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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FERNANDO FRANCISCO TSUCANA

FORMAÇÃO SUPERIOR DE OFICIAIS DA POLÍCIA DE

MOÇAMBIQUE:

Articulação Entre os Fundamentos Teóricos e as Habilidades Práticas

SÃO PAULO

2014

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FERNANDO FRANCISCO TSUCANA

FORMAÇÃO SUPERIOR DE OFICIAIS DA POLÍCIA DE

MOÇAMBIQUE:

Articulação Entre os Fundamentos Teóricos e as Habilidades Práticas

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, como exigência parcial para a obtenção do grau de Doutor em Educação: Currículo, realizada sob a orientação do Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali.

SÃO PAULO

2014

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NOTA PRÉVIA

Esta Tese foi redigida segundo a norma-padrão da Língua Portuguesa

usada em Moçambique

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à memória dos meus pais, em especial da minha querida mãe Julieta Chuma, que me encorajou a iniciar os estudos, mas não viveu o suficiente para partilhar comigo o resultado.

Mamana Julieta, lavisa masinwini ya wena

A mbéu unga byala, yimilile hi ley!

- - -

Dona Julieta, olhe para a sua horta

A semente que você lançou germinou, ei-la!

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AGRADECIMENTOS

Foi gratificante e honroso conhecer a PUC, sua diversidade, suas gentes, seus docentes

e todos os meus colegas e amigos da turma. A competência, simplicidade, empatia e

trato humano dos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo

me marcarão pelo resto vida.

Agradeço às autoridades do Ministério do Interior de Moçambique, do Comando Geral

da Polícia da República de Moçambique e da Academia de Ciências Policiais pela

confiança que depositaram em mim, concedendo a bolsa e permitindo que fosse

continuar os estudos fora do País. Os mesmos agradecimentos estendem-se ao Projecto

NPT do Governo Holandês através da Nuffic, pelo financiamento e gestão da bolsa.

Agradeço ao Professor Doutor Luis Pouw e à Professora Doutora Rachael Tompson,

pela orientação, pelos conselhos, incluindo a preferência pela PUC-SP, pela amizade e

carinho que sempre me dedicaram. É de reconhecer as suas qualidades humanas para

além de educadores.

Agradeço, igualmente, ao Professor Doutor Ronilson Luiz cujo espírito de amizade e

interajuda transcendeu as fronteiras interpessoais e fez questão de conhecer e dar o seu

saber também à minha instituição ACIPOL onde deixou saudades a todos quantos

tiveram oportunidade de conviver com ele. Agradeço, em especial, ao Professor Marcos

Masetto pelo seu tacto pedagógico, que levou muitos dos seus discentes a (re) construir

a sua visão sobre a docência e a inovação no ensino superior.

Aos meus colegas e compatriotas moçambicanos na PUC e em São Paulo, agradeço

todo o convívio fraterno, o apoio e partilha de idéias que marcaram os dias da nossa

convivência além-fronteiras que, de certeza, continuará no solo pátrio.

À Ana Maria Nhampule e ao Remane Selimane, não encontro palavras próprias e

suficientes para qualificar a irmandade que cimentamos e desejamos que se consolide.

Qualquer adjectivação arriscar-se-ia a reduzir tamanha obra que construímos a simples

palavras. Duma coisa tenho certeza: a semente que lançamos germinará. Obrigado por

tudo.

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Agradeço de forma destacada ao meu orientador, Professor Doutor Alípio Casali, não

somente pela sapiente orientação, mas pelas suas qualidades humanas e nobreza de

espírito, pelo seu exemplo de vida e de luta pelas coisas certas. Pela sua capacidade de

acolhere atender “o próximo”, permitindo que aprendamos, a (des)construir e a

(re)construir paradigmas da academia e da cultura para nos tornarmos o que já não

somos. Bem haja!

À minha família (minha esposa, meus filhos e meus irmãos) que ao longo de todo o

tempo de presença e ausência, soube entender e assumir os meus estudos como um

projecto colectivo, não sem sacrifícios. Dela devo todo o amor e carinho que me

encorajaram e deram alento para atingir a meta.

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RESUMO

Esta pesquisa foi orientada como um estudo sobre a relação entre a teoria e a prática no

curso de formação superior de oficiais da Polícia ministrado pela Academia de Ciências

Policiais (ACIPOL) de Moçambique. Partindo da inquietação de que a formação

oferecida pela ACIPOL vem sendo predominantemente teórica, os procedimentos

metodológicos usados na prática pedagógica não estabelecem uma ligação com as

práticas policiais reais, ao presente estudo interessou fundamentar como promover,

através do estágio curricular supervisionado e das práticas pré-profissionais, a

articulação entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas da formação.

Apoiando-se em fundamentos da pedagogia crítica e reflexiva, o presente estudo

recorreu a instrumentos quantitativos e qualitativos de pesquisa, para investigar um

grupo de oficiais da Polícia da República de Moçambique (PRM) no activo, recolhendo

suas opiniões e percepções que afectam a formação de oficiais oferecida pela ACIPOL.

Como resultado, o presente estudo levanta a proposição de que os cursos deveriam ter

um núcleo básico de formação que não se estruturasse simplesmente em torno de

disciplinas que repassassem conteúdos acabados, mas que transformasse a organização

actual de áreas científicas em eixos de aprendizagem, devidamente integrados e

articulados entre os fundamentos teóricos e as habilidades requeridas para a futura

função profissional dos formandos. Isso pressupõe uma nova concepção sobre as

actividades formativas, o processo formativo, os espaços de formação e os actores.

Palavras-chave: Formação policial; ACIPOL; Moçambique; Práticas Pré-Profissionais;

Estágio curricular.

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ABSTRACT

This research is focused on the relationship between theory and practice in the course of

higher education of police officers given by the Academy of Police Sciences (ACIPOL)

of Mozambique. Starting from the concern that the training offered by ACIPOL has

been predominantly theoretical, methodological procedures used in teaching practice do

not establish a connection with actual police practices; this study promotes, through

supervised traineeship and pre-professionals practices, the relationship between the

theoretical and practical skills training. Based on fundamentals of critical and reflective

pedagogy , this study has used both quantitative and qualitative research tools to

investigate a group of the Republic of Mozambique Police (PRM) officers in active,

collecting their opinions and perceptions on issues affecting officer training offered by

ACIPOL. As a result, this study raises the proposition that the courses should have a

basic core training that is not simply structured around disciplines that finished passing

along content, but be able to transform the current organization of scientific areas into

learning axles, properly integrated and articulated with theoretical underpinnings and

skills required for future professional role of learners. This implies a new conception of

the learning activities, the training process, the training spaces and actors.

Keywords: Police training; ACIPOL; Mozambique, Pre-Professional Practices;

Curricular Supervised Fieldwork.

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RÉSUMÉ

Cette recherche se concentre sur l' étude de relation entre la théorie et la pratique dans

le cadre de l'enseignement supérieur des officiers de police proposé par l'Académie des

Sciences de police (ACIPOL) du Mozambique. En sortant de la préoccupation que la

formation offerte par ACIPOL concernait, procédures méthodologiques principalement

théoriques utilisés dans la pratique de l'enseignement n'ont pas établi une connexion

avec les pratiques policières, l'étude presente c`est, par conséquence, à promouvoir, par

le biais de l'stage et pratiques supervisées pré-professionnels, la relation entre la

formation théorique et pratique. S'appuyant sur les fondements de la pédagogie critique

et réflexive, cet étude a utilisé des outils quantitatifs et qualitatifs de recherche pour

enquêter sur un groupe d'officiers de la Police de la République du Mozambique (PRM)

en activité, la collecte de leurs points de vue sur des questions touchant la formation des

officiers offert par ACIPOL. En conséquence, cet étude soulève la proposition que les

cours devraient avoir une formation de base qui ne soit pas simplement estructurée

autour avec des contenus acheve´s, mais de transformer l'organisation actuelle des

domaines scientifiques en essieux d´apprentissage, bien intégrée et articulé aux

fondements théoriques et compétences nécessaires pour le futur rôle professionnel des

apprenants. Cela implique une nouvelle conception des activités d'apprentissage, de

processus de formation, des espaces de formation et des acteurs.

Mots-clés: Formation de la Police; Pratiques Pré- Professionnelles; Formation

Curriculaire Supervisée; ACIPOL; Mozambique.

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i

Índice INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1

CAPÍTULO I .................................................................................................................. 22

1.1.Contextos .................................................................................................................. 22

1.2. O policiamento Público: breve resenha histórica .................................................... 23

1.3. Evolução da Polícia da República de Moçambique no período pós ....................... 30

independência nacional - Sinopse histórica: do CPM à PRM ........................................ 30

1.3.1. O Corpo da Polícia de Moçambique – CPM ............................................ 32

1.3.2. A Polícia Popular de Moçambique – PPM ............................................... 33

1.3.3. A Polícia da República de Moçambique – PRM ...................................... 34

1.3.4. A reforma da Polícia no período pós Acordo Geral da Paz (AGP ........... 36

1.3.5. Escalas profissionais da PRM e sistema de formação policial ...................... 39

1.3.6. A revogação da Lei que cria a PRM: Lei nº 16/2013 de 12 de Agosto .... 41

1.4. Processo de implementação do Acordo Geral de Paz: A Polícia como parte do 44

objecto de reformas institucionais .................................................................................. 44

1.5. A Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) no processo da reforma da Polícia

45

1.5.1. Estrutura do Currículo .............................................................................. 48

CAPÍTULO II ................................................................................................................. 50

DESAFIOS CURRICULARES À FORMAÇÃO SUPERIOR DA POLÍCIA EM

MOÇAMBIQUE ............................................................................................................ 50

2.1. Génese e evolução do termo Polícia ........................................................................ 51

2.2. Polícia como profissão............................................................................................. 53

2.3. Formação policial para o desenvolvimento de profissionais competentes .............. 56

2.4. Buscando referências teóricas para a formação pretendida na ACIPOL................. 63

2.5. A formação policial em Moçambique ..................................................................... 72

2.5.1. Antecedentes ................................................................................................. 75

2.6. As fontes do modelo policial de Moçambique: uma revisita às escolas e ............... 80

modelos policiais no Mundo .......................................................................................... 80

2.6.1. Orientação e objectivos da escola de Polícia Anglo-Saxônica ..................... 82

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ii

2.6.2. Orientação e objectivos da Escola de Polícia Oriental .................................. 82

2.6.3. Referência aos modelos policiais .................................................................. 83

2.6.4. Fontes e natureza das actividades policiais ................................................... 86

2.6.5. Em busca de um modelo funcional ............................................................... 88

2.7. Formação ................................................................................................................. 93

Breve discussão sobre o conceito formação ........................................................... 94

2.8. Profissão .................................................................................................................. 98

2.8.1. Formação Profissional ................................................................................ 101

2.8.2. Nossa referência sobre Competência .......................................................... 105

2.9. Considerações gerais sobre o currículo ................................................................. 108

2.9.1. O Termo Currículo ...................................................................................... 108

2.9.2. Revisitando o processo da construção do currículo da ACIPOL ................ 112

2.9.3. Breve olhar sobre as teorias do currículo .................................................... 117

2.9.4. A Teoria crítica como práxis ....................................................................... 120

2.9.5. O currículo integrado como evolução das idéias críticas sobre o currículo 124

2.10. O Estágio Curricular ............................................................................................ 126

2.10.1. Conceito de Estágio ................................................................................... 127

2.10.2. Algumas acepções sobre o Estágio ........................................................... 128

2.10.3. O que se entende por teoria e por prática .................................................. 129

2.10.4. O estágio como prática .............................................................................. 130

2.10.5. Um novo entendimento de prática ............................................................ 134

2.10.6. A Prática como exercício da técnica ......................................................... 136

2.10.7. Estágio como aproximação da teoria à realidade ...................................... 138

2.10.8. A pesquisa no estágio ................................................................................ 139

2.10.9. Conceituando as Práticas Pré-Profissionais ............................................. 142

2.10.10. Quanto ao objectivo das práticas pré-profissionais ................................. 143

2.11. Como diferenciar o Estágio das Práticas Pré-Profissionais? ............................... 145

CAPÍTULO III ............................................................................................................. 147

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iii

A PERCEPÇÃO DOS COMANDANTES E DOS OFICIAIS DA PRM ACERCA DA

RELEVÂNCIA DA FORMAÇÃO OFERECIDA PELA ACIPOL ............................ 147

3.1. Opções metodológicas ........................................................................................... 148

3.2. Caracterização dos participantes da pesquisa ........................................................ 150

3.3. Técnicas de recolha de dados ................................................................................ 153

3.3.1. Entrevistas ................................................................................................... 153

3.3.2. Inquérito por questionário ........................................................................... 156

3.3.3. Processo de apresentação dos dados recolhidos .......................................... 158

3.3.4. Critério de selecção das tarefas a desenvolver nas Práticas Pré-Profissionais 159

e Estágio curricular supervisionado ...................................................................... 159

3.4. Apresentação e interpretação dos dados ................................................................ 160

3.4.1. Dados colectados através da ficha 1: tempo despendido por um comandante ... 161

da esquadra ................................................................................................................... 161

3.4.2. Dados recolhidos através da ficha 2: dificuldade de execução de tarefas .......... 173

3.5 Apresentação dos dados recolhidos através de entrevistas nas esquadras.............. 180

3.6. Resultados das entrevistas realizadas na PIC ........................................................ 180

3.7. Resultados das entrevistas realizadas na Polícia de Trânsito ................................ 181

3.8. Resultados das entrevistas realizadas nas esquadras ............................................. 181

3.9. Resultados da entrevista colectiva ......................................................................... 182

3.10. Análise descritiva e interpretação dos resultados de grupos focais, entrevistas

e inquéritos gerais ......................................................................................................... 184

CAPÍTULO IV ............................................................................................................. 225

POSSIBILIDADES DE EQUILÍBRIO ENTRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E

AS HABILIDADES PRÁTICAS DA FORMAÇÃO, A PARTIR DAS PRÁTICAS

PRÉ-PROFISSIONAIS E DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO ..... 225

4.1. Conhecer as necessidades operacionais para determinar as necessidades de

formação ....................................................................................................................... 225

4.2. Sobre a prática da formação em ciências policiais que a ACIPOL oferece .......... 230

4.3. Possibilidades de aprimoramento na formação de oficiais da Polícia no sentido . 233

da articulação entre a teoria e a prática ......................................................................... 233

4.3.1. Fortalecer a área de Ciências e Tecnologia Policiais .................................. 234

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4.3.2. Fortalecer a área policial articulando a pesquisa com a formação .............. 236

4.4. Os atributos ligados às relações com as comunidades como referenciais de uma 239

formação policial vinculada à realidade social ............................................................. 239

4.5. O currículo integrado como possibilidade de articulação entre os fundamentos .. 247

teóricos e as habilidades práticas na formação policial ................................................ 247

4.5.1. Restaurando experiências e expectativas: as expectativas que os oficiais de 249

comando tinham sobre o desempenho dos formados pela ACIPOL. .................... 249

4.5.2. Ideias preliminares sobre a construção do currículo integrado: Presupostos práticos e metodológicos ....................................................................................... 252

4.5.3. Elementos de aproximações sucessivas ao Perfil Profissional .................... 255

4.5.4. Pressupostos a considerar na Avaliação da aprendizagem do currículo ..... 258

integrado ................................................................................................................ 258

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 268

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 274

ANEXOS......................................................................................................................287

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Índice de Tabelas

Tabela 1: Áreas Científicas do Currículo da ACIPOL e Carga Horária ........................ 48

Tabela 2: Teorias de Aprendizagem, Representantes e Principal Fundamento ............. 65

Tabela 3: Valores absolutos/ reais de níveis de Escolaridade dos comandantes da Polícia

até 2007 .......................................................................................................... 75

Tabela 4: Valores em percentagens (%) dos níveis de escolaridade dos comandantes da

Polícia até 2007 .............................................................................................. 76

Tabela 5: Resumo de modelos de policiamento ............................................................. 93

Tabela 6: Exemplo de designações de formação em algumas línguas ........................... 93

Tabela 7: Níveis de Educação Profissional em Moçambique até o início da reforma

(2006)............................................................................................................ 102

Tabela 8: Classificação das instituições de Ensino Superior em Moçambique ............ 102

Tabela 9: Forma em que a Prática Pré-profissional pode ser realizada ........................ 118

Tabela 10: Estágio versus Práticas Pré-profissionais................................................... 145

Tabela 11: Principais documentos institucionais analisados ........................................ 146

Tabela 12: Dados gerais sobre a origem e o número dos participantes da pesquisa .... 149

Tabela 13: Fichas de entrevistas aplicadas ................................................................... 152

Tabela 14: Entrevistados por ramo policial e por função ............................................. 155

Tabela 15: Participantes do inquérito específico por província e função .................... 155

Tabela 16: Fichas de inquérito por questionário aplicadas........................................... 156

Tabela 17: Distribuição das questões de inquérito por ficha e categorias .................... 157

Tabela 18: Conteúdo das categorias codificadas .......................................................... 157

Tabela 19: Implicações das frequências das respostas................................................ 158

Tabela 20: Frequência de respostas da Ficha 1- Província de Nampula ...................... 160

Tabela 21: Frequência de respostas da Ficha 1- Cidade de Maputo ............................ 161

Tabela 22: Frequência de respostas da Ficha 1- Província de Sofala ........................... 162

Tabela 23: Frequência de respostas da Ficha 1 (somatório geral) ................................ 163

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Tabela 24: Selecção de tarefas com base nos dados da ficha 1 .................................... 164

Tabela 25: Frequência de respostas da Ficha 2 - Província de Nampula ..................... 165

Tabela 26: Frequência de respostas da Ficha 2 - Cidade de Maputo ........................... 173

Tabela 27: Frequência de respostas da Ficha 2 - Província de Sofala .......................... 174

Tabela 28: Frequência de respostas da Ficha 2 (somatório) ......................................... 175

Tabela 29: Selecção de tarefas com base nos dados da ficha 2 .................................... 175

Tabela 30: Tabela geral das tarefas seleccionadas (fichas 1 e 2) ................................. 179

Tabela 31: Comparação das actividades consideradas mais complexas ..................... 179

Tabela 32: Relação das perguntas de pesquisa aplicadas ............................................. 183

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Índice de Figuras

Figura 1: Organigrama do Ministerio do Interior ........................................................... 35

Figura 2: Modelo de Carreira Policial ............................................................................ 39

Figura 3: Organização da Policia da Republica de Moçambique ................................... 42

Figura 4: Ramos e Unidades de Operações Especiais e de Reserva .............................. 43

Figura 5: Organigrama da ACIPOL ............................................................................... 46

Figura 6: Ilustração das componentes curriculares e áreas de actuação dos graduados . 49

Figura 7: Desenvolvimento Profissional (modelo reflexivo) ......................................... 68

Figura 8: Triângulo da Ocorrência Criminal - Modelo da Escola Oriental .................... 83

Figura 9: Transformação dos modelos de polícia até século XX ................................... 89

Figura 10: Teoria Broken Windows (teoria de vidros quebrados) ................................. 91

Figura 11: Linha de tempo das teorias críticas ............................................................. 120

Figura 126: currículo integrado - exemplo de unidades de aprendizagem ................... 256

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Índice de Quadros

Quadro 1: Códigos usados na sistematização e análise dos resultados ........................ 185

Quadro 2:Disposições legais que regulam o ingresso na ACIPOL .............................. 193

Quadro 3: Actividades policiais consideradas difíceis ................................................. 198

Quadro 4: Matérias de aprendizagem sugeridas pelos graduados/Sofala ..................... 204

Quadro 5: Actividades que os cadetes realizam na esquadra durante o estágio .......... 209

Quadro 6: categorias indicadas pelos participantes ...................................................... 211

Quadro 7: Comparação de características entre o “bom” e o “mau” Polícia ............... 224

Quadro 8: Tarefas seleccionadas pelas fichas (1 e 2) ................................................... 227

Quadro 9: Matrix de resultados de aprendizagem ........................................................ 251

Quadro 10: resumo das possibilidades para assegurar uma formação policial equilibrada entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas............................ 260

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Índice de gráficos

Gráfico 1: Representação do Nível de Escolaridade dos comandantes provinciais da

Polícia (até 2007) ........................................................................................... 76

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Lista de Siglas e Abreviaturas

ACIPOL: Academia de Ciências Policiais

AR: Assembleia da República

BR: Boletim da República

CIP: Contra Inteligência Policial

CPM: Corpo da Polícia de Moçambique

CRM: Constituição da República de Moçambique

CFQP: Centro de Formação de Quadros da Polícia

CPNM: Classificação Nacional das Profissões de Moçambique

CHA: Competências, Habilidades e Atitudes

DEIPLA: Departamento de Informação e Planificação

DINET: Direcção Nacional do Ensino Técnico Profissional

FADM: Forças Armadas de Defesa de Moçambique

FER: Forças Especiais e de Reserva

FGF: Força de Guarda Fronteiras;

FPAI: Força de Protecção de Altas Individualidades

FPLM: Forças Populares de Libertação de Moçambique

FPMLF: Força de Protecção Marítima, Lacustre e Fluvial

FRELIMO: Frente de Libertação de Moçambique

GF: Guarda Fiscal

ILEA: International Law Enforcement Academy

INE: Instituto Nacional de Estatística

ISP: Inteligência da Segurança Pública

ISCPSP: Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Publica de Portugal

OSTP: Ordem, Segurança e Tranquilidade Pública

PA: Polícia Aduaneira

PCFM: Polícia dos Caminhos de Ferro de Moçambique

PEACIPOL: Plano Estratégico da Academia de Ciências Policiais

PIC: Polícia de Investigação Criminal

PJ: Polícia Judiciária

POC: Policiamento Orientado para a Comunidade

POP: Policiamento Orientado para o Problema

PPM: Polícia Popular de Moçambique

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PRM: Polícia da República de Moçambique

PSP: Polícia da Segurança Pública

PT: Polícia de Trânsito

PTO: Police Training Officers (Programa de Treinamento de Oficiais da Polícia)

RDA: República Democrática de Alemanha

RENAMO: Resistência Nacional Moçambicana

SISE: Serviço de Informação e Defesa do Estado

TFS: Táctica das Forças de Segurança

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INTRODUÇÃO

Este estudo começa com uma breve contextualização sobre a posição, função e

a importância dos actos da Polícia na sociedade como base para imergir na discussão

sobre a natureza e o tipo de formação policial que se pretende para a Polícia

moçambicana. De seguida, apresenta as razões de âmbito social, institucional,

académico e pessoal da pesquisa. Apresenta a necessidade do equilíbrio entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas da formação policial, articulados

através das práticas pré-profissionais e do estágio curricular supervisionado como

ideia central em volta da qual gravitam as opiniões e contribuições dos sujeitos da

pesquisa, no que respeita à natureza e o tipo de formação policial.

No mundo contemporâneo não há sociedade nem Estado dissociado da Polícia,

pois, pelas suas próprias origens, ela emana da organização social, sendo essencial

para a sua manutenção. Ao analisar a gênese do poder e do dever de Polícia, Leal

(1995, p.8) sustenta que “a necessidade de regular a coexistência dos homens na

sociedade deu origem ao poder de polícia”. Ela foi criada para assegurar a execução

das leis e das normas de conduta social, e assim objectivando garantir a liberdade dos

cidadãos (não os cerceando), salvaguardando a segurança dos homens de bem.

A posição, função e a importância dos actos da Polícia na sociedade são

analisados e discutidos por vários estudiosos sociais, dentre os quais Murph (1993,

p.19) que as enaltece nos seguintes termos:

O acto policial deve ser nobre, elevado e revestido de indiscutível conteúdo ético e moral, com o objectivo de buscar sempre o bem social. O polícia é o espelho da sociedade onde convive e trabalha. Para isso, deve ser o melhor exemplo dos demais servidores públicos, de forma que, trabalhe mais, erre menos. Deve ser sóbrio e compreensivo para os humildes e necessitados; forte e inflexível frente aos arrogantes e perversos para, de algum modo, em razão das necessidades e choques sociais, ter que assumir a posição de médico, algoz, confessor e amigo quando necessário.

A partir do trecho acima podemos aferir que o trabalho da Polícia, como

serviço público, e dos polícias, como servidores públicos, é marcado por uma série de

atributos de qualidade que, não sendo inatos, devem ser desenvolvidos por meio da

formação.

A discussão sobre a natureza e o tipo de formação policial impõe-nos um

desafio de extrema complexidade e susceptível de criar divergências opinativas quanto

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à sua real conceituação e concretização. Pode-nos remeter, conforme disserta Cardim

(1998), à dificuldade que persiste na determinação do conceito de formação

“profissional”, devido à sua origem histórica recente, à evolução diversificada das

intervenções que a caracterizam, e à sua abrangência e diversidade que marcaram o

próprio conceito, dificultando a identificação do seu conteúdo e inibindo a formulação

de uma definição universal (CARDIM & MIRANDA, 1998, P.13).

A autora refere que entre as causas dessa dificuldade são, provavelmente,

essenciais a diversidade das intervenções que merecem a designação genérica de

“formação”, mas também o próprio curto período que passou entre a sua generalização

e o presente. A literatura especializada advoga que a formação profissional1, na qual se

enquadra a formação policial, ao contrário da formação “convencional”, viu apenas no

fim do século passado a generalização das suas modalidades mais estruturadas e

institucionais, e tem sido alvo, neste século, de múltiplas experiências e inovações.

A formação policial do nível superior é uma actividade recente, sendo a sua

história sobremaneira curta para permitir a universalização de conceitos e critérios,

sintoma seguro de uma actividade amadurecida e consolidada nos seus contornos,

orientações e modelos. Move-se entre as escolas e modelos policiais existentes no

mundo, acrescentam os mesmos autores.

Situamo-nos assim, quando falamos de formação policial do nível superior,

num domínio de actividade em que não há um modelo absoluto e generalizado que

permita uma caracterização e tipificação clara e unívoca, das intervenções que nela se

enquadram. Cardim & Miranda (1998, P.14), afirmam que não há, igualmente, um

suporte institucional que permita essa caracterização como existem, no que respeita ao

ensino, a “Escola” e a “Universidade”, instituições capazes de tipificar certos tipos de

intervenções educativas, concorrendo para empreender certas características e uma

visibilidade que é essencial para afirmar actividades cuja realidade se concretiza ao

nível das representações sociais e da acção de mais actores.

Segundo Bayley (2006, p.16), na história mais remota da universidade não há

registos sobre práticas acadêmicas em Polícia ou em segurança pública que tenham

levado a estudos exaustivos ou à constituição de disciplinas e cursos universitários em

1 Formação profissional, neste trabalho, é entendida no seu sentido mais abrangente, que inclui a Recomendação nº 150 da OIT (organização Internacional do Trabalho), aprovada na sexagésima sessão, em 4 de Junho de 1975: no que respeita ao quadro geral, consignando-se uma perspectiva abrangente que integra adolescentes e adultos ao longo de toda a sua vida, em todos os sectores de economia e a todos os níveis de qualificação.

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ciências policiais. Por isso, constitui ainda matéria de acesos debates se existe ou não

uma “ciência policial”2, mas não há, de certeza, qualquer dúvida sobre o papel e a

importância da Polícia na sociedade.

Sobre essa matéria, Valente (2009) afirma que à Polícia cabe, como função, a

defesa e garantia dos direitos dos cidadãos, que se encontram consagrados como uma

das tarefas fundamentais do Estado de direito democrático, no sentido de garanti-los e

de fazê-los observar por todos. Assim, acrescenta o autor, impõe-se ao Estado uma

postura activa para fazê-los valer como elemento objectivo da sociedade, passando

essa postura activa pela actividade de Polícia à qual cabe a sua defesa e garantia que

passará também pela defesa da legalidade democrática e garantia da segurança das

pessoas e do patrimônio (VALENTE, 2009, p.119).

Em tese, conclui Valente (2009), a formação dos polícias deve favorecer a

compreensão do exercício da actividade de segurança pública como prática da

cidadania, da participação profissional, social e política num Estado democrático de

direito, estimulando a adopção de atitudes de justiça, cooperação, respeito à lei,

promoção humana e repúdio a qualquer forma de intolerância. A concretização desses

objectivos requer profissionais competentes e comprometidos (ibidem).

A prática desses profissionais requer destrezas operacionais que permitam a

execução de procedimentos com segurança, técnica e atitudes relacionadas com o

sentimento de humanidade, respeito aos direitos humanos e compromisso social,

fundamentos que asseguram o exercício profissional ético.

Na actualidade a formação policial transcende as preocupações internas dos estados,

inscrevendo-se no nível global e da alçada das Nações Unidas, mesmo reconhecendo-se

que não pode ser uniforme, por se reconhecer a importância do papel das polícias na

garantia dos direitos humanos na sua universalidade, conforme se constata na citação

que se segue, retirada do manual de formação em direitos humanos para as forças

policiais, desenvolvido pelas Nações Unidas.

A formação profissional, a formação permanente, os cursos de reciclagem e outros tipos de formação apropriados servirão para proporcionar a aquisição e manutenção da competência profissional necessária a todas as pessoas encarregadas de assuntos referentes aos “direitos humanos” (ONU, 2001, p.282).

2 É uma ciência social aplicada que estuda as actividades de preservação e restabelecimento da segurança pública, de modo que haja a pacificação e o convívio social democrático por meio das actividades de policiamento ostensivo e investigativo (SILVA, 2010, p.51).

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A formação vinculada ao contexto real do trabalho poderá contribuir para este

necessário aperfeiçoamento das instituições de ensino, dos processos pedagógicos e das

próprias organizações laborais, isto é, das unidades e subunidades da Polícia – no csao

de Moçambique, na medida em que permite que os polícias se formem continuamente

nas actividades e no contexto que verdadeiramente constituirá o seu ambiente de

trabalho, garantindo, dessa forma, uma articulação permanente entre os fundamentos

teóricos e as habilidades práticas na formação policial.

A partir da crítica à formação policial sempre relacionada somente com o

campo teórico e organizada de forma cartesiana, buscamos alternativas teórico-práticas

para inverter essa situação recorrendo, por exemplo, a Schön (2000) que propõe um

novo desenho para o ensino e a aprendizagem, em que a teoria e a prática estejam em

constante interacção e equilíbrio. Com base nessa proposta, abre-se a necessidade e

oportunidade de pensarmos e discutirmos uma formação policial equilibrada entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas requeridas para o desempenho da função

de oficial da Polícia.

As acções formativas de oficiais da Polícia deverão, por conseguinte, criar

condições para que os profissionais em formação possam, na sua futura condição de

profissional, posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e construtiva nas

diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como importante instrumento para

mediar conflitos e tomar decisões. Devem permitir-lhes conhecer e dominar diversas

técnicas e procedimentos, inclusive as relativas ao uso da força e as tecnologias não-letais,

no desempenho da actividade de Segurança Pública, utilizando-as de acordo com os

preceitos legais (ONU, 2001, p.282).

Inspirados nas declarações supracitadas, neste trabalho discutimos as estratégias

que permitam que as acções formativas estejam coerentes e sintonizadas com a

realidade social e policial concretas. Isso implica a selecção estratégica e consciente,

por parte da instituição formadora, de conteúdos estreitamente relacionados com as

situações reais ou simuladas extraídas da prática profissional, ou seja, a transformação

de uma teoria e uma prática de referência em uma teoria e prática significativas,

conforme afirma Rios (2003, p.79), criando, assim, condições para que ocorra o

processo de construção e aplicação do conhecimento pelo polícia em formação e não

apenas a simples operação sobre os conteúdos. Isto é, criar condições para que o

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formando desenvolva o saber fazer bem como sinônimo de competência profissional

(RIOS, 2003, p. 47).

São as situações problematizadoras que mobilizam os saberes e geram

esquemas de acção, habilidades pessoais que tornam as situações compreensíveis,

envolvendo esquemas de percepção, decisão e avaliação, contribuindo para que, neste

caso, os polícias em formação desenvolvam, como sustenta Barato (2003, p.47), o

analisar, o reflectir, o justificar, o aprender-fazendo, considerados competência

imprescindível na construção da autonomia intelectual e principalmente na actuação

policial em situações diversas.

Neste contexto, as práticas pré-profissionais e o estágio curricular, como

actividades curriculares, constituem oportunidades singulares para o estudante (cadete)

de licenciatura em ciências policiais articular e aplicar os conteúdos que foram

explorados (leccionados) pelos professores das diversas disciplinas da matriz

curricular, na medida em que é desafiado a participar (aprendendo fazendo) e formular

relatórios analíticos da sua participação que sirvam de ponto de partida para a

elaboração de planos de acção resultantes da reflexão sobre a sua acção.

Representam, ainda, uma oportunidade de o estudante verificar que não existem

receitas prontas e ajustadas para toda e qualquer situação e, por isso mesmo, o

exercício profissional requer elevada capacidade de exercitar a interpretação a

compreensão e a reflexão dos parâmetros teóricos em relação à prática observada

(LIMA & OLIVO, 2007, p.10).

As práticas pré-profissionais e o estágio curricular supervisionado, neste

sentido, correspondem a actividades estratégicas do curso de ciências policiais na

licenciatura (graduação), na medida em que favorecem o desenvolvimento de

mentalidade crítica, reflexiva e analítica dos problemas que afectam a função policial e

da identificação de oportunidades que podem fortalecer a instituição policial e a

segurança da sociedade. Além disso, ocupam espaços de intervenção técnica e

pedagógica concreta e, por isso mesmo, representam componentes fundamentais no

processo de formação do cadete e do docente-orientador. Podem, ainda, representar

oportunidades valiosas de o cadete diagnosticar problemas e identificar oportunidades

institucionais, para posteriormente sugerir e colaborar na implantação de acções

estratégicas para a corporação policial actuar de forma mais competente (ibidem).

Por essa razão, a realização do Estágio Supervisionado e das Práticas Pré-

Profissionais requer a existência de regulamento próprio, de modo que fique claro o

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que os estudantes devem realizar, a razão de ser dessas actividades, como elas serão

desenvolvidas, obedecendo a qual cronograma e com que suporte teórico, conceptual e

metodológico.

Esta pesquisa teve como epicentro a constatação de que a formação superior em

ciências policiais realizada pela Academia de Ciências Policiais de Moçambique

(ACIPOL), é predominantemente teórica, não está articulada com a prática policial

real. Essa situação foi entendida por uma missão que fez avaliação externa da ACIPOL

como factor que dificultaria a inserção dos oficiais graduados nos processos policiais,

bem como sua (eventual) estigmatização pelos oficiais e agentes da polícia no activo.

Importa referenciar que não raro, esses diagnósticos quando não devidamente

aprofundados resultam em “diminuir o tempo da teoria” para “aumentar o tempo da

prática” nos currículos, quando, muitas vezes, a questão não é a do “excesso da teoria”

e sim a da má qualidade da teoria, que se toma como isolada da prática.

No entender crítico dos avaliadores que acima referimos, os currículos de

formação em ciências policiais na ACIPOL têm-se constituído em um aglomerado de

disciplinas, isoladas entre si, sem qualquer explicitação de seus nexos com a realidade

que lhes deu origem. Assim, sequer pode-se denominá-las de teorias, pois constituem

apenas saberes disciplinares, em cursos de formação que, em geral, estão de certo

modo desvinculados do campo de actuação profissional dos futuros oficiais da polícia.

Neles, as disciplinas do currículo assumem quase total autonomia em relação ao campo

de actuação dos profissionais e, especialmente, ao significado social, cultural, humano

da acção desse profissional.

A partir dessa apreciação colocam-se questões tais como: O que significa ser

oficial da polícia? Que oficial se pretende formar? Qual a contribuição da área policial

no sistema de Segurança Pública, de suas relações e de suas estruturas de poder e de

política? Quais os nexos com o conhecimento científico produzido e em produção na

área da Segurança Pública? São questões (teóricas) que, apesar deste estudo não poder

responder a elas cabalmente – porque não é seu objecto de estudo, há consciência de

que não são devidamente consideradas nos programas das disciplinas, nos conteúdos,

objectivos e métodos que desenvolvem.

Essa contraposição entre teoria e prática não é meramente semântica, pois se

traduz em espaços desiguais de “poder” na estrutura curricular, atribuindo-se menor

importância à carga horária denominada de ‘prática’. Na realidade, as práticas Pré-

Profissionais, na ACIPOL, simplesmente não são realizadas e o dito “Estágio” não

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passa de simples visitas às unidades e subunidades policiais que acontecem sem

nenhuma estruturação, orientação pedagógica nem supervisão adequadas.

Para desenvolver a perspectiva de superação da dicotomia “teoria-prática”, é

necessário explicitar-se os conceitos de prática e de teoria e como compreendemos a

superação da fragmentação entre elas a partir do conceito de práxis, conforme

explanam Pimenta & Lima (2006, Pp.7-8) que apontam para o desenvolvimento do

estágio como uma atitude investigativa, que envolve a reflexão e a intervenção na vida

da instituição de formação, dos docentes e formadores, dos formandos e, por

consequência, neste caso, da corporação policial moçambicana.

Partimos do pressuposto de que o estágio e as práticas pré-profissionais se constituem como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à actividade prática instrumental. Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz na interacção dos cursos de formação com o campo sócio-profissional no qual se desenvolvem as práticas policiais. Nesse sentido, o estágio poderá se constituir em actividade de pesquisa (PIMENTA & LIMA,2006, pp.8).

Para fundamentar essa concepção, procedemos a uma análise dos diferentes

enfoques que o estágio tem recebido nos cursos de formação dos oficiais da Polícia em

Moçambique.

Enfoque da pesquisa

A pesquisa foi orientada empiricamente para a recolha e análise de opiniões e

percepções sobre a relação entre a teoria e a prática no curso de formação superior de

oficiais da Polícia ministrado pela Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) de

Moçambique. Através de investigação de um grupo de oficiais da polícia no activo,

entre graduados da ACIPOL e outros em exercício de funções de comando, direcção e

chefia, procuramos esclarecer quais são as tarefas que predominantemente

desempenham os oficiais de nível dos graduados da ACIPOL nos principais ramos da

polícia: ordem pública (que inclui a polícia de trânsito), investigação criminal, e

administração e logística, e levantar suas opiniões sobre aspectos fundamentais de

formação superior de oficiais da Polícia, que afectem principalmente a sua formação

prática, de modo a fundamentar propostas de formação equilibrada entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas, articulados a partir das práticas pré-

profissionais e do estágio curricular supervisionado.

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Problematização da pesquisa

Neste item apresentamos um breve historial da origem do problema de

pesquisa, visando contextualizar a razão porque o enfoque da pesquisa é a recolha de

opiniões dos oficiais da Polícia, de diversos níveis, principalmente aquelas que afectam

o processo de formação na ACIPOL. O ponto de partida é o relatório de uma avaliação

externa que foi denominada missão back-stopping.

A missão back-stopping3

Nos anos de 2003 e 2004, a Academia de Ciências Policiais solicitou uma

avaliação externa com o objectivo específico de verificar se o currículo e o perfil de

saída dos graduados responderiam à demanda operacional e social, e os desafios do

trabalho da Polícia. Esses atributos foram entendidos como “relevância” do curso e a

avaliação foi denominada missão back-stopping .

Uma das principais constatações da avaliação foi que a formação oferecida era

predominantemente teórica, os procedimentos metodológicos usados na prática

pedagógica não estabeleciam uma ligação com as práticas policiais reais. Por isso, estava

iminente o risco de os graduados não desenvolverem uma base sólida de formação para

responderem às exigências da sua futura função, em termos de competências

profissionais requeridas. Essa inquietação viria a ser confirmada, mais tarde, pelo

diagnóstico interno que foi realizada em 2006, durante o processo de elaboração do

Plano Estratégico da ACIPOL (PEACIPOL). Uma das passagens do relatório

diagnóstico diz claramente o seguinte:

Na implementação do currículo de licenciatura da ACIPOL deparou-se com problemas tais como: leccionação de matérias não adequadas ao curso (pela extensão, abordagem e pela sua superficialidade), discrepância de métodos de ensino e tipos de avaliação dos estudantes utilizados pelos docentes, incumprimento de programas e dificuldades de controle do processo. Consequentemente abriu-se espaço para dúvidas sobre se o perfil de saída preconizado pelo currículo foi e está sendo conseguido ou não (PEACIPOL, vol.I, diagnóstico da situação interna, p. 11).

3 Back-stopping é uma palavra inglesa que provém da área desportiva onde significa “retaguarda segura”; por aproximação ao português e em tradução livre, significa criar retaguarda segura. Neste caso significa “Parar e criar uma retaguarda segura para evitar o colapso”.

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O referido diagnóstico interno, na análise que efectuou, apontou também

problemas relacionados com as práticas pré-profissionais, sugerindo uma revisão

curricular que introduzisse inovações na abordagem das práticas pré-profissionais, nos

seguintes termos:

(...) Os outros aspectos de fundo que durante a implementação do currículo formal foram constatados como carecendo de avaliação e adaptação referem-se às precedências e ao posicionamento das práticas pré-profissionais (...). As práticas pré-profissionais são feitas fora do curso, não possibilitando, assim, que os docentes possam seguir, analisar e avaliar. O cadete só começa a ter contacto com a instituição policial quando está prestes a terminar o curso. Este facto tem implicações na ambientação do futuro profissional depois do curso. Impõe-se, pois, uma revisão curricular que traga inovações para a abordagem das práticas pré-profissionais (PEACIPOL. Vol. I, p. 12)4.

Em resposta às constatações da avaliação externa – missão back-stopping e ao

diagnóstico interno realizado no âmbito da elaboração do Plano Estratégico, as

autoridades da ACIPOL decidiram que deveriam ser adoptados e introduzidos métodos

interactivos de ensino, em especial a Aprendizagem Baseada na Resolução de

Problemas (PBL), crendo que essa seria a solução do problema levantado pela missão

de avaliação externa. Essas decisões foram incluídas no Plano Estatégico da ACIPOL

(PEACIPOL) para a década 2008 -2017, editado em 2007, como tarefas prioritárias e

imediatas.

No entanto, essas decisões não foram implementadas. O currículo continuou sem

alteração, o processo pedagógico também. O estágio continuou sendo realizado nos

moldes tradicionais de os formandos irem ter contacto com a prática depois das

chamadas disciplinas curriculares (teóricas). Portanto, às decisões não se seguiu uma

estratégia de sua implementação prática, e a inquietação sobre a vinculação dos

fundamentos teóricos com as habilidades práticas requeridas aos oficiais graduados pela

ACIPOL continua.

Para ter uma visão complexa e crítica sobre as inquietações levantadas quer pela

missão back stopping, quer pelo diagnóstico interno, este estudo se propôs investigar um

grupo de oficiais da Polícia (de diversas categorias e funções, incluíndo graduados da

ACIPOL) levantando suas opiniões sobre aspectos fundamentais da formação superior

de oficiais da Polícia de Moçambique realizada pela ACIPOL, que afectem

principalmente a sua prática, e fundamentar propostas de formação equilibrada entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas, articulados a partir das práticas pré-

4 Plano Estratégico da ACIPOL – Volume I – Diagnóstico da Situação Interna. Pag.12

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profissionais e do estágio curricular5 supervisionado, que permitam uma formação

vinculada à prática, capacitando os formandos para o cumprimento adequado das

exigências gerais e específicas do trabalho da Polícia no contexto de Moçambique.

Clarificando o problema da pesquisa

Partindo da análise das constatações e recomendações do relatório da avaliação

externa e do relatório do diagnóstico interno, conclui-se que a principal inquietação que

ambos apresentam se relaciona com a falta de vinculação da formação que a ACIPOL

oferece às exigências profissionais práticas de um oficial subalterno da Polícia no

contexto de Moçambique.

Apesar de que tais constatações, da avaliação externa e do diagnóstico interno,

são susceptíveis de uma série de questionamentos, um dos quais poderia ser, por

exemplo, a falta de clarificação das referidas “exigências práticas”, as autoridades da

ACIPOL assumiram-nas como procedentes e, por isso, na tentativa de prover solução

para os problemas levantados, decidiram introduzir os métodos interactivos no processo

de formação e projectar a revisão do currículo de licenciatura (graduação) em ciências

policiais. Essas decisões foram incluídas no Plano Estratégico da instituição para a

década 2008 – 2017 como actividades prioritárias (PEACIPOL, 2007, p.10). Porém,

não foi feito nenhum estudo que permita aferir se as medidas tomadas são ou não as

mais adequadas para resolver o problema da falta de vinculação da formação oferecida

com as exigências profissionais práticas dos oficiais da Polícia, ou uma estratégia que

permita sua implementação de facto.

Reconhecendo que a inquietação da vinculação da formação às exigências

práticas se relaciona directamente com o problema da relação entre a teoria a prática;

considerando que a discussão que se faz necessária é a da possibilidade de se

estabelecer identidade entre o conhecimento teórico e a prática, o que vale dizer, no

processo de trabalho, entre o prescrito e o real; considerando, também, que o que se

põe, portanto para a discussão, é a possibilidade de articulação entre estes dois pólos - o

teórico e o prático, que embora não se oponham, unificando-se através do pensamento,

guardam especificidades, ao estudo interessa, portanto, saber como promover, através

do estágio e das práticas pré-profissionais, este equilíbrio, posto que (...) a realidade

5 Pimenta e Lima (2010, p.24) consideram Estágio Curricular como conjunto de actividades cuja finalidade é integrar o processo de formação do aluno, futuro profissional, de modo a conhecer o campo de actuação como objecto de análise, de investigação e de interpretação crítica, a partir dos nexos com as disciplinas do curso.

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não se deixa aprisionar pelo conhecimento teórico, o qual questiona, nega e supera

permanentemente, através do pensamento que se move entre os pólos do abstracto e do

concreto (BARATO, 2003, p.21).

Deste modo, para orientar todo o percurso de estudo, elaborou-se a seguinte

pergunta de partida: Como assegurar o equilíbrio entre os fundamentos teóricos e as

habilidades práticas da formação, articulados a partir das práticas pré-profissionais e

do Estágio curricular supervisionado, correspondendo assim às exigências

profissionais do oficial subalterno da polícia?

Objectivos da pesquisa

O objectivo geral é estudar o currículo e a metodologia de formação na

ACIPOL e investigar um grupo de oficiais da polícia (de diversas categorias e funções,

incluíndo graduados da ACIPOL), levantando suas opiniões sobre aspectos

fundamentais de formação superior de oficiais da Polícia de Moçambique realizada

pela ACIPOL, que afectem principalmente a sua formação prática, de modo a

fundamentar, numa perspectiva crítica, propostas de formação equilibrada entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas para os oficiais, articulados a partir das

práticas pré-profissionais e do estágio curricular supervisionado.

Especificamente

1. Analisar a estrutura e a forma de organização das actividades formativas do

currículo formal do curso de licenciatura (graduação) em ciências policiais;

2. Clarificar o conceito de práticas pré-profissionais no contexto da formação policial,

sua posição e função no curríulo de licenciatura (graduação) em ciências policiais;

3. Analisar o processo pedagógico nas componentes teórico-práticas, das práticas pré-

profissionais, bem como as actividades realizadas no estágio supervisionado e

discutir a sua relação com a componente teórica da formação;

4. Investigar oficiais da Polícia de diversas categorias e funções, graduados da

ACIPOL e cadetes finalistas (que já realizaram o estágio curricular) sobre aspectos

fundamentais das práticas pré-profissionais e do estágio supervisionado;

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5. Fundamentar as possibilidades6 de introduzir adaptações no currículo, que articulem

os fundamentos teóricos com as habilidades práticas requeridas aos oficiais a partir

das práticas pré-profissionais e do estágio curricular.

Resultados esperados

Apresentar referências críticas para inovações na formação realizada pela

ACIPOL, nos domínios do currículo, da metodologia e do estágio curricular

supervisionado, através da análise aprofundada das práticas pré-profissionais e do

estágio supervisionado como eixos articuladores de uma formação equilibrada entre os

fundamentos teóricos e habilidades práticas, visando capacitar os formandos ao

cumprimento adequado das exigências gerais e específicas do trabalho da Polícia no

contexto de Moçambique. Consideramos inovação no processo de formação em

discussão neste estudo nos termos em que Masetto (2010) a conceitua:

A inovação compreende necessariamente a introdução de uma novidade num sistema educativo que promova uma real mudança resultante do esforço deliberado e conscientemente assumido, fruto de uma acção persistente e integrada num processo dinâmico, que objective uma melhoria pedagógica (MASETTO, 2010, p.).

Espera-se que a discussão proposta possa contribuir para a articulação do

conhecimento teórico com as experiências práticas cotidianas, objetivando a produção

sistemática de conhecimento teórico e técnico-operativo na área da polícia e da

segurança pública no contexto de Moçambique.

Espera-se, igualmente, que os resultados da pesquisa possam contribuir para a

implementação e consolidação da interdisciplinaridade como eixo curricular dos

programas de formação profissional da Polícia, tendo em vista estimular e sedimentar

conhecimentos, valores e atitudes que possibilitem o manejo adequado e o desempenho

competente das acções cotidianas dos futuros oficiais da Polícia concernentes à

manutenção da ordem e da segurança públicas.

Aspectos que justificam o estudo: a inspiração do autor

6 MORA, J.F.(2001), Dicionário de Filosofia, Possibilidade é entendida na sua correlação com a noção de potência entendida como o poder que tem uma coisa de produzir uma mudança em outra coisa (p.2336). A possibilidade é assim, a potencialidade residente numa coisa de passar a outro estado. A potência pode ser activa, quando se refere à operação pela qual o acto se realiza, ou passiva, quando se refere ao complemento do ser pelo qual ele é atuado (p.2336).

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A área de especialização profissional do autor foi o primeiro critério de

selecção do tema do presente estudo, pela sua familiaridade com os problemas da área

de formação policial no contexto de Moçambique, quer no sentido da necessidade de

maior fundamentação teórico-prática dessa formação, que seja equilibrada entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas requeridas para o trabalho do oficial de

Polícia, quer no sentido da falta de estudos geradores de conhecimento mais

contextualizado e actualizado sobre a realidade da área da ordem e segurança públicas e

da formação policial. A relevância deste estudo atribui-se, assim, à contribuição que o

mesmo pretende trazer para a área de conhecimento do pesquisador, da formação

policial no contexto de Moçambique e no contexto global do conhecimento científico.

Contribuíndo para a socialização do conhecimento policial

“As políticas de segurança e as instituições cujas atribuições são manter e assegurar a segurança, estão confrontadas, hoje em dia, com novos paradigmas, designadamente o paradigma da prevenção, da mediação, da proximidade e das parcerias(...). A segurança só pode ser resolvida através de novas práticas sociais que se devem basear no diálogo, no contrato e que devem conduzir à coprodução”(OLIVEIRA, 2006, p.79).

A formação de pessoas para o exercício de profissões que, embora baseadas em

conhecimentos científicos, exigem a prática no contexto de incertezas e informações

dinâmicas e incompletas, como é o caso da área de Segurança Pública, implica que as

instituições vocacionadas à formação policial abandonem suas estruturas curriculares

inflexíveis e fechadas e adoptem novos métodos e técnicas pedagógicas, que antecipem

o contacto dos alunos com as situações reais que irão se defrontar no seu futuro

profissional.

A prossecução e garantia da Segurança (pública) é função da Polícia enquanto

braço prossecutor de uma das tarefas fundamentais do Estado de Direito Democrático,

cabendo àquela promovê-la, defendê-la e repô-la dentro dos princípios norteadores da

actividade policial enquadrantes do pilar dos estados modernos: o princípio do respeito

da dignidade da pessoa humana (Valente, 2009, p.105). Quanto melhor preparados

profissionalmente, os polícias, melhor cumprirão a sua missão de promover e garantir a

ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger a vida, a integridade das

pessoas e a sua propriedade, assegurando não só o normal funcionamento das

instituições e o respeito da legalidade democrática, mas também garantir a

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materialização dos direitos e liberdades, sendo o bem-estar cultural e económico um

dos mais reclamados em uma sociedade organizada política, cultural e socialmente.

A pesquisa como princípio educativo e cognitivo nos conduz a uma nova

compreensão e visão sobre o polícia, pois à medida que o compreendemos e o

formamos como sujeito do conhecimento, percebemos que ele não deve desempenhar

uma função meramente técnica. Assim, o oficial da Polícia tornar-se-á um sujeito que

além de produzir seu próprio conhecimento, se tornará aquele que também é construtor

de seu próprio modo de ser e de fazer-se autonomamente à medida que ele produz o

próprio conhecimento.

À medida que o oficial da Polícia reelaborar o seu saber, ele transformará a

informação em conhecimento e isso o lançará na direcção da parceria e co-produção da

segurança. Nesse sentido, o polícia, no espaço da segurança pública, de sua formação

inicial e de sua formação continuada tornar-se-á aquele sujeito que assume a

responsabilidade ética em toda a sua actuação profissional. Segundo (Casali apud

Cappelletti, 2009, p.12), “toda a ética individual, económica, política, social, de

convivência cultural, justifica-se, em última instância, em função do valor da vida”.

Contribuíndo para a (re) construção do conhecimento

Tomando a pesquisa, no seu sentido amplo, como toda a actividade voltada para

a solução de problemas; como actividade de busca, indagação, investigação, inquirição

da realidade, é a actividade que vai nos permitir, no âmbito da ciência, elaborar um

conhecimento, ou um conjunto de conhecimentos, que nos auxilie na compreensão

desta realidade e nos oriente em nossas acções (Pádua, 2004, p.31). Nesse sentido, o

conhecimento que vai ser elaborado no exercício deste estudo, da reflexão sobre o que

se conseguir apreender através dele, dos resultados a que se chegar e das acções que

forem desencadeadas a partir desses resultados, constituirá uma contribuição não

apenas para o campo policial, objecto deste estudo, mas também para as discussões e

propostas actuais de que o conhecimento deve ser dominado e orientado por uma visão

transdisciplinar, uma visão que não se quebre nas fronteiras entre as disciplinas, uma

visão multidimensional. Esses aspectos não serão separados neste estudo, mas sim

considerados de forma que concorram para uma visão poliocular, conforme frisou

(MORIN in PÁDUA, 2004, p.28).

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Espera-se que este estudo contribua para o entendimento de que a formação

policial precisa ir além da profissionalização específica, buscando como proposta de

graduação em ciências policiais a integração e a interdisciplinaridade.

Desse modo, alertar para a necessidade de se desenvolver uma proposta

curricular onde áreas profissionais e especialidades aprendem juntas, sobre o trabalho

em conjunto, e sobre as especificidades de cada uma na melhoria da qualidade da

segurança de pessoas e do património e na manutenção da ordem pública, como

projecto colectivo, segundo afirma THURLER (2001, p.59).

Espera-se ainda que o estudo contribua para mostrar a necessidade de o

processo de instrução e transmissão de conhecimentos, que predomina na formação

policial em Moçambique, incluir alternativas de aprendizagem onde aprendizes

(docentes e cadetes) descobrem significados para as informações pesquisadas,

reconstroem de modo crítico as informações e chegam a produzir conhecimento; onde

aprendizagem não quer dizer só desenvolvimento intelectual, mas desenvolvimento

também de habilidades, atitudes e valores, necessários para uma intervenção policial

que corresponda às expectativas e exigências de uma sociedade democrática.

Espera-se, igualmente, que o estudo contribua para o entendimento do currículo,

como um conjunto de aprendizagens que, sendo essenciais, específicas e

contextualizadas, cabe à instituição de formação garantir e organizar, e é assumido

como um projecto no qual participam activamente docentes e cadetes em sua

elaboração, execução e avaliação. É, portanto, um instrumento significativo para

desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos

conhecimentos (MOREIRA, 2003, p.37).

Espera-se que os resultados da presente pesquisa contribuam, também, para que

docentes e especialistas em assuntos policiais reflictam sobre o corporativismo, para

considerar o que está acontecendo na sociedade, as mudanças que estão se operando, as

necessidades actuais da população em segurança, as novas tendências em formação

policial para a defesa da ordem democrática e as novas exigências das carreiras

profissionais, bem como as representações e os contactos com a realidade.

Também se espera que os resultados da pesquisa ao entrarem em contacto com

os intelectuais e interessados em estudar os fenómenos da ordem e segurança públicas,

os coloque numa perspectiva de perscrutar o horizonte em busca de novas

possibilidades, de desafiar os limites do estabelecido e de pensar uma formação policial

que responda às exigências actuais e futuras.

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Contribuíndo para a (re) contextualização institucional

Pádua (2011, p.40) considera que “a aplicação prática de um tema de pesquisa

atende às necessidades de uma área específica de conhecimento (e de actuação

profissional), tem contribuído para o avanço do conhecimento científico e para a

solução imediata de problemas concretos.” Neste estudo consideramos também que a

aplicação prática acima referida constitui uma actualização do currículo que se espera

que gere mudança nas práticas dos actores ligados ao objecto actualizado ou inovado.

Masetto (2004) fundamenta essa relação, explicando a importância da visão

dialéctica do problema e a necessidade do envolvimento dos actores como grupo de

reflexão e de trabalho:

Inovação sempre é um processo, são projectos em movimento que se constroem por fases, em geral de forma dialéctica, integrando reflexões e práticas pedagógicas, levados à frente pela participação e dinamismo de seus integrantes, ansiosos por respostas a necessidades ainda não atendidas. Uma prática inovadora nunca começa do zero. Sua origem e desenvolvimento sempre estarão relacionados à trajctória de cada instituição, ao seu contexto histórico, ao seu projecto pedagógico e necessidades sentidas pelo grupo e para as quais as respostas existentes já não satisfazem visando melhores resultados para seu projecto pedagógico (MASETTO, 2004, p.6).

O relatório da avaliação externa e o relatório do diagnóstico da situação interna

da ACIPOL são, a título exemplificativo, alguns dos documentos que se debruçam

sobre a necessidade de introduzir mudanças no processo de formação da polícia. Nesse

sentido, espera-se que este estudo contribua também para estabelecer uma ligação entre

a aprendizagem e a actividade profissional no local de trabalho, pois os novos modelos

de inovação curricular encaminham-se para a redifnição da formação de profissionais

com perfis mais actuais e de acordo com as novas exigências da sociedade em

segurança pública, para a reconceptualização do papel das disciplinas como

componentes curriculares, para a integração das disciplinas e actividades curriculares

em função dos objectivos da formação que se realiza, para a interdisciplinaridade no

conhecimento, novas formas de ensinar e de aprender, flexibilidade na distribuição do

espaço e do tempo de acordo com o processo de formação em presença.

Práticas pedagógicas inovadoras são fundamentais para colaborarem com um

processo pedagógico inovador para o alcance dos objectivos de formação de um

profissional competente. A nova organização curricular, como resultado da pesquisa,

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poderá estimular a vivência de experiências problematizadoras, reflexivas e

integradoras do conhecimento, alternando a vivência e a sistematização do

conhecimento produzido, contemplando o diálogo entre distintas disciplinas do

domínio do saber policial. Concordando com Masetto (2010, pp-37-38), (...) A

organização curricular não é construída a partir de disciplinas, mas sim a partir de

problemas profissionais contextualizados.

Os problemas e as necessidades identificados pela ACIPOL no seu currículo e

no respectivo processo pedagógico, poderão se transformar em objectivos e metas a

serem alcançados, de modo a deixar bem clara a resposta que se pretende dar. É a

intencionalidade do novo processo pedagógico que ganha consideração especial num

contexto actualizado com a explicitação dos objectivos de formação e dos “perfis” de

saída a serem perseguidos e que uma vez alcançados significarão as necessidades

identificadas respondidas e acções futuras perspectivadas.

Mais concretamente, o problema de articulação das áreas científicas que

corporizam a estrutura curricular do curso, o problema de articulação entre as

actividades teóricas e práticas, bem como a organização das práticas pré-profissionais

e do Estágio Supervisionado, poderão ser melhor comprendidos, recontextualizados e

resolvidos.

A autosuperação através da acção reflexiva

O Professor pertence, para além do seu estabelecimento de ensino, a uma rede

profissional e sócio-cultural complexa, às vezes a uma equipa pedagógica mais restrita

ou a uma rede reagrupante dos docentes que trabalham em outras instituições de

ensino. Convive e comunica-se com seus alunos e dialoga com pessoas que pertencem

ao meio envolvente da sua instituição de ensino. A cultura do estabelecimento não é,

portanto, a única que o inspira, as relações com que se preocupa não se resumem

àquelas que mantêm com seus colegas de trabalho, isto é, seus debates sobre as práticas

pedagógicas não se limitam ao que ocorre em seu estabelecimento. Entretanto a

instituição de ensino onde está vinculado é o seu local de trabalho, é onde passa a maior

parte de seu tempo e é dali que retira parte de sua identidade profissional. Portanto, há

razões bastantes para se afirmar que a cultura, a dinâmica, o clima e o funcionamento

de sua instituição têm grande influência na maneira como ele constrói o sentido de

conhecimento.

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Considerando que participei do processo da criação da ACIPOL, como membro

da Comissão Instaladora, no processo de construção e de implementação do currículo

em vigor na ACIPOL, considero que desenvolvo este estudo como um actor reflexivo.

Nesse sentido, (Dewey apud Zeichner e Liston, 1996, p.9), define a acção

reflexiva como aquela que envolve consideração de qualquer crença ou prática de

modo activo, persistente e cuidadoso, à luz das razões que a apoiam e as

consequências a que a mesma conduz, acreditando que a reflexão não consiste numa

série de passos ou procedimentos a serem usados pelos profissionais, antes deve ser

tida como um modo holístico de conhecer e responder aos problemas, uma maneira de

estar como profissional (ibidem).

Assim, a vivência com os problemas, os dilemas e as incertezas que surgem no

quotidiano do profissional (Dewey, 1989), em simultâneo com as influências exercidas

pelos contextos (Van Manen, 1995; Eraut, 1995) e pelas relações sociais (Britzman

apud Zeichner e Liston, 1996), estimulam o aparecimento de novos saberes e,

consequentemente, a formulação de teorias e práticas do trabalho, entendidas como

uma fonte-chave da aprendizagem e actualização profissional.

A minha experiência docente no ensino superior inicia, como carreira, na

ACIPOL desde a criação da instituição em 1999. Integrei a Comissão Instaladora e,

mais tarde, desempenhei funções de coordenador pedagógico durante dez anos (2000-

2010), mas mantive sempre a docência como minha actividade nuclear. Participei em

grupos de discussão para a elaboração do currículo de licenciatura (graduação) em

ciências policiais e, mais tarde, prestei meu contributo directamente na implementação

do referido currículo formal aprovado. Participei, também, no processo de elaboração

dos currículos do bacharelato regular e do curso executivo, este último realizado na

modalidade de ensino à distância, que foram introduzidos em 2003 e 2005,

respectivamente. Nos anos 2003 e 2004, na qualidade de coordenador pedagógico da

instituição, tive a oportunidade de acompanhar as actividades da equipa de avaliação

externa denominada missão back stopping e de participar na discussão do relatório da

missão.

Igualmente, no ano 2006, participei nas equipas técnicas que realizaram o

diagnóstico interno no âmbito do processo de elaboração do Plano Estratégico da

ACIPOL (PEACPOL) para o decênio 2008-2017 que, depois de ser aprovado pelo

Governo de Moçambique, viria a ser editado em 2008. Do plano estratégico, como já

foi referido nos pontos anteriores, constam os resultados do diagnóstico interno, que

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confirmam as constatações da missão de avaliação externa (back stopping),

relativamente às fraquezas de ligação entre o campo teórico e o prático no processo de

formação, bem como no domínio da metodologia. Essa trajectória tem, obviamente,

uma forte influência na forma como, a partir das vivências e convivências com outros

profissionais, internos e de outras instituições, encarei e assumi a necessidade e a

oportunidade de explorar e aprofundar o estudo sobre a inovação no processo de

formação policial, no contexto em que se expressa na ACIPOL, e na forma discursiva

como se repercute na corporação policial em Moçambique.

Preocupado em contribuir na procura de estratégias que ajudassem a instituição

a resolver os problemas levantados tanto pela avaliação externa, quanto pelo

diagnóstico interno, desenvolvi, em 2005, um estudo sobre a realização do estágio

curricular do curso de bacharelato em ciências policiais. O objectivo era de

compreender como poderiam ser organizadas as actividades de estágio realizado em

unidades e subunidades da PRM, com a colaboração destas como parceiras de

formação nesse âmbito. Os resultados desse estudo foram apresentados em dissertação

de mestrado em desenvolvimento curricular e instrucional, na Universidade Eduardo

Mondlane de Moçambique, em 2005. Partes dos resultados dessa pesquisa foram,

posteriormente, adoptados na ACIPOL para o estágio tanto do bacharelato, quanto da

licenciatura (graduação) em ciências policiais, nomeadamente as áreas de incidência

das actividades de estágio, a composição das equipas operacionais e os modelos de

relatórios dos orientadores do estágio e dos estagiários.

Em 2008, coordenei uma equipa de docentes da ACIPOL que fez uma reflexão

retrospectiva sobre o processo pedagógico, tomando como pontos de análise, entre

outros, os levantados pela missão back-stopping e pelo diagnóstico interno. Como

resultado nuclear, identificou-se uma série de quick-wins7 e elaborou-se um projecto de

revisão curricular constituído por duas partes fundamentais. A primeira parte se

ocuparia da avaliação detalhada do currículo vigente; a segunda parte, decorrente dos

resultados da primeira, se ocuparia da discussão e elaboração de proposta de emendas e

adaptações a serem introduzidas no currículo. A primeira parte do projecto, a avaliação

do currículo vigente, foi feita no ano 2010, com participação de consultores externos

nacionais. A realização da segunda parte do projecto, referente às emendas e

7 Quick-wins- Segundo a Collins Dictionary (2009, p.795) são acções ou actividades de realização imediata e com sucesso. Linguagem usualmente empregue em “planificação estratégica” para se referir a actividades prioritárias cuja realização não necessita de um projecto específico, são imediatas.

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adaptações ou revisão curricular, ficou dependente dos resultados e recomendações da

primeira fase do projecto - a avaliação.

Deste modo, a necessidade e pertinência de aprofundar o estudo de alternativas

que possam ajudar a identificar e introduzir mudanças no processo pedagógico e nos

métodos de formação, como componentes de desenvolvimento curricular na ACIPOL,

parte de minha reflexão sobre a prática e experiências vivenciadas e induzidas, em

parte, pelas decisões das autoridades da ACIPOL. O sentido da mudança é uma

construção individual, colectiva e interactiva, que ninguém pode fazer em lugar dos

interessados, pois ela tem sua lógica própria e varia em função das culturas dos actores

e das relações sócio-profissionais em que estão envolvidos. Essa proposição, tratada

por Thurler (2001, p.26) como mudança projectada, que se subscreve na

autosuperação, fundamenta e consolida a relevância pessoal deste estudo.

