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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação Scricto Sensu em Educação/Mestrado Fernando Jorge Santos Farias Representação de Educação na Amazônia em Dalcídio Jurandir: (des) caminhos do personagem Alfredo em busca da educação escolar Belém-PA 2009

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação Scricto Sensu em Educação/Mestrado

Fernando Jorge Santos Farias

Representação de Educação na Amazônia em Dalcídio Jurandir: (des) caminhos do personagem

Alfredo em busca da educação escolar

Belém-PA 2009

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Fernando Jorge Santos Farias

Representação de Educação na Amazônia em Dalcídio Jurandir: (des) caminhos do personagem

Alfredo em busca da educação escolar

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Área de concentração: Educação, Identidade e Diversidade Literária na Amazônia. Orientadora: Profa. Dra. Josebel Akel Fares. Co-orientadora: Profa. Dra. Denise Simões Rodrigues.

Belém-PA 2009

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Dados internacionais de catalogação e publicação (CIP). Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação, UEPA,

Belém - PA.

FARIAS, Fernando Jorge Santos . Representação de Educação na Amazônia em Dalcídio Jurandir: (des) caminhos do personagem Alfredo em busca da educação escolar/ Orientadora: Dra. Josebel Akel Fares; Co-orientadora: Dra. Denise Simões Rodrigues. Belém/PA, 2009.

120f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Pará/Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, Belém/Rio de Janeiro, 2009.

1. Representação de educação. 2. Dalcídio Jurandir. 3. Educação na Amazônia. 4. Literatura Paraense. I. Farias, Fernando Jorge Santos. ll. Título.

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Fernando Jorge Santos Farias

Representação de Educação na Amazônia em Dalcídio Jurandir: (des) caminhos do personagem

Alfredo em busca da educação escolar

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Área de concentração: Educação, Identidade e Diversidade Literária na Amazônia. Orientadora: Profa. Dra. Josebel Akel Fares. Co-orientadora: Profa. Dra. Denise Simões Rodrigues.

Data da Defesa: _____/_____/_____ Banca Examinadora: ________________________________ - Orientadora Profª Josebel Akel Fares Dra. em Comunicação e Semiótica - PUC/SP Universidade do Estado do Pará ________________________________ - Co-orientadora Profª Denise de Souza Simões Rodrigues Dra. em Sociologia – UFCE/CE Universidade do Estado do Pará ________________________________ Examinadora Profª Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França Dra. em Educação UNICAMP/SP Universidade do Estado do Pará ________________________________ Examinador Prof. Paulo Jorge Martins Nunes Dr. em Literaturas e Língua Portuguesa - PUC/MG Universidade da Amazônia

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À minha mãe, que como gente da Aristocracia de pé no chão, apresenta-se em meu viver como farinha d’água do meu beiju, e faz, constantemente, minha educalimentação.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é exteriorizar contemplação com o outro. A amorosidade me leva a

reconhecer Andrea Farias, Messias Farias, Roseane Rabelo, Calixto e Messias

Santos como grupo responsável por minha existência e sobrevivência constante.

Minhas reverências se voltam também ao povo de minha terra, principalmente, meus

parentes de São Domingos do Capim, nordeste do Pará, representados por

Bernardo Pantoja e Josefa dos Santos.

Intelectualmente, sou grato a um grupo de professores (as) e amigos (as) do

mundo acadêmico. Dentre elas, destaco Ivanilde Apoluceno, grande jóia de nosso

programa por sua “sapiência serena”. Ana Telma Monteiro e Elizabeth Teixeira,

amigas, professoras, “tutoras” responsáveis d’eu permanecer e crescer na UEPA.

Josebel Fares e Denise Simões, orientadoras da pesquisa, são

mencionadas por serem preciosidades. “Bel” com suas Poéticas Marajoaras,

paciência e precisão, guiou-me, definitivamente, rumo a um mundo encantador, por

meio da Literatura: o mundo amazônico. Quando embrenhado na “mata de

conhecimento”, me senti mundiado pela “Sociologia Híbrida” de Denise. Assim,

apenas esbocei transitar por uma Sociologia caminho comum de uma professora

impar dado o ecletismo intelectual que suas palavras transpiram, em nossa

Amazônia.

Ainda na qualificação, fui presenteado com as contribuições valiosas de

Socorro França e Marli Furtado. Respectivamente, as professoras me apontaram

um coerente fazer pesquisa em História da Educação e uma análise refinada tão

quanto o Ciclo dalcidiano. Docentes como Ana Waleska, Maria Inês Marcondes,

Karl Erik e Marcelo Andrade só enriqueceram a investigação. A disponibilidade,

flexibilidade e sabedoria de Marcelo me revelou, a cada dia, um “parente intelectual”.

Agradeço também a dialogicidade dos colegas do mestrado/Doutorado em

Educação da UEPA, PUC-RIO, CUMA, NEP (minha casa de aprendizagens

cotidianas) e GECEC (minha formação intercultural, descontraída e produtiva), Casa

de Rui Barbosa (Acervo Dalcídio Jurandir/RJ) – Soraia, Leo, Paula, Hugo, Arquivo

Nacional/RJ e Arquivo Público do Pará – Sátiro, Alan, Maria.

Meu obrigado se estende ao CNPq e a FAPESPA pela ajuda financeira.

Talvez, sem o financiamento, a pesquisa não encontrasse realização.

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Para que então estudara lá na Inglaterra? De que valiam seus conhecimentos? Ouvira-o dizer, certa vez, sem entendê-lo: Aprendi para ser um proprietário. Que queria dizer com isso?

Dalcídio Jurandir, 1994, p.345.

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RESUMO

FARIAS, Fernando Jorge Santos. Representação de Educação na Amazônia em Dalcídio Jurandir: (des) caminhos do personagem Alfredo em busca da Educação Escolar. 120f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGed/UEPA. Belém, 2009.

A pesquisa tem por objetivo analisar as representações de educação presentes nos romances Chove nos campos de Cachoeira e Três Casas e um Rio, do escritor amazônida Dalcídio Jurandir. Ao eleger para a análise as situações de educação vivenciadas por Alfredo, personagem presente nos dois romances, a investigação segue a proposição descritivo-interpretativa que parte das proximidades com a educação escolar que o personagem tem, e procura dialogar com algumas compreensões teóricas acerca do contexto educacional no início dos século XX, mais especificamente, o início dos anos 20. No intuito de contextualizar/ambientar as situações de educação observadas nos romances, a análise leva em consideração a formulação discursiva de Orlandi (1988; 1989; 2003; 2005) e destaca do período analisado características sociais, políticas, econômicas e culturais que embasam o aspecto educacional. Dentre as conclusões do estudo, destaca-se a condição em que Dalcídio elabora um quadro de educação escolar muito próximo ao que o Brasil, em especial a Amazônia, no início do século passado, teve: professores desqualificados/mal remunerados, recursos materiais/pedagógicos inadequados e ambientes escolares inapropriados, dentre outras questões. A representação dalcidiana acaba por denunciar uma educação no interior da Amazônia, ainda esquecida pelo poder público. Ao constantemente questionar a educação escolar como detentora do saber, o personagem Alfredo refugia-se no sonho de ao menos estudar em Belém ou, utopicamente, no Anglo-Brasileiro, no Rio de Janeiro. Dada à impossibilidade, até então, dos estudos em Belém, tão pouco na escola fluminense, o personagem compreende que a vida diária lhe ensina mais do que as escolas do interior da Amazônia, a cada dia mais debilitadas. Assim, para o personagem, a Educação de Vivência assume um valor de ensinamentos que verdadeiramente educam o indivíduo. O cotidiano do garoto possibilita ainda que ele constate que a vida e feita de injustiças, de desigualdades. De um lado, uns sonham em estudar em escolas de qualidade no ensino, de outro, crianças arrastam-se rumo a um ensino enfadonho e que não satisfaz as necessidades cotidianas locais. Estudar a educação na Amazônia, na década de 20, partindo dos romances de Jurandir, consiste em um retorno histórico-educacional necessário para (re) pensar a atual situação educacional na Amazônia.

Palavras-chave: Representação de educação. Dalcídio Jurandir. Educação na Amazônia. Literatura Paraense.

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ABSTRACT

FARIAS, Jorge Fernando Santos. Representation of Education in the Amazon in Dalcídio Jurandir: (un) Alfredo character of the paths in search of Elementary Education. 120f. Masters dissertation. The Postgraduate Program in Education - PPGed/UEPA. Belém, 2009.

The research aims to examine the representations of education in novels rains in the fields of Waterfall and three houses and a writer of the Amazon River Dalcídio Jurandir. By electing to analyze the situation of education experienced by Alfredo, this character in both novels, the research follows the proposition that descritvo-interpretation of the proximity to the school that has the character, and seeks dialogue with some understandings about the theoretical context education in the early twentieth century, particularly in the early 20s. In order to contextualize / fit the situations of education found in novels, the analysis takes into account the discursive formulations of Orlandi (1988; 1989; 2003; 2005) and out of the analysis period features social, political, economic and cultural. Among the findings of this study, if the condition that Dalcídio prepare a framework for school education very close to that Brazil, especially the Amazon at the beginning of the last century, was: teachers unskilled / low-paid, material resources / educational inadequate and inappropriate school environments, among other issues. The representation dalcidiana ultimately terminate an education in the Amazon, yet forgotten by the public. By constantly questioning the school as the holder of knowledge, the role of Alfredo refuge in the dream of studying at the Castle or, idealistically, the Anglo-American in Rio de Janeiro. Given the impossibility, until then, studies in Belém, so little in school Fluminense, the character understands that the daily Amazon teaches you more than the schools within the Amazon, every day, weakened. Thus, for the character, the Education of Experience assumes a value of lessons to truly educate the individual. The daily also allows the boy he finds that life is made of injustice, to inequality. On the one hand, some dream of studying in schools of quality in education, otherwise, children drag themselves towards a teaching boring and it does not meet the local needs daily. Studying education in the Amazon, in the decade, 20, from the novels of Jurandir, is to return a historical and educational need for (re) think the current education situation in the Amazon. Key-words: Representation of education. Dalcídio Jurandir. Education in the Amazon. Paraense literature.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 PRESENÇA DE DALCÍDIO JURANDIR NOS ESTUDOS

LITERÁRIOS AMAZÔNICOS.................................................. 15

1.1 – Dalcídio em Teses de doutoramento.............................. 17

1.2 – Dalcídio em Dissertações de Mestrado.......................... 20

1.3 – Dalcídio em outros campos e a discussão da

educação.................................................................................. 28

CAPÍTULO 2 (DES) CAMINHOS DE EDUCAÇÃO DO GAROTO

AMAZÔNIDA........................................................................... 31

2.1 - Educação cachoeirense no contexto amazônico: uma

semente perdida no remanso.................................................. 33

2.1.1 – A Escola de seu Proença e o ensino da tabuada, do

argumento e outras formas de opressão................................. 35

2.1.2 – Professora vinda de Portugal: um ensino “trabalhado”

e vazio...................................................................................... 38

2.1.3 – O professor Valério, a educação penosa e os

“trabalhinhos” para sustentar-se.............................................. 40

2.2 – A Escola Anglo-Brasileiro: contraponto a “escola real”

do jovem amazônida ............................................................... 42

2.3 – Outras experiências educativas de Alfredo..................... 46

CAPITULO 3 DA REALIDADE BUIARAM FLORES DE ROMANCES OU

UMA FICÇÃO ENSOPADA DE REALIDADE......................... 57

3.1 – O início da década de 20: algumas questões................. 58

3.2 – Dalcídio Jurandir, artista da ficção.................................. 68

3.3 – Representação de Educação na Amazônia.................... 77

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3.3.1 – Práticas de ensino e recursos pedagógicos

deformados ............................................................................. 81

3.3.2 – A escola: extensão da casa e do contexto maior......... 90

3.3.3 – A educação enquanto sacerdócio................................ 93

3.4 – A escola que liberta do dissabor educacional.............. 97

3.5 – O cotidiano amazônico como professor....................... 106

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 109

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 113

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INTRODUÇÃO

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A pesquisa tem por objetivo analisar as representações de educação

presentes em duas obras do Romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir. Filho de

Alfredo Pereira e Margarida Ramos, Dalcídio Jurandir nasce no dia 10 de janeiro de

1909 em Ponta de Pedras, Marajó, e morre em 1979, no Rio de Janeiro, deixando

grande produção intelectual.

Em meio ao legado do escritor, encontrei produções voltadas à crítica literária,

a crítica de arte, ao jornalismo, a poesia e ao romance. Sobre a “arte da ficção”,

merece destaque o fato de o escritor elaborar o “Ciclo Extremo Norte”, conjunto de

dez romances que retrata a “vida comum” na Amazônia.

Ao considerar a primeira e a última obra publicada, os romances representam

quase quarenta anos de “luta com as palavras”. São eles: Chove nos campos de

Cachoeira (1941); Marajó (1947); Três Casas e um Rio (1958); Belém do Grão-Pará

(1960); Passagem dos Inocentes (1963); Primeira Manhã (1968); Ponte do Galo

(1971); Os Habitantes (1976); Chão dos Lobos (1976); Ribanceira (1978). Além dos

dez, o escritor nortista escreve por encomenda do partido comunista o livro Linha do

Parque (1961), que retrata a vida do operariado gaúcho.

Diante da expressiva obra dalcidiana que reapresenta, em sua maioria, o

povo amazônida, me vi atraído em efetivar uma investigação acerca do legado do

escritor marajoara. Algumas questões contribuíram para isso. Dentre elas destaco a

inserção na Especialização em Estudos Linguísticos e Análise Literária (2006) e o

ingresso no Mestrado em Educação (2006) da UEPA, o qual me proporcionou, por

meio de Josebel Fares e Denise Simões, conhecer um pouco mais o conjunto da

obra de Dalcídio.

Inicialmente, procurei (junto a Josebel Fares e Denise Simões) ler quase

todas as obras do Ciclo e, somente depois, selecionei para a pesquisa Scricto Sensu

as obras Chove nos campos de Cachoeira e Três Casas e um Rio, nas versões que

me foram acessíveis: 1991 e 1994, respectivamente.

Fiz a escolha por observar que tais obras apresentam o contexto

cachoeirense, ao passo que, nas demais, o personagem Alfredo transita pelo

cenário belenense (e estuda no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e no Ginásio

Paes de Carvalho). Além disso, são obras que, dada a sua extensão, exigem grande

fôlego em suas leituras e posterior análise. A pesquisa acadêmica, de forma

sensata, orienta a necessidade de recortes, delimitações.

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Chove nos campos de Cachoeira narra o cotidiano do povo humilde da Vila

de Cachoeira, mesorregião do Marajó e microrregião do Arari, no estado do Pará.

Considerada como “romance-embrião” pelo próprio autor, a obra apresenta as

questões posteriormente trabalhadas nos subseqüentes romances. Em “Chove”,

Alfredo, personagem do romance, frequenta a escola de seu Proença e sonha com

os estudos em Belém e no Anglo-Brasileiro, no Rio de Janeiro. A vida simples e o

drama do povo amazônida são tecidos na obra que, em 1940, obtém o prêmio Dom

Casmurro promovido pela Editora Vecchi.

Três Casas e um Rio, terceiro romance do Ciclo, dentre outras questões,

acentua os assuntos sóciopolítico-culturais no Marajó do segundo decênio do século

XX. O livro imprime densidade e tensão, fundamentalmente, no deslocamento de

Alfredo rumo à cidade de Belém em um rio-rua que ameaça barrar o sonho do

garoto que, ao término da narrativa, avista a cidade equatorial. A obra pontua ainda

o contato de Alfredo com a professora vinda de Portugal e com o normalista,

professor Valério.

Para uma primeira investigação, iniciei balizado na trajetória do personagem

Alfredo. Não priorizei por trabalhar Marajó (1947), obra subsequente a Chove nos

campos de Cachoeira (1941), por entender que nela, apesar de apresentar o

contexto marajoara, o escritor desloca Alfredo e imprime um zoom no ambiente e

nas ações da oligarquia local, a fim de, fundamentalmente, denunciar as

desigualdades no contexto amazônico.

Delimitando a pesquisa em apenas duas obras, efetivei algumas leituras no

intuito de compreendê-las com intensidade. Posteriormente, parti para leitura de

alguns estudos que se voltam à obra dalcidiana. Em conversa com as orientadoras,

tinha a pressuposição de que caberia uma pesquisa sobre a educação,

representada nas obras de Dalcídio. Cogitava que, até então, nenhum estudo

dissertativo em torno do Ciclo do escritor d’água1 havia sido feito.

Tive confirmada a hipótese quando, após alguns meses de levantamento,

constatei a lacuna entre os não extensos (em quantidade), estudos sobre a

produção do escritor nortista. Residia aí uma investigação. Assim, estruturei a

pesquisa em torno da seguinte questão: Como é representada a educação nas

1 Alcunha alusiva ao pseudônimo “caboclo d’água” utilizado pelo escritor nortista ao participar do concurso

literário “Dom Casmurro”, da Editora Vecchi, em 1940.

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obras Chove nos campos de Cachoeira e Três Casas e um Rio, de Dalcídio

Jurandir?

Realizadas novas leituras das obras, agora somente duas, delimitei o corpus

de investigação. Esses se apresentaram como as possíveis “situações de educação”

vivenciadas pelo personagem Alfredo. Foram elas: os ensinamentos com seu

Proença, as aulas com a professora vinda de Portugal, os breves estudos com o

professor Valério e o sonho com o Anglo-Brasileiro.

Esbocei ainda a possibilidade de que Alfredo teve, além da educação escolar

precária, uma Educação de Vivência semelhante à formulada por Gohn (1999) que

observa a possibilidade de “processos” educacionais se realizarem fora do espaço

escolar: na família, na rua, nas relações que o sujeito constrói e reconstrói em sua

interação no/com o mundo.

Somado as obras de Dalcídio, selecionei algumas “informações documentais”

no intuito de proporcionar um “diálogo” entre o corpus de pesquisa e o material

disponível. Esclareço apenas que informação documental, na perspectiva de

Aróstegui (2006, p. 325),

corresponde a todo e qualquer tipo de material, instrumento ou ferramenta, símbolo ou discurso intelectual que procede da criatividade humana, através do qual se pode inferir algo acerca de uma determinada situação social no tempo.

Assim, me debrucei em informações presentes no Arquivo Nacional (RJ),

Arquivo Público do Pará, Casa de Rui Barbosa/Instituto Dalcídio Jurandir (RJ),

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Pará,

Universidade do Estado do Pará e Universidade da Amazônia.2

Analiticamente, busquei me aproximar das formulações de Orlandi (1988;

1989; 2003; 2005) quando discute a análise de discurso na perspectiva de que os

discursos são produzidos pelo meio e retornam a este com possibilidades de

transformá-lo.

Pontuada, sinteticamente, a trajetória que percorri com a pesquisa, apresento

a estrutura da investigação. No primeiro capítulo, destaco a presença de Dalcídio

Jurandir nos estudos literários amazônicos, dividindo-os em Teses de doutoramento,

Dissertações de mestrado e presença de Dalcídio em outros campos do

conhecimento. Problematizo ao término do capítulo que, lacunarmente, as questões

2 A delimitação do material na introdução pode representar extensão desnecessária. Assim, a consulta às referências assume validade.

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relacionadas à educação ainda não compuseram a centralidade de nenhum estudo

sobre a obra de Jurandir.

No segundo capítulo, procuro transitar em meio às representações de

educação (situações de educação) nas duas obras selecionadas para a pesquisa.

Os (des)caminhos do personagem Alfredo rumo à educação escolar me servem

como baliza. Dado o (in)sucesso educativo do personagem, apenas sinalizo para

outras formas de educação vivenciadas pelo personagem, sobretudo, o que ventilo

ser Educação de Vivência, dado um contexto marajoara que é marcado pelas

relações sociais.

No terceiro capítulo procuro ressaltar as duas vertentes que se entrelaçam na

obra de Dalcídio Jurandir: o documental e o fictício. Assim, busco remontar algumas

questões do início da década de 20, apresento a compreensão de representação

trabalhada por Henry James (uma das prováveis, dentre outras, influências de

Dalcídio), e, somado a idéia do crítico inglês, adiciono o entendimento de Jurandir

enquanto crítico literário, crítico este capaz de problematizar questões referentes à

representação literária.

O capítulo se encerra com a discussão sobre a representação de educação

na Amazônia, partindo das “situações de educação”, vividas por Alfredo e

relacionando-as ao contexto e configurações locais e nacionais que a educação do

início do século XX apresentou.

A compreensão maior, que a pesquisa emerge, aponta para a consideração

de uma representação marcadamente avizinhada do contexto real. Na ficção, o

personagem Alfredo constantemente problematiza a escola e seus procedimentos.

Os ensinamentos do cotidiano, nas duas obras analisadas, parecem, segundo as

reflexões do menino, ensinar mais que os professores das escolas empobrecidas

que não ensinam nada na Vila de Cachoeira, interior da Amazônia.

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CAPÍTULO 1

PRESENÇA DE DALCÍDIO JURANDIR NOS ESTUDOS

LITERÁRIOS AMAZÔNICOS

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Dalcídio Jurandir é escritor singular, escreve como poucos. Na linha do regionalismo, mesmo a despeito de toda polêmica que esta expressão pode provocar, ao lado de Graciliano Ramos, Jurandir destaca-se como poeta de estilo encharcado, autor daquilo que chamei de “aquonarrativa”. A literatura de Dalcídio Jurandir finca os pés na vastidão da floresta e nas águas amazônicas para desenvolver uma obra que necessita, por certo, recuperar novamente o espaço perdido no cenário cultural brasileiro. Eis o nosso desafio: “escavar” (este verbo nos persegue?) o entre-lugar da voz ficcional amazônica no cenário dos romances brasileiros e latino-americano. Dalcídio é um dos grandes ficcionistas latino-americanos. E o futuro irá confirmar este fato.

Paulo Nunes, 2006, p. 51.

Os estudos literários acerca da obra de Dalcídio Jurandir manifestam, em sua

maioria, grande indignação por observarem o desprestígio a uma obra de grande

valor, como a elaborada pelo escritor do norte. As palavras de Paulo Nunes, na

epígrafe que abre a seção, lançam-se na tentativa de não somente registrar a

magnitude da produção romanesca de Dalcídio, mas, sobretudo, apostam em um

futuro capaz de reconhecer o grande painel encharcado, verdadeira “aquonarrativa”

construída pelo caboclo d’água.

Como registrou Assmar (2003), Nunes (2001; 2006; 2007) e Fares (2004), há,

sobretudo na Amazônia, um movimento crescente em torno da obra de Dalcídio.

Com isso, pensam os autores, a região amazônica ganha acentuadamente em

visibilidade e conceito de expressão literária.

A presença de estudos literários amazônicos em torno da vida e, sobretudo,

da obra de Dalcídio Jurandir foi alvo de levantamento realizado por Lília Melo,

mencionado no artigo de Pressler (2004) e reiterados/atualizados na biografia

organizada por Nunes; Pereira; Pereira (2006).

A seção que inicio, pretende, unicamente, apresentar (mesmo que de forma

sintética), alguns dos estudos voltados principalmente a obra do escritor nortista.

Observado o material, penso ser interessante, em meio a minha gapuiagem,3

anunciar que o aspecto da educação encontra-se “submerso” nas discussões e

estudos dalcidianos. Por esta discussão pretendo caminhar e, assim, contribuir para

o futuro justo apontado por Paulo Nunes.

3 Conforme Assis & Cerqueira (2004), gapuiagem consiste em pescar. Aqui, utilizo o termo metaforicamente.

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1.1 – Dalcídio em Teses de Doutoramento

� Universo derruído e a corrosão do herói

A investigação de Furtado (2002) anuncia, logo em seu título, a condição do

contexto amazônico representado no Ciclo elaborado por Dalcídio Jurandir: um

universo derruído que, progressivamente, contribui para a corrosão dos

personagens, principalmente Alfredo.

As palavras da pesquisadora enfatizam a produção dalcidiana como

representação capaz de quebrar com a tradição literária amazônica ao não mostrar

um contexto marcado pela grandiloquência de imagens, espaços naturais, opulentos

e majestosos. Em suas incursões, a autora analisa a proposta dalcidiana de

apresentar uma outra Amazônia.

Geralmente, a Amazônia apresentada esbanja um ciclo econômico

caracterizado pela construção de palácios, teatros, palacetes, etc., que deram às

altas temperaturas locais um ar europeu. Posteriormente a este ciclo, e aqui se tem

o grande foco de Dalcídio, segundo a autora, visualiza-se uma Amazônia “derruída”,

sem perspectivas, atônita.

Ao seguir os passos do personagem Alfredo, na compreensão de Furtado

(2002), o autor monta uma Amazônia não opulenta, pós-auge da borracha. E no

trajeto, sobressai o menino do interior que desenvolve o rapaz da cidade, às

lembranças da época áurea no Pará, o governo do Senador Antônio Lemos.

Furtado (2002) considera, para sua pesquisa, o Ciclo romanesco sob a

perspectiva dos personagens e de seu ambiente de atuação. Posteriormente,

localiza o escritor na Literatura Brasileira. Dentre as conclusões da autora, destaco o

entendimento de que é inegável na escrituração do Ciclo, o compromisso do autor

com a denúncia da sobreposição de uma elite, causadora de injustiças sociais:

Graças à deglutição das dicotomias local x universal, popular x erudito, urbano x rural, Dalcídio conseguiu reconstruir de maneira intimista e poética o processo de decadência (mas também de resistência) de uma região e de seus habitantes, causado pela ganância do capitalismo aliado a uma estrutura arcaica de relações sociais (FURTADO, 2002, p. 253).

Em linhas gerais, destaca a autora que Dalcídio apresenta um aprimoramento

das técnicas narrativas a cada romance. Com inegável inovação, o romancista

tonifica sua produção no esfacelamento como traço de composição, somado,

substancialmente, ao distanciamento das produções enraizadas no naturalismo.

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� Um olhar sobre a Amazônia4

A pesquisa de Assmar (2003) procura discutir uma tenuidade bastante

delicada na obra do escritor da Amazônia. Trata-se na polêmica acerca da literatura

ancorada mais para o documental ou para o literário.

Além da questão causadora de controvérsia, a autora procura verificar se é

possível delimitar valores para ambos os campos, levando em consideração

relevâncias extrínsecas e intrínsecas a obra.

Ao analisar a crítica literária frente à obra de Dalcídio Jurandir, pressupõe

Assmar (2003) que o não reconhecimento do escritor como um dos grandes, esbarra

na superficialidade de comentários infundados de determinados intelectuais, somado

ao preconceito, ainda em voga, quanto à inteligência dos filhos da Amazônia.

A figura do indivíduo amazônida é apresentada por Dalcídio, na compreensão

da autora, em uma antiética reveladora do ser bom e mau, pacífico e violento,

medroso e corajoso, diferente do narrador, quase que constantemente, um ser

coerente, que consegue ver mais longe, tecer críticas, esboçar planos.

Para a autora, a sociedade amazônica, na representação de Dalcídio assume

um estágio quase que natural, fundamentalmente, tanto pelo processo de

desconstrução quanto pela decadência das instituições sociais,

Família, Escola, Estado e Igreja – seja pela construção –, gênese da classe dominada ou pobre. Esse processo de formação desmistifica os bens da sociedade capitalista e da Nova República, razão por que o autor pode ser considerado o cronista da lavadeira, do sapateiro, do pescador, do vaqueiro, etc. É ele um pesquisador do amazônida, colhendo dados ou documentos históricos, oriundos de sua vivência ou da cultura popular dessa região (ASSMAR, 2003, p. 220).

As palavras da pesquisadora se voltam a chamar a atenção para o fato de

que em Dalcídio Jurandir transita o literário e o ficcional, geralmente, entrelaçados e

com um fim escancarado: desmascarar a burguesia afundada em ruínas. Para a

autora, portanto,

o regionalismo amazônico é representado pela maior parte da produção de Dalcídio Jurandir, constituindo, com os demais regionalismos, a paisagem literária do país. Além disso, une as pontas dos extremos Norte e Sul, mostrando a diversidade, tanto na unidade e identidade quanto na diferença (ASSMAR, 2003, p. 221).

4 Por questões de acesso, utilizei aqui a pesquisa de Enilda Assmar na versão de livro. Em sua versão de tese, a investigação tem como título: “Dalcídio Jurandir: da re-velação da Amazônia de Norte ao Sul”.

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� Útero de areia

O estudo de Nunes (2007) enfoca o quarto romance do Ciclo: Belém do Grão-

Pará. Sob a perspectiva do romance urbano, o autor procura discutir a cidade de

Belém, cidade equatorial em ruínas no início do século XX, como útero de areia,

metáfora a filha da família Alcântara, a jovem Emilinha.

A análise do autor se volta, inicialmente, às artimanhas de criação da

narrativa que representa a cidade equatorial em suas diversas faces. Entretanto, o

drama vivido pela classe média belenense, representado pelos Alcântaras, no início

do século XX, escancara, segundo o autor, os resultados da decadente

comercialização da borracha no mercado internacional.

Nunes (2007) procura enfatizar na construção do escritor amazônida as

astúcias de linguagem por ele utilizada que, somadas ao conteúdo central da obra

(expressão dos dilemas humanos da Amazônia), modelam a narrativa em tons

instigantes.

Ler os romances do escritor marajoara, em especial Belém do Grão-Pará,

consiste em apreciar uma construção linguística que lembra um labirinto a envolver

o leitor do rural ao urbano. As impressões do pesquisador, em sua análise do

romance, o impulsionaram ao ato de aproximação com as formulações de Walter

Benjamim quando se volta a “escutar” o século XIX:

Ao ler Belém do Grão-Pará, sinto-me impelido a parafrasear Walter Benjamim que auscultou a concha na ilusão de ouvir as vozes do século XIX, século que, estava oco dentro de si. Assim eu, que neste início de século XXI, volto ao passado: o início do século XX, tempo da diegese e Belém do Grão-Pará. Ao repassar os sentimentos advindos dos sentidos exalados pela escrita dalcidiana, retorno ao presente. Coloco a concha no ouvido; não ouço – e poderia? o atrito faiscante dos bondes; não escuto mais o pregão dos leiteiros à porta das casas, as vozes de Alfredos, Libânias, Antônios... (NUNES, 2007, p. 172).

Dentre as investidas do autor, compreendo a acentuada iniciativa de instigar

uma crítica literária que subestimou durante muito tempo a amplitude e qualidade da

produção romanesca de Dalcídio Jurandir. Ao perceber uma lacuna, o pesquisador

aponta para a necessidade de (re) avaliar a recepção da obra dalcidiana, que, até

então, só tem recebido valor menor pela crítica literária:

Estou certo de que a revalorização do romance de Dalcídio Jurandir dependerá de se criar uma nova recepção – de certo modo, já em curso –, composta de leitores eficientes, coisa que está sendo gestada em algumas universidades, sobretudo as amazônicas. Além do mais, dos anos 90 para cá, a evolução dos estudos literários, sobretudo da Literatura Comparada, faz pensar que a historicidade estática pode e deve ser olhada com desconfiança (NUNES, 2007, p. 17).

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1.2 – Dalcídio em Dissertações de Mestrado

� Marinatambalo

No celeiro de investigações acerca da obra de Dalcídio Jurandir, merece

destaque a pesquisa de Alves (1984) por seu conteúdo e pioneirismo na academia.

A autora analisa a obra Três Casas e um Rio sob o entendimento de que o romance

consiste em uma espécie de deflagrador da temática tratada no conjunto da obra do

escritor, quase toda ambientada no mundo amazônico.

As bases de análise da autora apresentam-se nas observações de cunho

literário, antropológico e psicanalítico. Embasada nos valores que os três campos

científicos apresentam, a autora tece o texto dissertativo, guiada pela trajetória do

personagem Alfredo em suas locomoções, quer sejam materiais (no romance), quer

sejam imaginárias, capaz de deslocá-lo pela cidade de Cachoeira, Belém e pela ilha

do Marajó.

A vertente imaginária quase sempre acionada em Alfredo representa, na

compreensão da autora, a possibilidade de “fuga” de uma vida sem muitas

perspectivas, de um relacionamento conturbado com a mãe e com major Alberto.

Além da possibilidade evasiva, o imaginário do garoto assume os custos de

acesso à realização de seus desejos, de sua busca constante por um

amadurecimento interior. O mesmo imaginário que veicula a promoção, na

compreensão da autora, ganha relevo na construção romanesca de dalcídio dada à

limpidez com que expõem os elementos do mundo cultural do caboclo amazônico.

Os planos presentes na obra, contrastam desejos do menino marajoara:

Partimos do pressuposto de que a narrativa de Três Casas e um Rio tem dois planos. O que denominamos de imaginário é decorrente do que é imaginado pelo personagem Alfredo. Neste plano só acontecem coisas boas e os desejos do menino podem ser realizados. E o plano do “real” que é a experiência vivida por Alfredo onde acontecem as coisas adversas como a falta de dinheiro para ir estudar em Belém (ALVES, 1984, p. 121).

