.A mesa posta,Com cada coisa em seu lugar.

    interessante notar que, embora o conceito de MORTEpossa ser perso-nificado de vrias formas, assumindo traos humanos de intencionalidade evolio, as qualidades selecionadas so restritas: a MORTEpode "devorar", "des-truir", "ceifar", mas no "ensinar" ou "sentar". Para dar conta dessa restrio,Lakoff e Turner (1989) propuseram o Principio da Invarincia, que garantea invarincia do esquema imagtico no processo de projeo entre domnios.A estrutura do domnio-fonte precisa ser preservada pela projeo, de modoconsistente com o domnio-alvo.

    O Princpio da Invarincia tambm prediz que as inferncias metafricas'incompatveis com o domnio-alvo no sero projetadas. Consideremos ametfora CAUSAO TRANSFERNCIA(DEOBJETO),ilustrada a seguir:

    (98) Ela est dando dor de cabea a ele. (ESTADO)(99) Ela deu um beijo nele. (EVENTO)

    Em ambos os exemplos, o domnio-fonte a TRANSFERNCIAFSICAacarretando a inferncia de que o recipiente toma posse da entidade transferida(o estado "dor de cabea" e o evento "beijo"). Entretanto, essa inferncia sse mantm quando o domnio-alvo um ESTADO,que temporalmente nodelimitado, mas soa menos natural no caso de EVENTO,cuja temporalidade delimitada, conforme ilustrado a seguir:

    '(I00) O processo deu, e continua dando, dor de cabea a ele.(101) Ela deu, e continua dando, um beijo nele.

    Em suma, a metfora no apenas uma questo de palavras. Ao contrrio,metforas como expresses lingusticas so possveis precisamente porque hprojees metafricas no sistema conceptual humano. Nos termos de Lakoffe Johnson (1980), as metforas so analisadas como relaes estveis e siste-mticas entre dois domnios conceptuais. A estrutura conceptual e a linguagemdo domnio-fonte so usadas para retratar uma situao no domnio-alvo. Aprojeo entre domnios considerada estrutura de conhecimento armazenadana memria de longo prazo. ~

  • 98 Introdu60 Ungu'-tlca Cognltlva

    A unidirecionalidade da metforaAo propor a Teoria da Metfora Conceptual, os estudiosos observaram

    que as metforas estabelecem correspondncias entre um domnio-fonte e umdomnio-alvo, mas no o contrrio. Isso significa que uma das propriedades doprocesso a unidirecionalidade. Podemos conceptualizar o tempo em termosde espao, mas no o oposto.

    Em relao motivao para o estabelecimento de um domnio comofonte ou alvo, a proposta inicial estabelecia que o domnio-fonte tendia aser mais concreto e mais "apreensvel", enquanto o domnio-alvo seria maisabstrato e, portanto, mais dificil de compreender e retratar linguisticamente.

    Dentro dessa perspectiva, Kvecses (2002) props que os domnios-fontemais comuns so CORPOHUMANO(o corao da cidade), ANIMAL(o leo doimposto de renda), PLANTA(a raiz do problema), COMIDA(cozinhar o assunto)e FORA(empurrar a crise para depois). Por outro lado, os domnios-alvo maisfrequentes so EMoO(ser equilibrado), MORALIDADE(resistir tentao),PENSAMENTO(ver a lgica do argumento), RELAESHUMANAS(ter um casamentoslido) e TEMPO(gastar o tempo).

    A intuio de que conceitos mais abstratos "reclamam" conceptualizaometafrica resulta da observao do carter mais difuso desses conceitos, osquais carecem de delineao mais precisa. Assim, a metfora permitiria queum tipo de estrutura mais concreta e bem definida do domnio-fonte .fosseprojetada para o domnio-alvo, estruturando-o.

    Metforas e esquemas imagticosA Teoria da Metfora Conceptual explorou, ainda, a ideia de que deter-

    minados conceitos derivam de esquemas imagticos (Lakoff, 1987, 1990),argumentando que tais esquemas podem servir de domnio-fonte para acorrespondncia metafrica. Na metfora ESTADOSsOLOCAIS,o domnio-fonteLOCALpode ser concebido como REGIODELIMITADANOESPAO,como ilustramos seguintes exemplos:

    (102) Ele est em depresso desde o incio do ano.(103) Ela ficou nas nuvens com o prmio.(104) O paciente entrou em coma.