Estrutura do trabalho

Estruturamos este trabalho em quatro capítulos. No capítulo I, Evolução da

Formação Policial em Moçambique: interface entre contextos, percepções e desafios,

apresentamos uma breve resenha histórica do surgimento e evolução do policiamento

público no mundo até aos nossos dias. Fazemos a ligação dessa resenha ao contexto em

que surge e evolui a Polícia moçambicana, fazendo o enquadramento do processo de

formação policial, desde a independência nacional, e a criação da ACIPOL objecto

desta pesquisa, nesse processo.

No capítulo II, Desafios Curriculares à Formação Superior da Polícia em

Moçambique, apresentamos a fundamentação teórica da pesquisa, discutindo os

conceitos e princípios teóricos relevantes para a compreensão dos fundamentos teóricos

e práticos e sua aplicação num currículo de formação policial de nível superior.

Apresentamos também a nossa compreensão dos princípios de ligação teoria-prática,

reflexão-acção, práticas pré-profissionais e estágio como práxis, aplicados à formação

policial.

No capítulo III, A percepção de comandantes e de oficiais da PRM acerca da

qualidade de formação superior dos oficiais, descrevemos o processo metodológico

idealizado no início do estudo, mas reformulado para ser adequado às necessidades que

foram emergindo ao longo da pesquisa, facto considerado normal em pesquisa

qualitativa de natureza crítica e reflexiva. Descrevemos os procedimentos

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metodológicos seguidos, tanto na parte da pesquisa com enfoque mais quantitativo,

quanto na parte mais descritiva, ilustrando os passos seguidos desde a preparação, a

recolha, sistematização, análise e interpretação dos dados.

No capítulo IV; As possibilidades de articulação do equilíbrio entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas da formação, a partir das práticas pré-

profissionais e do Estágio curricular supervisionado, discutimos e analisamos os

dados, sistematizando e interpretando as opiniões apresentadas pelos participantes da

pesquisa e, à luz da teoria estudada, identificamos as possibilidades de uma formação

policial equilibrada entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas. Neste

capítulo, discutimos um modelo curricular que favoreça uma formação policial

equilibrada e articulada por meio das práticas pré-profissionais e do estágio curricular

supervisionado. Além disso, desenvolvemos a ideia do estabelecimento de directrizes

curriculares nacionais para a formação policial.

Nas Considerações Finais sintetizamos, sem pretender fechar a discussão sobre

o equilíbrio entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas na formação dos

oficiais da Polícia, os aspectos que o estudo mostrou ser importante serem tomados em

consideração na formação de um oficial da Polícia no contexto de Moçambique, e

levantamos questões de reflexão que, em nossa opinião, são pertinentes para a

actualização do currículo da ACIPOL e do sistema de formação policial no seu todo.

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CAPÍTULO I EVOLUÇÃO DA FORMAÇÃO POLICIAL EM MOÇAMBIQUE:

CONTEXTOS E RESENHA HISTÓRICA

Neste capítulo apresentamos o percurso da evolução da formação da Polícia de

Moçambique desde a Independência Nacional, passando pelos diferentes contextos que

exigiram a readaptação do trabalho policial, até aos dias de hoje. Como resenha

histórica, começamos por apresentar a génese do termo Polícia, sua evolução ao longo

dos tempos e em diferentes contextos sociais, visando mostrar como é que o

policiamento evoluiu de um serviço restrito para um seviço público de grande

importância social.

1.1.Contextos

A Polícia da República de Moçambique (PRM)8 é uma organização que está em

processo de transformação, visando melhorar a qualidade dos serviços que presta ao

público no âmbito da garantia da ordem, segurança e tranquilidade públicas. A

formação dos agentes da polícia, em particular dos oficiais, está no centro deste

movimento de mudança, enquanto condição e possibilidade de adequação dos recursos

humanos às exigências da missão da Polícia.

Meu ponto de partida foi a preocupação com uma questão que me parece

extremamente relevante e actual – a formação superior do oficial da Polícia em

Moçambique. Enquanto oficial da Polícia, com mais de trinta anos de experiência e

convivência9, tenho a intenção de contribuir para essa formação, que em minha opinião,

vem sendo feita em Moçambique de forma precária, o que me impele a buscar

alternativas de actuação. Essa preocupação foi se aumentando à medida que, para além

de desenvolver meu trabalho docente e entrar em contacto com a bibliografia

publicada, participava nas discussões realizadas em encontros, seminários sobre a

qualidade da educação, ben como conferências de ensino superior em Moçambique.

8 A Polícia da República de Moçambique (PRM), é a única força policial nacional existente em Moçambique, estruturada em diferentes especialidades de serviço policial, mas com comando único e centralizado. É dirigida por um Comandante Geral com categoria de Inspector Geral da Polícia, no sistema de postos e patentes da Polícia moçambicana. 9 Convivência, segundo Masetto (2010, pp. 37-38) significa viver com o outro, “querendo destacar a fundamentalidade de seu carácter de integração com a realidade”.

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Na reflexão sobre a formação policial e o desempenho do oficial da Polícia

graduado da ACIPOL destaquei um núcleo específico, relacionado com a questão das

práticas pré-profissionais e do estágio curricular supervisionado, aspectos que, em

última análise, se relacionam com a qualidade do trabalho do futuro oficial: a questão

da competência do oficial subalterno, mais especificamente a das habilidades técnico-

profissionais requeridas para responder adequadamente às exigências do seu trabalho,

incluindo a presença de uma dimensão ética nessa competência.

A formação técnico-profissional surge como um instrumento não só de

apreensão de novos conhecimentos e reconversão de conhecimentos anteriormente

adquiridos, mas também como forma de se poderem modificar ideias, valores, formas

de comunicação, relações sociais e as próprias concepções de trabalho e relações nas

instituições policiais. Esse processo envolve uma cultura e valores construídos,

consolidados e desenvolvidos ao longo da evolução histórica de cada corporação

policial.

Como problema nuclear, a discussão sobre a utilidade da formação profissional

permanente, em geral, não é pacífica em todos os planos em que esta pode analisar-se

e, em especial, quanto ao respectivo impacto, pois, como observa Valente (2009,

p.124):

A actuação da polícia não se esgota no mero contacto com o cidadão na resolução dos problemas, pois se estende aos planos jurídico, social económico e cultural cuja interdisciplinaridade lhe garante uma natureza capaz de se entrelaçar na demanda de uma segurança e liberdade próprias de uma sociedade em crescimento no exercício da cidadania e cuja legitimidade emana de uma concepção clara de que a polícia não está ao serviço do poder pelo poder, mas ao serviço dos interesses da comunidade e do cidadão considerado individual e comunitariamente.

Como ponto de partida, julgamos importante apresentar o “entendimento” do

termo polícia, como noção básica em volta da qual todos os outros conceitos

predominantes neste trabalho são articulados, funcionando, também, como núcleo onde

gravitam os objectivos desta pesquisa.

1.2. O policiamento Público: breve resenha histórica

O policiamento público é uma evolução antiga, não moderna. Alguns autores da

literatura especializada (por exemplo, Bayley,2003; Bayley & Skolnik,2006 e Bittner,

1990) afirmam, até, que historicamente é tão antiga quanto a existência de

comunidades soberanas que autorizaram a coerção física e criaram agentes dirigidos e

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mantidos por elas. De acordo com as descobertas, os egípcios e os hebreus foram os

primeiros povos da antigüidade a incluírem em suas legislações medidas policiais, que

eram cumpridas de formas rudimentares.

Como se pode depreender, na antiguidade, a Polícia, ainda em fase embrionária,

já se fazia notar, como forma coordenadora e zeladora da segurança da comunidade.

Um caso considerado bem documentado foi encontrado em Roma, começando

no ano 27 a.C., quando o Caesar (Octavius) se tornou princeps, adoptando o nome de

Augustus. Ele criou o cargo de praefectus urbs, preenchido por indicação dos postos

mais altos do Senado, com a responsabilidade de manter a ordem pública executiva e

judicialmente. A equipa do praefectus urbs, incluíndo o praefectus vigilium – chefe da

policia – eram agentes executivos da coerção física dirigidos pela autoridade política

suprema. Pela primeira vez, Roma teve uma polícia verdadeiramente pública

(BAYLEY, 2006, p.41).

Na Inglaterra foi criado o cargo de Xerife (em inglês sheriff), um termo derivado

de Shire-reeve (prefeito do distrito), que era nomeado oficial real pelos reis normandos

no século doze e recebia poder para cobrar impostos e dos Hundred men que não

capturavam os criminosos. Ele era responsável por organizar os Tithing men, ou

simplesmente Tithings e Hundredmen, ou simplesmente Hundreds, inspeccionar suas

armas e agrupar os posse comitatus, que consistiam em todos os homens saudáveis com

mais de quinze anos. O oficial de Polícia Inglês dos dias actuais é o homem de Tithing

men medieval, mas agora com estatuto de funcionário público (BAYLEY, 2003, p. 42).

Na Inglaterra medieval também foi desenvolvido um posto importante para o

cumprimento da lei, um oficial de Polícia especializado – o Constable, agente

executivo da lei, agindo em nome do rei sem ser remunerado.

Existe, portanto, uma série de conceitos ligados à função e aos agentes da

manutenção da lei e ordem que, na contemporaneidade, caracteriza o policiamento

público.

Deixando de lado a confusão conceptual sobre quem era o polícia durante os tempos feudais, os únicos agentes de manutenção da lei na Inglaterra, antes do século dezoito, que podiam ser considerados públicos eram os Xerifes e os juízes comerciais londrinos. Em 1735 começou o primeiro de uma série de experimentos para a nacionalização da Polícia (ibidem).

Na França, a primeira Polícia pública foi o superintendente de Paris, um cargo

criado pelo Rei Louis IX da França, com sede no Chatelet, que era também a prisão da

cidade (Bayley, 2003, p.43). Três séculos mais tarde, foi criado o posto de Intendant,

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um oficial com responsabilidade de manter a ordem, administrar a justiça e colectar

impostos nas trinta e duas províncias (généralités) da França. Em 1667 um

representante especializado em Lei e Ordem, o Tenente Geral da Polícia, foi criado em

Paris. (ibidem).

Na Prússia, pedra angular da unificação alemã em 1871, empregados civis de

alto nível como o Landrat e o Steuerrat, tinham poderes policiais, embora fossem

apenas de uma autoridade administrativa geral. O primeiro oficial de Polícia pública

especializada foi o director de polícia de Berlim, indicado em 1742, conforme relata

(Emerson apud Bayley, 2003, p.44). O autor refere ainda que Não existem registos

consistentes sobre o surgimento de grupos de polícia pública nos restantes países do

continente europeu antes do século dezanove. Assim, podemos aferir que instituições

policiais modernas, em sua maioria nas cidades, coexistiam com instituições feudais,

uma vez que nesse período ambos os sistemas eram parte constituída da autoridade

soberana.

Na Rússia, a primeira Polícia pública estatal, os temidos Oprichniki, foi criada

por Ivan, o Terrível, em 1564 (Florinsky apud Bayley, 2003, p. 44). Os Oprichniki

tornaram-se, mais tarde, a polícia secreta do Czar, além de controlar mercados, estradas

e outros locais públicos. Pedro, o Grande, criou oficialmente uma Polícia pública

especializada em São Petersburgo em 1718.

Na China e na Índia, os altos e baixos do policiamento público se estenderam

por mais de mil anos. Quando dinastias poderosas criavam grandes impérios,

invariavelmente surgiam oficiais de Polícia – em cidades, como fizeram os Mauryas e

Moguls, em distritos (hsien), como fizeram os Tangs e Mings (Basham apud Bayley,

2003, p.44). Quando o poder imperial declinava, voltavam às instituições policiais não-

oficiais, baseadas em pequenas comunidades voluntárias ou em obrigações de

colonização. Uma inequívoca Polícia pública não era dominante na Índia até a

aceitação da Lei da Polícia Indiana em 1862 e a abolição dos Estados principados em

1948-1949, e na China até o Partido Comunista criar um novo e eficaz centro imperial

em 1949 (BAYLEY, 2003, p.45).

Nos Estados Unidos da América, o policiamento público chegou com os

primeiros colonizadores. Nova Amsterdã, que mais tarde se tornaria Nova Iorque, criou

uma vigília burguesa em 1643, um ano depois de ter sido fundada, mas não pagava por

seus serviços até 1712 (Bopp e Schultz apud Bayley, 2003, p.45). Comparativamente

aos outros países acima mencionados, a polícia pública tornou-se importante nos

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Estados Unidos quase ao mesmo tempo que na Inglaterra, um pouco depois da França,

muito depois da Índia ou China, e aproximadamente na mesma época que na Prússia e

Rússia. No Oeste Americano foram criados grupos de manutenção da ordem, as

posses, não remunerados, que permaneceram como o principal suporte da Lei e Ordem

até o Século XX.

Em Portugal, os registos sobre a história do policiamento público são mais

recentes que noutros países da Europa e da Península Ibérica. Esse facto tem a ver,

entre outras razões, com o período em que Portugal foi reconhecido internacionalmente

como Estado Soberano. As primeiras medidas com vista ao estabelecimento da Ordem

Pública remontam desse período de “instabilidade” provocada pelos confrontos

militares e de procura de centralização régia da Coroa.

D. Afonso Henriques começou a usar o título de Rei de Portugal em 1139, após

a vitória sobre os muçulmanos na batalha de Ourique. Porém, faltava a Portugal ser

reconhecido internacionalmente como Estado idôneo. Por isso, o “conquistador” (D.

Afonso Henriques) ofereceu a sua vassalagem à Santa Sé. Após um longo período de

negociações, o Papa Alexandre III, através da bula Manifestis probatum est,

reconheceu o monarca português como “rei dos portugueses”, em 1179 (COSME,

2006, p. 23).

Em termos de marco histórico mais significativo, a literatura sobre a história dos

primórdios do policiamento público em Portugal indica que, em 12 de Setembro de

1383, o Rei D. Fernando criou os Quadrilheiros, que teriam como missão específica

zelar pela segurança ulissiponense10.

Este corpo estender-se-ia aos principais aglomerados urbanos do País e, apesar de passar por muitas vicissitudes e dificuldades, manter-se-ia, durante muito tempo, como o principal e, por vezes, único agente zelador da segurança nas diversas comunidades citadinas (COSME, 2006, p.251).

Cosme (2006, p.35) menciona que os Quadrilheiros tornaram-se os agentes

principais na luta contra os prevaricadores do convívio comunitário pacífico. Porém,

como o cargo não era remunerado e as funções eram pouco atraentes, em 1418,

conseguiram ficar isentos de efectuar rondas nocturnas, missão que voltou a estar a

cargo dos homens da alcaidaria. Nem assim, menciona o autor, se conseguiu atrair

10 Referente à natural ou habitante da capital portuguesa, Lisboa. O mesmo que lisboês, lisbonense, olissiponense, ulissibonense. Em http://nossalinguaportuguesa.com.br/dicionario/olissiponense/, acesso aos 15-03-2013.

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gente para estas funções. Os lugares de Quadrilheiro de Lisboa continuavam por

preencher.

Aos Quadrilheiros sucedeu a criação do cargo de Intendente Geral de Polícia da

Corte e dos Reinos aos 25 de Junho de 1790. Esta instituição vigorou até a criação do

Corpo de Polícia Civil em Lisboa e outro no Porto, por Lei de Luís I, de 2 de Julho de

1867.

Visando consolidar a polícia portuguesa no (então) ultramar, nos finais do

século XIX foram criados corpos da Polícia Cívica em Moçambique e Angola. Não

foram incluídos na categoria de Polícia de Segurança Pública pela reforma de 1927,

tendo competências inerentes à Polícia Internacional e à Polícia de Investigação.

Apenas em princípios de 1961 lhes foram atribuídas funções próprias da Polícia de

Segurança Pública (COSME, 2006, p.196).

A emergência do alargamento das funções próprias da Polícia de Segurança

Pública (PSP) às províncias ultramarinas deveu-se ao aparecimento dos designados

“movimentos autonomistas” na maioria das então províncias ultramarinas portuguesas,

por exemplo, em Moçambique, Angola e Guiné (ibidem).

No continente africano, embora com poucos estudos publicados, também há

registo de que ao longo da história foram constituídos corpos de milícia com função

específica de Polícia, dando a entender que ali o Estado estava prioritariamente

preocupado com a segurança pública.

Na obra Historie de la Police, (Marcel Le Clerè in Cosme, 2006, p. 23).

afirma que

O primeiro exemplo da Polícia que conhecemos, responsabilizada justamente pela vigilância de rua e pelas funções de pretório, milhares de anos antes da nossa era, foi o do Egipto. Essa Nação, antes mesmo de existirem Babilônia, Atenas e Roma, estava dividida em 42 regiões administrativas, confiadas cada uma a um delegado directo de Faraó: o monarca, que reunia as funções de magistrado administrativo e judicial era assistido por um chefe de polícia, simultaneamente, juiz de instrução, policial e carrasco (MARCINEIRO, 2007, p. 18).

O mesmo autor acrescenta ainda ter encontrado nas legislações dos antigos

egípcios e hebreus prescrições nitidamente policiais. Em cada tribo hebréia, segundo o

autor, eram designados Intendentes de Polícia, os SARPAKALEK, para policiarem os

súbditos e os víveres, e a cidade de Jerusalém, para que o policiamento fosse mais

eficiente, foi dividida em quatro sectores, chamados quarteirões.

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Os exemplos acima citados ajudam a compreender como é possível determinar

se um policiamento público existiu ou existe numa determinada era ou local. O carácter

público, uma característica das forças que dominam o policiamento nos dias de hoje,

não é uma invenção moderna. Sua antiguidade não é normalmente reconhecida,

especialmente devido à confusão a respeito do conceito em si. Sustentando essa ideia

Bayley aponta uma segunda razão: a história tende a diminuir o valor dos sistemas

políticos antigos, sistemas que deram lugar a outros centros de poder, especialmente

se estes novos centros ainda existem nos dias actuais (BAYLEY, 2003 p.45).

Noutros continentes e países que foram objecto de conquistas e consequente

colonização das potências ocidentais, como é o caso do continente africano, a história

da Polícia (dos países colonizados) apresenta, geralmente, dois marcos principais: o

primeiro é o da Polícia estabelecida pela potência colonizadora, uma Polícia repressiva

que servia os interesses do colonizador; o segundo, é o da Polícia estabelecida a partir

do período da descolonização, variando de país para país, conforme foi levado a cabo o

processo de descolonização.

Em Moçambique, então colónia portuguesa11 desde a Conferência de Berlim12,

o primeiro corpo de Polícia pública, denominado Corpo de Polícia de Lourenço

Marques, foi criado por Decreto do Governo Central de Portugal de 18 de Agosto de

1887. Essa medida tinha em vista a passagem da então Vila de Lourenço Marques

(actual Maputo-capital de Moçambique) à categoria de cidade. Essa força constituída

por um total de 158 homens, sob comando de um Major, desembarcou na então

Lourenço Marques, em 15 de Maio de 1888.

Sofrendo reorganizações sucessivas, em 1893, o seu efectivo foi elevado a 171

unidades e, dois anos depois, beneficiou do aumento de 30 auxiliares. Por Decreto de

20 de Março de 1895, do Comissário Régio António Enes, foi lhe confiada mais ampla

missão e a sua orgânica sofreu nova alteração: assumiu o cargo de fiscalização

aduaneira, foi-lhe reduzido o número de oficiais e aumentado o de praças e passou a

11 Desde a Conferência de Berlim até 1974 (no entanto a presença portuguesa em Moçambique se registou desde 1498). 12 Foi um evento que ocorreu entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885 com a participação de Itália, França, Grã-Bretanha, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Alemanha, Império Otomano (atual Turquia), Portugal, Bélgica, Holanda, Suécia, Rússia e Império Austro- Húngaro (actuais Áustria e Hungria). A Conferência foi proposta por Portugal e organizada pelo Chanceler Otto Von Bismarck da Alemanha. O objectivo do encontro foi definir como esses repartiriam entre si os territórios africanos.

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denominar-se Corpo de Polícia E Fiscalização de Lourenço Marques, denominação esta

que durou até 1902, data em que voltou a designar-se Corpo de Polícia de Lourenço

Marques.

Em 1903, a designação da corporação foi novamente alterada e passando a

denominar-se Corpo de Polícia Civil, constituído por 1 comissário, 1 escrivão, 2 chefes

de secção, 6 chefes de esquadra, 80 guardas europeus e 60 auxiliares.

Por alturas de 1910, com a mudança do regime político em Portugal, surgiram

na ex-Lourenço Marques as primeiras disputas partidárias em que a Polícia, sem que

alguma culpa tivesse, foi envolvida num ambiente desfavorável.

Por isso, o Governo Central alarmado por notícias chegadas à Metrópole sobre o

perigo de alterações da ordem em Moçambique, decretou em 1911 a criação de um

conjunto policial denominado Guarda Cívica de Lourenço Marques, constituído por

agentes europeus recrutados no Exército, na Guarda Fiscal e na Guarda Nacional

Republicana, destinado a assegurar a ordem na então Província, guarda esta que, por

força da legislação que a criou, podia agregar o pessoal do Corpo da Polícia Civil e da

Guarda Fiscal, anteriormente constituído, e abrangê-lo pelo seu regime disciplinar.

Assim se manteve esta miscelânea até 1913, incumbida de serviço de

policiamento e segurança, ano em que foi extinta e deu lugar a criação da Guarda

Republicana , à qual foi incumbida a missão atribuída à Guarda Cívica e conferido o

dever de ocupação territorial e policial dos caminhos, povoações, propriedades rurais,

emigração e caça.

Todavia, continuava de pé o Corpo da Polícia Civil de Lourenço Marques,

graças à Portaria nº 2223, de Novembro de 1914, que, mantendo-a em vigor, evitou a

sua absorção pela Guarda Republicana. Continuou até 1916, quando em Portaria de 10

de Fevereiro, mereceu a atenção do Governador Geral, que, em atenção ao seu passado,

o submeteu à apreciação do Conselho, sendo deliberado que fosse melhorado com a

criação de uma Secção de Polícia Judiciária, constituída de 1 chefe, 2 cabos, 12 guardas

e 12 auxiliares, incumbida do julgamento de vários delitos e transgressões.

Ao alargamento da área citadina e o aumento da respectiva população,

correspondeu o aumento deste Corpo que, por altura de 1939, se compunha de um

efectivo de 367 homens.

Nas primeiras décadas do século XX, a par deste crescimento, outros núcleos

policiais foram criados e distribuídos por diferentes locais da então Província, sendo,

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em 1913, no Decreto nº144, publicado o Regulamento de Serviços Policiais para o

Concelho do Ibo, extensivo a Porto Amélia (actual Pemba).

Assim se fez a distribuição de vários Corpos de Polícia pela então Província,

independentes uns dos outros, num sistema que se manteve até 1943, quando, pela

publicação do Decreto n.º 32819, se criou o Corpo de Polícia Civil da Província De

Moçambique, que substituiu o Corpo de Polícia Civil de Lourenço Marques, reunindo

sob um comando-geral, todas as Polícias que na data existiam em Moçambique.

Depois, embora já nessa data tivessem sido imperiosas tais medidas e urgisse,

portanto, uma remodelação que viesse assegurar o funcionamento dos serviços de

molde a permitir à Polícia uma ocupação conveniente, que garantisse o sossego e a

segurança dos interesses políticos, sociais e económicos de Portugal em Moçambique,

só mais tarde foi possível a sua concretização com o envio, da Metrópole, como

reforço, das 5ª, 6ª e 8ª Companhias Móveis de Polícia, criadas para o efeito, tendo as

duas primeiras desembarcado em Lourenço Marques a 11 de Setembro de 1961 e a

última em 28 de Junho de 196513.

Logo em 19 de Outubro do mesmo ano (1965), e dentro do mesmo espírito, o

Ministro do Ultramar, pelo Diploma Legislativo n.º27, aprovou o Estatuto do Corpo de

Polícia de Segurança Pública Da Província De Moçambique, que veio estatuir e

reajustar organicamente a vida da Corporação com a criação do Comando-Geral,

Secções e Serviços, Comandos Distritais e Comissariados. Esta polícia vigorou até

Maio de 1975, altura em que, observando o previsto no artº 11 dos Acordos de Lusaka,

foi criado o CORPO DE POLÍCIA DE MOÇAMBIQUE (CPM), através do Decreto-

Lei nº 54/75, de 17 de Maio, cuja evolução é apresentada no ponto que se segue e que

está directamente ligada com a criação da Polícia da República de Moçambique (PRM).

1.3. Evolução da Polícia da República de Moçambique no período pós

independência nacional - Sinopse histórica: do CPM à PRM

A evolução da história da Polícia moçambicana pode ser dividida em três

períodos principais, nomeadamente o período colonial (até 1974-ano dos Acordos de

Lusaka), o período pós-independência nacional (a partir de 1975 até 1992) e o período

pós-Acordo Geral de Paz (a partir de 1992). Este estudo aborda com mais detalhes as

13 Nessa altura, em 1965, já tinha sido iniciada, em 1964, a luta armada de libertação nacional dirigida pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), fundada em 1962.

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transformações que se operaram relativamente ao processo de formação dos oficiais da

polícia no período pós-Acordo Geral de Paz e avança propostas para a melhoria do

processo de formação superior de oficiais da Polícia moçambicana. No entanto,

apresenta uma breve retrospectiva da história da Polícia moçambicana cuja fonte é o

preâmbulo ao Plano Estratégico da Polícia da República de Moçambique (PEPRM,

2003, pp. 27-32), e serve de pressuposto para se compreender como é que iniciou e

evoluiu a formação dos agentes e dos oficiais da Polícia de Moçambique e que marcas

conceptuais e ideológicas se mantêm até aos dias actuais.

A trajectória histórica da Polícia moçambicana está intimamente ligada ao

processo da Luta Armada de Libertação Nacional. Nas zonas libertadas14 foram

instituídas as milícias populares que tinham como missão a realização de funções que

hoje estão acometidas à PRM, em parte, tendo em consideração as diferenças

evolutivas e contextuais que caracterizam as duas forças, a milícia e a Polícia.

Foi com esse fundamento que, segundo Chissano,15 aquando das negociações

entre a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o Governo Português saído

do 25 de Abril de 197416, a questão da polícia mereceu um tratamento específico. Deste

modo, a cláusula 11 dos Acordos de Lusaka17 preconizava a criação de uma Polícia

moçambicana que teria como missão, em estreita colaboração com as restantes Forças

Policiais que então existiam no país, a manutenção da ordem e a segurança das pessoas

e seus bens.

Com efeito, nos termos da primeira parte da cláusula 11 dos Acordos de Lusaka

se estabeleceu que “o Governo de Transição criará um Corpo de Polícia encarregado de

assegurar a manutenção da ordem e da segurança das pessoas (Boletim oficial n° 113, I

Série, 1974)”. Na sequência, foi criada a primeira corporação policial não colonial

denominada Corpo da Polícia de Moçambique (CPM).

14 Zonas libertadas – territórios que durante a luta de libertação nacional de Moçambique eram conquistados e ficavam sob controle e administração dos guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). 15Intervenção de Joaquim Alberto Chissano, antigo Presidente da República de Moçambique, Professor Emérito da ACIPOL, na Primeira Conferência Nacional sobre as Linhas de Pesquisa da ACIPOL, Maputo, 2005. 16 Refere-se ao Governo saído do Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 em Portugal, que derrubou a ditadura fascista. 17 Acordo de cessar-fogo e de independência total e completa de Moçambique, assinado entre o governo colonial português e a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em Lusaka, capital da República da Zâmbia, aos 7 de Setembro de 1974.

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1.3.1. O Corpo da Polícia de Moçambique – CPM

O Governo de Transição, na aplicação da cláusula 11 dos Acordos de Lusaka,

decretou através do Decreto-Lei n° 54/75, de 17 de Maio, a criação de uma Polícia

directamente dependente do Ministério da Administração Interna, com a designação de

Corpo de Polícia de Moçambique — CPM. Note-se que esta corporação é criada antes

da declaração oficial da independência nacional ocorrida a 25 de Junho de 1975.

A criação do CPM em si não significou logo à partida o desfazer-se das

estruturas coloniais, foi o primeiro passo de um processo que se foi completando

gradualmente, primeiro através de integração de novos efectivos provenientes dos

guerrilheiros da FRELIMO18, sem formação policial, e depois a reestruturação

completa da sua orgânica e do seu funcionamento, para que ela se tornasse

verdadeiramente diferente da Polícia colonial nesses domínios e no da sua orientação

político-ideológica. Assim, foram integrados nela alguns batalhões de guerrilheiros das

FPLM (Forças Populares de Libertação de Moçambique) que se juntaram aos efectivos

que, de forma voluntária, transitaram da Polícia de Segurança Pública (PSP) para esta

nova força.

Em Outubro de 1974, um grupo considerável de jovens provenientes de todo o

país, respondendo à mobilização da FRELIMO, foram enviados para formação no

Centro de Preparação Político-militar de Nachingweya19 com o apoio da Polícia da

República Unida da Tanzânia. Em Fevereiro de 1975, alguns grupos foram enviados

para os mesmos fins para a então República Democrática Alemã e outros ainda

permaneceram em Moçambique, tendo sido treinados conjuntamente pelos instrutores

das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) e da Policia Portuguesa

em Lourenço Marques, hoje Maputo, e no Dondo, em Sofala. (CHISSANO, 2005, p.4).

Nesse contexto, teve início o processo de formação do efectivo daquela que

seria a primeira Polícia integralmente moçambicana. Esse processo teve lugar tanto no

interior do país, designadamente em Maputo e Beira, como no exterior, através do

envio de cidadãos nacionais para a Repúblicas da Tanzânia e da Zâmbia, em Àfrica, e

Democrática Alemã, na Europa (PEPRM, 2003).

A dinâmica político-social do País no período pós-independência, resultante da

opção pelo socialismo científico como via de desenvolvimento e da necessidade de

18 Frente de Libertação de Moçambique 19 Nachingweya, Base principal da FRELIMO na Tanzânia, durante a Luta de Libertação Nacional.

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adequar todos os processos sócio-económicos aos princípios dessa via, e catalizada

pelo facto a FRELIMO ter optado pelo Marxismo-Leninismo como filosofia de

desenvolvimento político-social, ditou transformações rápidas no seio da Polícia que

teve de ser readaptada ao novo contexto do sistema político socialista, em termos de

estrutura organizacional, ideologia e filosofia de funcionamento. Foi nesse contexto

que o CPM foi extinto e em sua substituição foi criada a Polícia Popular de

Moçambique (PPM).

1.3.2. A Polícia Popular de Moçambique – PPM

Com o evoluir das estruturas do Governo resultado da proclamação da

independência nacional, as outras forças policiais que até então existiam em

Moçambique foram também objecto de tratamento específico, no sentido de as tornar

verdadeiramente moçambicanas. Nesse contexto, foram extintas e em seu lugar novas

foram criadas. Designadamente através do Decreto n°25/75, de 18 de Outubro, a

Polícia Judiciária (PJ) foi extinta e em seu lugar criada a Polícia de Investigação

Criminal (PIC); a Guarda Fiscal (GF) foi extinta e em seu lugar criada a Polícia

Aduaneira (PA); a Polícia dos Caminhos de Ferro de Moçambique (PCFM) foi extinta

e em seu lugar criada a Polícia de Transportes e Comunicações (PTC). Todas essas

forças passaram a funcionar na dependência directa do Ministério do Interior, tal como

já sucedia com o CPM. (BR nº 60, I Série, de 26 de Maio de 1979).

O III Congresso da FRELIMO determinou a introdução de emendas

substanciais à Constituição da República Popular de Moçambique, o que ocorreu

através da Lei n° 1 1/78, de 15 de Agosto, que optou pela orientação política Marxista-

Leninista para edificar uma sociedade socialista, através de uma forma de Estado de

ditadura da aliança operário-camponesa (Documentos do 3º Congresso da FRELIMO,

1977, p.147)20.

Assim, procurando responder à nova concepção do poder do Estado que se

definia pela sua natureza de classe, impôs-se a reestruturação das forças policiais. Nesta

perspectiva, através da Lei n° 5/79, de 26 de Maio, foi criada a Polícia Popular de

Moçambique (PPM), que funcionou no período 1979-1992. Nesta altura, funciona um

comando único da polícia que dirige efectivamente todo o sistema policial integrando

20 Documentos do 3º Congresso da FRELIMO, 1977: O Partido e as classes trabalhadoras moçambicanas na edificação da democracia popular. Relatório do Comité Central ao 3º Congresso.

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os comandos nacionais de Polícia de Protecção (PP), Polícia de Trânsito (PT), Polícia

de Transportes e Comunicações (PTC), e Polícia de Investigação Criminal (PIC).

A PPM foi criada como um Órgão do poder unitário do Estado, ao serviço da

aliança operário-camponesa, cujo objectivo era o de garantir a ordem, segurança e

tranquilidade públicas, o respeito pela Constituição, a protecção das conquistas

revolucionárias, da paz e da revolução, prevenindo, investigando, reprimindo as

violações da lei e ordenando a prisão dos agentes dos crimes (Lei nº 5/79, art. 1 nº2).

Esta Polícia funcionou no período de 1979 – 1992, altura em que a opção pela

economia de mercado e a adopção de um Estado de Direito fundado na democracia

multipartidária impuseram o abandono do sistema socialista. Nesse contexto, no

processo de adequação dos órgãos e das estruturas das forças de defesa e segurança,

incluindo a Polícia, à nova realidade da sociedade e do Estado, foi extinta a PPM e

criada a Polícia da República de Moçambique (PRM).

1.3.3. A Polícia da República de Moçambique – PRM

Como já foi referenciado acima, a designação e a estrutura orgânica da Polícia

viriam a sofrer uma nova alteração, devido à nova revisão da Constituição da República

de 1990 e ao Acordo Geral de Paz (AGP).21

Mencione-se que em Moçambique um ano depois da independência nacional,

isto é, em 1976, iniciou uma guerra civil interna desencadeada pela Resistência

Nacional de Moçambique (RENAMO), actualmente segundo maior Partido Político de

Moçambique depois da Frelimo, contestando o regime socialista de Governo adoptado

pelo então partido único, a Frelimo. Essa guerra viria a terminar 16 anos depois, isto é,

em 1992, com a assinatura do Acordo Geral de Paz acima referido, como reflexo da

revisão da Constituição em 1990, introduzindo um novo regime político de democracia

multipartidária e de Estado de Direito.

É assim que a Assembleia da República (AR), pela Lei n° 19/92 de 31 de

Dezembro, criou a Polícia da Republica de Moçambique (PRM) e a definiu como

21 Acordo assinado em Roma, aos 4 de Outubro de 1992, entre o Governo de Moçambique e o

Movimento de Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) que liderou a guerra civil contra o

sistema socialista adoptado pela FRELIMO depois da independência nacional. A partir desse acordo, que

incluía o reconhecimento oficial da RENAMO pelo governo como um movimento político nacional, foi

observado o cessar-fogo que conduziu ao fim do conflito armado.

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organismo público e força paramilitar integrada no Ministério do Interior, com a

missão de garantir a ordem, a segurança e tranquilidade públicas, o respeito pelo

Estado de Direito, a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais dos

cidadãos. Impõe-se, portanto, à nova Polícia Nacional, uma nova posição perante os

órgãos de soberania de que antes era parte integrante e já não é mais, e uma nova

função perante a sociedade, resultante dos princípios e regras de uma sociedade

democrática de Estado de Direito, com separação clara dos poderes legislativo, judicial

e executivo.

No actual quadro do regime político moçambicano, de matriz presidencialista, a

tutela da Polícia é exercida pelo governo através do Ministério do Interior, integrando

as forças de defesa e segurança das quais o Presidente da República é o Comandante-

Chefe e ao qual devem obediência hierárquica. A figura 1, que se segue, apresenta a

estrutura orgânica do Ministério do Interior onde está integrada a Polícia como uma das

suas áreas de actividade.

Figura 1: Organigrama do Ministerio do Interior

Ministro do Interior

Comando Geral da

PRM

DirecçãoNacional de Identificação

Civil

DirecçãoNacional de

Migração

DirecçãoNacional de Bombeiros

Direcção de Informação

Direcção de Recursos Humanos

Departamento de

Administração e Finanças

Vice - MinistroSecretário

Permanente

Gabinete doMinistro

ConselhoConsultivo

ConselhoCoordenador

Gabinete de Estudos e Plano

Gabinete Jurídico

Inspecção

Gabinete de Relações

Internacionais

Fonte: Diploma Ministerial nº68/2001 de 2 de Maio: Estatuto Orgânico do Ministério do Interior.

Como se pode constatar, as transformações evolutivas da Polícia moçambicana

acompanham e são consequência das transformações político-sociais da sociedade

moçambicana, tanto ao nível da filosofia que orienta a sua formação e o seu

funcionamento, quanto ao nível da estrutura organizacional. Na sequência,

sensivelmente nos meados do ano de 1976, o CPM entrou em processo de adequação

das suas unidades orgânicas, consubstanciado na extinção das Repartições e na criação,

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em seu lugar, das Subsecções Nacionais que mais tarde evoluíram a Comandos

Nacionais com a criação da PPM, e na actual orgânica da PRM tomaram a forma de

direcções que operacionalmente se articulam em unidades e subunidades.

1.3.4. A reforma da Polícia no período pós Acordo Geral da Paz (AGP

Por força da Nova Constituição de 1990, introduzindo o Estado de Direito, foi

criada a Polícia da República de Moçambique pela Lei nº 19/92 de 31 de Dezembro e

pelo Decreto Lei nº 22/93 de 16 de Setembro foi aprovada a nova estrutura orgânica da

PRM. A revisão da constituição da República feita em 2004, praticamente não mexeu

na Polícia em termos de natureza, função e objectivos.

A Organização geral da Polícia em Moçambique tem consagração

constitucional no artigo 255º da Constituição da República de Moçambique (CRM),

que dispõe que a lei estabelece a organização geral da polícia, fixa os respectivos

ramos, determina a sua função, estrutura e as normas que regem o ingresso.

A função da Polícia da República de Moçambique (PRM) está consagrada no

artigo 254º da CRM como sendo a de garantir a observância da lei e ordem, a

salvaguarda de pessoas e bens, a tranquilidade pública, a inviolabilidade da fronteira

estatal, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e dos direitos e liberdades

fundamentais dos cidadãos, organizando-se em cinco ramos22: Polícia de Protecção

(PP), Polícia de Trânsito (PT), Polícia de Transportes e Comunicações (PTC), Polícia

de Guarda Fronteira (PGF), Forças Especiais e de Reserva (FER).

Na nova orgânica, a Polícia da República de Moçambique (PRM) organiza-se

em Unidades e Subunidades (Decreto nº 27/99 de 24 de Maio, artigo 1 nº 1).

São unidades (nº2 do artigo 1 do capítulo 1): o Comando-Geral; os Comandos

Provinciais; as Forças Especiais e de Reserva (FER); os Estabelecimentos de Ensino.

A ACIPOL, objecto do presente estudo, nos termos do articulado supracitado é

uma unidade orgânica na estrutura organizacional da Polícia da República de

Moçambique, e até ao presente momento é o único estabelecimento de ensino superior

da polícia.

São subunidades (nº3 do artigo 1 do capítulo 1): os Comandos Distritais; as

Esquadras; os Postos Policiais; os Destacamentos das Forças Especiais e de Reserva. 22 A Estrutura Orgânica da Polícia da República de Moçambique está em processo de revisão desde o ano de 2010. Portanto, poderá ser alterada logo que a Assembleia da República aprovar, por lei, a proposta da nova orgânica.

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Nos termos dos números 1 e 2 do artigo 2 do Decreto nº 27/99 de 24 de Maio, a

criação e extinção de subunidades da PRM é efectuada por Despacho do Ministro do

Interior, sob proposta do Comando-Geral. O mesmo instrumento legal acrescenta que a

criação e extinção dos comandos distritais obedece à divisão administrativa23. A

República de Moçambique organiza-se territorialmente em províncias, distritos, postos

administrativos, localidades e povoações (CRM, 1992, artigo 7).

São estabelecimentos de ensino policial:

de Nível Superior – Academia de Ciências Policiais (ACIPOL);

de Nível Médio – (ainda não existe um estabelecimento oficialmente criado);

de Nível Básico – Escola Prática de Polícia (EPP-Matalana) e Escola Prática de Polícia

(EPP-Dondo).

Destacamentos das Forças Especiais e de Reserva

Os Destacamentos das Forças Especiais e de Reserva são subunidades

desdobradas no terreno de acordo com a situação operativa policial e obedecem à

cadeia de comando estabelecida na orgânica de cada Comando de Força Especial e de

Reserva.

As Forças Especiais e de Reserva (FER) são unidades da PRM preparadas para

missões especiais de garantia da ordem, segurança e tranquilidade públicas e

compreendem: Força de Intervenção Rápida (FIR); Força de Guarda Fronteiras (FGF);

Força de Protecção Marítima, Lacustre e Fluvial (FPMLF); Força de Protecção de Altas

Individualidades (FPAI).

Conforme está explicado no Plano Estratégico da Polícia (PEPRM, 2003), até à

assinatura do AGP a formação da Polícia era assegurada por cinco estabelecimentos de

ensino, nomeadamente:

i. Centro de Formação de Quadros da PRM – Michafutene (província de Maputo)

ii. Centro de Formação de Unidades da PRM – Matalana (província de Maputo)

iii. Centro de Formação de Unidades da PRM – Dondo (província de Sofala)

iv. Centro de Formação de Unidades da PRM – Natikiri (província de Nampula)

23 De acordo com os números 1 e 2 do artigo 11 do capítulo II da Lei nº 8/2003 - A Província é a maior unidade territorial da organização política, econômica e social da administração local do Estado. A Província é constituída por Distritos, Postos Administrativos, Localidades e Povoações.

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v. Centro de Instrução de cães-polícia (Maputo-cidade).

Os estabelecimentos de ensino policial, ou centros de formação, estavam

distribuídos pelas regiões norte, centro e sul de Moçambique, mas o centro de

Michafutene, fundado em 1976, era o único vocacionado à formação de “quadros”. Os

restantes formavam unidades da PRM. O termo “quadros da Polícia” significa oficiais

da Polícia com preparação técnico-profissional para desempenhar funções de comando,

direcção e chefia. Por seu turno, o termo “unidades da Polícia” significa guardas da

Polícia com preparação técnico-profissional para desempenhar funções policiais de

base, tais como patrulhamento, vigilância móvel e fixa, protecção de eventos e de locais

de interesse público, e outras de carácter simples.

Até 2013, existiam em Moçambique uma Academia (ACIPOL) e duas Escolas

Práticas de Polícia, sendo uma localizada no distrito Dondo, província de Sofala e outra,

localizada no distrito de Marracuene, na provínvia de Maputo (EPP-Matalana). A

formação visa o ingresso e o acesso às escalas profissionais da PRM. As escalas

profissionais da PRM estão ilustradas na figura 3.

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1.3.5. Escalas profissionais da PRM e sistema de formação policial Figura 2: Modelo de Carreira Policial

GUARDA

Selecção 2 Convocatótias

4 Anos Serviço Efectivo Máximo 47 Anos

Selecção 1 Convocatórias

Curso de Promoção ESCOLHA

ESCALA BÁSICA ESCALA MÉDIA ESCALA SUPERIOR

12a Classe

SARGENTO

Antiguidade 5 Anos

SARGENTO PRINCIPAL

SUBINSPECTOR

Antiguidade 3 Anos

INSPECTOR

ADJUNTO SUPERINTENDENTE

SUPERINTENDENTE PRINCIPAL

4 Anos Serviço Efectivo Máximo 42 Anos

Concurso – Provimento 3 Convocatórias

Curso de Promoção

5 Anos Serviço Efectivo Máximo 42 Anos

Concurso – Provimento 3 Convocatórias

Curso de Promoção

SUBINSPECTOR

4 Anos de Serviço Efectivo

INSPECTOR

ADJUNTO SUPERINTENTENDE

10a Classe 19 – 30 Anos

Concurso – Provimento 3 Convocatórias

Curso de Formação Básica +

2 Anos de estágio

12a Classe Civil 19 – 30 Anos

Militar Policia 18 – 26 Anos Concurso – Provimento

3 Convocatórias Curso de Formação Superior

+ 1 Anos de estágio

5 Anos de Serviço Efectivo Selecção

ADJUNTO DO COMISSÁRIO

5 Anos Serviço Efectivo Selecção

Curso de Promoção Escolha

10 ADJUNTO DO COMISSÁRIO

2 Anos de Serviço efectivo Escolha

COMISSÁRIO

Escolha

INSPECTOR GERAL

Reserva aos 50 Anos

Reserva aos 52 Anos

Reserva aos 53 Anos

Reserva aos 54 Anos

Reserva aos 56 Anos

Reserva aos 58 Anos

2 Anos de service Efectivo Máximo 36 Anos

Concurso – Provimento 3 Convocatórias

Curso de Promoção

SEGUNDO CABO

Antiguidade 1 Ano

PRIMEIRO CABO

Antiguidade 4 Anos

5 Anos de Serviço Efectivo

Curso de Promoção

SUPERITENDENTE

Antiguidade 5 Anos

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As escalas profissionais24 da Polícia da República de Moçambique estruturam-

se em três níveis: básico, médio e superior. O acesso a cada escala requer um conjunto

de requisitos, fixados pelo Estatuto do Polícia25, aos quais está directamente ligado o

sistema de formação policial. Segundo consta do capítulo III, artigo 19 do Decreto nº

28/99 de 24 de Maio, a PRM tem as seguintes escalas profissionais: a escala básica, que

integra os guardas e cabos oriundos de curso de formação básica policial; a escala

média, que integra os sargentos e oficiais subalternos habilitados com os respectivos

cursos de formação e/ou de promoção; a escala superior, que integra os oficiais

oriundos do curso superior de formação policial ou equivalente.

O ingresso e promoção dos membros da Polícia da República de Moçambique

ocorre nas escalas profissionais definidas na base dos requisitos previstos no

instrumento legal acima referido. O sistema de formação policial garante a

continuidade do processo de instrução e educação dos membros da PRM e realiza-se

por meio de cursos de formação, cursos de aperfeiçoamento e estágios (nº2 do artigo 22

do Decreto nº28/99 de 24 de Maio):

Os cursos de formação são aqueles que se destinam a assegurar a preparação

policial e os conhecimentos técnico-profissionais para o ingresso nas escalas

profissionais da PRM. A formação que a Academia de Ciências Policiais realiza,

habilita os graduados a ingressarem na escala superior, escalão de oficiais subalternos,

com a patente de Subinspector da Polícia.

Os cursos de aperfeiçoamento são aqueles que se destinam a capacitar o

membro da PRM para efeitos de promoção, especialização e actualização. O acesso à

frequência dos cursos de actualização pelos membros da PRM é através da convocação

e tem carácter obrigatório. Os cursos de aperfeiçoamento previstos no Estatuto do

Polícia são os seguintes:

i. Cursos de Promoção - que se destinam a habilitar o membro da PRM para o

desempenho de funções de nível de responsabilidade mais elevado, constituindo,

nos termos fixados no Estatuto do Polícia, condição especial de acesso à patente

ou posto imediato;

ii. Cursos de Especialização - que se destinam a obter ou melhorar os

conhecimentos técnico-profissionais do membro da PRM, visando habilitá-lo

24 Capítulo III, artigo 19, nº 1, alíneas a), b) e c) do Decreto 28/99 de 24 de Maio. 25 O Estatuto do Polícia foi aprovado pelo Decreto nº 28/99 de 24 de Maio.

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para o exercício de funções para as quais sejam requeridos conhecimentos e

habilidades específicos;

iii. Cursos de Actualização - que se destinam a reciclar os conhecimentos técnico-

profissionais tendo em vista recuperar uma qualificação ou acompanhar a

evolução da doutrina e da técnica policial.

iv. Os estágios são aqueles que se destinam a completar a formação técnico-

profissional anteriormente adquirida em cursos de formação; preparar o membro

da PRM para o exercício de funções específicas em cargos para os quais seja

nomeado e avaliar a capacidade do membro da PRM para o exercício de novas

funções.

1.3.6. A revogação da Lei que cria a PRM: Lei nº 16/2013 de 12 de Agosto

Para responder à necessidade de adequar a Polícia da República de

Moçambique, sua estrutura organizacional e funcional à actual dinâmica do quadro

jurídico constitucional e à demanda sócio-político e económico de Moçambique, ao

abrigo do disposto no nº 2 do artigo 25526 conjugado com o nº 1 do artigo 17927, ambos

da CRM, a Assembleia da República, através da Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto,

determinou a revisão da Lei nº 19/92, de 31 de Dezembro, que cria a Polícia da

República de Moçambique e da Lei nº 5/88, de 27 de Agosto, que cria o sistema de

Patentes e Postos da Polícia da República de Moçambique.

No quadro da nova lei, a natureza da Polícia sofre uma profunda alteração ao

ser designada por “serviço público e apartidário”, nos termos que se seguem:

A Polícia da República de Moçambique, abreviadamente designada por PRM é

um serviço público, apartidário, de natureza paramilitar, integrado no Ministério que

superintende a área da ordem e segurança públicas (Artigo1, nº 1 da Lei nº 16/2013

de 12 de Agosto).

Relativamente às funções a nova lei estabelece que

26 Artigo 255 (Comando e organização)- nº 2. A lei estabelece a organização geral da Polícia, fixa os

respectivos ramos, determina a sua função, estrutura e as normas que regem o ingresso. 27 Artigo 179 (Competências)- nº 1. Compete à Assembleia da República legislar sobre as questões

básicas da política interna do país.

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A PRM, em colaboração com outras instituições do Estado e da sociedade em geral, tem como função garantir a observância da lei e ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade pública, a inviolabilidade da fronteira estatal, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos (Artigo 3 da Lei nº 16/2013 de 12 de Agosto).

Figura 3: Organização da Policia da Republica de Moçambique

ORGANIZAÇÃO DA PRM

PRM

UNIDADES DE OPERAÇÕES

ESPECIAIS E DE RESERVA

RAMOS

FONTE: Autor - com base na Lei nº 16/2013 de 27 de Agosto

A Polícia da República de Moçambique tem uma organização nacional única

para todo o território, estruturando-se, de acordo com a nova lei, em ramos e unidades

de operações especiais e de reserva. Os ramos desdobram-se em comandos provinciais,

comandos distritais, esquadras e postos policiais. As unidades de operações especiais e

de reserva se subdividem em unidades especiais.

Depreende-se, portanto, que a missão fundamental da Polícia é a preservação da

Ordem Pública, através de: combater o crime, proteger as pessoas e bens e, fazer

cumprir as leis. Na figura 3 apresenta-se a estrutura orgânica da PRM, apovada pela Lei

nº 16/2013 de 27 de Agosto. De notar, porém, que os estabelecimentos de ensino não

constam deste organigrama por serem matéria de regulamento específico.

A figura 4 ilustra a composição dos Ramos e das Unidades de Operações

Especiais e de Reserva na estrutura orgânica da PRM.

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Figura 4: Ramos e Unidades de Operações Especiais e de Reserva

ORGANIZAÇÃO DA PRM

RAMOS DA PRM

Polícia de Ordem e Segurança

Pública

Polícia de Investigação

Criminal

Polícia de Fronteiras

Polícia Costeira, Lacustre e

Fluvial

UNIDADES DE OPERAÇÕES ESPECIAIS E DE RESERVA

Unidade de Intervenção

Rápida

Unidade de Protecção de

Altas Individualidades

Unidade de Operações de Combate ao

Terrorismo e Resgate de Reféns

Unidade Canina

Unidade de Cavalaria

Unidade de Desativação de

Engenhos Explosivos

Fonte : Autor – com base na Lei nº 16/2013 de 27 de Agosto

No histórico do processo de formação policial assinala-se que as academias e

escolas da Polícia frequentadas pelos moçambicanos, tanto dentro como fora do país,

estavam desenhadas seguindo o modelo dos campos de recrutas militares, com regras e

regulamentos militares, disciplina rígida, e salientando o imperativo de obedecer às

ordens. Em Tanzânia, Zâmbia e na República Democrática Alemã (RDA) – as mais

expressivas - as academias policiais constituíam a plataforma principal de formação

policial. Eram simultaneamente legalistas e militaristas. Essa experiência foi

posteriormente aplicada nos centros de formação policial em Moçambique e abrangeu

todos os ramos da Polícia, antes dispersos e independentes e, com a revisão da primeira

constituição em 1978, unificados pela criação da Polícia Popular de Moçambique nos

termos acima explicados (Lei nº 5/79 de 26 de Maio).

A literatura especializada sobre a formação da Polícia revela que, no percurso

da história da Polícia, evidencia-se, sobremaneira, que os aspectos vinculados à

burocratização e à militarização, com excessivo realce no comportamento profissional e

legalista dos polícias, permearam a construção de um determinado modelo policial, que

ainda hoje serve de base para a estrutura policial nas sociedades democráticas

ocidentais, orientando a organização da Polícia, os seus princípios e métodos, desde a

aplicação do treinamento, englobando desde a filosofia, a terminologia, a literatura

organizacional até o estilo de policiamento, envolvendo tácticas e estratégias, o

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equipamento utilizado nas operações de policiamento e os demais aspectos

organizacionais e operacionais (LUDWIG, 1998, pp.22-23).

O autor acima referenciado sublinha ainda que é importante reconhecer que esse

modelo policial profissional, proveniente das reformas da Polícia, em quase todos os

continentes, que ocorrem no final do século XIX e durante a primeira metade do século

XX, é uma resposta inovadora para os problemas que precederam sua montagem e a

sua peculiaridade reside no entrelaçamento de dois modelos de Polícia - o burocrático-

militar e o de aplicação da lei (ibidem).

Em Moçambique, no que respeita à formação, essa característica do modelo da

Polícia foi influenciado pelos processos de cooperação internacional com as

organizações policiais estrangeiras, quer enviando agentes e oficiais da PRM para

serem formados no exterior, quer recebendo docentes e formadores estrangeiros nas

escolas da Polícia de Moçambique, quer ainda, implementando em Moçambique cursos

de aperfeiçoamento28 desenhados fora do contexto moçambicano, por formadores ou

especialistas cooperantes, com fraca ou sem nenhuma participação de formadores da

PRM.

Esse marco voltou a evidenciar-se, mais recentemente, com a retomada da

cooperação policial entre Moçambique e Cuba, no domínio da formação, em que a

partir dos anos 2011-2012, contingentes de docentes, formadores e especialistas

cubanos se instalaram na Academia de Ciências Policiais, fazendo formação em

diversos domínios dos processos policiais (ordem pública, Investigação Criminal,

Polícia de Trânsito, Migração, Inteligência e outras) sem participação efectiva de

docentes e formadores da ACIPOL, e aplicando currículos e materiais didácticos

concebidos unilateralmente na ou pela escola policial cubana.

1.4. Processo de implementação do Acordo Geral de Paz: A Polícia como parte do

objecto de reformas institucionais

No decurso da implementação do Acordo Geral de Paz em Moçambique, parte

dos doadores representados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD) manifestaram o interesse em incluir a Polícia no grupo das instituições a

serem admitidas no âmbito do apoio à democratização de Moçambique. A intenção era

28 Aperfeiçoamento, nos termos do artigo 24 do Decreto nº 28/99 de 24 de Maio-Estatuto do Polícia - compreende os cursos de promoção, especialização, actualização e estágios.

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de introduzir reformas no conteúdo e métodos de trabalho da Polícia, por meio de

reciclagem dos efectivos então existentes no activo, e através de formação de raiz

(inicial) de novos agentes da Polícia, em princípio no nível básico (unidades) e, por

iniciativa e interesse do Governo de Moçambique, também no nível superior (quadros).

Para a formação básica de raiz foi reactivado o funcionamento do então centro

de Matalana, com a nova designação de Escola Prática da Polícia (EPP). Para a

formação policial superior de raiz foi necessário criar-se uma nova instituição de

ensino, vocacionada aos cursos de graduação, pós-graduação e aos cursos de

aperfeiçoamento. Foi nesse contexto que se criou a Academia de Ciências Policiais,

como instituição de formação superior em ciências policiais, através do Decreto nº

24/99, de 18 de Maio.

1.5. A Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) no processo da reforma da

Polícia

A Academia de Ciências Polícias é uma instituição pública de Ensino Superior,

vocacionada à formação de oficiais de polícia. No quadro dos seus Estatutos, e relativa

à Polícia, goza de autonomia administrativa, científica e financeira. A direcção da

Academia é realizada pelo Reitor, coadjuvado por um Vice-Reitor. No seu

funcionamento apoiam-se em unidades orgânicas, conforme se pode visualizar no

organigrama que se segue.

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Figura 5: Organigrama da ACIPOL

REITORConselho

Científico e Pedagógico

Conselho Directivo

Conselho da Academiaa

Vice-Reitor

Gabinete das Relações Públicas e

Cooperação

Gabinete do Reitor

DirecçãoPedagógica

Direcção de Investigação e

Extensão

Direcção de Logística e Finanças

Direcção de Pessoal

Estrutura Orgânica da ACIPOL

Fonte : Plano Estratégico da ACIPOL – Volume I, 2006, pag.53 – adaptado pelo autor

Ao nível máximo existem três órgãos colegiais: o Conselho Directivo, o

Conselho Científico - Pedagógico e o Conselho da Academia.

O Reitor é auxiliado por um Gabinete e por um sector de Relações Públicas e

Cooperação. Abaixo, na vertical e respondendo directamente ao Reitor, estão os

Directores das quatro Áreas, também designadas unidades orgânicas (Pedagógica,

Investigação e Extensão, Logística e Finanças e Pessoal). Por estatuto, os cargos de

Direcção são ocupados por oficiais superiores da PRM, de modo a garantir uma ligação

natural com o principal stakeholder (parte interessada) – a PRM.

De uma maneira geral a estrutura não é muito pesada e ajusta-se à missão,

especificidades e tamanho da Academia. É de salientar, porém, que existem algumas

lacunas estruturais que deverão ser analisadas num processo futuro de revisão da

estrutura orgânica da ACIPOL. Por exemplo, prevendo-se a possibilidade de introduzir

outros níveis de formação (pós-graduação) e outros cursos (especialização) a estrutura

que gere a área de formação poderá tornar-se singela demais.

Os objectivos da ACIPOL, entre outros, são os seguintes: preparar oficiais de

polícia, mediante adequada formação científica, profissional e deontológica, e

assegurar a ligação com a actividade policial como meio de formação técnica e

profissional dos estudantes. Estes dois objectivos são destacados por estarem mais

relacionados com o presente estudo. O quadro 1, que se segue, apresenta a visão e

missão da ACIPOL.

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Quadro 1: Visão e Missão da ACIPOL

VISÃO MISSÃO

Ser uma instituição moderna, de qualidade reconhecida no país, na região e no mundo na formação e investigação em ciências policiais.

Realizar, de forma integrada, a formação, instrução paramilitar, investigação científica e extensão visando a disseminação do ensino superior de qualidade, o desenvolvimento das ciências policiais e a formação de quadros com visão técnica, científica e humanística, de forma a responder às exigências e dinâmica da sociedade na área de Ordem e Segurança Públicas.

Fonte: Plano Estratégico da ACIPOL, 2007, Volume IV, p.6

À Academia de Ciências Policiais, no quadro das suas atribuições, compete,

dentre outras actividades, organizar e ministrar cursos superiores em ciências policiais;

organizar e ministrar cursos de aperfeiçoamento e estágios para oficiais da Polícia;

realizar e ministrar outros cursos de formação, de aperfeiçoamento e estágios; apoiar

pedagógica e metodologicamente outras instituições de ensino policial moçambicanas;

desenvolver nos formandos a consciência deontológica e o brio profissional; contribuir

permanentemente na introdução de inovações na doutrina, técnica e táctica policiais

(Decreto nº 24/99 de 19 de Maio, art.6).

Desde o início do seu funcionamento em 1999, a ACIPOL ministra cursos

superiores em ciências policiais a dois níveis académicos, nomeadamente bacharelato29

e licenciatura. Mais recentemente, em 2012, introduziu o Mestrado em Ciências

Policiais. Cada curso tem um currículo autónomo embora a estrutura seja similar em

termos de áreas científicas. O curso de licenciatura é destinado a formar oficiais

subalternos da Polícia, que ingressam na escala profissional superior da Polícia com a

patente de subinspector. Este estudo concentra-se no curso de licenciatura,

fundamentalmente na sua componente curricular30 e de estágio supervisionado.

29 O nível acadêmico de Bacharelato foi extinto do sistema de Ensino Superior de Moçambique pela Lei 27/2009, de 29 de Setembro (Lei de reforma do Ensino Superior). 30 Refere-se a todas as actividades de aprendizagem previstas no currículo do curso. Por sua vez, Estágio refere-se às actividades práticas realizadas em unidades e subunidades policiais como parte integrante e obrigatória da formação.

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1.5.1. Estrutura do Currículo

A estrutura curricular do curso de graduação (licenciatura) em ciências policiais

está organizada em seguintes áreas científicas:

1. Área de Ciências e Tecnologia Policial;

2. Área de Ciências Jurídicas;

3. Área de Ciências Exactas e de Gestão;

4. Área de Ciências Sociais e Humanidades; e

5. Área do Estágio Supervisionado.

O curso tem a duração de quatro anos com a carga horária de 5040 horas: 1260h

anuais; 630h semestrais; a carga horária se distribui pelas áreas científicas conforme a

tabela 1 que se segue.

Tabela 1: Áreas Científicas do Currículo e Carga Horária

N/O ÁREA DE CONHECIMENTO (CIENTÍFICA)

% DA CARGA HORÁRIA

01 Ciências e Tecnologia Policiais (CTP) 50%

02 Ciências Jurídicas (CJ) 25%

03 Ciências Sociais e Humanidades (CSH) 20%

04 Ciências Exactas e de Gestão (CEG) 05%

05 Estágio Curricular e Práticas Pré-Profissionais

(5% deduzidos das CTP)

Duração do curso = 8 Semestres 5040 horas

Na área do Estágio, o plano curricular prevê que os estudantes realizem práticas

pré-profissionais ao longo do curso e cumpram um estágio curricular supervisionado,

em unidades e subunidades policiais seleccionadas para o efeito, ou em instituições

julgadas adequadas para esse fim. As práticas pré-profissionais poderão ocorrer a

qualquer nível do curso.

O estágio está previsto para o segundo semestre do quarto ano, isto é, para o 8º

semestre do curso de licenciatura (graduação). Importa registar que as práticas pré-

profissionais nunca foram realizadas, porque, apesar de constarem do plano curricular,

na verdade, na ACIPOL não há clareza sobre o que são e qual é a estratégia de sua

implementação. Por isso, neste estudo foi nossa intenção aprofundar o entendimento, o

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alcance e as possibilidades de sua realização como dimensão articuladora do equilíbrio

entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas de formação.

A figura que se segue ilustra as áreas científicas do currículo de formação

(componentes curriculares) e as áreas de actuação dos graduados depois da formação.

O objectivo é permitir que se tenha uma ideia sobre a relação entre os componentes de

formação e as áreas onde os graduados actuam depois da formação.

Figura 6: Ilustração das componentes curriculares e áreas de actuação dos graduados

Componentes curriculares e áreas de actuação profissional dos graduados

Ciências e Tecnologia Policial

Ciências Jurídicas

Ciências Sociais e Humanidades

Ciências Exactas e de Gestão

Práticas Pré-Profissionais e Estágio Curricular

Ordem e Segurança Pública

Investigação Criminal

Polícia de Fronteiras

Forças de Operações Especiais e de Reserva (FER)

Administração e Logística e Áreas afins à Polícia (Identificação Civil)

Componentes do currículo de formação Áreas de actuação do graduado

Depois que entrou em funcionamento no ano de 1999, o currículo do curso de

licenciatura (graduação) da ACIPOL já foi objecto de avaliação externa, pelo menos

uma vez, por uma equipa constituída por avaliadores estrangeiros ao serviço do

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimendo (PNUD), que foi denominada

missão back-stopping. A avaliação foi solicitada por um dos parceiros de cooperação

do governo de Moçambique para a instalação da ACIPOL, a cooperação Suíça, e

realizada, obviamente, em consenso com as autoridades moçambicanas. Os resultados

dessa avaliação foram devidamente retratados no capítulo da problematização do

presente estudo.

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CAPÍTULO II

DESAFIOS CURRICULARES À FORMAÇÃO SUPERIOR DA POLÍCIA EM MOÇAMBIQUE

Neste capítulo apresentamos os principais fundamentos teóricos deste estudo.

Partindo da clarificação do entendimento sobre a formação policial, discutimos

referências teóricas sobre a formação pretendida na ACIPOL, bem como as bases legais

da formação policial em Moçambique e ainda uma revisão às escolas e modelos

policiais do mundo destacando sua aproximação ao modelo policial predominante em

Moçambique. Como questão de fundo, o capítulo faz uma breve discussão sobre os

conceitos de formação, competência, currículo, revisita o processo de construção do

currículo da ACIPOL e discute as práticas pré-profissionais e o estágio como

aproximação da teoria à prática.

A consideração geral do capítulo é a concepção da formação voltada para a

reflexão sobre a prática e na prática, que promove uma série de mudanças no perfil do

profissional da Polícia inserido em acções operacionais de manutenção da ordem

pública. Remete à idéia de que o oficial da Polícia poderia, através da reflexão e do

pensamento crítico, identificar a actual situação de sua prática como agente da lei e

ordem.

O modelo profissional de Polícia, resultante de um longo processo de

profissionalização desencadeado pelas reformas policiais em alguns países do mundo

democrático ocidental no final do século XIX e durante a primeira metade do século

XX, caracteriza- se predominantemente pelo entrelaçamento de dois modelos: o

burocrático-militar e o de aplicação da lei (PONCIONI, 2007, p.23).

Analisando os currículos dos cursos de formação profissional dos oficiais da

Polícia em Moçambique, revela-se tendências semelhantes na sua formação. Entre

essas semelhanças está a presença, ainda que com ênfases diferenciadas (dependendo

do nível do curso), de uma concepção dominante que tem como preocupação principal

moldar o Polícia para um comportamento legalista, numa versão que Poncioni (2007,

p.25) chama de burocrático-militar, com forte incidência ao combate ao crime.