Dalcídio Jurandir é mestre em evidenciar/aproveitar os elementos culturais

amazônicos e criar uma narrativa, na qual o mito é um elo essencial para a

compreensão do universo de emoções e sentimentos humanos.

A obra de Dalcídio Jurandir se distingue justamente pela maneira como esses elementos são complexificados e transformados. O mito, e de forma mais geral, o mundo amazônico, com seus personagens “reais” ou imaginários, não existem na obra como algo de fora que lhe é simplesmente incorporado. Surgem naturalmente na medida em que os personagens estão profundamente relacionados a esse universo de seres e coisas, de crenças e sentimentos, de revolta e acomodação, de mudança e permanência (ALVES, 1984, p. 126).

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� Regionalismo, relações raciais e de poder

Os caminhos trilhados por Amador de Deus (2001) encontram, em proposta

dissertativa, grandes possibilidades de discutir em Marajó e Três Casas e um Rio,

questões relacionadas ao regionalismo e a relação centro-periferia, tencionadas pelo

poder.

Um aspecto marcante construído pela pesquisadora consiste na articulação

das vozes negras presentes nas tramas dos romances, com as outras vozes fora da

ficção que discutem questões raciais.

Outra característica evidente na pesquisa, consiste na comunicação com as

vozes do poder as quais, por sua vez, também dialogam com outras vozes fora das

narrativas; conforme a pesquisadora, o autor dá visibilidade à Amazônia, denuncia o

poder arbitrário e tira do silêncio os muitos silenciados rompendo com a história

oficial.

Entre as conclusões ventiladas, aponta a autora para a importância da obra

de Dalcídio como “instrumento” capaz de colocar em visibilidade a região norte,

fecundada no seio da sociedade brasileira que a desconhece:

Jurandir aborda questões locais sem perder de vista as mudanças que se processam na vida contemporânea: primeira e segunda guerras mundiais, Revolução Bolchevista, Existencialismo de Sartre, enfim, mudanças que ampliaram e aprofundam diferentes perspectivas de mundo (AMADOR DE DEUS, 2001, p. 50).

O estudo acerca do regionalismo, das relações raciais e de poder destaca

também o fato de os dois romances denunciarem o modelo de desenvolvimento

econômico experimentado pela região norte que, “quanto à exploração do trabalho,

imita os métodos do colonizador inglês na África e na Ásia” (AMADOR DE DEUS,

2001, p. 50).

Conclui a pesquisadora sublinhando que a repressão, injustiça, exploração,

preconceito racial e as relações de poder, impregnam como tônica as duas obras

analisadas, sobressaindo-se o brilhantismo dalcidiano em ressaltar a “voz dos

pequenos”:

No tocante aos personagens responsáveis pela dinâmica que caracteriza o campo das relações raciais, eles se destacam tanto pelo papel que desempenham na trama dos romances, quanto pelos questionamentos que instauram. O autor denuncia um poder fundado na violência e na injustiça. Um poder que, para se manter, depende da repressão (AMADOR DE DEUS, 2001, p. 51).

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� Aquonarrativa5

A pesquisa de Nunes (2001) centra-se, dentre outros aspectos, na

possibilidade de problematizar a crítica histórico-literária que, por alguns motivos,

segundo o pesquisador, ou arremessa a produção dalcidiana ao esquecimento ou

lhe atribui valor menor do que o correto.

A constatação de uma atribuição equivocada ao quadro romanesco elaborado

pelo escritor marajoara, mobiliza o pesquisador rumo à possibilidade de colaborar

para uma nova recepção da obra de Jurandir, e assim, instigar novas leituras, novos

leitores. O movimento é necessário, segundo o autor, para que se revalide a hoje

pouco conhecida obra de Dalcídio Jurandir.

Convicto, o autor se lança, em um primeiro momento, a fazer um estudo

sobre a recepção da obra Chove nos campos de Cachoeira a partir da crítica

especializada e de intelectuais que se debruçam sobre o texto do escritor nortista.

Posteriormente, apresenta o “tecer palavras” de Jurandir, e assim, estabelece

contato do leitor com o enredamento da primeira obra do Ciclo dalcidiano.

Subsequente ao contato, o pesquisador analisa algumas técnicas de narrativa

utilizadas por Jurandir que, de certa forma, validam uma dentre outras

pressuposições suas: Jurandir é autor capaz de afinar-se a técnicas/parâmetros do

romance contemporâneo, capazes de romper com a idéia de uma Amazônia Hiléia

ou Inferno Verde.

O ganho crítico e historiográfico a obra de Dalcídio, conforme o autor, é

alargado com as observações de poucos críticos. No geral, o desprestígio instiga

questionamentos, afinal, “o Brasil é um país de memória curta, ou a

responsabilidade desse esquecimento é do cânone literário que exclui, num certo

sentido, a região Norte?” (NUNES, 2001, p. 31).

O esquecimento dos romances de Jurandir não se justifica por ausência de

qualidade. A aquonarrativa do escritor nortista, para Nunes (2001, p. 41) nada deixa

a desejar aos escritos canonizados:

Jurandir é autor dos encharcados amazônicos (contraposição à sedenarrativa graciliana), da abundância narrativa, assinalada por períodos longos, por uma pontuação, por vezes, frouxa, que enfatiza a poetização da linguagem; uma tal exuberância de estilo que me faz pensar em uma aquonarrativa, em que as palavras, de bubuia, afloram e se apresentam mansamente ao leitor que mergulha ansioso no texto.

5 Também por questões de acesso, a versão aqui comentada não corresponde à dissertação defendida em 1998, mas ao livro Pedras de Encantaria, lançado pela EDUNAMA em 2001.

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� Tempo e espaço em Belém do Grão-Pará

A análise da construção do tempo e espaço na obra Belém do Grão-Pará foi o

foco de pesquisa para Ornela (2003). Segundo o pesquisador, o projeto do escritor

tem um momento destacado neste romance uma vez que o personagem Alfredo

deixa o seu ambiente marajoara para desvendar a cidade de Belém, à época em

que começa a adolescer.

As percepções do autor sinalizam para a confirmação de que Dalcídio atua a

partir de uma linguagem literária de qualidade. Os recursos trabalhados pelo

escritor, conferem à tessitura de seu texto, segundo o pesquisador, uma elasticidade

capaz de apresentar a cidade de Belém com espaços e épocas distintas.

De um lado, o passado fausto, fruto da economia da borracha. De outro, o

presente decadente, marcado pelas ruínas. Diante de uma variação constante entre

os dois espaços, Dalcídio Jurandir, na compreensão de Ornela (2003), utiliza-se de

apurados recursos na construção do tempo no romance, capazes de criar um

movimento narrativo que, além de descrever os espaços, aprofunda a densidade

psicológica das personagens.

Dentre outras conclusões do pesquisador, destaca-se a consciência do

romancista da Amazônia. Inquestionavelmente, Dalcídio era conhecedor de cada

detalhe que narrava. Sua habilidade narrativa movimentava-se em uma necessidade

de transfigurar uma realidade sofrida, construindo um universo ficcional que adentra

às profundas questões pertinentes ao homem e ao seu meio.

Para Ornela (2003), trata-se de um ambiente carregado de dramas e

sofrimentos não somente dos personagens, mas do próprio escritor, uma vez que,

soube, como ninguém, o que foi a crítica situação econômica e literária na

Amazônia.

Ainda sobre a questão, o pesquisador afirma que, certamente, Dalcídio

empresta a Alfredo algumas idiossincrasias, assim como consegue deixar o mundo

marajoara no romance se desenvolver com vida própria. Em Belém do Grão-Pará e

nas demais obras do escritor cachoeirense, completa o autor,

Através de um universo diversificado, verifica-se a construção de questões ligadas ao cenário político paraense, às demandas econômicas e aos problemas sociais, que dão conta das várias nuances trabalhada no Extremo Norte (ORNELA, 2003, p. 109).

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� O Bildungsromam na Amazônia

A pesquisa de Branco (2004) estabelece diálogo entre as obras de Dalcídio

Jurandir e Wolfgang Goethe, com destaque para o aspecto da formação e

abordagem centrada no romance de formação (Bildungsromam).

A autora destaca a relevância e a inter-relação dos processos de

transformação político, econômico e social, constantes na Alemanha do século XIX

de Goethe e na Amazônia do século XX de Dalcídio Jurandir, que contribuem na

caracterização da formação e na origem da literatura de formação.

Em um primeiro momento, a pesquisadora se volta à questão e a importância

da formação no emergir de uma nova classe social e econômica e seus

desdobramentos nos séculos XVIII e XIX.

Por conseguinte, interessa-lhe evidenciar o gênero Bildungsromam (romance

de formação) alemão e a experiência estética provocada por ele, cuja análise se

concretiza com a fundamentação teórica na hermenêutica de Gardemer, completada

na estética da recepção de Jauss e Iser.

A sequência de sua análise aponta para aspectos que envolvem o modelo da

narrativa de Goethe, os anos de aprendizagem do Wilelm Meiser e seus

desdobramentos frente à constituição de paradigma do Bildungsromam.

Em um meio tempo, enfatiza a autora a abordagem relativa aos efeitos dos

pressupostos históricos e literários no desenvolvimento da formação e educação no

Brasil e na Amazônia, além de suas consequências no aspecto social brasileiro.

No percurso analítico, a autora chega às obras brasileiras destacando

aquelas cujas análises apontam para caracteres relativos ao Bildungsromam.

Somente depois dessa investida, Branco (2004) situa a obra do escritor amazônida.

Por conseguinte, apresenta o estudo de quatro obras de Dalcídio Jurandir,6

com o objetivo de identificar o caráter dialógico do amazônida e Goethe, ambos,

percebidos em seus contextos históricos e sociais. Para Branco (2004), a amplitude

que o autor dá à trajetória do crescimento do desejo de formação caracterizado no

protagonista Alfredo, “consolida-se”, no momento de superação e transcendência,

ante as dificuldades que se apresentam no seu percurso.7

6 Trata-se de Chove nos campos de Cachoeira, Belém do Grão-Pará, Passagem dos Inocentes e

Primeira Manhã. 7 Dentre os estudos dissertativos sobre a obra de Dalcídio, menciono ainda o de Ruy Pereira titulado “Singularidade e Exclusão: o romance Chove nos campos de Cachoeira,de Dalcídio Jurandir”, Rio de Janeiro: UERJ, 2004. Infelizmente, a pesquisa não aparece comentada por questões de acesso.

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� Entre a madeleine e o caroço de tucumã

O estudo de Nascimento (2005) consiste em analisar o romance Os

Habitantes, com o objetivo de situar a obra entre os outros romances, dada a

porosidade da narrativa e relacionar os assuntos comuns entre a obra analisada e

as demais do Ciclo Extremo Norte.

Necessariamente, a pesquisa da autora procura levar em consideração a

orientação de teóricos e críticos literários de grande alcance nos estudos da

narrativa de ficção, com o intuito de verificar o quanto é possível a correlação entre

os romances do ciclo, mediados pela memória.

Ao adentrar no Ciclo dalcidiano, em especial, em Os Habitantes, a

pesquisadora conclui que a escrituração romanesca dalcidiana foge dos padrões

tradicionais ao trazer grande parte da narrativa por meio da memória. Por isso,

afirma Nascimento (2005), que “as anotações temporais são esgarçadas, pois ao

narrador não interessa o tempo linear” (p. 91).

Além do recurso circundante a memória, a estrutura porosa do texto

dalcidiano permite o trânsito das personagens de um romance para outro,

estabelecendo-se um diálogo. Com a circulação de personagens em tempos

presente e passado, ao observar o conjunto da obra, torna-se fecundo o título,

segundo a autora, por abarcar vários grupos sociais da Amazônia. Assim o título

remete o leitor,

Aos habitantes da cidade de Belém, ou a família problemática dos Boaventuras a que se agregou Alfredo, ou ainda os habitantes de um bairro da periferia de Belém com seus conflitos, dramas existenciais, alegrias e tristezas (NASCIMENTO, 2005, p. 92).

A narrativa de Jurandir em Os habitantes não apresenta uma diegese de

princípio, mas, grupos de histórias, as quais, reunidas, levam ao entendimento de

busca incessante, uma “errância sem fim, tanto de Alfredo, quanto de Luciana, a

exemplo de personagens criadas por Clarice Lispector em seu universo ficcional"

(NASCIMENTO, 2005, p. 90).

A escrita dalcidiana, conclui ainda a autora, é prenhe de liricização que,

somada à cultura popular lapidada em sua formalização, conferem ao texto do

romancista da Amazônia um status poético avizinhado à produção de Mário de

Andrade.

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� Cidades e Antíteses

A ênfase da pesquisa de Almeida (2005) orienta-se em apresentar como

proposta de leitura do romance Passagem dos Inocentes, quinto romance do Ciclo,

a perspectiva do materialismo histórico-dialético.

Os contornos iniciais da análise do autor consistem em aproximar,

semanticamente, o título do romance (Passagem dos Inocentes) ao processo de

emancipação crítica verificado em seu protagonista, o jovem Alfredo.

As fases dialéticas da tese, antítese e síntese, no processo de

autorrealização verificado no garoto, segundo Almeida (2005), processam-se em

uma cadeia contínua a partir dos estágios de ilusão ideológica, decepção com a

urbe e a autorrealização com a construção de um percurso contrário à cidade.

Na argumentação do autor, algumas definições sobre o ato de ler a obra

devem ser consideradas no intuito de registrar o brilhantismo linguístico-literário do

escritor marajoara. Dentre suas ponderações, acentua que Passagem dos

inocentes,

É buscar o prazer do confronto entre a realidade e a ilusão, amalgamados numa trama que se realiza, primorosamente, num todo ficcional nas obras do romancista marajoara. Ler Passagem dos Inocentes é entregar-se a tentação do extraordinário esforço em reconciliar imagens que parecem saltar das páginas; imagens que crescem prontas para brotar como sementes de significação; sementes de palavras plantadas por um narrador-semeador, tão seguro ao seu labor literário, quanto lúdico no que fazer-poético. Escrever romances, para Dalcídio Jurandir, iguala-se ao trabalho de semear e Passagem dos Inocentes é, sem sombra de dúvida, um celeiro de imagens, ritmos, idéias e poesia (ALMEIDA, 2005, p. 10).

A proposta do autor intensifica a cada momento em uma investida

propositada a fazer uma pequena passagem pelo enredo com o objetivo de situar o

leitor ao longo dos nove capítulos do romance.

Assim, constrói um resumo transcritivo da obra de Dalcídio; mais a frente,

concentra-se na experiência da urbe construída gradativamente pelo protagonista

durante sua estada em Belém, seja na periférica Passagem dos Inocentes seja

pelos aburguesados logradouros da Estrada de Nazaré.

Conclusivamente, Almeida (2005) entende que a partir da compreensão do

processo de emancipação processada em Alfredo, é possível reconstruir a própria

macroestrutura do romance. Portanto, em uma perspectiva histórico-dialética a obra

se estrutura em três partes distintas: Tese (vinda de Alfredo proveniente do Marajó);

Antítese (encontro de Alfredo com as contradições de Belém) e Síntese (desejo

manifesto do protagonista em retornar ao Marajó).

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� Morte, Desamparo, Niilismo e Liberdade

A Vila de Cachoeira como representante de uma Amazônia em caos, no início

do século XX, é interesse de pesquisa de Pantoja (2006). Na compreensão do autor,

Chove nos campos de Cachoeira é obra singular não só pela beleza estilística com

que Dalcídio recria ficcionalmente a vida marajoara, mas porque se agrega à

segunda fase da prosa modernista como instrumento de pesquisa social e denúncia

de uma realidade brasileira.

Na compreensão do autor, o momento histórico de produção da obra confere

a Dalcídio Jurandir a possibilidade de radicalizar a exigência da nova postura do

homem frente ao mundo e a si próprio. Em “Chove”, compreende o autor, há fortes

influências de pensamentos oriundos do século XIX, representados na obra pelo

pessimismo de Schopenhauer e Dostoievski, marcas identificáveis no romance.

O autor entende que, a partir do recorte analítico estabelecido, o escritor

marajoara focaliza a existência humana em um mundo notabilizado por valores

transcendentes que já não amparam, o que o leva a uma radicalização do

pessimismo que o influenciou. O “romance embrião”, para Pantoja (2006), registra a

morte como ser onipresente:

Assim, desamparado e entregue à iminência da morte, o homem dalcidiano depara-se com a completa ausência de sentido característico do novo tempo em que a obra se insere. Todavia, embora a morte constitua sua temática fundamental e faça o chamado “romance-embrião” desaguar em temas como o desamparo e o niilismo, não se lhe pode atribuir gratuito pessimismo (PANTOJA, 2006, p. 13).

Ao mesmo tempo em que fundam a estrutura dramática do romance, os três

conceitos (morte, desamparo e niilismo) se articulam a um outro, o de liberdade,

pensada por Pantoja (2006) como possibilidade de o homem transcender as

circunstâncias e a si próprio, projetando-se rumo às suas possibilidades.

Tal característica lança o autor a observar que o peculiar poder de

comunicação de Dalcídio Jurandir reside em (des)articular extremos. Outrossim, a

originalidade com que se antecipa, de certa forma, às grandes questões que o

século XX apresentou, principalmente através do existencialismo ateu de Sartre.

Os destaques de Pantoja (2006) enfatizam ainda as ressonâncias do

desamparo e do niilismo como ressonâncias semânticas do tema da morte, assim

como, acentuadamente, na compreensão do autor, não bastam para conter a

habilidade e autonomia do escritor nortista frente influências de seu tempo.

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28

1.3 – Dalcídio em outros campos e a discussão da educação

Todas as pesquisas até aqui referendadas, segundo Fares (2004), além de

publicações e eventos institucionais,8 trazem à tona a possibilidade de incluir

Dalcídio Jurandir na cartografia literária nacional dado seu valor amazônico-

internacional.

Para Pressler (2007), trata-se de um escritor universal em que autor e obra se

encontram em meio século de produção literária. A produção literária do escritor

paraense merece destaque, sobretudo, enfatizam Furtado (2006) e Nunes (2007),

por se presenciar no autor um rompimento com a maneira de recriar a Amazônia, se

comparada à produção de alguns expressivos autores anteriores a ele.

Ao retratar um vazio deixado pelo ciclo econômico, Dalcídio procura ampliar

as vozes dos massacrados por uma economia desigual. Tal questão pode ser

entendida quando se observa nos romances a forte ligação das personagens com as

classes inferiorizadas, as classes oprimidas.

Furtado (2006) compreende que, acentuadamente, as obra de Dalcídio põem

em relevo o drama do homem, nem maior nem menor que a natureza, como faziam

os escritores que o antecederam, principalmente aqueles que, didaticamente, são

enquadrados nos parâmetros do naturalismo.

Após a realização de levantamento bibliográfico, uma percepção me foi

confirmada: o aspecto educacional, em torno da obra dalcidiana, ainda não constitui

em foco central de pesquisa. Salvo qualquer injustiça, menciono dois trabalhos que

pincelam a educação nos romances do escritor amazônida.

O estudo de Branco (2004) mencionado de forma breve, anteriormente, traz,

dois itens voltados à educação em que a autora, discretamente, perpassa pela

educação, haja vista que tal questão não corresponde ao centro de sua pesquisa, de

sua análise.

Primeiramente, a autora, no item “A história da Educação e da Formação”

discute a base da formação no século XIX sobressaindo o positivismo como

excelência no processo educacional, capaz de “conturbar” o campo literário. No item 8 Como por exemplo, a revista Asas da Palavra (v.3, n.4, 1996; v.8, n.17, 2004; v.8.18, 2004); artigos na revista Moara (n.17, 2007); a coletânea Leituras Dalcidianas, organizada por Marcus Vinícius Leite (2006), a obra Marajó, 60 anos (estudos comemorativos), organizado por Rosa Assis (2008), a promoção do Seminário Dalcídio Jurandir (Final da década 90 / UNAMA); o Colóquio Dalcídio Jurandir (Mestrado em Letras/ UFPA e da Graduação em Letras/UNAMA, 2001); a criação do Instituto Dalcídio Jurandir, junto à Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, em 2003 (fechado em 2008) e tantos outros que se encontram atualizados na última seção da biografia de Dalcídio, organizada por Nunes, Pereira e Pereira (2006).

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“A iniciação na escola elementar”, a pesquisadora transita basicamente por

fragmentos da obra Belém do Grão-Pará para afirmar que a concretização da

formação e educação do personagem assume poder de frustração.

Além dos itens no estudo sobre o romance de formação na Amazônia da

autora supracitada, encontrei um texto monográfico de Oliveira (2004), voltado a

História da Amazônia.

A argumentação da autora se refere à discussão dos ensinamentos

trabalhados nas escolas brasileiras na atualidade, basicamente a Pedagogia das

Competências, servindo assim a obra dalcidiana (Passagem dos Inocentes), apenas

como simples exemplo. A autora compara o procedimento de ensino-aprendizagem

na Escola Barão do Rio Branco, representada por Dalcídio, e a “Barão” atual,

desafiada por novos paradigmas educacionais.

Em relação ao estudo de Oliveira (2004), uma observação é necessária. Ao

analisar tal material, entendo que a autora não leva em consideração que a obra

dalcidiana é ficção. No texto da autora, paira a idéia de que “a escola era assim” e

agora a escola “é assim”. Longe de desprezar alguma produção não encontrada,

afirmo que um estudo sobre as situações educacionais, experienciadas por Alfredo,

merece ser feito. Aqui reside a investida desta pesquisa.

Ao pensar em contribuir com as pesquisas do mestrado em Educação da

UEPA, lancei-me na tentativa de fazer uma análise descritivo-interpretativa,

principalmente, da educação na Amazônia no período do pós-auge da borracha,

início dos anos 20. O movimento consiste em sair da obra e “dialogar” com o real da

época.

A relevância da pesquisa consiste, fundamentalmente, na contribuição que

poderá trazer a discussão e análise do legado romanesco deixado por Dalcídio

Jurandir, reforçando a constatação de Fares (2004), ao comunicar que hoje,

especialmente no Pará, há um movimento acadêmico crescente, a partir do final dos

anos 90 e início do século XXI, em torno da leitura e análise da obra do escritor

marajoara. Escrevem-se teses, dissertações, monografias, artigos e ensaios

relacionados à produção dalcidiana.9

9 Neste celeiro merece destaque o(s) estudo(s) de Benedito Nunes, Paulo Nunes, Marli Furtado, Rosa Assis, Gunther Pressler, Josse Fares, Artur Bogéa, Audemaro Goulart, Marcus Leite, Pedro Maligo, Wille Bolle, Ernani Chaves, Zélia Amador, Elizabeth Vidal, Silvio Holanda dentre outros.

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Penso ser válido acrescentar às produções já finalizadas e as em andamento,

um estudo acerca da educação, ainda no interior do Estado, vivido pelo personagem

Alfredo. Dada a importância da construção romanesca do escritor marajoara,

analisada por vários pesquisadores (as), compreendo que o estudo é necessário

não só porque irá ajudar no movimento crescente, observado por Fares (2004), mas

por entender que a Amazônia tem particularidades que são desconsideradas. A

educação nas pequenas localidades, por exemplo, precisa ser observada, haja vista

que retrata um quadro de esquecimento quase que total em solo amazônico.

Necessariamente, as contribuições à enfraquecida (penso que inexistente)

discussão acerca da educação no celeiro de estudos dalcidianos, me instiga a

enveredar para um caminho cujo rumo aponta para uma interpretação da

representação de educação na Amazônia, possível de ser apreendida em duas

obras do escritor do Norte. A seguir, mergulho nas obras selecionadas para a

pesquisa.

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CAPÍTULO 2

(DES) CAMINHOS DE EDUCAÇÃO DO GAROTO AMAZÔNIDA

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Tudo era por não ser mesmo o “Colégio”? Aquele colégio de faz-de-conta, visto através do carocinho de tucumã, ao pé da montanha? Para Alfredo o estudo era então algo exclusivo do Colégio, em que os verbos e os números entrassem em sua cabeça, como passarinhos na “Folha Miúda”, aquela árvore da beira do rio, defronte do chalé.

Dalcídio Jurandir, 2004, p.110. A educação escolar almejada pelo garoto amazônida o levará a caminhos ou

descaminhos do “saber formal”? A resposta à questão é observada, unicamente, por

meio de uma travessia nas obras do escritor da Amazônia. Os romances, sobretudo

o interior dos personagens criados por Dalcídio, colocam, constantemente, os

estudos “no colégio” como a excelência do saber. Entretanto, Alfredo, na Vila de

Cachoeira, ao mesmo tempo em que concorda com tal compreensão, em outros

momentos, questiona esse “saber legitimado”.

O capítulo que inicio procurará percorrer as trilhas do menino do Marajó, e

assim, levantar possibilidades de respostas(s) a questão acima veiculada. As

“situações de educação” vividas por Alfredo em Chove nos campos de Cachoeira

(1991) e Três Casas e Um Rio (1994), acontecem na Vila de Cachoeira do Arari.

Assim, inicialmente, caracterizo este local da Amazônia, representado na ficção

dalcidiana, e, posteriormente, discuto a constituição da personagem Alfredo e sua

caminhada em busca do sonho de educar-se.

As obras em si apresentam/revelam longos caminhos, discussões e

realidades amazônicas. Observada tal questão, limito-me a discutir o aspecto

educacional do menino Alfredo, ainda estudante do Marajó. Qualquer outro aspecto

a surgir na análise, ganhará passagens breves, uma vez que o objetivo aqui é

caminhar pelas “situações educativas”, vividas pelo personagem dalcidiano.

Os “momentos” educativos aparecem, basicamente, em quatro situações

experienciadas pelo garoto: a aprendizagem com seu Proença; os ensinamentos

com a professora vinda de Portugal; os breves estudos com o professor Valério e,

em sua imaginação, por meio da bolinha de tucumã, os estudos na escola Anglo-

Brasileiro, no Rio de Janeiro. Cogito ainda o entendimento de que, além do espaço

escolar, Alfredo é “ensinado” por um contexto marajoara rico em saberes, todavia,

desvalorizados por uma ideologia que legitima, unicamente, os “conhecimentos

vazios” de muitos professores daquele contexto ficcional.

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2.1 – Educação cachoeirense no contexto amazônico: uma semente perdida no remanso10

Alfredo tem como cenário de atuação a Vila de Cachoeira do Arari. De forma

sucinta é possível dizer que tal localidade pode ser apresentada com ambientação

corroída e a estampar um painel de miséria, tristeza e insatisfações impregnadas na

relutante vida dos moradores da oprimida Vila:

Os campos não voltaram com ele, nem as nuvens nem os passarinhos e os desejos de Alfredo caíram pelo campo como borboletas mortas. Mais para longe já eram os campos queimados, a terra preta do fogo e os gaviões caçavam no ar os passarinhos tontos. E a tarde parecia inocente, diluída num sossego humilde e descia sobre os campos queimados como se os consolasse. Voltava donde começavam os campos escuros. Indagava por que os campos de Cachoeira não eram campos cheios de flores, como aqueles campos de uma fotografia de revista que seu pai guardava. Ouvira Major Alberto dizer à D. Amélia: campos da Holanda. Chama-se a isso prados (JURANDIR, 1991, p.15).11

Descritivamente, o excerto possibilita a visualização de um espaço que sofre

com queimadas, falta de infraestrutura, saneamento básico, além de ser loteado por

casas e pessoas sofridas, simples. O quadro geral é de penúria. Entretanto, a

narrativa veicula frestas de momentos bons: Eutanásio, irmão de Alfredo, talvez

ironicamente, afirma observar a Vila revestida de placidez, semelhante a um cartão

postal.

A Cachoeira de Alfredo tem, em sua parte central, o chalé do Major Alberto

Coimbra, pai do menino. A residência da família Coimbra é caracterizada como uma

construção de madeira, assoalho alto, quatro janelas e clima de angústia,

principalmente, nas enchentes ao aparentar compartimentos fechados. Com a

crescente das chuvas em determinado período do ano na localidade, a única ligação

com o mundo passa a ser a pontezinha12 de madeira construída todos os anos. Na

estante, um quadro com a imagem de Augusto Conte parece impor certa ordem no

recinto familiar.

Além do chalé, moradia de Alfredo, na parte central da Vila existe um outro

chalé, o da família de seu Cristóvão e D. Dejanira, a casa da costureira Duduca e a

casa dos herdeiros(as) de Siá Rosália. Na parte periférica, correspondente à Rua

10 Conforme Assis & Cerqueira (2004), remanso corresponde à correnteza na margem oposta à do canal do rio, formando um verdadeiro funil. É também chamado de redemoinho. 11 Ao citar Jurandir, 1991, remeto-me a obra Chove nos campos de Cachoeira, publicada pela editora da UNAMA (edição crítica organizada pela professora Rosa Assis). Entretanto, vale grifar que a primeira edição do romance aponta para o ano de 1941, editora Vecchi, Rio de Janeiro. 12 O sufixo inho/inha, para o amazônida simboliza apreço, afeto ou contrariamente, desvalor, pouco caso.

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das Palhas, dois barracos existem: um da prostituta Felícia, que ostenta em sua

parede um crucifixo e uma estampa de Nova York, e o outro casebre, extremamente

miserável, é habitado por Mundiquinha.

Passado algum tempo, Dr. Casemiro Lustosa, um outro personagem, torna-se

novo proprietário dos campos de Cachoeira e, possivelmente, escamoteado na

proposta de interesses pessoais, o doutor eleva a Vila à condição de cidade e

delimita, territorialmente, o espaço cachoeirense sem considerar, principalmente, os

impactos socioeconômicos que aqueles moradores iriam sofrer.

Descritos alguns espaços e características da Vila de Cachoeira do Arari,

engendro com mais intensidade na análise da constituição da personagem Alfredo.

A infância do menino apresenta-o como garoto de pés calçados e morador do chalé

de assoalho alto, de condição financeira um pouco superior aos demais garotos da

Vila. Necessariamente, o menino não precisa balar passarinhos como a grande

maioria dos garotos.13

Alfredo é mestiço e confuso quanto a sua definição racial/étnica (a mãe é

negra e o pai branco). É inegável, e é valido reforçar, que Alfredo se sente

envergonhado por ter o pai branco e a mãe negra, não se compreendendo nem

moreno, tampouco branco. Algo que sobressai dentro de si é o ar de branco que

geralmente o impulsiona a uma superioridade em relação aos “moleques pedintes e

fedorentos de peixe”.

Somada a conturbada autodefinição, o filho de D. Amélia apresenta grande

debilidades na saúde. Constantemente, o menino é acometido com o paludismo que

o deixa injuriado, incomodado também pelas desconfortáveis feridas que surgem

nas pernas.

O menino entende que, apesar de saradas, as enfermidades deixam marcas,

e assim, difícil é ter as pernas limpas como Tales, Jamilo e outros meninos felizes,

que, com tais características, proporcionam a Alfredo o sentimento de inferioridade,

não só por não terem feridas nas pernas, mas por apresentarem certas “vantagens”,

diferente do pequeno Alfredo.

13 O fato do personagem usar sapatos e morar em casa de assoalho alto representa uma condição um pouco melhor que a dos outros garotos da Vila. O ato de balar passarinho, para grande maioria dos meninos, ganha alguns significados possíveis: ou corresponde a pura malvadeza /divertimento (em muitos casos o único), ou então, corresponde a uma forma de sobrevivência, uma busca de saciar a fome, alimentando-se da ave. Na narrativa, dada a miséria local, fica implícita a segunda significação.

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Ao flagrar Alfredo em pensamentos, concebo uma criança melancólica,

sonhadora, e indagadora quanto à impossibilidade de “verdadeiramente estudar” em

Belém, por exemplo. Definitivamente, a infância do garoto apresenta um ser mestiço,

pobre, com as pernas molestadas e a cabeça “encharcada” de sonhos por uma vida

melhor.

Alfredo, em seu interior, observa a necessidade sair da Vila que chora,

piedosamente, ao sentir seus campos queimados. Uma das “fugas” do sofrimento

presente em Cachoeira e, por extensão, no coração do garoto, talvez a única,

consiste na realização dos estudos em Belém, uma vez que Cachoeira apresenta-

se, na visão do garoto, repleta de meninos “diferentes” do padrão de garotos que

deviam frequentar a escola. O sonho do jovem cachoeirense parece fugir, a cada

momento, da possibilidade de realização:

E por mais que as mãos de D. Amélia fossem leves e pacientes sentia que aquelas feridas nunca deixariam de doer o desejo muito seu de partir daqueles campos, de parecer menino diferente do que era (JURANDIR, 1991, p. 16).

O desejo do menino de estudar em Belém é grande e urgente.

