fernando pessoa - poemas ocultistas

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    2/

    Coleo de Autores Modernosda

    LITERATURA LUSO-BRASILEIRA

    (POESIA)

    POETAS DE SEMPRE

    1. LUZ MEDITERRNEA Raul de Leoni2. EU E OUTRAS POESIAS Augusto dos Anjos

    3.POEMAS OCULTISTAS Fernando Pessoa

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    3/

    POEMASOCULTISTAS

  • 5/28/2018 Fernando Pessoa - Poemas Ocultistas

    4/

    Coleo de Autores Modernosda

    LITERATURA LUSO-BRASILEIRA

    (POESIA)

    3.

    CapaCLUDIO MARTINS

    BELO HORIZONTERua So Geraldo, 53 Floresta Cep. 30150-070Tel.: 3212-4600 Fax: 3224-5151

  • 5/28/2018 Fernando Pessoa - Poemas Ocultistas

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    6/

    2004

    Direitos de Propriedade Literria adquiridos pela

    LIVRARIA GARNIERBelo Horizonte

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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    TBUA DOS POEMAS

    7

    Iniciao 11

    Natal 12Eros e Psique 13

    Abismo 16Passos da Cruz 17

    Sonetos, VI, X, XI, XIII, XIV 18Meu pensamento 23

    Em Mim 25

    Monlogo da Noite 30Monlogo das Trevas 31

    Gldio 33Ode (Ricardo Reis) 36

    "Meditao Fustica" 37No Tmulo de Christian Rosencreulz 39

    O ltimo Sortilgio 43

    Gomes Leal 45O Encoberto 46

    "Sombra Amada" 47A Morte 50

    Demogorgon (lvaro de Campos) 51Hino a P (Aleister Crowley) 52

    Sbita mo de algum fantasma oculto 15Grandes mistrios habitam 22J esto em mim exaustas 26

    No meu, no meu quanto escrevo 27Ah, tudo smbolo e analogia 28

    Do eterno erro na eterna viagem 29 naus felizes, que do mar vago 32

    Nos vastos cus estrelados 34O segredo da Busca que no se acha 35

    Neste Mundo em que esquecemos 42

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    INICIAO

    No dormes sob os ciprestes,Pois no h sono no mundo.

    O corpo a sombra das vestesQue encobrem teu ser profundo.

    Vem a noite, que a morte,E a sombra acabou sem ser.Vais na noite s recorte,

    Igual a ti sem querer.

    Mas na Estalagem do AssombroTiram-te os Anjos a capa.Segues sem capa no ombro,

    Com o pouco que te tapa.

    Ento Arcanjos da EstradaDespem-te e deixam-te nu.No tens vestes, no tens nada:Tens s teu corpo, que s tu.

    Por fim, na funda caverna,

    Os Deuses despem-te mais:Teu corpo cessa, alma externa,

    Mas vs que so teus iguais.

    A sombra das tuas vestesFicou entre ns na Sorte.No 'sts morto, entre ciprestes.

    Nefito, no h morte.

    Presena, n 35, Maio, 1932.

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    NATAL

    Nasce um Deus. Outros morrem. A VerdadeNem veio nem se foi: o Erro mudou.Temos agora uma outra Eternidade,

    E era sempre melhor o que passou.

    Cega, a Cincia a intil gleba lavra.

    Louca, a F vive o sonho do seu culto.Um novo Deus s uma palavra.

    No procures nem creias: tudo oculto.

    Contempornea, n" 6, Dez. 1922.

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    EROS E PSIQUE

    ... E assim vedes, meu Irmo, que as verdades que vos foram dadasno Grau de Nefito, e aquelas que vos foram dadas no Grau deadepto Menor, so, ainda que opostas, a mesma verdade.

    Do Ritual do grau de Mestre do trio

    Na Ordem templria de Portugal

    Conta a lenda que dormiaUma Princesa encantada

    A quem s despertariaUm Infante, que viria

    De alm do muro da estrada.

    Ele tinha que, tentado,

    Vencer o mal e o bem,Antes que, j libertado,Deixasse o caminho erradoPor o que Princesa vem.

    A Princesa Adormecida,Se espera, dormindo espera.

    Sonha em morte a sua vida,E orna-lhe a fronte esquecida,Verde, uma grinalda de hera.

    Longe o Infante, esforado,Sem saber que intuito tem,

    Rompe o caminho fadado,

    Ele dela ignorado,Ela para ele ningum.

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    Mas cada um cumpre o Destino

    Ela dormindo encantada,Ele buscando-a sem tinoPelo processo divinoQue faz existir a estrada.

    E, se bem que seja obscuroTudo pela estrada fora,

    E falso, ele vem seguro,E, vencendo estrada e muro,Chega onde em sono ela mora.

    E, inda tonto do que houvera,A cabea, em maresia,Ergue a mo, e encontra hera,

    E v que ele mesmo eraA Princesa que dormia.