Destaca-se, igualmente, nessa formação profissional, a quase total ausência de matérias

capacitadoras para a área da actividade preventiva, com realce na negociação de

conflitos e no relacionamento directo com o cidadão. Evidencia-se, ainda, um claro

descuido na formação para o trato de outras demandas e interesses da população que

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não se encontram limitadas ao cumprimento da lei, mas se relacionam com a

manutenção da ordem pública.

Constata-se, portanto, que a formação profissional dos oficiais da Polícia

sobrepõe princípios de modelos profissionais por vezes incompatíveis entre si, sem

uma extensa e profunda análise das condições internas e externas para a superação do

modelo policial profissional tradicional ainda em vigor na Polícia de Moçambique.

2.1. Génese e evolução do termo Polícia

A palavra “Polícia” é do termo grego “politeia” e do latim tardo-medieval

“politia”. A pólis (πολις) - plural: poleis (πολεις) é, sumariamente, o conceito grego de

Cidade. A Polis grega era formada por quatro unidades: a Acrópolis (parte mais alta do

relevo, onde se situavam os templos), a Ágora (área aberta, onde se encontravam os

mercados e feiras livres), a Khóra (campo, onde se produziam os alimentos) e a Ásty31

(onde se aglomeravam as habitações). As poleis, teriam sido organizadas a partir do

século VIII a.C. Com a dominação dos romanos, a partir do século II a.C., elas viriam a

perder a sua anterior importância (CASALI, 2012, p.193).

O habitante da Polis, o cidadão na denominação latina, era chamado de

politikós. Quando os Romanos dominaram militarmente a Grécia, traduziram Polis por

Civitas. Ou seja, Militar (do grego militece; do latim militaris – Miles = soldado) era, e

continua sendo até aos nossos dias, antítese conceitual de civil, no sentido primitivo os

que se domiciliavam na cidade (os civis) e os que estavam fixados fora da civitas (os

militares). Assim, os corpos militares (as legiões romanas) eram sediados fora dos

limites da cidade para defendê-la dos invasores (os bárbaros) e não podiam passar esses

limites para dentro da cidade sem permissão do governo (CASTORIADIS, 1981,

p.269)

O polícia é o guardião da Polis. Originariamente Polícia era o conjunto de

funções necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade-Estado (polis grega),

partindo daí a etimologia de polícia e civitas romana, que origina o termo civil, isto é,

inerente à civitas. Civil era, pois, derivação de cidade, conceito político e não

urbanístico, donde surge o Direito Civil (o Direito dos nascidos na civitas romana) e

31 Em grego contemporâneo o conceito de Polícia é expresso pelo vocábulo Astinomia. A actual polícia grega é conhecida como "astinomia”. Está escrito nos escudos da polícia grega “Elenike astinomia” (Casali, 2012, p.23). Astínomo: Antigo magistrado grego encarregado da segurança pública.

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cidadão - aquele a quem é dado o direito de influir na gestão da coisa pública32, da

Civitas. Sumarizando, Res publica é uma expressão latina que significa literalmente

"coisa do povo", "coisa pública". Portanto, é a origem da palavra república e,

conceitualmente, da palavra inglesa “commonwealth” (Castoriadis, 1981, p.271).

Dentro da civitas, só bem depois, já no final da dominação do império romano

Século V (Gaeta e Villan (1986, p.323), é que ocorreu o fenómeno do pretorianismo,

militarização transitória de determinadas funções estatais ligadas à segurança pública

e, em princípio, aplicado como instrumento de conquista, manutenção e exercício

forçado do poder. Decorrente disso explica-se o fenómeno político, já histórico,

denominado militarismo (degeneração profissional que culmina com o controle da vida

civil pelos especialistas militares).

Assim na essência policiar é civilizar, porquanto a vida civilizada (vida na

civitas, em comunidade) implicava e implica em refreamentos e controle do que não é

civilizado, do que não é urbanidade (civitas e urbis são, igualmente, raízes latinas para

a ideia de virtude, a aretè dos gregos clássicos).

Nesse processo e durante esse período de civilização latina, os juristas conferem

um conteúdo e um lugar específicos à noção de Polícia, em construções teóricas que

visam justificar a soberania absoluta do Estado imperial sobre os seus súbditos. Nessa

concepção, o imperium constitui o fundamento último do poder coercitivo do Estado –

a potestas – que é aquela que se manifesta, na prática, através da acção administrativa,

judiciária e policial (LUIZ, 2003, p.26).

É assim que a essência da função governamental vai consistir em definir as

fronteiras entre o público e o privado, por meio da produção de normas cujo respeito é

assegurado por órgãos administrativos específicos, que utilizam, se necessário, a

coação física. A protecção pública permanece ligada aos Estados, mas a definição de

Estado passa a referir-se à capacidade colectiva de governar, “uma vez que essa

capacidade é quase universal, o carácter público torna-se uma experiência social

organizada” (BAYLEY, 2003, p.39).

A importância operativa e sistémica do termo polícia, pela acção estatal, só foi

aparecer nos Estados da Renascença, na Itália e, principalmente, na França, no Ducado

de Borgonha — momento em que a expressão implicava claros fins políticos e

32 MORA, J.F.(200, p. 2345), Dicionário de Filosofia, a palavra publica é o feminino singular do adjetivo publicus, que é por sua vez derivado de uma forma mais antiga, populicus – "relacionada a populus [povo]".

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cumprimento dos deveres públicos e cívicos dos súbditos. Da Borgonha passa para a

Alemanha, obtendo aí difusão e grande sucesso, mas já não tendo a intenção de

segurança na esfera pública.

2.2. Polícia como profissão

Nos dias de hoje, não parece relevante levantar uma discussão, ainda que breve,

sobre se o trabalho da Polícia se enquadra ou não nos padrões e quadro de profissões

socialmente consideradas e reconhecidas. Não cremos que haja, nas sociedades actuais,

qualquer divergência de opiniões sobre a sustentação da tese e do reconhecimento do

ofício de Polícia como uma profissão à semelhança das demais, diferindo-se,

obviamente, pelo seu campo e objecto de actuação, pelas suas particularidades sócio-

políticas e pela forma como sua actividade afecta e é afectada pela sociedade,

considerada globalmente.

David H. Bayley, um dos investigadores mais destacados na área da Polícia e

segurança pública, cautelosamente afirma, na sua obra sobre Padrões de Policiamento,

que Nosso conhecimento histórico da Polícia é, na melhor das hipóteses, tão

incompleto que operar a partir de perspectivas teóricas específicas atrapalha, ao invés

de auxiliar, a experiência (Bayley, 2003, p.28). Essa afirmação demonstra, por um

lado, que ao longo da história do desenvolvimento da humanidade e das sociedades

houve pouco interesse, principalmente dos cientistas e académicos, em fazer estudos

aprofundados sobre a instituição policial. Por outro, instiga ao melhor entendimento e

enquadramento da instituição policial, pelo seu papel e função nas sociedades

democráticas e de Estado de Direito de hoje.

O estudo de Bayley, embora não se preocupe em posicionar-se, explicitamente,

sobre se a Polícia é uma profissão ou não, ajuda-nos a compreender e esclarecer essa

questão a partir dos dados históricos demonstrativos que balizam a evolução da Polícia

e do desenvolvimento da Polícia moderna, apontando os indicadores mínimos que

caracterizam uma polícia profissional:

A profissionalização da polícia é um atributo moderno da polícia mais claro do que o carácter público ou a especialização. Também é uma característica mais complexa. A profissionalização conota uma atenção explícita dada à conquista da qualidade no desempenho. Indicadores mínimos de uma polícia profissional são o recrutamento de acordo com padrões específicos, remuneração alta o suficiente para criar uma carreira, treinamento formal e supervisão sistemática por oficiais superiores. De certo modo a palavra

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profissionalização transformou-se num tipo de arte nos círculos policiais dos dias de hoje, abrangendo características como a especialização funcional dos polícias, uso de tecnologia moderna, neutralidade na aplicação da lei, uso responsável de discrição e uma certa medida de autonomia ( BAYLEY, 2003, p.60).

Ainda assim, reconhece-se que especificar o momento em que se deu a

profissionalização da força policial é problemático por várias razões das quais o autor

aponta quatro, nomeadamente a diversidade das partes constituintes do processo nas

diferentes experiências policias; a irregularidade do processo nos diversos países do

mundo; a ocorrência em velocidades diferentes em diferentes níveis hierárquicos; no

continente Europeu, por exemplo, a profissionalização foi se realizando lentamente

num período de quase duzentos anos, enquanto na Inglaterra isso ocorreu num período

menor e abrangeu todos os níveis hierárquicos e, por último, a necessidade de serem

feitos julgamentos qualitativos para se determinar se é possível dizer que tenha

ocorrido qualquer tipo de profissionalização.

Contudo, aponta o autor, a grande virada aconteceu, evidentemente, com a

criação da Polícia Metropolitana de Londres, em 1829. “O recrutamento era feito com

base em sexo, altura, peso, personalidade e habilidade em ler e escrever. O treinamento

era obrigatório, embora consistisse quase exclusivamente na repetição das ordens”

(BAYLEY, 2003, p.61).

Das experiências menos sucedidas aponta–se a Rússia na qual por volta de

1860, as tentativas de melhorar o nível de trabalho burocrático, especialmente

eliminando a corrupção, a preguiça e incompetência fracassaram. Igualmente, nos

Estados Unidos, o controlo dos departamentos de Polícia pelos partidos políticos não

foi eliminado até meados do século vinte. A extrema fragmentação da autoridade

policial nos EUA fez com que a questão da profissionalização fosse descoberta e

aplicada em todo o País.

Segundo o autor, a única excepção notável ao padrão oscilante da

profissionalização aconteceu no Japão onde o governo Meiji criou uma Polícia

profissional nacional em cerca de uma década, começando com a criação do

Departamento da Polícia Metropolitana de Tóquio (Keishicho) em 1878. Os polícias de

todo o país eram rigorosamente seleccionados, em sua grande parte dentre os antigos

Samurais33, e treinados nas escolas policiais das prefeituras (BAYLEY, 2003, p.62).

33 Samurai (侍) - era como soldado da aristocracia do Japão entre 1100 a 1867. Suas principais

características eram a grande disciplina, lealdade e sua grande habilidade com a Katana. O nome samurai

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Reconhecendo que determinar uma data para o estabelecimento da Polícia

profissional seria impreciso e opinativo, aponta que a grande era de profissionalização

foi o século dezanove.

Durante cerca de cem anos decorridos (1815 a 1915), a profissionalização ocorreu nos principais países do mundo aproximadamente nesta ordem: Japão, França e Alemanha, Grã-Bretanha, Índia, Estados Unidos e Rússia. Essa ordem indica, apenas, que os problemas de recrutamento, treinamento, pagamento e supervisão foram explicitamente abordados e tratados sistematicamente. A prioridade é do Japão, porque não apenas profissionalizou sua polícia como os outros países europeus, mas também foi o primeiro país a desenvolver escolas de treinamento para os polícias de todos os níveis34 (BAYLEY, 2003, p.63).

Já a especialização é um termo relativo, referente à exclusividade em se

desempenhar uma tarefa. “Em policiamento, esta tarefa é a aplicação da força física

dentro da comunidade. Uma Polícia especializada dedica toda a sua atenção à aplicação

de coerção física” (BAYLEY, 2003, pag. 50).

Uma Polícia não especializada faz muitas outras coisas além disso. O Intendente

na França do século dezassete era um agente policial não especializado; O constable na

Inglaterra era um agente policial especializado. O Magistrado distrital no Paquistão dos

dias de hoje é não especializado, responsável por desempenhar tarefas administrativas,

judiciais e policiais; o superintendente distrital da Polícia é especializado. Uma vez que

a Polícia raramente é totalmente especializada, as avaliações de especialização devem

ser feitas comparativamente. Ou seja, devem ser comparadas a um determinado padrão.

Além disso, haver uma força policial especializada na sociedade não é o mesmo

que haver uma única força policial. Especialização em uma função e monopólio dessa

função são coisas diferentes. Os países podem ter mais de uma agência cuja função

primária seja a manutenção de ordem pública (ibidem).

Historicamente, a Polícia especial mais antiga era composta pelos vigilantes,

encontrados quase universalmente nas sociedades, dos chowkidars nos vilarejos do sul

da Ásia até à vigília nocturna na Europa medieval. Embora sua função fosse certamente

significa, em japonês, aquele que serve. Portanto, sua maior função era servir, com total lealdade e empenho, ao Imperador. Em troca disso recebia privilégios, terras e/ou pagamentos, que geralmente eram efetuados em arroz, numa medida denominada koku (200 litros). Um termo mais apropriado para

Samurai é bushi (武士), significando literalmente "guerreiro ou homem de armas", que era usado durante

o período Edo (RIBEIRO, 2002, P.). 34 Tóquio tinha um programa de treinamento a tempo integral para os postos mais baixos em 1880, Paris só após 1883, e mesmo então apenas em meio período, alternado com outras tarefas. A escola de treinamento da polícia de Londres foi fundada em 1907 (BAYLEY, 2006, p.62).

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especializada, nem sempre se tratava de policiamento. Muito frequentemente eles

agiam apenas como sentinelas, responsáveis por convocar outros para prender

criminosos, repelir ataques ou acabar com incêndios. Eles representavam uma polícia

especializada, na medida em que usavam força física e só se dedicavam exclusivamente

a isso, sendo esta a característica fundamental de especialização.

Um aspecto importante da especialização da polícia foi a remoção dos militares

da manutenção da ordem interna. Uma vez que as unidades militares também

defendiam as comunidades externamente, seu uso dentro do País, que ocorreu

historicamente em praticamente todos os lugares, representa uma especialização

imperfeita do policiamento. Este tipo de especialização imperfeita tem sido uma

característica importante no continente europeu, representado pelo sistema da

Gendarmerie35. Desenvolvidos inicialmente na França, as gendarmeriess eram

compostas por militares designados para manter a lei e a ordem em áreas rurais e ao

longo das vias principais. Alguns descendentes contemporâneos dessa gendarmerie são

os Carabinieri da Itália, a Guardia Civil da Espanha, o Rijkspolitie da Holanda, a

Landespolizei da Alemanha, *Guarda Nacional Republicana de Portugal, e a Polícia

Militar do Brasil ( BAYLEY, 2003, p.53).

2.3. Formação policial para o desenvolvimento de profissionais competentes

Quando se fala em formação do oficial da Polícia, com vista a uma

profissionalização em que haja desenvolvimento de habilidades técnico-profissionais,

está se falando da presença de competência, até porque o currículo da ACIPOL fala

explicitamente de formar para desenvolver competências, mas aqui defendemos a

Competência e não as competências (no subcapítulo que se segue discutiremos este

assunto), devendo, por isso, mencionar-se o duplo carácter dessa Competência - a sua

dimensão técnica, e a sua dimensão política e ética. Neste caso, referimo-nos a duas

dimensões de um único elemento – dimensões distintas, mas profundamente

articuladas: não podemos referir-nos a uma sem a outra. E entenda-se que não se trata

de uma constatação apenas ao nível teórico e da bibliografia, mas de algo presente de

facto na natureza institucional e na prática concreta do trabalho policial, se considerada

35 Gendarmerie (Gent d´armes = Gendarme), foi o nome dado durante a revolução francesa para o velho marechausée, que por sua vez surgiu a partir das compagnies d´ordonnance. A Gendarmerie viria a tornar-se padrão nos países europeus durante a primeira metade do século dezanove.

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como um dos elementos do aparelho ideológico do Estado. Buscamos a sustentação

desta afirmação em Louis Althusser quando afirma que,

O Estado é um aparelho repressivo, repressão esta executada através de seus mais variados órgãos. Os Aparelhos Repressivos do Estado (ARE) são, na verdade, o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, e que funcionam através da violência, ao menos em situações-limite, já que a repressão, por exemplo, administrativa, pode ocorrer sem qualquer acto violento (ALTHUSSER, 1985, pp. 67-8).

Entretanto, Rios (2003, p.8) chama a atenção ao facto de que “a partir da

explicação dos componentes da competência, pode surgir uma dicotomia entre esses

componentes” que gera uma discussão entre alguns pensadores. De um lado, procura-se

destacar a dimensão técnica e a idéia de neutralidade (ou imparcialidade) na actuação

policial; de outro, destaca-se a dimensão política e a idéia de militância como

indispensável para o trabalho policial.

Neste trabalho não aprofundamos essa discussão, pois nosso propósito não é

optar por raciocinar usando alternativas exclusivas (ou/ou), mas procurar demonstrar

porque é que ancoramos a formação equilibrada entre os fundamentos teóricos e as

habilidades técnico-profissionais às práticas pré-profissionais e ao estágio curricular

supervisionado, pois o agir profissional exige sempre a competência requerida pelo

cargo ou função. Ao longo do presente texto o termo que será usado é Competência,

porém, como grande parte dos autores que colaboram com suas reflexões neste trabalho

usam o termo competências, sempre que este conceito aparecer deverá ser entendido

como Competência nos termos em que é definido por RIOS (2003, p.9).

Deste modo, é esclarecedora a visão da autora Terezinha Rios quando, afirma

que:

(...) a realidade nos obriga a tomar consciência de que a conjunção correta é aditiva. A realidade não é sim ou não – ela é sim e não. No caso da competência, na verdade, nem sequer estamos diante de elementos contraditórios; pelo contrário, eles se interpenetram e completam o sentido da competência (RIOS, 2003, pp.8-9).

Em todo o caso, os esforços da interpretação dialéctica da dicotomia não

superam ainda as divergências em volta do tema, esse tipo de discussão ainda se

mantém e provoca reflexões. Mas a mesma autora esclarece que:

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A dicotomia pode ser evitada, e superada, se tomarmos consciência de que há uma dimensão ética articulada à dimensão política e à dimensão técnica. Não se trata de acrescentar mais um elemento aos já existentes (o que certamente não faria avançar a discussão e só contribuiria para complicá-la), mas trata-se de apontar um elemento que existe como mediação36 entre as duas dimensões – inseparáveis- da competência (RIOS, 2003, p.9).

Aplicando as ideias da autora à formação policial podemos aferir que o facto de

se estabelecer uma polémica com relação à competência já revela uma preocupação

com o dever ser do desempenho do oficial da polícia em qualquer que seja a área e

nível de actividade policial. Citando a autora:

Se analisarmos a expressão saber fazer bem como explicadora do que é necessário” ao oficial da polícia para que profissionalmente ele ocupe o lugar que lhe compete na polis, verificaremos que o advérbio bem indica algo que diz respeito tanto à verdade, do ponto de vista do conhecimento, como ao valor, do ponto de vista da atitude que se exige do polícia. “Ser competente é saber fazer bem o dever (RIOS, 2003, p.9).

Ao dever se articulam, além do saber, o querer e o poder. No essencial é

necessário um saber, isto é, o domínio dos conteúdos a serem aprendidos e das técnicas

para articular esses conteúdos às características da formação que é oferecida, dos

alunos que atendem a essa formação e do contexto, mas esse saber pode perder seu

significado se não estiver ligado a uma vontade política, a um querer que determina a

intencionalidade do acto formativo. Rios (2003, p.10) afirma que esse ato não se exerce

com seu sentido real de práxis, de trabalho, se não contar com a liberdade, enquanto

poder de direcionamento do processo.

Ao mencionarmos as características da formação policial, não podemos deixar

de considerar que se trata de preparação de profissionais cujo objecto de trabalho são,

em parte, as relações que envolvem a organização do poder na sociedade. Desse modo,

a articulação entre o dever e o poder leva-nos, necessariamente, a considerar e “a

perceber a relação entre a moral e a política – o dever se estabelece na polis, numa

determinada organização social, em que se estruturam diversas formas de poder”

(RIOS, 2003, p.23).

36 O conceito de mediação indica que nada é isolado. Implica, então, o afastamento de posições irredutíveis e sem síntese superadora. Por outro lado, implica uma conexão dialéctica de tudo o que existe, uma busca de aspectos afins, manifestos no processo em curso. A distinção existente entre esses aspectos oculta uma relação mais profunda que é a fundamentação nas condições gerais da realidade.” (Cury apud Rios, 2003, p.9).

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O Polícia é o guardião da Polis. Segundo Casali (2012, p.15) os mesmos

sentidos conceituais que associam o Policial à Cidadania, Civilidade e Civilização

devem associá-lo igualmente à Política e, consequentemente, ao poder.

Bobbio, citado por Rios (2003, p.23), estabelece essa relação nos termos

seguintes:

O poder é definido por vezes como uma relação entre dois sujeitos, dos quais um impõe ao outro a própria vontade e lhe determina o comportamento. (...) O poder político pertence à categoria do homem sobre outro homem e não do homem sobre a natureza. Esta relação de poder é expressa de mil maneiras, onde se reconhecem fórmulas típicas da linguagem política: como relação entre governantes e governados, entre o soberano e súbdito, entre Estado e cidadãos, entre a autoridade e a obediência, etc.

Para o nosso caso específico da área policial num Estado de direito democrático,

ao fazer referência ao poder, vislumbra-se a necessidade de desvinculá-lo da

concentração exclusiva de dominação e resgatá-lo, como diz Rios (2003, p.58), na sua

significação de consenso (como queremos que ele exista na construção de uma nova

sociedade).

Considerando a afirmação supracitada para a acção do polícia na sociedade no

que Libâneo citado por Rios (2003, p.58) chama de saber ser, ao lado do saber que se

identifica com domínio dos conteúdos e da tecnologia policial, temos de encontrar um

“saber que sabe”, aquilo que a autora chama de consciência, não num primeiro nível,

de percepção da realidade (policial), mas de percepção da percepção, isto é, percepção

crítica.

O “saber que sabe”, de forma reflexiva, sabe o alcance do saber, as suas implicações, o seu rumo. E não poderá recusar-se a uma tomada de posição diante do saber que constata possuir. É por isso que dizemos que uma visão crítica da realidade não leva, automaticamente, a uma intervenção crítica, mas é um primeiro passo, se se pode ver com clareza o apelo da necessidade que está presente no real (RIOS, 2003, pp.58-59).

Na sociedade moçambicana onde os interesses, ainda que não antagônicos, são

divergentes, as vontades, sem dúvida, dirigem-se para objectivos conflitantes, apesar de

o discurso “oficial” referir-se a um objectivo único: o chamado “bem comum”, que se

traduz na realização pessoal, a integração participante na sociedade. O que o polícia

decide fazer com o conhecimento, com as habilidades e tecnologia que domina é

extremamente relevante para que sua acção seja legitimada e qualificada de

competente.

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Pode-se afirmar que, nesse sentido, o saber e o saber fazer ganham uma espécie

de carácter instrumental, isto é, eles não têm sentido isolados do para quê saber e fazer,

que afasta a possibilidade de uma suposta neutralidade. Não há, nem pode existir uma

polícia (tal como ela é entendida e definida hoje) neutra.

Se o oficial da polícia pensar que sua tarefa é aplicar restritamente a lei e

ignorar as pessoas concretas das comunidades concretas e a condição em que vivem,

trabalham e convivem, obviamente não vai aprender a pensar politicamente ou talvez

vá agir politicamente em termos conservadores, chocando e perturbando a sociedade

com atitudes que conflituam com seus valores, usos e costumes.

Em cumprimento de sua missão de manter a ordem, segurança e tranquilidade

públicas, a Polícia depara-se, inúmeras vezes, com actos deliberados de perturbação ou

quebra da ordem pública, que não é simples delinquência comum, sendo exigida a sua

intervenção para a reposição da ordem. Porém, por detrás desse fenómeno de quebra de

ordem há motivações políticas inconfessadas. Se o oficial da Polícia pensar que sua

obrigação é aplicar a lei e ignorar essas motivações políticas inconfessadas, poderá

chocar e perturbar a sociedade com atitudes que, embora legais, conflituam com

interesses legítimos da cidadania.

A literatura filosófica contemporânea, que importa referenciar para se

reposicionar e reforçar a noção de guardiões da Polis, converge na ideia de que o

comportamento do homem é político enquanto logos (razão e palavra), mas também

enquanto nomos (criação de regras, escolha e compromisso). Na verdade, no

compromisso o homem empenha a sua palavra, criadora de valores, de significações,

conforme afirma Andrade citado por RIOS (2003, p.55):

A consciência política (...) será historicamente conceptualizada no logos e no nomos. A Polis, concretização racional do nomos, é o lugar onde o homem legitima seu destino, dando significação e finalidade às suas acções, e escapando, dessa maneira, à arbitrariedade do fatum. A Polis é uma totalidade onde o homem confere sentido à sua existência, reconhece e assume seus valores e assume explicitamente seu destino como uma pergunta que tentará responder com sua acção política. A Polis é uma efectivação do logos, da palavra explicitada.

Aqui, destaca e enfatiza-se a perspectiva de relação que se encaminha para o

social, o qual está contido no político. E, mais uma vez, ressalta a importância da Polis

e sua significação.

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Sendo social ou “político” por natureza, por isso que é logos, razão e palavra, que implica em si mesmo o outro, ou a alteridade, o homem está destinado a viver na Polis, na cidade, não sendo possível transformá-lo (nem protegê-lo), isto é, educá-lo... sem transformar simultaneamente a polis na qual o homem vive. (CORBISIER apud RIOS, 2003, p.54).

Por outro lado, resgata-se o sentido da história e do trabalho, fundamento desta,

como componente essencial da “humanidade” do homem. Assim, se ligarmos a idéia de

profissão à de trabalho, teremos de explorar a noção de “profissionalidade” do campo

da segurança pública – campo de trabalho da polícia. Se quisermos recuperar o carácter

profissional da actividade ou prática policial, devemos aprofundar a questão tanto da

dimensão técnico-ética quanto da dimensão ético-política do desempenho do polícia.

Quando nos referimos ao desempenho do polícia (como indivíduo que age na

corporação), diferente do desempenho da Polícia (organização/corporação que integra

os polícias), é preciso estabelecer e distinguir a subjectividade, presente na dimensão

política. Apesar de não haver como afastar a subjectividade que está presente na

valorização, na intencionalidade que se confere à prática policial, há, entretanto,

algumas observações e distinções que é preciso estabelecer, para auxiliar a nossa

compreensão no uso dos termos.

É preciso distinguir subjectividade de singularidade. O singular é o que diz

respeito ao indivíduo, aspectos de sua actuação que o distinguem dos demais (Rios,

2003, p.53). Portanto, quando nos referimos à subjectividade e a distinguimos de

singularidade, para evitar o risco de individualismo, devemo-nos referir também à

distinção subjectividade/objectividade, que permeia a discussão sobre a relação

existente entre ética e técnica. A técnica aparece como o espaço da objectividade, que é

inadequadamente (ibidem, p.55) identificada com neutralidade. Quanto a esse aspecto,

apesar de não ser nosso principal objecto de reflexão neste trabalho, há a considerar o

seguinte: Se o conhecimento é resultado de relações sociais dos indivíduos, ele tem,

indiscutivelmente, uma conotação de valor, ainda que revistida de objectividade.

Quando se fala em objetividade, deve-se pensar na atenção às características do objeto, na necessidade de se evitarem as interferências que podem distorcer o conhecimento. Mas se o conhecimento é relação dialéctica sujeito-objeto, não posso em momento algum falar na possibilidade de “não envolvimento” do sujeito com o que ele conhece. Isso não significa que nos encaminhamos para um relativismo no campo do conhecer, mas sim que todo o conhecimento é historicamente situado e que, ainda que tenha como característica a objectividade, não é de modo algum neutro. É assim que posso descobrir a moralidade, o ethos na dimensão técnica da actuação do polícia. (RIOS, 2003, p.56).

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Podemos aferir, portanto, que há escolhas, há exigências de carácter social no

que se chama de técnico, no policiamento, no trabalho policial em geral. E essas

escolhas têm implicações ético-políticas.

Essas considerações conceituais, ainda que pareçam supérfluas, são

indispensáveis para melhor posicionarmos a questão da relação entre Polícia – política

– poder ou ainda, o poder político do polícia como um poder que deve ser eticamente

exercido.

Pela sua importância no esclarecimento da questão em discussão, transcrevemos

uma passagem do artigo de CASALI (2011), citando Enrique Dussel, que é longa, mas

difícil de parafrasear, para não destoar seu conteúdo optamos por trazê-la na íntegra:

(...) Dussel denomina de potentia o poder originário e inerente que tem a comunidade política, o povo, para realizar sua vontade colectiva. Mas a potentia da comunidade política tende a dispersar-se em consequência da disparidade e contraposição de interesses particulares no seu interior. Essa dispersão, se não for canalizada em prol do bem comum, resultaria em impotência. Por isso, por imperativo meramente racional e organizacional, a potentia de uma comunidade deve ser unificada e ordenada numa ordem superior representativa e delegada: a potestas. Temos, assim, a potentia como a fonte do exercício do direito à realização da vontade coletiva da comunidade (que consiste antes em realizar sua vida, simplesmente, do que em não-ser-dominada, como postulava Maquiavel); e a potestas como o dispositivo instrumental institucional que tornará exequível essa vontade coletiva da comunidade. A potestas é, pois, o conjunto de dispositivos do poder político institucional como exercício delegado da potentia. No pólo do poder como potentia, pois, está o povo; no pólo do poder como potestas estão os órgãos do Estado e os governantes e, como delegados do Estado, ou seja, em última instância como delegados do povo, estão os Policiais” (DUSSEL apud CASALI, 2011, pp.3-4).

Destacamos a citação supra para ressaltar algo que procuramos reforçar aqui:

fazemos referência a querer político, a missão histórica consciente e conseqüente, a

ampliação da margem da liberdade. Vontade, liberdade, consequência – conceitos que

estão sem dúvida no terreno da ética política. A articulação entre esses conceitos é que

nos auxilia na busca da compreensão da competência do oficial da Polícia, pois

constatamos que não basta levar em conta o saber, mas é preciso querer. E não adianta

saber e querer se não se tem percepção do dever e não se tem o poder para accionar os

mecanismos de transformação no rumo da segurança pública e da sociedade que é

necessário construir (RIOS, 2003, p. 57).

Aqui se faz desse modo, a conexão dos elementos envolvidos no cerne do

comportamento moral, que interessa à Ética, como vimos, refere a mesma autora,: só

posso falar em compromisso, se menciono a adesão, a partir de uma escolha do sujeito,

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a uma certa maneira de agir, a um certo caminho para a acção. É para que essa adesão

seja significativa que devem se conjugar a consciência, o saber e a vontade, que de

nada valem sem explicitação do dever e a presença do poder (ibidem).

Se assim é, a dimensão ética da competência não está presente apenas na

competência do oficial da Polícia. Ela faz parte da competência profissional, qualquer

que seja o campo de actividade ou de actuação dos indivíduos. Neste trabalho

destacamos a competência do oficial da Polícia, na medida em que estamos fazendo

uma reflexão sobre uma prática que é a nossa, e da qual temos estado mais próximos.

2.4. Buscando referências teóricas para a formação pretendida na ACIPOL

Como foi referido no capítulo anterior, o resultado esperado desta pesquisa é

apresentar referências críticas para inovações na formação realizada pela ACIPOL, nos

domínios do currículo, da metodologia e do estágio curricular supervisionado, através

da análise aprofundada das práticas pré-profissionais e do estágio supervisionado como

eixos articuladores de uma formação equilibrada entre os fundamentos teóricos e

habilidades práticas, capacitando os formandos ao cumprimento adequado das

exigências gerais e específicas do trabalho da polícia no contexto de Moçambique.

A inovação compreende necessariamente a introdução de uma novidade num sistema educativo que promova uma real mudança resultante do esforço deliberado e conscientemente assumido, fruto de uma ação persistente e integrada num processo dinâmico, que objetive uma melhoria pedagógica. (MASETTO, 2010, p.79).

No entanto, a formação superior em ciências policiais ainda não é algo comum

em África, havendo poucos países africanos com academias policiais que fazem

formação superior de raiz. A título de exemplo, na África Austral são conhecidas, por

enquanto, apenas duas Academias policiais que realizam formação superior,

nomeadamente a International Law Enforcement Academy (ILEA), localizada em

Gaberone na República do Botswana, e a ACIPOL em Moçambique. Este facto

justifica, em parte, a escassez de bibliografia específica em formação policial na África

Austral. Por extensão, o campo epistemológico que sustenta estudos desta natureza não

é desenvolvido, facto que exige uma pesquisa capaz de abarcar e considerar as

experiências pessoais, orais e escritas, de profissionais directamente envolvidos tanto

na área operacional como na de formação policial.

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Sob o ponto de vista epistemológico, neste estudo, a realidade policial no

contexto de formação em Moçambique é tomada como objecto de investigação, mas

numa perspectiva crítica, “capaz de desenvolver um movimento que busque

compreender essa realidade enquanto totalidade e produto de múltiplas determinações”

(BRANDÃO & STRECK, 2006, p. 127).

Este estudo tem como finalidade levantar opiniões e sugestões de oficiais da

polícia sobre a formação policial vinculada à prática, articulada a partir das práticas

pré-profissionais e do estágio curricular, capacitando os formandos a desenvolverem

conhecimentos, competências, e habilidades técnicas integradas de policiamento

orientado para a resolução de problemas da segurança pública no contexto de

Moçambique. Habilidades técnicas, segundo Martins (2000, p.49), são as capacidades

requeridas para executar com eficiência um certo acto ou uma certa tarefa. Neste caso,

orientando o estudante ao desenvolvimento da competência que será requerida na sua

futura função, através do processo de aprendizagem.

O conceito de aprendizagem, bem como o seu estudo, tem vindo a sofrer

modificações e abordagens diversas ao longo do tempo, estando, contudo, ligado ao

desenvolvimento da psicologia e das diferentes correntes de pensamento.

As diversas teorias de aprendizagem surgidas distinguem-se entre si pela forma

como explicam o aparecimento de novos comportamentos que delas decorrem, e

explicam os diferentes conceitos de aprendizagem e as diferentes formas de aprender.

A título meramente elucidativo, a tabela que se segue apresenta as principais teorias de

aprendizagem e o seu enfoque:

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Tabela 2: Teorias de Aprendizagem, Representantes e Principal Fundamento Teroria de Aprendizagem Representante/s Principal Fundamento

Epistemologia Genética PIAGET

Estrutura cognitiva do Sujeito: Assimilação, Acomodação e Equilíbração

Teoria Construtivista BRUNER Aprendizagem como Processo Activo, Participativo e Interactivo

Teoria Sócio-Cultural VYGOTSKY Zonas relacionais de desenvolvimento

Aprendizagem baseada em Problemas/instrução ancorada

BRANSFORD & the CTGV

A aprendizagem inicia com um “problema” mal estruturado

Teoria de Flexibilidade Cognitiva FELTOVITCH & COULSON

Transferência de conhecimentos e habilidades para situações novas

Teoria de Aprendizagem Situada LAVE Aprendizagem inseparável da Prática

Teoria de Gestalt LEWIN (1890-1947); KOHLER (1887-1967).

Enfatiza a percepção em vez da resposta ao estímulo; figura e Fundo

Teoria da Inclusão AUSUBEL

Conhecimento Prévio como principal factor da aprendizagem

Teoria da Aprendizagem Experimental

ROGERS

Experiência como principal factor da Aprendizagem

Teoria de Inteligências Múltiplas GARDNER Existência de vários tipos de inteligência de aprendizagem

Fonte: Pozo (1998, p.135) Teorias Cognitivas da aprendizagem- adaptado pelo autor

As teorias fazem uma nítida distinção de enfoques de incidência e de discussão

sobre o que consideram factor fundamental para que a aprendizagem ocorra, ou seja,

para que alguém aprenda. Porém, no real processo da aprendizagem, à medida que o

aprendente vai buscando recursos (estratégias) que lhe permitam desenvolver novos

conhecimentos, os enfoques referidos pelas teorias vão se cruzando, complementando,

entrelaçando, em um complexo processo que Morin (2007, p. 10) designa por

organização do conhecimento 37.

POTTER (1999) defende que aprender é adquirir novos conhecimentos ou

habilidades através da prática reforçada e da experiência. Quem aprende acrescenta de

forma construtiva novos conhecimentos aos conhecimentos que possui, rentabilizando

os já existentes. Mas o conhecimento não vale por si, senão pelo seu valor prático.

Os formandos são muitas vezes acusados de não conseguirem fazer uma

adequada ligação entre a teoria e a prática dos conhecimentos adquiridos. Dadas as

características da própria formação, que inclui instrução e treino, a importância da

37Qualquer conhecimento opera por selecção de dados significativos e rejeição de dados não significativos: separa (distingue ou disjunta) e une (associa, identifica); hierarquiza (o principal, o secundário) e centraliza (em função a um núcleo de noções-chaves). Estas operações, são de facto comandadas por princípios combinados e supralógicos.

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transferência na aprendizagem é enorme e não se pode limitar ao processo em si. Não

chega. É necessário que o formando seja confrontado com situações de aprendizagem

(cognitivas e contextuais) a partir das quais possa mobilizar os conhecimentos

interdisciplinares que detém para aquele momento presente, mas também que seja capaz

de os projectar para o futuro e que os consiga aplicar em situações concretas. É neste

contexto que se revela a importância da transferência da aprendizagem.

A transferência de aprendizagem pode ser definida como a aplicação efectiva no

trabalho dos Conhecimentos, Habilidades e Atitudes (CHAs) desenvolvidos em acção

instrucional ou de formação (PILATI & ABBAD, 2005, p.43).

Neste trabalho, CHAs são usados como significando:

C = saber

H = saber fazer

A = saber ser, saber estar

Abbad e Borges-Andrade (2004, p. 237) definem transferência de aprendizagem

como sendo as mudanças no indivíduo verificadas em actividades e situações diferentes

daquelas em que ocorreu a aprendizagem, podendo variar em sentido (lateral e vertical)

e direcção (positiva e negativa). A transferência lateral se refere a um tipo de

generalização que inclui desempenhos que não foram directamente aprendidos, mas que

são semelhantes aos aprendidos, ou seja, apresentam o mesmo grau de complexidade. A

transferência vertical envolve aprendizagem de capacidades/habilidades mais

complexas a partir de capacidades/habilidades mais simples. A actividade da Polícia é

tão específica, complexa e dinâmica que só pode ser desempenhada com sucesso se os

profissionais intervenientes tiverem a adequada capacidade de transferir os

conhecimentos a ela inerentes para a situação.

Na realidade da nossa formação é fundamental que o docente/formador reflicta

com o formando quais as implicações e solicitações práticas que os conhecimentos

teóricos permitirão atender, e atender satisfatoriamente. Por isso, defende-se neste

trabalho uma formação em que o conhecimento pertinente seja construído de forma

consciente, significativa e participativa.

Esse tipo de formação é sustentada por correntes teóricas empenhadas em

explicar como a inteligência humana se desenvolve partindo do principio de que o

desenvolvimento da inteligência é determinado pela interacção entre o indivíduo e o

meio. Esta concepção do conhecimento e da aprendizagem que deriva, principalmente,

das teorias da epistemologia genética de Jean Piaget, parte da idéia de que o homem não

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nasce inteligente, mas também não é passivo sob a influência do meio, isto é, ele

responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu

próprio conhecimento, de forma cada vez mais elaborada (AZENHA, 1997, p.18).

De acordo com Azenha (1997), o construtivismo (com os aspectos radicais

superados) é uma das correntes teóricas que propõem que o estudante, em actividade de

formação, participe activamente na própria aprendizagem, mediante a experimentação,

a pesquisa em grupo, o estímulo à dúvida e o desenvolvimento do raciocínio, entre

outros procedimentos. Assim, o sujeito do conhecimento está o tempo todo modelando

suas acções e operações conceituais com base nas suas experiências.

Azenha defende o método de formação que enfatiza a importância do erro não

como um tropeço ou fracasso, mas como um trampolim na rota da aprendizagem. Uma

pessoa aprende melhor quando toma parte de forma directa na construção do

conhecimento que adquire, superando progressiva e conscientemente as dificuldades

que se interponham (AZENHA, 1997, p.18).

Propor contribuições das teorias psicológicas para a formação policial é válido e

a Psicologia, há muito, tem contribuído enormemente para a formação profissional,

especialmente por valorizar o formando enquanto sujeito da acção formativa, no

triângulo formando – formador – conteúdo. Porém, as mudanças sugeridas pela

abordagem pedagógico reflexiva vão além e interferem na dinâmica formativa, na

estrutura da instituição formadora: tiram o docente/formador de seu papel tradicional –

de detentor soberano do saber, apresentador de conhecimentos, tornando - o um

mediador da aprendizagem; modificam a acção do formando – a quem cabe elaborar

idéias e discuti-las, ao invés de ouvir e repetir, e da instituição provedora da formação –

que passa a ter como principal função levar o formando a construir conhecimentos e

não oferecer (somente) às novas gerações os conhecimentos, neste caso,

corporativamente valorizados, ou seja, o legado cultural da corporação.

A descrença em abordagens formativas de natureza prescritiva, exteriores ao

ambiente de trabalho do oficial da Polícia e ao seu contexto particular, visando a

aplicação e reprodução de regras e receitas castrenses tidas como eficientes e eficazes,

coloca novos desafios curriculares e é partilhada por um leque alargado de autores

(Alarcão, 2001; Araújo & Satre, 2009; Azenha, 1997; Barato, 2003; Cardim &

Miranda, 1998; Masetto, 2010; Pacheco, 2001; Pimenta, 2011; Sá – Chaves; 2000;

Schön, 1987; Wallace, 1991; Vieira, 1993ª, entre outros).

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A uma visão marcadamente técnica e aplicacionista da formação profissional,

sustentada por uma pedagogia transmissiva, estes autores contrapõem modelos de

formação cujo foco se centra na acção-reflexão-acção, como práxis, e cuja finalidade

primordial é a melhoria da prática profissional do formando, visando o

desenvolvimento da sua autonomia e emancipação profissionais. Superando o

construtivismo, propõem o desenvolvimento de um profissional prático reflexivo

consumidor crítico das teorias públicas e produtor criativo de saberes profissionais

específicos e contextualizados.

O termo reflexão é discutido por vários autores com perspectivas teóricas

diferentes. Na perspectiva crítica e pedagógica de formação profissional, para Ferreira

(2000) reflexão significa acto ou efeito de reflectir (-se); volta de consciência, do

espírito sobre si mesmo, para exame de seu próprio conteúdo. Reflectir, segundo o

autor, designa uma acção que favorece a retomada do que será praticado, foi, ou está

sendo a fim de proporcionar a retrospectiva da actividade realizada em um momento

que privilegia a formulação de novos conceitos, idéias e olhares, visando assim corrigir

o que for necessário ou reforçar as acções que deram certo, e, que, portanto devem ser

repetidas e consolidadas. Em termos de currículo, essa visão coloca o sujeito da

formação no centro da aprendizagem e visa desenvolver uma consciência crítica

(FREIRE, 2010, p.41).

O esquema conceptual de Wallace (1991, p.49) representado na Figura 1, que se

segue, é elucidativo dos processos através dos quais, no seio de um paradigma

reflexivo, o conhecimento profissional se desenvolve.

Figura 7: Desenvolvimento Profissional (modelo reflexivo)

Conhecimento

Recebido

Conhecimento

Prático

Esquemas conceituais

ou constructos mentais do profissional

em formação

Competência Profissional

Prática Reflexão

Estágio 1(Pré-treinamento)

“Ciclo Reflexivo”

Estágio 2(Formação/Desenvolvimento Profissional)

Objectivo

Modelo Reflexivo do Desenvolvimento Profissional

Fonte: Wallace, 1991, p. 49 – (adaptado pelo autor)

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A reflexão crítica da prática operacional do polícia permite-lhe desenvolver

competência necessária ao seu exercício, tendo em vista que o mesmo refere-se a uma

nova maneira de agir e interagir com as pessoas e situações que demandam sua

intervenção. Observar, reflectir, analisar, indagar, confrontar situações e agir é um

caminho necessário à acção policial, pois proporciona novos conhecimentos, uma

ressignificação da própria prática, bem como a construção de novas situações que

favorecem um melhor resultado no trabalho desenvolvido. “É esse processo que

constitui uma conversação reflexiva com os materiais e acções de uma situação”

(SCHÖN, 2000, p.124).

Importa salientar que na linguagem policial normal o termo polícia reflexivo

não é comumente utilizado, ou quando o é, o que acontece esporadicamente, é apenas

como um adjectivo, vazio até de sentido. Assim, muitos profissionais da polícia acabam

banalizando o real sentido referente à concepção, sem levar em consideração que a

prática reflexiva é permeada por um significado. Não se pode afirmar que um polícia

realizou uma reflexão para realização de uma determinada actividade, e por isso é um

polícia reflexivo. Se o processo reflexivo que permeou a acção do polícia não for

permanente nem crítico, é difícil conceber a prática deste como uma prática reflexiva.

Podemos destacar os movimentos que caracterizam a presença da reflexão na

concepção do polícia como profissional reflexivo, recorrendo à visão de Schön (2000),

e com os subsídios de Perrenoud (2000). O autor aponta alguns sentidos da reflexão

necessários ao profissional reflexivo: a reflexão-na-acção, a reflexão-sobre-a acção e

a reflexão-sobre-a-reflexão-na-acção, procurando entender o que seriam esses

movimentos que, em nossa opinião, permeiam a concepção, por analogia, do oficial da

Polícia como um profissional reflexivo, destacamos o sentido e significado de cada um

deles.

A reflexão na acção representa a reflexão realizada no momento da acção, o que

proporciona uma ampla aproximação do oficial da Polícia com o problema,

necessidade ou situação apresentada. A reflexão durante a acção ajuda ao oficial

compreender criticamente o processo que naquele momento permeia o que está

acontecendo no calor da ação. Assim sendo,

(...) A reflexão-na-ação tem uma função crítica, questionando a estrutura de pressupostos do ato de conhecer-na-ação. Pensamos criticamente sobre o pensamento que nos levou a essa situação difícil ou essa oportunidade e podemos, neste processo, reestruturar as estratégias de ação, as compreensões

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dos fenômenos ou as formas de conceber os problemas. (SCHÖN, 2000, p. 33).

O mesmo autor destaca ainda que a reflexão-na-acção ocorre no acto de

conhecer na acção. O problema, necessidade ou situação se apresenta e neste momento

o oficial da Polícia reflectirá em torno do que seria necessário fazer para solucioná-lo.

Assim, o oficial acaba por dialogar com a situação que está ocorrendo, buscando

solucionar os problemas que surgiram.

Relativamente à reflexão-sobre-a-acção, esta dimensão apresenta um sentido

retrospectivo, uma vez que provoca no oficial da Polícia, uma análise da acção

desenvolvida, procurando despertar nele uma melhor compreensão a fim de que caso a

acção se repita, o oficial já tenha consciência do que seria necessário fazer, que

medidas tomar, ou como agir.

Se assim é, a reflexão-sobre-a-acção permite ao oficial questionar-se acerca da

acção desenvolvida, procurando compreender suas opções e analisar se estas foram

correctas, adequadas e oportunas, a fim de que, caso seja necessário em outras

situações, elas sejam transformadas, atendendo de facto às necessidades apresentadas.

Salienta-se ainda que a dimensão reflexão-sobre-a-acção provoca no oficial da

Polícia questionamentos que permeiam a acção que ele desenvolveu, onde ele procura

conhecer os resultados que sua acção provocou, comparando-os com os resultados

esperados, compreendendo assim os significados que sua acção tem e os significados

que ela deveria ter.

Finalmente, a reflexão que permeia a dimensão da reflexão-sobre-a-reflexão-na-

acção faz com que o oficial da Polícia seja um verdadeiro investigador de sua prática,

analisando além das acções desenvolvidas, os saberes que a norteiam, a teoria na qual

as acções foram desenvolvidas, agindo criticamente em torno de sua prática: o porquê

de reflectir, o que o levou a reflectir sobre a acção, por isso uma reflexão-sobre-a-

reflexão-na-acção. Esta dimensão da reflexão inclui os significados e resultados

produzidos por aqueles que, sendo colaterais ou colaboradores, agiram na sequência e

por conseqüência da acção do oficial da Polícia.

Desta forma, pode-se perceber que o processo que envolve a prática profissional

concreta do oficial da Polícia reflexivo é complexo e envolve uma série de acções

permeadas e subsidiadas pela reflexão, para atingir a criticidade necessária ao exercício

de uma prática crítico-reflexiva.

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À formação cabe a complexa missão de transformar as acções do oficial não

reflexivo em acções crítico-reflexivas, o que requer reposicionamentos, reconstrução de

concepções e, acima de tudo, necessita primeiramente que o formando assuma uma

postura crítica frente à sua prática, pois ser um polícia crítico-reflexivo irá depender

fundamentalmente da visão do próprio oficial frente às necessidades de seu trabalho, as

necessidades de pesquisar e reconstruir sua prática policial, e, sobretudo as

necessidades de, por meio da sua acção, assegurar a garantia dos direitos e liberdades

dos cidadãos, o que poderá levar a uma profunda transformação e os oficiais da Polícia,

e a Polícia, devem estar preparados para tal situação.

Para o efeito, o currículo e os programas de formação devem permitir que a

aprendizagem esteja ligada a ambientes profissionais, que desafiem o cadete a

mobilizar, de forma articulada, interdisciplinar e interactiva, todo o conhecimento

proporcionado pelas diferentes disciplinas do curso, organizadas por eixos ou pilares de

conhecimento para agir na realidade profissional; devem permitir que o cadete

desenvolva a qualidade que Freire (2010, p. 40) denomina de consciência crítica, se

caracterize pelo anseio de profundidade na análise de problemas; não se satisfaz com as

aparências e reconhece que a realidade é mutável.

Pelos fundamentos conceptuais e teóricos que apresenta, a abordagem reflexiva,

como aprendizagem significativa na perspectiva de prática reflexiva, é a teoria da

aprendizagem que enfoca de forma mais destacada o problema do equilíbrio entre os

fundamentos teóricos e as habilidades práticas no processo de formação profissional

que este estudo defende, articulados a partir das práticas pré-profissionais e do estágio

curricular supervisionado.

O que esta teoria oferece são visões críticas do currículo, podendo este definir-

se como um interesse emancipatório, resultante dos interesses e das experiências

desejadas por todos quantos participam nas actividades de formação. Ela distancia-se

da pura acepção tecnicista, admitindo, contudo, a articulação com a acepção prática. O

que as distingue é o conceito de práxis inerente ao interesse cognitivo crítico e que é

constituído pela acção e reflexão.

De acordo com (Gundy apud Pacheco, 2001, p.41), a práxis conduz, por um

lado, à emancipação, e esta só ocorre em condições de justiça e de igualdade dos vários

intervenientes do currículo e, por outro, à crítica da ideologia, que enforma todo o

projecto curricular, tornando-se só possível pela reflexividade e pela acção autônoma.

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A autora afirma, ainda, que quando os elementos da práxis são aplicados à

natureza do currículo, estabelecem-se cinco princípios:

1. Os elementos constituintes da práxis são a acção e a reflexão;

2. A práxis tem lugar no real, não no mundo hipotético. Segue o princípio de que a

construção do currículo não pode ser separada do acto da implementação;

3. A práxis trabalha no mundo da interacção, do social e do cultural. Operando

como um tipo de práxis, não pode ser apenas sobre aprender coisas. Pelo

contrário, a aprendizagem deve reflectir-se sobre a profissão e seu contexto;

4. O mundo da práxis é o mundo construído e não o mundo natural. Este princípio

exige o reconhecimento de que o aprender é uma construção social. Através da

acção de aprender, os estudantes tornam-se particpantes activos na construção

do seu próprio conhecimento;

5. A práxis assume o processo de fazedor de sentido, que reconhece o significado

como uma construção social. O fazer significado e a interpretação é central para

o conhecimento.

Assim, a orientação crítica para todo o conhecimento é essencial quando se está

comprometido em diferentes tipos de práxis. Isto, pelo contrário, afirma, reforça a

idéia de que o processo currículo é, sem dúvida, político porque o fazer sentido

também envolve significados em conflito. Aqueles que têm o poder de controlar o

currículo são aqueles que têm o poder de se certificarem que os seus significados sejam

aceites como úteis na implementação.

2.5. A formação policial em Moçambique

A formação policial em Moçambique é definida nos termos do nº 1 do artigo 22,

secção II do capítulo III do Decreto nº 28/99 de 24 de Maio, como sendo “a

preparação técnico-profissional dos membros da PRM para a realização da missão da

PRM”.

O nº 2 do mesmo dispositivo legal refere que: O sistema de formação policial

garante a continuidade do processo de instrução e educação dos membros da PRM e

realiza-se através dos cursos de formação, cursos de aperfeiçoamento e estágios.

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Os cursos de formação são definidos pelo artigo 23 do mesmo diploma legal

como sendo aqueles que se destinam a assegurar a preparação policial e os

conhecimentos técnico-profissionais para o ingresso nas escalas profissionais da PRM.

Os conceitos: técnico - profissional, sistema, instrução e educação presentes

tanto no artigo 22, quanto no artigo 23 do Estatuto do Polícia, sugerem, em nosso ver, a

intencionalidade de formação policial não como mera instrução técnica, mas também

como acto educativo, que é mais do que formação profissional, dos membros da PRM

para a missão social da instituição policial.

Partindo desse entendimento, destaca-se, portanto, a importância da formação

profissional inicial para a construção da identidade profissional, fundamentalmente,

como uma etapa que marca considerável diferença para a vida profissional do oficial da

Polícia, não apenas pela importância da experiência de formação do membro na

aquisição formal dos valores e normas próprias da profissão e das competências e das

habilidades para o campo de trabalho, mas também na aquisição dos valores e crenças

acerca da profissão, consubstanciados em uma base de conhecimento e de cultura

comum sobre o que é ser oficial da Polícia em um determinado modelo de Polícia

profissional.

Pode-se afirmar que, embora nos últimos anos, desde que reiniciou a formação

em 1998 depois do fim da guerra civil dos 16 anos (terminada em 1992), tenham sido

experimentadas algumas inovações na área da formação profissional da Polícia em

Moçambique, não há até o momento uma avaliação aprofundada e abrangente acerca

do seu êxito em termos de mudanças efectivas nas práticas e procedimentos

dominantes. Assim sendo, para as intervenções que visam qualificar o trabalho policial,

é necessário empreender um extenso e profundo exame das condições em que se dá a

formação profissional na Academia e nas escolas de Polícia, ou fora delas, por um lado.

Por outro, é preciso ter em conta as escolas e modelos de Polícia existentes no mundo e

que, de algum modo, inspiram formas de organização e os métodos de trabalho da

Polícia moçambicana.

A literatura especializada produzida pelas ciências sociais aponta para uma

enorme quantidade de modelos atribuídos à Polícia, sendo de destacar, dentre outros, os

seguintes: modelo paramilitar, burocrático-militar, modelo de aplicação da lei (law

enforcement), modelo de serviço, modelo de Polícia comunitária (community policing)

(PONCIONI, 2004, p. 23).

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No entanto, importa salientar que não há modelos policiais puros,

unidimensionais, como também não há práticas policiais estáticas e que envolvam uma

só dimensão. Um modelo constitui um quadro de referência analítico, que apresenta um

conjunto coeso de argumentos acerca do papel, das funções e da missão da Polícia, da

filosofia de trabalho, da política administrativa adoptada e das estratégias e tácticas

operacionais concebidas pela organização para moldar o comportamento da Polícia

numa determinada sociedade, num dado momento histórico (ibidem).

Na Polícia moçambicana, cuja espécie de missão parece ser essencialmente a de

combater contra o crime, o modelo de prontidão militar mostra-se como aquele que está

sendo aplicado, invariavelmente, para complementar de maneira, supostamente mais

eficiente a acção da polícia, com vistas a controlar o crime.

Na literatura especializada esse modelo é criticado porque as actividades que

deslocam a Polícia para resolver outros tipos de problemas da comunidade, e requerem

outros tipos de resposta, são identificados como assistência social, e são objecto de

desprezo – garbage calls (MOORE, apud PONCIONI, 2004).

De acordo com esse modelo toda a acção policial deve ser explicada por meio

da referência à legalidade e os polícias são encorajados a controlar situações comuns

como se fossem questões de aplicação da lei, ao invés de manutenção de ordem. Com a

ênfase no controle do crime, os polícias são pressionados a produzir prisões e multas,

sendo esperado que façam seu trabalho usando a lei para punir aqueles compreendidos

como infractores (ibidem).

Nesse modo, o polícia age como um aplicador imparcial da lei relacionando-se

com os cidadãos profissionalmente, em condições neutras e distantes, cabendo-lhe

cumprir os deveres oficiais, seguindo os procedimentos de rotina, independentemente

de inclinações pessoais e a despeito das necessidades do público não-enquadradas pela

lei. As expressões “Pela lei e Ordem”; “somos implacáveis contra o crime” e outras,

usadas pela Polícia moçambicana como slogans38 (a primeira, usada principalmente nas

escolas de formação, incluindo a ACIPOL e a segunda, em alguns comandos da

Polícia) parece confirmarem um determinado modelo de Polícia e uma determinada

38 Slogan é uma palavra ou frase curta e de fácil memorização, usada com frequência em propaganda. É um termo proveniente do inglês, cuja origem etimológica é do gaélico sluagh-ghairm (pronuncia-se slo-gorm) em que sluagh significa “exército” e ghairm corresponde a choro ou grito. Sluagh-ghairm seria então o grito de guerra que identificava determinado grupo.

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ideologia adjacente, não abertamente expressados em documentos doutrinários, mas

facilmente identificáveis no modus operandi39 da Polícia.

2.5.1. Antecedentes

Na PRM a formação policial possui um valor ambivalente: Em primeiro lugar,

ela visa incrementar o número de efectivos policiais para tentar responder à demanda

social, em termos de quantidade de polícias disponíveis. O estudo diagnóstico da

situação realizada no âmbito da elaboração do Plano Estratégico da Polícia revelou o

limitado efectivo da PRM sendo o rácio actual de 1 Polícia para 806 habitantes (1/806)

contra o convencionado de 1 polícia para 350 habitantes (1/350). Em segundo lugar, e

paralelamente ao aumento da quantidade, visa prover oficiais com melhor preparação

técnica e cientifica, para as necessidades actuais da PRM, pois os resultados de

análises recentes, acima referidos, mostram que a instituição tem fragilidades internas

ligadas ao baixo nível de escolaridade do seu corpo de oficiais. A tabela que se segue

mostra o nível de Escolaridade na base: Unidades e Subunidades (Província, distrito e

esquadra, incluindo os chefes das operações dos mesmos níveis) em 2007.

Tabela 3: Valores Absolutos/ reais de níveis de Escolaridade dos comandantes da Polícia em 2007

Função Superior Médio Básico Elementar Existentes

Comandantes Provinciais

03 08 00 00 11

DOSP Provincial 00 07 03 01 11 Comandante Distrital/Esquadra

08 45 106 43 202

Chefe das Operações 17 20 69 74 180 Total 28 80 178 118 404

Fonte: Direcção de Pessoal e Formação do Comando Geral da PRM, 2007

DOSP = Director de Ordem e Segurança Pública

39 Modus operandi é uma expressão latina que em criminologia significa "modo de operação". Utilizada para designar uma maneira de agir, operar ou executar uma actividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. Esses procedimentos são como se fossem códigos (Barroso, 2010, p.13).

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Tabela 4: Nível de escolaridade dos comandantes da Polícia em percentagens (%)

Função Superior Médio Básico Elementar Total

Comandante Provincial 0.7% 1.9% 00 00 2.7% DOSP Provincial 00 1.7% 0.7% 0.2% 2.7%

Cdte Dist/Esquadras 1.9% 11.1% 26.2% 10.6% 50% Chefe das Operações 4.2% 4.9% 17.1% 18.3% 44.5%

Total 6.9% 19.8% 44.1% 29.2% 100% Fonte: Direcção de Pessoal e Fformação do Comando Geral da PRM, 2007

Gráfico 1: Representação do nível de escolaridade dos comandantes (até 2007)

Fonte: Direcção de Pessoal e Formação do Comando Gerald da PRM, 2007- (adaptado pelo autor)

As tabelas e o gráfico acima mostram o nível de escolaridade dos 404 oficiais

da PRM que desempenhavam os cargos de comando, direção e chefia nos comandos

províncias, comandos distritais e esquadras, até 2007.

Conforme os dados, pode-se depreender que menos de 7% têm o nível superior

de escolaridade, ou seja, pessoal academicamente qualificado. A maior percentagem

destes é a dos chefes de operações com 6.9%.

Assim, 73.3% possuem o nível básico e elementar40, o que demonstra o baixo

nível de escolaridade dos membros da polícia a todos os níveis. Um estudo de análise

da situação interna feito em 2007 revela que

40 As designações de níveis elementar, básico e médio são utilizadas no Ensino Técnico Profissional cujo ingresso corresponde a: Nível Elementar = 5ª classe do Ensino Geral; Nível Básico = 7ª classe do Ensino Geral; Nível Médio = 10ª classe do Ensino Geral.

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Esta situação pode estar associada à falta de uma política de formação e desenvolvimento dos recursos humanos na instituição, o que estimula práticas de nepotismo e clientelismo, sobretudo na formulação de propostas de promoção/progressão feita de forma a beneficiar interesses especiais e sem observância dos critérios legais (MINT, 2007, p.38).

Um estudo aprofundado sobre a história da formação policial em Moçambique,

desde suas origens até a actualidade, que leve em conta as diversas variáveis

intervenientes e todas as transformações operadas, ainda não foi feito por nenhum

cientista ou investigador interessado na temática de segurança pública. O que pode ser

constatado, a partir de uma leitura dos raros artigos, predominantemente de carácter

jornalístico, que tratam do assunto, é a presença nessa história de alguns

acontecimentos relevantes.

O desenrolar dos factos, tal como foi mencionado no capítulo introdutório,

indica que a Polícia da República de Moçambique foi constituída a partir dos

guerrilheiros das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) - mais tarde

Forças Armada de Defesa de Moçambique (FADM), e formada a partir de influências

recebidas das congêneres estrangeiras.

Tomando como ponto de partida as últimas três décadas, pode-se inferir que

Tanzania e a República Democrática Alemã (RDA) constituiram o influxo inicial. De

facto, o quadro de oficiais ao longo dessas décadas era constituído, principalmente, por

elementos formados em Tanzania ou na República Democrática Alemã, aliás, a Polícia

alemã foi a principal formadora dos quadros médios de direcção, que iniciavam funções

de comando, direcção e chefia a partir do nível de comandante distrital, e como ainda

não havia formação policial de nível superior, esses quadros progrediam na carreira até

assumir cargos a nível províncial e central.

A formação de quadros médios de direcção era realizada directamente na RDA,

em Aschersleben ou no Centro de Formação de Quadros da Polícia (CFQP-

Michafutene) em Moçambique, por formadores da Polícia Alemã, assistidos, no caso de

Michafutene, por oficiais da Polícia moçambicana que iniciavam dessa forma a carreira

de formadores policiais.

A estratégia adoptada pelo governo de Moçambique para fortalecer a polícia foi

a de combinar a formação no interior do país e no estrangeiro com a formação prática

em contexto real de trabalho, aproveitando o conhecimento e a experiência dos polícias

que, voluntariamente, transitaram da Polícia de Segurança Pública portuguesa para o

Corpo de Polícia de Moçambique (CPM). Os maiores contigentes de jovens para a

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formação policial no estrangeiro foram dirigidos principalmente para a Tanzania e para

a República Democrática da Alemanha (RDA), mas não só.

Embora a Polícia Alemã tenha contribuído para tornar a Polícia moçambicana

mais moderna e operacional, através da formação, fornecimento de equipamentos,

meios de ensino e logística, ela passou aos oficiais da Polícia moçambicana, por meio

das actividades de instrução, algumas de suas características e ideologia políticas, que

podem ser explicadas na base das teorias de reprodução social, melhor explicadas por

Bowles e Gintis.

Esses autores criticam o reprodutivismo social que se caracteriza pelas condutas

de subordinação e domínio assimiladas pelo aluno por meio das relações hierárquicas

ou linhas verticais de autoridade vigentes nas instituições de ensino. Essa explicação

aplica-se com grande margem de aproximação às organizações policiais militarizadas,

próprias do modelo “burocrático-militar” em que o sistema de patentes e postos é uma

pirâmide contínua, com linhas de autoridade directas e insofismáveis e canal de

comunicação escalonado, constituindo linha de identidade profissional socializada aos

integrantes da corporação desde a sua formação inicial (LUDWIG, 1998, p.30).

O ambiente de trabalho da caserna é predominantemente autoritário, pois as

ameaças de punição, sua prática e a vigilância são uma constante, assim como é clara a

aversão em utilizar procedimentos de conduta e persuação (LUDWIG, 1998, p.32).

Esse ambiente que marca todo o processo de formação dos polícias acaba sendo,

de alguma forma, reproduzido na acção profissional destes. Desenvolve-se um conflito

(um dilema) na medida em que o discurso do que lhes é exigido na actuação

profissional é contrário ao que lhes é aplicado durante a formação; o tratamento a que

são sujeitos tanto na formação quanto na vida profissional, quanto ao interface entre

direitos e deveres, é contrário ao que lhes é ensinado. Assim, a capacidade de agir de

acordo com a doutrina e com o código deontológico fica dependente, em grande

medida, da consciência e da capacidade de “desconstruir-construir” de cada um.

Apesar de o autoritarismo ser predominante, constata-se que na pedagogia

castrense existem práticas que podem ser denominadas de democráticas. Os cadetes

da ACIPOL, por exemplo, avaliam regularmente o corpo docente constituído por civis

e polícias, e muitos docentes e instrutores procuram alterar seus procedimentos depois

dessa avaliação; os cadetes reúnem regularmente com a direcção da Academia, através

das unidades orgânicas, para analisar o funcionamento da instituição e dos cursos;

oficiais da administração consultam os cadetes em certas ocasiões sobre as dificuldades

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que estão encontrando para aprender, e diversas sugestões que fazem são aceites e

colocadas em prática. Importa referir, também, que vários cadetes têm oportunidade de

viajar a outros países de sólida tradição democrática para visitar academias policiais. É

provável que eles sofram influxos positivos com esses contactos.

É importante realçar, e acredita-se, que as matérias pertencentes ao rol das

ciências humanas, ministradas não só na Academia, mas também nas outras escolas da

Polícia, têm um poder especial de desenvolver o senso crítico dos alunos. Os conteúdos

e métodos de ensino, próprios da sociologia, psicologia, filosofia, etc. tendem a fazer

com que os formandos coloquem em acção seus esquemas operatórios, exercitando a

reflexão, que é uma actividade de consciência especificamente humana. Porém, não

chegam a romper a barreira do modelo formativo reduzido à sala de aula e ao campo de

instrução militar, nem a barreira do modelo profissional de Polícia predominante.