Frequentemente, algumas questões assolam o querer do jovem marajoara. Surgem

em meio as suas indagações, questões como “Porque sua mãe não resolvia logo o

caso do colégio?” (JURANDIR, 1991, p. 17), além dos constantes pedidos à sua

mãe, em que o menino anseia estudar na capital: “Mamãe, me mande para Belém.

Eu morro aqui, mamãe. Cresço aqui e não estudo. Quero estudar, quero sair daqui!”

(JURANDIR, 1991, p. 185).

Terminantemente, na compreensão de Alfredo, a Vila de Cachoeira assim

como a educação na localidade, seguem, como sementes marajoaras, singelas,

esquecidas, perdidas no remanso.

2.1.1 – A Escola de seu Proença e o ensino da tabuada, do argumento e outras formas de opressão A Vila como um todo é representada por Dalcídio Jurandir com um painel de

desencanto, muito próximo ao contexto amazônico daquele período. A educação no

interior da Amazônia, necessariamente, caminhava afinada ao contexto maior,

marcado, fundamentalmente, por “alterações sociais”.

Cercado por incertezas e dificuldades, Alfredo frequenta “escolas” em

Cachoeira, afinal, seu sonho é obter os “verdadeiros ensinamentos”. A escola, na

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figura do docente, para Alfredo, em um primeiro momento, pode possibilitar isso. A

primeira “situação educacional”14 vivenciada pelo menino corresponde à escola de

seu Proença. Trata-se de uma escola opressora e extremamente precária na maioria

de seus aspectos.

O espaço utilizado para os ensinamentos, corporifica uma educação marcada

pela imposição de conteúdos e processo educativos fixos, de memorização e

castigos em que a figura da palmatória simboliza uma educação de punições:

Ele precisa sair daquela escola do seu Proença, da tabuada, do “argumento” aos sábados, da eterna ameaça da palmatória embora nunca tenha apanhado, daqueles bancos duros e daqueles colegas vadios que todo dia apanham e ficam de joelhos, daquela D. Flor. O que diverte na sua ida para a escola são os cajus que seu Roberto apanha de seu quintal e lhe dá quase todas as tardes (JURANDIR, 1991, p. 87).

E Alfredo enquanto morador e estudante de Cachoeira continua a caminhar

pelos campos rumo à escola de seu Proença. Com o auxílio de sua bolinha de

tucumã,15 dada a não atratividade daquele “processo educativo”, mergulha em

sonhos, não desejando chegar à escola enfadonha. Assim, “Alfredo retarda o seu

caminho. Que bom não ir à aula! Um passeio nos campos seria uma viagem pelo

mundo com a bolinha de tucumã pulando na palma da mão” (JURANDIR, 1991,

p.148).

A Escola de seu Proença parece, ao menino, caracterizar-se como contrária à

escola carioca (Anglo-Brasileiro) e a maioria dos estudos supostamente praticados

em Belém, instigando-lhe, constantemente, o desejo de refugiar-se rumo a “escola

verdadeira”. Auxiliado pela bolinha de tucumã, Alfredo transita por sonhos e

imaginações que o remetem até a escola dos meninos que, certamente, no devaneio

do garoto, adquirem o verdadeiro saber:

Alfredo se achava doido para sair de Cachoeira, ir para o colégio. O Anglo-Brasileiro [...] Existia na bolinha. Queria fugir daquela perseguição de encher sacos sujos com a farinha do armário que D. Amélia mandava. Dar pratos cheios de resto de comida, sua roupa velha, acompanhar sua mãe pra tratar de alguma criança de barriga dura e com febre naquelas barracas fedorentas. Ouvir Major Alberto reclamar os gastos de casa, falar sempre que não era Casa da Moeda (JURANDIR, 1991, p. 198).

14 Ressalto que a idéia de situações educacionais justifica-se pelo fato dos romances não tratarem unicamente de educação, mas apresentam situações em que o personagem tem contato com escolas e professores. 15 O tucumã é o fruto de uma palmeira da região amazônica (Astrocarym tucumã). Depois de retirada sua polpa, sobra ao amazônida o carocinho, muito utilizado nas brincadeiras infantis.

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Ao observar o distanciamento da escola Anglo-Brasileiro (“o Anglo já era um

sonho perdido”), o menino deseja o “mínimo possível”, porém, que diferente seja do

professor que “contribui” menos que os cajueiros.

Alfredo apresenta pouco apreço aos conhecimentos transmitidos pelo Sr.

Proença. Deseja até mesmo uma escola que não fosse o Anglo, porém, que veicule

conhecimentos necessários a sua vida e, notoriamente, que contextualize ambientes

diferentes do vivido por ele:

Que desânimo para Alfredo aquela escola do Proença. O seu Anglo-Brasileiro ia se desfazendo aos poucos, ou pelo menos, se esfumando. Já queria ficar ao menos em Belém, nalgum grupo escolar. Mas a escola de Proença com a Flor, D. Rosa, o recreio à tarde, o Baltô sempre apanhando séries e séries de dúzias de bolos, Euzébia jogando a cantiga para D. Rosa, a quantidade de chamadas (JURANDIR, 1991, p. 140).

Inferioridade, angústia e desânimo são sentimentos que se avoluma no

coração do garoto. A escola de seu Proença reflete, uma vez representada como

sem atrativos e procedimentos opressores, a pequenez do “ensino primário

acinzentado” da Vila de Cachoeira. O sentimento de humilhação só não é maior

para Alfredo, pelo fato de, em alguns momentos, sentir-se superior aos meninos de

Cachoeira: “Tinha uma certa vaidade quando os moleques olhavam, com olhar

comprido, seu quilinho. Passava por eles com superioridade” (JURANDIR, 1991, p.

253).

A não atratividade da escola, somada principalmente às atitudes do professor,

marcava a vida do marajoara sonhador, que avista no Anglo-Brasileiro e em Belém a

verdadeira educação, a educação escolarizada.

Como se premeditasse a impossibilidade de chegar até a escola carioca (o

Anglo-Brasileiro é possível somente no e por meio do carocinho de tucumã), Alfredo

refugia-se nos sonhos que o lançam como estudante da instituição, diferente dos

meninos pobres da sofrida Cachoeira do Arari.

O modelo de escola ideal é ferido, na imaginação do garoto, quando ele

vivencia substancialmente a escola de seu Proença. Nas retinas e no coração do

menino, trata-se de um ambiente escolar marcado pelo marasmo, seguido de

atitudes de seu Proença, próximas às maneiras lunáticas.

Em linhas gerais, a escola de seu Proença, para o menino, não proporciona

requisitos capazes de envolvê-lo em “ensinamentos de valor”. Como se, de forma

irrisória, o narrador informa que a escola do “professor” apresenta algum aspecto

“interessante”, capaz também de debilitar os alunos: “Alfredo saiu do ‘Tríplice’, no

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único divertimento da escola do seu Proença, sentindo frio” (JURANDIR, 1991, p.

229).

2.1.2 – Professora vinda de Portugal: um ensino “trabalhado” e vazio

A outra representação de educação criada por Dalcídio Jurandir corresponde

à escola da professora vinda de Portugal. Ao continuar embrenhado na busca

incessante por uma educação escolar, o menino do Marajó sente uma gama de

sentimentos inferiorizantes invadirem seus sonhos, que, de algum modo, escoam

para bem longe tanto a escola/estudos em Belém como a conquista do mundo.

Mesmo assim, “Alfredo, cheio de incertezas e apreensões, tinha que voltar à escola

da professora chegada de Portugal” (JURANDIR, 1994, p. 87).16

Com ela, o menino experimenta momentos parecidos com os vividos na

escola de seu Proença. Basicamente, na percepção de Alfredo, tratava-se de uma

professora sem conteúdos, detentora de um ensino “trabalhado” e vazio.

A professora, logo de início e em advertência, solicita que o garoto não mais

comente sobre possíveis saídas de Cachoeira. A docente aconselha ao menino que

não mais deseje viajar para Belém, muito menos cogite efetivação dos estudos em

alguma escola na cidade equatorial.

Não contente com o pito, o filho de D. Amélia cria certa animosidade pela

professora. Alfredo, após o episódio, atenta não mais para os possíveis

conhecimentos trabalhados na escola. O que é interessante para o menino, após o

acontecido, é focalizar o tom caricatural da docente.

Na visão de Alfredo, a figura da docente perde lugar para um ser que se traja

como se preparado para um casamento, além de uma fala “trabalhada”, semelhante

à encenação de um artista de teatro. Os ouvidos do garoto, muito relutantes, colhem

“efes” e “erres” da professora, recebendo-os com menosprezo.

Para o menino, o palco da encenação da professora é decorado por pobreza

e cheiro de escola que não ensina nada, e, substancialmente, contribui para o

afastamento dos alunos do espaço, ao visualizarem/sentirem infelicidades e

pobrezas por toda a parte.

16 Ao citar Jurandir, 1994, remeto-me a obra Três Casas e um Rio, publicada pela editora Cejup (PA). Entretanto, vale reafirmar que a primeira edição do romance aponta para o ano de 1958, editora Martins, Rio de Janeiro.

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A escola, a professora recém chegada de Portugal e os

procedimentos/recursos por ela adotados, colaboram decisivamente para o

sentimento e a constatação de inferioridade, acentuadamente educacional, dos

meninos da Vila de Cachoeira:

A escola era instalada na própria casa da professora. Sala de paredes descascadas, cobertas de fumaça; o teto sem forro, de telhas sombrias, arqueava-se sobre as carteiras gastas e aleijadas. Com a impressão da recente morte de Juca, o aluno mais velho, havia também um ar de luto em todas as meninas e meninos. Cadernos tarjados, professora vestida de mortalha, quadro negro como um ataúde, torrões negros na parede do corredor. As portas escuras mostravam o fundo esfumaçado da cozinha de chão batido de onde a cria de casa, a Colo, ágil e astuta, fazia sinais e caretas (JURANDIR, 1994, p. 88).

A moradia e o espaço educativo representados figuram uma educação à beira

do caos, em ruínas. As tarjas nos cadernos dos alunos caracterizam mais que o luto

pela morte do colega de classe; representam, sobremaneira, a contenção de uma

educação capaz de oferecer consciência crítica aos jovens cachoeirenses.

Necessariamente, infere Alfredo, falta vida, “realismo”, no ato educativo da

professora.

A narrativa possibilita ainda que seja somada a estrutura, aos recursos e a

proposta educativa da escola, uma professora que, em relação às meninas que ali

estudam, esbanjava roupas e penteados elaborados, capazes de deixar as

estudantes da Vila, quando comparadas à mestra, com aparência de mendigas.

De “educação finíssima”, a professora exterioriza “efes” e “erres” que, até

certo ponto, somado a um sotaque português, divertia o chalé, recinto estudantil e

residencial. Muito mal remunerada, constantemente, a professora indaga quando irá

aumentar o ordenado tão escasso que recebe.

Frente a um “processo” educacional fraco, em que um velho papagaio da

vizinhança solta palavrões e assim parece ensinar ou realizar a verdadeira educação

dos alunos, Alfredo se lança a mais uma imaginação caricatural e pejorativa da

professora:

Para Alfredo, que se rendia a sonolência e ao tédio, a professora virava um ser de giz, esponja e lápis, rosto de palmatória, orelhas de borracha, unhas de mata-borrão. E toda essa combinação de materiais escolares, pó de arroz e cabelo vestia-se, movia-se, falava! (JURANDIR, 1994, p. 89).

Os conteúdos transmitidos pela professora, necessariamente, destoam da

realidade dos meninos da Vila, que buiavam17 em ensinamentos válidos somente

17 Variante de boiar utilizada em grande parte da Amazônia.

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para a própria professora. Paira na professora certo ar de superioridade por ter

estudado/vivido em Portugal.

O fato de ser “bem letrada”, tal como Edmundo Menezes, proprietário da

fazenda Marinatambalo, faz da docente um ser que aprecia e supervaloriza valores,

sobretudo europeus. Para a professora é melhor fazer “ouvidos de borracha” frente

aos valores, problemas e saberes locais.

Tanto a docente como os contatos com Edmundo Menezes aguçam em

Alfredo pensamentos do tipo: a educação e o saber escolar não servem apenas para

mascarar as pessoas? E seguido por outras indagações e mergulhado em um

mundo em ruínas, Alfredo se sente mais fragilizado ainda com a morte de sua irmã e

de Lucíola, além da triste percepção de que sua mãe consumia álcool. Será possível

um dia “verdadeiramente estudar”?

2.1.3 – O professor Valério, a educação penosa e os “trabalhinhos” para sustentar-se Enquanto não é possível estudar em Belém, como medida paliativa, D.

Amélia pensa em matricular seu filho em outra escola, a do professor Valério. Na

verdade, atenta ela para a ausência de dinheiro que, de certa forma, impossibilita a

transferência do filho para Belém, e, assim, impede o menino de interagir com uma

escola possivelmente melhor, pelo menos diferente das frequentadas pelo garoto.

A debilitada condição financeira da família Coimbra cogita o entendimento de

que Alfredo estudará por longo período com o professor Valério, o novo docente na

trajetória rumo aos “verdadeiros estudos” do garoto.

O docente, com um ordenado parco, luta para se manter na função. Chega a

realizar ensinamentos com pena de seus alunos fiquem sem aulas, abandonados, à

margem de uma educação tão sonhada pela grande maioria dos pequenos de

Cachoeira.

Comparativamente, poucas características diferenciavam o Prof. Valério dos

dois outros professores que “ensinaram” Alfredo, dado o padrão escolar

implementado no interior do Estado, em especial na Vila de Cachoeira. Indignado

com a inacessibilidade de um estudo como sempre sonhou, o menino realiza nova

fuga rumo à capital paraense.

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A tentativa fracassa. Ao retornar, reconcilia-se com a mãe, porém, questiona

a temporalidade de seus estudos com o professor, afinal, seu desejo é estudar em

Belém. Não muito contente, Alfredo aceita a posição da mãe em matriculá-lo na

escola, no período da tarde, por um valor de dez mil réis por mês:

- Você, meu filho, não vai freqüentar a escola de manhã. Seu pai paga suas aulas da tarde. Com você, ele não será ríspido. E você sabe que o professor Valério, coitado, não liga ao ensino por que o governo não paga o pobre há mais de três anos. Foi obrigado a pescar, a aceitar trabalhinhos de guarda-livros nas tabernas. A escola estadual não fechou, por que ele se compadeceu das crianças. Estudou na Escola Normal. Sua família teve. Aquela casa velha onde ele mora com a mãe foi um casarão. O que ficou é só uma parte da casa (JURANDIR, 1994, p. 287).

A fala de D. Amélia não apenas tonifica o passado esplendoroso para muitas

famílias no auge econômico, como situa a decadência de muitos lares abastados.

Valério é símbolo de decadência. Os estudos na Escola Normal retomam um

passado de acesso ao saber oriundo das cidades.

O desejo de D. Amélia repousava na vontade de que o docente trabalhe

“algum” ensinamento capaz de “desenvolver” o pequeno Alfredo. Talvez a rispidez a

que se refere a mulher de major Alberto consista nos valores recusados, até então,

por Alfredo.

Os estudos com o professor Valério duram muito pouco. Cerca de uma

semana. Na outra, o jovem marajoara parte para Belém. Assim, a narrativa

apresenta D.Amélia decidida a conseguir um local para o filho morar na capital

paraense e lá estudar.

Com a entrada do ano novo, Alfredo sente a alma, sempre agitada pela

vontade de estudar em Belém, acalmar um pouco. E com o coração e a alma

transbordantes de esperança, o pequeno menino de Cachoeira parte rumo a Belém

decidido a honrar-se e a honrar a mãe. Os estudos na cidade equatorial tornariam

possível um novo Alfredo.

O deslocar-se rumo à cidade de Belém, em busca de um saber e ambientes

sonhados, transpiram, sobremaneira, anseios do garoto e da mãe analfabeta e

sonhadora com dias melhores para o filho.

O rio é rua que deságua em Belém. O mesmo rio que oferece saída das

“ruínas educativas”, ganha outras simbologias para a vida-trajeto de Alfredo. Serve,

fundamentalmente, para o sustento dos moradores de Cachoeira dada a imagem de

Alfredo pescando entre as frestas do assoalho, assim como representa as águas

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que afastam o menino do mundo, ao isolar e ofertar ao marajoara, a impossibilidade

de encontrar-se com Belém, e, consequentemente, com a escola almejada.

Além dos estudos efetivados em Belém, Alfredo chega a se imaginar aluno do

Anglo-Brasileiro, no Rio de Janeiro. Complementar as situações de educação vividas

pelo menino, cabe as perguntas: será um dia Alfredo aluno do Anglo? Como se

apresenta a instituição carioca ao ponto do menino almejar efetivação dos estudos

na escola fluminense?

As respostas, a tais perguntas podem ser observadas a seguir. Entretanto,

vale adiantar que a Anglo Brasilian School, carregada de valores ingleses, aparece

como contraponto às possibilidades e experiências educacionais vivenciadas por

Alfredo. Em síntese, a Anglo é inacessível ao menino.

2.2 – A escola Anglo-Brasileiro: contraponto a “escola real” do jovem amazônida A realidade educativa no início dos anos 20, na Vila de Cachoeira, apresenta

calamidades. Possivelmente, em Belém, infere Alfredo, a educação escolar é

realizada. Além de sonhar com os estudos praticados, ao menos em Belém, em

alguns momentos no escrito dalcidiano, é possível imaginar o personagem Alfredo,

por meio da bolinha de tucumã, em desejo constante de admissão na escola Anglo-

Brasileiro, no Rio de Janeiro.

O pertencimento ao Anglo é “materializado” pelo caroçinho mágico, realizador

dos sonhos do menino. Alfredo ilustra a mente com a possibilidade de estudar na

escola dirigida pelo professor Sr. Charles W. Armstrong, localizada na chácara

“Paraíso”, São Gonçalo, Niterói.

Viu numa revista o retrato do colégio Anglo-Brasileiro do Rio de Janeiro. É nele que quer estudar. Os meninos ali devem ser bonitos e fortes. A vista da praia e das montanhas levam Alfredo para uma viagem ao Rio onde estudará no Anglo-Brasileiro [...] Depois o Anglo-Brasileiro o libertaria das feridas que D. Amélia, sentada no chão, lavava com água boricada sob o olhar da Minu, curiosa. De vez em quando aparecem. A febre faz Alfredo mais agarrado à rede, às revistas, aos caroços de tucumã que jogava na palma da mão. Com um carocinho daqueles imagina tudo, desde o Círio de Nazaré até o Colégio Anglo-Brasileiro (JURANDIR, 1991, p. 87).

O que o personagem talvez não imagine, é o perfil dos alunos exigido pela

The Anglo Brasilian School, no Rio de Janeiro. A escola, de propriedade e direção

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do professor de lógica, Sr. Charles, traz logo no início de seu estatuto, publicado no

Diário Oficial, uma síntese de sua concepção acerca da educação:

A Succursal Fluminense do Gymnasio Anglo-Brasileiro «The Anglo-Brasilian School», como estabelecimento matriz, tem por fim: proporcionar aos alumnos uma educação completa e segura, procurando a sua directoria cumprir rigorosamente o programma de ensino do Gymnasio Nacional. A fiel execução deste programma exige tanto os processos práticos como os theoricos (GYMNASIO ANGLO-BRASILEIRO, 1910, p. 2355).

Talvez, diante da informação inicial, Alfredo perguntasse: o que são esses

processos? O que aprendi com Proença, Valério e a professora vinda de Portugal

vale, nem que seja um pouquinho, como processos práticos e teóricos? Ao observar

o enunciado da escola carioca, compreendo que Alfredo ao falar da Anglo, se refere

a um estabelecimento disciplinado, que segue o programa do Ginásio Nacional,18

referência em termos de educação de qualidade.

A escola carioca, dentro dos parâmetros mais gabaritados em educação

primária da época, apresenta o regime de internato e externato. Algumas

características da instituição, “como em uma rolagem do carocinho pelo chão”,

demarcam a impossibilidade dos estudos do jovem Alfredo na escola fluminense.

O internato

Condições de hygienicas – O edifício do collegio, completamente reformado para o fim a que serve, de accôrdo com a planta preparada pelo director, e todas as exigências da hygiene moderna, acha-se situado no meio da belissima Chácara do Paraíso, que pertencia antigamente a Mr. H. de Lisle, que foi gerente do London and River Plate Bank. A Chácara compreende oito alqueres de terreno, contendo bellos jardins, recreios arborizados, muitas alamedas de bambus e de mangueiras, tanque de natação, logar para jogo de laion-tennis etc. O menino que trouxer bicycleta terá amplo espaço para este exercício. No prédio, as janellas, tanto das salas de aulas como dos dormitorios, são numerosas, altas, largas, e todas providas de venezianas, para facilitar a perfeita ventilação de noite e de dia. O collegio possue campos para o jogo de foo ball, e outros exercícios athleticos, com que os meninos possam, segundo o systema inglez de educação physica, desenvolver o corpo, entretendo-se ao ar livre em diversões viris e salubres, nas horas frescas de manhã e de tarde. Sendo MENS SANA IN CORPORE SANO a legenda do collegio, todos os esforços da sua directoria miram á perfeita harmonização da educação pysica, intellectual e moral, pois a primeira necessidade da creança é a robustez do corpo, da qual resulta o seu contentamento geral e a sua predisposição para a cultura intellectual e moral (GYMNASIO ANGLO-BRASILEIRO, 1910, p. 2355).

18 O tempo histórico “vivido” por Alfredo, tanto em Chove nos campos de Cachoeira como em Três Casas e um Rio, sinaliza para o início da década de 20. A Anglo-Brasileiro (matriz paulista), por sua qualidade em ensino, ganha equiparação ao Ginásio Nacional, por meio do decreto n. 6206 em 5 de novembro de 1906. A filial carioca localizada na fazenda “paraízo” é equiparada ao Ginásio Nacional em 22 de setembro de 1910 (EGAS, 1907).

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Robustez do corpo, predisposição para a cultura intelectual e moral. Aqui já

se observa à inadequação/exclusão do amazônida Alfredo. A escola carioca

idealizada em “viril” harmonia física, intelectual e moral, parece afogar o sonho do

menino dos campos de Cachoeira.

A instituição assentada em valores de educação inglesa, apregoa atividades

físicas, utilização de aparelhos para exercícios atléticos, e sobremaneira, que os

alunos da instituição apresentem, antecipadamente a admissão, uma saúde não

comprometida com moléstias ou qualquer outra debilidade física, chocando-se tais

aspectos à vida do “empaludado” Alfredo:

O collegio é um sanatorio, e faz estudo especial das leis da hygiene. Não aceita, porém, como alumnos, meninos fracos e anêmicos ou com moléstias contagiosas ou hereditárias. Estes são excluídos a bem dos outros. Outros pontos de hygiene, etc. – Os alumnos internos acham-se sob os cuidados immediatos do director e do sub-director que residem no collegio. Uma enfermeira ingleza reside com a família do sub-director e cuida inteiramente dos meninos que estiverem doentes. O collegio é regularmente visitado por um médico competente, o qual, em caso de necessidade, é também chamado a qualquer hora, pelo telephone (GYMNASIO ANGLO-BRASILEIRO, 1910, p. 2355).

Ao mestiço empaludado, pobre e feridento, resta apenas sonhar. Nitidamente,

há uma “gritante” diferença entre as duas realidades educativas (Cachoeira x Anglo),

além de alunos, principalmente pelo padrão exigido, totalmente diferentes.

Assim, Alfredo, atordoado pela irrealização de seus estudos em “plano real”

na escola dos meninos saudáveis, aparenta conformidade com as “sobras de

educação escolar” ofertadas na Vila de Cachoeira: “O Anglo-Brasileiro era já um

sonho perdido. Existia na bolinha” (JURANDIR, 1991, p. 198).

Além das características mencionadas, a escola carioca apresenta altas

mensalidades, estudo de língua estrangeira, exercícios de horticultura, quadros de

honra, e, de forma geral, exames regulares, visando à disciplina e o crescimento de

um alunado que se desenvolve de forma harmoniosa ao ser educado longe de

“processos opressores”.

O quadro das cadeiras nas séries iniciais do Anglo caracteriza o tipo de aluno

que a escola dirigida pelo professor Charles objetiva formar.

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SYNOPSE DOS CURSOS

1ª classe 2ª classe 3ª classe 4ª classe

Numeração...................6 Arithmetica..................5 Arithmetica...................5 Arithmetica............5 Leitura portugueza e linguagem.....................6

Leitura portugueza e linguagem....................4

Leitura portugueza e linguagem....................2

Leitura portugueza e linguagem...........3

Leitura ingleza e linguagem.....................5

Orthographia portugueza..................2

Orthographia portugueza...................1

Orthographia portugueza............1

Calligraphia..................6 Leitura ingleza e linguagem....................5

Grammatica portugueza...................1

Grammatica portugueza............2

Total numero de horas por semana................23

Calligraphia..................5 Leitura ingleza e linguagem....................3

Leitura ingleza e linguagem..............3

Taboadas, etc..............2 Orthographia ingleza..........................1

Orthographia ingleza...................1

Total numero de horas por semana.....................23

(*)Conversação ingleza..........................1

(*)Conversação ingleza...................2

Caligraphia...................4 Caligraphia............4 Taboadas, etc..............2 Desenho................2 Desenho.......................2 Geografia...............2 Geografia......................1 Historia pátria........1 Total numero de horas

por semana.......................23

Total numero de horas por semana................26

(*) Além destas aulas de conversação, os alumnos internos praticam constantemente o inglez na vida familiar do internato. Fonte: GYMNASIO ANGLO-BRASILEIRO «The Anglo-Brasilian School». Estatutos – Succursal Fluminense.In: DIARIO OFFICIAL – Estados Unidos do Brasil. Sociedades Civis. República Federal, abril de 1910. p. 2355-2358.

A escola, entretanto, não abre mão da utilização de castigos e recompensas

vistos como meios disciplinares regulamentados e organizados de acordo com as

normas do Ginásio Nacional em seu art. 46. Os castigos, por exemplo,

correspondem a prisões durante os recreios, marchas ao ar livre, em horas frescas,

da manhã ou da tarde, prisões em pé nas horas de recreio (MOTTA, 1904).

Ajustados aos preceitos do Ginásio Nacional, o estatuto da Anglo assim comunica:

O menino não é opprimido com regulamentos exigentes, como em em

muitos collegios; não é vigiado a cada passo como um suspeito; o director e os professores procuram captar a amizade dos alumnos; e o respeito destes se obtem não pelo rigor e freqüência dos castigos, porém com a sua certeza e absoluta imparcialidade.

A vigilancia não deixa de ser escrupulosa apezar de não ser opressiva, e os meninos nunca se acham sós. Os inspectores são auxiliados em toda a parte pelos monitores na manutenção da boa ordem e da moralidade. Enfim a vida do colégio é a de uma família bem ordenada e não de um quartel. A directoria procura incutir nos meninos o desejo de se tornarem perfeitos cavalheiros. Os preceitos de civilidade á mesa constituem uma parte do ensino. Nas lições de moral aos domngos, as virtudes proprias do homem bem educado são collocadas em primeiro logar (GYMNASIO ANGLO-BRASILEIRO, 1910, p. 2355).

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O narrador e o interior do personagem parecem conhecer os preceitos do

Anglo-Brasileiro. Assim, diante de tais indicativos, Alfredo observa a escola dos

sonhos se afastar. Aceita o menino, ao menos, a realização dos estudos em uma

escola em Belém, porém, que não repita o quadro de “sobras de educação” como a

presente em Cachoeira: “Que desânimo para Alfredo aquela escola do Proença. O

seu Anglo-Brasileiro ia se desfazendo aos poucos, ou pelo menos, se esfumando. Já

queria ficar ao menos em Belém, nalgum grupo escolar” (JURANDIR, 1991, p. 140).

É possível se considerar que há uma ironia do escritor ao colocar Alfredo em

contato com “ruínas educacionais” e, paradoxalmente, vivente/aluno (por meio da

bolinha mágica), de uma escola com concepções e práticas diferentes da realidade

do personagem.

Nitidamente, o escritor ao contrapor esses dois “blocos de modelos

educativos”, estabelece sua posição política de denúncia ao demarcar o processo

injusto que as crianças brasileiras (“não branqueadas”) sofrem, principalmente se o

assunto for educação no interior do Estado do Pará, nas áreas longínquas e

esquecidas pelo poder público da Amazônia. A Alfredo resta esperar e aceitar que o

mundo lhe ensine.

2.3 – Outras experiências educativas de Alfredo

A educação de Alfredo vai além dos contatos com as escolas. O menino se

educa na relação com o pai, com a mãe, com Andreza, com o irmão Eutanásio,

enfim, a relação da personagem com o contexto Amazônico propicia ao menino um

saber vivencial.

Contrariamente, o irmão, Eutanásio, sempre apresentou pouca estima e

grandes descuidos, somados a aborrecimentos, friezas e desapontamentos em

relação aos estudos escolares. Caracterizado com gênio difícil e comportamento

enjambrador,19 Eutanásio, na escola, sempre teve problemas com os colegas,

obedecendo o mestre somente para fugir de punições em que a palmatória era

instrumento fundamental.

A escola, assim, tinha um aluno que “estudava para apenas não apanhar de

palmatória. Se apanhasse, seria capaz de matar o mestre com uma pedrada”

19 Conforme Assis & Cerqueira (2004, p.43), trata-se de indivíduo teimoso, tinhoso.

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(JURANDIR, 1991, p. 36). O aprender, para o problemático Eutanásio, consistia na

desorganização das coisas consideradas, por ele, naturais e assim monótonas.

Ao posicionar Eutanásio e Alfredo lado a lado, entendo que esses irmãos

tinham um ponto em comum com perspectivas diferentes: a possibilidade de

mudança causada pelo aprender, pelos estudos. Enquanto Alfredo sonhava com a

melhora da condição financeira e social, Eutanásio almejava perturbar as condições

naturais da vida, fazendo, por exemplo, o sol nascer em plena meia noite.

De formal geral, observo um Eutanásio angustiado e derrotado pelos

percalços que a vida lhe impõe. O “palco” de seu sofrimento é a Vila de Cachoeira,

também cinzenta. Essa mesma localidade presencia o início e continuidade da

trajetória do sonhador Alfredo. Este, quase sempre acompanhado do carocinho de

tucumã, continua a imaginar constantemente sua ida para Belém com o intuito de

estudar:

Alfredo acorda com aquela cidade cheia de torres, chaminés, palácios, circos, rodas giratórias que lhe enchem o sonho e o carocinho. De olhos abertos para o telhado, pensa na sua ida para Belém. Seu grande sonho é ir para Belém, estudar (JURANDIR, 1991, p. 84).

Os sentimentos internos desse jovem parecem fazê-lo transpirar

desassossego, solidão e muitos questionamentos somados ao desejo imutável de

partir da Vila e ir para Belém, estudar. Esta última é a cidade ideal para Alfredo.

Nela, verdadeiramente, ele deve iniciar seus estudos e se distanciar daqueles

moleques que viviam em Cachoeira, pedintes, reveladores de um estado de miséria

constante que assola os moradores dos campos alagados.

Os estudos em Belém podem trazer a Alfredo uma equiparação a garotos

sem feridas nas pernas, a meninos “felizes”. O menino sente, constantemente, a

necessidade de se distanciar dos meninos de Cachoeira: “Alfredo não gostava

desses moleques. Brincava pouco com eles. Tinha um ar de menino branco. Dava

sobras para os moleques, com desdém, negava as coisas, via que eles eram como

bichos” (JURANDIR, 1991, p. 92).

A projeção de ver Alfredo estudando em Belém parece que, em um primeiro

momento, pouco se apresentava nos pensamentos de seu pai, o Major Alberto. Ao

contrário deste, D. Amélia preocupava-se constantemente que Alfredo acabasse

sem êxito em Cachoeira:

Quando vem com a pesada carne enfiada no dedo, pelo aterro vem sonhando com o colégio, com a sua viagem, com os seus estudos. Major

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Aberto continua indiferente ao seu futuro, mas, dona Amélia se queixa que Alfredo acaba se perdendo em Cachoeira (JURANDIR, 1991, p. 88).

A Vila e determinadas profissões na localidade parecem não ser propícias

para a “diferenciação” de qualquer indivíduo que fosse direcionado à vida

promissora, ou por conta própria a almejasse. As palavras da personagem Duduca,

costureira da Vila, parecem reforçar esse entendimento:

- Enfim, só falo as coisas que vejo e me dizem. Não arredo pé desta máquina. Tenho uma filha na Escola Normal para sustentar. Meu ideal é ver a minha filha professora. Não faço segredo disso! Também não quero que ela venha como professora para isso aqui. Deus me livre! (JURANDIR, 1991, p. 114).

Semelhante à fala de Duduca, outros moradores de Cachoeira do Arari

discutem, em algumas cenas, o valor dos estudos escolares, principalmente para as

crianças que, por desejo de mudanças econômicas da família, acabam direcionadas

para Belém como é o caso da filha da costureira cachoeirense.