    Presena, n. os 41-42, Maio, 1934

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    Sbita mo de algum fantasma ocultoEntre as dobras da noite e do meu sonoSacode-me e eu acordo, e no abandono

    Da noite no enxergo gesto ou vulto.

    Mas um terror antigo, que insepultoTrago no corao, como de um trono

    Desce e se afirma meu senhor e donoSem ordem, sem meneio e sem insulto.

    E eu sinto a minha vida de repentePresa por uma corda de InconscienteA qualquer mo noturna que me guia.

    Sinto que sou ningum salvo uma sombraDe um vulto que no vejo e que me assombra,E em nada existo como a treva fria.

    14-3-1917

    O. C., l v., Poesias, p. 83.

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    ABISMO

    Olho o Tejo, e de tal arteQue me esquece olhar olhando,

    E sbito isto me bateDe encontro ao devaneandoO que ser-rio, e correr?O que est-lo eu a ver?

    Sinto de repente pouco,Vcuo, o momento, o lugar.Tudo de repente oco

    Mesmoomeu estar a pensar.Tudoeu e o mundo em redorFica mais que exterior.

    Perde tudo o ser, ficar.E do pensar se me some.Fico sem poder ligarSer, idia, alma de nome

    A mim, terra e aos cus.

    E sbito encontro Deus.

    1913(?)

    Do ciclo "Alm-Deus"Orpheu, 3 (indito).

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    PASSOS DA CRUZSoneto VI

    Venho de longe e trago no perfil,Em forma nevoenta e afastada,O perfil de outro ser que desagrada

    Ao meu atual recorte humano e vil.

    Outrora fui talvez, no Boabdil.Mas o seu mero ltimo olhar, da estradaDado ao deixado vulto de Granada,Recorte frio sob o unido anil...

    Hoje sou a saudade imperial

    Do que j na distncia de mim vi...Eu prprio sou aquilo que perdi...

    E nesta estrada para DesigualFlorem em esguia glria marginalOs girassis do imprio que morri...

    Centauro, n 1, Out. - Dez. 1916.

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    PASSOS DA CRUZ

    Soneto X

    Aconteceu-me do alto do infinitoEsta vida. Atravs de nevoeiros,Do meu prprio ermo ser fumos primeiros,Vim ganhando, e atravs estranhos ritos

    De sombra e luz ocasional, e gritosVagos ao longe, e assomos passageiros

    De saudade incgnita, luzeirosDe divino, este ser fosco e proscrito...

    Caiu chuva em passados que fui eu.

    Houve plancies de cu baixo e neveNalguma coisa de alma do que meu.

    Narrei-me sombra e no me achei sentidoHoje sei-me o deserto onde Deus teveOutrora a sua capital de olvido...

    Centauro, nl, Out-Dez. 1916.

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    PASSOS DA CRUZ

    Soneto XI

    No sou eu quem descrevo. Eu sou a telaE oculta mo colora algum em mim.Pus a alma no nexo de perd-laE o meu princpio floresceu em Fim.

    Que importa o tdio que dentro em mim gela,E o leve outono, e as galas, e o marfim,E a congruncia da alma que se velaCom os sonhados plios de cetim?

    Disperso... E a hora como um leque fecha-se...

    Minha alma um arco tendo ao fundo o mar...O tdio? A mgoa? A vida? O sonho? Deixa-se...

    E, abrindo as asas sobre Renovar,A erma sombra do vo comeadoPestaneja no campo abandonado...

    Centauro, n"l, Out.-Dez. 1916.

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    PASSOS DA CRUZ

    Soneto XIII

    Emissrio de um rei desconhecido,Eu cumpro informes instrues de alm,E as bruscas frases que aos meus lbios vmSoam-me a um outro e anmalo sentido...

    Inconscientemente me dividoEntre mim e a misso que o meu ser tem,E a glria do meu Rei d-me o desdmPor este humano povo entre quem lido...

    No sei se existe o Rei que me mandou.

    Minha misso ser eu a esquecer,Meu orgulho o deserto em que em mim estou...

    Mas h! Eu sinto-me altas tradiesDe antes de tempo e espao e vida e ser...J viram Deus as minhas sensaes...

    Centauro, n 1, Out.-Dez., 1916.

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    PASSOS DA CRUZSONETO XIV

    Como uma voz de fonte que cessasse(E uns para os outros nossos vos olharesSe admiraram), p'ra alm dos meus palmaresDe sonho, a voz que do meu tdio nasce

    Parou... Apareceu j sem disfarceDe msica longnqua, asas nos ares,O mistrio silente como os mares,Quando morreu o vento e a calma pasce...

    A paisagem longnqua s existePara haver nela um silncio em descidaP'ra o mistrio, silncio a que a hora assiste...

    E, perto ou longe, grande lago mudo,O mundo, o informe mundo onde h a vida...

    E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo...

    Centauro, n l, Out.-Dez. 1916.