Outras teorias da reprodução seriam capazes de explicar também essa

dependência do ensino policial ao modelo. É o caso, por exemplo, da teoria da

violência simbólica de Bourdieu e Passeron. Os temas da imposição de um arbítrio

cultural, do habitus, definido como um esquema de pensar, apreciar, perceber e agir e o

tipo secundário do trabalho pedagógico, destinado à conversão radical do indivíduo,

aplicam-se à prática pedagógica castrense (LUDWIG, 1998, p.33).

A concepção de Althusser relativa aos aparelhos ideológicos do Estado, pode

ser usada para o entendimento da educação policial. Aliás, a proposta desse filósofo é a

que mais se aproxima do ensino policial, uma vez que dois de seus componentes – a

idéia de que a escola é uma instituição destinada a preparar os indivíduos de acordo

com os papéis que devem desempenhar na sociedade, sendo um deles o de agente da

repressão e o processo de inculcação da ideologia dominante – aplicam-se também à

pedagogia e ao currículo castrense (ibidem, p.33).

Por exemplo, o texto de compromisso de honra que o membro da Polícia

moçambicana, a partir do nível de sargento até aos diferentes escalões de oficiais, deve

prestar como precondição para o início do exercício de funções de comando, direcção,

chefia e confiança (art. 3, capítulo I, Decreto nº 28/99, de 24 de Maio) é demonstrativo

dessa verticalidade do cumprimento da ordem e do dever, tendo a ordem sempre em

primeiro plano e acima da consciência do dever:

Eu,..., juro por minha honra como Oficial/Sargento cumprir as ordens e os deveres policiais, de acordo com as leis e os regulamentos, contribuir com todas as minhas capacidades para o prestígio da PRM e servi-la com zelo e

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eficiência no exercício das funções e tarefas que me são confiadas (nº 3, cap. I, art.3, Decreto nº 28/99, de 24 de Maio).

Pode-se notar, na citação supra, que todo o compromisso dá primasia ao

cumprimento de ordens e de deveres corporativos, e nada se refere, pelo menos de

forma explícita, ao principal objecto de trabalho da Polícia – a preservação da ordem e

segurança públicas e a garantia dos direitos e deveres dos cidadãos.

Podemos, portanto, afirmar que os modelos de actuação das organizações

policiais e das organizações de segurança pública correspondem aos modelos

ideológicos e de escolas policiais existentes no mundo, desenvolvidos, consolidados e

disseminados por via da formação policial.

2.6. As fontes do modelo policial de Moçambique: uma revisita às escolas e

modelos policiais no Mundo

Em estudos mais recentes da literatura especializada consta que a primeira vez

que um grupo de pessoas reuniu-se para estudar as técnicas policiais foi em 1901, na

Itália. Nas últimas décadas, entretanto, o estudo da actuação policial e dos demais

organismos de segurança pública tem sido objecto de grande atenção acadêmica

(MARCINEIRO, 2007, p.35).

Na abordagem sobre as escolas de Polícia, a literatura conclui que existem

diferentes tipos de escolas, decorrentes das políticas de segurança pública41 adoptadas

na época e local do seu surgimento.

Sabe-se que a actividade policial não foi sempre a mesma desde a sua origem,

foi sofrendo modificações em função da dinâmica da evolução das sociedades,

conforme foi desenvolvido no primeiro capítulo deste trabalho, porém mencione-se que

a história da actividade policial, num formato similar ao existente ainda hoje, remonta

ao século XIII, quando na França, com o fim do período feudal, é reorganizada a

polícia a partir da investidura militar, sendo criada a Gendarmerie, voltada a missões

militares e também de segurança pública MARCINEIRO (2007, p. 6).

Alguns séculos depois, Napoleão Bonaparte, durante suas conquistas pela

Europa, disseminou o modelo “gendarmerie” francês por todas as nações conquistadas,

modelo esse que perdura até os dias de hoje, tendo atingido também outros continentes. 41

Em termos de doutrina, segurança pública pode ser conceituada como um estado antidelitual, um

estado ideal em que impera o mais estrito respeito às normas legais e aos costumes. Aliada à salubridade e à tranquilidade pública, integra o que entendemos por ordem pública (Marcineiro, 2007, p. 35).

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Das instituições policiais oriundas do modelo francês: fardadas, organizadas

militarmente e responsáveis pela ordem pública, as mais tradicionais são:

Gendarmeries austríacos, os Carabinieri italianos, a Guardia Civil espanhola, o

Koninklijke Marechaussee holandês, as forças policiais da Grécia, Marrocos, Argélia, a

Real Polícia Montada do Canadá, os Carabineros do Chile e demais polícias da

América Latina (MARCINEIRO, 2007, p. 6).

A maioria dos autores da literatura especializada afirma que a origem da polícia

moderna se deu em 1829, quando Sir Robert Peel, então Primeiro Ministro Inglês, criou

a Real Polícia Metropolitana de Londres, para a garantia da paz e tranqüilidade do povo

londrino. Mas ele teve como base de referência a Polícia francesa.

Por sua vez, essa Polícia francesa foi formada em decorrência da necessidade

que os Marechais de Campo tinham de cuidar da sua tropa, estacionada nas periferias

das cidades, nos intervalos de guerra. Nesta ocasião, os soldados de folga iam às

cidades e praticavam as mais variadas e abusivas atitudes contra o patrimônio e as

pessoas que ali viviam. Os Marechais, então, passaram a escolher dentre os seus

comandados aqueles que, pela sua conduta exemplar e correção de atitude, pudessem

vigiar os seus colegas para evitar que eles cometessem abusos e, se cometessem,

fossem devidamente sancionados. Esses militares policiais passaram a constituir a tropa

pessoal dos Marechais. Daí a expressão Marechaussee que denominou a Polícia na sua

origem e serve, ainda hoje, de nome para algumas polícias do mundo (MARCINEIRO,

2007, p.37).

Podemos, por isso, destacar que a preservação da ordem pública praticada hoje

e que evoluiu de forma incremental, teve forte influência da referência francesa, cuja

origem remonta à necessidade dos comandantes militares de guardar a cidade da

agressão dos próprios militares, e da referência inglesa, que fez o seu modelo

aproveitando princípios do modelo francês e do alemão.

Assim, duas grandes escolas de persecução criminal vêm influenciando a

história das polícias e dos demais órgãos de segurança pública no mundo.

Os estudos comparativos de John D. Brewer e D. H. Bayley mostram que, a par

da Polícia autoritária dos regimes totalitaristas, que não parece utilizável, as duas

grandes escolas de Polícia são: Escola de Polícia Anglo-Saxônica e Escola de Polícia

Oriental (MARCINEIRO, 2007, p.38).

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2.6.1. Orientação e objectivos da escola de Polícia Anglo-Saxônica

A escola de Polícia Anglo-Saxônica caracteriza-se pela grande especialização,

em realizar suas tarefas associadas à vigilância do cumprimento da Lei, perseguindo e

punindo o criminoso. Firma-se como agência de administração pública, com mais

autoridade legal que moral, limitando-se a atender as situações de emergência, quando

for chamada para atender uma ocorrência. Seus agentes até podem participar da vida

diária da comunidade, mas isso não é o objecto da organização; não existe uma

interacção permitindo detectar sinais de anormalidade e agir com antecipação. Segundo

Marcineiro (2007), este é o modelo que mais se encontra nas democracias liberais.

O foco dessa escola de Polícia é a identificação da autoria do crime para punir o

criminoso. Em assim sendo, procura especializar-se na investigação criminal, no

combate ao criminoso e na severa sanção a quem tenha cometido uma infração à

legislação vigente.

2.6.2. Orientação e objectivos da Escola de Polícia Oriental

Segundo Marcineiro (2007, pp. 39-41), a Escola de Polícia Oriental enfatiza as

acções dos órgãos de segurança pública orientados para o serviço à comunidade. A

Polícia faz parte da vida diária da comunidade, existindo uma interação: Polícia X

Comunidade. A vida em sociedade é mantida sob controle através da persuasão,

aconselhamento e ajuda. Tal estratégia permite que a Polícia faça parte do contexto

social e não seja um agente estranho ao processo, de modo que todo serviço é relevante,

e nenhum assunto é tratado com indiferença.

Enquanto na escola de Polícia anglo-saxônica o foco de actuação é centrado no

combate ao criminoso, na escola oriental o trabalho das agências de preservação da

ordem pública é centrado no tratamento proativo42 do crime, agindo sobre os

elementos que possibilitam a prática do crime, quais sejam: um ambiente apropriado

para a prática do crime, um agente disposto a praticar tal crime e uma vítima em

potencial.

42 Ser pró-ativo é ser parte integrante da comunidade onde presta seu serviço (Marcineiro, 2007, p. 39).

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A figura 8 demonstra que o crime possui, a exemplo do fogo que necessita a

interacção do combustível, comburente e uma fonte de calor para existir também um

triângulo de elementos imprescindíveis para que ocorra.

Figura 8: Triângulo da Ocorrência Criminal - Modelo da Escola Oriental

CRIME

AMBIENTE

AGENTE VÍTIMA

CRIME

Fonte: Nazareno Marcineiro, 2007 - adaptado

O autor chama à atenção para o facto de que apesar dos anunciados princípios

de inserção e colaboração com a comunidade, na escola oriental não se dispensa o uso

da força necessária para restaurar o estado de normalidade da vida em sociedade. Há,

sim, uma permanente busca de legitimação do uso dessa força.

Com o passar do tempo as organizações de preservação da ordem pública e as

polícias foram sendo influenciadas por ambas as escolas, conduzidas pelo permanente

intercâmbio cultural que existe entre os países. Hoje não há mais a prática pura dos

princípios de uma ou outra escola. Há a constatação de que a segurança pública é uma

busca humana complexa e que, por isso, deve haver a participação de todos para a

construção interactiva dessa segurança, sendo os órgãos de persecução criminal apenas

parte dos actores que deverão agir para obter os resultados desejados (ibidem).

As escolas de polícia podem ser divididas em duas classes distintas, portanto: aquela que se preocupa em reagir aos factos criminosos depois que alguém já foi vitimado e aquela que, além de uma eficiente reação, tenha como principal preocupação evitar que estes factos ocorram (MARCINEIRO, 2007, p. 39).

2.6.3. Referência aos modelos policiais

Os modelos de Polícia são as formas pelas quais os organismos de segurança

pública são estruturados e actuam nos diversos países, com foco nos objectivos a serem

atingidos.

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Marcineiro (2007) sustenta que as polícias do mundo, e com elas os demais

órgãos do sistema de segurança pública, se distinguem em dois grandes grupos que são

as do tipo latino e as do tipo anglo-saxônico. Podemos notar que o autor introduz o

tipo latino no lugar do oriental.

As do grupo latino são mais observadas nos países unitários e as suas unidades

uniformizadas são conhecidas como Gendarmerias, Polícias Nacionais, Guardas

Nacionais e Carabineiros.

O modelo francês, ainda assim, é considerado o principal modelo mundial, pois,

como vimos, se desenvolveu e se organizou de forma integrada ao exército,

constituindo unidades de elite, as quais, a partir da Revolução Francesa e no Primeiro

Império, já no século XIX, foram introduzidas nos países conquistados por Napoleão

Bonaparte durante suas campanhas, incluindo nas ex-colónias

2.6.3.1. Aproximação ao modelo adoptado em Moçambique

Conforme desenvolvemos no capítulo introdutório, na retrospectiva histórica, a

Polícia moçambicana, embora tenha sido criada com a função de manter a ordem

pública em todo o território nacional, era invariavelmente utilizada como auxiliar ao

exército na defesa do país, constando tal missão dos respectivos estatutos.

Criada nas vésperas da independência nacional (em 1975) em uma época (de

libertação nacional) em que o país se constituía em um estado unitário, era uma

instituição tipicamente militar, exercia o papel de força de reserva das forças armadas

(Forças Populares de Libertação de Moçambique – FPLM) e baseava sua acção na

força (eram comuns as expressões combater, reprimir, atacar, etc.), embora nos seus

estatutos constasse que era uma Polícia do povo e para o povo.

A influência da formação militar na acção de Polícia foi sempre dominante,

tendo, inclusive, adoptado os regulamentos do Exército Moçambicano no que tange à

disciplina e treinamento militar.

Durante a guerra civil a Polícia esteve inteiramente envolvida na guerra

juntamente com o exército, ou sozinha onde não tivesse unidades do exército. Durante

esse período o combate tanto era à guerra como o crime; o infractor e o inimigo

confundiam-se; toda a formação era basicamente militar, a formação policial

propriamente dita era apenas complementar.

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A transição do Estado do regime socialista de partido político único para o

regime de democracia multipartidária e de Estado de Direito, gerou a necessidade de se

estabelecerem novos procedimentos e nova estrutura organizacional para a Polícia

Moçambicana, concretizada pela Lei nº 19/92 de 31 de Dezembro, que cria a PRM.

2.6.3.2. O impacto do modelo adoptado

Essa alteração do paradigma da Polícia moçambicana sofreu uma confluência

de ideologias de actuação das polícias espanhola, portuguesa, francesa e norte-

americana, que se tornaram os grandes teóricos do novo modelo organizacional,

também chamado de Modelo Profissional (também conhecido por modelo burocrático-

militar), para a Polícia moçambicana. Nos últimos anos, pode-se registar também a

influência da ideologia da Polícia cubana, graças à retomada da cooperação entre a

PRM e a Polícia cubana.

Esse modelo surgiu do processo de “reforma”, ocorrido a partir dos anos

1996/97, visando superar o modelo de Polícia então existente – modelo este marcado

por duas características negativas: ser instrumento da ditadura, decorrente da ditadura

do proletariado de cujo aparelho estatal a Polícia era parte, e submissão aos interesses

político-ideológicos do Partido no poder.

O processo de reforma começou mudando o relacionamento da Polícia

moçambicana com os políticos, restringindo a área de interferência destes sobre a

organização policial e evitando que os políticos administrassem a Polícia de acordo

com os seus interesses partidários; em seguida foram estabelecidos programas de

reciclagem dos polícias e cursos de formação inicial, visando reformar a filosofia e os

métodos de actuação da Polícia.

A adopção de uma doutrina de actuação na área da Manutenção da Ordem

Pública, com base no cruzamento de filosofias de actuação de uma Polícia oriunda do

modelo Anglo-Saxão, com o modelo Oriental, somada à manutenção da ideologia

militar, típica das Polícias do modelo Latino, fez com que a PRM se tornasse numa

Polícia híbrida, com orientação e disciplina militar e competências de carácter policial.

Uma das características desse modelo é que a Polícia mantém simultaneamente as

funções de carácter militar e as próprias de carácter policial, e Marcineiro observa que:

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A vertente militarista da segurança e a indistinção entre os campos político e militar levou as organizações públicas à utilização retórica de expressões como: “combate à fome”, “guerra à pobreza”, “batalha da educação”, etc. Ora, na doutrina militar, enfrentar o inimigo implica inclusive o emprego não-seletivo da força e da inteligência militar; no combate há que haver vencedores e vencidos. Tal concepção é o oposto do pretendido na preservação da ordem pública, que deseja a “erradicação” da violência, a “extirpação” do crime, com a adoção de múltiplas ações do Sistema de Justiça Criminal como um todo, ações da polícia especificamente, da sociedade civil e dos cidadãos em geral (MARCINEIRO, 2007, p. 48).

2.6.4. Fontes e natureza das actividades policiais

Quanto às fontes, as actividades policiais derivam, fundamentalmente, de três

fontes diferentes (LEITÃO, 2007, pp.2-3):

a) Tarefas provenientes de um processo de agregação, que muitas instituições

podem desempenhar, constituindo nalguns casos atribuições e competências,

mas que a Polícia por acidente ou de forma planeada desempenha. Outras tarefas

emergem pura e simplesmente porque a Polícia tem sido tradicionalmente um

braço ou ferramenta do poder executivo e logo uma autoridade estatal que por

força da sua implantação, formação e fácil activação, ainda por cima a baixo

custo, é uma garantia de efectividade para as políticas ou decisões legislativas e

executivas.

b) Tarefas “auto-assumidas” de auxílio e socorro, atribuídas em razão da sua

prontidão, isto é, pelo facto de a Polícia poder (dever) “estar lá”. O facto de

trabalhar 24h por dia e ser um corpo bem disciplinado e treinado e, sobretudo,

ou apesar de tudo, ter uma tradição de ajuda ao cidadão, tem atraído estas

funções.

c) Tarefas de Polícia, próprias do mandato policial distintivo de todas as outras

organizações, que apenas a polícia faz ou devia fazer. Estas tarefas têm a sua

génese na relação entre a Polícia e o Estado. Basicamente todas elas giram à

volta da manutenção da ordem e da aplicação da lei (no sentido anglo-saxónico

do termo law enforcement). Neste sentido, a Polícia serve para efectivar os

desígnios legislativos, através dos seus poderes coercivos para regular e

controlar as acções das pessoas. Tais poderes têm como premissa essencial a

capacidade de a Polícia poder utilizar a força legitimamente e de forma não

negociável, se assim for necessário, tendo em vista assegurar o cumprimento das

normas administrativas e legais estabelecidas (em sentido restrito) ou para

manter a conformidade entre atitudes e normas (em sentido lato).

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Quanto à natureza, outros autores como Brodeur e Landreville (1983), avançam

com outros tipos de modelos possíveis, mencionando como exemplos o caso canadiano,

também inspirado no modelo francês, o qual serve como modelo para a identificação

das funções desempenhadas por polícias uniformizadas em muitos países. Alguns

traços desses modelos também podem ser identificados na Polícia da República de

Moçambique (PRM), em particular:

a) Controle da actividade criminal, incluindo o registo, prevenção, detecção,

aplicação da lei, detenção e recuperação de bens furtados, em coordenação ou

não com o poder judicial;

b) Manutenção da ordem, e da tranquilidade sociais, seja no âmbito da

reposição da ordem como da sua manutenção através da vigilância e imposição

da “normalidade social” ou das conformidades sociais, num conceito mais

sociológico;

c) Prestação de serviços à comunidade, também chamadas de assistência social,

disponibilidade para situações de emergência, cooperação com outras entidades,

reencaminhamento para serviços adequados à solicitação, aconselhamento

jurídico, dentre outros.

d) Serviços de carácter administrativo, incluindo as atribuições e competências

na área económica, saúde pública e salubridade, ambiente, tráfego rodoviário,

migração, lacustre e fluvial, e outras.

Poder-se-á dizer com alguma segurança, que nenhuma outra organização estatal

tem um leque funcional tão alargado e complexo como as polícias modernas. Na

verdade, policiar não é uma actividade única, tratando-se antes de um conjunto

complexo de actividades (BAYLEY, 1998, 37).

De qualquer forma, as funções de controlo criminal e manutenção da ordem e

tranquilidade pública são as funções nucleares do mandato policial tanto em termos de

soberania do Estado, como em termos simbólicos na imagem que os cidadãos têm da

Polícia.

A percepção da Polícia como uma instituição especializada no combate ao

crime está obviamente ligada à secular exclusividade reclamada por si em nome do

monopólio estatal do uso da força, retirando-a da esfera privada e individual. Embora a

Polícia reclame a sua especialização, o certo é que as solicitações, os inputs dos

cidadãos, ultrapassam desproporcionalmente a representação que os polícias fazem de

si próprios, no sentido de exigir da instituição policial respostas de assistência social

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ou de emergência em matérias não criminais. Bittner (1990, p.249) defende mesmo,

numa definição universalmente celebrada, que a Polícia é a primeira instituição a ser

invocada em cenários em que “algo que não deveria estar a acontecer e acerca do qual

alguém deveria, já, fazer alguma coisa”.

Para Bittner (1990, p.131), os incidentes não chamam a atenção policial por

serem ilegais, mas por requererem uma resposta de emergência. Ou seja, a acção de

alguém com autoridade para fazer cessar o incidente, não necessariamente através da

força – uma vez que a maior parte das vezes a Polícia não utiliza a coerção –, mas

porque o público tem uma expectativa razoável de que o seu uso poderá ser importante

para a sua resolução. Esse autor define o papel da Polícia como um mecanismo de

distribuição da força coerciva não-negociável, aplicada de acordo com os ditames de

um domínio intuitivo das exigências situacionais. Uma das formas de compreender esta

definição de Bittner (1990) consiste em analisar todo o processo de inputs e os

diferentes outputs, isto é, diferentes resultados ou efeitos produzidos.

2.6.5. Em busca de um modelo funcional

Ponsaers (2001, p.70) refere que a análise longitudinal e presente dos modelos

de Polícia (não confundir com organizações policiais), revela a existência de 4 grandes

paradigmas: Um modelo Burocrático-Militar; um modelo Legalista; um modelo

Orientado para a Comunidade e um modelo Público-Privado. A estes há que juntar, ou

autonomizar o Policiamento Orientado para o Problema, enquanto modelo com uma

identidade própria, enquanto Ponsaers (2001) o considera apenas como uma variante do

policiamento orientado para a comunidade.

PONSAERS (2001) integra ainda um elemento sociológico para melhor

explicar as transformações dos modelos de Polícia desde o século XIX até ao final do

século XX. Assim, dentro do momentum moderno, são considerados dois modelos

distintos: o modelo burocrático-militar e o modelo legalista de Polícia, conforme indica

a figura que se segue.

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Figura 9: Transformação dos modelos de polícia até século XX

Fonte: Ponsaers, P. (2001), Reading about community

(oriented) policing and police models

2.6.5.1. O modelo burocrático-militar

O modelo burocrático militar assenta, num primeiro momento, na matriz militar

da organização policial prosseguido pela Polícia moderna criada por Sir Peel43, com

fortes raízes no modelo napoleónico do séc. XVIII. Num segundo momento, a teoria

fordista e “taylorista” fizeram renascer modos de organização baseados num controle

rígido das relações de trabalho, na especialização funcional, na coercibilidade

disciplinar e na construção de uma cadeia verticalizada de comando, controlo e

supervisão. Tal período corresponde ao período da reforma, da profissionalização

autonomista, que atravessou quase todas as forças policiais ocidentais, embora com

velocidades diferentes, tendo também influenciado as corporações policiais de outros

continentes que passaram a assumir-se e a actuar como “forças paramilitares”.

A designação força paramilitar44, presente em muitos textos legais e políticos

moçambicanos mesmo após a opção democrática, e ainda hoje referencial conceptual

da Polícia moçambicana, colhe neste modelo a sua génese, sendo o ethos policial

pautado pelo primado da ordem pública.

43 Sir Peel, ex-Primeiro Ministro Inglês, criou a Polícia Real Metropolitana de Londres em 1829, inspirado no modelo francês e no modelo alemão. 44 “É criada a Polícia da República de Moçambique, abreviadamente designada por PRM, como organismo público e força paramilitar integrado no Ministério do Interior” (nº 1 do artigo 1, capítulo I da Lei nº 19/92, de 31 de Dezembro).

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2.6.5.2. O modelo legalista de Polícia

O modelo legalista de Polícia é conceptualizado por Ponsaers (2001, p.123)

como a subordinação funcional à estrita aplicação da lei. Toda a acção policial deve ser

pautada pela legalidade, dentro de uma racionalidade legalista, abolindo qualquer

forma de discricionariedade. Antes de ordem pública está o valor lei, mais do que

peace-keepers (mantenedores/preservadores da paz) os polícias devem ser identificados

como law-enforcers (aplicadores da lei). A legitimação da função policial advém da lei,

a qual é a emanação da vontade popular, devendo os interesses privados subordinar-se

aos interesses gerais. A sanção conduz ao impedimento para cometer mais crimes.

Organizacionalmente este modelo segue as mesmas linhas do modelo burocrático

militar, com uma grande ênfase na centralização, na especialização, repressivo e

reactivo, hierarquizado, com fraca integração das expectativas das comunidades,

privilegiando as necessidades das fontes de legitimação oficial.

2.6.5.3. O modelo orientado para a comunidade

Numa fase designada por Ponsaers (2001, p.131) de pós-moderna, surge em

primeiro lugar o modelo orientado para a comunidade. É um modelo de reacção em

relação aos modelos ditos reactivos prevalecentes até à década de 70/80. Segundo o

autor, tem sido dos modelos sobre os quais mais se tem escrito nas duas últimas

décadas. O modelo nasceu em reacção às fortes criticas dos modelos clássicos, mas de

facto já existiam experiências anteriores à forte contestação dos finais dos anos

sessenta.

O policiamento orientado para a comunidade (POC) consiste numa estratégia

policial que visa combater as causas sociais da delinquência procurando melhorar o

nível de vida, o controlo criminal e a legitimidade policial, e aumentando o sentimento

de segurança e a qualidade de serviço, em cooperação com outros organismos de

regulação social e com as próprias comunidades.

As palavras-chave deste modelo são comunidade, co-produção, parceria,

descentralização, horizontalização hierárquica, desespecialização, proactividade,

territorialidade. Organizacionalmente, esta filosofia procura através da afectação

geográfica ou comunitária dos agentes, promover uma aproximação entre Polícia e

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cidadãos no sentido de revitalizar os laços comunitários enfraquecidos pela crise dos

sistemas de controlo formal (LEITÃO, 2007,P.14).

2.6.5.4. O modelo orientado para o problema

O policiamento orientado para o problema (POP) não é apenas uma variante do

policiamento orientado para a comunidade (POC). Trata-se de uma reacção a este nos

seus axiomas estruturantes.

(...). A raison d’étre do POP não são as causas profundas do crime, antes se orientando para a identificação permanente e sistemática dos incidentes relevantes para a qualidade de vida dos cidadãos, mas com uma menor ênfase na componente serviço / apoio social (LEITÂO,2007, p.15).

O POC reorienta o serviço policial para os problemas de ordem pública,

conceptualizando-os como o primeiro degrau no caminho para a degeneração das

comunidades e para o aparecimento de problemas criminais mais graves. O novo estilo

preconiza uma menor discricionalidade para os agentes no terreno, um papel mais

efectivo para as chefias de primeiro nível, e a especialização dos oficiais da Polícia em

análise criminal. Uma das correntes que na actualidade tem sustentado o modelo POC é

a teoria dos vidros quebrados45, também conhecido por broken windows theory cujos

elementos de conteúdo são apresentados na figura 8.

Figura 10: Teoria Broken Windows (teoria de vidros quebrados)

Fonte: Wilson e Kelling, 1982 (in Leitão, 2007, p.15)

45 Em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, ambos americanos, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neighborhood Safety ( A Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da qualidade de vida.

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O conceito levou à introdução de novos aparatos tecnológicos para o tratamento

da informação produzida e ao nascimento de um novo conceito – o intelligence led

policing. Continua-se a apostar na especialização e na flexibilidade organizacional para

adaptação rápida ao ambiente. Neste domínio, dá-se a génese de três novas palavras no

léxico das polícias mundiais – tolerância zero, broken windows, e incivilidades.

Os incidentes identificados pela Polícia devem ser alvo de análise especializada

seja do agente no terreno seja de analistas de forma remota, agrupados em problemas

tentando identificar padrões, analisados cenários alternativos de resposta aos problemas

identificados e avaliação permanente dos resultados obtidos.

Dá-se um alargamento do âmbito dos comportamentos susceptíveis de

contribuir para a diminuição da qualidade de vida, aplicando-se-lhe “tolerância zero46

através de intervenções policiais agressivas no sentido da sua detecção e repressão.

2.6.5.5. O modelo orientado para o risco

Ponsaers (2001, p.143) chama a este modelo público-privado, acentuando a

dicotomia que se estabelece entre a produção da segurança pelo sector público e pelo

sector privado em paridade. A questão não é nova e a crise do estado-providência com

a consequente limitação da despesa pública, tem vindo a alterar tanto a natureza da

relação como a correlação de forças. Se tradicionalmente a relação era de subordinação

do privado ao público, a situação actual é substancialmente diferente.

A segurança privada, que numa primeira fase se limitava a segurança passiva de

espaços privados, tem hoje nalguns países a possibilidade de vigilância de pessoas e

dos seus comportamentos e não apenas no espaço privado. No que respeita ao espaço

de actuação, passou a primeira fase de mera segurança de instalações de espaços

privados, para um segundo patamar de vigilância de espaços semi-públicos, ou seja,

espaços de propriedade e gestão privada, mas de grande afluência pública (ex: área da

indústria do lazer, zonas comerciais, acontecimentos desportivos), para obter a paridade

em relação ao poder público assumindo a vigilância sobre pessoas e espaços públicos e

46 A expressão Tolerância Zero soa a uma espécie de solução autoritária e repressiva, mas o seu conceito principal é muito mais a prevenção e promoção de condições sociais de segurança. Não é tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito. Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana (Leitão 2007, p. 16).

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nalguns casos chegando mesmo a ser o primeiro actor da reacção perante a constatação

do facto, em espaços de natureza pública (LEITÃO 2007, p.16).

Tabela 5: Resumo de modelos de policiamento

MODELO PRINCIPAL ORIENTAÇÃO

BUROCRÁTICO -MILITAR

Assenta, num primeiro momento, na matriz militar da organização policial prosseguido pela Polícia moderna criada por Sir Peel; modos de organização baseados num controle rígido das relações de trabalho, na especialização funcional, na coercibilidade disciplinar e na construção de uma cadeia verticalizada de comando, controle e supervisão.

LEGALISTA DE POLÍCIA

Toda a acção policial deve ser pautada pela legalidade, dentro de uma racionalidade legalista, abolindo qualquer forma de discricionariedade. Antes de ordem pública está o valor “lei”.

ORIENTADO PARA A COMUNIDADE (POC)

Estratégia policial que visa combater as causas sociais da delinquência; melhorar o nível de vida; aumentando o sentimento de segurança e a qualidade de serviço, em cooperação com outros organismos de regulação social e com as próprias comunidades.

ORIENTADO PARA O PROBLEMA (POP)

Reorienta o serviço policial para os problemas de ordem pública, considerando-os como o primeiro degrau para a degeneração das comunidades e para o aparecimento de problemas criminais mais graves.

ORIENTADO PARA O RISCO

Modelo público-privado acentuando a dicotomia que se estabelece entre a produção da segurança pelo sector público e pelo sector privado em paridade.

Fonte: Leitão, 2007, p.14 : Apontamentos sobre modelos de policiamento

2.7. Formação

O conceito de formação deriva da palavra latina formatĭo. Trata-se da acção e

do efeito de formar ou de se formar (dar forma a/constituir algo ou, tratando-se de duas

ou mais pessoas ou coisas, compor o todo do qual são partes).

Em diferentes línguas a palavra formação se relaciona com Forma ou Estrutura,

por exemplo:

Tabela 6: Exemplo de designações de formação em algumas línguas

LÍNGUA ESTRANGEIRA DESIGNAÇÃO Italiano Formazione Espanhol Formación Francês Formation Alemão Bildung Inglês Training

Fonte: autor, inspirado em MINTZBERG e WESTLEY (1992)

No sentido genérico e comum, a formação também se refere ao modo como

uma pessoa foi criada e socializada na sua infância e adolescência, isto é, à educação

que recebeu. Por exemplo, é comum afirmar-se: Aquele/a senhor/a é muito bem

educado/a (e tem modos elegantes).

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A noção de formação tem sido associada à ideia de educação formal ou

profissional, que compreendem cursos com o objectivo da inserção e reinserção laboral

e actualização (reciclagem) de conhecimentos. Além dissso, no âmbito militar a

formação é o modo como as tropas, os aviões ou os navios de guerra se dispõem

(ordenadamente) para o combate.

Nessa perspectiva, o objectivo da formação profissional consiste em

desenvolver e adequar o conhecimento e as habilidades dos trabalhadores ao longo da

vida. Em geral, os teóricos dessa área consideram que existem três tipos de formação

profissional: a formação profissional específica ou inicial (destinada aos estudantes que

decidem iniciar-se na vida activa), a formação profissional ocupacional (para pessoas

desempregadas que desejam reintegrar-se no mundo do trabalho) e a formação

profissional contínua (para os trabalhadores no activo que querem adquirir maiores

competências e que procuram actualizar permanentemente as suas capacidades e

habilidades contribuindo assim para aumentar as possibilidades de melhorar a

qualidade de sua prestação profissional). A formação profissional ocupacional muitas

vezes é da iniciativa da entidade empregadora.

Breve discussão sobre o conceito formação

O uso do conceito formação tem sido recorrente na área das forças de defesa e

segurança, estando associado, geralmente, à formação dos soldados, agentes e oficiais,

tema não muito comum no cenário académico. Assim, mesmo reconhecendo a

formação como um termo de destaque no campo militar e policial, temos que ser

cautelosos para não fazer um uso indevido deste termo, empregando-o de forma

indiscriminada, sem considerar sua complexidade e as diferentes perspectivas teóricas

que o fundamentam.

O claro entendimento do conceito formação e a análise de importantes

elementos conceituais e princípios formadores da profissionalidade policial são

pressupostos centrais para a compreensão do processo de formação no qual os oficiais

da Polícia estão envolvidos. Nóvoa (1995), usa o termo “profissionalidade” para

expressar uma perspectiva reflexiva de formação, diferentemente do termo

“profissionalismo”, que traz a idéia de uma formação de carácter eminentemente

técnico, táctico ou estratégico, discutível na seguinte colocação de Manuel Monteiro

GuedesValente:

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A Polícia, como actividade de defesa da liberdade democrática de garantia da Ordem, Segurança e dos direitos do cidadão não pode ser encarada só sob o ponto de vista sociológico, nem do ponto de vista político (braço ou instrumento deste), nem sob o ponto de vista operacional (estratégico, táctico e técnico), mas impõe-se, isso sim, um aprofundamento jurídico teórico-prático da actividade da Polícia, que fundamente e justifique a necessidade de um corpo organizado dotado de ius imperii na prossecução de uma das tarefas fundamentais do Estado: defesa e garantia dos direitos e liberdades fundamentais (VALENTE, 2009,p.17).

No entendimento de Ferry (1991, p. 36), a formação aparece com um significado

de um processo de desenvolvimento individual destinado a adquirir ou aperfeiçoar

capacidades. Nessa perspectiva e sem discutir o termo capacidades, a formação de

oficiais da Polícia diferencia-se de outras actividades de formação em três dimensões

distintas: trata-se de uma formação dupla, combinando a formação acadêmica com a

táctica e técnica; é um tipo de formação profissional; é uma formação de agentes da lei

e ordem, sendo necessária a articulação e o equilíbrio entre a formação de polícia e a

sua prática profissional.

Do ponto de vista da filosofia da educação, Severino (2006, p. 621) revela que a

educação foi sempre vista como processo de formação humana. Essa formação,

segundo o autor, significa a própria humanização do homem, que sempre foi concebido

como um ente que não nasce pronto, que tem necessidade de cuidar de si mesmo como

que buscando um estágio de maior humanidade, uma condição de maior perfeição em

seu modo de ser humano. Portanto, a formação é processo do devir humano como devir

humanizador, mediante o qual o indivíduo natural devém um ser cultural, uma pessoa.

O autor aponta ainda que o sentido dessa categoria envolve um complexo conjunto de

dimensões que o verbo formar engloba: constituir, compor, ordenar, fundar, criar,

instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-se um ser, devir.

Nessa linha de reflexão, o mesmo autor sublinha ser relevante observar que o

sentido mais rico do conceito formação é aquele do verbo reflexivo, como que

indicando que é uma acção cujo agente só pode ser o próprio sujeito. Nessa óptica, o

conceito afasta-se de alguns de seus cognatos, por incompletude, como informar,

reformar e repudia outros por total incompatibilidade, como conformar, deformar.

Converge apenas com transformar:

A idéia de formação é, pois aquela do alcance de um modo de ser, mediante um devir, modo de ser que se caracterizaria por uma qualidade existencial marcada por um máximo possível de emancipação, pela condição de sujeito autônomo. Uma situação de plena humanidade. A educação não é apenas um processo institucional e instrucional, seu lado visível, mas fundamentalmente

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um investimento formativo do humano, seja na particularidade da relação pedagógica pessoal, seja no âmbito da relação social coletiva. Por isso, a interação docente é considerada mediação universal e insubstituível dessa formação, tendo-se em vista a condição da educabilidade do homem (SEVERINO, 2006, p. 621).

De seguida, Severino analisa a polissemia do termo formação e as diferentes

conceituações que tem assumido, vincando, por fim, o entendimento que se deve ter

quando se projecta a educação como um processo de formação do Homem:

O termo formação é onipresente nas diversas conceituações de educação, mas o mais das vezes para contrapor-se à informação. Outras vezes, arrasta consigo a conotação do pôr em forma, moldar, sentido que é exatamente o contrário daquele em que está sendo tomado aqui. O sentido aqui é exatamente aquele da constituição do sujeito que não tem molde onde se encaixar, para se enquadrar, medidas para se medir. Um sujeito totalmente contingente, com muito precárias referências históricas para se guiar em sua existência. Precisa ser, ou melhor, vir-a-ser sem que caminhos precisos estejam previamente traçados (SEVERINO, 2006, p.624).

O conceito adorniano47 de formação citado por Severino (2006, p.624) embora

forjado a partir da sua vivência no contexto da cultura alemã, ganha um alcance mais

amplo, tornando-se uma fecunda categoria de análise da vida social, cultural e

profissional contemporânea. O autor refere que a Bildung, como lado subjetivo da

Kultur, só se legitima como exercício de juízo existencial crítico e autocrítico, de

carácter emancipatório, indo além da semiformação, Halbbildung, definição de uma

produção simbólica em que prevalecem a adaptação e o conformismo, típicos da

cultura massificada.

Influenciado e, até certo ponto, representante das idéias da escola de Frankfurt

de uma educação emancipadora, Adorno aponta para a intrínseca necessidade de uma

crítica permanente, referindo que se impõe uma reelaboração do passado, uma severa

crítica do presente, se se almeja um futuro mais humanizado. E ao mesmo tempo em

que Adorno alerta para os riscos de um processo educacional pautado apenas nas luzes

da consciência (pura formação ético-epistêmica), sem considerar sua orientação social,

chama a atenção para os igualmente graves perigos do comprometimento do ético

frente à determinação social (pura formação política). A proposta da educação como

47 Adorno, Theodor Wiesegrund (1903-1969), Filósofo alemão, fundador, juntamente com Horkheimer, em 1924, da famosa escola de Frankfurt, que se originou no Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Desenvolveu uma teoria crítica da ideologia da sociedade industrial e de sua cultura, que marca distintamente a posição da escola de Frankfurt. Denunciou, sobretudo, a ideologia da dominação da natureza pela técnica, que traz como conseqüência a dominação do próprio homem (in Marcondes & Japiassú. Dicionário Básico de Filosofia, 4 ed, Zahar Editora, Rio de Janeiro: 2006).

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formação cultural destaca que a educação não concerne apenas a formação da

consciência de si, como aperfeiçoamento moral, mas nem por isso reduz-se a mero

enquadramento social, pura determinação política. A educação tem sentido unicamente

como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica (SEVERINO, 2006, p. 121).

Explicitando a sua concepção sobre a educação, (Adorno apud Severino, 2006,

pp. 141-142) expressa-se nos seguintes termos:

Evidentemente não a educação assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir de seu exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive de maior importância política; sua idéia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado.

Na óptica deste autor o compromisso da educação é transformar-se num

processo emancipatório, no qual ocorra uma luta sistemática pela autonomia, pela

emancipação. E sua única ferramenta é o esclarecimento que se constitui como

passagem do inconsciente para o consciente, do não ciente para o ciente, do

pseudociente para o ciente. O esclarecimento ilumina e elimina.

Na perspectiva da Teoria Crítica, o papel da educação, que abarca a formação, é

o de assegurar a sobrevivência da formação cultural numa sociedade que a privou de

suas bases. Cabe aos processos educativos investir na transformação da razão

instrumental em razão emancipatória. Por sua vez, a educação pode viabilizar-se,

garantindo-se sua fecundidade formativa, se se constituir como exercício da auto-

reflexão crítica. Trata-se, para a educação, de produzir uma consciência verdadeira.

Trata-se de uma formação imanente do sujeito da história real da desalienação na

história presente, alienada. É que na sociedade industrializada do capitalismo, a

educação crítica do indivíduo, base de sua formação emancipatória, encontra-se

travada, realizando-se apenas como adaptação, ou seja, como semi-formação (Adorno,

1995), travamento da experiência emancipadora.

O que se deve enfatizar é que a formação emancipatória transpassa todas as

áreas que em sua especificidade constituem partes da formação integral do indivíduo,

do profissional. A formação emancipatória não é simplesmente transversal, mas sim o

núcleo fundamental de um processo intencional que visa formar profissionais

conscientes, reflexivos, críticos e competentes. Esse é o pressuposto em que se assenta

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a intencionalidade da formação de oficial da polícia capaz de responder adequadamente

à demanda dos paradigmas de garantir ao cidadão o gozo pleno dos seus direitos e

liberdades, e da co-produção da segurança.

2.8. Profissão

Na literatura especializada existem vários conceitos de profissão, entretanto é

consensual que etimologicamente a palavra “profissão” vem de uma palavra latina

professĭo,-ōnis, do verbo “profiteri” “acção de declarar; declaração; manifestação;

promessa; anúncio; publicação; acção de professar, de ensinar; profissão; mister;

estado; exercício; ocupação; emprego”. Surgiu no Século XIII, evoluíndo de

Professus- – partiúpio – profissão (CUNHA, 1997, p. 582).

Deste modo, a palavra profissão nasceu ligada a uma forma de vida que é

publicamente assumida e reconhecida. Por exemplo, aos primeiros professores das

universidades era-lhes exigido que fizessem uma profissão de fé, numa cerimônia

pública, num misto de influências laicas e religiosas simultaneamente. Neste sentido,

“profissão” opunha-se ao “ofício”, pois enquanto a primeira assumia um saber

reconhecido e professado em público, o segundo estava aliado à ideia de negócio ou

trabalho manual. E, portanto, o ofício pode ser visto como “Ocupação habitual,

geralmente mecânica, com vista ao lucro, que se distingue das profissões liberais e da

produção de artigos básicos” (DUBAR, 2005, P.124).

Por sua vez, (Cabral apud Dias, 2010, p.38) afirma que numa perspectiva

sociológica o conceito de Profissão constitui o que podemos designar por um

constructo, dada a dificuldade em detalhar os seus atributos. Na língua portuguesa, o

termo adquiriu um sentido muito amplo de ocupação ou emprego. Nos países anglo-

saxónicos, pelo contrário, o termo é aplicado para designar as profissões liberais como

médico, advogado ou engenheiro. Os atributos destas profissões, segundo o mesmo

autor, transformaram-se em requisitos para todas as actividades profissionais que

tenham como objectivo constituirem-se numa profissão, tendo para o efeito que

possuir:

i. Um saber especializado, aliado a práticas específicas que o profissional

necessita de dominar, adquiridas através de uma formação profissional

estruturada;

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ii. Uma orientação de serviço. O profissional afirma-se perante outros que exerce a

sua actividade por motivos altruísticos, não se pautando somente por interesses

particulares.

iii. Um código deontológico, que determina e regula o conjunto de deveres,

obrigações, práticas e responsabilidades que surgem no exercício da profissão.

iv. Uma associação profissional, cujo objectivo seria, entre outros, o de manter e

velar pela ocupação dos padrões estabelecidos entre os seus membros.

Por sua vez, Reuner (2007, P.61) afirma que:

(…) considera-se como profissão de um indivíduo, o ofício ou a modalidade de trabalho, remunerado ou não, a que corresponde um determinado título ou designação profissional, constituído por um conjunto de tarefas que concorrem para a mesma finalidade e que pressupõem conhecimentos semelhantes, que este efectua ou efectuava, se se tratar de um desempregado à procura de novo emprego.

Muitos autores têm reagido contra esta tipificação, tomada de empréstimo às

profissões liberais, por a mesma ser demasiado estática, esquecendo-se as

transformações que nas mesmas ocorreram, nomeadamente a sua integração em

organizações burocráticas, nas quais os profissionais perderam grande parte da sua

autonomia. O associativismo, por exemplo, per si é discutível como elemento

essencialmente constituitivo ou caracterizador do conceito profissão sabido que

existem grupos profissionais que, por sua natureza e função social, estão legalmente

vedados à constituição de associações ou sindicatos.

Para (Greenwood apud Dias, 2010, p.38) uma profissão acarreta os seguintes

atributos:

i. Um corpo sistemático de teoria cujo aprendizado e conseqüente domínio requer

treino tanto técnico, como intelectual, diferenciando-o daquele exigido pelas

ocupações.

ii. Autoridade profissional, fundada pelo treino intensivo num corpo de teoria que,

por sua vez, destaca a relativa ignorância do leigo e gera o sentimento de

segurança por parte do cliente.

iii. A legitimação pública da autoridade traduzida pela garantia de deveres e

direitos, entre os quais se incluem: o controlo sobre o conteúdo do treino e,

eventualmente, sobre as escolas profissionais, controlo sobre as formas de

admissão à profissão e imunidade com relação ao julgamento por parte dos

leigos no que tange às questões técnicas.

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iv. Adopção de um Código Deontológico de modo a contrariar o uso abusivo dos

poderes e privilégios concedidos à profissão e evitar que os mesmos sejam

eventualmente revogados pela sociedade.

v. Existir uma cultura profissional.

Amesma visão é partilhada por (Moore apud Dias, 2010, p.39) o qual considera

a definição da formação nos seguintes termos:

i. Profissão é uma ocupação a tempo integral no sentido em que o profissional

passa a viver da remuneração obtida a partir do seu trabalho e naquela

actividade;

ii. Caracteriza-se pela vocação sugerindo identidade profissional com os valores

difundidos pela profissão, aceitação das suas normas e modelos e identificação

com os seus pares;

iii. Possui organização, sobretudo relativa à defesa dos interesses corporativos da

ocupação, controlando também as formas de admissão na profissão e do

exercício da mesma – formalização através de um Código Deontológico (CD);

iv. Possui um corpo de conhecimento formal complexo e teórico que é transmitido,

geralmente por universidades e em cursos de longa duração;

v. Possui orientação para o serviço, destinando-se a servir os interesses dos clientes

e da comunidade;

vi. A ocupação adquire autonomia.

Em muitos países do Mundo existem instituições que se ocupam da

classificação das profissões consideradas nos respectivos contextos. Em Moçambique,

por exemplo, a classificação das profissões é tutelada pela Classificação Nacional das

Profissões de Moçambique (CNPM), um organismo público adistrito ao Instituto

Nacional de Estatística (INE).

De acordo com a Classificação Nacional de Profissões de Moçambique

(CNPM) Uma profissão é definida por um conjunto de tarefas que concorrem para a

mesma finalidade e que pressupõem conhecimentos semelhantes. (CNPM, 2003, p.12).

Walther (1962, p.26), por sua vez, considera que uma profissão se define como

actividade económica destinada a assegurar a manutenção da vida. Este autor defende

que do ponto de vista técnico do trabalho, caracteriza-se como um conjunto de

habilidades, adquiridas mediante certa aprendizagem, seja de que género for.

A CNPM considera que as profissões, em geral, são constituídas, teoricamente,

a partir da junção de uma gama variada de tarefas que, na prática, correspondem a

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vários postos de trabalho. Uma profissão pode englobar vários postos de trabalho, cujos

titulares realizam uma ou outra das diversas combinações possíveis das tarefas (Ibidem,

p.12).

Rodrigues (2002, p.282) defende que as profissões estão enraizadas numa tríade

de valores humanos: saber, fazer, ajudar, sendo caracterizadas por um conjunto

complexo de valores e normas expressos sob a forma de prescrições, preferências e

permissões, legitimadas pela institucionalização desses mesmos valores. Este autor

refere que o valor ajudar, por exemplo, especificado na norma do altruísmo, implica que

os profissionais devem fazer mais do que é expressamente requerido.

2.8.1. Formação Profissional

O sistema de qualificação profissional inicial existente em Moçambique segue,

essencialmente, dois modelos de organização. Um tem por base o sistema educativo, ou

seja, o sistema nacional de educação e o outro segue a estratégia de alternância entre

ministérios, empresas e outras instituições de formação. Esta realidade permite assumir

que a análise da dimensão moçambicana do sistema organizativo da formação

profissional pode fornecer informação relevante para o equacionamento do problema

que se coloca ao País e às instituições sobre a qualificação profissional dos cidadãos,

para desempenhar funções produtivas em diversas áreas, participando activamente e

dessa forma no desenvolvimento do País.

O governo de Moçambique está a implementar, desde 2006, uma Reforma da

Educação Profissional (REP), em parceria com o sector privado e a sociedade civil, e

que conta com os parceiros internacionais de cooperação. Essa reforma inclui, numa

primeira fase, a implementação do Programa Integrado de Reforma da Educação

Profissional (PIREP). Porém, essa reforma não inclui, por enquanto, a formação feita

por instituições que não estão sob tutela da Direcção Nacional do Ensino Técnico

Profissional (DINET).

bem como melhores oportunidades econômicas

Segundo a COREP48 a Educação Profissional em Moçambique até ao início da

reforma era ministrada a cinco níveis, conforme ilustra a tabela que se segue.

48 COREP – Comissão Executiva da Reforma da Educação Profissional

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Tabela 7: Níveis de Educação Profissional em Moçambique até o início da reforma (2006)

NÍVEL DENOMINAÇAO INGRESSO DURAÇÃO INSTITUIÇÃO FORMADORA

1 Curta Duração Até 9 meses

Centros de Formação Profissional

2 Nível Elementar 5ª classe 2 a 3 anos Escolas profissionais

3 Nível Básico 7ª classe 3 anos Escolas básicas

4 Nível Médio 10ª classe 3 anos Institutos Médios

5 Nível Superior 12ª classe 2 a 4 anos

Institutos Superiores Politécnicos

Fonte: COREP, 2011, p. 7 – (adaptado pelo autor).

Existem, portanto, diferentes abordagens de formação profissional em

Moçambique. A nossa intenção neste subcapítulo não é analisar nem discutir as

abordagens de formação profissional, mas sim procurar enquadrar a formação policial

nos sistemas de fomação profissional vigente ao nível do ensino superior, conforme a

lei classifica e caracteriza as respectivas missões.

Tabela 8: Classificação das instituições de Ensino Superior em Moçambique TIPO DE

INSTITUIÇÃO SUPERIOR

MISSÃO

Universidades Instituições que dispõem de capacidade humana e material para o ensino, investigação científica e extensão em vários domínios do conhecimento, proporcionando uma formação teórica e acadêmica, estando autorizadas a conferir graus e diplomas acadêmicos;

Institutos Superiores Instituições especializadas filiadas ou não a uma universidade, que se dedicam à formação e investigação no domínio das ciências e da tecnologia ou das profissões, bem com à extensão e que estão autorizados a conferir graus e diploma acadêmicos;

Escolas Superiores Instituições de ensino superior filiadas ou não a uma universidade, a um instituto superior ou a uma academia, que se dedicam ao ensino num determinado ramo do conhecimento e à extensão e que estão autorizadas a conferir graus e diplomas académicos;

Institutos Superiores Politécnicos

Instituições de ensino superior filiadas ou não a uma universidade, que oferecem estudos gerais ou uma formação profissional e que estão autorizadas a conferir certificados e todos os graus acadêmicos, excluindo o de Doutor, reservando a atribuição de graus de pós-graduação aos institutos politécnicos filiados;

Academias

Instituições de ensino superior que se dedicam ao ensino em áreas específicas, nomeadamente as artes, a literatura, habilidades técnicas tais como as militares e policiais, a formação especializada e o comércio, estando autorizadas a conferir diplomas e graus acadêmicos;

Faculdades

Unidades académicas primárias de uma universidade ou de um instituto superior que se ocupam do ensino, investigação, extensão e aprendizagem num determinado ramo do saber, envolvendo a interacção de vários departamentos académicos e a provisão de ensino conducente à obtenção de um grau ou diploma.

Fonte: Lei nº 27/2009 de 29 de Setembro, Cap. II, Secção I, artigo 14.

Como se pode observar, as academias têm classificação e missões próprias à luz

da lei do Ensino Superior.

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O primeiro passo para a discussão da formação profissional remete para a

definição do conceito de Formação Profissional, com vista a situar, o mais claramente

possível, quais os domínios teórico e empírico de que trata.

Assim, de acordo com Cardim (1998), não existe um consenso universal com

relação ao conceito de Formação Profissional. Contudo, mesmo considerando a sua

variação de abrangência e a sua diversidade de forma e conteúdo, existem traços

comuns que permitem uma caracterização sua relativamente genérica. De facto, tendo

por base a revisão de literatura e a súmula final feitas por Duarte (1999), a autora diz

que:

A formação profissional é um processo intencional, planeado e desenhado de forma sistemática com a finalidade de modificar as atitudes e os comportamentos dos indivíduos em situação de trabalho, pela transmissão de conhecimentos, técnicas ou normas, permitindo que estes se desenvolvam e se adaptem, e, consequentemente, melhorem o seu desempenho tendo em vista a eficácia organizacional (CARDIM, 1998, pp. 39-40).

A definição de Cardim (1998, p.39) tem sido criticada por vários autores pelo

seu enfoque economicista e empresarial. Embora a formação profissional seja norteada

pelos objectivos da área ou sector de intervenção profissional a que se destina, ela tende

a ser vista no sentido integrador do desenvolvimento social e humano.

A formação profissional não deve ser vista apenas como uma estratégia de

natureza econômica, isto é, percebida, delineada e orientada unicamente no sentido

empresarial, visando o aumento da produção e da produtividade e competitividade

econômica. Ela deve desempenhar um papel preponderante na visão futura de uma

cultura que se quer inovativa, mas de base social. Isto é, deve providenciar

conhecimentos e habilidades básicas e técnicas necessárias para o desempenho

profissional e social e permitir o desenvolvimento de uma cultura de inovação

sustentada tendo em vista o aumento da capacidade de transferência do conhecimento

para as necessidades de intervenção profissional adequada em cada situação

(FIGUEIRA, 2003, pp. 11-12).

Seguidamente, interessa expôr quais são os níveis de intervenção da Formação

Profissional, de maneira a compreender a natureza da sistematização posterior realizada

em relação à formação proposta, atendendo, especialmente, aos seus objectivos e

conteúdo programático.

De facto, conforme argumenta Meignant (1999), a Formação Profissional, por

tradição, abrange três níveis de intervenção necessários à realização de uma qualquer

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tarefa de uma actividade profissional, os quais se referem às necessidades que os

indivíduos têm de aprender certos saberes teóricos e operar cognitivamente sobre a

tarefa (saber), de possuir a motivação requerida e as atitudes e comportamentos

adequados à realização da mesma tarefa (saber-ser e saber-estar) e de desenvolver as

competências e capacidades apropriadas à sua execução (saber-fazer). Adicionalmente,

porém, Duarte (1999) sustenta que, tendo em conta a realidade social e económica

actual, existem outros níveis qualificativos que podem ser igualmente objecto de

intervenção da Formação Profissional, nomeadamente, as necessidades que os

indivíduos têm de possuir capacidade de iniciativa e decisional (saber-agir), de saber

liderar de modo eficaz (saber-fazer-fazer) e de ter uma capacidade de auto-

desenvolvimento permanente (saber-aprender ou aprender a aprender).

Finalmente, é pertinente caracterizar as modalidades de Formação Profissional

que permitem delimitar a abrangência, a forma e o tipo de conteúdo que retratam a

formação proposta.

Concretizando melhor, salienta-se a modalidade de formação contínua, a qual,

segundo Figueira (2003, p.12), abrange todos os processos formativos que, através da

sua organização formal e institucionalização subsequente à formação inicial, vão

permitir que os indivíduos adquiram conhecimentos, competências e capacidades

adicionais aos que já possuem, por forma a serem criados novos mecanismos de

adaptação às exigências que as transformações, sobretudo, sociais e tecnológicas,

colocam a um adequado exercício da sua profissão.

Com base no mesmo autor, ainda dentro da formação contínua, convém realçar

a sub-modalidade de aperfeiçoamento profissional, que visa desenvolver as

qualificações já detidas pelos sujeitos activos e reforçar as suas atitudes e

comportamentos, de modo a que estes possam obter um nível superior de desempenho

na sua actividade profissional. Aliás, as necessidades de aperfeiçoamento profissional

surgem quando existe um claro défice entre o desempenho real e o desempenho

desejável para o exercício da actividade profissional. Trata-se de uma lacuna que pode

ser colmatada por meio de acções formativas de curta duração, relativamente

estruturadas e feitas no seio da organização, não obstante a que, a longo prazo, possa

requerer uma actualização permanente durante a vida profissional dos indivíduos,

expressa no conceito de formação contínua ao longo da vida (CARDIM, 1998, p.40).

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A teoria de formação profissional está intimamente ligada à prática de formação

profissional, que tem vindo a influenciar os padrões dos sistemas nacionais de

formação profissional, bem como as culturas regionais (Kuhn in Figueira, 2003, p. 29).

A ACIPOL é uma instituição de ensino superior vocacionada para formação de

quadros para a área da Ordem e Segurança Públicas. Definida desta maneira, a

Academia parece situar-se numa zona cinzenta de interacção entre o sistema nacional

de educação (mais exactamente, o subsistema de ensino superior) e a PRM e o

Ministério do Interior (PEACIPOL, 2007, Vol.4, p.7). Porém, essa dúvida fica

dissipada se tivermos em consideração a tabela 5 relativa à classificação e missões das

instituições de ensino superior em Moçambique, a qual especifica que as academias se

dedicam ao ensino em áreas específicas, nomeadamente (...), as habilidades técnicas

tais como as militares e policiais (...). Deve-se, porém, ter em conta que neste estudo

defendemos que as habilidades técnicas são as capacidades requeridas para executar

com eficiência um certo acto ou uma certa tarefa (Martins, 2000, p.49). São aquelas

que permitem desenvolver nos formandos a qualidade que Freire (2010, p.40)

denomina de consciência crítica, em contraposição à consciência ingênua, que segundo

o mesmo autor:

A Consciência Ingênua Revela uma certa simplicidade, tende a um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do próprio facto. Suas conclusões são apresentadas superficiais. Diz que a realidade é estática e não mutável (FREIRE, 2010, P.41).

O principal destaque, que constitui núcleo da missão e objectivos da ACIPOL, é

que a formação deve ter em conta as necessidades operacionais da polícia e,

consequentemente, a necessidade de formar profissionais com competência e perfil

adequados para desempenhar suas funções, no sector específico, no quadro da estrutura

orgânica e funcional da Polícia.

2.8.2. Nossa referência sobre Competência

No interior da instituição policial, o oficial da Polícia exerce sua profissão. A

ideia de profissão remete-nos à de ofício, que insere em si o sentido de dever, de

obrigação. A idéia de exercício relaciona-se à idéia de actividade, de trabalho. O oficial

da Polícia, enquanto profissional, enquanto trabalhador numa determinada sociedade,

tem de realizar sua obrigação de uma maneira específica. Então, o que compete ao

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oficial da Polícia? Essa pergunta nos remete a necessidade de estabelecer o que se

entende por competência.

Dissociando-nos da polêmica que frequentemente se tem manifestado em volta

do termo competência, principalmente entre pensadores da área da educação,

aproximamo-nos à definição dada por Rios (2003), que apesar de estar voltada para o

campo da educação é aplicável, por analogia, ao campo da reflexão sobre a actividade

da Polícia. A autora se posiciona nos seguintes termos:

Falar de competência significa falar em saber fazer bem (...). Minha definição de saber fazer bem como sinônimo de competência, em princípio, aproxima-se da posição dos educadores que apresentam esse saber fazer bem numa dupla dimensão: técnica e política (...). Afirmo que o saber fazer bem tem uma dimensão técnica, a do saber e do saber fazer, isto é, do domínio dos conteúdos que o sujeito necessita para desempenhar o seu papel, aquilo que se requer dele socialmente, articulado com o domínio das técnicas, das estratégias que permitam que ele “dê conta de seu recado, em seu trabalho. Mas é preciso saber bem, saber fazer bem, e o que me parece nuclear nessa expressão é o termo “bem” (RIOS, 2003, pp. 46-47).

A autora destaca o termo bem como indicando tanto a dimensão técnica quanto

a dimensão política (quando alguém realiza um trabalho que vai de acordo com as

expectativas, isto é, vai ao encontro daquilo que é desejável, que está estabelecido

valorativamente com relação â sua actuação). Portanto, o conceito de bem não deve ser

entendido numa perspectiva metafísica; o que se entende por bem, reitera a autora,

responde a necessidades historicamente definidas pelos homens de uma determinada

sociedade.

Deste modo, podemos aferir que a idéia de bem se destaca como significativa na

definição da competência, porque ela aponta para um valor que não tem apenas um

carácter moral. Ele não se desvincula dos aspectos técnicos nem dos aspectos políticos

da actuação do oficial da polícia ou da polícia em geral.

A polémica que se tem manifestado ora acusando-se a competência técnica de

tecnicista, ora acusando-se a competência política de politicismo, poderá ser

ultrapassada se recuperar no próprio carácter complexo e dialéctico da prática policial a

articulação entre os dois pólos da competência referidos por Rios (2003) – o técnico e o

político, pois é nessa medida que se poderá compreender a ética como mediação,

porque ela está presente na definição e na organização do saber que está veiculado na

instituição policial e, ao mesmo tempo, na direcção que será dada a esse saber na

actuação policial na sociedade.

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O maior problema que se encara, no que respeita às dimensões técnica e política

da competência do oficial da Polícia, é a desarticulação entre os dois pólos. Na verdade

a referência à competência técnica e compromisso político pode até, em determinados

momentos, ter levado a essa desarticulação aparente. O que é importante é falar em

competência, pura e simplesmente, e nela apontar seus componentes – interligados,

indissolúveis, essenciais – o técnico e o político (RIOS, 2003, p.50).

Se atendermos que a função policial é uma função essencialmente política,

Saviani chama nossa atenção para algo importante: (...) Não se faz política sem

competência e não existe técnica sem compromisso; além disso, a política é também

uma questão técnica e o compromisso sem competência é descompromisso (SAVIANI

apud RIOS, 2003, p.50).

Por outro lado, ao discutirmos a competência no trabalho policial é importante

termos em conta a presença da ética como dimensão dessa competência. O trabalho da

Polícia, como já referi no capítulo introdutório, tem como objecto as pessoas. Por isso,

a ética é indissociável de qualquer actuação do polícia e da Polícia. Deste modo, a

importância de se resgatar a relação triológica técnica/ética/política no centro da

discussão sobre a competência sustenta o núcleo da reflexão que apresentamos neste

trabalho, uma vez que faz emergir a possibilidade de discutir um aspecto, segundo

Terezinha Rios, pouco explorado sistematicamente – a presença da dimensão ética

incrustada na técnica e na política.

Frequentemente se percebe que os próprios polícias não têm clareza da

dimensão política de seu trabalho. Ao interpretarem política como envolvimento

partidário, como refere a autora que temos vindo a citar, alguns procuram até negar que

tenham algo a ver com isso, invocando uma posição de “apoliticidade” em sua prática.

No entanto, não podem se recusar a admitir a (forçosa) presença da moralidade em sua

acção.

Se assim é, a formação policial pretenderá obter um profissional que deve ser,

ao mesmo tempo, agente de mudança, individual e colectivamente, e embora seja

importante saber o que deve fazer e como, também é importante saber por que deve

fazê-lo.

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2.9. Considerações gerais sobre o currículo

A literatura especializada e as discussões actualizadas sobre o currículo

reconhecem-no como uma realidade difícil de limitar em conceitos simples,

esquemáticos e esclarecedores por sua própria complexidade e pelo facto de que tenha

sido um campo de pensamento de abordagem recente dentro das disciplinas

pedagógicas, além de controvertido ao ser objecto de enfoques contraditórios e reflexo

de interesses conflitantes. Trata-se de um complexo processo social com múltiplas

expressões, mas com uma determinada dinâmica, já que é algo que se constrói no

tempo e dentro de certas condições (SACRISTÁN, 2008, p.21).

Falar do currículo é abordar a expressão de uma série de determinações políticas

para a prática formativa e educativa, é falar de conteúdos sequencializados em

determinadas matérias, é abordar saberes desenvolvidos por professores e alunos no

espaço da aula, como campo das interacções e dos intercâmbios entre diversos actores

do espaço escolar, como espaço de práticas diversas, como espaço de convivência.

O Currículo é uma realidade prática que tem uma existência concreta que as

teorizações devem explicar e esclarecer. Por isso, importa esclarecer o conteúdo e

dinâmica dessa prática e ressaltar, em alguma medida, os significados que este conceito

pretende sistematizar.

2.9.1. O Termo Currículo

O lexema Currículo vem do étimo latino, curriculum, que etimologicamente

significa caminho, jornada, trajecto, percurso a seguir, pista ou circuito atlético e

encerra, por isso, duas ideias principais: uma de sequência ordenada, outra de noção de

totalidade de estudos.

Sendo um conceito polissêmico, que não possui um sentido unívoco, carregado

de ambigüidade, deve reconhecer-se, tautológico como afirma Pacheco (2001, p.15),

existindo na diversidade de funções e de conceitos em função das perspectivas que se

adoptam, o que vem a traduzir-se, por vezes, em alguma imprecisão acerca da

natureza e âmbito do currículo.

Segundo Goodson (1995, p.7), o termo curriculum é derivado do verbo latino

currere, que significa correr. Pode também estar se referindo à ordem como sequência

e à ordem como estrutura. Nesta última acepção, remonta ao conjunto de práticas

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educativas difundidas no século XVI, em universidades, colégios e escolas, a partir do

Modus et Ordo Parisienses. Modus designava a combinação e a subdivisão das escolas

em classes, com a retenção da instrução individualizada, isto é, aluno – por – aluno e

Ordo (ordem) com dois significados: sequência (ordem de eventos) e coerência

(sociedade ordenada) (HAMILTON, 1992, p.41).

Com efeito, datam do século XVI os registros históricos de quando e em que

circunstância aparece, pela primeira vez, a palavra curriculum aplicada ao meio

educacional. Tais registos evidenciam que currículo esteve ligado à idéia de "ordem

como estrutura" e “ordem como sequência", em função de determinada eficiência

social. Assim, na Universidade de Leiden (1582), dos registos consta que tendo

completado o curriculum de seus estudos o certificado era concedido ao aluno. Na

Universidade de Glasgow (1633) e na Grammar School de Glasgow (1643), o

curriculum referia-se ao curso inteiro de vários anos, seguido pelos estudantes, e não

apenas às unidades pedagógicas curtas (HAMILTON, 1992, p.43).