A necessidade dos estudos se expressa, fundamentalmente, na busca de

uma cultura dita “culta”, “erudita” e muito diferente daquela percebida, por exemplo,

em Eutanásio, “simples” compositor de músicas de boi. A escola na/da capital

paraense traria a elevação do indivíduo pela acumulação de conhecimentos que

este teria. Nas palavras de Dr. Campos, em conversa com Eutanásio, avisto tal

entendimento:

Se minha santa mulher me visse assim! Você sabe, é uma santa senhora. Católica fervorosa. Culta. Que grande cultura! Educada em Lisboa, em Paris. Lê Homero no original. Formada em letras clássicas... Sabe quantas línguas! Tem sido mártir, não nego (JURANDIR, 1991, p. 155).

As leituras de originais, o uso de várias línguas, os estudos fora do país,

dentre outros aspectos, distancia-se da realidade educativa ofertada por Cachoeira.

O sonho parece ser o alento do filho de D. Amélia. Diante de um mundo marajoara

marcado pelas feridas e cinzas, semelhante aquele dos campos, Alfredo, na maioria

das vezes, ganha refúgio no mundo proporcionado pelo caroço de tucumã. Esse,

análogo a uma varinha mágica, consegue levá-lo até ambientes maravilhosos, a

mundos sem sofrimentos e punições. Em uma das suas vivências em outra

realidade, Alfredo encontra as possibilidades de mudança. Visualiza então, por meio

da bolinha mágica, seu pai motivado a direcioná-lo ao colégio:

E o carocinho de tucumã fez Major escrever uma carta ao intendente pedindo dinheiro, mandando falar nos estudos de Alfredo. E depois Major vai à cozinha e diz: - Arruma a minha roupa que vou levar o Alfredo para Belém, Amélia. - Mas como? Como? Se Alfredo não tem ainda roupa?

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- Bolsa! E é preciso luxo? Para tudo vocês arrumam dificuldades. - Sempre o jeito do Major. E toca D. Amélia para o Jorge comprar roupa e mandar tia Violante, às pressas, fazer uns terninhos (JURANDIR, 1991, p. 222).

Inferentemente, especulo que o que falta para o garoto e para Cachoeira

como um todo, a partir da verbalização do narrador e das palavras do próprio

personagem Alfredo, seria uma escola e profissionais qualificados (entendo aqui

bem remunerados também) para o exercício de uma educação que viesse a

dignificar não o pequeno marajoara, mas todos os moradores de Cachoeira, da

Amazônia como um todo.

Observando a pouca probabilidade dessa realidade assumir tais

características, continua o garoto sonhando com os estudos em Belém nem que

fosse em uma escola inferior a que desejava, mas que fosse na capital paraense:

Alfredo chorava, se lamentava, mordia o lençol, ainda cheirando a febre na rede, ficava estúpido e sem forças. Coçando feridas com um súbito desejo de sangrá-las mais, abri-las, ficar todo em carne viva, feridas, querendo fugir de Cachoeira, desaparecer de casa, partir nem que fosse para o Instituto Lauro Sodré (JURANDIR, 1991, p.185).

Estudar em Belém já era o suficiente naquele momento para o filho de D.

Amélia. Sua angústia torna-se maior quando começa a se comparar com Tales de

Mileto. Este garoto tem maiores e melhores chances e condições financeiras, porém,

no julgamento de Alfredo, Tales não seria um bom aluno, pois não era inteligente.

Observar que este menino estudaria em boa escola, na cidade de Belém, soava

como disputa a Alfredo, ao ventilar a chance do garoto ficar mais inteligente que ele:

Tales de Mileto embarca breve para o Instituto N. S. de Nazaré. Seu pai pode. Tem fazenda. Tales de Mileto tem fatos de gala branca, calcinha de casemira, sapatos de duas cores. É mas não sabe qual é a capital de Santa Catarina e o pai acha que é o menino mais inteligente de Cachoeira! Ora, ora, a capital de Santa Catarina... E depois o modo de Tales de Mileto. Tem uma parte de olhar para os outros fazendo pouco, mostrando que tem dinheiro, que já vai para Belém. Alfredo receia que Tales, indo para Belém, possa já saber mais do que ele, ficar mais inteligente, lhe deixar muito atrás. Tales tem um olhar, um silêncio e um jeito de quem tem certeza de que em Cachoeira só ele pode ir estudar em Belém. Isso dana Alfredo. Tales pensa que não é só porque tem dinheiro mas porque é o único que tem inteligência para estudar em Belém (JURANDIR, 1991, p. 222).20

A partir das ponderações interiores/exteriores realizadas pelo menino,

apreendo um Alfredo, consideravelmente inteligente, problematizador, questionador.

O encontro com Dr. Campos e a conversa com o tenor em Cachoeira atestam isso.

20

Registro aqui que o Instituto N. S. de Nazaré, instituição marista, sempre teve respeito na capital paraense por realizar um ensino de qualidade as camadas com poder aquisitivo considerável, em Belém do Pará. Como a escola no romance não era diretamente referendada a Alfredo, optei por não compará-la às escolas de Cachoeira, como fiz com o Anglo Brasileiro.

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A partir da recomendação dos dois profissionais, o menino deveria ser matriculado

em um bom colégio em Belém. Somente assim seria aproveitado.

Enquanto isso não se torna possível, segue o marajoara “aprendendo” com o

cajueiro e com o carocinho de tucumã. Estes, pareciam ao pequeno Alfredo

verdadeiramente professores:

Tudo fazia para que Alfredo se enchesse de sonho, de imaginações. A bolinha subia e caía na palma da mão. A realidade daquela viagem para a escola só estava nos cajus. Alfredo tinha era camaradagem pelos cajueiros. Eles ensinavam mais que o seu Proença (JURANDIR, 1991, p. 140).

Tanto os cajueiros quanto a bolinha de tucumã retornam com “ensinamentos”

a Alfredo. Decepcionado com as “escolas” que tem, o menino resolve se isolar e

refletir que sua necessidade não encerraria apenas nos ensinamentos da escola,

mas nos ensinamentos da vida. Com esta compreensão, refugia-se no devaneio. A

bolinha mágica, seguramente, torna-se sua grande amiga:

Faltava quem o compreendesse, o animasse, o ensinasse não só a estudar como lhe mostrar a vida. Sentia-se só, distante, imaginando sempre. Só a bolinha tomava corpo de gente, era uma amiga. Era o corpo da imaginação. Bolinha fiel e rica de sugestão! Ela sugeria tudo, ele achava desde a salvação do Brasil até uma caixa de charutos Palhaço para sua mãe. Sim, tinha idade para pensar já que o Brasil andava errado. E sonhava com um presidente de república que fosse o salvador do país. Nilo Peçanha, por exemplo, era uma espécie de cidadão incorruptível para ele. O mundo dos homens, de longe, ainda se mostrava cheio de esperanças de grandeza. Ele então armava um Brasil faz de conta. O palácio do Catete era um resto de caldeira velha que ficara debaixo da Folha Miúda, na beira, na beira do rio. E o Brasil entrava na terra como o primeiro país do mundo (JURANDIR, 1991, p. 141-2).

Em meio à imaginação de ambientes e modus vivendi diferentes de

Cachoeira, Alfredo reflete sobre o que tem em mente sobre a cidade desejada para

sua morada e realização de seus estudos. Duas “Belém(s)” são projetadas pelo

garoto. Uma, extremamente feia, lamacenta e pobre. Outra esplendorosa, próspera,

luminosa, repleta de progresso, cheirando a gente bonita e culta.

É esse segundo ambiente que Alfredo almeja. Porém, seu sonho parece se

fragilizar ao ter a notícia de que seu padrinho, o Sr. Barbosa, não era mais bem de

vida e vivia em condições parcas no centro da cidade. A inferioridade e a esperança

de um dia alcançar algo no mundo parecem, com esta notícia sobre o padrinho,

conflitar-se diante das aspirações de Alfredo.

O menino via o sonho do colégio boiar nos campos e se perder nas águas,

distanciando-se dele pelos lagos. A dor e a revolta complicam os sentimentos do

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garoto. As dificuldades que impediam sua chegada até a escola em Belém

aparentavam aumento. A vida de algumas pessoas, dada o insucesso quase que

geral, contribuíam para o esmorecimento de Alfredo.

Eutanásio era uma dessas pessoas que traja aura de vergonha e inutilidade,

capazes de atordoar ainda mais os sonhos do irmão sonhador. Neste sentido,

“Alfredo sentiu uma vontade de chorar, de gritar, de perguntar a Eutanásio: Por que

tu não morres? Uma vontade de lutar contra tudo que conspirava contra ele, que lhe

fechava o caminho do colégio, da cidade, o caminho do mundo" (JURANDIR, 1991,

p. 278).

Eutanásio, em determinado momento, meio que esperando a morte, já muito

doente, recebe vigília de D. Amélia, D. Tomásia, Dada, nhá Porcina, Rodolfo e Salu,

outros personagens da Vila. Alfredo assiste a agonia do irmão e, como se não

quisesse trazer mais problemas à família, resolve ficar quieto na rede com seu

carocinho de tucumã. Repentinamente o carocinho cai de sua mão e vai para

debaixo da rede de seu pai.

O sonho de educação escolar parece rolar junto ao carocinho e perder-se por

entre as frestas do assoalho. O menino encontra-se amedrontado, desesperançoso

e literalmente ilhado. O contexto que agora se apresenta a ele empurra o sonho da

escola para um lado de rio muito distante:

Os campos enchem. O chalé para Alfredo ficava mais distante do colégio, do mundo, de si próprio. Os que vivem no chalé separaram-se, desconheceram-se (JURANDIR, 1991, p. 268). [...] Alfredo saiu da janela e voltou ao seu carocinho. Estava certo de que não sairia mais daquele chalé onde todos pareciam cada vez mais desconhecidos, mas irremediavelmente separados. Não podia fugir. O colégio era um sonho, faz-de-conta era a única salvação (JURANDIR, 1991, p. 278).

Nem mesmo sonhar com a escola e com os estudos em Belém neste

momento será possível. O carocinho de tucumã, propiciador de suas fantasias, não

se encontrava em suas mãos. O sonho da escola rola com ele e leva consigo os

seus anseios de sair daqueles campos queimados de Cachoeira. Tratam-se de

campos distantes, de sonhos quase afogados e banhados de angústia.

O filho de Dona Amélia representa uma criança em processo de construção

de sua criticidade, dados os ensinamentos que o cotidiano lhe impõe. Assim,

começa a questionar a educação fora de Cachoeira dada a “inutilidade” de Edmundo

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Menezes. Seria esta a representação do mundo/educação da outra margem do rio?

Nos excertos a seguir, visualizo na obra um pouco desta questão.

Por que, por que aquele homem foi aprender para nada, foi ser doutor para estar ali? Ou o saber não era mais o mesmo de antigamente? (JURANDIR, 1991, p. 268). [...] Voltou a olhar, com súbito ressentimento, para Edmundo a quem havia pedido com ingenuidade, dias atrás, para dar umas aulas a Alfredo. Talvez este, pegando amizade nele, fugisse do ambiente do chalé. Depois, já não havia a bem dizer escolas em Cachoeira. A professora pedira licença para tratamento de saúde. O professor, resmungando algarismos, amarelo, soturno, enfeitava o quadro com a sua caprichosa caligrafia. Mas não esperava esta resposta de Edmundo: - Quer também que eu seja o pai de Alfredo?: Foi uma espécie de surdo desabafo. Nega-se a dar uma simples lição ao menino tão esfomeado de saber. Para que então estudara lá na Inglaterra? De que valiam seus conhecimentos? Ouvira-o dizer, certa vez, sem entendê-lo: Aprendi para ser um proprietário. Que queria dizer com isso? (JURANDIR, 1994, p. 345).

O excerto denuncia o conhecimento apenas como acúmulo, concepção muito

presente nas práticas educativas no final dos anos 10 e início dos anos 20, além de

revelar a fragilidade do ensino em Cachoeira ao representar o garoto marajoara

“esfomeado de saber”.

De certa forma, seria interessante para Alfredo não tomar lições com

Edmundo Menezes, dado o seu passado condenável enquanto um dos Menezes.

Estes, por vias ilegais e criminosas, acumulavam bens e terras e reduziam o povo a

uma condição miserável. O Dr. formado pela Inglaterra constituía parte dessa

categoria que ajudava a queimar os campos com injustiças e violências sociais:

Que poderia ser Alfredo? A Alfredo a quem neguei dar lições. É verdade, é verdade... Mas de que valia ensinar o que ainda sei? O conhecimento que adquiri foi como água num copo sujo. Ninguém pode bebê-la. Está contaminada. Alfredo aprenderá por si mesmo. Saberá aprender, com tremendas dificuldades, o que aprendi sem nenhuma e inutilidade. Ele não quererá um professor que carrega ossos de criança no bolso. E que destino teria essa criança? (JURANDIR, 1994, p. 348).

O passado desses moradores de Cachoeira apontava para uma herança em

que os pequenos como Alfredo viessem a pagar por grandes precariedades. Não se

podia mais assistir as companhias teatrais em Belém (como é o caso do major

Alberto, que apreciava estes grupos), não se podia comprar alimentos em

abundância, ter luz elétrica em casa. Parece que tudo, nos pensamentos do menino,

corria para trás.

Mortes, isolamentos, angústias, enfraquecimento da esperança na figura de

um chalé ilhado são imagens apresentadas em uma “Cachoeira-cenário”, cinzenta e

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disposta a continuar com as cortinas fechadas, capazes, assim, de impossibilitar a

estreia de Alfredo no palco da educação de verdade. O “chalé-escola” onde o garoto

mora, em alguns momentos, representa o espaço de castigos por não saber a lição

do mundo.

O castigo era completado com a sensação de isolamento devido às

enchentes em determinado período do ano. O mesmo sentimento de frieza que

vinha com aquelas águas nas manhãs de Cachoeira, acometia a vontade do menino

de chegar à cidade. Com o coração cercado de águas frias, cabisbaixo e inquieto

consigo mesmo, segue o filho da negra Amélia.

Esta situação cinzenta ganha frestas de raios de sol com a visita de Danilo

que ao comunicar algumas notícias, possibilita a Alfredo a visualização de sua

Belém, a Belém de seu estudos. A “caixa do cinema” aparece, neste sentido, como

recurso para esta ilustração na mente do garoto:

Alfredo viajava naqueles vidros coloridos, vestindo trajes estranhos, no tirol ou na Índia, ora num trem, ora montando num urso na neve. Depois, uma casa alta, de telhado em bico, em meio de um bosque, com uns meninos na relva. A Alfredo pareceu um colégio, o seu colégio. As estampas sucediam-se, uma a uma, fixas, pedaços de países e de felicidades. Alfredo sofria quando o palhaço, de chapéu estendido, com a legenda escrita good night despedia-se, fechando-lhe as portas do mundo. Foi uma noite dedicada ao colégio, aquela noite depois do “cinema” (JURANDIR, 1994, p. 29).

A realização de seus estudos na cidade equatorial, até então, é possível

somente no mundo irreal. O colégio que verdadeiramente educava, na visão de

Alfredo, estava contido no plano dos desejos. E, contrário ao clima deixado pelo

fechar as portas do mundo animado pelo palhaço da caixa do cinema, o

aparecimento do tio do garoto, o Sebastião, ascende e comporta, com suas

histórias, um incentivo para as incursões do menino rumo às conquistas.

Ao observar no tio essa possibilidade de abrir as portas do mundo (e aqui

entendo também do colégio), Alfredo contagia-se e arranja ânimo para continuar

sonhando com os estudos em Belém e, assim, não mais sentir-se como os

“moleques pés-rapados”:

O menino correu os dedos pelas cordas do violão, como se fosse correndo os caminhos do tio ou já estivesse partindo do chalé, longe, até o colégio. Depois, mão espalmada no bojo do instrumento, suspirou como pessoa grande. Ah, voltar do colégio, crescido e belo, e, à saída, no jardim, pousada numa flor, esperando-o a formiga taoca (JURANDIR, 1994, p. 87).

Em meio a problemas familiares e reavivada sua vontade de “saber” na

capital paraense, Alfredo empreende fuga a fazenda Marinatambalo. Ao se deparar

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com um contexto de ruínas na fazenda, aparecem em seus pensamentos, perguntas

relacionadas à função/utilidade do conhecimento, do saber. Em sua percepção

pouco adiantava Edmundo Menezes estudar bastante, até mesmo fora do país, e

não conseguir reestruturar a fazenda dos Menezes. Buiando novamente em

indagações, não estaria Alfredo a pensar: Os estudos, saberes, iguais a este de

Edmundo, tem algum valor? Para quê? Para ser proprietário? E o que seria isto?

Como a vontade de “tentar” é maior, o menino é arrastado por uma enxurrada

de confusões em seu pensamento e, assim, atira fora o caroço de tucumã:

Por isso mesmo, como “ser alguma coisa”, ter a mãe a seu lado fiando redes no chalé num mundo que, ao contrário daquele dos catálogos, anda para trás? Sua imaginação não bastava para apresentar-lhe as linhas precisas do caminho a descobrir. Era uma difusa ambição que começava da simples partida para o colégio, até fazer-se um daqueles deuses do livro da mitologia e carregar o chalé nas costas e colocá-lo numa das muitas ruas de Belém. Atirou fora o caroço, desta vez, vencido, coçou a cabeça, caminhou pelo bosque (JURANDIR, 1994, p. 268).

Com a repulsa à bolinha de tucumã, rejeita a abstração, pois o que necessita

é a apreensão da realidade objetiva, da Belém bonita que verdadeiramente o

educaria. Como a idéia do colégio ainda o instigava, ele tenta uma nova fuga à

cidade de seus anseios: “Na manhã seguinte, decidiu fugir novamente com toda a

segurança, mas pelo rio, com um rumo certo: Belém” (JURANDIR, 1194, p. 287).

Fracassado o plano devido à delação de Andreza, sua amiga, Alfredo retorna

ao chalé. Junto à menina, o marajoara, após duas fugas fracassadas, encontra-se

com a meninice de sua Vila ao brincar com a peralta colega. Na brincadeira,

objetivavam não deixar secar a lagoa e, consequentemente, manter ali a princesa

encantada. Observo na cena um breve momento em que Alfredo vive situações

semelhantes àquelas vividas pelos “moleques pé-rapados da Vila”.

Com o retorno de sua mãe, vinda da capital paraense, enche-se de

esperança o coração de Alfredo por avistar a consolidação de seu sonho: iria para

Belém com o objetivo de estudar. Moraria na casa da família Alcântara. Assim, o

marajoara parte nas águas altas de abril que o surpreendem com perspectivas de

barrar seus sonhos. O rio-rua, no momento, ameaça obstruir o tráfego do jovem

sonhador:

Corriam brados de popa à proa, por isso o barco assumia imensas proporções, como se imitasse, no tamanho, o medo dos homens. Alfredo tremia um pouco. Um farol inclinou-se para o caos, o que pareceu multiplicar as ondas contra a embarcação, que avançava sempre, bordejando. Outras ondas assaltavam-na, a verga mordia o mastro que parecia estalar. Ao largo,

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passou um barco, quase indistinto. Trocaram-se gritos que o vento confundia e levava. Para vencer o medo, o menino tentava fazer de conta que via o clarão de Belém, ouvia o ruído da cidade agora arremessada para mais longe, no escuro, separada pelo vento, mares e relâmpagos (JURANDIR, 1994, p. 387).

Após grandes momentos tenebrosos, a calmaria transborda na alma do

menino que avista placidamente a cidade que o espera. Parecia estar lançada a

sorte, com indefinições de alto mar, ao inteligente garoto dos campos de Cachoeira.

Aliviada, D. Amélia desabotoa um feixe de sorriso silencioso como se desejasse

todo sucesso possível ao filho. Pronto para desembarcar na cidade desejada, o

menino derrama-se em esperança e ansiedade rumo à efetivação dos estudos tão

desejados e, até então, possibilitados somente no carocinho de tucumã.

O que caracteriza a educação, para o estudante marajoara, é o espaço

escolar e as práticas educativas nas quais os professores transmitem

conhecimentos e não oprimem. Em tais condições, na compreensão de Alfredo, o

aluno verdadeiramente pode aprender.

O ingresso no colégio ou na “verdadeira escola”, em que verdadeiramente

pode o aluno aprender, corresponde a um grande desejo/sonho do menino que

compreendo como acesso a educação escolar (de qualidade).

A educação escolar, em definição breve, é um “tipo” de educação que

estabelece processos fixos, intencionais, planejados e estruturados (de

aprendizagem) em que, geralmente, a escola segue um programa (currículo) e os

alunos necessitam ser avaliados pelos professores, na maioria dos casos, por prova

escrita, mensurando-se assim a aprendizagem.

A escola (e somente ela) consistia em espaço de aprendizagens para Alfredo.

O ambiente escolar enquanto espaço organizado e produtivo reside nos desejos do

garoto. Consequentemente, entendo que a representação de “verdadeira educação”

do menino, se faz com a instituição escola.

Alfredo se sente um pouco superior aos meninos de Cachoeira. Entretanto,

interage com eles, especialmente com Andreza. Além da garota e dos meninos de

Cachoeira, Alfredo estabelece relação como com seus pais, como seu irmão, com a

comunidade, enfim, Alfredo se comunica com o mundo que o cerca. Os contatos

com o mundo e, consequentemente, com os outros seres, gera o que Gohn (1999)

definiu como educação informal.

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Apoiado na ponderação da autora, compreendo que Alfredo tem uma outra

forma de educação quando se relaciona com o mundo ao seu redor. Trata-se da

educação de vivência, que é aquela ocorre no ambiente familiar, no convívio com

os amigos, nas conversas com os mais velhos, nas leituras, etc. O que demarca esta

educação, conforme a autora, são os processos espontâneos ou naturais que dela

decorrem.

Alfredo, nitidamente, vive em simbiose com o mundo. O contato com o meio

projeta um saber de vivência na vida do menino, apreendido a cada dia, entrelaçado

com o saber escolar.

As narrativas dalcidianas, especificamente Chove nos campos de Cachoeira,

apresentam uma acentuada problematização do saber escolar, sobreposto, quase

sempre por meio da fala dos personagens, ao saber vivencial. Entretanto, há um

narrador sempre disposto a reformular tal compreensão. A educação de vivência, ou

seja, o mundo, a vida em si, parece ensinar mais que a escola. Assim, o narrador

tipifica situações capazes de botar em xeque a supremacia do saber escolar, saber

legitimado.

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CAPÍTULO 3

DA REALIDADE BUIARAM FLORES DE ROMANCES OU UMA

FICÇÃO ENSOPADA DE REALIDADE

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A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando uma atitude de gratuidade. Gratuidade tanto do criador no momento de conceber e executar, quanto do receptor, no momento de sentir e apreciar.

Antônio Cândido, 1976, p. 53.

As palavras de Cândido (1976) parecem concordar com a compreensão de

Welleck & Warren (1955) quando ventilam a idéia de que o escritor não apenas é

influenciado pela sociedade, mas retorna ao seu meio, com sua obra, ao ponto de

influenciá-la. Assim, cabe a arte reproduzir a vida e lhe dar forma.

Vida e arte são elementos essenciais na confecção romanesca de Dalcídio

Jurandir. Sua produção literária encontra válida referência a documento histórico

assim como primazia de obra ficcional. No capítulo 3, procuro transitar pelas duas

obras selecionadas para o estudo, balizado pela vertente histórica e literária.

Em momento algum as concebo dissociadas. Pelo contrário. Penso que a

compreensão da obra dalcidiana, em especial Chove nos campos de Cachoeira e

Três Casas e um Rio, reside no entremeio do histórico e do literário. A separação

que faço, em grande parte do texto, justifica-se apenas pela busca de organização

didático-textual.

No capítulo anterior, em sua maioria, transitei pelas “ruínas idílicas” de

Dalcídio, destacando o aspecto educacional nas obras selecionadas para a

pesquisa. Agora, ao procurar situar o leitor, mergulho no “contexto real” do final da

República Velha, notadamente o início dos anos 20.

3.1 – O início da década de 20: algumas questões

O Brasil entre 1910 e 1930 apresenta um contexto marcado por irrupções

dramáticas de tensões e conflitos militares e sociais. Além disso, o país vive um

crescimento industrial e ideológico modernizadores. Grandes foram as mobilizações

de diversas vanguardas estéticas, políticas e culturais, visando uma idade nova para

o país.

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Conforme discute Nagle (2001), a República Velha (1889-1930), e

particularmente a década de 20, apresenta em seu domínio bases de natureza

aparentemente sólidas, dado o imobilismo no que diz respeito aos acontecimentos e

tomadas de soluções de ordem política.

O que se presencia, no último decênio da República Velha, reflete,

sobremaneira, um estado brasileiro que preserva a permanência, segundo Nagle

(2001, p. 9), dos “tradicionais imperativos”. A diferenciação deste período para os

demais que o antecedem assenta-se em um

Conjunto de sistemas, de possibilidades, e até mesmo de atuações que se revelam, à análise, como condições estimuladoras e provocadoras de um processo que se vai desencadeando. Basta que se perceba, entre 1920 e 1929, o envolvimento do país em um clima de efervescência ideológica e de inquietação social; o maior grau de perturbação provocado pelas campanhas presidenciais; o alastramento das incursões armadas; as lutas reivindicatórias do operariado (NAGLE, 2001, p. 9)

Apenas para fins didáticos, visto que a história se processa paulatinamente,

farei alguns cortes cronológicos a fim de enfatizar, mesmo que de maneira breve, as

questões de ordem política, econômica, social e cultural do início dos anos 20.21

Além de São Paulo, o quadro político do início da década de 20 mostra as

atividades centradas, sobretudo, nos estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais,

verdadeiros defensores dos interesses da elite, majoritariamente a cafeeira.

Representativamente, os mineiros eram a maioria na câmara dos deputados,

capazes de influenciar e decidir a distribuição de cargos federais, assim como a

aprovação de projetos.

Os gaúchos, marcadamente, apresentavam a maior força militar neste início

de século, ressentindo-se com a inflação que abalava a comercialização do charque,

consumido, fundamentalmente, no Rio de Janeiro e na região nordestina.

No nordeste, a presença dos coronéis com exércitos contratados forjava a

criação de verdadeiros feudos caracterizados pela imposição de poder mediante

força bruta capaz de esmagar aqueles que discordassem de seus desígnios.

Tratava-se da política oligárquica brasileira.

A estrutura de poder, fortemente trabalhada na última década da primeira

república e assentada no imobilismo social, observava no coronelismo a

21

Os anos observados na análise procuram se aproximar da administração governamental do Presidente Epitácio Pessoa (1919-1922).

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possibilidade de permanência no poder de uma elite a esmagar as classes

populares.22

Sobre essa questão, Nagle (2001) destaca que a origem do coronelismo tem

suas raízes na distribuição dos postos honoríficos da Guarda Nacional e que,

paradoxalmente, com o advento do regime republicano, o coronelismo ao invés de

ser interrompido,

passa a ser alimentado pelo desenvolvimento das formações oligárquicas e atinge um ponto mais alto com a chamada “política dos governadores”. A implantação do regime republicano não provocou a destruição dos clãs rurais e o desaparecimento dos grandes latifúndios, base materiais do sistema político coronelista. Ainda mais, instituindo a Federação, o novo regime viu-se obrigado a recorrer às forças representadas pelos coronéis, provocando o desenvolvimento das oligarquias regionais que, ampliando-se, se encaminharam para a “política dos governadores”. Assim, os “homens mais importantes do lugar”, pelo poderio econômico, político e social, mantiveram-se mais fortemente ainda como chefes das oligarquias regionais e, dessa forma, atuaram como as principais forças sociais no âmbito dos governos estaduais e federal (NAGLE, 2001, p. 10).

A constatação então, apresenta-se na configuração de um regime de trocas

ou compromissos entre os chefes locais, principalmente, os senhores das terras e o

poder público. Conforme discute Leal (1948), a situação tendenciava a uma

configuração em que, sendo rarefeita a atuação do poder público, crescia a

possibilidade dos coronéis, mesmo que extraoficialmente, exercerem uma série de

atribuições das autoridades públicas.

Com a implantação do regime representativo mais extenso, o que se

presenciou foi o poder público aumentando as forças dos coronéis, haja vista que o

governo não conseguia “amparar” o eleitorado rural, acentuadamente dependente

dos coronéis.

A necessidade de assumir um alto ou equiparado poder na sociedade

brasileira acompanhou os propósitos da classe média urbana que, crescentemente,

avolumava-se na política nacional ao ponto de, terminada a primeira guerra mundial,

uma aspiração liberal começar a fazer contraponto às oligarquias rurais fortemente

dominantes, alegando a necessidade de uma justiça eleitoral capaz de garantir a

honestidade nas eleições, uma vez que todo tipo de fraude era realizada.

A esse respeito, Leal (1948, p.166) destaca que o sistema coronelista foi o

responsável pelas mais diversas modalidades de fraude eleitoral, tais como “falso 22 Na compreensão de Nagle (2001), tratou-se de uma verdadeira instituição oligárquica representada pela “política dos governadores”. Esta, configurou um sistema de representação coletiva singular, de acordo com a qual as posições de mando se conservavam dentro de um grupo bastante restrito, que perpetuava a mesma composição do poder.

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alistamento, burlas nas contagens de votos, substituição de eleitores (“fósforo”), o

bico de pena, o reconhecimento dos poderes, a degola, etc.”.

O processo era assegurado por meios ilícitos. O coronelismo revelava ao

Brasil um afinamento aos preceitos de vassalagem e mera adesão pessoal, por

parte da grande maioria que era esmagada pelo soberbo domínio dos senhores,

superiores até mesmo frente aos valores industriais e urbanos em expansão.

Em síntese, a caracterização da década final da primeira república

assemelha-se a um ponto de encruzilhada. Ao mesmo tempo,

Existem condições objetivas distintas que começam a se radicalizar pela sua transformação em condições contraditórias, quando o esforço para a manutenção da ordem política tradicional começa a ser contrabalançado pelo esforço para a sua alteração. Nesse tempo, a configuração da sociedade política brasileira propunha muitos obstáculos para que as novas condições se traduzissem em novos tipos de realização política. A composição do poder, perpetuada por um colégio eleitoral assentado sobre o sistema coronelista, frustrava qualquer modificação na estrutura política (NAGLE, 2001, p. 13).

Em termos econômicos, Jordão e Oliveira (1999) enfatizam que as

estatísticas do início dos anos 20 mostram que cerca de 70% da população

brasileira economicamente ativa voltava-se para as atividades da agricultura, e, em

processo de disputa, crescia implacavelmente a urbanização na sociedade

brasileira.

Para alguns estudiosos, a década de 20 corresponde ao período de

passagem do sistema do tipo colonial para um outro esboçadamente autônomo. Os

anos 20, em sua gênese, demarcam a instalação do capitalismo na economia

brasileira, permutado de um sistema agrário-comercial para um sistema urbano

industrial.

Ainda do ponto de vista econômico, compreendo que a sociedade brasileira

começa a girar em torno da comercialização do café, principal produto para o

comércio brasileiro. Em relação a este período da economia brasileira, Nagle (2001,

p. 23) afirma que a economia cafeeira surge,

Como uma nova fonte de riqueza para o país. Principalmente depois da instalação do regime republicano, o café constituía a principal mercadoria que, no comércio exterior, fornecia a maior quantidade de divisas. Desde cedo, dois estados – Minas e São Paulo – se destacaram na produção cafeeira.

Os grandes comerciantes do café, impulsionados por emissões e

empréstimos, visando à valorização e defesa, assumem a ponta de um processo,

cujas iniciativas afirmavam um crescimento da economia brasileira.

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O censo de 1920 é esclarecedor. O total das fazendas de café, nesse ano, era de 128.424, sendo que 41.393 se localizavam no Estado de Minas Gerais e 21.341 no Estado de São Paulo, respectivamente 35,8% e 26,4% das fazendas recenseadas em cada uma dessas unidades. O número de cafeeiros era de 1.708.418.893, cabendo a São Paulo e Minas, em milhares, respectivamente 823.943 e 488.036. Cálculos aproximados para 1927 demonstram que São Paulo contribuiu com 55% e Minas com 24% da exportação cafeeira total (TAUNAY apud NAGLE, 2001, p. 23)

Cabe salientar que a fase de maior desenvolvimento da lavoura cafeeira

correspondeu a mais ampla utilização do trabalho livre, oriundo de processos

imigratórios. Dentre os estados avistados como grandes centros migratórios,

destaca-se o estado de São Paulo, que liderava o assentamento das correntes

migratórias, quer no campo, onde o governo dava passagens e alojamento para

estrangeiros que se dispusessem a trabalhar sobretudo na cultura cafeeira, quer nas

cidades, onde a mão-de-obra especializada na indústria e no artesanato encontrava

acolhida (JORDÃO & OLIVEIRA, 1999).