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    Grandes mistrios habitam

    O limiar do meu ser,O limiar onde hesitamGrandes pssaros que fitam

    Meu transpor tardo de os ver.

    So aves cheias de abismo,Como nos sonhos as h.

    Hesito se sondo e cismo,E minha alma cataclismoO limiar onde est.

    Ento desperto do sonhoE sou alegre da luz,Inda que em dia tristonho;Porque o limiar medonhoE todo passo uma cruz.

    2-10-1933

    O. C., 1 V, Poesias, p. 191.

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    MEU PENSAMENTO

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    Meu pensamento um rio subterrneo.Para que terras vai e donde vem?No sei... Na noite em que o meu ser o temEmerge dele um rudo subitneo

    De origens no Mistrio extraviadasDe eu compreend-las..., misteriosas fontesHabitando a distncia de ermos montesOnde os momentos so a Deus chegados...

    De vez em quando luze em minha mgoa,Como um farol num mar desconhecido,

    Um movimento de correr, perdidoEm mim, um plido soluo de gua...

    E eu relembro de tempos mais antigosQue a minha conscincia da iluso

    guas divinas percorrendo o choDe verdores unssonos e amigos,

    E a idia de uma Ptria anteriorA forma consciente do meu serDi-me no que desejo, e vem baterComo uma onda de encontro minha dor.

    Escuto-o... Ao longe, no meu vago tato

    Da minha alma, perdido som incerto,Como um eterno rio indescoberto,Mais que a idia de rio certo e abstrato...

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    E p'ra onde que ele vai, que se extravia

    Do meu ouvi-lo? A que cavernas desce?Em que frios de Assombro que arrefece?De que nvoas soturnas se anuvia?

    No sei... Eu perco-o... E outra vez regressaA luz e a cor do mundo claro e atual,E na interior distncia do meu Real

    Como se a alma acabasse, o rio cessa...

    1914(?)

    Cartas de F.P.a A. C. - R., p. 60.

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    EM MIMParo beira de mim e me debruo...Abismo... E nesse abismo o Universo,Com seu tempo e seu 'spao, um astro, e nesse

    Alguns h, outros universos, outrasFormas do Ser com outros tempos, 'spaos

    E outras vidas diversas desta vida...

    O esprito outra estrela... O Deus pensvel um sol... E h mais Deuses, mais 'spritosDe outras essncias de Realidade...

    E eu precipito-me no abismo, e fico

    Em mim... E nunca deso... E fecho os olhosE sonho e acordo para a Natureza...Assim eu volto a mim e Vida...

    Deus a si prprio no se compreende.Sua origem mais divina que ele,

    E ele no tem a origem que as palavras

    Pensam fazer pensar...O abstrato Ser [em sua] abstrata idia

    Apagou-se, e eu fiquei na noite eterna.Eu e o Mistrioface a face...

    6-11-1912

    Primeiro Fausto,O. C.,VI v., 1952, p. 83.

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    J esto em mim exaustas,

    Deixando-me transido de terror,Todas as formas de pensar [...]O enigma do universo. J cheguei

    A conceber, como requinte extremoDa exausta inteligncia, que era Deus...

    J cheguei a aceitar como verdadeO que nos do por ela, e a admitirUma realidade no real

    Mas no sonhada, [como o] Deus Cristo.

    ... Falhados pensamentos e sistemasQue, por falharem, s mais negro fazemO poder horroroso que os transcende

    A todos, [sim,] a todos.Oh horror! Oh mistrio! Oh existncia!

    Primeiro Fausto.O. C., VI v., 1952, p. 78.

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    No meu, no meu quanto escrevo.

    A quem o devo?De quem sou o arauto nado?Porque, enganado

    Julguei ser meu o que era meu?Que outro mo deu?

    Mas, seja como for, se a sorteFor eu ser morte

    De uma outra vida que em mim vive,Eu, oque estiveEm iluso toda esta vida

    Aparecida,Sou grato Ao que do p que sou

    Me levantou.(E me fez nuvem um momento

    De pensamento).(Ao de quem sou, erguido p,Smbolo s.)

    9-11-1932

    O. C., I v., Poesias, p. 152.

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    Ah, tudo smbolo e analogia!O vento que passa, a noite que esfria,So outra coisa que a noite e o ventoSombras de vida e de pensamento.

    Tudo o que vemos outra coisa.A mar vasta, a mar ansiosa,E o eco da outra mar que estOnde real o mundo que h.

    Tudo o que temos esquecimento.A noite fria, o passar do vento,So sombras de mos, cujos gestos so

    A realidade desta iluso.

    Primeiro Fausto.

    O. C., VI v., 1952, p. 76.

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    29/

    Do eterno erro na eterna viagem,

    O mais que [exprime] na alma que ousa,E sempre nome, sempre linguagem,O vu e capa de uma outra cousa.

    Nem que conheas de frente o Deus,Nem que o Eterno te d a mo,Vs a verdade, rompes os vus,

    Tens mais caminho que a solido.