No período Romano a ordem e a disciplina faziam parte das actividades dos

estudantes. É assim que o currículo constituía-se uma metáfora do atletismo clássico.

Assim como o curso era a pista onde os estudantes tinham que correr. Era uma ordem

ou sistema de disciplinas. Na Roma antiga as Artes e o Direito já eram apresentados

por Cícero e Varro, por exemplo, como disciplinae, palavra derivada de discere, que

significa aprender. Nos primórdios da era moderna, a palavra foi empregue num

contexto acadêmico pelo humanista espanhol Luis Vives (BURKER, 2003, p.86).

Desde a apropriação deste termo pelo vocabulário pedagógico, os sentidos mais

usuais desta palavra referem-se a planos e a programas, a objectivos educacionais e a

conteúdos, ao conhecimento escolar e à experiência de aprendizagem. Esse

entendimento é, na actualidade, extensivo à formação profissional. De acordo com

Burker, das manifestações curriculares mais antigas regista-se que

Em 1450, o currículo das universidades européias, uma rede que se estendia de Coimbra à Cracóvia, era notavelmente uniforme, permitindo assim que os estudantes se transferissem com relativa facilidade de uma instituição para outra (prática conhecida como peregrinnatio académico). O primeiro grau era o bacharelato, e as artes em que o estudante se tornava bacharel eram as sete “artes liberais”, divididas em duas partes, o trivium, mais elementar, que lidava com a linguagem (gramática, lógica e retórica), e o quadrivium, mais avançado, que lidava com os números (aritmética, geometria, astronomia e música). Na prática, havia também lugar para as três filosofias, ética, metafísica e o que era conhecido como filosofia natural, o último dos temas sendo estudado com especial referência à Física de Aristóteles e seu Tratado Da Alma (BURKER, 2003, p. 87).

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Segundo a Oxford English Dictionary, o primeiro atestado de graduação

registou-se em 1633, outorgado a um mestre da Universidade de Glasgow, Escócia.

Acredita-se que nessa época o termo latino curriculum passou a ser adoptado com a

conotação de totalidade estrutural e integridade sequencial, buscando indicar unidade

dos estudos a serem seguidos e concluídos. Desta forma, o emprego da palavra

Currículo na educação escolar associou-se, desde sempre, às idéias de unidade, ordem e

sequência de um curso, num clima marcado por aspirações de imprimir maior rigor à

organização do processo de ensino, implicando na exigência de formalização que

envolve planificação, metodologia e controle. Nessa perspectiva, também se acham

presentes as idéias de regularidade e centralidade inerentes ao princípio de disciplina,

entendida como regra de vida (HAMILTON, 1992, p. 41).

A literatura especializada sobre os assuntos da educação menciona que as

teorizações sobre currículo são mais recentes e podem ser situadas no início do século

XX, embora as manifestações de currículo datem de séculos anteriores. Nos Estados

Unidos, por exemplo, é reconhecido o papel que desempenhou Franklin Bobbit, ao

elaborar o primeiro tratado de currículo - The curriculum (1918) – e, posteriormente o

How make the curriculum (1924). Além de Bobbit, são citados como importantes

investigadores da área de currículos naquele país W. W. Charters, Edward L.

Thorndike, Ross L. Finney, Charles C. Peters e David Snedden. Esses autores

centraram seus estudos na definição de qual deveria ser a relação entre a estrutura do

currículo e o controle social, em um período histórico de transição da América do Norte

rural, agrária, do século XIX marcado pelo crescente processo de industrialização e

divisão do trabalho.

A concepção tradicional de currículo vem sendo questionada desde a década de

1970, considerando que a concepção de aquisição e construção de conhecimento vem

se modificando ao longo do tempo. Por outro lado, a dinamicidade do mundo

contemporâneo, que se caracteriza por mudanças rápidas e constantes, gera a

necessidade de se repensar o processo de trabalho, da aprendizagem, do que se aprende

e do como se aprende.

Como já referimos, a década de 70, do século XX, foi dominada pela tendência

tradicionalista do currículo caracterizada pelo estilo tecnicista de Franklin Bobbitt e

outros, com a preocupação de prestar serviço aos professores e às escolas e à

racionalidade burocrática e tecnológica.

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Também nos anos 70, nos Estados Unidos, estudiosos como Henry Giroux e

Michael Apple, influenciados pela teoria social européia, pela psicanálise, por Paulo

Freire e pela Nova Sociologia da Educação inglesa, mostraram-se insatisfeitos com as

tendências no campo do currículo. Criticaram a abordagem técnica e deram ênfase ao

carácter político dos processos de pensar e fazer currículo, sendo considerados

pioneiros da tendência curricular crítica.

Preocupados com o tipo de conhecimento que a escola veiculava, realizaram

uma análise de forte cunho sociológico, procurando mostrar como as formas de

selecção, organização e distribuição do conhecimento favorecem a opressão de classes

e grupos subordinados. Discutiram alternativas que permitam sua organização a favor

da emancipação individual e colectiva.

Na perspectiva crítica, Silva (2009) toma o currículo como um documento de

identidade com significados que ultrapassam aqueles que foram dados pelas teorias

tradicionais, referindo que:

O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA, 2009, p. 150).

Assim, cada período histórico apresenta preocupações específicas em relação à

educação e, por esta razão, O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um

universo mais amplo de conhecimentos e saberes selecionados aquela parte que vai

constituir, precisamente, o currículo (SILVA, 2009, p. 15).

O currículo será, como área de conhecimento, um terreno prático, socialmente

construído, historicamente formado, que não se reduz à aplicação de saberes

especializados desenvolvidos por outras disciplinas, que possui um corpo disciplinar

próprio. Por isso, a prática do currículo é um processo de representação, formação e

transformação da vida social que deve ser entendido como um todo (PACHECO, 2003,

p.23).

Ressurge, assim, no campo da formação profissional a preocupação com a

questão do currículo. Como deve ser o ensino tendo em vista a formação do trabalhador

em suas diversas áreas de actuação? Como garantir que ele aprenda aquilo que

realmente é necessário para uma actuação efectiva, responsável, ética e crítica, levando

em conta as particularidades do contexto sócio-cultural e político onde se insere?

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Reaparece, de novo, a questão: “o que se considera um profissional competente?”

Reaparece, deste modo, a questão da formação integral, uma formação para a

cidadania. Muitas teorias sobre o currículo se posicionam de maneiras diferentes.

2.9.2. Revisitando o processo da construção do currículo da ACIPOL

No fim da guerra civil em Moçambique, marcado pelo Acordo Geral de Paz

(AGP), e em cumprimento dos preceitos desse acordo, foram criadas estruturas a vários

níveis e sectores de actividade para a implementação, ou fiscalizar a implementação

dos princípios e objectivos do Acordo. Ao nível das Forcas de Defesa e Segurança,

iniciou um amplo processo de desmobilização dos militares do exercito do Governo e

dos guerrilheiros da RENAMO. Esse processo foi dirigido por unidades específicas da

ONUMOZ49- um programa das Nações Unidas (ONU) para apoiar a implementação

do acordo de paz em Moçambique; foi extinto o Serviço Nacional de Segurança

Pública (SNASP) e, na sequência, foram desmobilizados seus agentes, alguns dos quais

foram integrados na Policia da República de Moçambique; foi criada uma unidade

especifica para a reforma da polícia da Republica de Moçambique dirigida pelo PNUD

(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

A reforma da Polícia incluía as áreas organizacional, infraestrutral, legal

(regulamentos), reciclagem dos efectivos existentes e formação de novos efectivos em

novos conteúdos e métodos de trabalho. A idéia geral gravitava em torno da

reestruturação completa da Polícia. Durante esse processo, foram organizados e

realizados vários cursos de reciclagem em quase todas as áreas de actividade da Polícia,

incluindo dois cursos de formação de formadores que garantiriam a continuidade do

processo de formação no período pós-PNUD. Todos esses cursos foram desenhados e

implementados pelo PNUD, através da Guardia Civil Espanhola, especialmente

contratada para esse fim.

No processo da Reforma da Polícia, foi reiniciada a formação básica da polícia

que havia sido interrompido havia cerca de 10 anos devido a guerra civil; o Governo de

49 Operação das Nações Unidas em Moçambique (ONUMOZ) estabelecida pela Resolução 797 (1992) do Conselho de Segurança, de 16 de dezembro de 1992, ampliada pela Resolução 988 (1994), de 23 de fevereiro de 1994. A ONUMOZ tinha como objectivo fundamental garantir a implementação do Acordo Geral de Paz de 1992, assegurando o bom funcionamento de quatro esferas essenciais: a política, a militar, a humanitária e a eleitoral.

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Moçambique e alguns doares incluíram a criação de uma instituição de formação

superior para a Policia de Moçambique. Para o governo e alguns doadores essa era uma

oportunidade para iniciar um programa de formação superior de futuros oficiais,

capacitando-os técnica e cientificamente para responder aos novos desafios da ordem e

segurança publicas que se desenhavam para a sociedade moçambicana, para além da

almejada “mudança da imagem” da polícia moçambicana. Porém, para outros

observadores (nacionais e estrangeiros) a idéia era improcedente, por uma série de

razões, entre as quais as seguintes:

1. A paragem de cerca de uma década do processo de formação exigia que todos os

esforços fossem direccionados para o reinício da formação, sua modernização e

consolidação para o nível dos guardas e sargentos, que constituem a maioria da

força operacional realmente necessária para a manutenção da lei e ordem;

2. A formação de oficiais poderia ser feita no exterior ou em cursos

esporadicamente organizados de acordo com as necessidades específicas

reveladas pela situação da segurança pública em Moçambique;

3. Moçambique era um País pobre, saído de uma Guerra civil, não teria recursos

suficientes para a manutenção de uma escola superior da Polícia.

Apesar das diversas posições e opiniões discordantes, o governo de

Moçambique decidiu levar avante o projecto da criação de uma Academia para a

formação superior dos oficiais da Polícia. Alguns dos doadores que antes comungavam

essa idéia reconsideraram suas posições e desistiram do projecto, ficando a cooperação

Suíça, a cooperação do Reino dos Países Baixos (Holanda) e a cooperação portuguesa

como únicos parceiros que garantiram seu apoio ao Governo de Moçambique no

financiamento do Projecto.

Foi assim que em Março de 1998, um núcleo especifico foi constituído para

iniciar o processo de elaboração da documentação necessária para a criação da

instituição, nomeadamente estatutos, regulamentos e o currículo. O subgrupo de

elaboração do currículo foi chefiado por um curriculista da Universidade Pedagógica de

Moçambique e integrava três oficiais da Polícia, mas ninguém dos integrantes do grupo

tinha feito estudos superiores em Polícia. Ao grupo juntou-se um oficial da Polícia de

Segurança Pública de Portugal (PSP), que também desempenhava funções de oficial de

ligação entre a Polícia de Moçambique e a Polícia portuguesa, o qual era graduado em

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ciências policiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Publica

(ISCPSP) de Portugal, mas sem experiência em desenvolvimento curricular.

Os oficiais da Guardia Civil Espanhola, um Coronel e um Tenente-Coronel, que

trabalhavam na reforma da Polícia moçambicana sob os auspícios do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), tinham recebido ordens das suas

chefias (não posso precisar se GCE ou PNUD) para não integrarem nem colaborar com

o grupo que estava a preparar a criação da ACIPOL.

Em Agosto de 1998, o grupo de trabalho foi formalizado como Comissão

Instaladora da ACIPOL, presidida por um acadêmico ex-governante de Moçambique e

que tinha até exercido funções de Ministro do Interior. O Vice-Presidente da Comissão

Instaladora era um oficial da Policia, que exercia funções de Comandante do Centro de

Formação de Quadros da Polícia (CFQ), cujas instalações transitaram para a ACIPOL.

A comissão instaladora era composta por 11 elementos, dos quais 5 oficiais da

polícia, 2 docentes da Universidade Eduardo Mondlane de Moçambique, 1 docente da

Universidade Pedagógica de Moçambique, 2 juristas, sendo 1 deles Juiz Conselheiro do

Tribunal Administrativo e 1 acadêmico independente.

As grandes questões que se colocavam para o desenvolvimento do Currículo de

Licenciatura em Ciências Policiais eram: Quem define o que e como a Academia

deveria ensinar (formar)? Isto é, a Comissão deveria definir o que ensinar, para que

ensinar, como ensinar. Deveria, igualmente, ter em conta como essas determinações

formais do currículo iriam se manifestar na Academia. Significa que a equipe de

elaboração do currículo deveria estudar a legislação educacional, bem como a

documentação oficial do Ministério do Interior e do Comando Geral da Polícia e das

reformas políticas e sociais que estavam em curso no País, com o objectivo de orientar

a implementação desses dispositivos legais no que se referia ao currículo.

A partir daí, tornava-se necessário identificar que acções precisariam ser

planificadas e realizadas pela futura Academia para colocar em prática um currículo

que contemplasse os objectivos da formação superior no contexto da reforma da polícia

moçambicana.

Durante o processo de discussão sobre os princípios e as bases para o desenho

curricular que se projectava para a ACIPOL, reapareceram os oficiais da Guardia Civil

Espanhola ao serviço do PNUD já com ordens expressas não apenas para participar no

desenho do currículo, mas para orientarem o processo. Assim, apresentaram uma

proposta já elaborada do currículo para ser apreciada e aprovada pela comissão.

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115

Por sua vez, o oficial da Polícia portuguesa também apresentou uma proposta já

elaborada para ser apreciada e aprovada. Mais tarde, o consultor policial dos Estados

Unidos também apresentou uma proposta já elaborada para ser apreciada e aprovada e

que, segundo ele, tinha sido aplicada com sucesso na Polícia de Uganda.

No entanto, houve uma “resistência” a essses modelos acabados devido às

circunstâncias políticas, econômicas, culturais e educacionais do nosso país, em

contraste com o contexto internacional das propostas, mas não havia referências

internas sobre a formação superior em Polícia.

Oscilou-se, então, entre a tentativa de rejeição dos modelos espanhol, português

e americano para a adaptação crítica dessa e de outras experiências na busca de um

desenvolvimento mais independente no campo do Currículo que se pretendia desenhar.

Foi nesta segunda perspectiva que no final de 1998, acabou por se concluir o desenho e

aprovar-se o currículo que está em vigor na ACIPOL, que absorveu os aspectos

considerados adequados e compatíveis com os objectivos da formação policial em

Moçambique.

O currículo foi socializado com a comunidade acadêmica moçambicana e

representantes de todas as instituições de ensino superior (IES) moçambicanas, públicas

e privadas. Foi uma atitude considerada pioneira por parte da Polícia, pois nunca antes,

haviam sido discutidos fora da corporação matérias sobre a formação da polícia. O acto

foi considerado um grande sinal de abertura da Polícia à colaboração e participação da

sociedade civil nas actividades de interesse social comum.

Segundo Gimeno Sacristán (2000), quando definimos o currículo estamos

descrevendo a concretização das funções da própria escola, no caso vertente da

Academia, e a forma particular de enfocá-las num momento histórico e social

determinado, para um nível ou modalidade de formação, numa contextura institucional.

O objectivo deste curso é a formação de profissionais que possam actuar na

perspectiva da promoção da segurança pública e contribuam para o desenvolvimento

dessa área, no âmbito teórico e prático.

O currículo de Licenciatura (graduação) em Ciências Policiais estrutura-se em

áreas científicas entendidas como um conjunto delimitado e articulado de competências

e habilidades que configuram oportunidades de concentração de estudos, práticas pré-

profissionais e estágios nos domínios da função policial. As áreas são compatíveis com

as demandas sociais actuais e/ou potenciais, e com a vocação e condições da

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instituição. Portanto, o currículo definiu um perfil de saída generalista, assegurando ao

graduado a possibilidade de actuar em qualquer área de função policial.

A definição das áreas científicas partiu de um processo de discussão iniciado

pelos membros da comissão instaladora da ACIPOL e, em seguida, em sessão plenária

com os professores e académicos de outras áreas e instituições de ensino superior. este

colectivo discutindo numa perspectiva de formação interdisciplinar, chegou à definição

das quatro áreas que norteiam a formação dos cadetes de Licenciatura (graduação) em

Ciências Policiais na ACIPOL. As quatro áreas científicas são:

1. Ciências e Tecnologia Policiais

2. Ciências Jurídicas

3. Ciências Sociais e Humanidades

4. Ciências Exactas e de Gestão

Nas áreas científicas não havia disciplinas isoladas, todas estavam constituídas

por módulos que integravam um grupo de disciplinas afins, enfocando a leccionação ao

objectivo global do curso e não das disciplinas, isto é às competências e habilidades

requeridas para o desempenho de funções de um oficial subalterno. Por exemplo, o

módulo de ciências sociais e humanidades (CSH) incluía as disciplinas de psicologia,

sociologia, antropologia; o módulo de Técnica das Forças de Segurança (TFS) incluía

todas as disciplinas de procedimentos policiais.

Este processo seguido na construção do Currículo do Curso de Ciências

Policiais mostra que havia intencionalidade de mudança integrada no processo de

formação sem crise; a mudança progrediria porque haveria mudança das lógicas

burocrática e profissional por lógicas organizacionais adaptativas e flexíveis, que

consideraria melhor a necessidade de autonomia versada em responsabilidade

colectiva e desenvolvimento da qualidade.

Porém, o currículo falhou na implementação. Na prática foi desconstruído e

retornado ao sistema de disciplinas isoladas. E porquê? Entre outras razões a imediata

foi a seguinte:

-Na realidade, o currículo não foi suficientemente socializado ao nível da

corporação policial e os docentes, actores principais da garantia de sua implementação,

não foram incluídos na discussão do projecto nem na discussão do currículo aprovado

antes da sua implementação. Não se considerou que O engajamento colectivo em um

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projecto comum parece um meio de integrar acções dispersas, criar sinergias,

responsabilizar o conjunto dos actores e mobilizar-se sobre objectivos claros

(THURLER, 2001, p. 115).

Dessa forma, alguns dos subsídios fundamentais para a configuração do

currículo que são o conhecimento e os valores orientados para uma determinada

formação podem ter sido afectados, pois a sistematização dessa formação por esses

subsídios é o currículo. Sobre esse aspecto, Macedo (2007, pp.25-26) afirma que:

1. O currículo deve inscrever-se em um processo de projecto realista e criar

as condições para alcançar seus objectivos;

2. O Currículo é a expressão de uma vontade explícita e partilhada do

estabelecimento de ensino para responder ás necessidades do formando;

3. O Curso fundamenta-se em acção colectiva. Um projecto deve ser

suficientemente explícito para permitir que se representem as estruturas, os

conteúdos, as práticas a serem desenvolvidas e o procedimento para

chegar a isso.

2.9.3. Breve olhar sobre as teorias do currículo

Uma definição não nos revela o que é, essencialmente, o currículo: uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa o que o currículo é. (Tomaz Tadeu da Silva, 2010).

A base para se discutir um currículo, qualquer currículo, no âmbito educativo ou

de formação profissional, é a teoria de aprendizagem adjacente. Sacristán (2008, p. 37)

explica que as teorias desempenham várias funções: são modelos que seleccionam

temas e perspectivas; costumam influir nos formatos que o currículo adopta; têm um

valor formativo e profissional para os alunos e professores; oferecem uma abertura de

racionalidade às práticas formativas e educativas. As teorias curriculares se convertem

em mediadores ou em expressões da mediação entre o pensamento e a acção em

educação.

Algumas teorias sobre o currículo apresentam-se como teorias tradicionais,

que pretendem ser neutras, científicas e objectivas, enquanto outras, chamadas teorias

críticas e pós-críticas, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou

desinteressada, mas que implica relações de poder e demonstra a preocupação com as

conexões entre saber, identidade e poder.

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Tomás Tadeu da Silva apresenta a seguinte discussão sobre o currículo:

O Currículo envolve a construção de significados e valores culturais. O Currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de "fatos" e conhecimentos "objetivos". O Currículo é um local onde, ativamente, se produzem e se criam significados sociais. Esses significados, entretanto, não são simplesmente significados que se situam no nível da consciência pessoal e individual. Eles estão estreitamente ligados a relações sociais de poder e desigualdade. Trata-se de significados em disputa, de significados que são impostos, mas também contestados (SILVA, 2010, pp. 55-56).

As ilações que se podem tirar a partir da citação acima relacionam-se com os

saberes transmitidos pela escola através do currículo como algo que está directamente

ligado às relações sociais do poder, designadamente de significados que são impostos,

mas chama a atenção sobre o facto de que através do currículo esses valores também

podem ser contestados. Se assim é, regista-se a importância do diálogo, da integração e

da interação entre os actores da educação.

Por sua vez, Pacheco (2001, pp.33-34) aponta essencialmente três teorias

curriculares (técnica, prática e a crítica) que segundo ele, encaixam-se em modelos

socioeconômicos diacrônicos e que conduzem os rumos da sua autonomia dados ao

fazer pedagógico. A tabela 9 ilustra as teorias curriculares, caracterização e suas

concepções de currículo.

Tabela 9: teorias curriculares, caracterização e concepções de currículo TEORIA CARACTERIZAÇÃO CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO

Teoria Técnica

Legitimidade Normativa; Racionalidade Técnica; Ideologia Burocrática; Interessa Técnico; Discurso Científico; Organização Burocrática; Acção Tecnicista; Teoria – Prática

- Currículo como produto ou conteúdos organizados por disciplinas; - Currículo como auto-realização dos alunos; - Currículo como meio tecnológico ou plano para aprendizagem

Teoria Prática

Legitimidade Processual; Racionalidade Prática; Ideologia Pragmática; Interesse Prático; Discurso Humanista; Organização liberal; Acção Racional; Teoria - Prática

- Currículo como Texto - Currículo como Projecto - Currículo como Hipótese de Trabalho

Teoria Crítica

Legitimidade Discursiva; Racionalidade Comunicativa Ideologia Crítica; Interesse Emancipatório; Discurso Dialéctico; Organização Participativa, Democrática e Comunitária; Acção Emancipatória Teoria - Prática

- Currículo como Práxis - Currículo como Acção argumentativa

Fonte: Pacheco, 2001, p.33 (Currículo: Teoria e Práxis)

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Tais teorias desdobram-se nas seguintes acepções curriculares:

i. Currículo como desenvolvimento dos processos cognitivos – maior preocupação

com o aperfeiçoamento das operações intelectuais do que com os conteúdos;

ii. Currículo como tecnologia – preocupação com o como se aprende e não

propriamente com o quê já que o currículo é visto como um processo

tecnológico ou um meio para organizar a aprendizagem;

iii. Currículo como auto-realização ou como experiência consumatória – centrado

no aluno – e nos conteúdos de aprendizagem – e orientado para a sua autonomia

e desenvolvimento pessoal;

iv. Currículo como reconstrução social – preocupação com a visão social da

aprendizagem;

v. Racionalismo acadêmico – valorização da aprendizagem de conteúdos

organizados em disciplinas.

Nessa linha de raciocínio quando se refere às teorias curriculares Pacheco

chama a nossa atenção para o seguinte:

(...) as teorias são classificação ou síntese de várias concepções de currículo com o intuito de facilitar a compreensão da complexidade curricular, sendo apresentadas quer sob a forma de orientações, ideologias, concepções, quer sob a forma de processos de legitimação e de modelos de conhecimento (PACHECO, 2001, p. 33).

Partindo da concepção da citação acima, pode-se afirmar que as teorias

curriculares são apenas um caminho apontado para o entendimento das acções que se

entrelançam nas complexas relações sociais que permitem a validação através dos

projectos institucionais e que devem ser trabalhadas nas instituições de ensino

(extensivo às de formação profissional), visando oferecer aos estudantes conhecimento

da ideologia social e cultural vigente; confrontá-las com aquelas que as precederam

para que o educando possa formar seu próprio juízo de valor a respeito dos conceitos,

das versões e daí possa tornar-se um cidadão cônscio do que acontece dentro e fora do

contexto escolar.

Relativamente à formação policial, reforça-se a idéia de colocar, em evidência

assuntos que realcem, reforcem, valorizem e modifiquem o futuro oficial que está em

fase de formação, porque a experiência nos mostra que, sem os desafios, sem a

prudência e sem a perseverança não se consegue alcançar os êxitos pretendidos na

formação, mas que, sem a prudência na aplicabilidade, corre-se o risco de ser dado

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relevo a itens que não importam, não adicionam, não valorizam e nem formam o oficial

pretendido pela sociedade democrática e dinâmica. Neste caso, as teorias curriculares

estariam a serviço exclusivamente de ideologias subjacentes às decisões curriculares.

O cerne do desafio que se apresenta nasce da necessidade de se abandonar, no que for necessário, o paradigma fortemente militarista e implantar um novo paradigma com base nos princípios pedagógicos, a saber: compreensão e valorização das diferenças, formação e qualificação profissional continuada, flexibilidade, interdisciplinaridade, valorização do conhecimento anterior, valorização do conhecimento da realidade, integração, abrangência e capilaridade, universalidade, articulação, qualidade e atualização permanente (LUIZ, 2011)50.

2.9.4. A Teoria crítica como práxis

As teorias críticas começaram a surgir na década de 60, década caracterizada

por grandes agitações e transformações sociais. Foi nessa altura que segundo Silva,

2009, p.29), a literatura inglesa reclama a prioridade para a chamada “nova sociologia

da educação”, um movimento identificado com o sociólogo inglês Michael Young.

Nessa altura, assinala-se também o importante papel da obra de Paulo Freire, enquanto

na França se destacavam os ensaios de Althusser, Bourdieu, Passeron e outros. As

teorias críticas do currículo efectuam uma completa inversão nos fundamentos das

teorias tradicionais.

Figura 11: Linha de tempo das teorias críticas

TEORIAS CRÍTICAS

80

Dermeval Saviani – Pedagogia Crítico-Socialdos Conteúdos.

60

Teorias Críticas

70 – Paulo Freire – “Pedagogia do Oprimido”

71 – Michael Young – Nova Sociologia da EducaçãoBasil Bernstein – Teoria dos Códigos

76 – Samuel Bowles e Herbert Gintis – Teoria daCorrespondência

LINHA DE TEMPO

FONTE: Autor, inspirado em SILVA (2010, p. 30)

50 Comunicação intitulada “Polícia: o fiel da balança no cenário democrático”, apresentada em Moçambique, em Agosto de 2011, na Conferência Internacional sobre os Desafios da Formação Policial no Contexto da Governação Democrática.

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A teoria crítica, segundo Pacheco (2001, pp. 41-42), caracteriza-se por um

discurso dialéctico, por uma organização participativa, democrática, comunitária e por

uma acção emancipatória. Nesta teoria o currículo se apresenta não como resultado do

trabalho dos especialistas, nem dos professores em acção individual, mas na acção

colectiva dos professores e portadores de consciência reflexiva e crítica.

Assim sendo, esta teoria é desenhada numa legitimidade discursiva que

proporciona a racionalidade comunicativa e remete para uma ideologia crítica que

persegue interesse emancipatório. Nesse sentido o sujeito activo do processo

desenvolve um discurso dialéctico que permite uma organização participativa,

democrática e comunicativa visando acção emancipatória. Neste ponto a teoria e a

prática convergem e se confundem porque uma é complementar à outra, dando-lhe

apoio para que a acção seja mais equilibrada entre os dois fundamentos e mais

autêntica. Na teoria crítica, a dicotomia teoria/prática perde o caráter hierárquico e

assume a qualidade de complementaridade recíproca (ibidem).

Se assim é, o currículo apresenta-se como práxis, como acção argumentativa.

Esse entendimento é partilhado e secundado por Grundy citado por Pacheco (2001,

p.41), nos seguintes termos:

A práxis conduz, por um lado, à emancipação, e esta só ocorre em condições de justiça e de igualdade dos vários intervenientes no currículo e, por outro, à crítica da ideologia, que enforma todo o projeto curricular, tornando-se só possível pela reflexibilidade e pela acção autónoma.

Na esteira do autor supracitado, quando os elementos da práxis são aplicados à

natureza do currículo, estabelecem-se os seguintes cinco princípios interligados: 1) os

elementos da práxis são acção e reflexão, 2) a práxis tem lugar no real, mas não no

mundo hipotético, 3) a práxis trabalha no mundo da interpretação, do social e do

cultural, 4) o mundo da práxis é o mundo construído, não o mundo natural, 5) a práxis

assume o processo de fazedor de sentido, que reconhece o significado como uma

construção social (...). Quando alunos e professores, em conjunto, desafiam esta

ascendência, reivindicando o direito de eles próprios determinarem o significado, o

processo de construção do currículo torna-se um acto político (ibidem).

Pacheco defende que a teoria crítica seria aquela desejável por uma sociedade

do conhecimento que busca a emancipação social do ser que vive num determinado

contexto. Acrescenta ainda, que os problemas curriculares não devem ser resolvidos

com teorias, mas sim com acções práticas, pois, o currículo é um amplo corpo de factos

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acerca dos quais a abstracção teórica guarda silêncio, que se deve buscar pela

aplicação do método deliberativo (PACHECO, 2001, p.38).

A teoria crítica apontada por Pacheco encontra reflexo e aplicabilidade no

processo e contexto de formação de oficiais da Polícia de Moçambique, uma vez que as

políticas de inserção dos estudantes passam pelo discurso dialéctico visando acção

emancipatória para que o produto oriundo da ACIPOL (o egresso) possa interagir na

realidade do trabalho policial que exige mais do que apenas conhecimentos acerca dos

assuntos da actividade policial. A sociedade do conhecimento e da informação impõe

novos paradigmas ao trabalho da polícia que requer profissionais habilidosos, que

saibam transformar esses saberes, processá-los e aplicá-los numa atitude responsável,

ética, interativa e competente. Esses atributos retiram a hipotética apoliticidade dos

polícias e do trabalho policial.

O outro destacado curriculista e defensor da teoria crítica é Michel Young

(2000) para quem a distinção entre teorias críticas do currículo de outros tipos de

teorias curriculares é o facto de serem teorias sobre políticas curriculares que

reconhecem que seu objectivo é tanto a compreensão quanto a mudança. Melhor

explicando, afirma que:

O que distingue as teorias críticas do currículo de outros tipos de teorias do currículo é o fato de serem teorias sobre políticas curriculares que reconhecem que seu objetivo é tanto a compreensão quanto a mudança. Em outras palavras, as teorias críticas implicam intenções, porque seu ponto de origem é a educação como forma de ação intencional, e qualquer ação intencional como a educação não pode ser simplesmente tema de compreensão. No entanto, a compreensão do currículo ganha sentido se essa compreensão desempenha um papel na mudança dele, de maneira tal que amplie a qualidade e a quantidade das oportunidades de aprendizado (YOUNG, 2000, pp.17-18).

Para Basil Bernstein, o conhecimento educacional formal (incluindo o

profissional) encontra sua realização através de três sistemas de mensagens: o

currículo, a pedagogia e a avaliação:

O currículo define o que conta como conhecimento válido, a pedagogia define o que conta como transmissão válida do conhecimento, e a avaliação define o que conta como realização válida desse conhecimento da parte de quem é ensinado (SILVA, 2009, p.71).

A teoria de Bernstein, conhecida como teoria dos códigos é, entretanto, ao

menos em parte, uma teoria sociológica do currículo. A importância que a teoria crítica

desse autor tem para o nosso estudo reside no facto de que o autor não está preocupado

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com o conteúdo propriamente dito do currículo. Assim também aponta, pelo menos em

parte, o nosso estudo. Ele não questiona por que se ensina esse tipo específico de

conhecimento e não outro, nem tampouco por que esse conhecimento particular é

considerado válido e aquele outro não. Ele está mais preocupado com as relações

estruturais entre os diferentes tipos de conhecimento que constituem o currículo.

Bernstein procura saber como o currículo está estruturalmente organizado. Além disso, ele pergunta como os diferentes tipos de organização do currículo estão ligados a princípios diferentes de poder e controle (...). Bernstein distinguia dois tipos fundamentais de organização estrutural do currículo: o currículo tipo coleção e o currículo integrado (SILVA, 2009, p.72).

No currículo tipo colecção, as áreas e campos de conhecimento são mantidos

fortemente isolados, separados. Não há permeabilidade entre as diferentes áreas de

conhecimento. No currículo integrado, por sua vez, as distinções entre as diferentes

áreas de conhecimento são muito menos nítidas, muito menos marcadas. A organização

do currículo obedece a um princípio abrangente e ao qual se subordinam todas as áreas

que o compõem (ibidem, p.72).

Com base nessa concepção, Bernstein cunhou um termo para se referir ao maior

ou menor grau de isolamento e separação entre as diversas áreas de conhecimento que

constituem o currículo: “classificação”. Quanto maior o isolamento, maior a

classificação, considerada pelo autor como uma questão de fronteiras. Nesse sentido, a

classificação responde, basicamente, à questão: que coisas podem ficar juntas? Um

currículo tradicional, marcadamente organizado em torno de disciplinas acadêmicas

tradicionais, seria, na concepção de Bernstein, fortemente classificado. Um currículo

interdisciplinar, em contraste, seria fracamente classificado.

Reflectindo sobre o Currículo da Academia de Ciências Policiais, pelas

características estruturais que apresenta, podemos identificar alguns elementos

claramente comparáveis com os destacados por Bernstein. Entre eles os mais salientes

são: estruração do currículo por áreas de conhecimento (não por eixos de conhecimento

que correspondam às exigências profissionais do oficial da Polícia), neste caso, possui

cinco áreas, nomeadamente ciência e tecnologia policiais, jurídica, ciências exactas e

de gestão, ciênciais sociais e humanas, e estágio curricular); estruturação das áreas de

conhecimento por disciplinas; Nítida separação entre a área policial e as restantes áreas

de conhecimento.

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124

Essas características consubstanciam, observada a devida contextualização, o

que Bernstein denomina de “classificação”, característica de um currículo de tipo

colecção. Compreende-se que a construção de um currículo de formação

profissionalizante de uma área de actuação profissional bastante ampla e controversa,

com é a área policial, não é actividade fácil e tampouco consensual. Porém, a

complexidade, sob ponto de vista dialéctico não justifica o isolamento, pois conforme

afirma Edgar Morin ao explanar o sentido da sua tese paradigmática sobre o

pensamento complexo:

Colocamos ao mesmo tempo a possibilidade e a necessidade de uma unidade da ciência (...). Tal unidade é, evidentemente, impossível e incompreensível no quadro actual onde miríades de dados se acumulam nos alvéolos disciplinares cada vez mais estreitos e fechados. Ela é impossível no quadro onde grandes disciplinas parecem corresponder a essências e a matérias heterogêneas. Mas ela só tem sentido se for capaz de apreender ao mesmo tempo unidade e diversidade, continuidade e rupturas (...). A unidade da ciência respeita as disciplinas e áreas de conhecimento, mas quebra o departamentalismo, o sectorismo (MORIN, 2007, p.50).

Do treccho supracitado podemos entender que a perspectiva da unidade da

ciência é transdisciplinar. Para o objectivo deste trabalho é preciso pensar no que será

possível fazer na estrutura do currículo e no espaço da escola (Academia) para superar

os problemas da classificação. O possível neste caso significa explorar os limites, para

reduzi-los, e as alternativas de acção para ampliá-las.

2.9.5. O currículo integrado como evolução das idéias críticas sobre o currículo

Santomé (1998, p.9) explica que a denominação currículo integrado tem sido

utilizada como tentativa de contemplar uma compreensão global do conhecimento e de

promover maiores parcelas de interdisciplinaridade na sua construção. A integração

ressaltaria a unidade que deve existir entre as diferentes disciplinas e formas de

conhecimento nas instituições escolares.

A idéia de integração em educação, tributária da análise de Bernstein (1996),

como já referimos, coloca as disciplinas e cursos isolados numa perspectiva relacional,

de tal modo que o abrandamento dos enquadramentos e das classificações do

conhecimento escolar promove maior iniciativa de professores e alunos, maior

integração dos saberes escolares com os saberes cotidianos dos alunos, combatendo,

assim, a visão hierárquica e dogmática do conhecimento. Em síntese, o autor aposta na

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125

possibilidade de os códigos integrados garantirem uma forma de socialização

apropriada do conhecimento, capaz de atender às mudanças em curso no mundo do

trabalho mediante o desenvolvimento de operações globais.

A formação profissional, por sua vez, é um meio pelo qual o conhecimento

científico adquire, para o trabalhador, o sentido de força produtiva, traduzindo-se em

técnicas e procedimentos, a partir da compreensão dos conceitos científicos e

tecnológicos básicos.

No currículo integrado, conhecimentos de formação geral e específicos para o

exercício profissional também se integram.

Um conceito específico não é abordado de forma técnica e instrumental, mas

visando compreendê-lo como construção histórico-cultural no processo de

desenvolvimento da ciência com finalidades produtivas.

Em razão disto, no currículo integrado nenhum conhecimento é só geral, posto

que estrutura objectivos de produção, nem somente específico, pois nenhum conceito

apropriado produtivamente pode ser formulado ou compreendido desarticuladamente

das ciências e das linguagens.

O currículo formal exige a selecção e a organização desses conhecimentos em

componentes curriculares, sejam eles em forma de disciplinas, módulos, projetos e

outros, mas a integração pressupõe o restabelecimento da relação entre os

conhecimentos seleccionados. Como o currículo não pode compreender a totalidade, a

selecção é orientada pela possibilidade de proporcionar a maior aproximação do real,

por expressar as relações fundamentais que definem a realidade.

O currículo integrado organiza o conhecimento e desenvolve o processo de

ensino-aprendizagem de forma que os conceitos sejam apreendidos como sistema de

relações de uma totalidade concreta que se pretende explicar/compreender. No trabalho

pedagógico, o método de exposição, por exemplo, não deve limitar-se à simples

exposição, deve restabelecer as relações dinâmicas e dialécticas entre os conceitos,

reconstituindo as relações que configuram a totalidade concreta da qual se originaram,

de modo que o objecto a ser conhecido revele-se gradativamente em suas

peculiaridades próprias (GADOTTI, 1995, p.19).

Sob diferentes concepções e modalidades e refletindo distintas finalidades

educativas e sociais, o discurso sobre integração regista longo percurso na educação e

na história do currículo. Quase sempre relacionada à ideia de inovação ou de renovação

educacional, no nosso entendimento a integração é, em geral, associada à melhoria do

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processo de ensino-aprendizagem e à maior compreensão da realidade e dos conteúdos

formativos. Autores com diferentes perspectivas teóricas defendem essa organização

curricular, em contraposição à fragmentação e à compartimentação do conhecimento.

Essas análises colocam a necessidade de relacionar o âmbito de formação dos

oficiais da Polícia à prática policial concreta. A proposta de “currículo integrado” na

perspectiva técnico-policial e humana dos oficiais da Polícia incorpora essas análises e

busca definir as finalidades da formação policial por referência às necessidades da

formação humana. Com isto, podemos aferir que as aprendizagens durante a formação

devem possibilitar à classe policial a compreensão da realidade para além de sua

aparência e, assim, o desenvolvimento de condições para transformá-la em benefício

das necessidades de assegurar o exercício da cidadania, a ordem e segurança públicas.

2.10. O Estágio Curricular

Uma das questões mais recorrentes quando a temática é a formação profissional

é a relação teoria e prática, alicerce da formação, entretanto, objecto de muitas dúvidas

quanto a sua estrutura e constituição. A literatura especializada e vários estudos

realizados e disponíveis apontam para a necessidade de que o Estágio Supervisionado

extrapole o limite do empírico, das actividades isoladas e passe a ter função

fundamental que não é apenas levar os conhecimentos teóricos ao campo da prática,

mas compreendê-los, reelaborá-los, pensando a realidade vivida pelo futuro

profissional.

Pimenta e Gonçalves (1990)51 consideram que a finalidade do estágio é a de

propiciar ao formando uma aproximação à realidade52 na qual actuará. Assim, o

estágio se afasta da compreensão até então corrente, de que seria a parte prática do

curso. Defendem uma nova postura, uma re-definição do estágio que deve caminhar

para a reflexão, a partir da realidade.

51 Revista Poíesis -Volume 3, Números 3 e 4, pp.5-24, 2005/2006 52 A aproximação à realidade só tem sentido quando tem conotação de envolvimento, de intencionalidade.

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2.10.1. Conceito de Estágio

Considera-se estágio53 as actividades programadas, orientadas, supervisionadas

e avaliadas que proporcionem ao aluno aprendizagem social, profissional, cultural,

através da sua participação em atividades de trabalho vinculadas à sua área de formação

acadêmica. É um componente determinante da formação profissional e da cidadania

dos estudantes universitários.

Por se caracterizar como um componente acadêmico determinante da formação

profissional, o estágio poderá assumir a forma de atividades de pesquisa e extensão,

mediante a participação do estudante em atividades ou projetos de relevância social,

fortalecendo a integração destas funções à universidade.

Os estágios classificam-se em obrigatório (curriculares) e não obrigatórios

(extra-curriculares). O estágio curricular constitui-se como componente do currículo

pleno dos cursos de graduação. O estágio extracurricular-não obrigatório – constitui-se

em actividade complementar à formação acadêmico-profissional do aluno, realizado

por livre escolha do mesmo.

Neste estudo a nossa abordagem é sobre o estágio curricular supervisionado, tal

como foi anunciado no capítulo introdutório, cuja finalidade é integrar o processo de

formação do cadete, futuro profissional, de modo a considerar o campo de actuação

como objecto de análise, de investigação e de interpretação crítica, a partir dos nexos

com as disciplinas do curso.

O estágio curricular é um campo de conhecimento, portanto volta-se a uma

visão ampla deste e está implicado na organização do currículo do curso no seu todo.

Por isso, objectiva-se, aqui, reflectir sobre o estágio curricular como espaço de

formação cujo eixo é a pesquisa, superando sua redução tradicional à prática

instrumental. Sendo assim, impõe-se a análise conceitual do estágio no contexto dos

demais componentes disciplinares do curso e o desenvolvimento da compreensão da

pesquisa no estágio.

Nesta análise partimos do pressuposto de que o estágio curricular é um espaço

de aprendizagem da profissão na formação inicial, para quem ainda não é agente da

Polícia, na formação contínua para quem já actua como Polícia. Portanto,

53 Na língua portuguesa Estágio é entendido como etapa, fase, nível (que supõe continuidade em outros

níveis). Na língua inglesa é tratado como trabalho de campo (Field work).

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perspectivamos discutir a possibilidade de organizar sistematicamente o trabalho de

estágio e das práticas pré-profissionais, abrangendo todo o seu processo de

planificação, execução e avaliação no contexto curricular.

2.10.2. Algumas acepções sobre o Estágio

O estágio sempre foi identificado como a parte prática dos cursos de formação

de profissionais, em contraposição à teoria tida no senso comum como conhecimento

livresco que não habilita ninguém para o saber fazer. Atentos a essa afirmação popular,

Lima & Pimenta (2010, p.33) afirmam que:

(...) Não é raro ouvir a respeito dos alunos que concluem seus cursos, referências como “teóricos”, que a profissão se aprende “na prática”, que certos professores e disciplinas são por demais “teóricos”. Que “na prática a teoria é outra”. No cerne dessa afirmação, está a constatação (...) de que o curso nem fundamenta teoricamente a atuação do futuro profissional nem toma a prática como referência para a fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e de prática.

No capítulo introdutório deste trabalho referimos que uma das constatações da

missão back stopping e do diagnóstico interno realizado na ACIPOL durante o

processo de elaboração do Plano Estratégico, foi que a formação ministrada era

demasiado teórica e dissociada da realidade do trabalho policial. Como que a

confirmar essa visão, durante a sessão do grupo focal realizado na ACIPOL no

processo de recolha de dados para esta pesquisa, um oficial subalterno da polícia,

egresso da ACIPOL, afirmou que foi chocante ouvirmos um oficial superior da polícia,

com funções de comando, dizer em plena sessão do conselho da PRM que os

graduados da ACIPOL não sabem nada. Nem sequer a protecção de um local de

crime.

Embora seja extrema e inadequada a expressão de que os graduados não sabem

nada, na verdade, o currículo do curso de licenciatura em ciências policiais está

estruturado por áreas científicas, constituídas em aglomerado de disciplinas isoladas

entre si, sem fundamentação clara de seus nexos com a realidade que lhes deu origem.

Assim, como consideram Lima & Pimenta (2010), nem sequer se pode denominá-las

teorias, pois são apenas saberes disciplinares em cursos de formação, que em geral

estão desvinculados do campo de actuação profissional futura dos formandos.

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Para os formandos, segundo a autora, as disciplinas do currículo assumem quase

que total autonomia em relação ao campo de actuação dos profissionais e,

especialmente, ao significado social, cultural, humano da actuação profissional. E

questiona: O que significa ser profissional? Que profissional se quer formar? Quais os

nexos com o conhecimento produzido na área de actuação e em produção? São

questões que muitas vezes não são consideradas nos programas das disciplinas.

Precisamos, portanto, de iniciar por uma aproximação ao entendimento da teoria e da

prática.

2.10.3. O que se entende por teoria e por prática

De acordo com o conceito de acção policial, a profissão de Polícia é uma

prática social. É uma forma de intervir na realidade social, no caso, por meio de manter

a lei e ordem pública e garantir a segurança de pessoas e bens (patrimônio). Por isso, a

actividade policial é ao mesmo tempo, prática e acção.

Para Sacristán (1999, p.150), a prática é institucionalizada; no caso, são as

formas de intervir na comunidade que ocorrem em diferentes contextos

institucionalizados, configurando a cultura e a tradição das instituições. Valente (2009,

p.198) afirma que a Polícia em qualquer tipo ou sistema político (foi) é e será sempre a

face visível da lei. A orgânica e o funcionamento dela é o resultado da sociedade que

criamos e das estruturas de poder material que construímos.

Por sua vez, Zabala (1998, p.167) refere que a estrutura da prática institucional

obedece a múltiplos determinantes institucionais, organizativos, tradições

metodológicas, possibilidades reais dos funcionários e das condições físicas existentes.

Nessa perspectiva, Sacristán sintetiza que:

A acção refere-se aos sujeitos, seus modos de agir e pensar, seus valores, seus compromissos, suas opções, seus desejos e vontade, seu conhecimento, seus esquemas teóricos de leitura do Mundo, seus modos de trabalhar e de planificar, de se relacionar com os outros e com a sociedade. Se a pretensão é alterar as instituições com a contribuição das teorias, precisamos compreender a imbricação entre sujeitos e instituições, acção e prática (SACRISTÁN, 1999, P.2001).

Em sentido amplo, a acção designa a actividade humana, o fazer, um fazer

efectivo ou a simples oposição a um estado passivo. Entretanto, em uma compreensão

filosófica e sociológica, a noção de acção é sempre referida a objectivos, finalidades e

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meios, implicando a consciência dos sujeitos para essas escolhas, supondo um certo

saber e conhecimento (LIMA & PIMENTA, 2010, p.42).

Assim, denominamos acção policial as actvidades que a Polícia realiza no

âmbito do cumprimento da sua missão supondo o desenvolvimento de certas

actividades materiais (operacionais, judiciais e administrativas) orientadas e

estruturadas. Tais actividades têm por finalidade a garantia da ordem e segurança

pública. Esse processo é composto de conteúdos técnicos, habilidades e posturas

científicas, sociais, afectivas e humanas. Assim, na instituição policial “Compreendida

na sua diversidade como corporação, temos diferentes acções e diferentes sujeitos com

funções que também se diferenciam para a concretização do objectivo colectivo, a

garantia da ordem e segurança pública”.

Portanto, no estágio dos cursos de formação policial, compete:

Possibilitar que os futuros oficiais compreendam a complexidade das práticas institucionais e das ações aí praticadas por seus profissionais como alternativa na preparação para a inserção profissional. Isso só pode ser conseguido se o estágio for uma preocupação, um eixo de todas as disciplinas do curso e não apenas daquelas erroneamente denominadas “o trabalho (LIMA & PIMENTA, 2010, pp.43-4). práticas”.Todas as disciplinas, conforme nosso entendimento, são ao mesmo tempo “teóricas” e “práticas”. Todas devem contribuir para a sua finalidade, que é formar profissionais a partir da análise, da crítica e da proposição de novas maneiras de fazer.

2.10.4. O estágio como prática

O termo “praticar” no Dicionário Aurélio54encontramos como sinônimo fazer,

realizar algo (objectivo) ou acção (por exemplo, de fazer patrulha apeada ou

motorizada). Sabemos que para fazer, realizar, é preciso saber, conhecer e ter

instrumentos adequados e disponíveis. Uma das formas de conhecer é fazendo igual,

imitando, copiando, experimentando (no sentido de adquirir experiência), praticando

(PIMENTA, 2011, p.28).

O exercício de qualquer profissão é prático nesse sentido, na medida em que se

trata de fazer “algo” ou “acção”. A profissão de Polícia é também prática. E se o curso

tem por função preparar o futuro profissional para praticar, é adequado que tenha a

preocupação com a prática. Como não é possível que o curso assuma o lugar da prática

profissional, que o aluno exercerá quando for profissional, o seu alcance será tão-

54 Cf. Aurélio Buarque de H. FERREIRA. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, I Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, p. 1125 apud PIMENTA, 2011, p.28.

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somente possibilitar uma noção da prática, tomando-a como preocupação sistemática

no currículo do curso (ibidem). Enquadra-se, a partir desta compreensão, a noção de

Práticas Pré-profissionais, que é desenvolvida no ponto 2.6.9.

Nos primórdios da polícia moçambicana, logo após a criação do CPM em 1975,

a finalidade primeira da formação policial era “prover a formação de unidades das

forças policias necessárias para reprimir o crime e a reação, assegurar as conquistas

revolucionárias, (Decreto-Lei nº 54/75, de 17 de Maio). Em toda a legislação referente

à Polícia, nessa época, não se fazia menção à formação profissional.

Os cursos de formação realizados no país ou no exterior, todos de nível básico e

médio, visavam preparar os agentes da Polícia mais para acções reactivas (combater,

reprimir, tec.). Essa missão pode ser, como foi, cumprida com pouca exigência em

termos de qualificações acadêmicas, mas com adequada instrução e treinamento, mais

aproximados ao adestramento de comportamentos e habilidades específicas do que ao

desenvolvimento de competências. A parte essencial da formação era a designada

“preparação político-militar”. Os alunos eram chamados “instruendos”, termo próprio

de quem está submetido à instrução.

Percebe-se então que não é possível afirmar que o exercício do trabalho policial

era uma profissão, mesmo considerando que cumpria quase todos, mas não totalmente,

os requisitos característicos de uma profissão conforme explicados por Bayley (2003).

A prática que se exigia para a formação do futuro agente (unidade) era tão-

somente aquela possibilitada por algumas disciplinas (de táctica policial). A prática

profissional como componente da formação, sob a forma de um estágio profissional,

não se colocava como necessária, uma vez que, de um lado, não tínhamos propriamente

uma profissão e, de outro, a destinação dos “instruendos” não era necessariamente o

exercício de Polícia (stricto sensu).

Já os cursos de Quadros médios de Direcção, primeiro com duração de nove

meses, depois dezoito e mais tarde vinte e quatro meses, tinham as práticas previstas no

respectivo currículo de formação com duração de 30-45 dias. Mesmo nestes cursos

nunca houve regulamentação sobre as práticas ou estágio. Os estudantes eram

encaminhados para uma determinada unidade policial e aí permaneciam durante o

tempo previsto, acompanhando (às vezes praticando) o que os profissionais faziam na

prática. É este tipo de estágio que foi herdado pela ACIPOL quando iniciou a formação

superior em ciências policiais e que constitui nosso objecto de análise neste estudo.

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Sobre este tipo de acções na formação profissional, Pimenta (2011) observa

que:

A observação é feita sem objectivo predeterminado e sem o preparo que leve o aluno a dela retirar subsídios para os estudos posteriores, sendo muitas vezes realizada sem a assistência de professor capaz de discutir e analisar criticamente o que foi observado. Quanto à supervisão (grifo nosso), as oportunidades são quase inexistentes (PIMENTA, 2011, p. 40)

No currículo de licenciatura (graduação) em ciências policiais ministrado na

ACIPOL está previsto o Estágio Curricular e as Práticas Pré-profissionais, estas

definidas como sendo “actividades práticas de inserção, programadas, relacionadas com

o curso, de carácter obrigatório realizadas por estudantes do curso de graduação em

unidades e subunidades policiais e similares, do primeiro ao terceiro ano do curso, sob

orientação de docentes, que as avaliam, e supervisão da coordenação do estágio”.

O alcance destas actividades é que os estudantes em formação inicial tenham,

desde o primeiro ano do curso, contactos com o seu futuro campo profissional,

acompanhando as actividades realizadas pelos profissionais, de modo a ampliar e

consolidar os seus conhecimentos sobre as actividades policiais, interagindo com eles.

Pressupõe-se que as práticas pré-profissionais sejam constituídas por módulos

interdisciplinares construídos na base dos conteúdos fundamentais das disciplinas que

corporizam cada nível do curso pelos docentes desses níveis que orientam, também, a

sua realização prática.

Porém, a prática evidencia que tanto o estágio curricular, quanto as práticas

profissionais nunca foram regulamentados. Talvez seja por isso que as práticas pré-

profissionais nunca foram realizadas desde que começaram os cursos de graduação em

ciências policias, nem os respectivos módulos construídos. O estágio curricular sempre

foi realizado nos moldes tradicionais de “entrega” do estagiário ao local do estágio sem

nenhum guião sobre o que deve fazer, como deve fazer, que metas deve alcançar, sobre

o quê e por quem vai ser avaliado. Provavelmente, este é um dos factores de

desinteresse dos estagiários e de descrédito de suas competências profissionais pelos

profissionais experientes.

Consideremos, em seguida, a proposta da autora segundo a qual a prática em

seu sentido amplo seja dominante e absoluta, pois “da realidade virão os problemas a

serem analisados”. Disso resulta ainda que os professores da Prática tenham ampla

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experiência em trabalho operativo, além de serem constantemente actualizados (ibidem,

p.40).

Sobre esse entendimento, Masetto se posiciona claramente ao fazer a seguinte

afirmação interrogativa:

O estágio precisa urgentemente ser resgatado como um grande espaço de formação profissional. Merece um lugar de destaque no currículo. Por que não pensá-lo como um dos eixos de formação que perpassa todo o currículo, favorece a integração das disciplinas e da teoria com a prática, se realiza durante todo o curso em situações diferentes, cada vez mais complexas, sempre com acompanhamento não apenas de um professor encarregado do estágio, mas de todos os professores em cujas disciplinas ele é realizado (MASETTO, 2010, pp.72-73).

Diagnosticando o distanciamento entre a realidade prática e os cursos de

formação, a autora aponta algumas possíveis causas nos seguintes termos:

As instituições de formação traduzem no seu interior – na sua organização e

funcionamento, no seu currículo e nos programas, nos métodos de formação, nos seus

professores (no trabalho destes) – o não compromisso com a formação do professor

necessário à transformação quantitativa e qualitativa do ensino, isto é, a instituição não

está sendo competente para formar professores capazes de contribuir com a formação

(policial) de qualidade (ibidem, p.44).

Sendo assim, continua o autor, a prática foi ficando cada vez mais “teórica”, ou

seja, distanciada da realidade. Nem se poderia falar mais aqui em prática como

experiência, como reprodução de modelos – que modelos? Para o caso da Polícia,

destaca-se aqui a importância da formação dos docentes próprios para a formação

policial ser realizada em cursos específicos, com profissionais especializados, se

necessário, em parceria com a Universidade. Enfim, aponta-se uma nova política de

formação de professores próprios da área policial que articulem as diferentes áreas dos

processos policiais e os conhecimentos dos diferentes níveis de formação policial –

básico – médio e superior de forma sistêmica.

Tendo em atenção estas considerações, poderíamos voltar às constatações dos

avaliadores da missão backstopping; de que prática eles falam? O esclarecimento desta

dúvida é importante para não incorrermos no erro de reduzir a prática à actividade. E

passarmos a postular um curso de formação onde haja identidade entre conhecimento

teórico e actividade.

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2.10.5. Um novo entendimento de prática

Ao nível conceitual, vários estudos vêm contribuindo para o melhor

entendimento da indissociabilidade entre a teoria e aprática.

Examinando historicamente a relação teoria-prática, (Candau & Leis Apud

Pimenta, 2011, P.66), identificam duas visões. A primeira é a dicotômica, que enfatiza

a autonomia da teoria em relação à prática e vice-versa. A expressão mais radical dessa

visão é o entendimento de que na prática a teoria é outra. Mas também considera teoria

e prática como pólos associados, diferentes e não necessariamente opostos. A teoria

tem primazia em relação à prática e esta é aplicação daquela, podendo eventualmente,

ser corrigida ou aprimorada pela prática. Mas, via de regra, a prática conforma-se à

teoria.

Segundo essa visão dicotômica, característica do positivismo, Candau & Leis

defendem a visão de Unidade entre a teoria e prática. Unidade que não é identidade,

mas relação simultânea e recíproca de autonomia e interdependência. Teoria e prática

são componentes indissociáveis da Práxis55 definida, conforme (Vásquez apud

Pimenta, 2011, p.67), como actividade teórico-prática, ou seja, tem lado ideal, teórico,

e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de que só

artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro.

Traduzindo essa unidade de teoria e prática para a formação policial, podemos

afirmar que o fazer policial, “o objecto do policiamento56” e “como realizar o

policiamento” deve ser articulado ao para quê e para quem, expressando a unidade

entre os processos proacvtivos e os processos reactivos; entre a prevenção e a

investigação; entre a manutenção e a reposição da ordem pública. A partir dessa ideia

podemos apontar para a possibilidade de o policiar (fazer policiamento) desenvolver

uma práxis criadora.

Os estudos de Fávero (1992) citados por Pimenta (2011, pp.68-9), sobre o

estágio curricular na universidade, trazem outras contribuições para a nossa reflexão. A

autora parte do ponto de vista de que a propalada unidade entre a teoria e a prática, na

55 Para Marx (apud VÁSQUEZ1968), Práxis é a atitude (teórico-prática) humana de transformação da natureza e da sociedade. Não basta conhecer e interpretar o Mundo (teórico) é preciso transformá-lo (práxis). 56 Policiamento, como conjunto dos processos policiais (administrativos e operativos) realizados para a manutenção da ordem pública e garantia da segurança de pessoas e do patrimônio.

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realidade, continua sendo um mecanismo de ajuste para encobrir o defasamento entre

teoria e prática.

Partindo dessa constatação, a autora levanta três questões: deverá o estágio na

universidade ser elemento de mediação entre teoria e prática? Em caso afirmativo, que

factores impedem essa realização? Por que o estágio curricular, em geral, não prepara

para o efectivo exercício profissional?

A autora inicia denunciando a prevalência da concepção dicotômica na qual o

papel da universidade é possibilitar a aquisição de conhecimentos acumulados e não

elaborar elementos que contribuam para a intervenção na realidade social. Esta

concepção, continua a autora, também se manifesta pela ênfase e até privilégio da

formação prática, vista como se tivesse lógica própria, independente de teoria.

Opondo-se a essa concepção, propõe a concepção dialéctica na qual teoria e

prática são o núcleo articulador da formação do profissional. Teoria e prática são

indissociáveis. A prática (a análise teórica da prática) é o ponto de partida e de chegada.

A conseqüência disso é que ninguém se tornará profissional apenas porque sabe sobre

os problemas da profissão, por ter estudado algumas teorias a respeito. Não é só com o

curso que o indivíduo se torna profissional. É, sobretudo, comprometendo-se

profundamente como construtor de uma práxis que o profissional se forma (FÁVERO

apud PIMENTA, 2011, p.69).

Concordamos com a autora deste texto quanto à visão dialéctica sobre a relação

entre teoria e prática, pois o nosso entendimento é que a finalidade do estágio

supervisionado e das práticas pré-profissionais é proporcionar que o estagiário tenha

uma aproximação e vivência com a realidade na qual irá actuar. Portanto, não se deve

colocar o estágio como o pólo prático do curso, mas como uma aproximação à prática

(entendida como intervenção e interacção com os profissionais), na medida em que será

conseqüente à teoria estudada no curso, que, por sua vez, deverá se constituir numa

reflexão sobre e a partir do policiamento no contexto em que decorre.

Se esse é o entendimento, o estágio curricular na ACIPOL deverá ser um

projecto integrado e integrador das áreas científicas e disciplinas do curso, sob

coordenação da ciência e tecnologia policiais, e será reflexão e análise dos problemas

levantados do cotidiano das unidades e subunidades policiais.

As diferentes disciplinas, sob coordenação das respectivas áreas científicas,

conforme a estrutura do currículo, deverão fornecer os subsídios para a compreensão

dos determinantes dessa prática, pois o objecto do trabalho policial possui uma

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dinâmica essencialmente articulada às determinações sociais mais amplas. A reflexão

sobre a prática, sua análise e interpretação constroem a teoria que retorna à prática para

esclarecê-la e aperfeiçoá-la.

Ivani Fazenda, conceituada pesquisadora em interdisciplinaridade, sistematiza

da seguinte forma a sua visão sobre o estágio:

(...) o estágio vem sendo órfão da prática e da teoria (...): Como lida basicamente com as questões da realidade concreta, da prática, o aluno vai perceber que para explicá-la e nela intervir é necessário refletir sobre a mesma, e que essa reflexão só não será vazia se alimentar-se da teoria (...). O bom professor, o professor comprometido, tem a obrigação de saber o que indicar, o como indicar, o onde indicar, aí a importância das fontes (FAZENDA, 1994, p.20).

A lição que se tira da concepção de André & Fazenda sobre o estágio é que,

enquanto processo da compreensão da realidade, o estágio deve indicar como o aluno a

explora e a compreende, deve conduzir a observação do aluno, para que ele entenda em

cada detalhe o todo, a totalidade, o como agir que, somado ao entendimento dos outros

actores pode descortinar novos horizontes para processos policiais mais audaciosos

relativamente aos novos paradigmas do policiamento. Em nosso entender, dessa forma

vai desenvolver o discernimento de que a tecnologia policial se concretiza e se valoriza

nas práticas policiais (VENDRAMINI,2010, p.25).

2.10.6. A Prática como exercício da técnica

A construção do conhecimento se faz pela integração das informações de uma disciplina com as informações obtidas junto às demais disciplinas de modo multi ou interdisciplinar (Masetto, 2010, p.79).

Lima & Pimenta (2010, p.37) afirmam que O exercício de qualquer profissão é

técnico, no sentido de que é necessária a utilização de técnicas para executar as

operações e acções próprias. Logo, qualquer profissional necessita desenvolver

habilidades específicas para operar os instrumentos próprios de seu ofício. O polícia

também. No entanto, completam aquelas autoras, as habilidades não são suficientes

para a resolução dos problemas com os quais se defrontam, uma vez que a redução às

técnicas fica empobrecida do conhecimento científico e da complexidade das situações

do exercício dessas profissões. Nessa perspectiva, o profissional fica reduzido ao

prático: não necessita dominar os conhecimentos científicos, mas tão somente as

rotinas de intervenção técnica deles derivadas (ibidem).

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Essa compreensão se traduz, muitas vezes, em posturas dicotômicas em que

teoria e prática são tratadas isoladamente, o que pode gerar equívocos no processo de

formação profissional.

A prática pela prática e o emprego de técnicas sem a devida reflexão podem reforçar a ilusão de que há uma prática sem teoria ou de uma teoria desvinculada da prática. Tanto é que freqüentemente os alunos afirmam que “na minha prática a teoria é outra”. Ou pode-se ver em painéis de propaganda: “A Faculdade onde a prática não é apenas teoria”(...). Nessa perspectiva, a atividade de estágio fica reduzida à hora da prática, ao “como fazer”, às técnicas a ser empregadas, ao desenvolvimento de habilidades específicas do manejo de instrumentos (LIMA &PIMENTA, 2010,p.37).

A formação policial ainda é marcada por uma forte componente de instrução e

treino para o desenvolvimento de habilidades técnicas para o atendimento necessário ao

público (preenchimento de autos diversos, fichas diversas, modelos de informação e

relatório, entre outros) por um lado, e habilidades técnicas para o desembaraço físico

necessário para intervenção em situações de reposição da ordem, detenções, manejo de

armas de fogo e outras que implicam o uso da força. É verdade que o processo

formativo é mais amplo, complexo e inclui situações específicas de treino, mas não

pode ser reduzido a este. Parece-nos que em certo nível, é possível falar em domínio de

determinadas técnicas, instrumentos e recursos para o desenvolvimento de

determinadas habilidades em situação.

Se assim é, cabe indagar: quem define as habilidades mais importantes a ser

treinadas? Seriam as habilidades treinadas generalizáveis para o trabalho policial com

qualquer agrupamento de formandos (cadetes)? Portanto, entenda-se que a habilidade

que o oficial da polícia deve desenvolver é saber lançar mão adequadamente das

técnicas conforme as diversas e diferentes situações em que o policiamento ocorre, o

que necessariamente implica a criação de novas técnicas. A formação deve considerar

sempre o facto de que as situações policiais não são iguais e nem sempre poderão ser

resolvidas com técnicas.

As reclamações sobre a qualidade do oficial graduado da ACIPOL podem-nos

induzir a conceber o estágio como o pólo da prática, por um lado e, por outro, podem

ser o indicativo de que as disciplinas que compõem o curso de formação não

estabelecem os nexos entre os conteúdos que desenvolvem e a realidade na qual o

policiamento ocorre.

Como afirma Kopnin (2001, p.135), O pensamento nasce de necessidades

práticas para satisfazer necessidades da prática; é um processo dirigido por

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finalidades; é a prática que determina ao homem o que é necessário, e o que ele deve

conhecer para atender a estas finalidades, bem como quais são as suas prioridades no

processo de conhecer; teoria e prática funcionam como processo de mútua

retroalimentação.

Quando dizer/ouvir e demonstrar/imitar são combinados, como geralmente o são, oferece uma grande variedade de objectos e modos de reflexão possíveis que podem ser combinados para preencher os espaços inerentes em cada processo. Perguntar, responder, aconselhar, demonstrar, observar, imitar, criticar – todos estão conectados de forma que uma intervenção ou resposta possa desencadear ou construir outra. Constitui-se, assim, a corrente de acções e reflexões recíprocas que forma o diálogo entre o estudante, o instrutor e a realidade com que estão envolvidos (SCHÖN, 2000, p.95).