    Metforas e metonlmlas 99

    Os esquemas imagticos so estrutura d nheci::~:::;~;~:::~~~~::~=t~:~;~~;:=~f~~;::'~;:i:~~:~impedimento ao movi ORA,por exemplo, surge da experincia deprosseguir N ovm~elnto!porq~e uma fora resiste nossa tentativa de

    . os exemp os antenores o " .DELIMITADAestrutura o conceito abstrat~ de ::;uema :magetJco de REG/? o esquema imagtico OBJETOque estrutura o C~r:i:: a~~~:t:7eI~v:~~~lr

    (105) As coisas esto bem, agora.

    O sintagma "as coisas" indi fi .Em linh . . ca,meta oncamente,acontecimentosespecficosdnci I as rnars gerais, a teoria contempornea da metfora fornece evi .encias para o ~atamento sistemtico dos seguintes fenmenos' 1-

    (a) g~ne.ralJzaes sobre polissemia, envolvendo o uso de ~alslgluficados relacionados avras com

    (b) generalizaes nas quais padres de inf A , . lerencla atuantes em um dofilmo so transferidos para outros -(c) generalizaes envolvendo linguagem metafrica nova

    N ,.as prximas subsees, esses fenmenos sero discutidos e-exemplificados.

    Metfora e polissemia

    Uma das projees detalhadamente discutidas por Lakoff J hn(1980) a metfora AMOR N' e O sonVIAGEMabrange os seguintes :;:~~s:essa metfora, o domnio experienciaI

    (i) Dois VIAJA."lTESesto dentro de um VEicULOVIAJANDO, ,PARA UMMESMO~OCAL.OVEICULOencontra um IMPEDIMENTOe fica parado S .Jantes nada fizerem, no CHEGARoAOSSEUSDESTINOS. . e os via-

    !:~i~:~~~~;~:~:n~::~e:t~~~~~~sa~~~ac::s~~~~~g~a~:t!~::,P::;

  • 100 IntrocI\Hj60 Ungulstlca Cognltlva

    (i') Dois AMANTES esto dentro de um RELACIONAMENTO AMOROSO,ALMEJANDO OBJETIVOS DE VIDA COMUNS. O RELACIONAMENTO encontraDIFICULDADES, que podem torn-lo INVIVEL.

    o tratamento da metfora em termos de projeo entre domnios explicapor que vrias construes diferentes podem expressar a mesma metfora,como o caso dos exemplos a seguir:

    (106) O relacionamento chegou a um beco sem sada.(107) Ela pretende voltar para o ex-namorado.(108) O casamento deles est beira de um precipcio.

    Se a metfora fosse uma questo de linguagem, e no de pensamento craciocnio, os exemplos anteriores representariam metforas diferentes, o queno acontece. A mesma metfora AMOR VIAGEM est refletida em diferentesexpresses metafricas.

    As metforas conceptuais, por sua vez, do lugar a uma srie de gene-ralizaes polissmicas. As expresses "beco sem sada", "voltar" e " beirade um precipcio" tanto podem se referir ao domnio experiencial bsico deviagem quanto ao domnio abstrato do relacionamento amoroso.

    De forma ainda mais sistemtica, fato que a metfora est na base deuma srie de verbos polissmicos. Tomemos o verbo "virar". O significadobsico envolve a ideia de mudana e, mais especificamente, de rotao deuma entidade sobre o prprio eixo, como em "A canoa virou" e "O cozinheirovirou a panqueca".

    Entretanto, um outro uso possvel o que vemos em "Ocorro virou na Ruado Ouvidor",Nesse caso, h uma entidade que percorre uma trajetria; em certoponto, empreende uma mudana de orientao e, consequentemente, de direo.

    Em funo de uma projeo metafrica entre mudana de orientaoe mudana de estado, o verbo "virar" pode indicar uma mudanaflsica ("Oprncipe virou sapo", "A gua virou vinho").

    Por fim, as fases importantes da vida podem ser conceptualizadas comopontos em que os indivduos fazem uma mudana de direo, motivando o usode ''virar'' ("Quando voc virar adulto, vai entender o que estou/alando").