    Todos os astros, inda os que brilhamNo cu sem fundo do mundo interno,So s caminhos que falsos trilham

    Eternos passos do erro eterno.

    Volta a meu seio, que no conheceOs deuses, porque os no v,Volta a meus braos, melhor esquece.Que tudo s fingir que .

    Primeiro Fausto.O. C., VI v., 1952, p. 80.

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    MONLOGO NA NOITE

    Sou a Conscincia em dio ao inconsciente,Sou um smbolo incarnado em dor e dio,Pedao de alma de possvel DeusArremessado para o mundoCom a saudade pvida da ptria...

    sistema mentido do universo,Estrelas nadas, sis irreais,Oh, com que dio carnal e estonteante

    Meu ser de desterrado vos odeia!Eu sou o inferno. Sou o Cristo negro,Pregado na cruz gnea de mim mesmo.Sou o saber que ignora,

    Sua a insnia da dor e do pensar...

    Primeiro Fausto.O. C., VI v., 1952, p. 86.

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    MONLOGO NAS TREVASA qualquer modo todo escuridoEu sou supremo. Sou o Cristo negro.O que no cr, nem amao que s sabeO mistrio tornado carne.

    H um orgulho atro que me dizQue sou Deus inconscienciando-mePara humano; sou mais real que o mundo.Por isso odeio-lhe a existncia enorme,O seu amontoar de coisas vistas.Como um santo devotoOdeio o mundo, porque o que eu sou

    E que no sei sentir que sou, conhece-oPor no real e no ali.Por isso odeio-oSeja eu o destruidor! Seja eu Deus ira!

    Primeiro FaustoO. C., VI v., 1952, p. 85.

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    naus felizes, que do mar vago

    Volveis enfim ao silncio do portoDepois de tanto noturno malMeu corao um morto lago,E margem triste do lago mortoSonha um castelo medieval...

    E nesse, onde sonha, castelo triste,

    Nem sabe saber a, de mos formosasSem gesto ou cor, triste castelQue um porto alm rumoroso existe,

    Donde as naus negras e silenciosasSe partem quando no mar manh...

    Nem sequer sabe que h o, onde sonha,

    Castelo triste... Seu 'sprito mongePara nada externo perto e real...E enquanto ela assim se esquece, tristonha,Regressam, velas no mar ao longe,As naus ao porto medieval...

    O. C., I v., Poesias, p. 208.

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    GLDIODo Alberto Da Cunha Dias

    Deus-me Deus o seu gldio, porque eu faaA sua santa guerra.

    Sagrou-me seu em gnio e em desgraa,

    As horas em que um frio vento passaPor sobre a fria terra.

    Ps-me as mos sobre o ombros, e doirou-meA fronte com o olhar;

    E esta febre de Alm, que me consome,E este querer-justia so Seu nome

    Dentro em mim a vibrar.

    E eu vou, e a luz do gldio erguido dEm minha face calma.

    Cheio de Deus, no temo o que vir,Pois venha, o que vier, nunca ser

    Maior do que a minha alma!

    21-7-1913

    Ataca, n 3, 1934, p. 81.

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    Nos vastos cus estreladosQue esto alm da razo,Sob a regncia de fadosQue ningum sabe o que so,

    H sistemas infinitos,Sis, centros de mundos seus,

    E cada sol um Deus.

    Eternamente excludosUns dos outros, cada um

    E universo.

    Primeiro Fausto.O. C.,VI v., 1952, p. 77.

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    O segredo da Busca que no se acha.Eternos mundos infinitamente,Uns dentro de outros, sem cessar decorrem

    Inteis; Sis, Deuses, Deus dos DeusesNeles intercalados e perdidosNem a ns encontramos no infinito.Tudo sempre diverso, e sempre adiante

    De [Deus] e Deuses; essa, a luz incertaDa suprema verdade.

    Primeiro Fausto.O. C., VI v., 1952, p. 79.

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    ODE

    Anjos ou deuses, sempre ns tivemos,A viso perturbada de que acima

    De ns e compelindo-nosAgem outras presenas.

    Como acima dos gados que h nos campos

    O nosso esforo, que eles no compreendem,Os coage e obriga

    E eles no nos percebem.

    Nossa vontade e o nosso pensamentoSo as mos pelas quais outros nos guiam

    Para onde eles querem

    E ns no desejamos.