2.10.7. Estágio como aproximação da teoria à realidade

Lima & Pimenta (2010, p.45) corroboram com a nossa visão de que a finalidade

do estágio é propiciar ao aluno uma aproximação à realidade na qual actuará no seu

futuro profissional. Assim, o estágio se afasta da compreensão até então corrente, de

que seria a parte prática do curso. As autoras defendem uma nova postura, uma

redifinição do estágio, que deve caminhar para a reflexão a partir da realidade.

No entanto, a aproximação referida não deve ser conotada com a observação

minuciosa da realidade. Elas esclarecem que,

A aproximação à realidade só tem sentido quando tem conotação de envolvimento, de intencionalidade, pois a maioria dos estágios burocratizados, carregados de fichas de observação, é míope, o que aponta para a necessidade de um aprofundamento conceitual do estágio e das atividades que nele se realizam.

Barato (2003, p.66), valoriza sobremaneira o aprender participando e rebusca

as afirmações de Wenger sobre aprendizagem, significado e identidade como um

percurso para o desenvolvimento profissional significativo. Em outras palavras,

entende que actos de participação vão construindo o aprender nos níveis individual e

social. Nesse sentido, considera o aprender fazendo um caminho natural para

aprendizagens significativas. Porém, o mesmo autor chama a atenção parao seguinte:

O termo Prática, ou conhecimento prático, parece ser inadequado para designar saberes cujos níveis de representação, quando vistos sem desvios etnocêntricos, são muito mais abstratos do que o esperado (...). Saber fazer não é apenas uma receita que possa ser automaticamente aplicada, não é um simples exercício instrumental. Saber fazer é processo que engaja os sujeitos

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em aventuras cognitivas muito mais abrangentes que o desempenho observável (BARATO, 2003, pp.66-67).

Esse entendimento implica que os professores orientadores de estágio

procedam, no colectivo, junto a seus pares e formandos (estagiários), a essa apropriação

da realidade para analisá-la criticamente como objecto da práxis.

No cerne desse aprofundamento Lima & Pimenta (2010, p. 45), concluem que o

estágio, ao contrário do que se propugnava, não é actividade prática, mas teórica,

instrumentalizadora da práxis profissional, entendida esta como actividade de

transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio curricular é actividade teórica de

conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objecto

da práxis.

Sobre esse ponto de vista, Masetto (2010) defende que a formação profissional

deve ser realizada em ambientes profissionais, chamando a atenção para a riqueza e a

importância dessa formação e para a necessidade de rever os princípios que a regem:

(...) cabe destacar que uma situação profissional é real, complexa, conflitiva, que exige conhecimentos adquiridos ou a serem pesquisados, habilidade de os aplicar a uma situação real, integrando teoria e prática, buscando solução ou encaminhamento para um problema, convivendo numa equipe de trabalho que pode envolver profissionais de áreas diferentes trabalhando conjuntamente, demonstrando a necessidade da multi ou interdisciplinaridade (Masetto, 2010, pp.71).

2.10.8. A pesquisa no estágio

A pesquisa no estágio é uma estratégia, um método, uma possibilidade de

formação do estagiário como futuro profissional.

A pesquisa no estágio, como método de formação de futuros profissionais, se traduz, de um lado, na mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam; por outro lado, e em especial, se traduz na possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e habilidade de pesquisador a partir das situações de estágio, elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam (LIMA & PIMENTA, 2010, p.46).

O estágio a que a citação acima se refere, pressupõe outra abordagem diante do

conhecimento, que passe a considerá-lo não mais como verdade capaz de explicar toda

e qualquer situação observada. Supõe que se busque novo conhecimento na relação

entre as explicações existentes e os dados novos que a realidade impõe e que são

percebidos na postura investigativa (ibidem).

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As autoras explicam ainda que a incorporação da pesquisa no estágio

possibilitou o desenvolvimento da concepção do profissional reflexivo, que valoriza os

saberes da prática em contextos institucionais (Schön,1992) e capazes de produzir

conhecimento (Nóvoa, 1999), e como profissional crítico-reflexivo (Pimenta, 2003).

A expressão“profissional reflexivo foi cunhada por Donald Schön, referindo-se

aos professores. Observando a prática dos profissionais e valendo-se de seus estudos de

filosofia, principalmente sobre Dewey, Schön propõe que a formação dos profissionais

não se dê mais nos moldes de um currículo normativo que primeiro apresenta a ciência,

depois a sua aplicação e por último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos

conhecimentos técnico-profissionais.

O profissional assim formado não consegue dar respostas às situações que emergem no dia a dia profissional, porque estas ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas que esta poderia oferecer ainda não estão formuladas (PIMENTA, 2010, p.48).

Valorizando a experiência e a reflexão na experiência referidas Dewey, Schön

propõe uma formação baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na valorização

da prática profissional como momento de construção de conhecimento por meio de

reflexão, análise e problematização dessa prática e a consideração do conhecimento

tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram em acto (ibidem).

Deste modo, encontramos em Schön uma forte valorização da prática na

formação dos profissionais, mas uma prática reflectida, que os possibilita a responder

com actuações novas às situações de incerteza e indefinição.

No tocante à formação em Ciências Policiais, Silva (2010, p.77) e Antunes

(1997, pp.41-42) sugerem como melhor opção o currículo integrado, que faz uma

articulação dinâmica entre trabalho e ensino, prática e teoria, ensino e proximidade com

a comunidade, levando em conta as características sócio-culturais do contexto em que

ocorre.

Para o efeito, a estratégia adoptada foi de envolver, de forma participativa, os

diferentes actores da ACIPOL, nomeadamente docentes, alunos e os funcionários na

análise das diferentes dimensões que compõem e caracterizam o currículo formal

vigente e o processo pedagógico. Também foram envolvidos, de forma selectiva,

profissionais da Polícia em exercício de funções nas unidades e subunidades da Polícia

da República de Moçambique. Esse procedimento, segundo Chizzotti (2010, p. 77),

consubstancia a pesquisa qualitativa como activa.

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De acordo com Brandão & Streck (2006), essa modalidade de pesquisa

apresenta dois atributos básicos: relação de reciprocidade entre sujeito e objecto e

relação dialéctica entre teoria e prática . Isso significa que o conhecimento da realidade

só se dá no estabelecimento de uma relação entre o pesquisador, técnicos operacionais

e de formação policial, grupos de trabalho em áreas policiais, em que já não se pode

mais falar na separação produzida pela dicotomia entre sujeito e objecto da pesquisa e

entre teoria e prática.

A esse propósito Brandão (2006, p. 128) afirma que “O pesquisador e os demais

envolvidos com essa realidade passam a construir um sujeito, uma unidade em acção,

que busca desenvolver um aspecto ou aspectos da realidade, apropriando-se

criticamente desta...” Na verdade, a realidade do trabalho policial é complexa, é

distinta de uma actividade prática produtiva: a “matéria” com que o polícia lida é o

cidadão. Os aspectos a serem priorizados na formação dos oficiais só podem ser

discutidos e criticamente seleccionados em colaboração com os que estão envolvidos

no trabalho prático do dia-a-dia. O facto de o estudo ter como enfoque as práticas pré-

profissionais e o estágio supervisionado explica e justifica essa interacção.

No presente trabalho é aplicável, com a devida contextualização, o pensamento

de Lapassade, citado por Barbier (2007), ao criar a tipologia da International Council

for Adult Education (1977), descrevendo os seguintes aspectos que caracterizam a nova

abordagem da pesquisa participante:

o problema nasce na instituição que o define, analisa e assume o compromisso de o resolver; a meta da pesquisa é a transformação da realidade existente e a melhoria dos métodos de trabalho das pessoas nele envolvidas. Os beneficiários da pesquisa são, portanto, os próprios membros da instituição; o procedimento da pesquisa participativa pode suscitar nos participantes uma melhor conscientização dos seus próprios recursos e mobilizá-los de maneira a prepará-los para um desenvovimento endógeno. Trata-se de um procedimento de pesquisa que a participação da comunidade envolvida no ambiente ou objecto pesquisado facilita uma análise mais precisa e mais autêntica da realidade pesquisada. (pp. 60-62).

Os principais conceitos que este estudo discute, de acordo com o enfoque da

pesquisa, estão relacionados com a formação policial para o desenvolvimento de

competência requerida para o desempenho de funções de oficial da Polícia, articulada

pelo estágio curricular supervisionado e pelas práticas pré-profissionais.

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Deste modo, no desenvolvimento desta pesquisa todo o conceitual teórico

referente à visão sobre o currículo, sua concepção, desenvolvimento e avaliação; as

acepções sobre o estágio curricular supervisionado e sobre as práticas pré-profissionais,

visando o equilíbrio entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas da

formação, são analisados, discutidos e concebidos numa perspectiva crítica.

2.10.9. Conceituando as Práticas Pré-Profissionais

Sempre que um indivíduo se encontra numa empresa, ou numa organização,

sem contrato de trabalho, com termo ou sem termo, há a tendência de considerá-lo

como estagiário, quer pelo próprio, quer pelos colegas de trabalho, ou até mesmo pela

própria organização.

No entanto, nem sempre tal é verdade. Nem todos aqueles que se encontram

numa empresa sem um vínculo laboral são estagiários ao serviço de uma organização.

Há uma figura que não é considerada num estágio. Tal figura é a Formação Prática em

Contexto Real de Trabalho, também conhecida por Práticas Pré-Profissionais.

Neste estudo, adoptamos preferencialmente o termo Práticas Pré-Profissionais

(PPP) para designar a Formação Prática em Contexto Real de Trabalho.

De acordo com Lima & Olivo (2007), Práticas Pré-Profissionais (PPP) são

caracterizadas como um conjunto de actividades de práticas, exercidas em situações

reais de trabalho, sem vínculo empregatício. Significa aprendizagem, ou seja, estudos

práticos para aprendizagem e experiência em determinado assunto ou profissão visando

o desenvolvimento profissional. Assim, as PPP, como parte integrante do currículo de

formação, consistem em trabalho obrigatório de campo, no qual as actividades práticas

são exercidas de forma orientada e gradativa, desde o início do curso até à realização

do Estágio, sinalizando o seguinte aspecto:

(...) Serem interpretadas como um ponto convergente entre a teoria e a prática, percebendo-as como um elo facilitador no ajustamento natural do estudante, no sentido de melhor receber adequação e entendimento das exigências técnico-profissionais e éticas do mercado de trabalho no qual terá de atuar (LIMA & OLIVO, 2007, P.51).

As Práticas Pré-profissionais, também designadas por Formação Prática em

Contexto Real de Trabalho, consistem na realização pelo formando, de actividades

profissionais enquadradas em itinerários de formação estruturados e sob a orientação de

um Tutor, inseridas em processos reais de trabalho junto de pessoas singulares ou

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colectivas, que desenvolvam uma actividade de produção de bens ou prestação de

serviços.

Entende-se por Tutor/Formador em Contexto Real de Trabalho o profissional

que assegura funções pedagógicas, em relação directa, com um ou mais formandos,

jovens ou adultos, em sistemas de formação inicial ou formação de activos/contínua,

preparando, desenvolvendo e avaliando a actividade formativa realizada em contexto

real de trabalho.

As Práticas Pré-Profissionais (PPP) configuram-se, simultaneamente, como um

espaço de formação para o futuro oficial da Polícia e uma instância de pesquisa para o

processo de compreensão e intervenção na realidade, contribuindo para a formação

policial como um todo.

Práticas Pré-Profissionais (PPP) visam a aprendizagem de competências e habilidades próprias da actividade profissional e à contextualização curricular, com o objectivo de propiciar o desenvolvimento do formando para a vida cidadã e para o trabalho (ibidem).

Como estratégia de formação profissionalizante, o futuro oficial da Polícia – ao

realizar as Práticas Pré-Profissionais (PPP) em questão – poderá vivenciar experiências

que enriquecerão a aprendizagem acadêmica, produzir indagações, articular teoria e

prática e realizar analogias com o contexto de desenvolvimento do Curso de

Licenciatura (graduação) em Ciências Policiais. Assim, esse componente curricular

constitui-se no espaço privilegiado de articulação entre a formação teórica e o início da

vivência profissional supervisionada pela instituição formadora. O licenciando

(graduando) terá, portanto, a oportunidade de se defrontar com os problemas concretos

do processo ensino-aprendizagem, gestados na dinâmica própria do espaço escolar,

relacionando-os com a realidade vivenciada nos ramos policiais.

Para tanto, precisa ser planificado, executado, acompanhado e avaliado

obedecendo às directrizes relativas aos currículos, programas e calendários escolares.

Na ACIPOL pressupõe-se que as práticas pré-profissionais sejam constituídas por

módulos interdisciplinares construídos na base dos conteúdos fundamentais das

disciplinas que corporizam cada nível do curso pelos docentes desses níveis que

orientam, também, a sua realização prática.

2.10.10. Quanto ao objectivo das práticas pré-profissionais

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O objectivo geral das Práticas Pré-Profissionais consiste em promover a imersão

do estudante nessa realidade profissional, de forma a levá-lo a identificar, de forma

gradativa, potencialidades e fragilidades do processo formativo. A acção poderá

contribuir tanto para a consolidação da formação do formando, que estará actuando

sobre uma realidade concreta e próxima, como para o espaço de formação integral, no

sentido de receber contribuições no encaminhamento de aspectos que demandam

melhoria, detectados ao longo da vivência com a realidade policial.

Como foi referido na definição, elas se realizam de forma gradativa ao longo do

curso. No término de cada fase, o formando deverá apresentar um relatório analítico,

destacando prioridades de acção nas diferentes modalidades, que afectam o processo de

formação e visando o desenvolvimento de projectos formativos.

Inspirados em Schön (2000, P.95), podemos afirmar que no caso da formação

policial as práticas pré-profissionais visam, entre outros, três objectivos fundamentais:

i. Articular conhecimentos, habilidades e atitudes (CHAs) em ambiente de

actuação policial;

ii. Proporcionar ao formando oportunidades de desenvolver suas competências,

analisar situações e relacionar a formação (o ambiente educacional) com a

realidade do trabalho policial;

iii. Estimular o desenvolvimento da criatividade, de modo a formar profissionais

inovadores, capazes de aprimorar modelos, métodos, processos e de adotar

tecnologias e metodologias alternativas para o desenvolvimento dos processos

policiais de forma crítica e reflexiva.

2.10.11. Forma de realização das Práticas Pré-Profissionais

A Prática Pré-Profissional na unidade ou subunidade policial é uma

oportunidade para que o cadete aprimore suas competências profissionais em ambiente

real de trabalho. A prática pré-profissional não se confunde com a afectação ou estágio.

Trata-se de um período de ambientação e realização de actividades profissionais pelo

cadete na unidade ou subunidade seleccionada para tal. Em decorrência do carácter

formativo da Prática Pré-Profissional, é necessário que o cadete, ao realizar suas

actividades, seja acompanhado e orientado por um oficial da unidade/subunidade,

formalmente designado para exercer a função de orientador local.

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Saville & Cleveland (2002, p.47), apresentam 3 possibilidades básicas de

realização da Prática Pré-profissional as quais podem, mais tarde, ser combinadas de

duas formas com o Estágio Curricular: pode ser realizada de forma Concomitante,

Sequencial ou Concomitante e Sequencial em simultâneo. As formas concomitante e

sequencial também podem ser combinadas com o Estágio curricular. A tabela 9 ilustra

os tipos de prática pré-profissional e a forma de realização das actividades.

Tabela 10: Forma em que a Prática Pré-profissional poderá ser realizada

Tipo de prática pré-profissional Forma de realização das actividades

a) Prática Pré-Profissional Concomitante:

O cadete realiza a prática pré-profissional na unidade de forma simultânea ao curso desenvolvido na Academia. A ACIPOL define as principais áreas de intervenção e a partir de que data o cadete poderá desenvolver a prática pré-profissional na unidade/subunidade.

b) Prática Pré-Profissional Sequencial

O cadete realiza a prática pré-profissional na unidade/subunidade de forma sequencial ao curso desenvolvido na ACIPOL. É recomendável a prática pré-profissional na unidade/subunidade de forma sequencial, pois, o cadete, após a conclusão da fase escolar possui uma formação mais sólida. Acrescente-se ainda que, com a estruturação do currículo em tronco comum (3 anos) e orientação para a especialidade (1 ano), a unidade/subunidade permanece mais tempo com um mesmo cadete, aprofundando o conhecimento de suas habilidades, dificuldades e necessidades de apoio formativo.

c) Prática Pré-Profissional Concomitante + Sequencial

O cadete realiza a prática pré-profissional, inicialmente, de forma concomitante ao curso desenvolvido na Academia. Quando finalizada a fase escolar, o cadete desenvolve somente a prática pré-profissional de forma sequencial, dentro da unidade. Neste caso, a prática pré-profissional pode confundir-se com o Estágio Curricular.

d) Prática Pré-Profissional Concomitante + Estágio Curricular

O cadete realiza o Estágio Curricular na unidade/subunidade diferente de onde realizou a prática pré-profissional.

d) Prática Pré-Profissional Sequencial + Estágio Curricular

O cadete realiza o Estágio Curricular na unidade/subunidade onde realizou a prática pré-profissional. O que varia é o nível de autonomia e a profundidade da intervenção do formando em processos policiais.

Fonte: autor, inspirado em SAVILLE, G. & CLEVELAND (2002, p.47)-Program Training Officers

model.

2.11. Como diferenciar o Estágio das Práticas Pré-Profissionais?

Apesar de diferentes, é corrente aplicar-se o conceito de estágio para ambas as

hipóteses (estágio e práticas pré-profissionais), isto é, para uma pessoa externa à

empresa/organização e que está a aprender sistemas e métodos de trabalho. Esse

tratamento também é corrente nas áreas e ramos policiais quando recebem estudantes

(cadetes) ainda em formação policial. São todos tratados comumente por estagiários.

O Estágio Supervisionado Obrigatório constitui-se em actividade obrigatória,

com a finalidade de propiciar a complementação do ensino, desenvolver a capacidade

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de interacção adequada com situações e ambientes específicos da realidade profissional

e competências para o exercício ético, técnico e responsável da profissão.

Ao nível da literatura a maior parte dos autores (Por exemplo, Pacheco, 2001;

Lima & Olivo, 2007; Pimenta & Lima, 2010; Pimenta, 2001), definem o estágio como

o período de iniciação prática à profissão. Neste quadro, o estágio em sector de

produção (empresa, serviços) é o meio privilegiado de encontrar e explorar as

experiências e que envolve sempre o contacto com a prática.

As actividades do Estágio Supervisionado Obrigatório são planificadas,

executadas e avaliadas em conformidade com os currículos, programas, cronograma e

procedimentos específicos das práticas oferecidas em cada curso.

Práticas Pré-Profissionais (PPP) são caracterizadas como um conjunto de

actividades práticas, exercidas em situações reais de trabalho, sem vínculo laboral.

Significam aprendizagem, ou estudos práticos para aprendizagem e experiência em

determinado assunto ou profissão visando o desenvolvimento profissional. Consistem

em trabalho obrigatório de campo, no qual as actividades práticas são exercidas de

forma orientada e gradativa.

Tabela 11: Estágio versus Práticas Pré-profissionais: Diferenças

PRÁTICAS PRÉ-PROFISSIONAIS ESTÁGIO CURRICULAR

Inserido na formação Sim Sim

Designação Tutorando Estagiário

Tutor Orientador do estágio

Vínculo laboral Contrato de formação Contrato de estágio

Estruturação Módulos faseados (gradativos) Global (enfoque no perfil de saída)

Duração Conforme a duração do programa de formação (tronco comum)

Entre 4 e 6 meses

Resultados esperados

-Capacidade de relacionar os fundamentos teóricos da formação com as actividades práticas da Polícia; -Conhecimento sobre organização e funcionamento da corporação policial; -Conhecimento da posição e função dos Ramos da Polícia; -Domínio das actividades policiais básicas.

-Domínio dos princípios da doutrina policial; -Habilidade de intervenção em processos policiais concretos; -Desenvolvimento de habilidades de relacionamento com a comunidade.

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CAPÍTULO III

A PERCEPÇÃO DOS COMANDANTES E DOS OFICIAIS DA PRM ACERCA DA RELEVÂNCIA DA FORMAÇÃO OFERECIDA PELA

ACIPOL

Neste capítulo apresentamos as opções metodológicas que orientaram o presente

estudo, os participantes da pesquisa, bem como sua caracterização. É descrito todo o

processo de recolha, tratamento, análise e interpretação dos dados da pesquisa de

campo, considerando o cruzamento da informação das diferentes fontes e dos diferentes

instrumentos aplicados. Nota-se, neste capítulo, que a primeira parte dos dados

recolhidos é profundamente quantitativa e a segunda, mais qualitativa e descritiva. A

consideração geral do capítulo é a constatação das áreas de formação, as competências-

chave, as matérias consideradas fundamentais pelos participantes da pesquisa e a

emergência de um currículo integrado como umas das vias para articular o equilíbrio

entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas da formação.

O preâmbulo do currículo da ACIPOL refere que, tendo em conta a

especificidade da formação superior de oficiais da Polícia, os formandos devem ser

capazes de responder com competência às solicitações da realidade social. Desse modo,

as competências que lhes são exigidas apresentam-se a três níveis: profissional,

institucional e pessoal. Assim, sob o ponto de vista profissional o oficial da polícia

deve possuir habilidades e competências para lidar com os desafios profissionais. Em

termos pessoais habilidades, valores e atitudes, bem estar físico e emocional e

disposição para uma aprendizagem ao longo da vida.

De acordo com Azevedo e Souza (1998, p. 203) convergem para o

desenvolvimento das competências profissionais os saberes teóricos, práticos e

instrumentais relacionados aos saberes situacionais, ou seja, das situações encontradas

na prática profissional.

Na realidade, os saberes práticos, originados das experiências cotidianas da

profissão, são adquiridos e reconstruídos em situações de trabalho sendo através desses

saberes que os profissionais são avaliados pelos seus pares e pelos seus superiores. Le

Le Boterf (2003, p.53) explica que entre os saberes práticos distinguem-se: os saberes

sobre a prática (saberes procedimentais e sobre o como fazer); os saberes da prática

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(produto das acções que tiveram êxito) e o saber quando e onde os saberes podem ser

aplicados.

Neste capítulo o estudo apresenta e analisa os dados colhidos no campo sobre a

percepção de comandantes e de oficiais da PRM acerca da qualidade da formação

superior de oficiais desenvolvida pela ACIPOL.

3.1. Opções metodológicas

Conforme foi anunciado no capítulo introdutório, o objectivo desta pesquisa é

estudar o currículo e a metodologia de formação na ACIPOL e pesquisar um grupo de

oficiais da polícia (de diversas categorias e funções, incluíndo graduados da ACIPOL),

levantando suas opiniões sobre aspectos fundamentais de formação superior de oficiais

da polícia, que afectem principalmente a sua formação prática, de modo a fundamentar

propostas inovadoras de formação equilibrada entre os fundamentos teóricos e as

habilidades práticas para os oficiais, articulados a partir das práticas pré-profissionais e

do estágio curricular supervisionado, capacitando os formandos ao cumprimento

adequado das exigências gerais e específicas do trabalho da polícia no contexto de

Moçambique.

Para compreender os processos que envolvem a realização do estágio e a

implementação do programa curricular do curso de licenciatura (graduação) em

Ciências Policiais ministrado pela ACIPOL de Moçambique, recorremos ao método

qualitativa de pesquisa, envolvendo o compartilhamento de acções com os participantes

da pesquisa, factos e percepções de oficiais da polícia em exercício de funções em

locais e níveis de responsabilidade propositadamente seleccionados como parte

integrante da pesquisa, para daí extrair e interpretar os significados dos dados

recolhidos.

O percurso metodológico foi constituído de 03 (três) etapas, que definimos

como ciclo da pesquisa, que se articulam e se complementam.

A primeira etapa refere-se à pesquisa documental, que se destinou ao

levantamento, recolha, organização e análise dos documentos relacionados com o curso

e o currículo em estudo57. Esta etapa serviu também para conhecermos o estado da arte

57 Resultou em um relatório parcial que deu subsídios para a produção de dois artigos científicos que

foram apresentados em eventos científicos, nomeadamente no X encontro de Pesquisadores da PUC-SP e

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do assunto em pesquisa. A tabela 11 ilustra os principais documentos que foram

analisados.

Tabela 12: Principais documentos institucionais analisados

N/O TIPO DE DOCUMENTO INSTITUIÇÃO RELAÇÃO C/PESQUISA

01 Plano Estratégico da ACIPOL ACIPOL Fonte do problema de pesquisa

02 Lei do Ensino Superior ACIPOL Enquadramento legal da

formação dada pela ACIPOL

03 Regulamentos Internos (lote) ACIPOL Missão, funcionamento, cultura

04 Revisão Curricular: relatório de

consultoria ACIPOL

Problemas detectados e nova

visão sobre o currículo.

05 Plano Estratégico da PRM Comando Geral da

PRM

Pilares estratégicos da formação

policial

06 Legislação sobre orgânica e

Estatutos da PRM (lote)

Comando Geral e

ACIPOL

Enquadramento sobre a missão

e carreiras da PRM

A segunda etapa consistiu na realização do trabalho de campo em cinco cidades

moçambicanas, nomeadamente Nampula no norte do país, Beira no centro, Xai-xai,

Maputo e Matola no sul, e na ACIPOL, o que combinou técnicas diversificadas, tais

como: inquéritos por questionário, entrevistas, grupos focais e memoriais reflexivos.

Esta etapa foi substancialmente fundamental na medida em que nos devia permitir uma

compreensão global dos fenômenos da pesquisa, através do contacto directo com os

participantes da pesquisa.

Essa compreensão só poderia ser alcançada com uma conduta participante que

partilhasse das práticas, das percepções e das experiências dos participantes da

pesquisa, procurando compreender a significação e importância social e técnico-

profissional por eles atribuída à relação entre a teoria e a prática na função dos oficiais

da polícia, com implicação na sua formação, e captar suas sugestões sobre as

estratégias de acção para a solução do problema que a pesquisa coloca. Conforme

sustenta Chizzotti, o conhecimento é uma obra colectiva e que todos os envolvidos na

na Conferência Internacional da ACIPOL sobre “Desafios da Formação Policial no Contexto da

Governação Democrática”.

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pesquisa podem identificar criticamente seus problemas e suas necessidades, encontrar

alternativas e propor estratégias adequadas de acção (CHIZZOTTI, 2010, p. 82).

A terceira e última etapa configurou-se entre o cruzamento das análises dos

documentos, da bibliografia e os dados levantados, a partir dos instrumentos de colecta

de dados, nomeadamente os inquéritos por questionário aplicados aos comandantes

distritais, das esquadras e/ou chefes das operações dos mesmos níveis de distrito e

esquadras; as entrevistas dirigidas aos directores de Ordem e Segurança e aos directores

de Pessoal e Formação das províncias de Nampula, Sofala, Gaza e Maputo-cidade. Na

ACIPOL, para além das entrevistas feitas ao Director Pedagógico (director acadêmico)

e ao chefe do Departamento de Ensino e Aprendizagem, foi realizado um grupo focal

constituído por docentes, investigadores, cadetes do 4º ano (finalistas) e graduados da

ACIPOL.

Outro grupo focal foi realizado no Comando da PRM da cidade de Maputo,

integrando comandantes das esquadras e chefes das operações, inspectores da Polícia

de Investigação Criminal (PIC) da cidade de Maputo, oficiais da Polícia de Trânsito

(PT) e oficiais do Comando das Forças Especiais e de Reserva (FER), para além dos

directores da Ordem Pública, da PIC e de Pessoal, todos do Comando da PRM-Cidade

de Maputo. Para a organização e análise desses dados foram utilizados distintos

recursos tecnológicos que privilegiaram a análise qualitativa. Recorremos à técnica de

análise de discurso para interpretar as respostas obtidas nas discussões dos grupos

focais e nas entrevistas realizadas, relativamente às concepções dos participantes e suas

sugestões sobre a relação entre a teoria a prática na formação de oficiais da polícia.

Para análise das informações, foram agrupadas as questões e as respostas de

acordo com a ordem em que foram dispostas nos inquéritos. Foram elaborados quadros

que propiciaram a visualização e diferenciação das respostas permitindo a interpretação

e cruzamento das mesmas.

Relativamente às entrevistas e grupos focais recorremos às técnicas de análise

de conteúdo e de categorias (BARDIN, 2011, PP. 65 e 201).

3.2. Caracterização dos participantes da pesquisa

De forma deliberada recorreu-se à técnica de amostragem propositada (não

probabilística), também chamada intencional por Marconi & Lakatos (1999, p.207),

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151

escolhendo os comandantes das esquadras58, chefes das operações, inspectores e

subinspectores com funções de direcção e chefia, nas esquadras e noutras áreas

operativas da Polícia moçambicana, exceptuamdo nas Forças Especiais e de Reserva

(FER), nomeadamente na Polícia de Trânsito, na Polícia de Investigação Criminal, na

Polícia de Transportes e Comunicações, por considerar-se que eram capazes de

fornecer informações importantes e que interessassem aos propósitos deste estudo. A

participação na pesquisa foi voluntária.

De acordo com Marconi & Lakatos (1999, pp.43-44), o universo ou população

de uma pesquisa depende do assunto a ser investigado. “A amostra que realmente será

submetida à verificação, é obtida ou determinada por uma técnica específica de

amostragem”. Grande parte dos pesquisadores e das teorias de pesquisa em ciências

sociais sustenta que há duas grandes divisões em processos de amostragem: a

probabilística e a não probabilística. A característica principal das técnicas de

amostragem não probabilística é a de que, não fazendo uso de formas aleatórias de

selecção, não poderão ser objectos de certos tipos de tratamento estatístico e, por essa

razão, os resultados obtidos não podem ser generalizados a toda a população. Estão

sujeitos, por exemplo, entre outros, a erros de amostra (na perspectiva probabilística).

Neste estudo foi aplicada a forma de amostragem não probabilística. Esse

procedimento dependeu das características dos participantes da pesquisa, e tinha em

vista permitir que fossem explorados, com certa profundidade, as percepções e opiniões

dos participantes sobre os problemas relacionados com o défice da ligação entre a parte

teórica da formação e o contexto real de trabalho dos oficiais da Polícia, e permitir que

os dados recolhidos com recurso a diferentes técnicas fossem cruzados e generalizados.

O quadro que se segue apresenta os dados identificativos dos participantes da pesquisa.

58 Esquadra, é designação que no português padrão de Moçambique se dá à uma Delegacia de polícia.

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152

Tabela 13: Dados gerais sobre a origem e número dos participantes da pesquisa

N/O Participantes Maputo

Cidade

Maputo

Província ACIPOL Gaza Sofala Nampula Tot.

01 Comando Geral da

PRM 02 02 04

02 Comandantes de

Esquadras 18 01 --- 10 10 10 49

03 Directores da

Ordem Pública 01 01 --- 01 01 01 05

04 Directores de

Pessoal e Formação 01 01 --- 01 01 01 05

05 Egressos da

ACIPOL 09 --- 03 05 05 05 27

06 Docentes da

ACIPOL --- --- 14 --- --- --- 14

07 Cadetes do 4º ano --- --- 30 --- --- --- 30

Tot. 31 03 49 17 17 17 134

Legenda:

*CGPRM: Comando Geral da PRM

*Cdtes: Comandantes

Este procedimento de amostragem é também defendido por Quivy &

Campenhoudt (1998, pp.160-163), que apresentam três possibilidades de procedimento

na amostragem, nomeadamente: estudar a totalidade da população, estudar uma

amostra representativa da população e estudar componentes não probabilisticamente

representativas, mas representativas da população.

No caso deste trabalho estudou-se componentes não probabilisticamente

representativas. Os participantes seleccionados são devidamente conhecidos e

conhecedores da matéria do objecto de estudo. Não se trata de conhecimento

individual de cada participante, mas sim das funções de cada um deles e do seu

envolvimento no contexto em que se observa o problema de pesquisa considerado. Foi

atendendo às características deste grupo (heterogéneo) e à profundidade da informação

necessária que se operacionalizou as técnicas de recolha de dados utilizadas,

nomeadamente grupos focais, entrevistas e inquéritos por questionário.

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153

3.3. Técnicas de recolha de dados

Para a recolha de dados recorreu-se às técnicas de investigação qualitativa,

nomeadamente o grupo focal, a entrevista, e o inquérito por questionário. A pesquisa

bibliográfica (Pedron, 2001, pp.132-133) foi usada para fundamentar teoricamente cada

técnica de recolha de dados, sua importância, usos e seus procedimentos. Este método

foi desenvolvido a partir de material já elaborado e consistiu na leitura de diversas

obras, relatórios da Polícia da República de Moçambique (PRM), revistas, artigos

científicos e documentos extraídos da Internet.

A utilização destes diferentes instrumentos visou a obtenção de dados de

diferentes tipos, a qual proporcionou a possibilidade de cruzamento de informações

obtidas de diferentes fontes. Por exemplo, os relatórios da PRM que não estão

directamente ligados à formação, informam sobre as actividades mais frequentes nos

processos policiais, o grau de dificuldade com que se realizam, os sucessos que se

conseguem obter e sobre o desempenho dos efectivos neles envolvidos. Essa

informação foi cruzada com as respostas das entrevistas aos comandantes distritais e de

esquadras sobre as actividades que realizam com frequência, as que lhes ocupam mais

tempo e as que realizam com dificuldades. Foi ainda cruzada com as respostas dos

graduados da ACIPOL sobre as actividades que realizaram durante o seu estágio e as

matérias que julgam que devam ser aprendidas durante a formação.

3.3.1. Entrevistas

A técnica de entrevista foi usada com os seguintes propósitos: explorar o

entendimento, as expectativas, as inquietações e as opiniões dos dirigentes da Polícia

dos níveis central, provincial e de distrito sobre o curso de Licenciatura em Ciências

Policiais que a ACIPOL ministra, bem como sobre o perfil e desempenho dos egressos

da ACIPOL; explorar o entendimento, inquietações e expectativas dos dirigentes da

ACIPOL e dos docentes, sobre o currículo em desenvolvimento na ACIPOL, sobre o

processo pedagógico, sobre o modelo de estágio em curso e sobre a qualidade (técnico-

profissional) dos graduados ; para explorar a opinião e o sentimento dos cadetes sobre o

currículo do curso, as actividades de formação, sobre o estágio e sobre a sua própria

inserção no curso; para explorar as opiniões dos graduados sobre o currículo do curso,

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154

sobre o estágio, sobre o ligação entre a formação recebida e as exigências do trabalho

na prática.

Também foi usada a técnica de entrevista para complementar as informações

colhidas através do inquérito por questionário sobre as principais actividades

quotidianas desenvolvidas pelos oficiais da PRM do nível dos graduados da ACIPOL,

isto é, os comandantes das esquadras e chefes das operações das esquadras; a

complexidade da sua execução, o tempo dispendido na sua execução e sobre outras

actividades não prescritas nos termos de referência dos cargos que ocupam, mas que

constituem demandas que devem atender no seu dia-a-dia profissional.

Os objectivos visados pela técnica de entrevista justificam, neste trabalho, o

facto de ter sido aplicada com enfoque aos dirigentes dos níveis central, provincial e

distrital/esquadra por serem os níveis em que havia interesse em explorar a expectativa

sobre os graduados da ACIPOL, bem como as actividades desenvolvidas pelos oficiais

subalternos.

Sobre esta técnica, Quivy & Campenhoudt (1998, p.69) argumentam que as

entrevistas têm, como função principal, revelar determinados aspectos do fenómeno

estudado que o investigador não teria por outras vias conseguido recolher e, assim,

completar as pistas de trabalho sugeridas pelas suas leituras. Por sua vez, Marconi &

Lakatos (1999, pp.94-96), citando Goode e Hatt, consideram que a entrevista consiste

no desenvolvimento de precisão, focalização, fidedignidade de um acto social,

realizando-se face a face, de maneira metódica, proporcionando ao entrevistado,

verbalmente, a informação necessária para se orientar aos objectivos do entrevistador.

Na tipificação das entrevistas apresentam-se três tipos básicos, nomeadamente a

entrevista padronizada ou estruturada, a entrevista despadronizada ou não estruturada e

o painel. Neste trabalho, a modalidade de entrevista predominante foi a semi-

estruturada, porque consideramos que este tipo de entrevista permitiria aos

entrevistados expressar as suas próprias compreensões nos seus próprios termos, o que

facilitaria o entendimento das suas percepções e experiências pessoais por parte do

entrevistador.

Os procedimentos usados foram os descritos por SZYMANSKI (2010, p.18),

entre os quais: os contactos iniciais aos entrevistados (algumas vezes mais do que um

contacto); a informação que pretendia obter; um roteiro aberto, mas com objectivos

claros. A tabela que segue apresenta a estatísta das fichas de entrevistas aplicadas

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Tabela 14: Fichas de entrevistas aplicadas

Código Conteúdo da Ficha Participantes Quantidade Questões

Ficha 1 Roteiro de entrevista do nível central Níveis Central e ACIPOL 04 14

Ficha 2 Roteiro de entrevista do nível provincial Níveis Provincial e Distrital 10 15

S/N Entrevista Inspectores da PIC 02 05

S/N Entrevista Oficiais da PT 02 05

S/N Entrevista Docentes ACIPOL 03 07

Foram realizadas 21 entrevistas com inspectores e sub-inspectores que

trabalham nas esquadras, na polícia de investigação criminal e na polícia de trânsito na

cidade de Maputo. Cada função de um inspector ou sub-inspector dentro destas

unidades foi abrangida, pelo menos por uma entrevista (tabela 14). O roteiro da

entrevista aplicada consta do anexo 3.

Tabela 15: Entrevistados por ramo policial e por função

Ramo policial Função Entrevistas

Esquadra da PRM Chefe das operações Oficial de permanência Comandante de pelotão

06

Trânsito

Chefe das operações Chefe de secção Comandante de pelotão

08

PIC Chefe de secção de instrução Chefe de brigada Chefe do Departamento de Informação Operativa (DIO)

06 Colectiva Comandantes das esquadras 01 Total 21

Aos comandantes das esquadras, para além do inquérito por questionário, foi

aplicada uma entrevista colectiva, na qual foram interrogados sobre as mesmas

questões constantes do anexo 1 deste trabalho. A entrevista colectiva consistiu em

juntar os respondentes na mesma sala, o pesquisador fazer as perguntas e discutir-se as

respostas até atingir-se a resposta consensual. Este procedimento teve como razões o

número relativamente elevado dos comandantes de esquadra e chefes das operações

abrangidos (34), e a necessidade de aprofundamento da informação recolhida através

do questionário. O objectivo final foi o cruzamento das informações recolhidas.

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156

3.3.2. Inquérito por questionário

O processo de elaboração do questionário aplicado foi o proposto por Marconi

& Lakatos (1999, pp.101-116), segundo o qual deve-se elaborar um formulário de

perguntas, elaborar o questionário, agrupar as perguntas e classificá-las, fazer o pré-

teste, avaliar e reajustar o questionário e expedi-lo para os inquirir. Sobre o inquérito e

sua administração, Quivy & Campenhoudt (1998, pp.188-189) apresentam uma série de

7 procedimentos. O procedimento no presente estudo foi o referente à variante de

administração directa, que consistiu em os próprios inquiridos preencherem o

questionário. Esta variante foi aplicada a todos os inquiriridos.

Um grupo de 54 oficiais entre comandantes de esquadras, chefes das operações,

chefes de brigadas da Polícia de Investigação Criminal (PIC) e subinspectores afectos

na Polícia de Trânsito das províncias de Nampula, Sofala e Cidade de Maputo, foi

aplicado um inquérito específico constituído por duas fichas, elaboradas e analisadas

usando um método quantitativo.

Tabela 16: Participantes do inquérito específico por província e função

O objectivo consistia em aprofundar os dados sobre as actividades que os

oficiais daquele nível realizam nas esquadras, grau de dificudade e frequência dessa

actividades. Essas informações constituem um indicativo do que poderá concorrer para

a adaptação curricular em termos de “actividades de formação” e permitiram analisar

em que aspectos a formação teórico-prática deverá incidir.

Para além do que foi referido, foram elaborados quatro questionários, conforme

os participantes a quem se destinavam. A tabela que se segue faz a demonstração da

distribuição das fichas de inquérito aplicadas.

Província Função Participantes

Província de Nampula Comandantes das esquadras Chefe das operações

13

Maputo Cidade

Comandante das esquadras Chefe das operações Trânsito PIC

31

Província de Sofala Comandante das esquadras Chefe das operações

10

Total 54

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Tabela 17: Fichas de inquérito por questionário aplicadas

Código Conteúdo da Ficha Participantes Quantidade Administração Nº questões

Ficha 3 Questionário

Actividades realizadas

por um cadete estagiário

na Esquadra da PRM

30 directa 06

Ficha 4 Questionário

comandantes de

Esquadra / chefes de

operações

31 Directa /Indirecta 14

Ficha 5 Questionário Egressos da ACIPOL 15 Directa 13

G/F-1,2

Guião de debate do

grupo focal

(entrevista)

Níveis: provincial,

distrital, esquadra,

especialidades, docentes

e egressos

GF1 = 15

GF2 = 22 --- 07

GF1 = Grupo Focal 1 GF2 = Grupo Focal 2

No caso do grupo específico de 54 oficiais acima referidos, foram elaborados

dois questionários, um sobre as actividades realizadas por um comandante de esquadra,

denominada Ficha 1 (vide anexo 1). Nesta ficha foi organizada uma lista de 7 temas. Os

temas são identificados por letras maiúsculas do alfabeto de A a G. Os temas

subdividem-.se em 4 a 5 perguntas fechadas. As respostas focalizam o tempo

despendido na execução das tarefas do comandante da esquadra. Por isso, a grelha de

respostas possíveis é apresentada na escala de Likert, indicando a amplitude do tempo

despendido.

No segundo questionário, designado Ficha 2 (anexo 2), também sobre as

actividades realizadas por um comandante da esquadra, pretende-se determinar o tipo

de dificuldade de execução e frequência de tarefas que são solicitadas diariamente a um

comandante da esquadra. Nesta ficha foi organizada uma lista de 7 temas, com 5 a 18

perguntas fechadas e uma aberta em cada tema. Cada resposta focaliza dois aspectos,

nomeadamente a dificuldade de execução da tarefa e a frequência da tarefa. Por isso, a

grelha de respostas tem duas colunas paralelas com números de 1 a 3, indicando as

opções de resposta.

Tabela 18: Distribuição das questões de inquérito por ficha e categorias

FICHA CATEGORIAS / Nº DE QUESTÕES TOTAL A B C D E F G

01 07 05 02 05 07 03 01 30 02 09 05 20 18 01 0 0 53

83

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158

A administração do inquérito foi directa e presencial, isto é, os inquiridos

preencheram pessoalmente as fichas do inquérito na presença do pesquisador, que no

fim recolheu todas as fichas preenchidas. Na cidade da Beira foi utilizado o mesmo

procedimento por um inquiridor mandatado. Um aspecto a sublinhar relacionado com a

aplicação directa dos instrumentos de pesquisa é o facto de o procedimento ter

permitido que os inquiridos fizessem perguntas de esclarecimento que não tinham sido

levantadas na fase do pré-teste do instrumento. O pré-teste foi aplicado na Academia de

Ciências Policiais (ACIPOL), administrado a estudantes do primeiro ano, que já

desempenharam funções de comandantes ou chefes das operações das esquadras.

3.3.3. Processo de apresentação dos dados recolhidos

Tendo em consideração a extensão e a complexidade do estudo, são

apresentados os dados que correspondem aos objectivos do estudo. Por ser difícil

estabelecer comparações entre os dados não classificados, uma vez que constituem uma

soma muito grande de informações, recorreu-se aos seguintes procedimentos: Primeiro,

foi feita uma leitura de todos os dados recolhidos através de notas, entrevistas,

inquéritos e leituras. O passo seguinte consistiu no desenvolvimento de uma lista

preliminar de categorias de codificação. As unidades de dados foram constituídas por

parágrafos das notas de campo e das transcrições das entrevistas. Depois, foram dadas

códigos em ordem alfabética. Em seguida desenvolveu-se um sistema de codificação

com um número limitado de códigos (7 códigos), conforme ilustra a Tabela 18, só

englobando os dados relacionados com os códigos referidos.

Tabela 19: Conteúdo das categorias codificadas

Categorias Categorias / Conteúdos

Ficha 1 Ficha 2 A Organização da Esquadra Tarefas Judiciais

B Gestão de recursos humanos Tarefas administrativas

C Gestão do tempo de um comandante de Esquadra

Tarefas operacionais

D Actividades de planeamento e concepção Gestão de recursos humanos e materiais

E Relações privadas ou institucionais Actividades de ligação Polícia-comunidade

F Competências operacionais

G Outras actividades não especificadas

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A apresentação dos dados é feita seguindo um sistema de categorias cujo

conteúdo emerge dos objectivos prosseguidos que constituiu uma forma de organizar a

informação obtida acerca das actividades mais complexas e mais frequentes de um

comandante de esquadra (subunidade policial) e de inspectores e sub-inspectores da

Polícia com funções de comando, direcção e chefia em unidades e subunidades da

polícia.

Em seguida, recorreu-se a procedimentos estatísticos como técnica auxiliar para

redução de dados, tendo sido usadas as medidas de posição, medidas de dispersão e

comparação de frequências, que correspondem à estatística descritiva. Procedeu-se à

análise do conteúdo das categorias codificadas, sendo o tratamento gráfico efectuado na

Microsoft Excel.

De salientar que na apresentação dos dados estatísticos não se reputou

necessário incluir o Desvio Padrão (DP) devido à quantidade reduzida de dados

considerados para provável generalização dos resultados

3.3.4. Critério de selecção das tarefas a desenvolver nas Práticas Pré-Profissionais

e Estágio curricular supervisionado

Os resultados da pesquisa podem indiciar a selecção de tarefas e actividades que

respondam às necessidades dos formandos na fase de Práticas Pré-Profissionais e de

Estágio Curricular. Com base em critérios definidos, o pesquisador adoptou uma escala

que permitisse seleccionar as tarefas e actividades de acordo com os critérios do

CODE59, um modelo para identificação de excessos de treinamento e deficiências,

desenvolvido por Tessmer, McCann & Ludvigsen (1999), que integra os seguintes

aspectos: criticidade, oportunidade, dificuldade e ênfase:

• Alta: 70% – 100%

• Média: 49% - 69%

• Baixa: 1% - 48%

59 CODE – Código/Modelo de identificação de excessos e deficiências de necessidades de treinamento:

Reavaliação de Programas de Treinamento, desenvolvido por McCann & Ludvigsen (1999). Disponível em http://www.citeulike.org/user/mcleavitt/article/1586922, acesso em 02/06/2013.

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160

A escala acima apresentada é aplicada de acordo com o seguinte quadro de

implicações.

Tabela 20: Implicações das frequências das respostas Criticidade Oportunidade Dificuldade Frequência ou Ênfase Implicação Alta pouca muita muita Muito treino Média muita pouca Alta ou baixa Treino normal Baixa muita pouca muita Excesso de treino

Criticidade: Tarefa básica da função policial, ou com frequência tendente ao equilíbrio

dos dados

Oportunidade: Possibilidade de aprender/exercitar no local de trabalho

Dificuldade: Complexidade ou falta de habilidades para a execução

Frequência ou Ênfase: Amplitude de ocorrência

Implicação: Necessidade ou não de formação ou treino

Note-se que também foi usada a sigla ‘dd’ (dispersão de dados), para indicar os

casos em que os resultados tendem para uma distribuição equilibrada de dados. As

tarefas ‘dd’ são consideradas críticas, pois se distribuem um pouco por todos os

aspectos e níveis de análise considerados, significando que não há um domínio

enfocado.

Os critérios acima definidos permitem a selecção de tarefas e das actividades de

aprendizagem durante as Prática Pré-Profissionais e Estágio Curricular. As tarefas

seleccionadas foram discutidas com os oficias subalternos da Polícia em exercício de

funções, por aérea de especialidade policial, correspondentes, para os efeitos de

formação, às 4 áreas curriculares em que se baseiam as Práticas Pré-Profissionais e o

Estágio Curricular, nomeadamente Ciências e Tecnologia Policiais, Ciências Jurídicas,

Ciências Sociais e Humanidades e Ciências Exactas e de Gestão. O resultado da

discussão com os participantes da pesquisa foi cruzado com os dados das entrevistas e

dos grupos focais, e determinou-se as actividades da aprendizagem constantes do

Mapeamento das actividades do Estágio Curricular e das Práticas Pré-Profissionais.

3.4. Apresentação e interpretação dos dados

O processo de apresentação e interpretação de dados envolveu diversos

procedimentos, nomeadamente o agrupamento de dados, a codificação das respostas,

tabulação dos dados e cálculos estatísticos. Como já foi referido no início deste

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161

capítulo, as questões foram apresentadas em códigos A, B, C, D, E, F, que constituem

classes ou categorias de pesquisa. As categorias de pesquisa representam tarefas. As

tarefas, por sua vez, subdividem-se em actividades. Assim, as tarefas possuem um

número diferente de actividades, de acordo com a sua complexidade.

Não existindo directrizes curriculares para a formação de oficiais da PRM, a

indicação das tarefas de aprendizagem e respectivas actividades teve como base as

atribuições estatutárias da PRM e o levantamento das tarefas e actividades que os

oficiais subalternos da PRM com funções de comando, direcçao e chefia realizam no

dia-a-dia em diferentes áreas de função policial nas unidades e subunidades, recolhidos

através das fichas 1 e 2 a quais já referimos.

Ss dados recolhidos foram dispostos em tabelas de frequência para possibilitar

uma melhor verificação das inter-relações entre eles, através do processo técnico de

análise estatístico-descritiva, que permitiu sistematizar os dados recolhidos. Assim, as

tabelas que se seguem ilustram a distribuição geral das respostas dos participantes da

pesquisa, por grupo de dados e por ficha, conforme o agrupamento anteriormente

referido. Estes dados resultam dos dados parciais por província e por ficha aplicada.

Em primeiro lugar, apresentam-se as tabelas de frequência de respostas relativas

ao tempo despendido na realização das tarefas que por qualificação são solicitadas

diariamente a um comandante de esquadra ou subunidade policial.

3.4.1. Dados colectados através da ficha 1: tempo despendido por um comandante

da esquadra

Tabela 21: Frequência de respostas da Ficha 1: Província de Nampula

Grupos/Produto A % B % C % D % E % F %

Nenhum 6 7, 2 7 11,8 2 8,3 5 8,4 12 18,1 7 20,0

Algum 37 44,5 14 23,7 11 45,8 16 27,1 21 31,8 8 22,8

Pouco 25 30,1 26 44,0 7 29,1 17 28,8 24 36,3 8 22,8

Muito 15 18,0 12 20,3 4 16,6 21 35,5 9 13,6 12 34,2

∑ 83 99.8 59 99.8 24 99.8 59 99.8 66 99,8 35 99,8

Fazendo a leitura da tabela 21 constata-se que na Província de Nampula as

respostas mostram a tendência de que despende-se entre algum (44,5%) e pouco

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(30,1%) tempo na tarefa A (organização da esquadra). Nota-se que só uma pequena

percentagem (18,0%) dedica muito tempo nessa tarefa.

No que concerne à tarefa B (gestão de recursos humanos/logísticos), a

tendência da maioria dos participantes é de dedicar pouco tempo (44,0%), havendo

certa aproximação ao equilíbrio entre os que dedicam algum (23,7%) e muito (20,3%)

tempo.

Na tarefa C (gestão do tempo de um comandante de esquadra), as respostas

indicam que a maioria dedica entre algum (45,8%) e pouco (29,1%) tempo. Situação

particular se verifica na tarefa D (actividades de planeamento e concepção), em que se

verifica uma dispersão, relativamente equilibrada, entre muito tempo (35,5%), pouco

tempo (28,8%) e algum tempo (27,1%).

A tarefa E (relações privadas ou institucionais), em geral mostra certa tendência

a equilíbrio entre pouco (36,3%) e algum (31,8%) tempo. Situação de dispersão

relativamente equilibrada, verifica-se com relação à tarefa F (competências

operacionais), em que 34,2% das respostas indicam, muito tempo, (22,8%) algum e

(22,8%) pouco tempo. Portanto, um equilíbrio nesta tarefa entre algum e pouco tempo.

Tabela 22: Frequência de respostas da Ficha 1: Cidade de Maputo

Grupos/Produto A % B % C % D % E % F %

Nenhum 2 2,6 4 7,2 2 9,0 3 5,7 9 13,6 1 2,2

Algum 33 44,0 23 41,8 11 50,0 16 30,7 30 45,4 15 33,3

Pouco 26 34,6 14 25,4 4 18,1 19 36,5 15 22,7 13 28,8

Muito 14 18,6 14 25,4 5 22,7 14 26,9 12 18,1 16 35,5

∑ 75 99.2 55 99.8 22 99.8 52 99.8 66 99,8 45 99,8

A tabela de frequência de respostas da Cidade de Maputo indica a seguinte

situação:

Tarefa A (organização da esquadra), a tendência oscila entre algum (44,0%) e

pouco (34,6%) tempo despendido nessa tarefa; Quanto à Tarefa B (gestão de recursos

humanos), verifica-se o predomínio de algum tempo (50,0%) e um equilíbrio entre

muito (25,4%) e pouco (25,4%) tempo despendido; Na tarefa C (gestão de tempo de

um comandante de esquadra), a metade das respostas (50,0%) indica que os

comandantes dispendem algum tempo; Na tarefa D (actividades de planeamento e

concepção) verifica-se uma distribuição relativamente equilibrada entre pouco (36,5%),

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163

Algum (30,7%) e muito (26,9%) tempo; Na tarefa E (relações privadas ou

institucionais), a predominância das respostas é de algum tempo (45,5%). No

concernente à tarefa F (competências operacionais), verifica-se uma dispersão, tendente

ao relativo equilíbrio, entre muito (35,5%), algum (33,3%) e pouco (28,8%) tempo

dispendido pelos comandantes nessa tarefa.

Tabela 23: Frequência de respostas da Ficha 1- Província de Sofala

Grupos/Produto A % B % C % D % E % F %

Nenhum 7 11,2 5 11,1 4 25,0 7 15,9 8 15,6 6 17,1

Algum 20 32,2 12 26,6 7 43,7 15 34,0 25 49,0 14 40,0

Pouco 20 32,2 14 31,1 4 25,0 11 25,0 13 25,4 7 20,0

Muito 15 24,1 14 31,1 1 6,2 11 25,0 5 9,8 8 22,8

∑ 62 99.7 45 99.9 16 99.9 44 99.9 51 99,8 35 99,9

Na província de Sofala, Cidade da Beira, a tabela de frequência de respostas

mostra a seguinte situação:

Tarefa A (organização da esquadra), uma distribuição equilibrada de respostas

entre algum (32,2%) e pouco (32,2%) tempo dedicado, com uma ligeira tendência para

muito tempo (24,1%);

Tarefa B (gestão de recursos disponíveis), distribuição equilibrada de respostas

entre pouco (31,1%) e muito (31,1%) tempo, com uma ligeira tendência para algum

tempo (26,6%); Tarefa C (gestão do tempo de um comandante de esquadra), há

predominância de algum tempo (43,7%) e um equilíbrio de 25% entre nenhum e pouco

tempo, respectivamente;

Tarefa D (actividades de planeamento e concepção), ligeira predominância de

algum tempo (34,0%) e distribuição equilibrada entre muito (25,0%) e pouco (25,0%)

tempo, respectivamente;

Tarefa E (relações privadas ou institucionais), predominância de algum tempo

(49,0%) e ligeira tendência para pouco tempo (25,4%);

Tarefa F (competências operacionais), predominância de algum tempo (40,0%),

distribuição relativamente equilibrada das percentagens de respostas entre muito

(22,8%) e pouco (20,0%) tempo, respectivamente.

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164

Em seguida faz-se a apresentação e análise do quadro geral de frequência de

respostas da Ficha 1, resultante do somatório das frequências parciais de respostas das

províncias de Sofala, Nampula e Maputo-cidade (Tabela 23).

Tabela 24: Frequência de respostas da Ficha 1 (Somatório geral: Províncias de Sofala, Nampula e Maputo-cidade)

Grupos/Produto A % B % C % D % E % F %

Nenhum 15 6,8 16 8,75 8 12,9 15 9,6 29 15,8 14 12,1

Algum 90 40,9 49 30,6 29 46,7 47 30,3 76 41,5 37 32,1

Pouco 71 32,2 54 34,4 15 24,1 47 30,3 52 28,4 28 24,3

Muito 44 20,0 40 26,2 10 16,1 46 29,6 26 14,2 36 31,3

∑ 220 99.9 159 99.9 62 99.8 155 99,8 183 99,9 115 99,8

Da leitura da tabela acima, depreende-se que, de uma forma geral, as tarefas B

e D mostram uma distribuição relativamente equilibrada entre algum e pouco tempo,

com tendência pouco variada para muito tempo na tarefa D:

- B (34,4% pouco tempo; 30,6% algum tempo) – Tendência para muito tempo (26,6%);

- D (30,3% algum tempo; 30,3% pouco tempo) – Tendência para muito tempo (29,7%).

A tarefa F, mostra uma distribuição relativamente equilibrada entre algum e

muito tempo, com tendência para pouco tempo:

- F (32,1% algum tempo; 31,3% muito tempo) – Tendência para pouco tempo (24,3%).

As tarefas C e E, apresentam uma predominância de frequência de respostas de

algum tempo, com tendência para pouco tempo:

- C (46,7% algum tempo) – Tendência para pouco tempo (24,1%);

- E (41,5% algum tempo) – Tendência para pouco tempo (28,4%).

- A (40,9 algum tempo; 32,2% pouco) – Tendência paramuito tempo (20,0%).

De acordo com os critérios de selecção de tarefas e actividades estabelecidos

pelo pesquisador, e já referidos na parte introdutória deste capítulo, são consideradas

críticas as tarefas que mostram uma distribuição de frequências de respostas dispersa e

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165

com relativo equilíbrio. As outras tarefas são seleccionadas ou não, em função da sua

maior ou menor percentagem de frequência de respostas dadas.

A tabela 25 ilustra a selecção de tarefas com base no tempo da execução das

actividades da ficha 1, segundo os critérios do CODE.

Tabela 25: Selecção de tarefas com base nos dados da ficha 1

Tarefa Criticidade Ênfase Implicação

A dd Alta baixa 40,9% Treino

B Med Alta baixa 34,4% treino

C Med Med média 46,7% treino

D dd Alta baixa 30,3% treino

E Baixa baixa baixa 41,5% Ex.treino

F dd Alta baixa 32,1% M. treino

Legenda:

A – Organização da esquadra (subunidade)

B – Gestão de recursos (humanos e logísticos)

C – Gestão do tempo de um comandante

D – Planeamento e concepção

E – Relações privadas ou institucionais

F – Competências operacionais

NB: ‘dd’ significa dispersão de dados (tarefa crítica)

A tabela acima mostra que as tarefas A, B, C e D precisam de treino. A tarefa F, precisa

de muito treino, enquanto que a tarefa E, tem excesso de treino, por isso, não é

seleccionável (na perspectiva do CODE).

Dados gerais da ficha 1

Os dados apresentados nesta tabela sugerem que para A (Organização da

Esquadra), os participantes necessitam de tempo para a execução das suas actividades.

Com efeito, as opiniões dos participantes subdividiram-se de forma equilibrada entre os

que afirmaram que dedicam algum tempo (32,2%); e os que dedicam pouco

tempo(32.2% ), enquanto outros precisam de muito tempo (24,1%) para realizar a

tarefa.

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166

É lógico que para as diferentes actividades executadas numa Esquadra o

comandante necessita de fazer uma reflexão sobre a melhor forma de levar a cabo

determinadas tarefas. A competência de um comandante de esquadra é exigida e

mostra-se, em primeiro lugar, na sua capacidade de organizar a esquadra, os agentes e

oficiais que a ele estão subordinados e os meios alocados à sua subunidade para o

cumprimento das missões da polícia naquele território.

Ao interpretar-se o resultado das respostas dos participantes é necessário ter em

conta uma série de factores que podem concorrer para a dispersão de dados, conforme

foi demonstrado acima. De acordo com o nosso critério de análise, a dispersão de

resultados indica que a actividade é crítica, podendo ser afectada por factores como

experiência profissional, nível de formação, conhecimento sobre o conteúdo da tarefa

(organização de uma esquadra), dentre outros.

Para o Caso da tarefa B (Gestão de recursos disponíveis), a distribuição

equilibrada de respostas entre pouco (31,1%) e muito (31,1%) tempo, com uma ligeira

tendência para algum tempo (26,6%), mostra também que é constituída por actividades

de que os participantes não se desembaraçam com facilidade e que exige, por isso,

formação e experiência na sua realização. Na prática, a gestão de recursos (in)

disponíveis exige muita perspicácia por parte do gestor que tem o nus de definir

prioridades e a oportunidade de aplicação dos recursos, muitas vezes escassos, para

garantir resultados máximos.

Sobre a gestão de recursos nas organizações policiais, DEBORTOLI (2007)

observa que o recente e crescente processo de cobrança por resultados a que a Polícia

vem sendo exposta tem conduzido as estruturas policiais a uma inevitável

reinterpretação de suas actividades internas e de seu relacionamento externo. Nesse

novo contexto, vêm ganhando força as interpretações relativas à necessidade de

conhecimento e utilização de indicadores de eficiência, eficácia e efetividade60 como

60 A eficiência é a obtenção de resultados através da ênfase nos meios, da resolução dos problemas

existentes e da salvaguarda dos recursos disponíveis com o cumprimento das tarefas e obrigações. Significa fazer bem as tarefas, administrar os custos, reduzir as perdas e o desperdício; a eficácia é a obtenção de resultados através da ênfase nos próprios resultados e nos objectivos a serem alcançados, com a exploração máxima do potencial dos processos. Significa a optimização das tarefas com a agilização de recursos para alcançar o resultado esperado; a efetividade é a obtenção de resultados através da ênfase na percepção do cliente. Significa que há preenchimento das expectativas do cliente, através de uma ação programada e planejada para satisfazer os seus desejos.

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167

pressuposto fundamental para o desenvolvimento de processos policiais e de políticas

de segurança pública.

A reação das organizações policiais a esta nova demanda materializou-se, em alguns casos, sob a forma de aplicações distorcidas das noções de eficiência, eficácia e efetividade na mensuração de processos e resultados que envolvem um alto grau de complexidade. Na maioria dos casos as estruturas responsáveis pela segurança pública e defesa social possuíam pouca ou nenhuma experiência no uso de indicadores de desempenho (DEBORTOLI, 2007, p.33).

É notória a preocupação dos participantes em dispor de tempo considerável para

se dedicarem a questões relacionadas com a gestão dos recursos (in) disponíveis para o

cumprimento da missão da PRM ao nível da subunidade (esquadra). A gestão de

recursos inclui, no caso considerado nesta pesquisa, a gestão dos efectivos afectos à

esquadra e a gestão dos equipamentos e meios (in)disponíveis para a realização

adequada do trabalho da esquadra, por exemplo, consumíveis (modelos das peças de

expediente, material de escritório e relacionado, consumíveis em geral, equipamentos

individuais (coletes de protecção, lanternas, cacetetes, etc.), equipamentos colectivos

(viaturas, armas, algemas, rádios de comunicação e outros).

Um controle deficiente ou inadequada das armas e munições existentes na

esquadra, por exemplo, pode resultar em desvio desses equipamentos e seu uso

indevido,por um lado. Por outro, uma gestão deficiente ou inadequada dos efectivos

pode degenerar em conflitos entre estes e o comando, falta de motivação e

indisponibilidade para o trabalho, ou em atitudes antiéticas que prejudiquem a relação

entre a Polícia e a o público.

Em relação à tarefa C (Gestão de tempo do Comandante da Esquadra), maior

número dos participantes sugeriu precisar de algum tempo (46,7%) enquanto outro

número considerável optou por pouco tempo (24,1%) e só uma pequena percentagem

(16,1%) indicou que precisaria de muito tempo. O que se pode perceber das respostas

dos participantes é que o comandante da esquadra enquanto dirigente da subunidade

deve dedicar certo espaço de tempo para a agenda diária de funcionamento da sua

subunidade.

O volume de tempo necessário para o efeito depende, para além de outros

aspectos, do grau de organização, da experiência e habilidade de liderança e da situação

da segurança do território. A manutenção dos níveis operacionais de comando requer

do comandante, para além da disponibilidade de seus colaboradores directos, contactos

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com os diferentes escalões de oficiais e subordinados para a análise, discussão e

instruções sobre missões operacionais, resultantes da análise criminal e da segurança

pública do território.

No caso da tarefa D (Actividades de planeamento e concepção), a dispersão

equilibrada de dados entre algum tempo (30,3%) e pouco tempo (30,3) com tendência,

também relativamente equilibrada, para muito tempo (29,6), mostra a complexidade da

tarefa e é classificada como crítica exigindo, por isso, muito treino. Dado o carácter das

actividades previstas nesta categoria, que constituem, tecnicamente, a base para o

cumprimento da missão de uma subunidade e assumem um carácter transversal a todas

as outras categorias (tarefas) consideradas nesta pesquisa, é justificável que requeiram a

devida atenção porque se circunscrevem nas actividades de direcção. O Comandante

necessita de dedicar tempo específico para analisar, planificar, organizar, executar e

controlar a realização de missões policiais. É contraditório o equilíbrio entre algum e

pouco tempo com tendência para muito tempo dedicado a esta actividade, sendo de

difícil execução se tomarmos em consideração o facto de que a planificação e

concepção se projecta directamente para o sistema da segurança pública, como campo

de actores diferenciados.

As idéias contidas em expressões como “preservação da ordem pública”, “elevação da sensação de segurança” ou “controle da criminalidade”, por si só, remetem a um grau de complexidade suficiente para que dependam diretamente da compreensão individual de cada gestor policial e de cada operador do sistema de segurança, e da percepção de sua relevância sobre o desenvolvimento das políticas de segurança pública (DEBORTOLI, 2007, p.34).

A tendência dos resultados leva à presunção de que a maior parte dos

participantes que responderam o inquérito não possui conhecimento e habilidades para

realizar adequadamente a planificação e concepção de actividades operacionais que

levem à proactividade policial para preservar a ordem e segurança públicas do espaço

territorial da subunidade. Por isso, é justificável que seja uma actividade que exige

muito treino e a dedicação de muito tempo na sua realização.