    H aqui uma ntegrao entre elementos cognitivos e socioculturais - ametfora da vida como uma viagem, a noo cultural de fases diferentes davida e a noo de transio temporal como transio espacial.

    Metforoa e metonimla. 101

    Padres inferenciais

    ,E~ relao metfora AMOR VIAGEM, pode-se dizer que a ontologia dodoml~IO VIAG.EM permite uma srie de processos inferenciais. Dada a situaodescnta em (I), as alternativas para ao so as seguintes:

    - os viajantes podem tentar fazer o veculo andar novamente, consertando-oou superando o impedimento que o bloqueou.

    - o~ viajantes podem permanecer no veculo e desistir de prosseguirviagem.

    - os viajantes podem abandonar o veculo.Do mesmo modo, essas inferncias podem ser projetadas para o

    domnio-alvo, de modo que as seguintes alternativas se associam ao amor:- os amantes podem .tentar fazer a relao funcionar de novo, reformu-. lando-a ou superando as dificuldades.- os amantes podem permanecer no relacionamento disfuncional desis-

    tindo de atingir seus objetivos de vida. '- .os amantes podem abandonar o relacionamento.

    Essas alternativas demonstram que os padres inferenciais so projetadosde um domnio para o outro. Na verdade, so essas projees que permitema aplicao do conhecimento sobre viagem aos relacionamentos amorosos.

    Extenses novas de metforas convencionais

    O fato de que a metfora AMOR VIAGEM seja parte integrante de nosso sis-tema conceptual explica por que usos novos e criativos dessa projeo possamser compreendidos sem esforo. Tomemos o seguinte trecho da msica "Meubem, meu mal", de Caetano Veloso:

    . (1.09) Voc meu caminho/meu vinho, meu vcio/desde o incio, estava voc/meu blsamo benigno/meu signo, meu guru/porto seguro onde eu vou ter.

  • 102 "modu~o Unguiatlca Cognltlva

    As expresses em itlico representam a pessoa amada simultaneamentecomo caminho, ponto de partida e ponto de chegada da "viagem" ~morosa.

    Outras metforas que partem do domnio-fonte VIAGEMtm sido usadascriativamente, como o caso do famoso poema "No meio do caminho", deCarlos Drummond de Andrade:

    (110) No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha.uma pedra

    A metfora VIDA VLAGEMpermite que as expresses "no meio do ca-minho" e "tinha uma pedra" ativem a interpretao de que o poeta alude ssituaes adversas que fazem parte da experincia de viver. Esquematicamente, possvel estabelecer as seguintes projees entre o domnio-fonte (VIAGEM)e o domnio-alvo (VIDA):l

    (111) Caminho ~ vidaMeio do caminho ~ perodo da vidaPedra ~ obstculo

    interessante notar que as projees metafricas no devem ser conce-bidas como algoritmos que produzem outputs no domnio-alvo. Na verdade,cada projeo define potencialmente um conjunto aberto de corresp~nd~nciasa partir de padres inferenciais compatveis com contextos comumcatlV.os e

    socioculturais especficos.

    MetonmiasAmetonmia tradicionalmente definida como deslocamento de signifi-

    cado, no qual uma palavra normalmente utilizada para designw: determinadaentidade passa a designar uma entidade contgua (Ullmann, 1957; Lakoff eJobnson, 1980; Taylor, 2003). Tal como no caso da metfora, os estudos emsemntica cognitiva argumentam que a metonimia no um fenmen~ pura-mente linguistico, mas ocupa lugar central em nossos processos CO~ltIVOS.

    A contiguidade, por sua vez, estabelecida em termos de asso~la~O naexperincia. Lakoff e Tumer (1989) sugerem que a projeo met~mml~a ~n-volve s6 um domnio, ao contrrio da metfora, que se d entre dois domnios.Consideremos os seguintes exemplos, tpicos de metonimia:

    Metforaa e metonlmlCll 103

    (112) Proust dificil de ler.(113) O Globo superou o Jornal do Brasil em termos de mercado.

    No exemplo (112), o uso metonmico de Proust refere-se aos livros es-critos pelo autor; enquanto o exemplo (113) recorre s expresses O Globo eJornal do Brasil para designar metonimicamente as empresas responsveispor ambos os jornais.