Os imigrantes em território paulistano ocupavam grandes espaços, tanto na

condição de operários como na condição de dominantes, majoritariamente

empresários. A cidade de São Paulo representava, no início dos anos 20, a maior

parte da máquina burocrática do país, seguida dos maiores núcleos de produtos

importados, em grande parte, transportados pelo porto de Santos, além de possuir, a

cidade paulista, os maiores bancos no solo brasileiro.

Acometido por uma série de “quebras”, a economia cafeeira brasileira entra

em crise, caracterizada fundamentalmente pela queda no preço do café. O que se

presencia, como em ajuda urgente, é uma política voltada à valorização deste

produto.

Como consequências, o Brasil deságua em aumento de preços do café sem o

devido repasse feito para os salários. O país contrai empréstimos no Exterior, que se

avolumam a ponto de, em 1928, chegarem a cerca de 45% do total da dívida da

América Latina (JORDÃO & OLIVEIRA, 1999).

A instabilidade parece querer assumir, definitivamente, as fisionomias do

Brasil. A sociedade começa a organizar-se e a fertilizar movimentos que imprimiam a

contestação como mote.

As instabilidades decorrentes da primeira guerra, à revolução Russa e os

problemas internos, por exemplo, acabaram por contribuir para o quadro de

insatisfação da grande maioria da população brasileira que, cada vez mais

organizada, inicia um ciclo de greves entre 1917 e 1920.

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Em linhas gerais, o social, em sua acepção restrita, apresenta dois pontos

merecedores de ênfase no início dos anos 20: o processo imigratório e a

urbanização. Notadamente, os setores político e econômico influenciam as

configurações da sociedade brasileira, especificamente na veiculação das novas

orientações ideológicas do início do século: o nacionalismo, o catolicismo e o

tenentismo, dentre outras.

Para Nagle (2001, p. 36), as novas configurações esboçadas por esses atores

sociais que veiculam novas ideologias,

Tentam quebrar o sistema de reciprocidade até então existente, provocando a reestruturação das velhas fórmulas de controle, bem como estabelecendo novas condutas institucionais; por isso, tais orientações devem ser percebidas como projetos alternativos para a conservação ou reformulação da ordem social mais ampla.

No anseio por novos padrões de comportamento e novas expectativas,

destaca-se, no centro das transformações, o sistema e valores de uma civilização

urbano-industrial. Assim, ou melhor, neste celeiro, nasce um elemento impulsionador

de alterações sociais: os processos imigratórios.

Conforme destaca Nagle (2001, p. 37), do ponto de vista demográfico-

quantitativo, os deslocamentos internos (de brasileiros) superam a mobilidade de

estrangeiros no território nacional brasileiro. Mas o que é relevante e merecedor de

destaque apresenta-se em linhas qualitativas:

A imigração foi elemento importante na alteração do mercado de trabalho e das relações trabalhistas, e representou nova modalidade de força de trabalho, qualitativamente diferente daquela formada nos quadros da produção escravagista. Este fato vai explicar o aparecimento de novos sentimentos, idéias e valores no processo de integração social. Resumidamente, o processo imigratório teve inequívocos efeitos antipatriarcalistas, ao colaborar para a transformação de muitos aspectos da sociedade patriarcal que continuam presentes mesmo depois de implantado o regime republicano.

A ação dos imigrantes não se limitou apenas às áreas agrícolas onde eram

exigidos melhores padrões de comportamento entre trabalhadores e proprietários,

mas estendeu-se às zonas urbanas, para as quais se sentem consideravelmente

atraídos, e contribuem, de certa forma, para a passagem do modelo agrário para o

industrial.

Tendo colaborado nos processos de urbanização e industrialização, o imigrante foi responsável pela difusão de novas idéias no campo social, do que é amostra a sua participação ao longo de movimento das chamadas “lutas sociais”, desencadeado durante o período da República Velha. Desde que contribuiu para o desenvolvimento da consciência de classe do operariado urbano como ocorreu com ampla participação de estrangeiros

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na estruturação do movimento anarco-sindicalista no Brasil – o imigrante continua a auxiliar a luta antipatriarcalista (NAGLE, 2001, p. 38).

A luta acontece em meio ao processo de urbanização ou transição rumo a

uma economia urbana, como assim analisam alguns estudiosos do período. De

qualquer forma, acentua-se cada vez mais a concentração urbana, o que implicou

em efeitos de ordem social.

A título de exemplo, Nagle (2001, p. 38-9) apresenta alguns números que

contribuem para esta compreensão. Ao comparar a população urbana de 1890 e

1920 conclui que:

Os dados censitários obtidos nas duas últimas datas revelam que a população urbana passou de pouco mais de 1.200.000 – a população total em 1890 era de 14.300.000 – para pouco mais de 3 milhões – a população total em 1920 era de aproximadamente 30.600.000 – embora, nesses dois momentos, a relação entre população urbana e a total tenha permanecido praticamente a mesma. O que deve ser salientado, no momento, é o incremento da população urbana no espaço de trinta anos, que foi da ordem de duas vezes e meia; tudo leva a crer que tal incremento tenha sido superior entre 1920 e 1929.

A presença de imigrantes traz consigo influências citadinas com sua

diversificação de funções e tipos de organização, o que contribui também para a

ideia de que cabe à cidade a atividade de “civilizar o país”, e assim, paulatinamente,

o espaço urbano deixa de ganhar as fisionomias de simples continuidade do

cotidiano campestre, e assume a pulsante máscara urbano-industrial. Sobre a

questão, reflete Nagle (2001, p. 39):

a urbanização teve efeitos antipatriarcais, pois colabora para a passagem do estilo de vida agrário-comercial para o baseado na civilização urbano-industrial. Com o aceleramento da urbanização na década dos dez e dos vinte, vão diminuindo, aos poucos, os traços mais típicos do “Brasil-país-essencialmente-agrícola”, na sua acepção econômica e social. E enquanto fonte de idéias sociais, a urbanização tornou possível a existência de condições propícias a muitas elaborações; por outro lado, ao aceitar ou negar os novos valores da civilização urbana, tais elaborações (ideários) estavam ligados, de uma ou de outra forma, às características ou aos efeitos da urbanização.

De qualquer forma, o urbanismo e as mudanças que carrega em seu bojo

influenciaram para que os muitos intelectuais pensassem o “novo” Brasil,

acentuadamente discutido no campo cultural.

Tencionado, o Brasil respira quase que sufocado por causa de inúmeras

tensões. Mesmo com marcas latentes de tensões generalizadas na sociedade

brasileira, a burguesia do pós-guerra deleitava-se (derruía-se) em modas, perfumes,

champagnes, hábitos extravagantes de uma belle-époque, mantidos, sobretudo, à

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custa dos benefícios governamentais, da industrialização crescente, da cultura

cafeeira, assim como dos ganhos irreais na bolsa de valores do país.

Sobre o aspecto cultural do início dos anos 20, Jordão & Oliveira (1999),

afirmam que:

Notadamente no Rio de Janeiro, e em São Paulo, a idéia de que tudo o que era francês era chique e refinado dominava os sonhos de consumo e de cultura da burguesia. O domínio da língua francesa permitia a essa classe social o acesso aos grandes nomes do Parnasianismo francês, lidos em recitais, em bares e festas; expressões e citações eram correntes, e denotavam refinamento (p. 128).

Conforme ressaltam as autoras, em movimento oposto aos “bons hábitos”

dessa burguesia, em 1920, liderados por Osvald de Andrade, Menotti de Picchia,

Cândido Mota Filho, Agenor Barata, Mario de Andrade, dentre outros, a resposta

seria dada.

Favorável à mudança nos contornos culturais, a imprensa começa a publicar

artigos que visavam atacar o academicismo, o passadismo e as estrangeirices de

muitos intelectuais da época. Germinava assim um movimento de ordem política,

social e cultural (literária) que buscava romper com as ideias estabelecidas,

Assim, quando chega o ano de 1920, os “perturbadores da ordem estética” já formam um agrupamento que começa a definir, mesmo às custas da denominação de “futuristas”. A designação, no entanto – e mesmo quando empregada pelos “novos” –, é forma de auto-afirmação, sem implicar necessariamente, na idéia de que sejam seguidores da estética italiana. Quer dizer, simplesmente, que não são reconhecidos como cultores da arte apoiada nos padrões aceitos pacificamente (NAGLE, 2000, p.106).

Iniciam assim uma série de contraposições às características dos “artífices”

do romantismo, do naturalismo, do realismo, do parnasianismo, e enfim, poupando

apenas os simbolistas, passam a se opor ao grupo de regionalistas, que representa

o brasileiro na figura do “matuto opilado, do doente do sertão, no abandonado das

caatingas pestíficas!” (NAGLE, 2001, p. 107).

Imbuídos em uma necessidade de renovação (literária, estilística, cultural) os

modernistas introduzem em suas produções a ambiência e a realidade humana

brasileira. Do ponto de vista histórico e social, cabe a ressalva de que o modernismo

exterioriza um estado de espírito revolucionário, de arrebatação, mesmo não sendo

fator de mudanças aos anos posteriores a ele, e que sua voz não tenha as

embasadas amarguras do proletariado contra a mentalidade do burgo.

As amarguras, insatisfações e tentativas de transformação foram percebidas

no Pará também. O início da década de 20 apresenta o Estado do Pará em

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turbulência tal como o estado nacional como um todo. Conforme destaca Coimbra

(1981, p. 74), por volta do último decênio da primeira república (república velha),

O Pará vivia mergulhado no clima decadente da Primeira república, em meio das mazelas e das enormes dificuldades que caracterizavam aquele período. Repetiam-se no Estado, os mesmos erros da ambiência nacional, e cultivavam-se os mesmos hábitos e costumes do sistema político vigorante. Os grupos dominantes, as oligarquias locais, pautavam a conduta pelos parâmetros da órbita federal, praticando idênticos processos, com a intenção expressa de manter-se no poder. Nada faltava a esta identidade de comportamento político. O autoritarismo, o distanciamento com as bases populares, a fraude eleitoral, as perseguições, as depurações eliminando os indesejáveis, a nunca desmentida intenção de continuísmo, o revesamento no poder, os conchavos das cúpulas, eram os condimentos mais fortes que caracterizavam a vida social e política.

As dificuldades financeiras que o Estado atravessava sem observar soluções,

contribuíam fortemente para o aumento da insatisfação social e política no Pará.

Retaliações pessoais, injúrias, insultos, caracterizam a temática quase sempre

escolhida, substanciada de ódios e paixões.

A tônica, principalmente política, no cenário paraense, consistia não em

vencer adversários, mas aniquilar toda e qualquer oposição. No celeiro de penúria,

insatisfação e conflitos,

O governo não dispunha de meios para minorar as sérias dificuldades que, dia a dia, avolumavam-se e tornavam cada vez mais difícil o trato dos problemas públicos. A administração, emperrada pela absoluta falta de recursos, arrastava-se inoperante e impotente. Todo o organismo do Estado ressentia-se do mal sem cura, arrastando com ele as intendências da capital e do interior, as estruturas burocráticas, a segurança pública, os serviços essenciais, a rede de ensino e até o Poder Judiciário. Não poderia haver situação mais lamentável, e que melhor propiciasse o clima no qual se desenvolvesse os profundos descontentamentos. Nesse ambiente de crise generalizada despontou a década de 20 para os paraenses (COIMBRA, 1981, p. 74).

Em 1º de fevereiro de 1921, Antônio Emiliano Souza Castro assume o

governo do Estado do Pará, herdando a situação crítica que se apresentava,

somada a uma forte e aguerrida oposição ao governo do Estado que se avolumava.

Pondera Coimbra (1981, p.75) que:

Os descontentamentos, se faziam presentes em todas as áreas, e os ânimos iriam se tornar mais acirrados com a campanha sucessória presidencial, dividindo a classe política e a imprensa, entre seguidores da candidatura Bernardes, e os dissidentes que apoiavam Nilo Peçanha e J. Seabra.

A crise que ganhava volume no estado do Pará, refletia-se em caráter

arruinador, na situação financeira cada vez mais desesperadora, haja vista,

principalmente, que faltava dinheiro e crédito. A situação vexatória e preocupante

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em que se encontrava o Pará pode ser observada pela imprensa oposicionista da

época que, eloquentemente, vociferava a situação de ruína em solo paraense.

Gráficos, soldados, cabos, sargentos da Força Pública sofriam com as

consequências da “calamitosa” situação financeira do Estado. Em meio aos

servidores públicos, merecem destaque os professores, principalmente por

aglutinarem uma classe que recebia grandes “calotes oficiais”, como destaca a

imprensa oposicionista da época:

Os empregados do 6º grupo escolar (Wenceslau Braz) há seis meses que não recebem seus vencimentos estando a passar as maiores privações. Achando-se prestes os exames naquele estabelecimento de ensino público, difícil se torna a esses pobres servidores do Estado, além da fome que estão sentindo, se apresentarem ao serviço, visto se acharem desprovidos de roupas para tal fim (A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1921, p.1).23 [...] O regime do calote está de fato introduzido nesta terra outrora tão próspera e hoje infelicitada e desmoraliza pelo situacionismo condenável e impiedoso. O calote campeia e a miséria do povo vai, dia a dia, atingindo a culminância. Os professores são as maiores vítimas do calote oficial, o mesmo acontecendo aos demais empregados dos estabelecimentos de ensino custeados pelo Tesouro do Estado. Há 7 meses que não recebem seus vencimentos por parte do governo e há 6 meses que a Liga de ensino não lhes paga também... Urgem sejam tomadas providências que a situação dos calotes exige, a fim de que o Pará não seja mais uma vez envergonhado com a declaração de uma greve geral no funcionalismo público. A greve dos professores está iminente (A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1921, p. 1).24

A conclusão de Coimbra (1981) consiste em compreender que a situação

difícil que o Pará atravessava pode ser visualizada na Amazônia, assim como no

estado nacional em sua maior parte. O panorama político desse início de década

apresentou em seu conjunto um quadro marcado por transtornos ao povo paraense,

principalmente às classes populares. Parte da entrevista do professor Bruno Lobo ao

jornal Província do Pará parece sintetizar o panorama daquele momento na política

paraense:

A intolerância por parte da situação dominante, o desrespeito pelos direitos da minoria, a fraude, o despotismo dos chefes políticos sustentando o arbítrio, e os caprichos do governo quando para minorar a aflitiva situação de miséria e abandono se fazia necessária uma política larga e tolerante, sem ódios e paixões, e sem as circunstâncias que atualmente concordem para mais dificultar as condições da vida da população. As grandes lutas políticas entre os partidos, incompatibilidades, ódios extremados

23 A Provincial do Pará – Edição de 27 de setembro de 1921 – 1ª página – Hemeroteca da Biblioteca e Arquivo Públicos do Pará. 24 A Província do Pará – Edição de 4 de outubro de 1921 – 1 ª página – Hemeroteca da Biblioteca e Arquivo Públicos do Pará.

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concorreram em grande parte para o descrédito em que se encontra o Estado (A PROVÍNCIA DO PARÁ, 1921).25.

A década de 20 no Pará se finda ajustada à compreensão de um momento

histórico quase que completamente deteriorado e, em passos lentos, rascunhando

possibilidades de organização, orientação e desenvolvimento da sociedade

paraense. Para Coimbra (1981),

A década de 20 se nos apresenta como a triste e melancólica apoteose de um sistema esclerosado, incapaz e fadado irremediavelmente, a desaparecer, para dar lugar a um novo período, com novas características, onde tudo deveria ser modificado, em todos os níveis, a vida societária, política e social (p. 137).

Para finalizar a série, registro que os cenários nacional e local foram tecidos

com o intuito de localizar aqueles que pretendem, de certa forma, compreender uma

fisionomia virulenta do Brasil e, especificamente, da Amazônia, reapresentada por

Dalcídio Jurandir que, como “índio sutil”,26 não esconde essas páginas deterioradas

da história da Amazônia.

Longe de ser uma obra totalmente documental, a escrita de Dalcídio bebe,

substancialmente, em episódios políticos, econômicos e sociais como um todo. Em

termos de ficção, o escritor do norte apresenta ao Brasil e ao mundo um cenário

derruído em que a educação no Estado do Pará e, particularmente, no interior da

Amazônia segue a passos frágeis rumo ao descrédito. Indubitavelmente, Dalcídio foi

artista da ficção.

3.2 – Dalcídio Jurandir, artista da Ficção

Pouco se sabe que o romancista do solo paraense foi crítico de arte e crítico

literário. Mais ainda: quase não se observa que o escritor do norte se debruçou

sobre o processo de criação artístico-literário, acentuadamente com uma tomada de

consciência estética e política. Nesta esteira, compreendo que Dalcídio muito se

valeu da compreensão de James (s/d)27 e de sua militância esquerdista.28

25 Entrevista de Bruno Lobo, publicada em “A Província do Pará” – Edição de 25 de outubro de 1921 – 3ª página – Hemeroteca da Biblioteca e Arquivos Públicos do Pará. 26 Expressão utilizada por Jorge Amado em discurso proferido na Academia Brasileira de Letras na entrega do Prêmio Machado de Assis, em 1972, a Dalcídio Jurandir. 27 Em pesquisa na Casa de Rui Barbosa/Instituto Dalcídio Jurandir, encontrei entre os materiais pertencentes a Dalcídio um escrito do crítico inglês Henry James. Ao identificar valor considerável nas compreensões do crítico, optei por utilizá-lo como provável baliza do escritor do norte acerca da representação na literatura (apenas uma dentre outras). O material encontrado está quase todo

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O escrito de James, consideravelmente, procura arguir a respeito da arte da

ficção como processo de produção séria e, se assim se fizer, terá sempre um público

que a compreenderá como iniciativa serena, sem gracejos, que em nenhum

momento traz a leviandade literária dos fatos em seu bojo.

Ao especificar a discussão aproximando-a da produção romanesca, James

(s/d, p.4) evidencia a essência que esta se predispõe: representar a vida.

Espera-se, ademais, embora as pessoas se envergonhem talvez de confessá-lo, que uma produção que antes de tudo é um «faz de conta» (pois que outra coisa é uma «história»?) deva, de certo modo, falar no tom de quem se justifica – renunciará ao propósito de efetivamente representar a vida. Desse propósito, é óbvio, desiste qualquer narrativa arguta e suficientemente lúcida, pois depressa percebe que a tolerância que lhe é dispensada em tais condições não passa de uma tentativa de sufocá-la, disfarçada em generosidade. A velha hostilidade religiosa para com romance, tão ostensiva quanto intolerante e que o considera um pouco menos benfazejo à nossa parte imoral que a peça de teatro, na verdade era bem menos afrontosa. A única razão da existência do romance está em que ele intenta representar a vida .29

E esse intento do romance, provavelmente, foi percebido por Dalcídio

Jurandir. Inegavelmente, Dalcídio representa a “vida comum” na Amazônia. Esta

ganhou uma simbologia que, por mais que não trouxesse a glória dos best-sellers,

teria seu valor pelo registro de uma trivialidade ao mesmo tempo local e global. O

próprio escritor enfatiza isto:

Foi um descobrimento. Não se apagou a noite, a janela, a enchente mágica, o peixe correndo na linha. Foi a tentativa inicial de transmitir, em termos de ficção, o que vive, sente e sonha o homem marajoara. Vale como um depoimento, uma memória, uma denúncia, uma antecipação. Tentei captar o trivial, o não heróico, o dia-a-dia da vida marajoara, vida que parece tão coisa nenhuma e é, no entanto, tão de todo mundo (TORRES, MARANHÃO, GALVÃO, 1976, p. 3).

. A vida recriada nos romances amazônicos do escritor marajoara ganhou não

um falseamento, mas uma representação possibilitada pela “licença” que a literatura

traz consigo: representar não os indivíduos, mas os “tipos” que estes exercem no

meio social.

Ao criar um espaço e personagens em uma localidade, Dalcídio procura

aproximar-se da realidade objetiva dos indivíduos ali representados. Seu ofício,

amargamente realizado, passou a significar a possibilidade de “eco” a voz de um

povo sempre esquecido e sofrido.

marcado, provavelmente por Dalcídio. Posteriormente, descobri que James deixa grande legado referente ao teatro, ao romance, aos relatos curtos, ensaios, críticas literárias e autobiografias. 28 Dalcídio foi esquerdista. Em militância no PCB , sobretudo contra o fascismo, o escritor foi preso nos anos de 1935 e 1937. 29 Todos os fragmentos que aparecerem com um sublinhado correspondem a marcação, provavelmente, realizada por Dalcídio em sua(s) leitura(s).

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Em meio ao entendimento de Jurandir, cabe aqui salientar o comentário feito

por James acerca da associação do romance, antes de mais nada, ao faz-de-conta.

James (s/d) antecipa-se a aqueles que atacam o romance como criação literária cujo

objetivo consiste em “fingir” a vida real.

O romance, necessariamente, tem vida própria e, alusivamente, não comporta

a justificativa de que sua representação molhou-se “mais” ou “menos” nas águas do

“real”. James (s/d) atribui autonomia à criação romanesca ao ponto de equipará-la

aos escritos de um historiador, a tela de um pintor e a construção de um escultor: a

todas estas produções, sem concessões, cabe a tarefa de representar.

Unicamente, cabe aos indivíduos envolvidos nestas áreas, a arte de recriar

uma determinada expressão humana:

De um quadro não se espera que se humilhe para que o perdoem; e a analogia entre a arte do pintor e a do romancista, tanto quanto posso alcançar, é completa. A inspiração de ambas é a mesma, o processo (considerada a diversidade qualitativa do meio de expressão), o mesmo, seu êxito é o mesmo. Podem aprender uma com a outra. Explicar-se e apoiar-se mutuamente. Sua determinante é a mesma, a honra que se concede a uma é a mesma que se concede à outra. Os maometanos consideram um quadro algo profano, porém, muito tempo se passou desde que os cristãos faziam o mesmo, e surpreende que na mente do cristão permaneçam até hoje vestígios (dissimulados que sejam) de uma desconfiança para com a arte-irmã. O único modo eficaz de deixar de lado a questão é realçar a analogia que acabo de referir – insistir no fato de que assim como a pintura é realidade, o romance é história. Esta é a única definição geral (a qual lhe faz justiça) que podemos dar ao romance. Mas a história também é permitido representar a vida: dela não se espera, tanto quanto da pintura, que se desculpe. A matéria-prima da ficção é igualmente armazenada em documentos e registros e, a não ser que se trata inadivertidamente, é seu dever falar com segurança, no tom do historiador. Certos romancistas consumados têm o hábito de se traírem inadivertidamente, o que traz lágrimas aos olhos das pessoas que lhes levam a sério a ficção (JAMES, s/d, p. 4-5).

O romancista, na percepção de James (s/d), necessita firmar seu propósito e

sua obra como produto de uma arte assentada em uma realidade tal como faz o

historiador, o pintor e qualquer outro indivíduo que se propõe a representar a vida

cotidiana/diária, independentemente se seu meio de representação for um

documento, um registro, um romance ou uma tela.

Aqueles que justificam especificamente seu romance como produção

encharcada de puro “faz-de-conta”, e “admitem que os sucessos que narram

efetivamente não aconteceram e que podem imprimir à sua narrativa o rumo que

mais agrade ao leitor” (JAMES, s/d, p. 5), merecem total descrédito por iniciarem sua

atividade cometendo “falta de discreção nesse particular [...] traição para com um

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ofício sagrado, parece-me, confesso, um crime hediondo; é isto que entendo por

atitude de quem se desculpa” (idem). Reitera ainda o autor sobre a questão:

Isto implica que o romance está menos empenhado em procurar a verdade (por verdade, é claro, significo aquilo que o romancista considera como tal), as premissas que lhe concedemos com antemão, quaisquer que sejam que o historiador, e assim procedendo despoja-se inopinadamente de seu lugar de espectador. Representar e ilustrar o passado, as ações dos homens, é tarefa tanto de um quanto do outro escritor. E a única diferença que posso ver, favorável ao romancista – desde que bem sucedido -, está em que este enfrenta maior dificuldade na coleta de seus dados, os quais longe estão de ser puramente literários. Parece-me que lhe confere feição toda especial a circunstância de ter ele tanto de comum com o filósofo e o pintor; essa dupla analogia constitui quinhão magnífico (idem).

Sobre ofício de historiar literariamente a vida cotidiana, Dalcídio Jurandir

expõe algumas de suas compreensões. Ao criticar a produção de Jorge Amado, em

especial a obra Os Subterrâneos da Liberdade, o escritor demonstra grande

reverência à construção romanesca que não se distancia dos acontecimentos

históricos. A confecção de um romance, na compreensão de Dalcídio, pressupõem

um caminho histórico concreto no qual se desenrolam, constantemente, episódios,

personagens e conflitos.

Em outros termos, compreende Dalcídio que a efetivação com sucesso do

escrito artístico-literário, dada a sua verossimilhança, é fruto de empenho

emaranhado na curiosidade de pesquisar, principalmente, em uma “documentação

histórica extremamente cerrada” além, é claro, do contato com os participantes

deste acontecimento (JURANDIR, 1954, s/p).

Necessariamente, cabe ao artista combinar história e ficção, conduzindo a

ação em termos, sem nunca afastar-se do fato histórico verídico, pois isto,

inadimissivelmente, consiste em “arbítrio de deslocar acontecimentos da história,

recuar e antecipar fatos históricos que ocorrem ou que se presume acontecer [...]”

(JURANDIR, 1954, s/p).

A habilidade enfatizada por Dalcídio confere ao artista da palavra a inserção

de sua produção entre “as ‘belas’ artes, credenciando-se, por seu turno, a todas as

honras e tributos até aqui reservados às afortunadas profissões da música, poesia,

pintura, arquitetura”, afirma James (s/d, p. 5).

Vale ressaltar que a proximidade com o fato histórico não elimina ou diminuiu

em qualidade a elaboração ficcional, haja vista que esta se vale não de atividade

meramente próxima à arte, mas demasiadamente artística. O romance ou a arte da

ficção, nas ponderações de James (s/d), consiste em último grau estético da arte,

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por trazer, quando bem feito, proximidades com as instâncias máximas do fazer

artístico. Acerca dessa questão, algumas observações particulares merecem ênfase:

A “arte” em nossas comunidades protestantes,onde tantas coisas são pasmosamente torcidas, é atribuído em alguns círculos certo efeito deletério sobre aquêles que lhe dispensam consideração especial e para os quais ela pesa na balança. Têm-na, de certo modo misterioso, como o oposto à moralidade, ao divertimento, à instrução. Quando se corporifica no trabalho do pintor (o escultor é o outro caso!) sabe-se o que ela é: lá está diante nós, na pudicícia de seus tons cor-de-rosa e verde, numa moldura dourada; podemos ver num relance o que tem de nefasto e tomar nossas precauções. Porém, quando introduzida na literatura, torna-se mais insidiosa: corremos o perigo de seu malefício antes de conhecê-lo. A literatura deve ser instrutiva ou recreativa, e muitas mentes consideram que tais preocupações artísticas, a pesquisa da forma, não só não contribuem para aquelas finalidades como até mesmo interferem com elas (JAMES, s/d, p. 5-6).

A opinião de James (s/d) acerca desta questão continua a problematizar a

inserção da arte na literatura. Para o autor, o romance é uma arte que, com o passar

dos anos e tempos, foi acometida por produções nefastas e capazes de apresentar

ao público leitor, obras revestidas da opinião “bom”. Esta vazia opinião, conforme

parecer de James, representa diversos julgamentos, todos tão insubstanciais quanto

as obras criadas pelos escritores. Ao presenciar uma gama de produção literária

carente da verdadeira arte da ficção, surge no conjunto dos poucos verdadeiros

romances, uma voz eloquente a chamar atenção,

para o fato de que ele é ao mesmo tempo tão livre e sério quanto qualquer outro ramo da literatura [...] há e sempre houve enorme diferença entre o bom e o mau romance; o mau, juntamente com todas às telas borradas e o mármore desperdiçado, é jogado a algum desvão ou ao eterno lixo dos quintais deste mundo, enquanto que o bom perdura e irradia seu brilho e estimula nossa ânsia de perfeição (JAMES, s/d, p. 6-7).

O bom romance se volta à perfeição, e em hipótese alguma é tendenciado a

reproduzir a vida humana trajando arbitrariedades. A arte de construção do romance

tem, por excelência, liberdade em sua execução, porém, a busca pela perfeita

criação deve ser intento do escritor. A este propósito, James tonifica seu

entendimento argumentando que:

o equilíbrio ideal de uma arte que empreende tão diretamente a reprodução da vida requer absoluta liberdade. Ela vive do exercício e o verdadeiro significado do exercício é a liberdade. A única obrigação a que previamente poderíamos vincular o romance, sem incorrer na acusação de arbitrariedade, é a de que seja interessante [...]. O romance constitui, em sua conceituação mais ampla, uma impressão pessoal direta da vida: nisto reside. Acima de tudo, o seu valor, o qual se mede segundo a intensidade da impressão. Mas não haverá absolutamente intensidade e, por conseqüência, qualquer valor, a não ser que haja liberdade de sentir e de dizer. A imposição de uma linha a ser seguida, de um tom a ser adotado, de uma fórmula a ser preenchida, implica uma limitação dessa liberdade e a

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superação exatamente daquilo que mais nos excitava a curiosidade. A forma, parece-me, é para ser contemplada depois do fato: após ter sido feita a escolha do autor indicados seus padrões; depois, podemos adotar linhas ou orientações, cogitar de tons e características exteriores. Só então, podemos afinal, experimentando um dos mais fascinantes prazeres, fixar os atributos, aplicar o teste da execução. Esta pertence ao autor exclusivamente: constitui para ele, o que há de mais pessoal e é por ela que o medimos. As vantagens, o debate, bem como o tormento e a responsabilidade do romancista, tudo isso decorre do ilimitado de suas experimentações, esforços, êxitos, descobertas. Aqui, especialmente, é que ele trabalha paralelamente a seu irmão do pincel, de quem sempre podemos dizer que pinta seu quadro de maneira melhor conhecida para si mesmo (JAMES, s/d, p. 7).

Como se seguisse a concepção de James, Dalcídio compreende que a

iniciativa do escritor pode apresentar-se difusa, fracassada, na medida em que a

representação traz imagens menos típicas da realidade, pinturas menos nítida dos

caracteres revolucionários, esquematismos e simbolismos capazes de dificultar a

apresentação e o movimento dos personagens. Alusivamente à arte de pintar,

Dalcídio reitera sua crítica a Os subterrâneos da Liberdade, comunicando que:

Penso ainda que o quadro, erguido pelo romancista, num afresco grandioso, está, algumas vezes, desenhado em linhas demasiadamente gerais, de pura narrativa muito corrida. Distende-se torna rasos alguns caracteres, por fôrça de que o quadro espicha muito, mostrando a superfície e não a profundidade. As personagens não se apresentam, ordinariamente, – exceto as das classes dominantes – no primeiro plano, para serem vistas, como em close-up dos filmes, de alma inteira, em que o leitor pudesse ficar em plena intimidade com elas, fixando-as para sempre. As personagens esbatem-se, tornam-se simbólicas, cobrem-se um pouco de certo convencionalismo, movimentam-se como seres de legenda, como personagens de histórias de aventuras (JURANDIR, 1954, s/p).

James (s/d) faz questão de enfatizar que a liberdade almejada pelo artista não

corresponde à involuntária/deliberada confecção de um romance/pintura. Assim

como cada pintor tem seus instrumentos, suas técnicas, dentre outras

particularidades, cada romancista, embasado na liberdade de sua arte, imprime sua

maneira de criar entre liberdade e saber-fazer.

Para o autor, trata-se de “Questão de grau, matéria de sutileza. Se há

ciências exatas há também artes exatas, e a gramática da pintura é de tal modo

mais definida que chega a fazer diferença” (JAMES, s/d, p.8).

Ao argumentar em favor da liberdade de interpretação, James (s/d) encontra

algumas incoerências nas palavras do crítico inglês, Sr. Besant, que “prescreve”

uma série de características do romance enquanto arte de representar, assim como

traça alguns caminhos para os romancistas. No dizer de Besant, alguns preceitos

devem ser observados na elaboração do romance:

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As leis da ficção podem ser estabelecidas e ensinadas tão precisa e exatamente quanto as leis da harmonia, da perspectiva e da proporção. [...] O romancista deve escrever firmado na própria experiência, que seus caracteres devem ser tão autênticos quanto os que possa oferecer a vida real. [...]. Uma jovem senhora residente num quieto povoado do interior deve evitar a descrição da vida na caserna e um escritor cujos amigos e experiências pessoais pertencem a mais baixa camada da classe média deve prudentemente evitar introduzir seus tipos na sociedade; que devemos lançar nossas notas num simples caderno e que os apontamentos devem ser precisos; que não é de bom aviso recorrer a artifícios de linguagem ou de desenvolvimento a fim de torná-los precisos; e que cair na minúcia é pior ainda [...] que a ficção inglêsa deve ser consciente de um propósito ético que é quase impossível superestimar o valor artesanato esmerado – isto é, do estilo” (JAMES, s/d, p.8).