    16-10-1914

    Ricardo Reis

    O. C, 4o V, Odes, 1945, p. 54.

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    "MEDITAO FUSTICA"Ondas de aspirao [...]Sem mesmo o corao e alma atingir

    Do nosso sentimento; ondas de pranto,No vos posso chorar, e em mim subis,Mar imensa, numerosa e surda,

    Para morrer da praia no limiteQue a vida impe ao Ser; ondas saudosasDe algum mar alto aonde a praia sejaUm sonho intil, ou de alguma terra

    Desconhecida mais que o eterno [amor]De eterno sofrimento, e aonde formasDos olhos de alma no imaginadas

    Vogam, essncias [...]Esquecidas daquilo que chamamosSuspiros, lgrimas, desolao;[Ondas] nas quais no posso visionar

    Nem dentro em mim, em sonho, [barco] ou ilha,Nem esperana transitria, nemIluso nada da desiluso;

    Oh, ondas sem brancura nem asperezas,

    Mas redondas, como leos, e silentesNo vosso intrmino e total rumor Oh, ondas da alma, deca em lagoOu levantai-vos speras e brancasCom o sussurro cido da esperana...

    Erguei em tempestades a minha alma!

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    38/

    ...No haver,

    Alm da morte e da imortalidade,Qualquer coisa maior? Ah, deve haverAlm da vida e morte, ser, no ser,Um inominvel supertranscendente,

    Eterno incgnito e incognoscvel!Deus? Nojo. Cu, Inferno? Nojo, nojo.P'ra que pensar, se h de parar aqui

    O curto vo do entendimento?Mais alm! Pensamento, mais alm!

    Primeiro Fausto.O.C.,VI v., 1952, p. 81.

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    39/

    NO TMULO DE CHRISTIANROSENCREUTZ

    No tnhamos ainda visto o cadver do nosso Pai prudente esbio. Por isso afastamos para um lado o atar. Ento pudemoslevantar uma chapa forte de metal amarelo, e ali estava um belocorpo clebre, inteiro e incorrupto..., e tinha na mo um pequenolivro em pergaminho, escrito a oiro, intitulado T., que , depois daBblia, o nosso mais alto tesouro nem deve ser facilmente submetido censura do mundo.

    fama Fraternitatis Rosas Crucis

    I

    Quando, despertos deste sono, a vida,Soubermos o que somos, e o que foiEssa queda at Corpo, essa descidaAt Noite que nos a Alma obstrui,

    Conheceremos pois toda a escondidaVerdade do que tudo que h ou flui?

    No: nem na Alma livre conhecida...Nem Deus, que nos criou, em Si a inclue.

    Deus o Homem de outro Deus maior.Adam Supremo, tambm teve Queda;Tambm, como foi nosso Criador,

    Foi criado, e a Verdade lhe morreu...De alm o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;Aqum no a h no Mundo, Corpo Seu.

    39

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    40

    II

    Mas antes era o Verbo, aqui perdidoQuando a Infinita Luz, j apagada,

    Do Caos, cho do Ser, foi levantadaEm Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

    Mas se a Alma sente a sua forma errada,Em si, que Sombra, v enfim luzidoO Verbo deste Mundo, humano e ungido,

    Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

    Ento, senhores do limiar dos Cus,Podemos ir buscar alm de DeusO Segredo do Mestre e o Bem profundo;

    No s de aqui, mas j de ns, despertos,No sangue atual de Cristo enfim libertos

    Do a Deus que morre a gerao do Mundo.

    III

    Ah, mas aqui, onde irreais erramos,Dormimos o que somos, e a verdade,Inda que enfim em sonhos a vejamos,Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

    Sombras buscando corpos, se os achamosComo sentir a sua realidade?Com mos de sombra, Sombras, que tocamos?

    Nosso toque ausncia e vacuidade.

    Quem desta Alma fechada nos liberta?Sem ver, ouvimos para alm da sala

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    Calmo na falsa morte a ns exposto,O Livro ocluso contra o peito posto,

    Nosso Pai Rsea-cruz conhece e cala.

    Antologia de Fernando Pessoa,1ov., Confluncia, 1942, p. 8(80.

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    Neste mundo em que esquecemos

    Somos sombras de quem somos,E os gestos reais que temosNo outro em que, almas, vivemos,So aqui esgares e assomos.

    Tudo noturno e confusoNo que entre ns aqui h.

    Projees, fumo difusoDo lume que brilha oclusoAo olhar que a vida d.

    Mas um ou outro, um momento,Olhando bem, pode ver

    Na sombra e seu movimento

    Qual no outro mundo o intentoDo gesto que o faz viver.

    E ento encontra o sentidoDo que aqui est a esgarar,E volve ao seu corpo ido,Imaginado e entendido,

    A intuio de um olhar.

    Sombra do corpo saudosa,Mentira que sente o laoQue a liga maravilhosaVerdade que a lana, ansiosa,

    No cho do tempo e do espao.9-5-1934

    O. C., I v., Poesias, p. 197.

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    O LTIMO SORTILGIOJ repeti o antigo encantamento,E a grande Deusa aos olhos se negou.J repeti, nas pausas do amplo vento,As oraes cuja alma um ser fecundo.Nada me o abismo deu ou o cu mostrou.

    S o vento volta onde estou toda e s,E tudo dorme no confuso mundo.

    Outrora meu condo fadava as sarasE a minha evocao do solo erguiaPresenas concentradas das que esparsasDormem nas formas naturais das coisas.