    Contribuies posteriores a Lakoff e Turner (1989) propem o envolvi-mento de projeo entre domnios no processo metonimico, desde que estes secaracterizem como subdomnios de um mesmo domnio-matriz. Croft (1993)afirma que a metonmia promove o realce de um domnio especfico no mbitode um domnio-matriz complexo e abstrato, estruturado por um nico MCI.

    .A ~iferena entre metfora e metonmia, portanto, reside no fato de quea pnmeira envolve projeo entre dois domnios que no so parte de ummesmo domnio-matriz. Por exemplo, na sentena "Ela alto astral" no h~. domnio de [ORIENTAOESPACIAL]que faa parte da matriz [EMOO].Aideia de que FELIZ PARACIMAenvolve dois diferentes conceitos com a prpriaestrutura de evento subjacente. Por outro lado, a sentena "Este livro a hist-ria do Iraque" metonmica por relacionar o termo livro a algo que faz parte,secundariamente, do domnio-matriz LIVRO:o fato de que livros tm contedo.A metonmia, portanto, coloca em proeminncia a informao relevante dacaracterizao enciclopdica do domnio-matriz em um determinado contexto.

    Consideremos alguns exemplos de sndoque, fenmeno normalmente. tra~do como caso de metonmia, em que se toma a parte pelo todo:

    (114) H muitas mentes capazes na universidade.(115) Estou vendo vrias caras novas aqui hoje.

    Os itens mentes e caras destacam aspectos diferentes no domnio-matriz[PESSOA],pois cada parte do corpo associada a diferentes qualidades e com-portamentos humanos. A sindoque, na verdade, destaca no apenas a parte deum todo, mas a parte relevante para a predicao. Assim, o item mentes, em(114), coloca em proeminncia a inteligncia, enquanto a palavra caras,em (115), destaca as pessoas em si."

    Para explicar a escolha da expresso que funciona como "veculo" dameto~~mia, Kvecs~s e.Radden (1998) propuseram a atuao de princpioscognitvos e comunicativos que refletem nossa perspectiva antropocntricade privilegiar humanos e atividades relevantes para os humanos. Entre essesprincipios, destacamos:

  • 104 Int1'Odu60 Ungulstlca Cognltlva

    (i) HUMANO SOBRE NO HUMANO A(116) Senna chegou em primeiro lugar, em Monaco. (controlador

    pelo controlado)(117) Ela est lendo Clarice Lispector. (produtor pelo produto)

    (ii) CONCRETO SOBRE ABSTRATO(118) Ele o brao-direito da dona da empresa. (parte do corpo por

    ao = sentido de "ajudar, apoiar")(119) A carta o deixou com ~ n.na gargant~. ~arte ?,O corpo por

    emoo = sentido de "emocIonado, sensibilizado )(120) Eles no deram ouvido s advertncias. (p~e do corpo por

    percepo = sentido de "escutar: d~ aten~' ~ .' ,(121) Os nufragos queriam salvar a propna pele. (visvel por invisvel

    = sentido de "salvar a vida")

    Os exemplos em (i) e (ii) ilustram a ativao de dois co~~eitos relacio~ados: oque explicitamente mencionado (de al~ ~elevncia cogm~va~ e o que ~ ac~ssa-do implicitamente pela projeo metonrmca (de alta relevncia comunicativa).

    Metfora versusmetonmiaVrios estudos em te tm destacado o fato de que a meto~a temfuno

    referencial _ uma entidade substitui, ou identifica, outra entidade, com,o naescolha de Proust para identificar a obra de Proust. Em contraste, a metforatem sido apontada pelos estudiosos como um processo para enq~drar w.n:l~oparticular em termos de uma nova categoria ("Meu traba~h~ ~ uma prtsao ),ou analogia ("Meu chefe uma guia"). A metfora prototlplca apresenta oque se pode chamar de funo predicativa. .

    Propostas recentes, entretanto, argumentam que, em~~ra haja ca:'0s clarosde metfora e metonmia, no h sempre uma distino ntida o suficiente paraidentificar onde termina uma e comea outra (Evans, 2010; Barnd:n, 2010).Os estudiosos propem no s a existncia de continuidade entre lmgu~ge.mliteral e figurativa, mas tambm uma continuidade entre metfora e metonrma.