Em relação à tarefa E (Relações privadas ou institucionais), os participantes

sugerem dedicar predominantemente algum tempo (41,5%) tendendo para Pouco tempo

(28,4%). Dependendo do tipo de actividade a realizar neste âmbito, a opção dos

participantes aponta para o facto de não constituir uma grande preocupação

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provavelmente pelo facto de algumas das tarefas serem esporádicas e não de execução

permanente.

Trata-se, provavelmente, de reafirmar aquilo que são a natureza e as

características da organização policial moçambicana (predominantemente aplicador da

lei), em que os dirigentes da polícia, ao nível local, não priorizam a criação de redes de

relacionamento e parcerias com os diferentes actores sociais do território que, de

alguma forma, podem participar ou influir na segurança pública do território.

Preocupam-se mais em perseguir indicadores de resultados que possam projectar a

melhor visibilidade institucional e formação de opinião pública favorável.

(...) as percepções dos executivos de polícia, outros operadores do sistema de segurança pública e justiça criminal, autoridades políticas, cidadãos, formadores de opinião, meios de comunicação etc, acerca dos níveis de visibilidade do trabalho policial, influenciam os tipos de cobranças de resultados das polícias e, por conseguinte, a escolha dos indicadores de desempenho “mais adequados” para responder a estas mesmas cobranças (DEBORTOLI, 2007, p.35).

No território da esquadra é da responsabilidade do comandante estabelecer e

desenvolver as políticas de proximidade. As políticas de proximidade, não só ao nível

policial, são especialmente importantes para reforçar relações “perdidas” dentro das

comunidades ajudando a desenvolver laços de conhecimento e confiança entre as

pessoas. O estabelecimento de relações privadas e institucionais com os diferentes

actores sociais além de melhorar as relações entre polícia e comunidades, é

especialmente útil para que todos assumam um papel determinante na sua segurança e

bem-estar.

(...). O estabelecimento de parcerias é uma técnica que pode ser bastante útil em situações mais complexas que exijam respostas multidisciplinares. No entanto o estabelecimento de relações formais, recorrendo a parcerias ou não, é sempre uma abordagem positiva já que encoraja os elementos das comunidades a envolverem-se nos seus problemas. Este envolvimento proporciona soluções a longo prazo com todas as vantagens daí resultantes, sendo este um objectivo a ter em conta quando se fala de prevenção criminal (LEITÃO, 2003, p.18).

Quanto à tarefa F (Competências operacionais), os participantes sugerem

equilíbrio entre algum (32,1%) e muito tempo (32,1) com uma tendência para algum

(28.7%) e pouco tempo (24,3%). De acordo com os critérios de selecção que foram

adoptados nesta pesquisa, esta é uma tarefa crítica que exige, por isso, muito treino. É

também uma tarefa considerada difícil por alguns e fácil de realizar por outros.

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Este facto indica que as respostas dadas dependem, para além de outros

factores, do nível de formação técnico-profissional, da experiência profissional do

particpante, da situação criminal e da segurança pública do território. Para todos os

efeitos, esta tarefa constitui o eixo central das actividades de uma subunidade e, por sua

natureza, forma uma relação interdependente com a tarefa D (Actividades de

planeamento e concepção). Portanto, as tarefas D e F se relacionam recíproca, teórica e

praticamente.

Para esta categoria, o que se pode perceber das respostas dos participantes é que

as actividades operacionais diárias a executar nas esquadras necessitam de tempo para

sua planificação, organização, execução, controle, capacidade de gestão e formação

profissional adequada. Para actividades operacionais a disponibilização de tempo é um

aspecto importante porque permite avaliar a oportunidade e as circunstâncias em que

determinadas actividades devem ser executadas e permite a tomada de decisões em

tempo oportuno. É nas actividades operacionais onde mais claramente se expressa a

acção profissional da Polícia.

O discurso profissionalizante das polícias, o qual assume forte acolhimento na

subcultura policial, afirma que o verdadeiro serviço policial assenta no combate ao

crime e na manutenção e reposição da ordem pública.

A função e profissão policial seriam assim um conjunto de técnicas

especializadas naqueles dois domínios, enquanto todo o resto se constituiria como um

“excesso” que apenas serve para reduzir a eficácia policial. Fica claro que

reconhecendo que este conjunto de técnicas deve ser exclusivo da polícia, torna–se

mais difícil reconhecer que o objectivo de combater o crime, aumentar o sentimento de

segurança das populações e a tranquilidade pública é mais facilmente alcançado com a

colaboração de outros actores sociais.

A literatura especializada que analisa os novos paradigmas da função policial

nas sociedades democráticas afirma que:

Está hoje demonstrado por todo o mundo ocidental que esta excessiva profissionalização autonomista provocou o distanciamento entre polícia e cidadãos. A polícia concentrou-se em lutar reactivamente contra os "maus" esquecendo-se de trabalhar proactivamente com os "bons" (...). Torna-se necessário trabalhar no sentido de incutir nos polícias que o seu trabalho é bem mais eficaz reconhecendo que as tarefas de assistência e ajuda, vistas tradicionalmente como secundárias e pouco profissionais, são hoje um factor importante em termos de eficácia, imagem e colaboração com aqueles que servimos (LEITÃO, 2003, p. 16).

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Deste modo, podemos afirmar que o serviço policial ultrapassa largamente a

representação no público, nos decisores policiais, nos decisores políticos e dos meios

de comunicação de massas, os quais tendem a limitar a acção policial à prevenção e

repressão policial e à manutenção e reposição da ordem pública. Grande parte da acção

policial diária lida com problemas que não são da competência da polícia, mas que têm

graves consequências em termos criminais e de ordem pública.

Nas organizações policiais de natureza militar ou paramilitar, como é o caso da

Polícia de Moçambique, as tarefas A, B, C, D, E, F acima analisadas, consubstanciam a

função de comando. Segundo Claus Möller (2006), o exercício da Função Comando

exige características específicas do comandante no processo de aplicação dos recursos

e, acima de tudo, no relacionamento com os subordinados, beneficiários/destinatários,

parceiros, comunidades e com representantes de entidades governamentais. Estimular o

desenvolvimento pessoal e continuado dos colaboradores é um desafio constante aos

dirigentes. A Função Comando, quando estruturada e operada a partir do

“employeeship61” é fundamentada nos princípios de colocar as pessoas em primeiro

plano, delegar responsabilidades e administrar, para todos (MÖLLER, 2006, p.42).

O exercício da Função Comando exige do gestor habilidades e atitudes

adequadas, de modo a aglutinar os interesses e mitigar os conflitos naturais e os

derivados do processo de desenvolvimento das funções policiais. Exige conhecimento e

habilidades de trabalho com aquilo que na “gíria” policial é conhecido como “ciclo das

actividades de direcção”, que integra: Informação, Análise, Planificação, Organização,

Execução e Controle, conforme ilustra a figura 13.

61 Employeeship – “O acto de assumir responsabilidades e poder. Neste caso, o funcionário é o sujeito central da acção, mas a organização deve criar um ambiente propício para que ela se desenvolva” MÖLLER in Revista Exame (FSP, 1995).

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Figura 12: ciclo de actividades de direcção na PRM

PROCESSO DE DIRECÇÃO

INFORMAÇÃO

ANÁLISE

PLANIFICAÇÃO

ORGANIZAÇÃO

EXECUÇÃO

CONTROLE e AVALIAÇÃO

Fonte: Autor, inspirado em Claus Möller in (REVISTA EXAME,1995, p. 18).

As áreas identificadas no ciclo de actividades de direcção se influenciam

reciprocamente, pois a informação constitui a base do trabalho policial, esta quando é

recebida ou produzida deve ser analisada, depois da análise planificam-se ou

concebem-se as acções a serem realizadas; segue-se a organização para o cumprimento

do que foi planificado, em seguida executa-se e durante o processo faz-se a monitoria e

a respectiva avaliação. Este ciclo vai gerando novas informações que retroalimentam

continuamente o processo e podem gerar novos inputs.

Sob o ponto de vista de reflexão-na-acção, em caso como acima exposto, Schön

(2000) explica que em cada passo o profissional experimenta uma surpresa que o leva a

repensar seu processo de conhecer-na-acção de modo a ir além de regras, factos, teorias

e operações disponíveis. Ele responde àquilo que é inesperado ou anômalo através da

reestruturação de algumas de suas estratégias (experiências) de acção, teorias de

fenômenos ou formas de conceber o problema e inventa experimentos imediatos para

testar suas novas compreensões. O autor afirma que o profissional, comporta-se mais

como um pesquisador tentando modelar um sistema especializado do que como um

especialista cujo comportamento é modelado. Diz ainda que:

(...). Na base dessa visão da reflexão-na-acção do profissional está uma visão construcionista da realidade com a qual ele lida – uma visão que nos leva a vê-lo construindo situações de sua prática, não apenas no exercício do seu

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talento técnico profissional, mas também em todos os outros modos de competência profissional (SCHÖN, 2000, p.39).

Importa salientar que esta visão distingue-se da racionalidade objectiva da

relação do profissional de conhecimento com a realidade que ele conhece. Nessa visão

os factos são o que são e a verdade das crenças é passível de ser testada estritamente

com referência a elas. Todo o conhecimento profissional baseia-se em um alicerce de

factos (ibidem).

3.4.2. Dados recolhidos através da ficha 2: dificuldade de execução de tarefas

Em segundo lugar, apresentam-se as tabelas de frequências de respostas

relativas ao tipo de dificuldade de execução e frequência de tarefas que são solicitadas

diariamente a um comandante de esquadra.

Tabela 106: Frequência de respostas da Ficha 2 – Província de Nampula

Grupos/Dados A % B % C % D %

Dificuldades

S/D 57 60,0 26 61,9 122 59,8 142 74,7

D 35 36,8 15 35,7 76 37,2 35 18,4

MD 3 3,1 1 2,3 6 2,9 13 6,8

∑ 95 99.9 42 99.9 204 99.9 190 99.8

Frequência

P/F 41 38,3 13 22.8 52 23,7 61 31,1

F 38 35,5 20 35,0 87 39,7 68 34,6

M/F 28 26,1 24 42,1 80 36,5 67 34,1

∑ 107 99.9 57 99.9 219 99.9 196 99.8

Legenda

S/D: sem dificuldades P/F: pouco frequente

D: dificuldades F: frequente

MD: muitas dificuldades MF: muito frequente

A frequência de respostas da Tabela 25 mostra que na província de Nampula as

tarefas A (tarefas judiciais 60,0%), B (tarefas administrativas 61,9%), C (tarefas

operacionais 59,8%), e D (gestão de recursos humanos 4,7%), são executadas sem

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dificuldades, embora todas elas apontem para uma considerável tendência para a

dificuldade.

Quanto à frequência: A é pouco frequente (38,3%,) tendendo para frequente

(35,5%); B é muito frequente (42,1%) com tendência a frequente (35,0%); C mostra

certa tendência a um equilíbrio relativo entre frequente (39,7%), e muito frequente

(36,5%), com maior dispersão para pouco frequente (23,7%); D também mostra uma

dispersão relativamente equilibrada entre frequente (34,6%), muito frequente (34,1%) e

pouco frequente (31,1%).

Na cidade de Maputo (veja Tabela 26), a frequência das respostas mostra que as

tarefas A (judiciais-75,8%), B (administrativas-56,8%), C (operacionais-85,9%), e D

(gestão de recursos humanos-72,5%), são executadas sem dificuldades. Em todas as

tarefas acima referidas a tendência é para a dificuldade, exceptuando a tarefa D cuja

tendência é para muita dificuldade (19,4%). Quanto à frequência, A é

predominantemente pouco frequente (64,3%) embora mostre tendência para frequente

(20,5%); B mostra uma dispersão de frequência, com tendência muito forte ao

equilíbrio, entre muito frequente (34,7%), frequente (32,6%) e pouco frequente

(32,6%); C também mostra uma distribuição com tendência ao equilíbrio, entre

frequente (37,9%), pouco frequente (35,6%) e muito frequente (26,4%). D também

apresenta uma distribuição percentual dispersa e com tendência ao equilíbrio relativo

entre muito frequente (38,0%), frequente (33,3%) e pouco frequente (28,5%).

Tabela 27: Frequência de respostas da Ficha 2 – Cidade de Maputo

Grupos/Dados A % B % C % D %

Dificuldades

S/D 66 75,8 25 56,8 299 85,9 127 72,5

D 15 17,2 13 29,5 30 8,6 14 8,0

MD 6 6,8 6 13,6 19 5,4 34 19,4

∑ 87 99,8 44 99.9 348 99.8 175 99.9

Frequência

P/F 47 64,3 15 32,6 62 35,6 42 28,5

F 15 20,5 15 32,6 66 37,9 49 33.3

M/F 11 15,0 16 34,7 46 26,4 56 38,0

∑ 73 99.8 46 99.9 174 99.9 147 99.8

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Em Sofala (veja tabela 27), as tarefas A (judiciais 50,0%), B (administrativas -

67,3%), C (operacionais 52,4%), e D (gestão de recursos disponíveis 68,4%), são

executadas sem dificuldades, mas todas com tendência para dificuldade. Quanto à

frequência: A mostra uma dispersão com tendência ao equilíbrio, entre frequente

(36,4%), pouco frequente (32,3%) e muito frequente (30,2%); B é predominantemente

muito frequente (64,8%); C também é predominantemente muito frequente (40,8%), e

D é igualmente muito frequente (41,1%).

Tabela 28: Frequência de respostas da Ficha 2 – Província de Sofala

Grupos/Dados A % B % C % D %

Dificuldades

S/D 48 50,0 33 67,3 85 52,4 104 68,4

D 35 36,4 9 18,3 54 33,3 32 21,0

M/D 13 13,5 7 14,2 23 14,1 16 10,5

∑ 96 99.9 49 99.8 162 99.8 152 99.8

Frequência

P/F 32 33,3 7 12,9 41 23,5 39 24,6

F 35 36,4 12 22,2 62 35,6 54 34,1

M/F 29 30,2 35 64,8 71 40,8 65 41,1

∑ 96 99.9 54 99.9 174 99.9 158 99.9

Tabela 29: Frequência de respostas da Ficha 2

(Somatório geral: províncias de Sofala, Maputo e Maputo-cidade)

Grupos/Dados A % B % C % D %

Dificuldades

S/D 171 61,5 84 62,2 506 70,8 373 72,1

D 85 30,5 37 27,4 160 22,4 81 15,6

M/D 22 7,9 14 10,3 48 6,7 63 12,1

∑ 278 99.9 135 99.9 714 99.9 517 99.8

Frequência

P/F 120 43,4 35 22,2 155 27,3 142 28,3

F 88 31,8 47 29,9 215 37,9 171 34,1

M/F 68 24,6 75 47,7 197 34,7 188 37,5

∑ 276 99.8 157 99.8 567 99.9 501 99.9

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Dados Gerais da Ficha 2

O somatório dos dados apresentados na tabela referente à ficha 2, que reporta as

dificuldades de execução e frequência das tarefas, de uma forma geral indicam que para

a tarefa A (Tarefas jurídicas), os participantes predominantemente sugerem a execução

Sem dificuldade (61,5%) enquanto parte significativa acha que a tarefa é de Difícil

execução (30,5%). O que se pode perceber é que a maioria, como se afigura, minimiza

este tipo de tarefa.

Duas leituras podem ser feitas a respeito do que as respostas dos participantes

indicam: uma, é que os oficiais da Polícia que desempenham funções de comando,

direcção e chefia nas unidades e subunidades policiais possuem sólidos conhecimentos

jurídicos, por isso, não acham qualquer dificuldade em atender, resolver e encaminhar

os assuntos de natureza jurídica com que se deparam no seu trabalho.

Outra, por sinal a mais provável, é que por se pensar, erradamente, que a parte

jurídica das actividades policiais é tratada pelas instâncias jurídicas, os oficiais da

polícia não têm suficiente visão sobre as funções de natureza jurídica da Polícia, o que

contrasta com a posição e função da Polícia num Estado de Direito:

(...). A Polícia, hoje, não é um instrumento de poder exercido de forma totalitária, mas, como “face visível da lei”, é e deve ser defensora e garante da qualidade de vida e do bem-estar da comunidade, possibilitando liberdade em segurança, e instrumento de conciliação entre os três poderes: Político-legislativo, Judicial e Executivo (VALENTE, 2009, p.108).

A percepção distorcida a que fizemos referência parece ser fundamentada pela

frequência deste tipo de casos que apresenta maior índice como de pouco frequente.

Com efeito, cerca de 43,4% das respostas dos participantes sugerem ser Pouco

frequente, enquanto 31,8% consideram-na de Frequente.

Para o caso B (Tarefas administrativas), a percentagem predominante das

respostas dos participantes sugere a execução sem dificuldade (62,2%), só uma pequena

parte considera que a tarefa se realiza com dificuldade (27,4). A parte administrativa

parece constituir a parte das actividades de rotina quotidiana realizadas a nível de cada

esquadra, sendo, por isso, que a maior parte das respostas dos participantes sugere que

sua execução é sem dificuldade. Com efeito, todo o processo pelo qual se desenvolvem

as actividades na esquadra passa necessariamente pelo registo de dados das ocorrências

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e dos que recorrem à assistência policial por razões variadas. Porém, o serviço

administrativo não pode ser reduzido só a isso, ele abrange todo o policiamento.

(...). Na verdade, policiar não é uma actividade única, tratando-se antes de um conjunto complexo de actividades (BAYLEY, 2006, p.118). De qualquer forma, as funções de controlo criminal e manutenção da ordem e tranquilidade públicas, são as funções nucleares do mandato policial tanto em termos de soberania do Estado, como em termos simbólicos na representação que os cidadãos fazem da polícia. Porém, a Polícia realiza também Serviços de carácter administrativo, incluindo as atribuições e competências na área económica, saúde pública e salubridade, ambiente, tráfego rodoviário, etc. (BITNER, 2003, p.253).

É desta forma que a maior percentagem dos participantes sugere ser uma

actividade muito frequente (47,7%) ao nível das Esquadras, com tendência para

equilíbrio relativo entre frequente (29,9%) e pouco freqüente (22,2%). Deste modo, a

dispersão de dados que se segue ao principal enfoque da tarefa (muito frequente) sugere

que é uma tarefa que precisa de treino, na perspectiva do CODE.

Em relação à tarefa C (Actividades Operacionais), os participantes sugerem sua

execução sem dificuldade (70,8%) com dispersão de dados, tendendo para dificuldade

(22,4%), facto que torna a tarefa crítica, nos critérios de clasificação do CODE. O

conjunto de actividades que formam esta categoria são de carácter permanente e

rotineiro, o que pode induzir os participantes a acharem que é realizada sem

dificuldade. Tal como referenciamos na análise da ficha 1 desta pesquisa, as

actividades operacionais diárias a executar nas esquadras implicam conhecimento e

habilidades para sua planificação, organização, execução, avaliação e controle,

capacidade de gestão e formação profissional adequada.

As actividades operacionais corporizam a principal função policial que é

sobretudo relacionada com a prevenção criminal e com a manutenção e reposição da

ordem pública. O público em geral, os decisores políticos, os decisores policiais e os

próprios polícias assumem normalmente estes dois papéis como sendo os nucleares de

entre todas as responsabilidades policiais (LEITÃO, 2003, p.15). A própria legislação

moçambicana – Constituição da República (CRM), lei da Política de Defesa e

Segurança (lei nº 17/97 de 1 de Outubro) e a lei Orgânica da PRM (lei nº 19/92 de 31

de Dezembro) os consagra como exclusivos da acção policial. Interrupção -20h15.

A Frequência sugerida pelos participantes (frequente-37,9%), com tendência a

equilíbrio com muito frequente (34,7%) parece confirmar esta tendência – crítica, pois

os polícias sabem no entanto que a sua acção não se resume a estes papéis. No dia a dia

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a polícia acaba por ter que desempenhar um leque muito vasto de funções e tarefas as

quais não estão de forma alguma previstas juridicamente como sendo competências ou

atribuições policiais (LEITÃO, 2003, p.16).

Relativamente à tarefa D (Gestão de recursos disponíveis), os participantes

sugerem que ela é executada sem dificuldade (72,1%), tendendo para uma dispersão

que varia entre dificuldade (15,6%) e muita dificuldade (12,1. Importa realçar que a

dispersão de dados (dd) que se verifica torna a tarefa crítica, necessitando, de acordo

com o nosso critério de classificação, de muito treino.

A percentagem de frequência desta categoria: muito frequente (37,5%),

tendendo para um relativo equilíbrio com frequente (34,1) e uma relativa dispersão para

pouco frequente (28,3%), confirma a natureza crítica das actividades de gestão de

recursos disponíveis nas unidades e subunidades da PRM. O que se pode perceber é

que os comandantes das unidades e subunidades policiais, com ou sem formação e

experiência adequada em gestão, administram ou procuram administrar os recursos

disponíveis em suas unidades. De acordo com os objectivos deste estudo, o que deve

ser entendido e considerado relativamente à gestão de recursos, é a função de

administrar, definida como:

uma função sócio-profissional que consegue que as coisas sejam realizadas (...). Entre os clássicos destaca-se a ideia de que a Administração constitui um recurso para a racionalização e condução do processo produtivo. O conceito entre os humanistas refere-se à condução do processo de cooperação e relações humanas no trabalho (LITTERER, 1980 p.4).

A gestão das actividades da esquadra enquadra-se na necessidade de aplicação e

observância de métodos de liderança. Uma visão sistémica coloca a gestão dos recursos

disponíveis como uma técnica de conduzir o processo do policiamento e as relações

sociais na esquadra, conforme solicitações do ambiente de tarefa (interno) e do

ambiente geral (comunidade), isto é, administração de situações e da incerteza

(LITTERER, 1980 p.5).

Deste modo, recorrendo aos critérios de selecção estabelecidos pelo

pesquisador, são consideradas seleccionáveis as tarefas da ficha 2 constantes da Tabela

30.

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Tabela 30: Selecção de tarefas com base nos dados da ficha 2

Tarefa Criticidade Oportunidade Dificuldade Ênfase/freq. Impl.

A med med med 61,5% baixa 43,4% treino

B med med med 62,2% med 47,7% treino

C dd alta baixa Alta (s/d) 70,8% baixa 37,9% M.treino

D dd alta baixa Alta (s/d) 72,1% baixa 37,5% M.treino

Legenda

A – Judiciais

B – Administrativas

C – Operacionais

D – Gestão de recursos disponíveis

Pela leitura da Tabela 29 acima apresentada, conclui-se que as tarefas A e B

precisam de treino normal, enquanto que as tarefas C e D precisam de muito treino. Em

seguida apresenta-se o quadro geral das tarefas seleccionadas através das fichas 1 e 2

para as práticas pré-profissionais e o estágio curricular supervisionado.

Tabela 31: Tabela geral das tarefas seleccionadas (fichas 1 e 2) Tarefas Fichas 1 Ficha 2

Operacionais F C

Administrativas A, D B

Gestão de Recursos Disponíveis B D

Judiciais A

Legenda: Ficha 1

C – Gestão do tempo de um comandante

D – Planeamento e concepção

B – Gestão de recursos disponíveis

E – (Relações privadas ou institucionais)

F – Competências operacionais

Legenda: Ficha 2

A – Judiciais

B – Administrativas

C – Operacionais

D – Gestão de recursos disponíveis

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De acordo com o quadro acima apresentado, foram seleccionadas as tarefas

(F,A,D,B) da ficha 1 e (C,B,D,A) da ficha 2. Pelo critério da “CODE”, não foi

seleccionada a tarefa E (Relações privadas e institucionais) da ficha 1.

3.5 Apresentação dos dados recolhidos através de entrevistas nas esquadras

Como foi referido no capítulo da metodologia, na PIC foram entrevistados 6

inspectores e subinspectores; na polícia de trânsito foram realizadas 8 entrevistas,

enquanto que nas esquadras da polícia (segurança pública) foram realizadas 6

entrevistas. Cada função de um inspector ou subinspector dentro destas unidades foi

abrangida, pelo menos por uma entrevista. Aos comandantes das esquadras e chefes das

operações foi administrada uma entrevista colectiva. Os inquiridos foram entrevisados

sobre:

• As actividades mais frequentes (actividades essenciais).

• As actividades mais complexas (com ênfase durante a formação, isto é, que não

são ensinadas durante a formação, mas que são exigidas no trabalho quotidiano)

• As actividades que devem realizar e que não vêm mencionadas nos seus Termos

de referência

3.6. Resultados das entrevistas realizadas na PIC

Os detentores dos postos de inspectores e sub-inspectores desempenham

principalmente as funções de chefes de brigada, colocados em unidades regulares e

especializadas. Eles descrevem as suas actividades principais do seguinte modo:

• Supervisão do delito comum

• Realização ou direcção de investigação de crimes mais complexos (incluindo

crime organizado)

• Supervisão de detenção preventive (controle dos prazos da prisão preventiva dos

processos com argüido-preso)

As investigações sobre crimes sumários e de querela são feitas por agentes da

PIC sob a supervisão de subinspetores. Os inspectores e subinspetores concentram as

suas actividades nas investigações mais complexas de criminalidade mediana à

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criminalidade de alto nível, tal como o crime organizado, roubo de viaturas, tráfico de

drogas, lavagem de dinheiro, etc. Todos os inquiridos declararam que o seu trabalho é

complexo e difícil, sublinhando a necessidade de mais formação na sua área. Este dado

é importante para as actividades do Estágio Curricular.

3.7. Resultados das entrevistas realizadas na Polícia de Trânsito

Na direcção de trânsito, os inspectores e sub-inspectores têm uma diversidade

acrescida de tarefas:62 planificação e comando operacional, condução e execução de

actividades no campo de operações (fiscalização, regulação, protecção VIP). Nem todas

as funções possuem o mesmo grau de complexidade: algumas requerem uma formação

de nível superior, por exemplo a engenharia de trânsito, outras não; algumas requerem

especialização, por exemplo a investigação de acidentes de viação, outras não. Quando

inquiridos sobre a dificuldade do seu trabalho, os entrevistados colocaram a

investigação sobre um acidente de trânsito (topografia, reconstituições e relatório) no

topo da sua lista. Também foram mencionadas outras actividades difíceis, tais como, a

planificação da protecção VIP ou a relação com a comunidade (educação pública).

3.8. Resultados das entrevistas realizadas nas esquadras

As entrevistas realizadas nas esquadras visavam entender as actividaes que os

subinspectores (categoria inicial dos graduados da ACIPOL) e inspectores (categoria

para que são promovidos depois de 5 anos de serviço) da Polícia desenvolvem nas

esquadras.

Os Inspectores e Sub-inspectores nas esquadras da Polícia realizam um amplo

leque de actividades em diversas funções: chefe de um pelotão operacional, chefe das

operações, chefe da brigada auxiliar da Polícia de Investigação Criminal (PIC) e oficial

de permanência. Nota-se que pelo seu nível hierárquico (patente), nas esquadras

desempenham funções de direcção, chefia ou de coordenação. Este grupo de

participantes apontou que as actividades mais frequentes na esquadra são:

Planificação e comando operacionais; Supervisão das actividades no terreno; Gestão do

pessoal (serviço, horas, disciplina);

62 Foram realizadas entrevistas, na Província de Maputo com o Chefe de Operações, com o Comandante da Compamhia, com o Analista, com os Chefe dos Pelotões Especiais (polícia motorizada e de Reguladores).

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Actividades de permanência (actividades judiciais; registo de queixas, ligação com a

PIC, interrogatórios e notificações); Relatórios e/ou análises da situação criminal.

Segundo os participantes, várias actividades foram consideradas mais

complexas que outras. As consideradas mais complexas foram assim ordenadas:

Planificação operacional; Tomada de decisão sob stress; Análise sobre a segurança do

território; Resolução de conflitos (na comunidade); Reuniões com a comunidade63;

Motivar os efectivos (pessoal); Efectuar detenções64.

3.9. Resultados da entrevista colectiva

Os comandantes das esquadras e chefes das operações mencionaram que as

actividades mais frequentes são as seguintes:

- Análise da situação operativa do território; Planificação e comando de operações;

Resolução de conflitos; Despacho e encaminhamento de expediente; Elaboração de

relatórios.

Segundo os participantes, várias actividades foram consideradas mais

complexas que outras. Na percepção deles as mais complexas são as seguintes:

• Planificação e realização de operações dirigidas

• Dirimir conflitos que envolvem os efectivos

• Controlar o potencial delitivo da zona de jurisdição da esquadra

Em seguida elaborou-se uma tabela de comparação entre as actividades

consideradas mais complexas pelos inspectores e subinspectores que trabalham nas

esquadras e os comandantes e chefes das operações das esquadras. Na tabela 31, nota-

se que os inspectores e subinspectores indicaram 7 actividades como sendo as mais

complexas e mais frequentes nas esquadras. Por sua vez, os comandantes e chefes das

operações das esquadras indicaram 4 actividades como sendo as mais complexas.

63 Os subinspectores que trabalham com os chefes de sectores (polícias colocados em regime permanente num determinado bairro ou parcela do território da esquadra para estabelecer o policiamento de ligação com a comunidade) afirmaram que é difícil estabelecer uma agenda de trabalho com as comunidades. 64 Os Subinspectores confirmando a PIC também mencionaram que investigar um crime com autores não conhecdos e um crime organizado são tarefas complexas ( de acordo com a sua lista de complexidade).

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Tabela 32: Comparação das actividades consideradas mais complexas N/O Inspectores/Subinspectores Comandantes/Chefes das operações

01 Planificação operacional Análise da situação operativa do território

02 Tomada de decisão sob stress Planificação e realização de operações dirigidas

03 Detenção Dirimir conflitos que envolvem os efectivos

04 Análise sobre a segurança do

território Controlar o potencial delitivo da zona

05 Resolução de conflitos

(comunitários)

06 Reuniões com a comunidade

07 Motivar os efectivos

Das actividades indicadas, 3 são concidentes e 5 não coincidentes. As

concidentes são:

1. Análise da situação operativa do território/ Análise sobre a segurança do

território;

2. Planificação operacional/ Planificação e realização de operações dirigidas;

3. Resolução de conflitos/ Dirimir conflitos que envolvem os efectivos.

As actividades não coincidentes são:

1. Controlar o potencial delitivo da zona;

2. Tomada de decisão sob stress;

3. Detenção;

4. Reuniões com a comunidade;

5. Motivar os efectivos.

O que se pode perceber é que as actividades operacionais, judiciais e de gestão

são percebidas por todos os oficiais que trabalham nas esquadras como mais complexas

e frequentes que outras, entendendo-se, a partir desse pressupostos, que sejam também

de difícil execução.

Os dados apresentados até aqui nos permitem perceber as actividades que são

desenvolvidas nas unidades e subunidades policiais, por oficiais subalternos do nível

dos graduados da ACIPOL (subinspector) até à sua primeira promoção (inspector) que,

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segundo o regulamento da carreira policial moçambicana, ocorre cinco anos depois de

permanência no posto inicial, observados os demais requisitos constantes do aludido

regulamento.

Como foi mencionado na parte introdutória deste capítulo, era imprescindível

que ficasse claro em relação a que actividades concretas é requerida competência ao

oficial subalterno, graduado da ACIPOL. As habilidades técnico-profissionais a ele

requeridas estão relacionadas com que actividades policiais? Portanto, era necessário

delimitar o campo de actividades no qual será vinculada a formação prática do cadete,

futuro oficial subalterno da Polícia.

A partir dessa compreensão de base, passamos à análise dos dados que nos

permitiram relacionar a formação dos oficiais subalternos com a prática policial real. A

intenção é levantar as possibilidades de vincular as práticas formativas às práticas

profissionais e em ambiente de trabalho policial concreto, de forma a estabelecer o

equilíbrio entre os conhecimentos teóricos e as habilidades práticas requeridas a um

oficial subalterno, tomando as práticas pré-profissionais e o estágio curricular

supervisionado como articuladores desse equilíbrio.

3.10. Análise descritiva e interpretação dos resultados de grupos focais,

entrevistas e inquéritos gerais

Para além dos 54 oficiais que foram constituídos como grupo específico para o

inquérito sobre as actividades do comandante da esquadra (fichas 1 e 2), cujos

resultados foram analisados quantitativamente, outro grupo de oficias participou na

pesquisa, respondendo às questões que se seguem na tabela 32 abaixo, em grupos

focais, entrevistas e inquérito por questionário.

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Tabela 33: Relação das perguntas de pesquisa aplicadas N/O CONTEÚDO DAS PERGUNTAS

01

Sobre a formação em ciências policiais que a Acipol oferece, levanta-se o problema de ligação entre a

teoria e a prática. Muitas vozes dizem que a formação que a Acipol oferece não está ligada à prática

policial concreta. O que acha sobre isso?

02 O que acha que deve ser melhorado na formação de oficiais da polícia?

03 Actividades policiais consideradas mais difíceis

04 Em que aspectos a formacão devia incidir mais: Que aspectos ou matérias acha que deveriam se

introduzidos ou acrescentados na formação em ciências policiais?

05 Que competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) você acha que os polícias deveriam ter no

final da sua formação (superior) na ACIPOL?

06 Actividades que os cadetes realizam na esquadra durante o estágio

07 Que outras actividades acha que os cadetes deveriam realizar na esquadra durante o estágio?

08 Qual é para si o verdadeiro trabalho policial? Justifique

09 Como acha que devia ser organizado o estágio curricular? E as práticas pré-profissionais?

10 Como é que as diferentes áreas e disciplinas do currículo podem participar dos estágios e das práticas

pré - profissionais?

11 Tomando em consideração que acompanhou o processo de criação da ACIPOL, que expectativas tinha

sobre o desempenho dos policiais e da policia?

12 O que é um bom e um mau polícia?

13 Como avalia profissionalmente os graduados (egressos) daACIPOL?

Os participantes foram codificados conforme se apresenta no quadro que se

segue. Em cada resposta incluída neste texto consta o código que identifica o

participante.

Quadro 1: Códigos usados na sistematização e análise dos resultados Códigos Participantes

AC Grupo focal 1 MC Grupo focal 2

CDG Comandantes distritais e de esquadras da província de Gaza ICO/SF Comandantes distritais e de esquadras da província de Sofala CDNPL Comandantes distritais e de esquadras da província de Nampula

ESF Graduados (egressos) de Sofala ENP Graduados (egressos) de Nampula

AC/GF Graduados (egressos) da ACIPOL EDPF/SF/12 Dirigentes de nível provincial EL/AC1/12 Dirigentes de nível central

EP Cadetes do 4º ano (ACIPOL)

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A primeira pergunta que foi colocada aos participantes visava explorar a

sensibilidade deles sobre o principal problema da pesquisa, a ligação entre a teoria e a

prática que afecta o processo de formação na ACIPOL.

Perg.6-Anexo7. Sobre a formação em ciências policiais que a ACIPOL oferece, levanta-

se o problema de ligação entre a teoria e a prática. Muitas vozes dizem que a formação

que a ACIPOL oferece não está ligada à prática policial concreta. O que acha sobre

isso?

-Sinto que talvez haja algo a complementar na formação. Quando chegamos

ao terreno sentimo-nos estrangeiros. As 4 áreas curriculares ajudam-nos na

formação como pessoas, mas na prática há muitas diferenças. A área policial,

mesmo durante a formação é a mais pobre relativamente a outras áreas

curriculares, isso se revela também na prática porque o que se espera de nós

não é o que conseguimos apresentar e assim não podemos partilhar com os

outros na prática. Há o problema do saber ser como polícia. O que nós

aprendemos não há espaço para aplicar no terreno; o oficial da ACIPOL não

sabe ser e estar (AC2- egresso).

Os participantes enfatizam sua falta de habilidade para actuar sobre sistemas

mais amplos pelos quais são tidos injustamente como responsáveis. Ao mesmo tempo,

chamam à atenção para a disparidade entre os métodos tradicionais de formação e as

complexidades da exigência policial actual, em constante mudança. Eles clamam por

reformas na metodologia e estruturas curriculares actuais da formação policial.

-A ACIPOL oferece grosso modo uma boa bagagem teórica devendo melhorar

as aulas práticas. As dificuldades dos cadetes nos primeiros anos de trabalho

têm a ver com o conflito de gerações e níveis de formação, o que resulta em

exigências desfasadas do contexto científico. Em Matalana temos aulas

práticas, mas na academia não. Em nenhum momento realizei aula prática em

todas as cadeiras, no entanto estou já no 4º ano. No estágio o chefe diz: se

houver desordem todos vamos intervir, mas ainda não sei como manejar uma

arma. Não há actividades de tiro. No laboratório não se faz nenhuma aula

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prática, mas no terreno exige-se. Na academia não há aulas práticas (AC9-

egresso).

Apesar dessas diferentes ênfases, críticos profissionais fazem uma reclamação

em comum: as áreas mais importantes da prática profissional devem encontrar-se,

agora, além das fronteiras convencionais da dicotomia teoria-prática.

-O saber fazer é o grande problema, porque na Prática é onde deve haver

melhor integração. O que muitas pessoas não sabem é qual é a função do

ensino superior. Há diferença entre aquele que foi fazendo a polícia “fazendo”

e aquele que parte do arcabouço teórico. Nota, a ACIPOL nunca implementou

o currículo desenhado e não tem docentes próprios da área policial. Por

exemplo, a cadeira de ordem unida devia ser dosificada e avaliada. A questão

é da obediência cega que os comandantes procuram dos formados na Acipol,

daí os estereótipos de doutorzinhos. Mas é preciso entender que na polícia há

melhorias com base nos egressos da ACIPOL. O curso executivo também

ajudou muito a melhorar os comandantes da polícia. Há problemas de visão,

mas que se resolverá com a substituição dos antigos sem formação, pelos

novos. Os graduados devem ter paciência e saber esperar (AC-grupo focal 1).

Um dos problemas fundamentais levantado pelos participantes da pesquisa,

como sendo factor que afecta a relação entre a teoria e a prática na formação policial,

está relacionado com a docência na ACIPOL. Na Educação Superior, em geral, muitas

vezes a docência não é vista como o ponto fundamental para uma formação

universitária. Acabam-se valorizando mais a organização e o ambiente formativo, a

formação social e cultural do estudante e seus conhecimentos prévios, uso de recursos

disponíveis em detrimento do exercício da docência.

-Houve um workshop em que apareceu um estudo que concluiu que os

graduados da ACIPOL não sabiam nada, nem mesmo a preservação do local

do crime. Mas essa seria a questão fundamental da formação na ACIPOL?

(saber preservar o local de crime). Nota-se que há conflitos inter-gerações; na

ACIPOL precisa-se de uma esquadra-escola, que vem até no PEACIPOL, pois

isso ajudaria a resolver muitos dos problemas práticos a partir dessa unidade

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operativa. As pessoas que intervêm na área policial não têm formação para

essa área, isto é, a ACIPOL não tem docentes próprios para essa área. Nunca

houve formação de docentes nem formadores, por isso é o elo mais fraco na

formação: entre os docentes há alguma discriminação entre os civis e

policiais. Os policiais são olhados como secundários, porque muitos deles

foram alunos dos civis e sabem que eles não tiveram nenhuma formação

adicional (AC8-grupo focal 1).

Docentes de Educação Superior actualmente deveriam estar ocupados sobretudo

em ensinar seus estudantes a aprender a tomar iniciativas, ao invés de serem

unicamente fontes de conhecimento. Devem ser tomadas providências adequadas para

pesquisar, actualizar e melhorar as habilidades pedagógicas, por meio de programas

apropriados de desenvolvimento de pessoal (MASETTO, 2003, p.16).

-Dou como exemplo os estudantes que foram devolvidos por um comandante

provincial, porque são indisciplinados: aí vê-se que o problema é mesmo de

relacionamento e comunicação entre ACIPOL e as unidades e subunidades

operacionais da PRM (...). Alguém também já disse ao Reitor que “esses seus

estudantes não sabem nada”. Esse assunto o Reitor já levou para ser discutido

no Conselho Directivo. Mas tudo passa necessariamente pela formação do

corpo docente. Onde fica o corpo docente e qual é a função que tem? Será que

é possível fazer-se uma formação adequada sem professores com formação

apropriada? (AC13-grupo focal 1).

De acordo ainda com Masetto (2003), o professor universitário hoje, deve ser

um profissional intercambiável, que combine a imaginação e acção, capaz de se

intercomunicar nacional e internacionalmente, capaz de mediar a aprendizagem dos

estudantes de forma interactiva e orientá-los para o desenvolvimento de capacidades de

saber saber, saber fazer e saber estar com os outros.

(...). O objectivo máximo de nossa docência é a aprendizagem de nossos alunos. Donde a importância de o professor ter clareza sobre o que significa aprender, quais são seus princípios básicos, o que se deve aprender actualmente, como aprender de modo significativo, de tal forma que a aprendizagem se faça com maior eficácia e maior fixação (...), como se aprende no ensino superior, quais os princípios básicos de uma aprendizagem

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de pessoas adultas e que estejam valendo para alunos de ensino superior, como integrar no processo de aprendizagem o desenvolvimento cognitivo, afectivo-emocional, de habilidades e a formação de atitudes? Como aprender a aprender permanentemente? (MASETTO, 2003, pp.27-28).

Os participantes falaram tanto do problema da docência na ACIPOL,

principalmente na área curriculara de Ciências e Tecnologia Policial, quanto da relação

que no campo de trabalho se estabelece entre os oficiais graduados pela ACIPOL e os

profissionais mais antigos que desempenham funções de comando, direcção e chefia

das unidades e subunidades policiais. Porém, a questão de fundo são as fragilidades

institucionais relativamente ao corpo docente próprio da área policial de formação.

Entende-se pois que esse facto enfraquece tanto o relacionamente entre os profissionais

de gerações diferentes, quanto uma formação policial sólida e adequada.

O outro facto apontado pelos participantes é que há relatos de melhoria do

trabalho nas unidades e subunidades policiais como resultado da contribuição dos

oficiais graduados da ACIPOL, o que contradiz a tese de que “não sabem nada”. Outros

relataram a forte exigência de disciplina militar feita aos novos oficias que é remetida à

fraca preparação prática destes durante a formação.

-Pude notar que houve melhorias e a população fala disso. Por exemplo, os

autos já não são devolvidos pelos tribunais. O que acontece na prática é que

os comandantes querem um Oficial obediente e militarmente bom. O problema

do cadete é não saber estar militarmente. O outro problema é a falta de

enquadramento porque o cadete termina a formação sem experiência e essa

experiência se ganha na prática (AC-grupo focal 1).

A afirmação de que os graduados da ACIPOL “não sabem nada” é questionada

por grande parte dos participantes da pesquisa, mas todos comungam a ideia de que

não há relacionamento entre a formação dada e a prática policial real. Alguns apontam

como uma das razões a fraca coordenação entre a ACIPOL e as unidades e subunidades

operacionais da Polícia sobre as necessidades destas em termos de nível de

competência profissional requerida aos oficiais graduados pela ACIPOL.

-Essa de que os cadetes não sabem nada é grave. Isso desautoriza a

instituição. O ponto de partida é: O que é que o cadete deve saber de facto.

Por exemplo: na cadeira de Direito Processual Penal, o que o cadete deve

saber disso? Nas relações internacionais, o que o cadete deve saber sobre

isso? Não há rastreio, dentre as cadeiras, daquilo que o polícia deve saber.

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Outro ponto: Devia haver formação integral do cadete. Por exemplo: quando

o cadete obedece as formaturas e voz de comando ele está aprendendo. No

primeiro curso falava-se muito de autos e peças de expediente e no terreno

encontramos peças de expediente que não existem no código do processo

penal. Isso tudo porque durante a formação nunca houve encontro entre esses

instrumentos. Existe uma separação entre a ACIPOL e o comando geral na

formação do cadete e, como resultado disso os cadetes, nos trabalhos de final

de curso, investigam coisas sem interesse da polícia. Na ACIPOL os cadetes

não estão informados sobre o que interessa à polícia. Sugere-se um gabinete

de estudo na ACIPOL que sirva de ligação entre o comando geral e a

ACIPOL. Porque é que o cadete da ACIPOL só tem contacto com a polícia no

4º ano? Porque não se pode capitalizar o período de férias do cadete, no seu

local de origem, para entrar em contacto com a unidade policial da zona,

trabalhar lá e fazer um relatório no fim? Pelo menos duas semanas, para se

familiarizar. Há falta de contacto com a polícia e, por isso, os cadetes ficam

sem ideias para elaborar assuntos de pesquisa de interesse policial. Essa

familiarização devia começar a partir do 2º ano e não no 2º semestre do 4º

ano (AC10-egresso).

Em seguida, procuramos explorar as opiniões dos participantes que possam

contribuir para melhorar a formação na ACIPOL.

Perg.1-Anexos 3,4 e 5. O que acha que deve ser melhorado na formação de oficiais da

Polícia?

O eixo central identificado nessa pergunta perpassa pela reestruturação e

melhoramento da organização, planificação, coordenação das actividades de formação

e a preparação de todos os actores que actuam na formação.

-O melhoramento da formação dos oficiais da polícia deve ter como base o

melhoramento da: organização, planificação, coordenação e a preparação de

todos os actores que actuam na formação (AC1-grupo focal 1).

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-Alguns dos apectos que devem ser melhorados são: a formação dos docentes,

reestruturar o corpo de alunos, preparar as infrastruturas de ensino, reforço

das horas de contacto com a prática, por exemplo, laboratórios e tiro,

melhorar as salas de aula e rever os meios didácticos; um laboratório policial

onde tenha todos os equipamentos de trabalho da polícia (AC3-grupo focal 1).

As afirmações acima registadas (AC1 e AC3) levantam uma série de questões

relacionadas com a organização do estágio e da formação policial em geral. No entanto,

há ideias-chave que levantam problemas específicos tais como a formação do corpo

docente policial próprio e o incremento das horas de contacto com a prática. Um dos

pontos identificados como crítico é a formação profissional prática. O que se percebe é

que a formação actual “não comunica com a realidade, ela faz comunicados”. É

necessário tornar a articulação entre a teoria e a prática uma realidade da formação e da

vida profissional dos oficiais da Polícia. Porém, esse ponto se vincula necessariamente

a um corpo docente devidamente preparado.

-Os cadetes que tem aparecido na esquadra para estagiar demonstram que têm

bons conhecimentos teóricos, mas são muito fracos em aspectos práticos. Por

isso, nós achamos que devem ser submetidos a actividades de patrulhamento,

de permanência, de investigação de delitos e de protecção de objectivos

estratégicos, entre outras actividades (CM1- grupo focal 2).

-Deviam ser realizadas visitas de estudo às unidades e subunidades da PRM

onde seriam dados esclarecimentos nos próprios locais das unidades, por

exemplo visita à medicina legal, FPAI, FIR, FER65, etc, etc,. Deve-se planificar

aulas teóricas e aulas práticas e deve-se incentivar a pesquisa, facto que passa

necessariamente pela ligação com o DEIPLA66 que devia fornecer informações

sobre os aspectos de interesse policial; a questão da esquadra-escola devia ser

retomada com seriedade; dos mestrados que estão sendo feitos, qual é que está

ligado a área policial? Quase que nenhum (AC2-grupo focal 1).

65 FPAI – Força de Protecção de Altas Individualidades; FIR – Força de Intervenção Rápida; FER – Forças Especiais e de Reserva. 66 DEIPLA – Departamento de Informação e Plano.

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Um dos problemas levantados pelos participantes da pesquisa está relacionado

com o processo de ingresso na ACIPOL. Eles afirmaram que é necessário melhorar o

processo de ingresso como requisito específico para a melhoria do processo de

formação dos futuros oficiais. O que se pode perceber é que se “acusa” falta de

transparência nos processos de ingresso na ACIPOL. Questiona-se o mérito dos

candidatos que são admitidos, facto que acaba influenciando negativamente o processo

de formação. Quando se fala da superlotação das turmas ficam levantam-se problemas

organizacionais, problemas de admitir mais candidatos do que a capacidade instalada,

factores que têm a ver com a pressão externa sobre a academia por autoridades com

poder para isso.

-Deve retomar-se os critérios objectivos (transparência, imparcialidade) na

selecção dos candidatos ao curso; reduzir ou mesmo inibir as interferências

externas que produzem impactos negativos na formação policial; criar um

laboratório de trânsito para as aulas de trânsito e segurança rodoviária;

preparar formadores para cada área; Há fortes interferências externas no

processo de formação e isso é que de alguma forma concorre para a

superlotação das turmas. Deve evitar-se a superlotação das turmas na

academia e organizar melhor o enquadramento. O outro problema que em

minha opinião mancha o processo de ingresso é que a maioria dos admitidos

são só candidatos do sul, do centro e norte só vem duas ou três candidatos

(AC5-grupo focal 1).

-Na selecção dos novos candidatos deve se introduzir os exames psicotécnicos,

pois pressupõe-se que quem lida com a segurança das pessoas deve ser um

indivíduo mentalmente são; melhorar a organização da academia; os docentes

civis devem ter um enquadramento para se identificarem com a instituição e

seus objectivos. Como ensinar o cadete a comportar-se como polícia se os

docentes mostram certo liberalismo (AC9-grupo focal 1).

-O ingresso deve ser com base num exame de admissão para todos candidatos

de modo a aferir melhor qualidade dos mesmos, dada a situação da má

qualidade do ensino nos níveis anteriores (ENP2);

O ingresso para os cursos de graduação em ciências policiais na ACIPOL é

regido pela Lei do Ensino Superior em Moçambique operacionalizado por meio de um

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concurso público (Edital) que é divulgado pela ACIPOL em cada período de admissão.

Esse Edital estabelece os requisitos e condições de concurso de ingresso em cada época

acadêmica, observando as disposições conjugadas da Lei nº 27/2009 de 29 de Setembro

(Lei do Ensino Superior) com o Decreto Lei nº 28/99 de 24 de Maio (Estatuto do

Polícia) e o Diploma ministerial nº 86/90 (que institui os exames de admissão para o

ingresso no ensino superior em Moçambique), conforme indica o quadro abaixo.

Quadro 2:Disposições legais que regulam o ingresso na ACIPOL

O currículo deve ser entendido como processo, que envolve uma multiplicidade

de relações, abertas ou tácitas, em diversos âmbitos, que vão da prescrição à acção, das

administrativas às práticas pedagógicas, na Academia como instituição e nas unidades

formativas especificamente. Para compreendê-lo e, principalmente, para elaborá-lo e

DISPOSITIVO LEGAL ARTICULADO CONTEÚDO

LEI Nº 27/2009, de 29 de

Setembro – Lei do

Ensino Superior

Capítulo I, Secção I

Artigo 4:

(Acesso ao ensino superior)

1. As condições de acesso a cada instituição de ensino superior são

regulamentadas pela referida instituição, de acordo com os seguintes

parâmetros:

a) enquadramento legal existente e políticas nacionais do sector;

b) preferência do candidato, o seu nível de conhecimento científico e

aptidões;

c) capacidade da respectiva instituição.

Diploma Ministerial nº

86/90 de 26 de Setembro

Institui os exames de admissão às instituições do ensino superior em

Moçambique

Decreto Lei nº 28/99, de

24 de Maio (Estatuto do

Polícia)

Capítulo II

(Ingresso, formação e

avaliação);

Secção I – Ingresso;

Artigo 20-Requisitos gerais

Artigo 21, nº 3-Requisitos

especiais

Artigo 21, nº 3 – Requisitos especiais

a) Habilitações literárias mínimas 12ª classe ou equivalente;

b) Ter idade mínima de 18 e máxima de 22 anos para os

civis;

c) Ter idade mínima de 18 e máxima de 26 anos para os

membros da PRM e ex-militares.

Artigo 26, nº2 – acesso à formação policial

O ingresso nos estabelecimentos de ensino para os cursos de

formação policial é efectuado na sequência dum anúncio público,

mediante provas de admissão e com estrita observância dos

princípios de igualdade, mérito, aptidão, publicidade e transparência.

ACIPOL

Academia de Ciências

Policiais

EDITAL

Estabelece os requisitos e condições de concurso de ingresso em cada

época acadêmica,observando as disposições conjugadas da Lei nº

27/2009 com o Decreto Lei nº 28/99 e o Diploma ministerial nº

86/90.

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implementá-lo de modo a transformar o ensino, é preciso reflectir sobre grandes

questões (SACRISTÁN,1998, p.13).

O currículo compreende também os programas, que dispõem os conteúdos

básicos de cada componente e as indicações metodológicas para seu desenvolvimento.

Por conseguinte, organização do trabalho pedagógico. A formação policial, como

formação profissional, carece de clarificação do que se pretende que em cada nível, em

cada área de conhecimento e no curso todo o formando alcance. O que se pode

perceber da afirmação que se segue é que na formação deve ser melhorada também a

clarificação dos conteúdos ministrados em cada disciplina.

-É preciso descrever-se claramente o perfil de saída do oficial da polícia, mas

o currículo não ajuda. Por exemplo, as aulas que são dadas no trânsito não se

diferem daquilo que é dado na escola de condução. Será esse o objectivo da

formaçã? (AC11-grupo focal 1).

No entanto, é necessário pensar-se numa formação diferenciada para os ramos

especializados da Polícia, tais como a Polícia de Investigação Criminal (PIC) e Polícia

de Trânsito (PT). Formação diferenciada significa especialização, mas no caso do curso

de Licenciatura em Ciências Policiais, que não inclui a especialização, por formação

diferenciada entende-se a orientação para as especialidades. Esta matéria embora eteja

já acautelada no currículo revisto que entrou em vigor no ano 2013, continua sem

clareza sobre como serão realizadas as práticas pré-profissionais e o estágio curricular

supervisionado, tendo em conta a estruturação do currículo revisto em tronco comum e

orientação para a especialidade.

-Para os casos da PIC e da PT é preciso pensar em cursos próprios, porque os

finalistas que recebemos nem sabem por onde começar um auto. Eles têm uma

informação geral sobre o que é a PIC ou PT, mas não estão em condições de

fazer nada. Por isso, quando chegam nós organizamos um pequeno curso de

capacitação (CM3- grupo focal 2).

-A sociedade diz que o tratamento dos criminosos não está sendo adequado,

daí a justiça pelas próprias mãos. E nós insistimos em dizer que não pode ser

assim, devem ser usadas as instituições de administração da justiça instituídas.

Mas isso precisa de um meio termo que só pode ser encontrado através da

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pesquisa, e a ACIPOL poderia arrancar com a iniciativa. Esta é uma questão

que nos pressiona no trabalho normal, porque fazemos reuniões de ligação

polícia-comunidade, mas em seguida há linchamentos. Então precisamos de

descobrir qual seria a alternativa de solução deste problema e alertar, se

necessário, os órgãos de administração da justiça. Aqui a ACIPOL tem um

vasto campo de pesquisa. É verdade que estamos numa fase embrionária, mas

não podemos estar a defender coisas que para a sociedade estão

ultrapassadas ou inadequadas (EDPF/SF/12).

A afirmação supracitada feita por um dirigente de nível provincial, participante

da pesquisa, levanta dois aspectos que ele classifica de bastante importantes para

melhorar a formação, ou melhor, a serem melhorados na formação. Trata-se da

pesquisa, direccionada para o campo do trabalho policial, como forma de descobrir

demandas que preocupam a população; o outro aspecto está relacionado com as

práticas das relações comunitárias, dando exemplo das reuniões de ligação polícia-

comunidade. O problema que o interlocutor levanta é “qual é a mensagem que a polícia

leva para essas reuniões. Será que essa mensagem é do interesse da população”? É a

partir da necessidade de entender as preocupações da população que ele afirma que se

deve tornar a pesquisa num mecanismo para melhorar a formação.

-No geral, eu acho que a formação dos polícias deve começar da selecção e

do recrutamento, porque nós podemos pegar nos polícias e meter nos centros

de formação, mas se o mal começou no recrutamento e na selecção, não vamos

ter bons polícias, nos tempos passados, as pessoas que iam à polícia eram

pessoas idôneas, pessoas bem disciplinadas e iam lá fazer bons cursos. Mas

hoje em dia, não há rigorosidade na selecção dos polícias, em termos de

comportamento, em termos de verificação da vocação, as pessoas vão para a

polícia como refúgio, porque há falta de emprego, quando se inscrevem às

vezes escapam nos processos de selecção e conseguem ingressar, outros

entram na polícia porque acham que entrando na polícia vão ter facilidades

de ter arma para fazer assaltos à mão armada, essas pequenas coisas quando

eles voltam a gente nota que este foi para a polícia para conseguir algo que

está fora do seu controle (poder e arma). Então, temos no geral esses

problemas (EDO/SF/12).

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Na resposta do participante (EDO/SF/12) estão expressas várias idéias

diferentes sobre o que devia ser melhorado na formação dos oficiais da Polícia. Uma

delas se refere aos critérios de recrutamento e selecção dos candidatos ao curso de

oficiais eu acho que a formação dos polícias deve começar do recrutamento e da

selecção. Nessa idéia ele associa o processo de recrutamento ao resultado da formação

e não inclui o processo de formação como capaz de desenvolver nos formandos o perfil

que se pretende de um oficial subalterno. Embora não expressa explicitamente, pode-se

perceber que valoriza mais os processos do “passado” que provavelmente foi a sua

realidade, sustentando-o por termos como “idoneidade”, “vocação” e “disciplina” e, por

isso, faziam “bons cursos”.

A outra idéia que pode ser percebida nas respostas do mesmo participante é de

que para os cursos da Polícia ingressam marginais que se inscrevem com o propósito de

usar de forma ilegal e abusiva o poder de Polícia e a arma de fogo para fins pessoais.

Percebe-se aqui que o participante associa esta idéia à falta de “rigor” não só da

instituição formadora, como também da corporação policial que alberga os referidos

marginais depois da sua formação. Mas também pode-se perceber que é um “desabafo”

com teor apelativo para o melhoramento dos critérios de selecção e os métodos de

gestão dos efectivos pós-formação.

A pergunta que se segue visava colher informações que seriam cruzads com os

dados recolhidos através de entrevistas e questionários nas esquadras sobre as

actividades nas quais os comandantes e chefes das operações despendem mais tempo.

Perg.(geral)-Anexos 1 a 5. Actividades policiais consideradas mais difíceis

A Polícia moçambicana, quanto à natureza, é um modelo híbrido, conjugando

carcterísticas de três modelos descritos por Brodeur e Landreville (1983), citados por

(LEITÃO 2007, p.2):

a) O controle da actividade criminal, incluindo o registo, prevenção, detecção,

aplicação da lei, detenção e recuperação de bens furtados, em coordenação ou

não com o poder judicial.

b) A Manutenção da ordem, e da tranquilidade sociais, seja no âmbito da reposição

da ordem como da sua manutenção através da vigilância e imposição da

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“normalidade social” ou das conformidades sociais, num conceito mais

sociológico;

c) A Prestação de serviços à comunidade, também chamadas de assistência social,

disponibilidade para situações de emergência, cooperação com outras entidades,

reencaminhamento para serviços adequados à solicitação, aconselhamento

jurídico, e outros.

Por causa dessa condição híbrida da natureza da Polícia de Moçambique,

algumas actividades são consideradas mais complexas e mais difíceis de realizar que

outras. Aos participantes desta pesquisa foi perguntado que actividades consideravam

mais difíceis, ao que deram as seguintes respostas:

-Encaro mais dificuldades na elaboração de relatórios, dado que fiz uma

formação geral e fui enquadrada numa especialdade, ou seja numa área

específica que exige muito mais (ESF1);

-A grande dificuldade no sector onde trabalho é a falta de definição das

competências ou atribuições do sector. Isto remete-nos muitas das vezes a ter

uma ordem com prioridade (ESF2);

-No sector onde trabalho encaro mais dificuldades na realização de análises

químico-legais (ENP1);

-No presente momento, a minha tarefa é de lidar com efectivo, e cada

indivíduo tem suas particularidades e também alguns membros principalmente

os antigos resistem às novas idéias. É difícil fazer gestão de pessoas (ENP2);

-O que é mais complexo é a planificação devido à ausência de instrumentos

orientadores e na instrução de processos disciplinares devido à existência de

legislação obsoleta (ENP3);

-O mais difícil para mim é a forma como se planifica e administra uma

esquadra ou sub-unidade equiparada, seja de protecção de VIP’s67, eventos,

etc (ENP4).

-O mais difícil é o patrulhamento numa altura em que os efectivos em relação à

população são muito irrisórios, não facultando de certo modo a cobertura geral

da vigilância policial (CDNPL1);

67 VIP’s (very important persons) – na linguagem policial significa Altas Individualidades

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-As actividades que considero mais difíceis no meu posto de trabalho são as

operativas, para esclarecer um caso criminal ocorrido na minha área de

jurisdição (CDNPL3);

-O mais difícil é a actividade de patrulhamento que envolve esclarecimento de

delitos ora cometidos por desconhecidos (CDNPL5).

Podemos constatar que a maior parte das respostas dadas tem como base as

actividades que cada participante realiza e a sua experiência de trabalho. Também

podemos notar que há tendência de juntar várias idéias na mesma resposta, porém

querendo referir a componente diferentes da resposta. Por exemplo, Actividade de

patrulhamento que envolve esclarecimento de delitos ora cometidos por desconhecidos

(CDNPL5).

Neste trecho de resposta o participante considera difícil o patrulhamento para

prevenir delitos, por um lado, por outro, considera difícil esclarecer delitos cometidos

por autores não conhecidos.

Nas respostas podemos notar também que, quase todas elas, consideram difíceis

as tarefas de natureza operacional, com algumas excepções que apontam para as tarefas

de natureza administrativa e de gestão. No quadro 3 apresentamos o resumo das onze

actividades mais significativas consideradas difíceis e citadas por mais do que um

participante.

Quadro 3: Actividades policiais consideradas difíceis N/O ACTIVIDADES DIFÍCEIS ÁREA 01 Elaboração de relatórios Operacional 02 Gestão de pessoas (efectivos) Gestão 03 Planificação Operacional 04 Patrulhamento preventivo Operacional 05 Instrução de processo criminal Operacional/Técnica 06 Instrução de processos disciplinares Gestão 07 Protecção de VIP’s Operacional 08 Administração de uma esquadra ou sub-unidade Gestão/ Operacional 09 Esclarecimento de casos criminais ocorridos Operacional 10 Motivação dos efectivos Gestão/Liderança 11 Análises químico-legais Técnica

Conforme se pode notar no resumo do quadro acima não constam, por exemplo,

actividades de relações comunitárias. A presença do polícia na comunidade permite

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estabelecer a denominada “mediação de conflitos”. Essa técnica humanística ajuda os

membros da comunidade na busca de consenso para desavenças sanáveis. Sem isso, os

conflitos humanos podem evoluir para ameaças, agressões e homicídios, originando um

clima de insegurança no seio da comunidade, além de transformarem-se em

ocorrências policiais processos judiciais e sistemas carcerários(VENDRAMINI, 2010,

p.131).

Não há uma mensuração do benefício que a mediação de conflitos traz à

sociedade, mas certamente contribui para a democracia, a paz, a economia e o

progresso social do País. Somente o políca treinado, dotado de sensibilidade humana,

comunitário, próximo e com credibilidade poderá exercer esse papel junto à

comunidade (ibidem).

A pergunta que se segue visava aprofundar as opiniões dos participantes sobre o

que deviam ter aprendido durante a formação para melhor responder às exigências

profissionais que enfrentam.

Perg. (geral)-Anexos 5,6,7. Que competências (conhecimentos, habilidades e atitudes)

você acha que os polícias deveriam ter no final da sua formação (superior) na ACIPOL?

-Os graduados da ACIPOL deviam ter, para além de conhecimentos teóricos,

domínio de actividades policiais práticas e habilidades de ligação com as

comunidades. Deviam ser mestres em artes marciais. Entendo que no campo

teórico eles são bons,mas no campo operacional há muitas lacunas, é preciso

fortalecer essa componente prática para eles servirem de modelo

(EDPF/SF/12).

Na resposta deste participante nota-se, mais uma vez, a preocupação sobre a

articulação da formação com o campo prático da actividade policial e o ponto de

incidência é a área policial. Quando afirma que mas no campo operacional há muitas

lacunas, refere-se claramente às actividades policiais de natureza operacional, tal como

foi identificado pelo resultado do inquérito específico aos comandantes de esquadras e

chefes das operações. A outra idéia que é apresentada se refere mais à expectativa que

ele tem sobre os graduados da ACIPOL. Esta passagem: fortalecer essa componente

prática para eles servirem de modelo. Pode-se perceber que o modelo por ele referido

tem como base a competência técnico-profissional que o graduado devia demonstrar na

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actividade policial concreta, (...) principalmente para a questão de transmissão de

valores, porque o que se verifica neste momento é que os valores dos egressos são

baixos, razão pela qual nalgumas situações temos estado a chamar à atenção, por

exemplo, na forma de lidar com a população, porque um polícia deve ser modelo de

bom cidadão dentro e fora do serviço. A falta dessa ligação é que origina, em parte, os

problemas de comportamento a que me referi e, consequentemente, a falta de

confiança para com esses egressos (alguns deles). Alguns já têm processos

disciplinares e criminais, outros já cumpriram prisões disciplinares. Quando é um

egresso da ACIPOL a ser detido ou sancionado o impacto negativo é maior do que

quando se trata de um guarda porque julga-se que o tempo de 4 anos que levou na

formação é suficiente para ele ser modelo e respeitado. Contudo, entendo que a

formação não termina na escola, os comandos provinciais devem dar continuidade

(EDPF/SF/12).

Várias idéias podem ser identificadas no depoimento acima, mas a primeira

delas é a que se refere aos “valores” que em sua opinião deviam ser transmitidos dos

profissionais (polícias) mais velhos aos mais novos. Pode-se perceber que tais valores

vão desde os relacionados com a cultura policial desenvolvida por aqueles que estão e

servem há mais tempo a corporação até aos éticos e deontológicos, que sustentam um

relacionamento saudável com a comunidade: (...) razão pela qual nalgumas situações

temos estado a chamar à atenção, por exemplo, na forma de lidar com a população,

porque um polícia deve ser modelo de bom cidadão dentro e fora do serviço (...).

Aqui nota-se, portanto, a preocupação que o participante demonstra sobre a

relação entre a Polícia e a comunidade e que acredita ser um aspecto primordial da

competência do oficial da Polícia, e que deve ser desenvolvido durante a formação.

Podemos aferir que há uma clara alusão de que a primeira coisa que a polícia precisa

fazer hoje é acreditar nos valores e princípios basilares que a norteiam. Sobre essa

matéria, Da Silva esclarece que:

Ética, Legalidade, Planejamento, Técnica e Ação de Comando formam o pentagrama de atuação de um comando de polícia nos ideais do Estado Democrático de Direito para a preservação da ordem pública. Dentro desse diapazão, pode-se citar o primeiro valor-fonte das ciências policiais que é a protecção integral aos Direitos Humanos, ou seja, agirir com a finalidade de propor segurança aos interesses e às garantias individuais e colectivas da pessoa, quer seja natural ou jurídica, pública ou privada (DA SILVA, 2010, p.66).