    Outrora a minha voz acontecia.Fadas e elfos, se eu chamasse, via,E as folhas da floresta eram lustrosas.

    Minha varinha, com que da vontadeFalava s existncias essenciais,J no conhece a minha realidade.

    J, se o crculo trao, no h nada.Murmura o vento alheio extintos ais,E ao luar que sobe alm dos matagaisNo sou mais do que os bosques ou a estrada.

    J me falece o dom com que me amavam.J me no torno a forma e o fim da vida

    A quantos que, buscando-os, me buscavam.J, praia, o mar dos braos no me inunda.Nem j me vejo ao sol saudado erguida,

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    Ou, em xtase mgico perdida,Ao luar, boca da caverna funda.

    J as sacras potncias infernais,

    Que, dormentes sem deuses nem destino,A substncia das coisas so iguais,No ouvem minha voz ou os nomes seus.A msica partiu-se do meu hino.J meu furor astral no divinoNem meu corpo pensado j um deus.

    E as longnquas deidades do atro poo,Que tantas vezes, plida, evoqueiCom a raiva de amar em alvoroo,

    Inevocadas hoje ante mim esto.Como, sem que as amasse, eu as chamei,

    Agora, que no amo, as tenho, e seiQue meu vendido ser consumiro.

    Tu, porm, Sol, cujo ouro me foi presa,Tu, Lua, cuja prata converti,Se j no podeis dar-me essa belezaQue tantas vezes tive por querer,

    Aos menos meu ser findo dividi Meu ser essencial se perca em si.

    S meu corpo sem mim fique alma e ser!

    Converta-me a minha ltima magiaNuma esttua de mim em corpo vivo!Morra quem sou, mas quem me fiz e havia,Annima presena que se beija,Carne do meu abstrato amor cativo,Seja a morte de mim em que revivo;

    E tal qual fui, no sendo nada, eu seja!

    Presena, n" 29, Dez., 1930.

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    GOMES LEALSagra, sinistro, a alguns o astro bao.Seus trs anis irreversveis so

    A desgraa, a tristeza, a solido.Oito luas fatais fitam no espao.

    Este, poeta, Apoio em seu regaoA Saturno entregou. A plmbea moLhe ergueu ao alto o aflito corao,E, erguido, o apertou, sangrando lasso.

    Inteis oito luas da loucuraQuando a cintura trplice denota

    Solido e desgraa e amargura!

    Mas da noite sem fim um rastro brota,Vestgios de maligna formosura:

    E a lua, alm de Deus, lgida e ignota.

    Cancioneiro, Maio, 1930.

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    O ENCOBERTO

    Que smbolo fecundoVem na aurora ansiosa?

    Na Cruz Morta do MundoA Vida, que a Rosa.

    Que smbolo divinoTraz o dia j visto?

    Na Cruz, que o Destino,A Rosa, que o Cristo.

    Que smbolo finalMostra o sol j disperto?Na Cruz morta e fatalA Rosa do Encoberto.

    21-2-193311-2-1934

    Mensagem, 1a ed., 1934, p. 80.

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    "SOMBRA AMADA"Longe da fama e das espadas,Alheio s turbas ele dorme.Em torno h claustros ou arcadas?

    S a noite enorme.

    Porque para ele, j viradoPara o lado onde est s Deus,So mais que Sombra, e que Passado

    A terra e os cus.

    Quem ele foi sabe-o a Sorte,Sabe-o o Mistrio e a sua lei.

    A vida f-lo heri, e a MorteO sagrou Rei!

    No oculto para o nosso olhar,No visvel nossa alma,Inda sorri com o antigo ar

    De fora calma.

    E amanh, quando queira a Sorte,Quando findar a expiao,

    Ressurrecto da falsa morte,Ele j no.

    Mas a nsia nossa que encarnara,

    A alma de ns de que foi brao,Tornar, nova forma clara,

    Ao tempo e ao espao.

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    Ah, tenhamos mais f que a esp'rana!Mais vivo que ns somos, fitaDo Abismo onde no h mudana

    A terra aflita.

    E se assim ; se, desde o AssombroAonde a Morte as vidas leva,V, esta ptria, escombro a escombro,

    Cair na treva;

    Se algum poder do que tiveraSua alma, que no vemos, tem,

    De longe ou perto porque espera?Porque no vem?

    Em nova forma ou novo alento,Que alheio pulso ou alma tome,

    Regresse como um pensamento,Alma de um nome.

    Regresse sem que a gente o veja,Regresse s que a gente o sinta Impulso, luz, viso que reja,

    E a alma pressinta!

    Que nova luz vir raiarDa noite em que jazemos vis? sombra amada, vem tornar

    A nsia feliz.

    Quem quer que sejas, l no abismo

    Onde a morte a vida conduz,S para ns um misticismo

    A vaga luz

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    Com que a noite erma inda vaziaNo frio alvor da antemanhSente, da espr'anca que h no dia,

    Que no v.