    MetaftonmiaO papel da metonmia to importante que alguns semanticistas c~egum

    mesmo a sugerir que o processo mais fundamental para o nosso Sistema

    Metforaa o motonlml... 105

    cognitivo do que a metfora (Barcelona, 2003; Taylor, 2003). H casos des-critos na literatura como metforas primrias, em que se verifica correlaoentre domnios da experincia (Grady, 1997a).

    fcil perceber a correlao entre ALTURA e QUANTrDADE: se colocarmosgua no copo, quanto mais alto estiver o nvel da gua, maior ser a quantidadedo lquido. Se essa correlao for aplicada a domnios mais abstratos, teremosmetforas primrias de origem metonmica, conforme o~ exemplos:

    (122) Os preos esto altos.(123) As aes baixaram mais do que deveriam.

    Embora de origem metonmica, as sentenas refletem uma correspondn-cia metafrica entre valor e quantidade. Em funo de exemplos desse tipo,a literatura cognitivista vem reconhecendo h algum tempo o processo demetaftonmia, resultante justamente da interao entre metfora e metonmia(Goossens, 1990).

    Para ilustrar a metaftonmia, observemos um caso de metonmia dentrode metfora:

    (124) O primeiro-ministro no deu ouvidos s reclamaes do deputado.

    'O exemplo licenciado pela metfora ATENO ENTIDADE TRANSFERIDA, deacordo com a qual a ATENO entendida como entidade que pode ser transfe-rida de uma pessoa para outra (observe-se o uso do verbo "dar"): Entretanto,dentro dessa metfora h uma metonmia que toma OUVIDO por ATENO, demodo que o ouvido a parte do corpo a funcionar como veculo para o con-ceito de ateno na metfora.

    Para finalizar o captulo, vale ressaltar que a abordagem da metfora eda metonmia como processos de pensamento estabelece interessante dilogocom outra vertente da Lngustca Cognitiva, denominada Teoria dos espaosmentais. Trata-se de Ummodelo terico capaz de tratar das relaes entre do-mnios cognitivos estveis e locais, que costumam ser acessados e introduzidos medida que o discurso vai sendo construdo. Esse modelo ser abordadono prximo captulo, cujo objetivo ressaltar os principais constructos queo fundamentam, bem como ilustrar seu potencial analtico no tratamento defenmenos lingusticos como referncias anafricas, ambiguidades referen-ciais, entre outros. Em especial, veremos como a noo de espao mental

    q

  • 106 Introd~o Ungulstlco Cognltlvo

    constitui um passo fundamental para a descrio do processo de mesclagemconceptual que, de forma criativa e enriquecedora, abre novas perspectivas

    para o entendimento das metforas.

    ExercciosL Identifique as metforas subjacentes seguinte letra da MPB, especificando

    as expresses metafricas que as refletem:

    o SolJota Quest(Composio: Antnio Jlio Nastcia)

    Ei, dor!Eu no te escuto maisVocno me leva a nadaEi, medo!Eu no te escuto maisVocno me leva a nada...E se quiser saberPra onde eu vouPra onde tenha Sol pra l que eu vou...

    lI. A hiptese da mente corporificada (embodiment hypothesis, Lakoff eJohnson, 1999) assume que a mente no uma entidade metaflsica, inde-pendente do corpo humano, mas se estrutura atravs das nossas experin-cias corporais. Conforme demonstram Almeida et ai (2009), isso explicapor que muitas expresses lingusticas designam, metafrica ou metonirni-camente, partes do corpo para falar das mais variadas situaes. Com basenessas informaes, analise as expresses a seguir e explicite projeesentre domnios ativadas na construo do significado de cada uma delas:

    (a) orelha de livro(b) cabea de prego(c) p de mesa(d) boca do forno(e) barriga da perna

    Metforas e metonlmloa 107

    m. Odia~aseguir,baseadoemFerreira(2009),representaodomnio-matriz[CABEA]. Analise as expresses metonmicas subsequentes, espe-cificando os diferentes aspectos do domnio ativados em cada umadas expresses:

    CABEA

    Parte superior do corpo

    ~Crnio Crebro