As observações/preceitos de Besant, em sua maioria, não convencem James.

Na crítica do autor da Arte da Ficção, tratam-se de preceitos sugestivos,

inspiradores, porém não exatos, mesmo que “sejam tanto quanto a hipótese

permitida: o que vem a ser precisamente um argumento a favor da liberdade de

interpretação” (JAMES, s/d, p. 8).

Os valores sugeridos por Besant tornam-se belos e vagos por necessitarem

da significação atribuída por nós a eles. Os critérios de realidade, sendo difíceis de

fixar, possibilitam que se afixem como reais todos aqueles caracteres e situações

que mais nos atingirem e nos interessarem. Como exemplos disso, James (s/d, p.8-

9) nos diz que:

A realidade de D. Quixote ou de Mr. Micawber é algo inapreensível: é uma realidade de tal modo colorida pela visão de seus criadores que, vivida que seja, hesitaríamos em indicá-la como modelo: expor-nos-íamos a perguntas assáz embaraçantes por parte de nossos possíveis discípulos. É ocioso dizer que ninguém escrevera um bom romance sem que possua o senso da realidade: difícil é oferecer a alguém uma receita que faça brotar este senso. O mundo é uma realidade imensa com milhares de formas: o mais que podemos afirmar é que algumas flores da ficção têm o dom da realidade e outras não o têm.

O que torna preocupante a produção destes indivíduos para Dalcídio, se

expressa em um uso inadvertido que fazem de determinados preceitos da criação

artístico-literária. Para o romancista e crítico da Amazônia, tais sujeitos,

usaram e abusaram largamente, podemos dizer romanticamente dessa “licença poética” [...] Um estudo do romantismo poderá explicar essa atitude dos romancistas, até mesmo de historiadores, que se julgam com o direito de usar a história segundo a sua fantasia e às necessidades e recursos da ação concebida no romance (JURANDIR, s/d, s/p).

A realidade em si abriga as experiências humanas e estas podem servir em

menor ou em maior grau ao romancista. Inválido e tentar mensurar a experiência

humana, pois esta, a cada produção, ganha em dimensão, apresentando sempre

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incompletudes, configurando-se produção que jamais se completa, obra inacabada.

Metaforicamente, assim James (s/d, p.9) ilustra:

É uma espécie de teia de aranha gigantesca dos mais delicados fios de seda, suspensa na câmara da consciência, colhendo em sua tessitura cada partícula conduzida pelo ar. Esta a verdadeira atmosfera da mente; e quando esta é imaginativa – máxime no caso dos homens de gênio – incorpora os mais sutis nadas da vida, converte em relações a própria vibração do ar.

Reitera ainda o autor, entendendo que a produção de uma realidade se

expressa pela conversão de idéias em imagens concretas.

Entretanto, acima de tudo era abençoada por essa facilidade que converte gotas em oceanos e constitui para o artista fonte de poder que sobrevela qualquer acidente de domicílio ou posição na escala social. A virtude de adivinhar o visto pelo não visto, de descobrir a implicação das coisas, de julgar a peça inteira pelo modelo, a aptidão de sentir a vida em geral tão completamente, que nos capacita a conhecer em particular qualquer de suas esquinas – êste feixe de dons quase pode dizer-se que constitui a experiência e ocorre no campo como na cidade, nos mais diversos estágios de educação (JAMES, s/d, p.9).

O romance apresenta-se como fruto de uma realidade e a ele, por excelência,

compete reapresentá-la. O ar da realidade parece ser a grande virtude da produção

romanesca. Os pés fincados no real possibilitam a elaboração, por exemplo, de

caracteres espelhados em realidade, porém, não idênticos e presentes, “vivos”

somente na realidade criada pelo romancista.

Talvez os maiores intentos de um artista sejam transmitir as fisionomias das

coisas, os aspectos que encerram a significação delas, a apreensão das cores, do

relevo, das expressões, das aparências, do espetáculo humano em ação.

As tarefas de um escritor, segundo Dalcídio, transcendem a um simples

registro ou descrição do homem social e de sua vida cotidiana. Enquanto produtor

de “tipos” sociais, o artista comprometido atinge amplitudes de observação capazes

de fazê-lo extrair-se de seu ponto de vista, chegando a caracterizações que o

arremetem para além de suas subjetividades.

Tal intento ganha suporte valioso nas vivências deste indivíduo. Referindo-se

a Gorki, Dalcídio expõem este entendimento exemplificando assim:

As observações de Gorki, a que me refiro, de início, são regras da arte, do romance a que devemos dar maior importância: A arte literária, arte criadora de caracteres, de “tipos”, exige imaginação, intuição, invenção. Descrevendo qualquer lojista que conheça, ou um funcionário, um operário, o escritor fotografa um homem determinado, mas essa imagem estará privada de todo o sentido social e educador, e pouco contribuirá para a amplitude, o aprofundamento do nosso conhecimento do homem, da vida. Mas se o escritor sabe extrair de cada vinte, cinquenta, cem lojistas, funcionários, operários os traços característicos de cada classe – seus

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hábitos, gostos, gestos, crenças, maneiras e falar, etc. – os extraí e refunde em um só lojista, funcionário, operário, - criará um “tipo” e isto será a arte (JURANDIR, 1954, s/p).

A “observação atenta” dos homens, na percepção dalcidiana, remete o

indivíduo à compreensão e à representação da vida. Apoiado ainda em Gorki,

Dalcídio afirma-nos que, na luta pela vida, o instinto humano, pautado na

conservação, desenvolveu na humanidade duas poderosas forças criadoras: o

conhecimento (“saber”) e a “imaginação”. Embasado nas formulações gorkinianas, o

romancista da Amazônia compreende que:

O conhecimento é a faculdade de observar, de comparar, de estudar os fenômenos da natureza os atos da vida social; em outros termos o conhecimento é “o pensamento”. Na sua substância, a imaginação é, também um conhecimento do universo, mas um conhecimento obtido principalmente por imagens, um conhecimento artístico. Pode-se dizer que os fenômenos elementares da natureza são envolvidos pela imaginação com sentimentos e qualidades humanas e mesmo com intenções (JURANDIR, 1954, s/p).

Em pequena ou grande proporção, representar a vida humana em suas

“pequenas coisas”, por exemplo, é atividade árdua, difícil. James (s/d, p.10) afirma

que: “É possível que jamais os tome em demasia, ou mesmo bastante. A vida o

solicita a transmitir a aparência mais simples, reproduzir a ilusão mais fugaz, é tarefa

por demais complexa”.

Alerta-nos o autor que a demasiada quantidade de descrição não assegura a

precisão dos caracteres, assim como a ausência ou ligeira presença destes

repercute em fragilidade para a narrativa. Descrição, diálogo e incidente devem

surgir dosadamente na construção da realidade romanceada.

A obra de arte, como o romance, por exemplo, tem como fonte geral e única

de seu êxito o mérito de ser ilustrativo. Ele “é algo vivo, uno e contínuo, como

qualquer outro organismo e, à medida que vive, suponho eu, é que se descobrirá

que se encontra em cada parte alguma coisa das demais” (JAMES, s/d, p.12).

Esse contínuo vivo, como afirma James, apresenta uma única classificação

possível: os romances que têm vida e os que não têm vida. Tanto o romance quanto

um quadro atingem a recepção de determinado público, em determinada época, de

formas diferentes.

Provavelmente, os romances que não têm vida deixam-se esvair em

fragilidades que repercutem em debilitada ilustração da realidade. O romance, nas

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palavras de James, corresponde a mais magnífica das formas de arte. Dele

necessitam seres sensíveis à vida e ao cotidiano passíveis de ilustração:

Um bom romance jamais será criado por uma mentalidade superficial, para o artista, parece-me, este axioma devera suprir todo o indispensável fundo moral: se o jovem principiante leva isto a peito, para ele se desvendarão muitos dos mistérios do “propósito” [...] Mas a única condição de que posso cogitar ao encetar a composição de um romance e, como já disse, a de um honesto. Tal liberdade constitui esplêndido privilégio e a primeira lição do jovem romancista é aprender a ser digno dela. Deves desfruta-la como ela merece – dir-lhe-ia eu – apondera-te dela, explora-a ao extremo, alardeia-a, rejubila-te nela. Totalmente tua é a vida e não dês ouvidos aos que terminariam por encurralar-te nas esquinas dela, a dizer que a arte somente habita aqui ou ali, nem àqueles que queiram persuadir-te de que esse mensageiro celestial adeja completamente fora da vida, respingando uma atmosfera superfina, o olhar desviando da verdade das coisas. Não existe impressão da vida ou maneira de vê-la e de senti-la que não caiba no plano de um romancista [...] (JAMES, s/d, p.18).

Como afirmo logo no início, provavelmente, Dalcídio Jurandir, até mesmo

pelas marcas deixadas no texto de James, usa as formulações do crítico inglês.

Além disso, compreendo que as idéias discutidas pelo crítico parecem ter encorpado

a escrita dalcidiana a partir do momento em que o escritor do norte, ao servir o ofício

de crítico literário/arte, muito se aproxima do entendimento de James.

Inegavelmente, os preceitos da Arte da ficção foram utilizados na produção do

Ciclo romanesco de Dalcídio Jurandir. Neste, o escritor assume a habilidade de um

pintor que consegue captar e condensar em sua tela romanesca o cenário

amazônico derruído, em sua mais brutal frescura, como se apanhasse o

acontecimento ali, ainda pulsante. A tinta permanece fresca e as personagens, em

tela bem esticada, sem exageros, continuam a representar “tipos”, e assim (re)criam

a Amazônia.

3.3 – Representação de Educação na Amazônia

Se representar é mesclar a realidade com tons sublimes de ficção, Dalcídio

muito se vale disso. Representar o aspecto educacional no interior da Amazônia,

tem, para o artista da ficção, provavelmente, a agridoce mistura de sua vida pessoal,

profissional e a preciosidade de recursos que a literatura lhe dispôs, e ele soube

manipular.

A educação na vida do escritor do Norte ganha singulares passagens

capazes de substanciá-lo consideravelmente em seu processo de recriação. Além

de uma vida voltada à literatura, o filho de Alfredo Pereira e Margarida Ramos

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aproximou-se bastante do campo educacional. Divido, por questões voltadas a

ordem intencionada, em dois momentos a proximidade do escritor com a educação:

o primeiro trata de um caráter mais testemunhal, e o outro de uma vertente ficcional

já apresentada, de certa forma, no capítulo anterior.

Inegavelmente, a vida do escritor amazônida apresenta características

interessantes. Conforme registra (PEREZ, 1964, s/p), é com a mãe, nos momentos

em que ela costura ou volta do fogão, que Dalcídio aprende a ler. Após a mãe, tem o

garoto uma pequena série de mestres-escola: o professor Proença, a professora

Lucinda Simões da escola Mista Estadual e o professor Francisco Leão do curso

primário, grande mestre de caligrafia.

Nas duas estantes do pai, descobre os livros, e satisfaz, em certa parte, sua

curiosidade intelectual. As lentes de Dalcídio, logo na infância, encontram-se com o

Dicionário Prático Ilustrado, No País das Artes, de Blasco Ibañez, Cultura dos

Campos, de Assis Brasil e alguma coisa de Camilo Castelo Branco.

Dalcídio adentra ao mundo da poesia por meio das Primaveras e faz também

a essa altura sua iniciação em Eça de Queiroz, “se a mãe, ao vê-lo tirar da estante o

Primo Basílio, não viesse com advertência” (PEREZ, 1964, s/p).

Em 1922, o garoto curioso do Marajó segue para a capital do estado do Pará

com a mãe, que o deixa em casa de parentes. É então matriculado no 3º ano

elementar do Grupo Escolar Barão do Rio Branco e, três anos depois, entra no

Ginásio Paes de Carvalho.

Em meio às dificuldades financeiras e a inibição, Dalcídio recua quanto aos

chamados “preparatórios” e, assim, acaba ausentando-se do Ginásio, não

concluindo o 2º ano. Sobre este fato, o escritor relembra e diz: “Era junho de 1926.

Tinha capiscado ano e meio de ‘humanidades’ e assim entrei no mundo, sem

nenhuma letra, sem nenhuma aptidão, chocando a juventude pelo subúrbio”

(JURANDIR apud PEREZ, 1964, s/p).

Com formação praticamente autodidata, o garoto se torna adulto. Conforme

informações presentes na biobibliografia do escritor, registradas na segunda edição

do primeiro romance do Ciclo Extremo-Norte, em 1931, é auxiliar do gabinete da

Interventoria do Estado. Em 1932, é transferido para 1º oficial da Secretaria de

Policial Civil, mas pede para ser lotado como 2º oficial na Diretoria de Educação e

Ensino, no que é atendido (JURANDIR, 1976).

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Em 1934, é promovido a 1º oficial da mesma diretoria, além de ser secretário

da revista Escola, e em 1939, vai a Salvaterra, Marajó, com a tarefa comissionada

de Inspetor Escolar (JURANDIR, 1976). As nuances pessoais do escritor permitem-

me inferir que tanto o lado pessoal quanto as atividades exercidas por ele,

relacionadas à educação, contribuem para o quadro romanesco que cria.

Em caráter ficcional, entendo que Dalcídio representa no Ciclo Extremo-Norte

a educação no contexto amazônico, vivida, principalmente, pela personagem Alfredo

(tanto na Vila de Cachoeira como em Belém). Na representação, trabalhada pelo

autor, observo a caracterização de algumas situações de educação vivenciadas,

sobretudo, pela personagem Alfredo: a escola de seu Proença, as aulas com a

professora vinda de Portugal, os estudos com o professor Valério, o sonho com o

ensino no Anglo-Brasileiro, do Rio de Janeiro, a aprendizagem no Barão do Rio

Branco e a primeira manhã no Ginásio Paes de Carvalho.

Diante das vivências que tem, principalmente as relacionadas a uma

educação das classes populares, Dalcídio sente-se na “responsabilidade” de

representar, amargamente, grande parte do povo amazônida que sofre e luta para

sobreviver, “famintos por saber”, como é o caso do marajoara Alfredo.

O caboclo d’água consegue, mesmo com imperfeições, como ele próprio se

refere, tocar em prol de seu povo. Tanto o instrumento quanto a forma de

aprendizagem, não correspondem aos “modos formais”, porém são executados:

Não figurei Marajó como um inferno nem tampouco como um paraíso perdido. Criei nela o meu universo, a terra encantada, e escrevi com prazer, candura e desencanto, com obstinação ingênua e saboroso desgosto, horas e horas vivi na mais divertida e amarga ilusão literária. A flauta é tosca, toquei de orelha mas toquei com sentimento (TORRES, MARANHÃO, GALVÃO,1976, p. 3).

O tocar dalcidiano tem, dentre tantas outras notas, a figura de Alfredo a

deslizar por entre um “pentagrama” amazônico e, semelhante a um maestro

mergulhado na canção, o garoto movimenta sua batuta de tucumã (tal como o seu

criador), possibilitando em sua mente uma gama de sonoridades quase que

impossíveis de percepção no palco do cinzento cenário educativo que Cachoeira

apresenta.

Dalcídio fixa-se agudamente em uma linguagem capaz de emitir um canto

frio, produtor de imagens cheias de vagares, de ritmo lento e impregnado de

escurumes, principalmente quando entoa sobre a educação. Ao harmonizar o

personagem Alfredo em companhia de sua bolinha de tucumã, Dalcídio cria todo um

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espetáculo e atuações não só para esse personagem, mas para a “arraia miúda”

como um todo:30

O caroço de tucumã, jogado na palma da mão de Alfredo, levava o menino ao diálogo com sonhos, ambições e miragens. Esse jogo solitário, no campo ou debaixo do ingazeiro, se tornou em fermento romanesco. Do grelo no caroço podre brotou Chove nos campos de Cachoeira, matriz de toda a obra. Com o tucumã na palma da mão, fui capturando almas, cenas, figuras, linguagens, coisas, bichos, costumes, a vivência marajoara que ressoa, miudinho como num búzio, em dez volumes (TORRES, MARANHÃO, GALVÃO, 1976, p. 3).

O propósito do escritor não consiste em trabalho desinteressado, mas,

sobretudo, em uma obra feita com muita franqueza, trabalho e intencionalidade

política: “um romancista tem de ter visão de mundo. Sou escritor que me vinculo a

uma ideologia. Isso não é segredo. Esse fato ajuda no estudo de observação da

vida, da diferenciação das classes, das manobras sutis" (DALCIDIO JURANDIR, s/l,

s/d).31

Assim, por meio da literatura, elabora um painel contra-hegemônico, uma

obra do dissenso em que investe em representar não os grandes herois, mas a

arraia miúda, a Aristocracia de pé no chão. O intento dalcidiano me leva a inferir que

as formulações do escritor aproximam-se muito de uma "Literatura Engajada”, ou

emprestando a argumentação de Sevencko (1999), Dalcídio faz da literatura sua

missão.

A produção literária enquanto obra comprometida com uma causa tem como

direcionamento, conforme Robert (apud DENIS, 2002, p. 32), o ato ou atitude do

intelectual, do artista que, tomando consciência do seu “pertencimento à sociedade

e ao mundo do seu tempo, renuncia a uma posição de simples espectador e coloca

o seu pensamento ou a sua arte a serviço de uma causa”. O objetivo de Dalcídio

consiste em fazer de sua literatura a arma capaz de denunciar as desigualdades

sociais e, principalmente, no meu entendimento, as educacionais, presentes na

Amazônia.

30 Ainda na qualificação, levantei a polêmica de que Alfredo não é personagem principal, no sentido de mais importante se relacionado aos demais personagens. Alfredo era, naquele momento inicial de pesquisa, “aquele um que guia” um trabalho de análise das obras. Mantenho a afirmativa por entendê-lo como personagem coletivo, que representa o povo simples e sofrido da Amazônia. Alfredo não aparece referendado por mim como “Aquele um que guia” apenas para evitar enganos como o personagem Miguel dos Santos Prazeres, “Aquele Um”, do também escritor paraense, Benedito Monteiro. 31 Dalcídio Jurandir: Negação de Publicidade – Um grande romancista brasileiro faz revelações a Jornal de Letras. In: Jornal de Letras. Casa de Rui Barbosa/Instituto Dalcídio Jurandir, RJ: acervo “Dalcídio Romancista”, [S.1; s.d.].

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O que vale também para a reflexão é que a “argamassa da sua obra

dalcidiana” é oriunda da vida que tem, somada ao componente literário representado

pela estética. Ao retratar a educação na Amazônia no início dos anos 20, Dalcídio

incorpora o entendimento de uma literatura capaz de mostrar não as escolas

particulares, mas o ensino público precário, sem qualidade, ofertado, principalmente,

no interior do Estado do Pará.

A representação de educação em Cachoeira do Arari e na Amazônia de

forma geral, criada por Dalcídio Jurandir, apresenta marcas subjacentes de uma

realidade vivenciada por uma maioria de brasileiros, sobretudo, aqueles que

moravam no campo. O desvelar metonímico do escritor acaba por salientar que

professores como Proença, Valério, a docente vinda de Portugal e tantos outros,

tornam-se figuras/tipos emblemáticos do início da década de 20.

Os “modelos” de escolas, práticas de ensino, mobiliários, edificações

escolares, dentre tantas outras características do início do século XX, podem ser,

sem nada dever aos “documentos oficiais”, observados tanto em Chove nos campos

de Cachoeira como em Três Casas e um Rio.

Diante de contextos reais e ficcionais, fica coerente afirmar que é a partir da

realidade amazônica, duramente sequelada no início do século XX, que Dalcídio

tece “flores de romances”, assim como sua realidade ficcional é substancialmente

ensopada de realidade.

Como o caráter ficcional foi tratado do capítulo anterior, sinto a obrigação de

transitar por alguns autores e documentos, por uma “informação documental”, como

afirma Aróstegui (2006) no sentido de revisitar a década de 20, especialmente seu

início. Ao me aproximar do início do século XX, observo , inicialmente, o primeiro tipo

ou representação de escola32 reapresentado por Dalcídio: a escola de seu Proença.

3.3.1 – Práticas de ensino e recursos pedagógicos deformados

Sobre esta primeira representação de educação, algumas dimensões, dentre

tantas outras prováveis, merecem destaque. Relacionado à escola de “seu” 33

32 A ideia de escola aqui trabalhada se assenta no recurso linguístico que considera na palavra escola todos os seus “elementos” possíveis. 33 Sobre a qualificação de Proença uma questão merece destaque. Observo que tanto o narrador quanto personagem não mencionam Proença como “professor” ou “mestre”, mas como “seu” ou apenas “Proença”. O personagem, diferente de Valério e da professora vinda de Portugal, provavelmente não foi qualificado para ser professor e, assim, age de forma intuitiva.

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Proença me volto a algumas questões relacionadas às práticas de ensino (talvez

também de aprendizagem) e os “recursos” pedagógicos utilizados nas aulas.

Alfredo, nitidamente, vive um desencanto com os estudos escolares na localidade de

Cachoeira ao seguir rumo aos “ensinamentos” de “seu” Proença.

Sobre o desencantamento escolar de muitos alunos no início do século XX,

Nunes (2000) afirma que as escolas primárias dos grandes centros urbanos e tantas

outras localidades no Brasil, nos anos 20 e na década seguinte, procuram construir

um ambiente escolar organizado e, acima de tudo, capaz de guiar as crianças rumo

ao conhecimento, de forma “colorida”. No período, tornam-se notórias as

festividades ao Dia da Bandeira, por exemplo.

A localidade de Cachoeira, no ano de 1922, vive esse valor de educação

patriótica “colorida”. O jornal A gazetinha, publicado em Cachoeira do Arari sob a

direção do capitão Alfredo Pereira, pai de Dalcídio, representa o preceito educativo

do início da década de 20:

A instrucção publica é a causa do povo, porque só ella, disse Antonio da Costa, grave escriptor luzitano, é que póde aperfeiçoar a saúde, a moralidade e o trabalho dos seus filhos a que lhe há de permitir crearem propriedade, fundarem famílias, envelhecerem no remanso da paz, morrerem nos braços da felicidade”. Oxalá não tenhamos o desconsolo de ver arrefecer cedo o estímulo que o acto do ser. Inspector do Arsenal de Marinha levantou nesta villa, fazendo ver quer para defensão da Pátria, tanto em terra, como no mar, é preciso, é imprescerdivel saber ler e escrever. Vem ainda a propósito os seguintes conceitos do citado escriptor, os quases bem se aplicam nesta época que estamos atravessando: “A sociedade está-se renovando. O progresso humano é a lei universal. Passamos por uma transformação manifesta. Melhorar homem, melhorar o maior numero, melhorar todos os homens eis o pendão da nova idea”. Por este pendão somos decididamente, e fazemos um apello á todos os cachoeirenses para que também o sejam, como estar a exigir o desenvolvimento e a prosperidade do nosso torrão natal (A GAZETINHA, 1922).

O fragmento do jornal acentua forte ligação entre educação e saúde, além de

certo valor patriótico. A imagem de Augusto Conte na estante de Major Alberto, pai

de Alfredo, reforça a admiração por uma educação positivista que, na percepção de

Paixão (2003, p. 120), eleva os valores de uma educação como meio mais poderoso

para o engrandecimento moral e material do Brasil. A doutrina positivista, na

compreensão do autor,

Veio paulatinamente conquistando os espíritos no Brasil desde 1850. A antiga Escola Militar foi o centro de onde começaria a sua irradiação, o que é aliás perfeitamente compreensível. Voltados para problemas matemáticos e físicos faltava aos nossos bacharéis de farda um pensamento filosófico diretor, uma doutrina científica geral, em função da qual organizassem metodologicamente o seu saber.

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O positivismo entra no Brasil ainda no século XIX com o discurso de que a

educação regenera a sociedade e assegura a evolução intelectual do moderno

espírito científico. Mesmo com esses preceitos, nem todos seguem o “modelo” de

educação. Há, ainda no início da década de 20, práticas de castigos físicos e

morais, exacerbação de vigilância do corpo, de roupas, dos modos dos alunos.

Assim, muitos professores driblam autoridades pedagógicas, medidas de controle e

avaliação ao apresentarem resultados pedagógicos deturpados.

Para Bencostta (2005), os valores negativos encontrados na educação no

início do século XX são heranças do império. E se assim realmente é, muito tem

também dos rituais religiosos nas escolas. Contudo, Ramos (1944, p. 457) registra

que em casa, local da prática educativa, uma série de truculências para com as

crianças ainda perdura:

bordoadas, socos, o uso de chicotes, pancadas com o cabo de vassoura, tamanco, correias e tábuas. As crianças também eram amarradas ao pé da mesa, despidas de suas roupas, presas em cafuas. Nas escolas: palmatória, com várias modalidades (palmatória furada, bolos com milho na mão), cascudos, puxões de orelhas, beliscões, permanência de joelhos em cima de grãos de milho ou feijão, permanência em pé em cima de um banco, orelha de burro e a bola de cera, realizada no interior de São Paulo.

O entendimento que circunda o quadro buia ao ponto de indagar: mas e a

educação, não era realizada por esses docentes? A resposta, provavelmente,

aponta para um sim marcado de reservas. Em sua maior parte, há no Brasil, no

início de século XX, “Proenças” a impor aos alunos os preceitos de “decoreba” e a

aplicar punições, pautado, notoriamente, em um ensino capaz de deixar traumáticas

experiências de escolarização.

Além do argumento, da tabuada, como presencia Alfredo em sua realidade,

Soares; Galvão (2005), ao analisarem o processo de alfabetização de adultos no

Brasil, destacam que, no início da década de 20, a escola ainda mantém práticas e

recursos do período que antecede a república.

Mesmo a educação de adultos não sendo foco do estudo, as inferências dos

autores correspondem ao ensino das crianças dada a uniformidade e a

permanência, de criança até a fase adulta, das experiências curtas e traumáticas de

escolarização. Tais experiências educativas contribuem tanto para a expulsão dos

alunos do âmbito escolar como para a criação de ideias/conceitos a respeito dos

alunos, sobretudo os que vivem no campo:

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É interessante observar que muitos leitores/ouvintes de folhetos tiveram experiências curtas e traumáticas de escolarização. Marcadas pelo uso da carta do ABC, pela abstração dos conteúdos e pela inflexibildade dos professores, essas vivências, somadas à necessidade de engajamento no campo de trabalho e a pouca oferta de escolas no período, principalmente na zona rural, contribuíram para a não freqüência à escola e para a construção de uma auto-representação do não alfabetizado como “cabeça dura”, “sem jeito para as letras”; “incapaz” (SOARES; GALVÃO, 2005, p. 265-6).

O desejo de não frequentar a escola de seu Proença é latente em Alfredo. O

verdadeiro prazer parece apontar para fora da escola (“O que diverte na sua ida

para a escola são os cajus que seu Roberto apanha de seu quintal e lhe dá quase

todas as tardes”).

Alfredo continua a frequentar a escola pela necessidade que o contexto

estabelece, representada tal exigência pela assimilação da escrita, dos preceitos da

“cultura”, acentuadamente, os valores que os meios urbanos imprimem. Sobre a

“fuga escolar” e as novas exigências conjunturais, Soares; Galvão (2005) entendem

que

Fora da escola, entretanto, vivenciavam experiências com materiais escritos que provocavam prazer, deleite e fruição estética. A vivência no mundo urbano, a ocupação profissional e o pertencimento de gênero34 também pareciam decisivos para que esses sujeitos se inserissem gradativamente no mundo da cultura escrita (SOARES; GALVÃO, 2005, p. 265-6).

E repleto de desmotivação, Alfredo a cada dia se volta em busca do

“verdadeiro saber”, o saber de Edmundo Menezes (depurado da ideologia de sua

classe, o conhecimento científico dos doutores. O advento da república no final do

século XIX assopra novos anseios para população brasileira em geral. A

Escolarização passa a ser um grande mote do estado republicano e isso é inculcado

nas mentes brasileiras. Sobremaneira, os estudos trazem, de certa forma,

adaptação às mudanças econômicas, sociais e políticas que vive o país. O jornal A

gazetinha registra esse valor, em 1922, apreendido nas mentes cachoeirenses:

Nessa vila nota-se, presentemente, uma certa animação em mandarem-se os meninos para as escolas, o que até há poucos dias era objecto de completo e criminoso descaso por parte dos Paes edos responsáveis pela instrução dos seus filhos e apaninguados. Diz-se que [...] aquella deliberação o facto de ter sido peremptamente recusado pela Escola de Aprendizes Marinheiros, em Belém, um menor que ali fora levado para inclusão, por não conhecer elle as letras do alphabeto! e que esse menor, digamol-o com tristeza, levara atestado de que era paraense e nato de Cachoeira! Abençoada recusa. Se o louvável e patriótico gesto do illustre e

34 Na memória de muitas mulheres, mesmo aquelas pertencentes às elites econômicas, o acesso ao mundo da leitura e da escrita e a sua integração aos processos formais de alfabetização estavam marcados pela tutela e, na maioria dos casos, pela proibição de seus pais e/ou maridos (SOARES; GALVÃO, 2005).

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digno Inspector do nosso Arsenal de Marinha fosse imitado sem contemplação alguma pelos que têm serviços e collocações a dar, certamente que, dentro de pouco tempo, o número excessivo de analphabetos, entre nós, ficaria restringindo, melhor seria o serviço prestado; maior a dedicação e legitimo interesse por aquelles que alcançassem taes collocações, porque levariam a vantagem indiscutível de se acharem habilitados pelos brilhantes e grandiosos conhecimentos que lhe ministram as letras do alphabeto (A GAZETINHA, 1922).

A possibilidade de Alfredo participar/obter os verdadeiros estudos afastam-se

ao experienciar os ensinamentos de seu Proença. Ao entender que o Anglo é uma

escola que se distancia a cada dia, Alfredo deseja, minimamente, estudar em algum

grupo escolar em Belém ou “nem que fosse no Instituto Lauro Sodré”.

O retrato que os grupos apresentam na época revela busca por uma

educação nova, diferente daquela marcadamente opressora. Freitas (2005), ao

estudar a década de 30 por meio dos manifestos da época, retorna a década de 20

e compreende que, com a passagem para o regime republicano, o Brasil vivencia a

introdução de um novo modelo de escolarização (escola seriada, grupo escolar,

ginásio de Estado, jardim-de-infância, escola normal), somado à inserção de

normas, procedimentos, uso de materiais específicos, orientação aos docentes,

regras de higiene, etc., que veiculam ou exemplificam a chegada de um novo tempo,

um novo ciclo ou ponto de partida para a história do país.

O desejo de Alfredo residia em ser aluno de uma escola nova. Por enquanto,

sua escola, a do seu Proença, ainda não atingira os novos valores da educação. As

considerações traçadas por Bencostta (2005) servem para a investida de reflexão

sobre o processo educacional almejado pelo jovem Alfredo, personagem fictício,

pelo fato de que as questões levantadas pelo autor trazem uma configuração, em

linhas gerais, da maioria das realidades educacionais brasileiras no início do século

XX, notadamente confusa e deformada.

Ao constatar um quadro educacional conturbado, alguns intelectuais, políticos

e educadores, principalmente paulistas, assumem a tentativa de fazer fluir um tipo

de educação diferente da até então vivida, “carente de edifícios, livros didáticos e

mobiliário, precária em pessoal docente qualificado para o ensino de crianças e

distantes dos modernos métodos pedagógicos” (BENCOSTTA, 2005, p. 69).

Tendo os grupos escolares como exemplos, outras novidades que se

integraram à realidade educacional brasileira, em sua maioria, consiste em oferecer,

mobílias que substituía os torturantes bancos sem encostos; o quadro-negro; o material escolar vinculado ao novo método que marcaria a história do ensino primário brasileiro – o método intuitivo ou lições de coisas – que

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previa o uso de mapas, gabinetes, laboratórios, globos, figuras e quadros de Parker, dentre outros, a fim de facilitar o desenvolvimento das faculdades de apreensão sensorial dos alunos; a instrumentalização das leituras didáticas repletas, diga-se de passagem, de uma linguagem que, a todo o momento, procurava enaltecer os brios republicanos (BENCOSTTA, 2005, p. 69).

Trata-se, na verdade, de um método de ensino já em vigor no Brasil desde o

final do império, como destaca Bencostta (2005, p. 71):

É certo que o método intuitivo foi uma marca indelével do ensino proposto [...] e constantemente utiliza como forma de convencimento para essa moderna pedagogia que se tornava uma realidade. No Brasil, sua introdução já tinha ocorrido, ainda no final do Império, quando Rui Barbosa traduziu e adaptou o livro Primeiras Lições de Coisas, do americano Norman Allison Calkins, como complemento do Relatório de Instrução Pública sobre o Ensino Elementar do Ministro Manoel Pinto de Souza Dantas.