    E amanh, quando houver a Hora,Sendo Deus pago, Deus dir

    Nova palavra redentoraAo mal que h,

    E um novo verbo ocidentalEncarnado em herosmo e glria,Traga por seu broquel real

    Tua memria!

    27-2-1920

    Fragmentos do Poema"A Memria do Presidente-Rei Sidnio Pais"Ao, n 4, 1920.

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    A MORTE

    A morte a curva da estrada.Morrer s no ser visto.Se escuto, eu te oio a passada

    Existir como eu existo.

    A terra feita de cu.

    A mentira no tem ninho.Nunca ningum se perdeu.Tudo verdade e caminho.

    23-5-1932

    O. C., I, V, Poesias, p. 144.

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    DEMOGORGONNa rua cheia de sol vago h casas paradas e gente que anda.Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.

    Pressinto um acontecimento do lado de l das frontariase dos movimentos.

    No, no, isso no!Tudo menos saber o que o Mistrio!Superfcie do Universo, Plpebras Descidas,

    No vos ergais nunca!O olhar da Verdade Final no deve poder suportar-se!

    Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!A razo de haver ser, a razo de haver seres, de haver tudo,Deve trazer uma loucura maior que os espaos

    Entre as almas e entre as estrelas.

    No, no, a verdade no! Deixai-me estas casas e esta gente;Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente...Que abafo horrvel e frio me toca em olhos fechados?

    No os quero abrir de viver! Verdade, esquece-te de mim!

    lvaro de Campos

    O. C., II v., p. 262.

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    HINO A PA

    De Mestre Therion(Aleister Crowley)

    Vibra do cio sutil da luz,Meu homem e af!

    Vem turbulento da noite a flux

    De P! I P!I P! I P! Do mar de almVem da Siclia e da Arcdia vem!Vem com Baco, com fauno e fera

    E ninfa e stiro tua beira,Num asno lcteo, do mar sem fim,

    A mim, a mim!

    Vem com Apoio, nupcial na brisa(Pegureira e pitonisa),Vem com Artmis, leve e estranha,

    E a coxa branca, Deus lindo, banhaAo luar do bosque, em marmreo monte,Manh malhada da mbrea fonte!Mergulha o roxo da prece ardente

    No dito rubro, no lao quente,A alma que aterra em olhos de azulO ver errar teu capricho exul

    No bosque enredo, nos ns que espalmaA rvore viva que esprito e alma

    E corpo e mente do mar sem fim

    (LaP! I P!),Diabo ou deus, vem a mim, a mim!

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    Meu homem e af!Vem com trombeta estridente e fina

    Pela colina!Vem com tambor a rufar beira

    Da primavera!Com frautas e avenas vem sem conto!

    No estou eu pronto?Eu, que espero e me esforo e lutoCom ar sem ramos onde no nutro

    Meu corpo, lasso do abrao em vo,Aspire aguda, forte leo

    Vem, est vaziaMinha carne, fria

    Do cio sozinho da demonia.A espada corta o que ata e di,O' Tudo-Cria, Tudo-Destri!

    D-me o sinal do Olho Aberto,E de coxa spera o toque ereto,

    E a palavra do Louco e do Secreto,O ' P! I P!

    I P! I P P! P P! P!Sou homem e af:

    Faze o teu querer sem vontade v,

    Deus grande! Meu P!

    I P! I P! Despertei na dobraDo aperto da cobra.

    A guia rasga com garra e fauce;Os deuses vo-se;

    As feras vm. I P! A matado,Vou no corno levado

    Do Unicornado.

    Sou P! I P! I P P! P!Sou teu, teu homem e teu af,Cabra das tuas, ouro, deus, clara

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    Carne em teu osso, flor na tua vara.Com patas de ao os rochedos roo

    De solstcio severo a equincio.

    E raivo, e rasgo, e roussando fremo,Sempiterno, mundo sem termo,Homem, homnculo, mnade, af,

    Na fora de P.

    IP!I P P! P! I P!

    TraduoDe Fernando Pessoa

    Presena, v., n.33, 1931.

    Poesia por Fernando Pessoa atribuda a Aleister Crowley e por ele traduzidae publicada no intuito de mostrar o que era um verdadeiro "poema mgico".

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    Poucos escritores nacionais revelaram desde seus primeiros ensaios literrios preocupao e angstiato fundas perante o Mistrio do Alm, perante o

    problema do Destino, a causa suprema da Vida, princpio e fim do Universo, como Fernando Pessoa. . Afastado das religies aceites, procurou os caminhos vedadosaos profanos em demanda da Verdadeira Luz e por isso ovemos interessado na Astrologia, nas artes da Magia, cultivando a um tempo as Cincias Ocultas, o Espiritismoe a prpria Teosofia. Nenhuma das chaves de que o homem se apoderou para penetrar o Mistrio lhe escapou.

    Aprofundou a Gnose. Conheceu os livros profticos.Iniciou-se nos segredos da Kabala e da MaonariaInicitica. Seu pensamento profundamente imbudo dasimbologia e dos conceitos fundamentais do Ocultismoencontra na poesia um meio de expresso a tal ponto

    fiel que mesmo naqueles dos seus poemas em que outrainspirao o move o Poeta usa duma linguagem oclusa,ora intencionalmente nua de adornos, ora entrecortadade profundidades abissais. . Pessoa fica assim situadona Poesia moderna como um dos mais altos representantes dum gnero de poesia que propriamente em Portugal teve incio em Gomes Leal, que, primeiro que nin

    gum, abriu com o seu sagrado instinto de Poeta, a mgica porta do Mistrio e da comunho csmica com osMundos Invisveis". . No o misterioso que apareceem Pe, no o sombrio que avulta em Lecomte, no

    *.Um dia que se estude com largueza esta corrente de inadaptados e visionrios, outros Poetas, sem mesmo falar de Antero, como Narcizo de Lacerda eGuilherme Santa Rita, o prodigioso artista do Poema dum Morto, vero com

    justia ressurretos seus carmes de Inspirados.

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    o satnico que se torna audvel com Baudelaire, no o

    sobrenatural que se surpreende em Hoffmann, algo denovo que vai procurar aos mistrios profundos da Vidae s vozes ignoradas que erram no Invisvel os segredosda Existncia e o caminho da Suprema Verdade, da fonte da Luz Eterna. . Os tempos correram; transita a gerao que Hartmann dominou com a sua filosofia doinconsciente, e o pensamento potico penetra em crculos cada vez mais inatingveis cultura profana. . Vencendo a tendncia lrica que domina o estro nacional, acano eterna do amor e da ternura, demasiado comu-nicativa e sensual para o seu esprito fechado e ultraintelectualista, Pessoa traz, como se disse, Literatura

    Portuguesa a voz profunda do Oculto. E essa voz, atravs das suas manifestaes mais expressivas, que aqui se

    procura condensar, de guisa a dar aos adeptos deste gnero de poesia oportunidade de encontrar reunidos poemas que atravs da disperso da sua obra potica perdem muito do seu significado, at mesmo porque nemtodos eles esto coligidos nas edio oficial dos seus ver

    sos. No quer isto dizer que seja completa a coletnea.Sabemos que no , pois poemas to significativos como

    Lcifer, por exemplo, ainda permanecem no limbo, esabe-se l at quando? Petrus.

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    Este livro POEMAS OCULTISTAS de Fernando Pessoa o volume de nmero 3 da Coleo de AutoresModernos da Literatura Luso-Brasileira. Impresso na

    Editora Grfica Lthera Maciel Ltda, a Rua Simo Antnio, 157, Contagem, para Livraria Garnier, a Rua SoGeraldo, 53 - Belo Horizonte - MG. No Catlogo geralleva o nmero 3096/6B. ISBN 85-7175-096-3.

    .

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    POEMASOCULTISTAS

    "Tenho pensamentos que, sepudesse revel-los e faz-los viver,acrescentariam nova luminosidades estrelas, nova beleza ao mundo e

    maior amor ao coraodos homens."

    Fernando Pessoa

    Fernando Pessoa, nascido emLisboa no dia 13 de junho de1888, falecido em 1935.

    A ltima frase de Fernando

    Pessoa escrita no dia de sua morte:"Eu no sei o que o amanh trar".

    O amanh trouxe paraFernando Pessoa uma admiraocrescente. Suas obras foram aos

    poucos sendo editadas e ele hoje

    considerado, ao lado de Cames,um dos maiores poetas portuguesesde todos os tempos. Nenhum poeta, em lngua portuguesa, obteve tanto prestgio em todo o mundo.

    Morreu quase completamen

    te ignorado pelo grande pblico,pouco compreendido poca peloleitor comum por ter renunciado

    proposta naturalista-amorosa queorientava a potica de ento.

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    Seu pensamento profunda

    mente imbudo da simbologia e dos

    conceitos fundamentais do Ocul

    tismo encontra na poesia um meio

    de expresso a tal ponto fiel que

    mesmo naqueles dos seus poemas

    em que outra inspirao o move o

    Poeta usa de uma linguagem

    oclusa, ora intencionalmente nuade adornos, ora entrecortada de

    profundidades abissais.

    Vencendo a tendncia lrica

    que domina a poesia nacional, a

    cano eterna do amor e da ter

    nura, demasiado comunicativa esensual para o seu esprito fecha

    do e ultra-intelectualista. Pessoa traz,

    como se disse, Literatura Por

    tuguesa a voz profunda do Oculto.

    essa voz, atravs de suas

    manifestaes mais expressivas,

    que aqui se procura condensar, demodo a dar aos adeptos deste

    gnero de poesia oportunidade de

    encontrar reunidos, poemas que

    atravs da disperso de sua obra

    potica perdem muito do seu sig

    nificado.

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