Restritamente, Razzini (2005, p. 104), ao discutir acerca dos livros e do

processo de leitura do século XX, destaca que, juntamente com a observação e a

experiência, o método intuitivo privilegia uma aprendizagem por meio da ilustração e

do desenho. Entretanto,

Não se pode deixar de mencionar que a adoção do método intuitivo e o uso da imagem como importante recurso pedagógico só foi possível graças aos avanços das técnicas de impressão (litografia) e das técnicas de fabricação do papel (substituição da pasta de trapos pela pasta de madeira), em curso desde metade do século XIX, que barateavam o custo do material didático impresso. Além de livros ilustrados com litogravuras, xilogravuras, zincogravuras, muitas vezes com “cliches” importados, os alunos brasileiros passaram a conviver com mapas geográficos e quadros-murais do ensino intuitivo pendurados nas paredes das salas de aula, muitos deles coloridos, através da cromolitografia.

Algo que também merece destaque consiste na observação dos quatros

primeiros anos de formação elementar, dentro dos grupos escolares. No decorrer da

história, observo que coube aos grupos escolares a organização dos programas

adotados nas disciplinas da escola primária. Relacionados aos quatro anos

elementares estruturou-se a transmissão de matérias como “leitura, caligrafia,

aritmética, desenho, linguagem, música, geometria, trabalhos manuais, história,

ginástica, geografia e cosmografia, ciências físicas e naturais – higiene, moral e

cívica” (RAZZINI, 2005, p. 75).

O que se torna notório, no novo arranjo de ensino, é o fato de que, em alguns

momentos, cada estado brasileiro realiza alterações singulares nas disciplinas

ofertadas, conforme as especificidades vividas. Entretanto, essencialmente nos

estados, é observado o desejo de formar “bons cidadãos que continuassem fiéis e

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comprometidos com a pátria, independentes do regime político à frente do país”

(BENCOSTTA, 2005, p. 75). Ao reiterar a questão, o autor assim compreende:

Esse processo de inculcação de valores patrióticos nas mentes das crianças, que supostamente garantiria a construção de uma nação civilizada, pode ser melhor compreendido através de determinadas práticas escolares. Dentre elas, podemos destacar a incorporação do programa de educação moral e cívica, que se tornou co-responsável pela transmissão de um conjunto de princípios que corporificam ideais patrióticos, que eram instrumentalizados nas salas de aula e nas palestras proferidas na escola, cujo principal objetivo era de despertar os sentimentos de amor e dever à família, à sociedade e, principalmente, à pátria.

No celeiro de novos ensinamentos, Alfredo se conforma até mesmo em um

grupo escolar em Belém (“Já queria ficar ao menos em Belém, nalgum grupo

escolar”) ou então, “nem que fosse no Instituto Lauro Sodré”. Diante do desejo

urgente do personagem, torna-se valido questionar: Mas por que em Belém? Por

que não em outra localidade no interior do Estado? Ou então, porque não em

Cachoeira mesmo? A respeito das indagações, é possível entender algumas outras

questões.

A primeira diz respeito aos grupos escolares evidenciados em Belém no

início do século XX. Em linhas gerais, é possível verificar uma “busca de afinamento”

entre os novos parâmetros educativos apregoados (novos procedimentos para o

ensino primário) e os grupos da capital paraense. Como exemplo desse aspecto,

apresento parte do relatório do diretor Raymundo Monteiro do primeiro Grupo

Escolar da Capital, enviado ao governador do Estado o Exmº. Snrº Lauro Sodré:

Devo comunicar a V Exº, em primeiro lugar, que as suas ordens foram cumpridas, não somente por este directoria, senão também pelo distincto corpo docente que, sempre no intereesse de desenvolver a sua actividade em prol do grande comentimento de instruir e educar a mocidade, foi assídua na sua acção benéfica, na sua perseverança e dedicação, como factor principal de progresso neste instituto de instrucção pública primaria. A boa vontade e competência, dos mesmos preceptores muito me têm auxiliado no sentido de manter a ordem e a disciplina no estabelecimento. [...] As 9 horas da manha, no salão de honra deste grupo, presentes os professores e alunnos, expliquei o motivo que nesse momento nos congregava nesse recinto, affirmando que isso não significava outra cousa senão o valioso e efficaz empenho do Exmº. Snrº. Dr. Lauro Sodré, governador do Estado, em collocar o problema de instrução, sob novos moldes educativos, calcados na observação profunda e criteriosa da nova situação social. [...] No elegante theatrinho que tem o grupo teve lugar o seguinte programma: Hymno ao estudo, cantado pelas alunnas, palestra de incentivo ao estudo pelo professor Antônio Figueiredo de Jesus e Souza, “As borboletas e as flores”, poesia, pela menina Arminda Sousa; Hymno à bandeira; “Vou recitar”, monólogo, pela menina Grazielhe Varella; “origem

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das flores”, poesia pela menina Zuila Silva; “Aos cabulosos”, monólogo, pela menina Adelina Morais; Hymno Nacional, cantado pelas alunnas. [...] Com o fim de celebrar as datas festivas da nossa grande Pátria, effectuaram diversas palestras cívicas, destinadas a desenvolver nas crianças o profundo sentimento de patriotismo (ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ, RELATÓRIOS, 1918).35

A segunda questão diz respeito às “condições educativas” dos grupos em

Belém. Como se soubesse que os grupos (escolas públicas primárias), em Belém,

pouco diferenciam da escola de seu Proença, o narrador verbaliza o “ao menos” e

“nalgum” como se os termos saíssem do interior do menino estudante de Cachoeira.

No mesmo relatório, o diretor do 1º Grupo da Capital, o Sr. Raymundo Monteiro,

assim descreve ao governador Lauro Sodré as condições do prédio e material

daquele recinto educativo:

Ao assumir a direcção deste grêmio de instrução a 23 de agosto do anno passado, para o qual fui transferido, por portaria de 18 desse mez e anno do 6° Grupo escolar, verifiquei que funcionava. Esse edifício, de propriedade particular, situado a rua Siqueira Mendes, entre as Travessas Demétrio Ribeiro e Vigia, não corresponde absolutamente aos fins a que se destina, por defeito de construcção e mal localisado, não preenchendo, finalmente, os requisitos exigidos pela pedagogia e pela mais rudimentar hygiene. O material escolar está necessitando de completa reforma ou substituição, pois os mappas e espheias, existentes em algumas aulas, se acham inutilisados, sendo que, assim mesmo o ensino de Geographia, com algumas dificuldades, vai sendo feito por elles (ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ, RELATÓRIOS, 1918).

Uma terceira questão digna de esclarecimento corresponde aos ensinamentos

nos grupos escolares em outras localidades no interior do Estado, no final da

República Velha. Ao verificar alguns relatórios dos Grupos Escolares Paraenses,36

observo que eles trazem consigo tônicas muito próximas as da escola do mestre

Proença. Para exemplificar tal compreensão, destaco a maior parte das palavras do

Sr. Felix Ferreira da Costa, diretor do Grupo Escolar da Vila de Santa Izabel, ao

enviar um relatório ao Secretário geral do Estado:

Exmo. Senr. Dr. Secretário Geral do Estado [...] Até o presente os meus collegas só elogios merecem, devido a sua dedicação ao trabalho e amor em que consagram a causa do ensino; Fora a tremenda crise que invade a todos os lares, não permittindo mesmo que

35 Utilizei como material o relatório de 1918 pelo fato de que as questões nele esboçadas perduram nos anos posteriores e, consequentemente, atingem o início dos anos 20, foco de minha pesquisa. Além disso, é escassa, no Arquivo Público do Pará, a presença de documentação relacionada ao contexto educacional no início dos anos 20. 36 Além do relatório de 1918 (Fundo Diretoria da Instrução Pública), levantei informações nos relatórios dos anos de 1921 e 1925 (Fundo Secretaria do Estado Interior, Justiça e Instrução Pública). Ressalto que priorizei informações dos estabelecimentos públicos.

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muitos paes de família mandem instruir a seus filhos por falta de elementos primordiais ou compareçam com assiduidade as aulas, outros, e mais profícuos seriam os resultados alcançados. O mobiliário do Grupo com longos annos de uso quotidiano está exigindo sérios concertos e o próprio edifício necessita de urgentes reparos no tubo de exgotto, no cercado que delimita os quintaes visinhos, nas calhas lateraes das paredes, que, desbordando molham-nas, enchendo-as de limo e ennegrecendo-as. Isto mesmo o meu antecessor levou ao conhecimento de V. Exa. por meio de vários officios, e eu próprio já o fiz este anno (ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ, RELATÓRIOS, 1921).

A quarta questão corresponde aos ensinamentos dos grupos na própria

localidade de Cachoeira do Arari. Segundo a informação estampada no jornal

Cachoeira-Nova, a Vila de Cachoeira só tem seu primeiro grupo escolar

posteriormente ao ano de 1932. A temporalidade vivenciada por Alfredo corresponde

ao início dos anos 20. Somente depois do término da República Velha (1889-1930)

Cachoeira apresenta um grupo escolar para seus filhos.

Cabe ressaltar ainda que, passado considerável tempo, a localidade do Arari

ainda observa na criação da escola uma possibilidade de mudança, principalmente

econômica e social para os cachoeirenses. O colégio nasce, necessariamente,

embalado nos preceitos patrióticos que impregnam os discursos e concepções de

mudança por meio da educação, a começar pelas crianças:

Finalmente os bons fados, bafejaram para nossa cidade. A revolução, que parecia estar de mal comnosco lembrou-se de nós. Vem vindo uma nova phase de progresso, impulsionado pelos novos administradores que viram a necessidade de fazer tudo por esta terra, que tem esperado pacificamente a sua reforma material. Cachoeira vae ter o seu grupo escolar. Obra moderna, que encherá de alegria os paes sciosos de mandar ensinar seus filhos. A educação infantil devia ser o principal cuidado dos nossos governos, nella repousa a estabilidade do Paiz, e para ella deve convergir todos os seus esforços para manter sempre em actvidade o preparo das nossas populações. Para nós, pelo menos, parece que novos rumos vão tomar a [mas] na questão do ensino primário. O governo vae se interessando aos poucos, procurando dsiminar por todo o interior, grupos, bem montados, para facilitar aos professores o seu mister munindo os de conforto de uma casa. Eis, portanto, uma obra que vem de perto enteressar a todo bom cachoeirano, que deve prestar a ella toda a sua confiança, facilitando nas medidas dos seus esforços e auxiliando naquilo que for preciso (CACHOEIRA-NOVA, 1932).

Inacessível o “verdadeiro saber” na capital paraense e no Anglo, o menino

continua a estudar na Vila de Cachoeira. Passado o período de ensinamentos com

seu Proença, Alfredo começa a estudar com uma professora vinda de Portugal.

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3.3.2 – A escola: extensão da casa e do contexto maior

O garoto se mantêm insatisfeito, pois, semelhante ao “professor” anterior, a

docente vinda de Portugal, pouco, senão nada, de conhecimentos escolares (“os

verdadeiros conhecimentos”) acrescenta em seu ser. O retorno diário às aulas da

professora vinda de Portugal resultava em continuidade de descontentamento.

Os procedimentos educativos da professora pouco se diferenciam daqueles

executados pelo seu Proença. Entretanto, acrescente-se às aulas da professora

uma fala trabalhada, cheia de “efes” e “erres”, capaz de criar progressivamente nos

alunos certa adversidade, haja vista que, verdadeiramente, trata-se de uma

educação “mascarada”, com palavras a esconder o vazio educativo da docente e do

procedimento educativo, como da a entender Alfredo.

Se a metodologia usada pela professora assemelha-se a do seu Proença,

entendo que o repúdio dos alunos também é algo muito possível de surgir. As

referências ao traje, a fala e os penteados da professora (capazes de fazer as

meninas de Cachoeira se sentirem verdadeiras mendigas), ressoa no entendimento

de que professora e alunos compõem blocos opostos: de um lado a Europa com seu

glamour e de outro, a crescente miséria material,37 inclusive educativa, na Vila do

Arari, assim como no restante da Amazônia no início da década de 20.

Torna-se paradoxal a junção entre a professora “rica e vazia” e o quadro

educacional paupérrimo, que “não ensina nada” aos alunos de Cachoeira, em

especial, os discentes da professora. Mesmo mal remunerada, “a professora

alegorizada” necessita sustentar costumes e valores, em geral, de um tempo áureo

para o mundo dominante, especialmente para os grandes proprietários de terra e

mão de obra na Amazônia.

Refiro-me assim a uma Belle-Époque caracterizada como momento áureo para

a elite paraense, sobretudo a belenense:

Belém tentou tornar-se mais européia do que amazônica, inclusive tornando-se um verdadeiro centro de consumo de produtos importados. Culturalmente, a cidade foi dominada pelo “francesismo”, o que explica pelo hábito que tinham as famílias ricas em mandarem seus filhos aprimorar sua educação em escolas francesas. Essa elite intelectual produzida na Europa

37 Quando infiro que o quadro do interior da Amazônia, no início dos anos 20, é de miséria, em sua maioria, e não de pobreza, apoio-me na compreensão de Frei Betto, em palestra referente ao lançamento do programa fome zero, em Belém. Para o escritor, o miserável, diferente do pobre, não tem nem o mínimo de condições para viver. Mesmo sabendo que a família de Alfredo tem alguns “quilinhos de alimentos”, levo em consideração a grande maioria que vive na localidade em condições miseráveis.

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é que vai determinar o novo decor urbano, europeizado e aburguesado. O cenário central da cidade vai se transformando em “espaço elegante e chique”, por onde deveria desfilar a burguesia exibindo seu poder, luxo e riqueza. O resultado dessa modelação da cidade é a elitização do espaço urbano com a erradicação dos setores populares para as áreas mais distantes do centro (SARGES, 2002, p. 186).

Contrapostos por exclusão aos valores instituídos pelos “chiques”

ensinamentos europeus, o que se presencia no final de República é o grande

afastamento dos alunos das salas de aulas, sobretudo no interior do Estado, pelo

fato das aulas/ensino apresentarem-se fracos, e destoarem dos conhecimentos

práticos à vida dos alunos, dentre outras questões.

A professora vinda de Portugal traz consigo o aroma de soberba e a

humilhação às classes com menor poder aquisitivo, impossibilitadas de, na maioria

dos casos, mandarem seus filhos para os estudos em Belém, tampouco à Europa.

O quadro de “penúria da educação” no início dos anos 20, no interior do

Estado, agrava-se ao ponto de expulsar os alunos dos caminhos do conhecimento

escolarizado. Para ilustrar a percepção de que os alunos a cada dia/mês,

distanciam-se das escolas, exemplifico a questão com o mapa numérico de

matrícula e frequência do professor Raymundo Claro dos Santos Porto, da escola

elementar mista de Farcuda, município da Vigia.

MAPPA NUMÉRICO DE MATRÍCULA E FREQUÊNCIA DA ESCOLA ELEMENTAR MISTA DE

FARCUDA, MUNICÍPIO DA VIGIA NO 4º TRIMESTRE DE 1919.

Meses Matric. Freqüência Sexo Idade Nat.

Maior Menor Média Fem Masc 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

BR/PA

Out.

34

17 8

12 13 15 5 5 4 2 3 5 2 2 3 3 0 0 0 0 0

Nov. 19 5

12 16 18

Dez.

Fonte: Arquivo Público do Pará, Matrículas e Frequências, 1919.

Como se observa a partir do quadro, além de um número pequeno de crianças

que frequentam a escola, com o avanço da idade, os números demonstram que

havia grande redução de alunos dispostos a “buscar conhecimentos”,

provavelmente, muitos vivenciam uma desmotivação semelhante à de Alfredo.

O espaço educativo como um todo, em grande parte das escolas no início da

década de 20, representava pura ruína. Ao observar a descrição da escola da

professora, termos como “fumaça”, “sombria”, “aleijadas”, “mortalha,” dentre outros,

representam e reafirmam a percepção de espaço precário. Uma outra questão a ser

observada consiste no fato de a escola ser instalada na própria casa da professora.

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Conforme discute Nunes (2000), as casas são escolas, correspondendo a

espaços alugados, muitas vezes com o custeio do Estado. Sobre o assunto, a autora

pondera informações detalhadas:

Na lembrança de nossos avós, a escola primária tem muitos pontos de contato com a descrita pela goiana Cora Coralina em seu poema A escola da Mestra Silvana. A figura da professora, o abecedário, a soletração e a tabuada como lições de rotina, o livro de leitura de Abílio César Borges, as pequenas lousas individuais (que quadro-negro não se usava!), a palmatória...Em outras regiões do nosso país a situação era parecida. Na cidade de Salvador, por exemplo, as poucas escolas públicas encontradas no começo do século XX eram antigas residências, muitas ruínas. O professor custeava com seus próprios vencimentos o aluguel da sala ou do prédio. Não havia mobiliário escolar. Cabia aos alunos levarem para a casa da professora as cadeiras e as mesas, mas a pobreza impedia. O máximo a que se permitia era o improviso em barricas, caixões pequenos bancos de tábua, tripeças estreitas e mal equilibradas, cadeiras encouradas ou tecidas a junco. Comum mesmo era os alunos escreverem no chão, estirados de bruços sobre papéis de jornal, ou então fazerem seus exercícios de joelhos ao redor de bancos ou à volta das cadeiras (Nunes, 2000, p. 377).

Reitera ainda a autora que as casas alugadas pelos professores (as), em sua

maioria, apresentam problemas que, quase sempre, desembocavam em proliferação

de epidemias, contribuindo para os altos índices de mortalidade infantil:

Faltava ar. Faltava luz. Faltava água. As doenças se propagavam: a bexiga (varíola), a gripe, a tuberculose, a meningite cérebro-espinhal. Todas conviviam com as verminoses que sugavam a desnutrida população infantil (NUNES, 2000, p. 377).

A constatação de que as casas são utilizadas como escolas acaba por me

revelar que o espaço educativo como extensão da casa, escancara os problemas

relacionados à saúde, habitação e relações sociais, dentre outros, todos fundados

em uma hierarquização e hostilidade bastante presente no início do século XX.

A memória de muitas crianças (hoje senhores), ao se reportarem ao ensino

que viveram, principalmente na zona rural, no início da década de 20, revela a

fragmentação (ruína) social que sofrem muitas das localidades do território brasileiro.

É interessante ao Conselho Municipal, no período, custear o aluguel dos

espaços escolares. Em sua maioria, a locação dos espaços é correspondida por

troca de favores, representados por lugares no magistério ou aluguéis de outros

espaços para uso pessoal.

De qualquer forma, mantem-se um status quo em solo brasileiro. De acordo

com Nunes (2000, p. 381), se de um lado a “aliança” entre Estado e professores

constrói uma barreira para a escola e para as crianças, por outro lado, contribui para

a permanência da escola mórbida em voga:

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As más condições de funcionamento dos prédios escolares castigavam os alunos, vítimas das doenças, que atingiam indistintamente uns e outros, embora os mais sofridos, como os filhos dos trabalhadores (imigrantes, migrantes, e negros), a elas sucumbissem mais depressa.

A narrativa dalcidiana consegue representar o quadro de penúria não só em

relação ao espaço educativo, mas a própria figura da docente personifica a situação:

como um “ser de giz”, possivelmente sem vida, dada a tonalidade branca, de sangue

esvaído; o ser de “esponja” e “lápis”, respectivamente, pode significar “um ser com

lacunas”, “finíssima” (como um lápis), por sua magreza provocada pela ausência de

uma alimentação adequada; seu “rosto de palmatória”, caracterizado como rosto que

oprime e imprime uma educação que machuca por não ensinar; as “orelhas de

borracha”, talvez, apagam, por não escutar, os problemas ali presentes e as unhas

de mata-borrão, corresponderiam a trabalho mal acabado, residuais como o ser

completo que “vestia-se, movia-se, falava!”.

3.3.3 – A educação enquanto sacerdócio Já sem esperanças, o menino do Marajó parece saber que os breves estudos

com o professor Valério também não trariam nada de novo e realmente educativo.

Durante aproximadamente uma semana, pela parte da tarde e por um valor de dez

mil réis, o garoto frequenta a escola do professor Valério. Trata-se de um docente

mal remunerado, saúde fragilizada e que, após formação na Escola Normal, acaba

dedicando-se ao ensino das crianças de Cachoeira.

Na verdade, Valério imprime uma educação muito próxima aos outros

“professores” que Alfredo teve (Proença e a professora vinda de Portugal).

Entretanto, alguns pontos relacionados ao contexto educacional tornam-se possíveis

de serem apreendidos na representação da educação do mestre Valério.

A primeira questão diz respeito ao fato de Alfredo frequentar as aulas do

docente no período vespertino. Possivelmente, as aulas pela parte da manhã tem

um outro valor, uma outra remuneração a ser paga ao professor, um valor acima de

dez mil réis, valor cobrado aos os alunos matriculados à tarde.

Em ambos os turnos, Valério aplica uma educação ríspida. A afirmação de D.

Amélia ao filho possibilita essa leitura. Entretanto, com Alfredo, informa ela, o

professor deve agir de forma diferente. A prática de educação autoritária ou

opressora não é descartada.

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A terceira questão corresponde à remuneração docente na época. Os salários

atrasados simbolizam ou apresentam apenas um dentre tantos outros problemas

que o Brasil (especialmente nas áreas rurais) enfrenta no início do século XX. Muitos

docentes, assim como outros profissionais, têm que realizar “trabalhinhos” extras

caso objetivem manter-se de pé, sobreviver.

A educação realizada pelo professor Valério corresponde ao que Almeida

(2005) categoriza como educação enquanto sacerdócio. Cabe ao docente entender

seu trabalho como uma necessidade espiritual, uma virtude a ser exercitada, de

preferência, com aceitação ou sem reclamações de suas condições, na maioria das

vezes, irrisórias.

Quando D. Amélia fala de Valério, refere-se ao mestre como “coitado, o

Estado não paga....”, Na compreensão da mãe de Alfredo, transita a figura do

professor típico (“desejado”) da época no meio rural: o professor, acima de tudo,

deve ser um lutador, um guerreiro, um ser que, semelhante a um homem em uma

cruzada ou em uma batalha, se esforça para vencer seu maior inimigo: o

analfabetismo. O êxito na guerra confere ao docente o atributo de vencedor por ter

contribuído com o Estado na investida de trazer melhorias às populações e eliminar

o analfabetismo (ALMEIDA, 2005).

Vale destacar ainda que a formação pedagógica de Valério se enquadra nos

parâmetros dos docentes da época, que em sua grande maioria (os das áreas

rurais) não tem a oportunidade de trabalhar um conhecimento específico para o

magistério rural, ou que leve em consideração os valores do campo. Valério ainda

consegue cursar os estudos pedagógicos na Escola Normal.

Os estudos efetivados na Escola Normal, somado à lembrança de que sua

casa, no passado, foi residência excelente, conferem certo respeito e pena à figura

do professor em Cachoeira. Para Nunes (2005, p. 293), alguns docentes haviam

frequentado “escolas normais rurais, outros tantos cursaram o ‘normal’ nas cidades

e ainda havia os leigos, que lecionavam de acordo com o seu empirismo”.

Um exemplo da discussão acerca da precariedade na formação pedagógica

do início do século XX está nas palavras de Carneiro Leão que, em 1953, faz críticas

à falta de uma formação específica para o magistério rural, denuncia as mazelas da

educação no campo, bem como o descompasso entre currículos escolares das

escolas normais das cidades e as necessidades dos alunos que vivem fora da urbe:

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O problema do mestre é indiscutivelmente dos mais graves. Sua solução ainda está longe. Os professores mandados para o interior estudaram na capital ou nas grandes cidades, cujos problemas são urbanos [...] Vão ensinar nos meios matutos38 e sertanejos, por programas manipulados na capital, cuja distribuição de matérias e cujos métodos preconizados só por descuidos cogitam das necessidades e realidades da vida no interior (LEÃO, 1953, p. 281).

Lourenço Filho, outro intelectual de renome, a respeito da formação docente

dos professores do meio rural, aponta para algumas possíveis soluções do

problema:

Os professores constituem um elemento essencial de todo o sistema de ensino. Deles depende, em grande parte, o sucesso ou o fracasso da instituição escolar. Notadamente nas áreas rurais. Os professores rurais devem receber uma moldura rural apropriada, formação adequada e orientada para o mundo rural e para a prática do serviço social (LOURENÇO FILHO, 1953, p. 10).

O serviço social recomendado por Lourenço Filho observa a figura dos

professores como agentes do assistencialismo nacional no início do século XX. A

representação de educação dalcidiana possibilitada pela figura de Valério, a escola

que atua e os procedimentos trabalhados pelo docente, permitem-me inferir uma

questão sobre a educação brasileira no meio rural no início do século XX. Apoiado

nas compreensões de Almeida (2005, p. 278-9), entendo como a autora que:

a história da educação do campo envolve “personagens anônimos, alunos e professores que constituíram identidades particulares nas escolas afastadas das cidades. Na experiência dessas escolas, os poderes públicos parecem ter acreditado numa suposta “predestinação rural” do país e, para isto, apostaram no professor como o grande responsável pelo êxito educacional. As posições do Estado traduzem-se em algumas ações reais, mas que atenderam o conjunto das necessidades do meio rural. Constatamos que houve um abandono dessas populações campesinas que permaneceram desassistidas, afastadas das melhorias educacionais, pois efetivamente os investimentos públicos concentram-se no modelo de urbanização que emergia no país naquele período.

A desigualdade de condições entre campo e cidade é latente no momento

histórico analisado. O aspecto educacional é somente um dentre outros pontos de

desigualdades. O discurso educacional veiculado ao longo da primeira república

(1889-1930) entende não ser necessária ao homem do campo uma formação

qualificada, como a direcionada ao homem da cidade. Para Demartini (1989, p.12),

A política educacional adotada durante este período foi a de atendimento restrito e preferencial às populações urbanas, em detrimento das populações residentes em áreas rurais, que eram justamente aquelas

38 Penso que a ideologia da época gera carga preconceituosa até mesmo nos intelectuais (reformistas). Embora o termo “matuto” possa ser entendido como “sem ofensas”, no período da história brasileira, percebo uma investida depreciativa, correspondendo ao ato de levar educação a uma parcela que precisa ser esclarecida.

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consideradas, na época, como as mais avessas à educação escolar [...] deixava-se os setores considerados mais arredios sempre para momentos posteriores, ou recebendo uma educação diferenciada e inferior à que propunha para as áreas urbanas.

O que se presencia no início dos anos 20 consiste, basicamente, no que

muitos entendem por falta de atuação do poder público. O período presencia uma

atribuição das responsabilidades educacionais aos professores nas áreas rurais.

Movidos pelo sentimento de identidade nacional, cabe ao docente, mesmo sem o

apoio necessário, “lutar por melhorias nas regiões em que trabalhava, a via de regra

sozinho” (ALMEIDA, 2005, p. 286).

A afirmação concentrada na idéia de que o quadro de desigualdades

educacionais do início do século XX e, mais especificamente, do início dos anos 20,

perdura até hoje, pode ser sustentada a partir da compreensão de Almeida (2005)

também. A autora se volta a possíveis mudanças positivas na educação rural no

quarto decênio do mesmo século, e constata que ainda muito das configurações do

início do século permanecem para os povos marginalizados e esquecidos pelo poder

público:

Poucas e precárias escolas, distantes uma das outras, dificuldades de comunicação, ausência de orientação metodológica e didática, falta de verbas públicas na escolarização, deficiências na formação de professores, currículos por vezes inadequados, poucos materiais pedagógicos, falta de livros, entre outros. Certamente, não é ao acaso que muitos professores, ao evocarem suas memórias, referem-se à solidão e à renúncia que os acompanhava em seu trabalho nas escolas rurais. Os professores também relatam as deficiências de alimentação, o problema da moradia, pois ou alojavam-se na própria escola ou em casas de pessoas da comunidade, as doenças que os acometiam, a demora a voltar para casa. O inverno, período de frio e chuvas intensas, é lembrado como a pior época, em parte pelo sentimento de estar isolado e sozinho em um meio, por vezes, inóspito (ALMEIDA, 2005, p. 286).

A ideia veiculada no período consiste na supremacia dos ensinamentos das

escolas da cidade. Em outros termos, acentuo que, movida de superioridade, a

cidade determina as diretrizes capazes de formar o homem do campo:

conhecimentos de saúde, saneamento, alimentação adequada, administração do

tempo, técnicas agrícolas modernas amparadas na ciência, etc. (ALMEIDA, 2005).

O entendimento circulante da época repousava no preceito de que somente a

escolarização pode preparar e instrumentalizar o homem rural “para enfrentar as

mudanças sociais e econômicas, só assim poderá estar apto a participar e

compreender as idéias de progresso e modernidade que emergem no país”

(ALMEIDA, 2005, p. 287).

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A compreensão disseminada na época me instiga a perguntar: mas e os

professores das áreas rurais, como se comportavam? Ao analisar um documento do

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),

percebo em seu teor um ponto crucial: se não há apoio aos professores das zonas

rurais, seres viventes em condições insatisfatórias, abundantes são as dificuldades e

a falta de incentivos/motivações dos profissionais da educação. No geral, os

docentes seguem enxovalhados, semelhantes ao seu contexto:

Indagaríamos que entusiasmo poderia apresentar o docente responsável por uma escola barracão? Que prestígio social e moral ostentaria na comunidade o professor cuja sala de aula mais se assemelha a um depósito atulhado de bancos imprestáveis e de crianças vencidas, desde logo, pelo ambiente?(INEP, 1949, p. 11).

A observação que faço acerca das formulações de Carneiro Leão, Lourenço

Filho, assim como os registros do INEP, correspondem a soluções situadas em uma

perspectiva idealizada, pois, nos anos 50, o investimento era maciço nas cidades,

espaço que afermenta a industrialização e a modernização. Mesmo cientes de que

as ruínas educativas perduram desde o início do século, cabe, naquele momento,

observar outros interesses, sobretudo aqueles voltados ao capital urbano. Assim,

muitos intelectuais apenas problematizam e idealizam, no início do século XX, a

mudança no meio rural.

3.3.4 – A escola que liberta do dissabor educacional

Ao personagem Alfredo, a solução do desejo, em seu interior,

necessariamente, reside na prática dos estudos no Anglo-Brasileiro. Alfredo,

principalmente quando aluno de seu Proença, sonha estudar na escola Anglo-

Brasileiro, no Rio de Janeiro. A escola só existe nas revistas, em seus sonhos,

dentro do carocinho de tucumã. Aos poucos seus anseios por efetivar os estudos na

escola carioca se desfazem, se esfumaçam, e, definitivamente, apontam para a

inacessibilidade do menino simples do Marajó.

A escola fluminense é observada, pelo garoto, como a concepção de educação

capaz de possibilitar sua “cura” (“o Anglo-Brasileiro o libertaria das feridas”). A

pressuposição do garoto é reforçada pela idéia de que “ali os meninos devem ser

bonitos e fortes”. Ao verificar o estatuto da The Anglo Brasilian School, compreendo

que a escola procurava seguir os parâmetros de uma higiene moderna, e, assim,

ganhar status de uma escola modelo na época.

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Ao considerar os valores apregoados na Anglo-Brasilian School, entendo que

as exigências da escola vão além do sonho do garoto. Dalcídio consegue

representar o quadro desigual do início do século: uns sonham e outros têm acesso

à escola e aos preceitos da pedagogia moderna. Para entender melhor a concepção

educacional veiculada no início do século XX, penso ser necessário apresentar os

valores das escolas modelo inglês/americano, como assim são conhecidas.

Diante de um contexto marcado fundamentalmente pela ausência de higiene

escolar, surge a compreensão precisa da época, que, projetos de construções de

escolas inspiradas em modelos americanos e ingleses resolveriam a situação, dada

a sua investida, de forma disciplinada, em regular e resolver as questões

educacionais.

Corpo bem trabalhado resultaria em excelente produção intelectual e moral.

Aqui reside o centro da concepção educacional do Anglo. As formulações acerca

dos estudos projetados em parâmetros ingleses trazem consigo a exclusão de

alunos com debilidades (eugenia). Com a inserção de valores médicos (note-se que

no Anglo, além de uma enfermeira, os alunos recebem constantemente a visita de

um médico), a educação idealizada traja valores militares, de caserna. Eis assim

alguns preceitos do Anglo-Brasileiro.

Conforme comunica Nunes (2000), Major Alfredo Vidal, já na década de 10,

pensa em um tipo de escola capaz de ganhar elogios do sanitarista Osvaldo Cruz,

tal a precisão com as questões relacionadas às doenças e delinquências, sobretudo,

urbanas.

A escola projetada pelo major não é implementada, entretanto, o modelo

escolar criado pelo militar, ganha status de protótipo de uma escola “ideal”, que

funciona como ponto de referência para os problemas da escola “real”, detectados e

solucionados. Para Nunes (2000, p. 382), a escola passa a simular um regime de

caserna.39 Em linhas gerais, a autora informa que a escola elaborada por Major

Alfredo embasa-se nos seguintes pontos:

Ele imagina a escola como metáfora do corpo, um corpo escolar saudável: que respira bem (via dispositivos de circulação do ar), que enxerga bem (via dispositivos de iluminação), que se locomove bem (via espaços destinados a exercícios físicos), que dá higienicamente fim aos dejetos que produz (via aparelhos sanitários e seu conveniente uso e limpeza), que é controlada

39 Dentre os tipos de escolas o militar assim pensa: escola primária, escola profissional elementar, escola profissional secundária ou escola de artes e manufaturas, escola sanatório. Esta última é marcada principalmente por um processo rigoroso de higienização do corpo e da alma (mens san corpore sano) – Nunes (2000). O sonho de Alfredo reside em uma escola sanatório.

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(via dispositivos de circulação interna dos edifícios, de seu fechamento eventual e da separação dos alunos por sexo na faixa etária acima de 10 anos) e que interioriza noções de ordem e asseio (via preceitos e indicações inscritos nos pontos mais convenientes do revestimento das paredes) (grifos da autora).

Além das características voltadas à escola e suas ações, o militar projeta as

dimensões mínimas de 65m x 130m para o prédio escolar. Necessariamente, almeja

o militar incutir no espírito das crianças e professores os “valorosos” hábitos de

higiene e ordem, e, futuramente, ter, da experiência do modelo escolar formulado, a

uniformidade de todas as escolas primárias brasileiras (NUNES, 2000).

O combate à delinquência e à doença estende-se da escola até o ambiente

familiar. Além disso, o espaço ideal para a edificação da escola corresponde às

áreas suburbanas e rurais,

para onde foi ‘varrida’ a pobreza do centro da cidade (e não apenas na cidade do Rio de Janeiro), ela aparece como proposta geral de edificação, de domesticação da rebeldia da cidade. É que a escola real sintetiza a crise gerada pelas própria dificuldades da intervenção das autoridades municipais sobre o temido caos urbano. [...] Moral, higiene e estética: eis o tripé que sustentou a campanha contra os cortiços, os becos, as favelas (NUNES, 2000, p. 385).

Os valores apregoados pelas escolas modelo inglês/americano são atraentes

ao menino do Marajó, que sonha com a escola capaz de libertá-lo de suas feridas.

Basicamente, é possível compreender que o Anglo “curava” todos os males da

época, por meio de uma educação padrão.

Somado as palavras de Nunes (2000), três pontos merecem ênfase por

impregnarem as idéias circulantes ao campo educacional: a concepção acerca do

direito biológico, muito presente nos valores das “boas escolas”; a consciência

sanitária da educação e as reformas educacionais da instrução pública,

elaboradas para o período acentuadamente conflituoso da República Velha.

Algumas teses são defendidas no século XIX com o intuito de legitimar

hierarquizações que, sobretudo, “selecionam” aqueles alunos que podem estudar e

os que, por “via natural”, devem ser apartados dos espaços educativos.

Freitas (2005, p. 179) entende que tal compreensão é uma tese do direito

biológico, ainda veiculada nas décadas de 20 e 30 do século XX. Na compreensão

do autor, muitos intelectuais viam a necessidade de,

disciplinar a infância em termos de higiene (higienismo) e modificar a herança recebida dos tempos da escravidão provocando uma espécie de “branqueamento” da sociedade. As idéias de aperfeiçoamento da sociedade pela higiene e pela crítica à mestiçagem no século XIX ganharam prestígio de ciência (eugenia) e ofereciam diagnósticos sobre como uma nação

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poderia superar seus desníveis, fossem os culturais, os econômicos e, principalmente, os raciais.[...] E era justamente a tendência a “medir” a aptidão de cada um conforme suas características físicas que tinha feito da antropologia física (antropometria) da virada do século XX um acervo de argumentos “científicos” com os quais a mestiçagem era menosprezada e combatida. Vale lembrar o encantamento que tantos educadores demonstraram em relação a idéia de fazer classes “homogêneas”.

Se a proposta educacional da educação nova transita por uma limpidez da

população, os discursos e saberes médicos surgem como conhecimentos

incontestáveis e capazes de sanar o mal que assola a educação. O quadro que se

configura no início dos anos 20 aponta para uma disputa entre professores e

médicos como detentores dos saberes necessários à nação.

A grande querela acionada por grande parte de médicos no período

analisado, apresenta-se no fato dos cientistas da saúde requererem atuação em

âmbito educacional. As prerrogativas usadas apontam para a acusação de que os

profissionais ali atuantes carecem de conhecimentos específicos, das áreas médicas

e de suma importância para a sociedade.

O que a categoria solicita não é a realização de uma educação qualquer, mas

uma boa educação que, fundamentalmente, traga consigo as contribuições das

ciências médicas em seu bojo.

às mães, não uma instrução simplória, mas o domínio de um conjunto de saberes articulados e sistematizados pelos médicos – a puericultura; às escolas, não uma simples educação, mas os conhecimentos científicos da medicina e seus contributos à aprendizagem. Críticas aos processos escolares eram formuladas pelos médicos que voltavam uma atenção especial à educação. Programas obsoletos, métodos contraproducentes, a prática das memorizações que atulhavam os cérebros, o desconhecimento da criança, as condições insalubres dos prédios escolares, as imperfeições na formação do professor, eram indícios que demonstravam a importância dos saberes da medicina para a educação; respeito ao desenvolvimento das capacidades mentais de cada aluno, identificação e aproveitamento das aptidões naturais de crianças e jovens, métodos de estímulo ao raciocínio criador, conhecimentos da higiene para a saúde das agremiações escolares (STEPHANOU, 2005, p.144-5).

Os discursos médicos, afirma Stephanou (2005, p. 145), não se restringem a

problematizar/sugerir a criação de uma corrente de compreensão que amalgama

educação e saúde, e, assim, resolver os problemas da nação. Tais propostas

atingem os “conteúdos e objetos de ensino, os procedimentos pedagógicos, a

avaliação, o exemplo do professor, a materialidade e a salubridade das escolas, os

pressupostos teóricos dos pedagogos”. A educação, sobretudo, deve contemplar as

dimensões intelectual, física, mental, moral, sexual não em uma ordem de valor mais

em sua efetivação.

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A partir da exaltação da consciência sanitária que a educação deve envolver-

se, muitos médicos e suas ideias/discursos se direcionam ao campo pedagógico

visando “contribuir” ou “sanar” os males oriundos de uma inexistente educação

sanitária do povo, além da realização de “defeituosos” processos de ensino e

aprendizagem, essas são as opiniões da classe médica. Para a Larrosa (1994, p.

52), as práticas educativas encetadas pela medicina pretendem exercer-se em

relação ao

saber-ser e o saber-fazer dos indivíduos, em especial quanto aos saberes relacionados à higiene e à saúde. Saber-ser e saber-fazer implicados nos modos de conhecimento e cuidado de si que constituíssem os sujeitos. Em outras palavras, no modo particular pelo qual as pessoas se descrevem, se narram, se julgam ou controlam a si mesmas, modo intimamente associado a idéia de urbanidade.

Interessante também é notar que os médicos brasileiros, particularmente

higienistas e sanitaristas, assumem a condição de profissionais que detêm um

verdadeiro saber e por isso, adquirem o direito de falar,

sobre os modos de cultivar uma vida saudável, a competência para compreender os fenômenos da vida e da doença e definir uma profilaxia e uma terapêutica, bem como a capacidade de investir o discurso acerca da saúde e higiene em decisões, instituições ou práticas. Para tanto, disputaram com outros atores sociais a autoridade de distinguir o falso de verdadeiro, atribuindo à higiene um caráter exorcizador até então desconhecido e à saúde uma extensão impensada. Não apenas porque seus instrumentais científicos tivessem experimentado um grande número desenvolvimento ou porque sua capacidade de observação e estudo tivesse descortinado uma verdade oculta ou ofuscada, a respeito da profilaxia das doenças. A atribuição de um caráter científico, redentor e salvacionista ao discurso médico, inscreveu-se no regime de verdade daquele momento histórico. Os saberes e discursos médicos, tecidos no âmago da ordem mental estabelecida, por meio dos valores, convenções anseios e temores da época, alimentaram expectativas e urgências de atenção à saúde e preservação da vida (STEPHANOU 2005, p. 147).

Embasados nos preceitos de modernização, regeneração e civilização, a

medicina social que se desenvolve no Brasil no final do século XIX e nas primeiras

décadas do século XX, confere as suas reflexões um sentido prático em um

momento em que a experimentação ganha status de conhecimento científico, de

saber verdadeiro. O que se presencia, conforme discute Stephanou (2005), é a

sobreposição da ciência técnica, considerada no momento como fundamental para o

destino da nação.

Assegurados no discurso, na proposição de uma ciência neutra, grande parte

dos médicos apresentam-se como moralizadores e salvacionistas de uma população

necessitada dos conhecimentos que lhes era peculiar. Assim, as metáforas médicas

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ganham outros campos do saber, sobretudo o campo educacional onde buscam ser

reconhecidos como educadores, dada a sua competência para tratar dos assuntos

pedagógicos e escolares.

Os médicos apresentam-se como uma espécie de mediadores, aqueles que, propondo medidas de ordenamento do espaço e purificação do meio, conduziram a uma sociedade sadia e positivamente civilizada. A degeneração poderia ser contornada. A enfermidade dos corpos e da sociedade cederia lugar à saúde e à vida. Fazia-se mister, contudo, garantir espaço para a atuação educativa e saneadora da medicina (STEPHANOU, 2005, p. 148).

O que se presencia é a entrada da medicina e de suas ideias/discursos no

campo educacional. Família, escola e até mesmo a cidade devem ser meios

educativos capazes de alicerçar a formação dos alunos. Sobre a cidade, merece

destaque a compreensão de Herschann & Pereira (1994, p.27), ao evidenciar o

caráter pedagógico da cidade, que “torna-se símbolo por excelência de um templo

de aprendizagem, de internalização de modelos, que, enfim, atingem e orientam os

indivíduos”.

Mesmo com a descentralização, de certa forma, da escola como instituição de

aprendizagens, observam-se grandes investidas em afirmar o espaço como local de

mudanças individuais e sociais, por meio de uma consciência sanitária

fundamentalmente. Espírito (1934 apud STEPHANOU, 2005, p. 149-150), sobre a

questão assim verbaliza:

A escola é o local mais propício para promover a transformação. O ensino primário precisa ser vulgarizado...Mas não apenas a ministração dos conhecimentos das letras e das ciências. O capital humano precisa ser preservado das infecções que aniquilam o valor do homem, e para isso é ainda a escola o lugar melhor para infundir uma consciência sanitária, que será tanto mais habitual, quanto mais cedo for movida. De início, pois deve ser a escola um ambiente educativo por seus vários aspectos.

O novo olhar para a saúde e para a educação leva muitos higienistas e

eugenistas a observarem em tom favorável a atuação de profissionais das áreas

médicas no espaço escolar, por meio das atividades de inspeção médica e ensino

de higiene. Para Stephanou (2005, p. 150),

À escola, inserida numa rede de instituições, estava reservado o papel de formar crianças e jovens, futuros cidadãos, produzindo práticas individuais e coletivas, associadas aos propósitos de constituição de sujeitos ocupados com sua higiene e sua saúde, seja pela conservação de práticas salutares, acrescidas de novas formas de ser e de pensar, esboçadas pelos médicos a partir da ciência e dos ideais de civilização e urbanidade.

O entendimento da escola como espaço de aprendizagens repousa na

fundamentação teórica da higiene, acentuadamente, nos entendimentos da eugenia

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que mergulha na educação infantil a fim de fundar-se na educação das crianças, e

assim, assumir a purificação da raça, necessária a compreensão da época como

pensam muitos intelectuais/profissionais.

Em um discurso de Larberk (1934 apud Stephanou, 2005, p.151) tal

entendimento é externalizado provido de argumentações em favor da classe médica:

Inútil é encarecer a necessidade de difundir o ensino de higiene nas escolas primárias. Hoje, não há quem não reconheça que, só assim, poderemos criar a desejada e indispensável “consciência sanitária” que fará a robustez e a defesa de nossa raça. Todas as nações cultas lançaram mão deste processo, e outro não existe porque só a escola educa, transforma e dirige os destinos dos povos. Como abrigar, por meio de leis e penalidades, o indivíduo a proceder higienicamente, se ele desconhece os preceitos e as vantagens da prática sanitária? Da ignorância resulta, quase sempre, a falência das boas intenções, principalmente quando estas visam modificar hábitos, destruir costumes enraizados. Só a educação leva ao espírito a convicção e transforma em alto espontâneo o ensinamento que se adquiriu[...]. A escola deve aparelhar cada indivíduo para sua própria utilidade da Pátria, transformmando-o num homem e num cidadão.

As escolas projetadas pelos discursos médicos diferem-se, substancialmente,

das escolas existentes na época, como as existentes e vividas por Alfredo, na ficção.

Ao invés das agremiações sadias, assépticas, com a cientificidade a organizar o

espaço e as ações educativas, o que se presencia em grande parte das instituições

educativas primárias é a necessidade emergente de reformas somada a indiscutível

necessidade de atuação médico-científica (STEPHANOU, 2005).

Muito da inadequação dos métodos e procedimentos escolares decorre da

homogeneidade assumida pelos docentes que, quase sempre, não sabem agir ou

exercer suas atividades, procedendo de forma confusa. O contexto educacional

vivencia muitas discordâncias iniciadas pelos médicos, que argumentam

proposições acerca não só da uniformização dos escolares, mas aos métodos e

processos de ensino que, consideravelmente, na compreensão dos médicos,

comprometem a aprendizagem dos alunos, ocasionando o que muitos rotulavam

como o “martírio da escola”.

O atulhamento do cérebro da criança com coisas abstratas e sem nenhuma aplicação na vida prática; o sistema escolar que condenava os adolescentes a uma imobilidade prolongada, a um trabalho intelectual intenso agravado, periodicamente, pelos esforços de exames; a exigência da atenção da criança com recomendações de práticas cujo alcance escapa ao entendimento infantil, perdendo tempo; a escola como instrumento de tortura e meio de deformação; a ênfase no desenvolvimento intelectual, em detrimento da higidez física; a memorização de formulas áridas, regras e definições mais ou menos abstratas, sem interesse imediato, desperdiçando energias da criança em atividades estéreis; ou ainda o fato de que a escola arrebata a cria da liberdade para pó-la no torniquete que a pedagogia

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moderna e a higiene escolar se esforçam por afrouxar (STEPHANOU, 2005, p. 152).

Outros questionamentos, em especial a materialidade das escolas que são

vistas por grande parte dos médicos como espaços insalubres, somados a

localizações inadequadas de prédios escolares, má iluminação, ventilação

inoperante, precariedade/inadequação do mobiliário e dos equipamentos

disponíveis, dentre outros, aglutinam o “laudo” de que, em grande parte, os

conhecimentos da higiene são ignorados ou desprezados como prioridades de ação

pública ou profissional dos docentes.

É na escola que se deveriam ministrar os primeiros conhecimentos higiênicos, e não como geralmente acontece e muito bem disse Almeida Jr.: “A escola quando ela existe, contenta-se com ensinar a ler, a assinar o nome e a contar bolinhas”. Não há hábitos de asseio, para salvaguardar da saúde. Não ensina a comer, não diz os perigos do alcoolismo, não conta os horrores da peste branca [...] Infelizmente, se bem que haja um ensaio de ensino dos preceitos higiênicos nos grupos escolares, deveria ele ser grandemente ampliado. Exige-se e acha-se tempo para tudo, dia das árvores, das aves, etc., e no entanto, não há, quando se tem em vista a verdadeira prosperidade e felicidade, que somente a saúde pode dar! (LENTINO, 1930 apud STEPHANOU, 2005, p. 153).

Nitidamente, entendo que o Anglo sonhado por Alfredo consiste em uma

escola destoante do quadro educacional geral de sua época, tendo em vista sua

linha de “educação excelente”, assentada na pedagogia moderna, nos valores de

uma educação séptica.

Conforme destaca Monarca (2005, p.139), no Brasil, entre meados dos anos

1910 e 1930, a vida nacional, de forma geral, vive uma grande polêmica. Em meio a

controvérsias, um cem número de reformadores do ensino assume um processo de

transformar o quadro necessitado de reformulações científicas, sociais e cotidianas.

Surgem assim, em meio ao pânico social e aos desesperos contínuos,

conforme analisa Carvalho (2000), as Reformas da Instrução Pública, que, logo em

seu início, têm na escola de São Paulo sua principal representatividade como ensino

modelar para o país.

A perspectiva de remodelar e institucionalizar o ensino nacional, ganha força

com a presença, basicamente, de três grande frentes: a Escola Modelo (anexa à

Escola Normal); a influência de reconfiguração escolar de outros estados e o envio

de especialistas às unidades nacionais (Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia,

Distrito Federal).

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Com a reforma Caetano de Campos, o sistema público de ensino paulista se

encontra com atualizados métodos e processos de ensino intuitivo. As novas

proposições educativas formuladas por Caetano de Campos sinalizam para a ideia

de que a arte de ensinar torna-se “largamente dependente da capacidade de

observar [...]. Nesta pedagogia como arte, como saber-fazer, a prática da

observação modula a relação ensino-aprendizagem, instaurando o primado da

visibilidade" (CARVALHO, 2000, p. 226).

No início da década de 1920 o modelo paulista entra em crise tanto por

mudanças nos paradigmas do conhecimento como por “motivações políticas, sociais

e econômicas que confluíram para o chamado ‘entusiasmo pela educação’” 40

(CARVALHO, 2000, p. 227). Sampaio Dória, professor da disciplina Psicologia,

Pedagogia e Educação Cívica da Escola Normal Secundária, observa no

analfabetismo a marca de inaptidão para o país atingir o progresso:

Hoje, não há quem não reconheça e não proclame a urgência salvadora do ensino elementar às camadas populares. O maior mal do Brasil contemporâneo é a sua porcentagem assombrosa de analfabetos (...). O monstro canceroso, que hoje desviriliza o Brasil, é a ignorância crassa do povo, o analfabetismo que reina do norte ao sul do país, esterilizando a vitalidade nativa e poderosa de sua raça.

Vale dizer que foi pelo fato de o analfabetismo ser visto, conforme discute

Carvalho (2000), como “questão nacional por excelência” e priorizar a extensão da

escola às populações até então marginalizadas, que se implantou a Reforma

Sampaio Dória em São Paulo.

Com a reforma, apostou-se, conforme esclarece Carvalho (2000, p.229), em

dois anos de formação básica (antes quatro anos), justificando ser “suficientes para

que o aluno exercitasse as suas ‘faculdades perceptivas’, desenvolvendo a sua

‘capacidade de conhecer’”. Tal reforma teve seu curso alterado pela exoneração de

Sampaio Dória em abril de 1921.

No geral, a escola primária brasileira, no início do século XX, afirma Nunes

(2000, p. 393), assim como a cidade (e incluo o campo), nos lembra mais o herói de

Macunaíma, de Mário de Andrade: “heterogênea, ambígua, conflitante,

desenraizada, descontínua e em constante busca de sua identidade”.

40

Apenas registro que o termos “entusiasmo pela educação” e ”otimismo pedagógico” foram cunhados pelo historiador da educação Jorge Nagle e aparecem registradas na obra “Educação e Sociedade na Primeira República”, republicada em 2001 pela editora DP&A.

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3.3.5 – O cotidiano amazônico como professor

O que torna, em muitos momentos, atraente o processo de aprender não é a

relação com os espaços escolares, mas a relação extraescolar, a educação de

vivência experienciada por Alfredo na ficção, e por tantos outros meninos na

realidade.

O garoto, intuitivamente, compreende que somente a “escola formal” possibilita

seu acesso aos conhecimentos, aqueles “saberes verdadeiros”, de valor. A

convivência com o mestre Proença, com a professora vinda de Portugal, com o

professor Valério e a inacessibilidade ao Anglo, atestam uma situação de fracasso

escolar de Alfredo.

Vale aqui o registro de que fracasso escolar, na compreensão de Charlot

(2000), pode ser analisado sob a ótica de experiências vividas pelos sujeitos que

acumulam em seu histórico, inclusive de vida, a marcas de falta e de diferença. A

vida ficcional de Alfredo merece, sobremaneira, uma leitura positiva da realidade

uma vez que, houve ausência não sua mas do sistema de ensino.

Necessariamente, é valido também afirmar que Alfredo não vivencia uma

educação escolar, de qualidade como sonha constantemente. Assim, o fracasso do

menino apresentar-se como expulsão da escola. Entretanto, mesmo não sendo

considerada pelo garoto, as relações sociais, por serem relações de saber,

imprimem-lhe conhecimentos. Alfredo acumula muito de educação de vivência.

Ao considerar que a educação de vivência se processa em todos os lugares,

sobretudo nos espaços fora da escola, posso inferir algumas aprendizagens de

Alfredo. Analiso inicialmente sua família. A mãe, dentre tantos outros valores,

transmite ao filho a gana e a necessidade de “ser mais”, projetada no sonho de ver o

filho ir estudar em Belém.

O pai, conforme a narrativa (Chove nos campos de Cachoeira, principalmente),

veicula ensinamentos de comodidade, diferente de sua mulher, D.Amélia. A irmã,

Mariinha, ensina-lhe a ser puro e ingênuo. O irmão, Eutanásio, transmite-lhe valores

embasados na desordem, no pouco apreço com os seres, com as coisas e consigo

mesmo.

Andreza, sua colega, dentre alguns valores veiculados no convívio com o

garoto, possibilita-o, a partir de sua vida, o aguçamento da criticidade ao refletir

sobre as injustiças sociais, como, por exemplo, o abandono e a imposição de poder,

capazes de sequelar a família da garota.

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As narrativas possibilitam outros ensinamentos vivenciais a Alfredo. Entretanto,

restrinjo-me a levantar estes e sintetizar todos na figura da Vila de Cachoeira. O

espaço empobrecido como um todo, ensina a Alfredo que os estudos em Belém

poderiam fazê-lo melhor intelectual, econômica e socialmente.

Todavia, os contatos com Edmundo Menezes, por exemplo, parecem

problematizar a situação do saber escolarizado, o valor de ser um doutor: de que

valeria ser um doutor e não saber administrar a fazenda da família, além de carregar

ainda a culpa por mortes na localidade?

Cachoeira ensina também ao garoto que o mundo é marcado por disputas de

acesso as escolas, saneamento básico, estabilidade econômica, etc. Na realidade

vivente do menino, as situações de fracasso ou inacessibilidade escolar imperavam.

A grande investida de Alfredo reflete na fuga daquele lócus horrendus por meio de

sua “varinha mágica amazônica”, o caroço de tucumã.41

As bolinhas mágicas ensinam mais que os professores. São, para o menino,

objetos capazes de mediar Alfredo a uma outra realidade (a uma outra cultura).

Assim, os carocinhos de tucumã agem na vida do garoto como verdadeiros

“mediadores culturais” como discute Gruzinski (1999).

Os caroços de tucumã, enquanto elementos naturais, representam não só a

ligação com natureza (Educação de Vivência), mas mediatizam o menino a outras

realidades, a outros elementos culturais. Com base em Gruzinski (1999), os

passeurs culturels, traduzidos como mediadores culturais, correspondem a pessoas

e a objetos que atuam na mediação entre tempos e espaços diversos, capazes de

contribuir na elaboração e na circulação de representações e imaginários (“bolinha

rica de sugestão!”).

Os mediadores são verdadeiros catalisadores de ideias, capazes de organizar

sentido e de criar um sistema de conexões dentro do universo cultural no qual

transitam, permitindo entender como os universos culturais se entrecruzam.

A Educação de Vivência de Alfredo auxiliada, pelos mediadores culturais,

possibilita ao garoto “dois professores” tipicamente existenciais: o cotidiano

amazônico e a imaginação. A compreensão aqui argumentada me remete a inferir

também que a educação de Alfredo se processa como marca forte da cultura, assim

como compreende Brandão (2002).

41 Registro que os cajus, o papagaio e tantos outros elementos na narrativa parecem “educar” Alfredo. Entretanto, o caroço de tucumã se destaca na narrativa dalcidiana.

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Segundo Brandão (2002), a cultura é o mundo que o indivíduo cria para

aprender a viver. É uma produção social de natureza dialética, onde o ser, de forma

intencionada e em relação com outros, age sobre o mundo natural o transforma e se

transforma, construindo um novo mundo de significações, valores, realizando-se no

mundo.

A condição discutida pelo autor, demarca o indivíduo como sujeito da história

e agente criador de cultura, esta última é entendida como reflexiva, pois se refere à

capacidade do ser, de atribuir significados múltiplos e transformáveis ao que cria,

principalmente, a si próprio.

A cultura Amazônica, particularmente a Vila de Cachoeira, por meio de seu

ambiente natural e arruinado, ensina a Alfredo que há oprimidos e opressores. O

mundo diferente é concebido em seu imaginário.

A realidade ideal imaginada por Alfredo perde espaço para a mobilização do

personagem, que descarta o mediador principal (o caroço de tucumã) e ousa

adentrar em uma realidade objetiva (na ficção), que talvez seja diferente daquela

presente em seu cotidiano que o ensina e o oprime.

Talvez o último ensinamento oferecido a Alfredo seja o do rio, que com suas

enchentes e marés-altas procura transmitir ao jovem que há uma separação entre

urbanos e rurais. O jovem, relutantemente, investe contra a lição segregadora e,

guiado pela mãe, aposta na possibilidade de, na cidade equatorial, estudar, e,

assim, saciar sua “fome pelo saber escolar”, tornar-se um ser “culto”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A proposta da pesquisa consistiu acima de tudo na possibilidade de

alargamento do quadro de reflexões sobre a realidade educacional do interior do

Estado do Pará e, sem qualquer equívoco, da educação na Amazônia no início

século XX. Com a investigação, compreendo que a educação nas obras Chove nos

campos de Cachoeira e Três Casas e um Rio, de Dalcídio Jurandir, são

representadas a partir de uma tensão constante entre a escola ideal, sonhada por

Alfredo, e a escola real, vivenciada a cada dia e repudiada a cada minuto pela

personagem.

Observo que no entremeio entre escola real e escola idealizada, Dalcídio

Jurandir, ao mergulhar no interior do Alfredo e levantar suas indagações

relacionadas à validade da escola e do saber escolarizado, valida o que denominei

de Educação de Vivência. Fica no ar o indicativo de que o cotidiano, sobretudo o

amazônico, traz ao garoto mais ensinamentos do que a escola representada na

figura de Proença, da professora vinda de Portugal, Valério e a escola idealizada, o

Anglo-Brasileiro.

Belém e o ensino que proporciona também é centro de questionamentos de

Alfredo. O personagem sabe que na cidade equatorial poderá ter uma situação

educacional diferente da vivenciada em Cachoeira. Aparentemente já ciente da

educação pública também empobrecida em Belém, o personagem, sutilmente,

manifesta a opinião do narrador, que também aparenta já conhecer os estudos

públicos ofertados na cidade equatorial.

O que perdura na mente do personagem é a admissão em uma “escola

verdadeira”, uma escola que lhe ofereça valores diferentes daqueles que já tem. A

representação de escola ideal para Alfredo tem como elementos professores

qualificados, bem remunerados e afetuosos na relação com os alunos, excelentes

espaços físicos para os estudos, alunos sadios, fortes e inteligentes, recursos

materiais/pedagógicos adequados e, sobretudo, conteúdos de valor para a vida,

ensinados na escola.

Contrariamente ao desejado, a realidade educacional cachoeirense oferece

ao garoto uma escola conturbada. Inicialmente, o menino se volta aos

“ensinamentos” de seu Proença, “professor” sem qualificação, extremamente

opressor. As aulas com a professora vinda de Portugal levam Alfredo a acentuar

seus questionamentos acerca do saber escolar, pois mesmo com “qualificação”, já

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que estudou em Portugal, a professora vive mal remunerada e a “fingir” que ensina

os pequenos de Cachoeira.

Valério surge nas retinas do menino como a confirmação de que há

problemas com a educação escolar. A decadência do professor que estudou na

Escola Normal, somada aos outros docentes e os elementos que compõem a

representação de educação que o menino tem, ressoam em Alfredo como

decadência da educação escolar em Cachoeira.

Não satisfeito, opta por duas fugas: uma imaginária e outra materializada

posteriormente. A ida para Belém representa para o menino a busca de uma

educação um pouco melhor daquela que tem na Vila. Contrariamente, o sonho de

um dia estudar no Anglo representa para Alfredo o acesso ao local idealizado, a

escola risonha e franca, extremamente luminosa. Como se trata de sonho, contenta-

se apenas em imaginar-se aluno da escola de modelo inglês. Posteriormente,

desperta para a utopia e resolve experimentar as escolas em Belém.

A situação do menino delineia a escola real e a escola ideal. Entrelaçadas as

propostas educativas, emerge, a partir da vivência do garoto, um contexto

amazônico que o educa progressivamente. A Educação de Vivência é fundamental

para Alfredo a partir do momento em que se relaciona com o meio social e aprende

valores, tão importantes ao ponto de colocar em dúvida se somente o que se

processa nas escolas é realmente saber.

A representação de educação na Amazônia por Dalcídio Jurandir me faz

entender, enquanto educador, que reapresentar, para o escritor, é escrever pautado

na realidade dura que o interior do Estado apresenta. Em meio ao ofício amargo de

transpor para a ficção o sofrimento do amazônida, o caboclo d’água mergulha na

vida cotidiana da Amazônia e busca dar sentido ao coletivamente vivido.

Assim, observo que a ficção dalcidiana vale como uma denúncia das

desigualdades educacionais. A “verdadeira educação” para Alfredo, assume, até as

últimas páginas de Chove nos Campos de Cachoeira e Três Casas e Um Rio, clara

posição de utopia para todos os humildes moradores da Vila de Cachoeira, tão

distantes efetivamente se encontram, seja pela ausência ou fragilidade dos mestres,

do material escolar, etc., seja pela negação de sua importância no contexto da

sociedade local.

Para mim, a realidade educacional, em termos de ficção, representada por

Dalcídio, tem, de certa forma, mais importância do que muitos “documentos oficiais”.

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O escritor molda, com os pés fincados na existência, um quadro em que tônicas

ficcionais e reais se entrelaçam. Sobressai o registro de uma sociedade injusta, que

não oferece escola de qualidade para todos. O escrito de Jurandir reporta-se a um

tempo virulento, passivo, vinculado à gente de seu povo. Esse escrito torna-se, pela

força das coisas que aborda, um documento, um testemunho, um retrato de uma

Amazônia cinzenta, fria. Compreendo que o Romancista da Amazônia não se

preocupa em registrar o transitório, mas aquilo que tende a permanecer, a perdurar.

O trabalho com as palavras ganha peso e sentido ao retornar em forma de

representação, de qualquer coisa que valha como “real em termos de ficção”.

Assim, autor e obra se comunicam no intuito de situar e sentir-se situado no

conjunto de romances. A obra de Dalcídio sinaliza para uma presença total do

escritor, somada a um trabalho específico de transposição a que ele se induz.

Acentuo que, para mim, o escritor nortista ensopa sua produção literária com

investimento político capaz de apresentar-se não como trabalho desinteressado,

mas, sobretudo, como obra feita com muita franqueza, trabalho e intencionalidade

política.

O que imprime valor ao Ciclo romanesco de Dalcídio, e particularmente

“Chove” e “Três Casas”, é que sua escrita é tecida para o momento em que vive. Em

outros termos, eu diria que o escritor do Norte comunica a respeito de um passado-

presente, substancialmente, presentificado, chegando seus escritos, aos leitores,

como aquele quadro recém tingido em que o aroma de tinta fresca segue vacilante a

incomodar o ambiente, dada sua agudez de cores.

O tom de Dalcídio é marcado, notadamente, por um marasmo capaz de

apresentar uma Amazônia fria, cheia de impossibilidades, principalmente, se o

assunto consiste em educação para os pequenos moradores da Vila de Cachoeira.

“Proenças”, “Valérios”, e tantos outros ainda existem. Salas escuras, quadros como

ataúdes, palmatórias, sonhos com dias melhores também. A realidade educacional,

especificamente no interior da Amazônia, ainda respira ventos de esperança.

E a esperança se encontra com a resistência do povo sofrido, ainda sem

escolas de qualidade. Em sua maioria, os sujeitos reapresentados na ficção ainda se

encontram, na realidade objetiva, apagados pela “borracha da desigualdade” que,

definitivamente, desarticula a oferta de uma educação escolar de qualidade para

grande parte dos filhos da Amazônia, seres ainda famintos de saber escolar.

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REFERÊNCIAS

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