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A outra idéia que podemos registar é a que se relaciona com a formação

contínua do graduado da ACIPOL, dentro do princípio de formação ao longo da vida,

ao afirmar que Contudo, entendo que a formação não termina na escola, os comandos

provinciais devem dar continuidade. A formação ao longo da vida é um princípio

integrante dos quatro pilares de educação para o século XXI e muito debatido nos

campos académcos e sócio-profissionais. Seu conteúdo, significado e alcance podemos

encontrar, por exemplo, na abordagem analítica e histórica da formação do conceito de

competências desenvolvida por Chizzotti & Casali.

(...). A formação ao longo da vida, como analisa Gaussel (2011), remete à redefinição da articulação entre a educação básica e a superior e os processos de aprendizagem dos adultos, em especial as relações entre os saberes acadêmicos e os saberes profissionais, a universidade e a formação após a educação básica, tema esse que o marco de referência europeu procura solucionar (CHIZZOTTI & CASALI, 2011, P.15).

Ao remeter a responsabilidade da continuidade da formação dos graduados da

ACIPOL aos comandos provinciais, o participante não só chama a atenção para o

processo de integração dos graduados nos comandos como, também, procura despertar

a consciência dos próprios graduados para esse processo.

Pergs.4,6,7-Anexos 3,4,5. Em que aspectos a formacão devia incidir mais: Que aspectos

ou matérias acha que deveriam ser introduzidos ou acrescentados na formação em

ciências policiais?

O currículo revisto da ACIPOL fixa como finalidade da formação em ciências

policiais que:

(...) O plano curricular tem como finalidade permitir que os oficiais formados possam contribuir para a melhoria do desempenho nas áreas de Segurança Pública; Investigação Criminal e Criminalística; Migração e Fronteiras; Administração e Logística Policial. Por outro lado, o desenvolvimento de um sistema de valores éticos e deontológicos prosseguidos através de uma nova atitude, ao nível do comando e liderança, constitui também objectivo da formação de oficiais de nível superior. Assim, espera-se que o licenciado em Ciências Policiais contribua para a introdução de métodos de trabalho mais eficientes e adequados às necessidades operativas (p.4).

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202

Quando questionados sobre que aspectos (em termos de áreas de conhecimento

ou conteúdos) a formação superior de oficiais da Polícia deveria focalizar mais, as

respostas foram variadas, mas, de forma geral os comandantes distritais e de esquadras

tendem a mencionar as áreas policiais “tradicionais”, isto é, aquelas que constituem os

processos policiais habituais. Todos mencionam a planificação, a ética e deontologia

profissional, a investigação de delitos praticados por autores desconhecidos e as

relações com a comunidade.

Em contrapartida, os oficiais recém-graduados (egressos da ACIPOL) para além

das tradicionais, tendem mais para áreas especializadas, áreas ou matérias novas tais

como empreendedorismo, investigação de crimes cibernéticos e tráfico de pessoas.

Os comandantes distritais e de esquadras em Sofala incidiram as suas respostas

no seguinte:

-Em primeiro lugar deve-se ensinar os conceitos policiais, cultura policial,

civismo, formação geral em conhecimento universal, especialização, patrulhar

o campo prático (ICO/SF3);

Matéria policial e ciências universais para permitir o conhecimento global dos

membros oficiais da polícia (ICO/SF1);

Nas respostas dos dois participantes supracitados pode-se pereceber qua as suas

ideias extravasam as áreas policiais tradicionais para outras que em suas opiniões

permitem o oficial ter conhecimento global, quando afirmam, por exemplo, que (...)

formação geral em conhecimento universal; (...) e ciências universais para permitir o

conhecimento global (...).

Também fazem menção à especialização o que nos permite perceber que há

precocupação em que os graduados tenham um certo direccionamento às

especialidades. É verdade que essa orientação para as especialidades já está acautelada

no currículo revisto, como já mencionamos acima, mas a opinião é legítima porque esse

curículo (revisto) só entrou em funcionamento no início do ano académico de 2013, o

que significa que os primeiros graduados (nesse currículo) só sairão em 2017.

-Para mim seria a matéria da técnica policial, tática policial e incidir mais na

matéria que diz respeito o cotodiano policial, e deontologia profissional

(ICO/SF2);

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-Actividade de liderança (direcção), planificação, controlo de massas e de

grandes eventos, técnicas de prevenção ao crime e de investigação (ICO/SF4);

-Giro, patrulha, sectorização, planficação. Isto para poderem dirigir as bases,

só se instruir no que se domina. Matéria de direito no geral, com ênfase no

direito administrativo, direito penal e processual penal (ICO/SF5).

A leitura que se pode fazer das três respostas acima é que as opiniões cingem-se

naquilo que já mencionamos como áreas ou actividades tradicionais de função policial,

tais como planificação (operacional) e a prevenção e investigação dos crimes.

Em Nampula, sobre a mesma questão os comandantes de esquadras deram as

seguintes opiniões:

-Técnicas policiais para cada vez mais ter o domínio de actuação e técnicas,

sobretudo, para a captura de infractores. A componente jurídica que é um dos

elementos chave para o trabalho policial (CDNPL1);

-Com maior profundidade, deveria se ensinar a forma de dirigir (CDNPL2);

-Acho que deveriam ser ensinadas, com maior profundidade nos cursos de

formação de oficiais de Polícia. Noções fundamentais de direito

administrativo, Polícia administrativa aplicada, treinos militares, sociologia e

psicologia (CDNPL3);

-Matéria sobre o que foi Moçambique antes da independência e depois da

guerra (CDNPL4);

-Que seja introduzida a disciplina militar por forma a existir um respeito

militar hierarquicamente. Constar teoria e prática dentro da formação –

existência de uma Esquadra na Academia para o efeito (exclusivamente)

(CDNPL5);

Por sua vez, os graduados (egressos) da ACIPOL que trabalham na província de

Sofala onde foram inquiridos, quanto à mesma questão deram as seguintes opiniões:

-Tratando-se de formação de oficiais, devia se incidir mais na matéria de

Direcção (comando e liderança) e nos aspectos práticos ligados à

especialidade que cada um devia seguir (ESF4);

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-Devia se incidir mais na carreira de tiro, actualmente temos acompanhado

muitos problemas de falta de perícia no disparo. Outro ponto tem a ver com

intercâmbios de conhecimentos com estudantes de outras faculdades (ESF1);

-Deveria ser mais para matéria de âmbito policial. Aspectos ou matérias a

introduzir são: actividades de primeiros-socorros e alguma que tenha a ver

com crimes cibernéticos e tráfico de pessoas (ESF5);

-Tendo em conta que o trabalho policial nota-se mais na Esquadra, sou de

opinião que deve-se ensinar como elaborar um auto na prática, não só na

teoria, e aprofundar-se mais o Direito Penal (ESF2);

-A formação deveria incidir mais na área de planificação operativa e na

instrução processual (ESF3);

-As cadeiras policiais com docentes qualificados e não indivíduos escolhidos

em função da experiência ou tempo de serviço (ESF).

Quadro 4: Matérias de aprendizagem sugeridas pelos graduados/Sofala N/O MATÉRIAS SUGERIDAS ÁREA

01 Direcção (Comando e Liderança) Gestão

02 Carreira de Tiro Operacional

02 Actividades de Primeiros-Socorros Operacional

03 Crimes Cibernéticos Investigação

04 Tráfico de Pessoas Operacional

05 Planificação Operativa Planificação

O6 Instrução Processual Investigação

07 Direito Penal Operacional

08 Elaboração de Peças de Expediente Operacional

Aos graduados (egressos) da ACIPOL que trabalham na província de Nampula

foi colocada a mesma questão, tendo dado as seguintes opiniões:

-Introduzir no âmbito da Polícia Administrativa Aplicada (PAA) uma espécie

de práticas policiais, onde os estudantes pudessem aprender a fazer ou se

familiarizar fazendo tarefas de cada uma das áreas de intervenção policial

(seria uma espécie de Comando Modelo) ou simplesmente pensar-se numa

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orientação específica do estudante no 4º ano (uma espécie de especialização).

Introduzir a cadeira de serviço social e empreendedorismo; As matérias de

PAA devem ser acompanhadas por pesquisas constantes do discente (ENP1);

-A formação policial deveria incidir mais nas cadeiras policiais como Policia

Administrativa Aplicada, com um corpo docente com domínio dessa cadeira

(ENP2);

-Deveria introduzir curso de especialização (ENP3);

-Dever-se-ia especificar as áreas, ou seja, as especialidades, evitar

dependermos da sorte ou do “Deus dará” para sermos enquadrados noutras

áreas como PIC, PT, etc. (ENP4);

-Tratamento digo, instruir-se aos cadetes como se fazem os processos desde a

denúncia até a tramitação ao juiz de instrução (ENP5).

Nas respostas acima transcritas, várias ideias-chaves podem ser assinaladas

relativamente ao que os participantes da pesquisa (graduados da ACIPOL em Nampula)

consideram como matérias ou conteúdos a serem ministrados nos cursos de formação

policial na ACIPOL.

O participante “ENP1” debruça-se, por exemplo, sobre a necessidade de se

introduzir as práticas pré-profissionais. Esta ideia, que constitui um dos focos da

presente pesquisa, não é em si nova, porque no currículo vigente da ACIPOL (o antigo)

consta como matéria curricular. Porém, e como já mencionamos no capítulo

introdutório desta pesquisa, nunca foram realizadas. Daí a pertinência de considerar

esta opinião como procedente.

O mesmo participante apresenta outras ideias que podem ser consideradas tanto

como elementos relacionados com a estruturação e planificação dos cursos, como com

os conteúdos a serem ministrados. Trata-se das ideias sobre a realização de práticas

policiais concretas pelos estudantes em unidades para o efeito seleccionadas, que

serviriam de modelo, a pesquisa em Polícia Administrativa Aplicada (PAA), e a

introdução das novas cadeiras de serviço social (entenda-se como serviços de socorro e

apoio à comunidade) e empreendedorismo.

Nas contribuições dos paticipantes ENP2, ENP3 e ENP4 nota-se a coincidência

na necessidade de orientação para as especialidades. Na ideia do participante ENP5, a

ideia que subjaz às matérias de intrução processual até à submissão do processo à

instância judiciária (juiz) está relacionada com o sistema de justiça moçambicano,

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considerada deficitária por o agente instrutor do processo criminal não fazer

acompanhamento do mesmo até ao seu desfecho, isto é, o julgamento.

Durante o debate realizado no grupo focal 1, realizado na ACIPOL com um

guião próprio (anexo 5), as opiniões registadas são as seguintes:

-Tudo está no currículo vigente (AC1);

-Artes marciais, isto é, defesa pessoal é fraca, os cadetes não têm instrução

sobre isso. O tempo que a formação em ciências policiais leva dá para formar

um cinturão negro (AC2);

-Conhecimentos vinculados nas 4 áreas de estrutura do currículo; - Deve

olhar-se para a formação integral (AC3).

-Esta questão pode ser discutida em várias vertentes. Alguns consideram que

um polícia fisicamente bem preparado raciocina melhor. Deve ter habilidades

de comando, porém, tudo deve ser feito dentro dos limites que têm a ver com o

tipo de cadetes que se tem, logo, tem também a ver com a selecção que é feita

(AC4).

Em seguida, registamos as opiniões resultantes do grupo focal 2 realizado na

cidade de Maputo:

-Primeiro eu acho que ele (o graduado) devia ser disciplinado, saber cumprir

as ordens e ser humilde; depois, devia ser bom operativamente: saber analisar

a situação criminal e saber que medidas devem ser tomadas e saber dar

relatório às estruturas competentes (CM1);

Das afirmações do participante (CM1) acima transcritas podem ser registadas

pelo menos três ideias relacionadas com matérias a serem ministradas nos cursos de

graduação em ciências policiais: análise criminal, resposta policial e comunicação

policial (relatório policial).

-Acho que um recém graduado nunca será bom antes de começar a trabalhar

na realidade; no terreno quando a situação muda o cadete esquece tudo o que

aprendeu na escola e perde a cabeça, mas quando já tem alguma experiência

até sabe interpretar os fenómenos. Por isso, acho que o que ele precisa é ter

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contacto regular com a realidade antes de terminar o curso para saber o que

lhe espera depois (CM12).

Na intervenção deste participante (CM12) a ideia fundamental que se regista é a

da necessidade de a formação policial ser feita em articulação com o ambiente do

trabalho policial concreto.

-Um oficial tem que estar em condições de orientar o trabalho operativo, fazer

planos operativos, saber trabalhar com a população e, sobretudo saber

atender as situações de emergência, também saber coordenar com outras

forças de defesa e segurança. Mas há um aspecto que é imporante que há

cadetes que já eram polícias e outros que são novos ingressos. Para os novos é

um pouco complicado, esses deviam ser ensinados mais matérias policiais

operacionais (CM3).

Nas respostas do participante (CM3) estão subjacentes três ideias relacionadas

com as matérias que deveriam ser ministradas nos cursos de graduação da ACIPOL: a

elaboração dos planos operativos, a ligação com a comunidade e o atendimento a

emergências.

Os comandantes distritais e de esquadras da província de Gaza apresentaram as

seguintes opiniões sobre as matérias que deveriam ser leccionadas nos cursos de

graduação em ciências policiais.

-Conhecimentos em especialidades (CDG1);

-Ao longo da formação para além de matéria de índole criminal e sociológico

deveria se pensar na seriedade de moldar os cadetes na preparação combativa

e educação patriótica (CDG5);

-Os policias formados na ACIPOL deveriam estar dotados de conhecimento de

direito criminal, administrativo (CDG2);

-Acho que após a formação deveriam ser instruídos antes da sua saída sobre

as responsabilidades que vão assumir levando a sério esta instrução para bem

estar do povo mesmo dele” (CDG3);

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-Ao fim da formação deviam ter conhecimentos ou deviam ser divididos e

formados em especialidades, PIC, PT e outras áreas da policia, para permitir

a sua inserção real (CDG4);

-O estágio, digo depois da formação, durante o estágio devem dedicar-se à

busca da experiência acumulada nos polícias antigos (CDG5);

Depois da formação deveriam passar por uma reciclagem como oficiais de

permanência por um período para se familiarizar com o trabalho policial e

fazendo patrulha (CDG6).

Manfredi (1999, pp.9-10) argumenta que (...) A qualificação de um indivíduo é

sua capacidade de resolver rápido e bem os problemas concretos mais ou menos

complexos que surgem no exercício de sua actividade profissional. O exercício dessa

capacidade implicaria a mobilização de competências adquiridas ou construídas

mediante aprendizagem, no decurso da vida activa, tanto em situações de trabalho

como fora deste, reunindo:

- o saber fazer, que recobre dimensões práticas, técnicas e científicas, adquirido

formalmente (cursos/treinamentos) e/ou por meio da experiência profissional;

- o saber ser, incluindo traços de personalidade e caráter, que ditam os

comportamentos nas relações sociais de trabalho, como capacidade de iniciativa,

comunicação, disponibilidade para a inovação e mudança, assimilação de novos

valores de qualidade, produtividade e competitividade;

- o saber agir, subjacente à exigência de intervenção ou decisão diante de

eventos - exemplos: saber trabalhar em equipe, ser capaz de resolver problemas

e realizar trabalhos novos, diversificados.

Pode-se considerar que esta é a visão que permeia o desenho do perfil ideal de

qualificação nas organizações inovadoras. Há, pelo visto, nítida convergência entre as

organizações de diferentes sectores e características, quanto aos traços mais relevantes

desse perfil, em matéria de conhecimentos, habilidades, atitudes e características

pessoais (ibidem).

Perg.(geral)-Anexos 5,6,7. Que actividades os cadetes realizam na esquadra durante o estágio curricular?

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Esta pergunta foi dirigida especificamente aos 33 cadetes do 4º ano de

graduação em ciências policiais (finalistas) que tinham já realizado o estágio nas

esquadras da Polícia. A intenção era compreender em que actividades foram engajados

durante o estágio e colher suas opiniões sobre a compatibilidade dessas actividades

com o seu programa de formação.

Em seguida apresentamos o quadro geral das actividades que os cadetes

mencionaram como tendo realizado durante o estágio. No inquérito participara 33

cadetes. De salientar que o estágio foi realizado nas esquadras dos comandos

provinciais de Maputo – cidade da Matola e na Cidade de Maputo. O quadro indica as

áreas de actuação, as actividades realizadas e a frequência das respostas.

Quadro 5: Actividades que os cadetes realizam na esquadra durante o estágio N/O ÁREA ACTIVIDADES FREQ.

01 Organização da Esquadra

- ligação com a comunidade da zona de jurisdição da esquadra, elaboração das escalas de serviço ; - planificação da actividade operacional, tarefas de análise e despacho do expediente diário elaborado, tarefa de instrução das forças operativas; - aplicação do regulamento disciplinar da PRM.

27

28

22

02 Operacional da Esquadra

- Planeamento de missões operacionais, elaboração de relatórios de missões operacionais, execução de missões operacionais de rotina, análise da situação ciminal da área da esquadra, serviço de oficial de permanência; - Avaliação do desempenho da força; - Protecção aos locais de crime.

30

1 1

03 Investigação Criminal

- Pedido de mandados de busca a residências, notificação de tribunal, audição de testemunhas e arguidos, cumprimento de mandados de condução ao tribunal, instrução de processos criminais; - Pedido de identificação do arguido ou testemunha; - Recolha de vestigios dactiloscopicos; inspeccionar detalhadamente o local de facto (local do crime); - Cumprimento do tempo legalmente previsto para a notificação de um particular.

29

6

1

1

04 Polícia de Trânsito

- Fiscalização de trânsito em geral, controle de álcool aos automibilistas, fiscalização de excesso de velocidade, elaboração de autos de transgressão, operações de auto-stop; - Fiscalização de veículos com registos viciados (falsos), participação em peritagem de acidentes de viação; - Identificação das matrículas ou chapas de inscrição dos veículos.

29

25

1

Em seguida, aos cadetes finalistas foram solicitadas opiniões sobre as

actividades que deveriam ser realizadas pelos cadetes numa esquadra durante o estágio

supervisionado. A pergunta colocada foi a seguinte:

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Perg.(geral)-Anexos 4,5,6,7. Que outras actividades acha que os cadetes deviam realizar

na esquadra durante o estágio?

As respostas foram resumidas nos seguintes termos:

-Patrulha, planeamento de missões em pelotões, elaboração de escalas extraordinárias

diariamente (EP1); - Actividades operacionais.

-O cadete deveria particpar nas reuniões de planificação das actividades operativas

(EP2); - Actividades operacionais.

-Para além das tarefas do oficial de permanência, deviam ser integrados no grupo

operativo em exercicio de tarefas concretas no terreno, como forma de conhecer as

reais actividades de Polícia (EP3); - Actividades operacionais.

-Os cadetes deviam também realizar actividades ligadas às comunicaões e não

centrando-se apenas nas actividades de oficial de permanência. Deviam realizar

actividades ligadas à secretaria da esquadra (EP5); - Actividades

operacionais/Administrativas.

-Os cadetes deveriam: patrulhar com mais frequência para ter um maior contacto com

a população, elaborar processos, elaborar escalas de serviço, ter mais dominio na

permanência (EP7); - Actividades operacionais/Relações comunitárias.

-Assumirem o papel de comandante da Esquadra, intervirem nas reuniões da esquadra;

participarem activamente nas patrulhas (EP10); - Actividades

operacionais/Administrativas/Judiciais.

-Actividades ligadas à operatividade nas esquadras, patrulha auto (EP12); -

Actividades operacionais/Trânsito.

-As tarefas não podem planificar-se ao centrarem-se apenas nas tarefas de oficial de

permanência; conhecer as tarefas de um comandante de esquadra assim como de chefe

de operações; como dirigir o efectivo de uma esquadra (EP13);- Actividades

operacionais/Planificação/Judiciais/Administrativas.

-Na minha opinião, acho que os cadetes deveriam realizar o estágio não apenas ao

nível da PRM mas também noutras áreas do MINT e também participar na autópsia

(EP16);- Actividades operacionais /Administrativas.

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-O cadete deveria ter a oportunidade de trabalhar com os comandantes das esquadras

para se inteirarem do trabalho que estes realizam (EP19); - Actividades

operacionais/Administrativas

-Sou da opinião que os cadetes deveriam participar na planificação da actividade

operacional junto com o chefe das operações, de modo que estes possam elaborar

eficazmente os planos de missões operacionais na área operativa (EP22); - Actividades

operacionais/Planificação/Administrativas.

Em função dos objectivos perseguidos por este estudo, as respostas

apresentadas pelos participantes podem ser agrupados nas categorias que se seguem no

quadro abaixo. O agrupamento em categorias visa, primeiro, a sua compreensão,

porque alguns termos mantidos tal como foram apresentados pelos participantes não

são de domínio comum, são específicos do meio policial, por exemplo: permanência,

patrulha apeada, autos, balística, audições, local do facto, entre outros.

Quadro 6: categorias indicadas pelos participantes N/0 ACTIVIDADES

01 Actividades Operacionais

02 Actividades Administrativas

03 Actividades de Gestão

04 Actividades Judiciais

05 Planificação

06 Relações Comunitárias

Em segundo lugar, o agrupamento visa facilitar o cruzamento da informação

com os dados recolhidos através das fichas 1 e 2 de inquérito sobre as actividades

realizadas pelos comandantes das esquadras, chefes das operações e pelos inspectores e

subinspectores (oficiais subalternos) nas esquadras.

O objectivo é estudar como essas actividades podem ser articuladas com o

conhecimento teórico no processo de formação de oficiais da Polícia na ACIPOL, por

meio das práticas pré-profissionais e do estágio curricular supervisionado.

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Os participantes foram também solicitados para explicarem qual é o verdadeiro

trabalho da Polícia. Esta pergunta deveria ser respondida de acordo com os

conhecimentos e experiências profissionais vividas por cada participante.

Perg.5-Anexos 3,4. Qual é para si o verdadeiro trabalho policial? Justifique.

Os comandantes distritais e de esquadras da província de Gaza responderam da

seguinte forma:

-O verdadeiro trabalho policial é de prevenir e combater o crime (CDG1);

-O verdadeiro trabalho policial é de garantir a ordem e segurança públicas,

proteger os cidadão e seus bens” (CDG2);

-O verdadeiro trabalho policial é defender a CRM, garantir a OSTP. Porque

esta é a missão principal da Polícia, segundo a lei fundamental (CDG4);

-O patrulhamento, protecção dos objectos económicos e sociais e planificação

dos trabalhos operativos em geral (CDG5);

-Protecção de pessoas e seus bens. Esse exercício de proteger as pessoas e

seus bens é o verdadeiro trabalho do Polícia (CDG8);

-O verdadeiro trabalho da policia é o patrulhamento. Porque é através do

patrulhamento que se realiza o trabalho proactivo e reactivo da Polícia”

(CDG10);

Por sua vez, os graduados da ACIPOL em serviço na província de Sofala deram

as seguintes respostas:

-O verdadeiro trabalho policial é todo aquele que é levado a cabo, na rua,

pelos patrulheiros. Na medida em que encontramos na via pública todo o tipo

de situações no âmbito social, económico, cultural, etc. (ESF1);

-O trabalho da Polícia é vasto e inclui tudo o que tem a ver com a segurança e

o bem estar das pessoas (ESF2);

-Em minha opinião, o trabalho policial é preventivo e operativo. Preventivo na

medida em que com o conhecimento teórico pode se criar estratégias de

prevenção do crime e quando estas não funcionam pode-se recorrer ao lado

operativo, por forma a garantir a OSTP (ESF3);

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-O verdadeiro trabalho policial, para mim, seria necessariamente a

efectivação ou materialização de tudo quanto foi ensinado nas escolas de

formação, acompanhado de uma monitoria em todas as fases de progressão

(ESF4);

-O verdadeiro trabalho policial de um oficial é a direcção da área operativa.

Esta direcção devia-se aprender na cadeira de Comando e Liderança no estilo

daquilo que era a actividade de direcção nos cursos de quadros médios de

direcção (ESF5).

Analisando as respostas dadas tanto pelos comandantes distritais e de esquadras,

quanto pelos graduados da ACIPOL nota-se que em geral são genéricas, são

apresentadas como slogans. Porém, percebe-se que todas elas giram em volta de

actividades operativas e administrativas.

Em seguida, foi discutida em grupo focal a questão sobre a a organização do

estágio curricular e das práticas pré-profissionais. O objectivo era de explorar os pontos

de vista dos participantes sobre como os cadetes podem ser engajados em actividades

práticas relacionadas com a sua formação.

Perg.2-Anexo 5. Como acha que devia ser organizado o estágio curricular? E as práticas

pré-profissionais?

-O EC (estágio curricular) deve ser organizado na academia, mas devia haver

supervisão, porque a instituição que recebe o cadete não sabe o que deve fazer

com os estagiários (AC5-grupo focal 1);

A idéia principal que este participante apresenta é a necessidade de haver

supervisão do estágio. Esta idéia provém do facto de que na situação actual a

supervisão é deficiente, ou mesmo inexistente. A parte complementar da idéia refere-se

ao sector que recebe o estagiário, isto é, ao conhecimento que deve ter sobre o conteúdo

do estágio que, para o caso, inclui a existência de um orientador local. As duas idéias

aqui apresentadas pressupõem, acima de tudo, boa coordenação entre a instituição

formadora (ACIPOL) e os sectores profissionais que recebem o estagiário (unidades e

subunidades policiais).

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-A experiência do estágio do bacharelato mostrou que havia sempre na

esquadra ou qualquer unidade alguém que recebia e enquadrava os

estagiários. Não era necessariamente alguém da academia que enquadrava,

mas acompanhava (AC9-grupo focal 1);

-Actualmente o estágio falha na planificação, porque as pessoas responsáveis

não coordenam nem acompanham o que é feito (AC4-grupo focal 1);

A idéia principal na afirmação dos participantes acima é a realização do estágio

como actividade planificada, por isso, parte integrante do currículo e não uma

actividade extra-curricular. O mais interessante é que todos os participantes deixam

transparecer a idéia de que estão conscientes de que o estágio deve ter lugar nas

unidades e subunidades policiais.

-Devia haver sintonia entre a ACIPOL e as unidades/subunidades da PRM que

recebem os estagiários; deviam ser preparadas pessoas para orientar os

estagiários nessas unidades, através duma instrução concreta; deve haver

formação desses orientadores locais (AC10-grupo focal 1);

-A ACIPOL não tem contacto directo com as unidades policiais, mas sim com

o comando geral. Isso dificulta a interacção e coordenação na realização do

estágio; por isso, os estagiários não têm orientação local (AC2-grupo focal 1);

-Antes de os estudantes partirem para o estágio deve haver uma palestra com

eles sobre todos aspectos do estágio: o que devem fazer, como devem fazer, o

que será avaliado e que relatórios devem produzir; isso implica que haja

coordenação e supervisão (AC7-grupo focal 1);

Nas afirmações acima registadas as idéias concentram-se na necessidade de a

planificação e organização do estágio incluir a participação dos principais actores dessa

actividade, nomeadamente a própria ACIPOL (direcção e docentes), os estudantes e os

sectores de trabalho, incluindo a preparação de orientadores locais.

-Há falta de um instrumento que harmonize as relações entre a ACIPOL e as

unidades no qual se indicam os deveres das partes, tanto dos que enviam

quanto dos que recebem os estudantes e dos próprios estudantes; esse

documento seria aprovado pelo Comando Geral em coordenação com a

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academia. Uma espécie de regulamento de estágio. O que acontece é que os

cadetes agora não fazem estágio, mas visitas de estudo (AC3-grupo focal 1).

-Devia ser adoptado um modelo de prática pedagógica com um guião que

contenha o que os cadetes devem realizar durante o estágio, para que

actividades devem ser orientados, e no fim do período deviam ser avaliados,

também através de uma ficha que contenha os aspectos objecto de avaliação.

Assim, os sectores onde eles fazem o estágio participariam também na

avaliação dos cadetes, incluindo sobre os aspectos de comportamento. A

ACIPOL é que devia organizar e fornecer tais fichas de orientação e de

avaliação (CM1- grupo focal 2);

As duas afimações acima registadas (AC3 e CM1) levantam a necessidade da

existência de um regulamento que institucionalize e oriente sobre todos os

procedimentos a serem seguidos no estágio. Na verdade e na realidade policial

moçambicana onde as instituições policiais seguem princípios de “burocracia militar”,

esse instrumento vincularia formalmente os actores do estágio. Portanto, a ligação entre

a instituição de formação e os sectores operacionais seria fortalecida por um vínculo

formal.

-A Direcção do estágio da ACIPOL devia direccionar o que deve ser feito e o

que se pretende com o estágio. A forma actual de organização do estágio não é

vantajosa porque a ACIPOL se limita a entregar os cadetes e as esquadras e

outros sectores é que devem pensar o que fazer com eles. Assim, cada um

acaba fazendo o que acha melhor (CM3- grupo focal 2):

-A ACIPOL devia indicar as metas a serem atingidas com os cadetes através

do estágio, pois é ela que define o que deve ser aprendido a cada momento

para fornecer bons profissionais aos sectores operativos da polícia. A

avaliação dos cadetes estagiários deve ser conjunta entre a ACIPOL e os

sectores de estágio, isto, as áreas onde os cadetes realizam o estágio,

principalmente sobre o desempenho e aspectos de deontologia profissional

(CM2- grupo focal 2);

As duas afirmações dos participantes (CM3 e CM2) acima registadas levantam

duas questões: o problema de coordenação entre a ACIPOL e os sectores que recebem

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os estagiários, bem como a falta de clareza sobre o quê deve ser feito e como devem ser

organizadas as actividades do estágio; a participação dos sectores que recebem os

estagiários na avaliação destes. Fica implícito, no conteúdo das respostas, que falta

instrumento regulador do estágio (regulamento do estágio) que indique o que se

entende por estágio na formação policial e como ele deve decorrer, bem como os

actores vinculados.

-Primeiro, é que um estágio não é uma passagem, o estágio difere de uma

passagem, uma simples visita, um estágio é um momento de aprendizagem, por

isso, antes de os estudantes serem conduzidos ao estágio deve-se definir os

objectivos, o que eles devem saber, isto é, o que é que objectiva esse estágio,

os conhecimentos que devem ser dominados. Deve ser colocado alguém no

sector onde vão estagiar que deve estar a par dos objectivos que se pretendem

com esses estágio, ou seja, o sector de estágio deve dominar os objectivos do

estágio, e estar em condições de monitorar esse estágio. Por exemplo, quando

o estagiário vai a uma brigada qualquer deve desde a entrada do processo até

a sua saída, saber, por exemplo, que na investigação de um incêndio não se

começa com a busca do cadáver e outras coisas; quando se fala de um

homicídio, primeiro pensar onde é que está o cadávere, etc. Portanto, deve ser

definido ao ir para estágio que quando terminar deve estar em condições de

dominar isto e aquilo. E fazer-se a monitaria e avaliação da permanência do

estagiário no sector de estágio. Quer dizer, os sectores ou as pessoas

colocadas no sector onde devem estagiar deverão estar em condições de fazer

a avaliação do estágio, o que não acontece. O estagiário chega numa brigada,

dão-lhe um processo e dizem-no para instruir o processo. Isso não é estagiar,

isso é, quando muito, aprender a fazer um trabalho. O estagiário deve ser

acompanhado, saber que uma determinada pergunta pode ser feita doutra

maneira, saber e reflectir se uma determinada actividade pode ser feita doutra

maneira. Acho que o estágio nesse sentido pode ser mais rentável e eles

próprios, os estagiários, devem elaborar um relatório no final do seu estágio.

Esse relatório deverá ser visto e avaliado também pelo sector onde estiveram a

estagiar para dar o seu parecer avaliativo sobre o desempenho do estagiário.

Dessa maneira, poderá garantir-se que no fim do estágio o estagiário trabalhe

de maneira autônoma sobre a matéria do estágio (ECI/SPIC/12).

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No depoimento do partcipante (ECI/SPIC/12) podem ser identificadas várias

ideias sobre como devia ser organizado o estágio curricular e as práticas pré-

profissionais. Primeiro, o participante olha para o estágio como um momento de

aprendizagem realizada no campo de actividade profssional, por isso, deve ser

planificado, definir-se os objectivos, traçar-se o roteiro dos estagiário e prever-se

orientadores locais de estágio nas unidades e subunidades que acolhem os estagiários.

O outro aspecto sugerido pelo participante é a supervisão do estágio por parte da

instituição formadora (ACIPOL), evitando-se que os estagiários fiquem só sob tutela

das uniddades e subunidades hospedeiras dos estagiários.

A esta idéia está ligada a necessidade da avaliação dos estagiários pelo sector

que os recebe e os orienta. Por outro lado, os próprios estagiários devem elaborar um

relatório individual sobre o estágio o qual deve ser analisado na Academia pelos

docentes. A intenção é que depois de realizar o estágio, o etagiário possa começar a

trabalhar autonomamente.

Visando explorar a possibilidade da participação dos docentes e das matérias

das diferentes disciplinas nos módulos das práticas pré-profissionais e do estágio

curricular, foi colocada aos participantes a pergunta que se segue.

Perg.4-Anexo 5. Como é que as diferentes áreas e disciplinas do currículo podem

participar dos estágios e das práticas pré-profissionais?

-A questão de base é a articulação entre as disciplinas do mesmo nível em que

se leccionam, para depois combinar os diferentes conhecimentos nas práticas.

A visão deve ser multidisciplinar e os responsáveis das áreas participam

directamente. As práticas a serem feitas devem ser coordenadas por aqueles

todos que intervêm (AC5);

-O atendimento de um assunto ou de uma pessoa na esquadra envolve uma

multiplicidade de áreas de conhecimento que devem ser accionadas ao mesmo

tempo pelo estagiário. Daí é preciso organizar uma unidade de práticas.

Aquele que recebe o estagiário deve ser uma pessoa conhecedora da prática

que deve ser feita nesse momento na unidade (AC9);

-Deve haver interdisciplinaridade em que os docentes discutem os assuntos

próximos num determinado nível ou período de escolaridade de forma a

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evitar-se repetições desnecessárias; deve haver, por isso, a selecção dos

conteúdos a serem dados. Isso facilitará também a supervisão e a avaliação

(AC8).

As ideias apresentadas pelos participantes nas passagens acima registadas

levantam um forte desafio para quem enfrenta a tarefa de elaborar e aplicar um

currículo para a formação profissional que integre trabalho e ensino.

Esta tarefa, realmente inovadora no âmbito da formação policial, supõe uma

ruptura com as concepções tradicionais de treinamento e, fundamentalmente, com as

práticas formativas academicistas desvinculadas da prática real e cotidiana de uma

determinada profissão (BARATO, 2003, p.17).

Supõe uma ruptura com a antiga divisão entre teoria e prática, uma vez que

ambas se encontram integradas no exercício profissional. Sobre esta passagem, é

bastante ilucidativa a afirmação do participante (AC9) ao afirmar que O atendimento de

um assunto ou de uma pessoa na esquadra envolve uma multiplicidade de áreas de

conhecimento que devem ser accionadas ao mesmo tempo pelo estagiário.

O que se pode perceber é que a competência de resolver um determinado

problema ou de realizar uma determinada actividade não se apresenta fragmentada por

áreas de conhecimento que servem de sua base sustentadora, mas sim de forma unitária,

estruturada e coerente.

O participante (AC5), ao afirmar que A visão deve ser multidisciplinar e os

responsáveis das áreas participam directamente, remete-nos à idéia de LE BOTERF

(2003), segundo a qual o desafio das organizações parece estar relacionado à utilização

de novos modelos de gestão, baseados em conceitos de competência e desempenho,

acrescidos das práticas de aprendizagem colectiva, desenvolvimento de equipes e

gestão do conhecimento, entre outros que ofereçam múltiplas oportunidades de

crescimento pessoal e profissional aos membros da organização e estimulem as pessoas

não só a desenvolver colectivamente (a)s competência(s), mas também, a compartilhá-

la(s).

Para configurar uma prática policial inovadora, é possível inferir que a

formação que considere a competência do futuro oficial deve possuir como objectivo

maior não somente a melhoria das performances profissional e organizacional, mas,

sobretudo o desenvolvimento dos formandos como pessoas na sua plenitude. Assim a

competência representaria, ao mesmo tempo, um valor social para a organização e um

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valor sócio-profissional para o indivíduo, mesmo quando considerada como um

“objectivo ambicioso” como afirmam Chizzotti & Casali (2011), na sua análise crítica

aos discursos da União Europeia e da OCDE68 sobre a emergência e propósitos da (s)

“armadilhas epistemológicas” do termo competência (s):

Depreende-se dos discursos curriculares oficiais da OCDE e da União

Europeia, nesta primeira década do século, o ambicioso propósito de

estabelecer referências comuns (...) – a sociedade, os pais, os educadores e os

alunos - mantendo a expectativa de que a escola ofereça uma base sólida de

conhecimentos e atitudes que permita aos estudantes aplicá-los em todas as

situações da vida e ter os meios indispensáveis para continuar sua formação

ao longo da vida, a fim de que eles compreendam os desafios da humanidade,

a universalidade e diversidade da vida e, assim, possam tomar parte nas

transformações emergentes da sociedade (CHIZZOTTI & CASALI, 2011,

p.13).

Entendemos como “armadilhas epistemológicas” os aspectos e significados,

muitas vezes inconfessados, que estão implícitos nas várias acepções polissêmicas do

termo competência (s), designadamente a sua politização e mercantilização

Nos depoimentos dos participantes podemos depreender ainda termos como:

multidisplinaridade, interdisciplinaridade, unidade de práticas, termos que, por um

lado, têm um alcance profundo se entendermos a realidade curricular “a partir de uma

perspectiva dinâmica que permite interligar num todo sistémico os contextos de

decisão, os actores intervenientes, as condicões determinantes, e nunca a dicotomia

entre a teoria e a prática, entre propósitos e prática (PACHECO, 2001, p.145).

Por outro lado, se entendermos o currículo como um projecto sócio-formativo e

didáctico que engloba intenções e decisões tomadas em diferentes contextos, que vão

da máxima generalização à máxima concretização (Pacheco, 2001, p.145), não

poderemos deixar de aceitar para o seu desenvolvimento os aspectos essenciais

centrados no processo, sem os quais estaria comprometido o equilíbrio entre os

fundamentos teóricos e os fundamentos práticos da formação.

68 (OCDE) - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

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Considerando que a criação da ACIPOL foi um projecto institucional

acompanhado por todos os agentes da PRM, principalmente os oficiais que

desempenham funções de direcção e chefia, perguntou-se aos comandantes distritais e

de esquadras sobre as melhorias que esperavam no desempenho da Polícia.

Perg.2-Anexos 3,4. Tomando em consideração que acompanhou o processo de criação

da ACIPOL, que expectativas tinha sobre o desempenho dos políciais e da Polícia?

O primeiro grupo de participantes a quem foi colocada a questão das

expectativas que a Polícia tinha com a criação da ACIPOL, foram os comandantes

distritais e esquadras da província de Gaza que apresentaram as seguintes ideias:

-Tinha como expectativa ver os polícias a demonstrarem bom desempenho das

suas funções, mas não é o que fazem neste momento, alegadamente por falta de

condições de trabalho. Acho que a Polícia devia criar condições adequadas

para o polícia desempenhar melhor as suas funções (CDG2);

-A expectativa que tinha com a criação da ACIPOL era que teríamos oficiais

da Polícia com qualidade, tecnicamente bem preparados, porque com o tempo

que dura a formação na ACIPOL isso é possível (CDG8);

-A expectativa que eu tinha era de ver a nossa instituição melhorada em

termos de actuações dos nossos membros, mas muitos casos que têm-se

verificado na prática parecem sugerir que muitos dos oficiais que são

formados na ACIPOL só queriam adquirir a licenciatura, não têm vocação

para polícia (CDG9);

-A expectativa que eu tinha era que formação dada na ACIPOL capacitaria os

oficiais para trabalharem nas especialidades da Polícia, sairiam da ACIPOL

dominando pelo menos uma especialidade (CDG10);

-Nós contávamos que com a criação da ACIPOL pudéssemos ter gente com

formação prática imediata, mas a experiência mostra que o graduado (egresso)

não é produto acabado, sobretudo no ramo da polícia, mesmo que a gente

conceba maior teoria, é sempre necessário aliar com a prática, então aí é onde

está o problema, é preciso que a ACIPOL inculque nos formandos que quando

chegarem às províncias (postos de trabalho) não vão ascender logo a posições de

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chefia, aliás, isso pode estar nos documentos mas a prática é diferente, aqueles

graduados (egressos) precisam de conhecer a actividade policial na base, pois

têm de saber o que é estar na secretaria de um comando, o que é patrulhar, o que

é grupo de patrulha, isso não é vergonha para um oficial, pelo contrário, é regra

para um polícia. Porque quando começam logo como oficiais de permanência

ignoram o que vem atrás (antecede), ficam sem saber que a razão da existência

da Polícia é a guarda, é na patrulha onde temos bom resultado (...). O bom

resultado do trabalho policial é avaliado a partir dos resultados da patrulha-

prevenção (EDPF/SF/12).

A resposta dada por este dirigente de nível provincial (EDPF/SF/12) insere

dentro de si mais do que uma idéia chave. Porém, em função dos objectivos da

pergunta e da pesquisa podemos registar as seguintes idéias: Nós contávamos que com

a criação da ACIPOL pudéssemos ter gente com formação prática imediata. Nesta

passagem está subjacente a idéia de “gente com qualificação profissional prática”,

pronta para intervir com autonomia em processos policiais. Mas, em seguida, expressa

como essa expectativa não foi alcançada ao afirmar que, mas a experiência mostra que

o graduado (egresso) não é produto acabado e indica a área de formação em que os

graduados, na opinião dele, mostram mais fraquezas: sobretudo no ramo da polícia

(...). Em seguida, aponta as causas e mistura com uma advertência: mesmo que a gente

conceba maior teoria, é sempre necessário aliar com a prática, então aí é onde está o

problema (...). Em suma, menciona a expectativa que tinha com a criação da ACIPOL e

aponta que essa expectativa não foi atingida porque a formação dada aos oficiais na

ACIPOL é mais teórica e menos prática.

-Na ACIPOL, o curso de formação superior foi um bom projecto, acho que

vale a pena apostar nesse curso, mas devemos reconhecer que nos princípios

falhamos, porque não explicamos adequadamente àqueles jovens, porque

haviam vozes que diziam que “vocês são os únicos para salvar a Polícia, esses

velhos caducos devem reformar-se” assim eles formaram-se com a

mentalidade de que à saída iam tomar posições de direcção e chefia da Polícia

e, quando saíram fora apanharam outra realidade. Isso foi muito mau,

andamos a dizer coisas que na prática não seriam factíveis. É verdade que no

seio da Polícia há problemas relacionadas com oficiais com baixa formação,

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mas não devia ter sido veiculada a informação de que os mais novos, com

formação superior, viriam substituir os menos instruídos. Mas o curso em si, é

muito bom, os egressos da ACIPOL marcam diferença. Eu tive a ocasião de

receber os primeiros graduados quando estava na cidade de Maputo como

director da Ordem, enquadramos a eles, havia um projecto que era muito bom,

de seleccionarmos algumas esquadras para servirem de modelo que deviam

ser organizados ou estruturalmente constituídos pelos egressos da ACIPOL,

primeiro como oficial adjunto de permanência, depois colocados como oficiais

de permanência e nalgumas esquadras a constituição devia ser só pelos

egressos da ACIPOL, desde o comandante da esquadra, o chefe das

operações, os oficiais de permanência e seus adjuntos que era para depois

avaliarmos se o atendimento do público melhorou, o manuseamento do

expediente, etc. Os resultados foram positivos, os egressos mostraram uma

diferença entre as esquadras ocupadas por eles e outras esquadras, mas esse

projecto foi abandonado, não sei porquê...em minha opinião era um bom

projecto que abrangia a 1ª, a 2ª, a 4,ª a 6ª, e a 18ª Esquadras. Nessas

esquadras o corpo de oficiais de permanência era somente dos egressos da

ACIPOL, incluindo os chefes das operações que eram os egressos que foram

para a Academia já polícias. Esse projecto foi bom, mas o que acho, agora, é

que alguns comandantes enquadram bem os egressos, outros não. A

experiência da cidade de Maputo acho que foi produtiva porque alguns

egressos que passaram por esse processo já são comandantes de esquadras e

outros, chefes das operações e, em algumas excepções, há os que assumem

responsabilidades mais complexas (EDO/SF/12).

Os depoimentos acima registados revelam que a criação da ACIPOL foi um

projecto bem acolhido pelos oficiais da Polícia. Esperavam e acreditavam que da

ACIPOL sairiam oficiais tecnicamente bem preparados. Apesar de não ter sido

expressamente citado, podemos supor que a expressão oficiais bem preparados inclui os

aspectos técnicos, éticos e deontológicos da sua formação.

Dos depoimentos também se pode perceber que há um certo sentimento de

contrariedade sobre o que se esperava dos graduados e o que estes revelam na prática,

em termos técnico-profissionais. Acredita-se que uma formação adequada,

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acompanhada por um programa de enquadramento adequado nas unidades e

subunidades policiais pode superar essa lacuna.

A pergunta que se segue tinha como objectivo explorar mais idéias dos participantes

sobre os atributos que qualificam e diferenciam um bom polícia de um mau polícia, que

podem ser considerados objecto de análise na sua formação.

Perg.6- Anexos 3,4. O que é um bom e um mau polícia?

Nossa avaliação teórica sobre o saber, quando aplicada ao policiamento, leva a

uma visão no fundo muito prática da profissão de Polícia. Na mesma direcção de

TARDIF & GAUTHIER citados por Paquay (2001, p.200), nós, de facto, consideramos

simplesmente que os polícias são profissionais dotados de razão, como todos os outros

profissionais. Pensamos que eles, nas suas actividades profissionais, fazem

julgamentos, tomam decisões nesses sistemas de acção complexos que são a segurança

pública e a sociedade, que eles se comportam geralmente de acordo com regras e que

sua conduta é dirigida por seus pensamentos, julgamentos e decisões baseadas em

certas exigências de racionalidade.

Em suma, o polícia sabe, na maioria dos casos, porque diz e faz qualquer coisa,

no sentido de que ele fala e age em função de razões e de motivos que servem para

determinar seus julgamentos profissionais em seu meio de trabalho (Paquay, 2001,

p.200), mas sabe também que ele é avaliado e julgado “bom” ou “mau” polícia em

função de sua conduta e procedimentos.

À pergunta sobre o que é um bom e mau polícia, os participantes da pesquisa,

nomeadamente comandantes distritais, comandantes de esquadras e graduados da

ACIPOL em serviço na província de Sofala deram as respostas ilustradas no quadro 7.

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Quadro 7: Comparação de características entre o “bom” e o “mau” Polícia Características do “Bom” Polícia Características do “Mau” Polícia

Trabalha de acordo com as leis Não segue as normas vigentes

Cumpre rigorosamente a ética e deontologia profissional Apresenta-se ao cidadão sem postura e sem profissionalismo, mal comportado

Sabe transmitir aos colegas o que aprende Não transmite nada sobre a formação adquirida, é egoísta

Cumpre com as leis e regulamentos da Polícia e as demais instruções de serviço.

Aparece desorganizado e embriagado dentro e for a do serviço

Cumpre e faz cumprir as ordens superiormente dadas É retrógrado nas missões dadas superiormente

Cumpre com as suas obrigações profissionais Não cumpre cabalmente as suas obrigações

Primeiro sabe se respeitar, segundo ao cidadão e sabe servir a comunidade

Desleixado, não respeita o cidadão eviola os direitos dos cidadãos

Cumpre exacta e fielmente as ordens Desobediente e infiel

Aceita o sacrifício e compreende que o país ainda tem dificuldades

Aquele que só vê o enriquecimento

Cumpre com zelo as suas obrigações e deveres e domina as actividades do seu sector

Não cumpre com obrigações e deveres e não domina a sua actividade

Aceita a correcção, a crítica, procura investigar, consulta tudo sobre o que tiver dúvidas, colabora dando sua opinião

Aquele que é arrogante, não aceita a crítica e é incorrigivel

Utiliza os seus conhecimentos em benefício da instituição e ensina os colegas e acata as ordens legais

Aquele que faz o inverso

O que atentamente aceita correcções Julga ter dominio universal das questões policiais

Aquele que prioriza a prevenção no seu trabalho operativo. Espera as coisas acontecerem para depois agir

Pode-se notar no quadro-resumo que os participantes apresentaram as respostas

dicotômicas no sentido em que afirmam o que acham que caracteriza um bom polícia e,

em seguida, o que acham que caracteriza um mau polícia. O julgamento parte de

pontos de vista diferenciados, isto é, uns consideram a conduta ética e deontológica,

outros consideram a competência profissional e outros, ainda, a lealdade e confirmismo

do polícia. Todos os aspectos referenciados têm importância para as actividades de

formação do futuro oficial da Polícia.

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CAPÍTULO IV POSSIBILIDADES DE EQUILÍBRIO ENTRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E AS HABILIDADES PRÁTICAS DA FORMAÇÃO, A PARTIR DAS PRÁTICAS PRÉ-PROFISSIONAIS E DO ESTÁGIO

CURRICULAR SUPERVISIONADO

O equilíbrio aqui referido não é estático, mas um equilíbrio tenso e essa tensão é

geradora de sua impermanência e abertura histórica, isto é,

Um sistema nunca constitui de facto uma consecução absoluta dos processos de equilibração e, de um equilíbrio atingido, instável e até estável, derivam sempre objectivos novos, sendo cada conclusão, mesmo mais ou menos duradoira, origem de novos encaminhamentos (PIAGET apud MACEDO, 1994, P.124).

Na perspectiva da formação em estudo, deve-se procurar nos desequilíbrios uma

das fontes de progresso no desenvolvimento dos conhecimentos, pois só os

desequilíbrios obrigam o processo e os sujeitos a ultrapassarem seu estado actual e

procurar seja o que for em direcções novas.

Para a apresentação de dados foi necessário retomar a inquietação que originou a

questão de partida do presente estudo ou seja que a formação oferecida pela ACIPOL

não corresponde às exigências do trabalho prático dos oficiais subalternos da polícia no

contexto de Moçambique. Consideramos ser necessário termos uma visão clara sobre as

actividades do oficial subalterno nas unidades e subunidades policiais.

4.1. Conhecer as necessidades operacionais para determinar as necessidades de formação

Sinto que talvez haja algo a complementar na formação. Quando chegamos

ao terreno sentimo-nos estrangeiros. As 4 áreas curriculares ajudam-nos na

formação como pessoas, mas na prática há muitas diferenças. A área policial,

mesmo durante a formação é a mais pobre relativamente a outras áreas

curriculares; isso se revela também na prática porque o que se espera de nós

não é o que conseguimos apresentar e assim não podemos partilhar com os

outros na prática. Há o problema do saber ser como polícia. O que nós

aprendemos não há espaço para aplicar no terreno; o oficial da ACIPOL não

sabe ser e estar (AC2- egresso).

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Considerando esse pressuposto, o ponto de partida foi entender que actividades

os oficiais subalternos realizam na prática, tendo como categorias de análise os

principais processos policiais agrupados em: tarefas judiciais, tarefas administrativas,

tarefas operacionais e tarefas de gestão (entendida, neste caso, como gestão de forças e

meios). É verdade que a recolha de dados sobre a categoria de gestão incidiu mais

sobre a gestão de pessoal do que o aspecto de meios (logística) por entendermos que a

logística de uma esquadra não é muito complexa, embora importante, por exemplo, em

situação de gerir armas e munições e meios escassos.

O conhecimento dessas tarefas é que nos permitiria fazer cruzamento com a

informação curricular da formação dos oficiais subalternos na ACIPOL, no domínio da

organização curricular, metodologia e processos pedagógicos, pois segundo McCann &

Ludvigsen (1999, p. 86), um programa de formação existente pode ser reavaliado para

determinar quais as necessidades de treinamento que ainda existem. Neste caso,

necessidades que levem à aproximação entre a aprendizagem teórica e a realidade

operacional da Polícia, ou seja, as actividades policiais concretas no contexto de

Moçambique. Para o efeito, recorremos ao sistema de código, mais conhecido por

CODE69, desenvolvido por McCann & Ludvigsen (1999).

As primeiras duas fichas de inquérito (ficha 1 e 2) aplicadas específica e

propositadamente aos comandantes das esquadras, chefes das operações,

subinspectores colocados na Polícia de Investigação criminal (PIC) e na Polícia de

Trânsito (PT) que desempenham funções de comando, direcção e chefia, tinham o

propósito de recolher dados sobre as actividades que, na realidade, os oficiais

subalternos do nível de graduação da ACIPOL (subinspectores) realizam nas unidades

e subunidades policiais.

A recolha de dados foi extensiva aos comandantes das esquadras e chefes das

operações por duas razões: a primeira é que a esquadra é a subunidade básica do

trabalho policial em zonas urbanas e que apresenta uma estrutura completa do

funcionamento dos processos policiais em um território limitado. Por estrutura

completa entende-se a representação de todas as forças operacionais básicas da Polícia

no contexto de Moçambique: Polícia de Protecção ou de Ordem e Segurança Pública

(polícia ostensiva), Polícia de Investigação Criminal (PIC) e Polícia de Trânsito (PT).

69 Um modelo para identificar excesso de treinamento e deficiências

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Segundo, porque os graduados da ACIPOL são, regra geral e maioritariamente,

colocados nas esquadras, pelo menos durante os seus primeiros anos de serviço,

incluíndo o ano de estágio profissional. Nas esquadras começam por desempenhar

funções de oficial de permanência, progredindo paulatinamente para funções policiais

mais complexas.

Com base nesse entendimento, recorremos a procedimentos quantitativos

(fichas 1 e 2) para demonstrar, a partir dos dados colectados, as tarefas que constituem

o universo da realidade prática policial no contexto de Moçambique, pelo menos nos

principais centros urbanos do País, Maputo, Beira e Nampula (sul, centro e norte),

embora se acredite que as realidades das restantes 9 cidades do País apresentem

especificidades locais, incentivadas pela dinâmica do desenvolvimento sócio-

económico que estão conhecendo progressivamente nos últimos anos, mas na essência,

em termos de trabalho policial, tais especificidades podem ser enquadradas dentro das 7

categorias de análise seleccionadas (vide tabelas 18 e 19, pp.166 e 167).

Verifica-se que os fundamentos doutrinários e a metodologia de trabalho

utilizada na área da segurança pública são os mesmos utilizados pelo órgão central e

pelos demais componentes do sistema policial. Foi nesse contexto que resultou a

selecção das tarefas que constam do quadro 8.

Quadro 8: Tarefas seleccionadas pelas fichas (1 e 2) Legenda: Ficha 1

C – Gestão do tempo de um comandante

D – Planeamento e concepção

B – Gestão de recursos disponíveis

E – (Relações privadas ou institucionais)

F – Competências operacionais

Legenda: Ficha 2

A – Judiciais

B – Administrativas

C – Operacionais

D – Gestão de recursos disponíveis

De acordo com o quadro acima apresentado, foram seleccionadas as tarefas

(F,C,D,B) da ficha 1 e (C,B,D,A) da ficha 2. Pelo critério da “CODE”, não foi

seleccionada a tarefa E (Relações privadas e institucionais) da ficha 1. Porém, nos

resultados das entrevistas realizadas nas esquadras com os subinspectores que

desempenham funções de diversa ordem, a tarefa de relações privadas e institucionais

foi considerada uma das mais complexas, por isso, não realizada com frequência. Esta

informação de alguma forma coincide porque enquanto através do “CODE” é

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considerada tarefa não crítica, não frequente, por isso não necessita de treino, as

entrevistas indicam que ela não é realizada porque é complexa, os oficiais não têm

habilidades suficientes para realizar regularmente a tarefa.

A outra leitura que pode ser feita é que a tarefa das relações privadas e

institucionais no modelo legalista de Polícia, conceptualizado por PONSAERS (2001,

p.123) como a subordinação funcional à estrita aplicação da lei, as relações privadas e

institucionais (no sentido descricionário) não constituem actividade prioritária dos

oficiais da Polícia. Essa tarefa não é ensinada nas escolas de Polícia como o é, por

exemplo, nas escolas de modelo oriental de Polícia.

Antes da ordem pública, explica o mesmo autor, está o valor da lei, os polícias

devem ser identificados como law-enforcers (aplicadores da lei). A legitimação da

função policial advém da lei, a qual é a emanação da vontade popular, devendo os

interesses privados subordinar-se aos interesses gerais. A sanção conduz ao

impedimento para cometer mais crimes. Como já referenciamos, organizacionalmente

este modelo segue as mesmas linhas do modelo burocrático militar, com fraca

integração das expectativas das comunidades, privilegiando as necessidades das fontes

de legitimação oficial (ibidem).

Ademais, considerando que a designação “força paramilitar” presente ainda

hoje no referencial conceptual da Polícia moçambicana, colhe no modelo burocrático

militar a sua génese, sendo o ethos policial pautado pelo primado da ordem pública,

justifica-se, mais uma vez, a negligência do ensino e prática das relações privadas e

institucionais pelos oficiais subalternos da Polícia moçambicana.

-Um oficial tem que estar em condições de orientar o trabalho operativo, fazer

planos operativos, saber trabalhar com a população e, sobretudo saber

atender às situações de emergência, também saber coordenar com outras

forças de defesa e segurança (CM3)

Importa salientar que em Moçambique existe uma ambiguidade entre o discurso

político e a prática policial real. Em termos de discurso, mesmo dos gestores séniores

da PRM, apregoa-se um modelo orientado para a comunidade. Os documentos

doutrinários (como a lei que cria a PRM e outros) e a prática, são pautados por um

híbrido entre o modelo burocrático militar e o modelo legalista.

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De acordo com Leitão (2007, p.14), as palavras-chave do modelo orientado

para a comunidade são comunidade, co-produção, parceria, descentralização,

horizontalização hierárquica, “desespecialização”, proactividade, territorialidade.

Organizacionalmente, esta filosofia procura através da afectação geográfica ou

comunitária dos agentes, promover uma aproximação entre Polícia e cidadãos no

sentido de revitalizar os laços comunitários enfraquecidos pela crise dos sistemas de

controlo informal.

Porém e como referimos, a prática policial moçambicana ainda está aquém do

nível do discurso. Por consequência, as acções formativas dos oficiais da Polícia não

destacam as matérias sobre as relações comunitárias e, paradoxalmente, nem as

matérias sobre o policiamento comunitário. Essas matérias estão omissas tanto no

currículo inicial que foi analisado neste trabalho, quanto no currículo revisto, que

entrou em funcionamento no ano 2013.

A análise de Rosenbaum (2002, pp. 32-38) mostra que o modelo de

policiamento tradicional tem contribuído para reforçar a imagem da Polícia como

combatente do crime, tendo como principal ferramenta de intervenção a repressão,

conforme ele descreve:

(...) o trabalho de controlar o crime é considerado como prioridade maior da polícia sob o modelo tradicional (outras funções–chave incluem fornecer serviços de emergência, administrar a justiça através de prisão e oferecer uma cadeia de serviços não-emergenciais). Esses métodos tradicionais usados para combater o crime incluem detenção (através de patrulha preventiva ou prisão), incapacitação e reabilitação. [...] as polícias têm adotado completamente (e promovido através dos anos) a imagem de ‘combatentes do crime’ [...]. Um dos maiores problemas com o policiamento tradicional tem sido a confiança excessiva no policiamento repressivo como principal instrumento de controle do crime e da desordem. Qualquer que seja o problema, a primeira inclinação dos policiais é fazer uma prisão, e esta tendência é resultado tanto da pressão da comunidade quanto da pressão de dentro da organização policial.

Exige-se, portanto, que o mandato policial seja ampliado de modo a alcançar

novas funções alargando o espectro de acção a contextos classicamente desprezados ou

meramente fora da esfera de atribuições legalmente previstas.

Rosenbaum (2002, p.37) também apresenta um estudo sobre a mudança no

papel da Polícia, discutindo a oposição entre policiamento comunitário e policiamento

repressivo. Os elementos comumente encontrados no modelo de policiamento

comunitário incluem:

i. uma definição mais ampla de trabalho de Polícia;

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ii. um reordenamento das prioridades da Polícia, dando maior atenção ao crime

leve e à desordem;

iii. um enfoque na solução de problemas e prevenção mais do que ao policiamento

direcionado ao incidente;

iv. reconhecimento do papel fundamental da comunidade na solução dos problemas

e o reconhecimento de que a Polícia deve ser reestruturada e reorganizada para

dar conta dessas reivindicações e

v. encorajar um novo comportamento dos oficiais e agentes da Polícia.

Na tabela que se segue apresentamos os dados indicativos das actividades

consideradas mais complexas, tanto pelos Inspectores e Subinspectores que trabalham

nas esquadras, quanto pelos Comandantes e Chefes das Operações das esquadras.

4.2. Sobre a prática da formação em ciências policiais que a ACIPOL oferece

-Os graduados da ACIPOL deviam ter, para além de conhecimentos teóricos,

domínio de actividades policiais práticas e habilidades de ligação com as

comunidades (...). Entendo que no campo teórico eles são bons, mas no campo

operacional há muitas lacunas, é preciso fortalecer essa componente prática

para eles servirem de modelo (EDPF/SF/12).

A Teoria e a Prática estão nitidamente dissociadas nos cursos de licenciatura

(graduação) em ciências policiais, o que causa o empobrecimento da prática. Essa

dissociação está presente em várias áreas do conhecimento e é valorizada pela

ideologia castrense ainda predominante na Polícia, que privilegia a separação entre o

trabalho intelectual e operacional.

Os participantes chamam a atenção para a disparidade entre os métodos

tradicionais de formação e as complexidades da demanada policial actual, em constante

mudança. Eles clamam por reformas na metodologia e estruturas curriculares actuais da

formação policial. A afirmação de que os graduados da ACIPOL “não sabem nada” é

questionada por grande parte dos participantes da pesquisa, mas todos comungam a

ideia de que não há relacionamento entre a formação dada e a prática policial real,

facto que se relaciona directamente com as fragilidades institucionais relativamente

ao corpo docente próprio da área policial de formação;

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A fraca coordenação entre a ACIPOL e as unidades e subunidades operacionais

da Polícia sobre as necessidades destas em termos de nível de competência profissional

requerida aos oficiais graduados pela ACIPOL é apontada como um dos factores que

concorre para o distanciamento entre a formação oferecida pela ACIPOL e os sectores

de actividade policial concreta. Uma formação policial eficiente e eficaz não pode ser

realizada fora do contexto das actividades policiais que caracterizam o estado de

segurança pública.

-A ACIPOL oferece de grosso modo uma boa bagagem teórica devendo

melhorar as aulas práticas. As dificuldades dos cadetes nos primeiros anos de

trabalho têm a ver com o conflito de gerações e níveis de formação o que

resulta em exigências desfasadas do contexto científico. Em Matalana temos

aulas práticas, mas na academia não. Em nenhum momento realizei aula

prática em todas as cadeiras, no entanto estou já no 4º ano. No estágio o chefe

diz: se houver desordem todos vamos intervir, mas ainda não sei como

manejar uma arma. Não há actividades de tiro. No laboratório não se faz

nenhuma aula prática, mas no terreno exige-se. Na academia não há aulas

práticas (AC9-egresso).

A articulação entre a teoria e a prática na formação de oficiais da Polícia é

motivada por mudanças que vêm ocorrendo nos campos social, cultural, econômicos,

tecnológico e político. Ambas (teoria e prática) devem estar intimamente relacionadas,

numa relação de reciprocidade, são indissociáveis numa visão de unidade (PIMENTA

& LIMA, 2010, p.44).

Caso contrário, ter-se-à uma teoria desvinculada da prática e vice-versa, sendo

que a ACIPOL entra em contrapartida ante essas concepções, por ser o espaço

formador de oficiais da Polícia, tendo por finalidade apresentar as práticas pré-

profissionais e o estágio curricular como articuladores do equilíbrio entre a teoria e a

prática para essa formação. Daí a necessidade de estudar esta relação para a formação

do oficial da Polícia como um agente de transformação da realidade policial. Segundo

Pimenta e Lima:

O papel da teoria é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, elas próprias em questionamentos, uma vez que as teorias são explicações provisórias da realidade (PIMENTA & LIMA, 2004, p. 43).

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Faz-se imperioso melhor qualificar a formação técnica do profissional da

Polícia por ser essencial em seu labor cotidiano, bem como no relacionamento com os

cidadãos e a comunidade em geral. A segurança pública no contexto moçambicano

actual requer profissionais da Polícia habilitados para tomarem decisões prudentes

frente aos dilemas éticos e deontológicos relacionados à garantia da segurança de

pessoas, património, direitos humanos e da paz.

Na óptica e objectivos desta pesquisa teoria e prática são concebidas como

indissociáveis, ou seja, uma depende da outra, numa relação recíproca, em que a teoria

é reformulada de acordo com as necessidades reais. Deste modo,

Todos os componentes curriculares devem trabalhar a unidade teoria-prática sob diferentes configurações, para que não se perca a visão de totalidade da prática pedagógica e da formação como forma de eliminar distorções decorrentes da priorização de um dos polos (CANDAU, 1996, p. 60).

Assim, sob esta perspectiva, a ACIPOL enquanto instituição formadora de

oficiais da Polícia moçambicana tem a possibilidade de, através do deslocamento do

foco da aprendizagem dos formadores para os formandos, e do ambiente da

aprendizagem da sala de aula fechada para o ambiente de trabalho policial, favorecer

em seu currículo esta união equilibrada entre teoria e prática para que o futuro oficial

da Polícia tenha condições de inserir-se na corporação e na sociedade como

profissional qualificado.

-Deviam ser realizadas visitas de estudo às unidades e subunidades da PRM

onde seriam dados esclarecimentos nos próprios locais das unidades, por

exemplo visita à medicina legal, FPAI, FIR, FER, etc, etc,. Deve se planificar

aulas teóricas e aulas práticas e incentiva-se a pesquisa, facto que passa

necessariamente pela ligação com o DEIPLA70 que devia fornecer informações

sobre os aspectos de interesse policial; a questão da esquadra-escola devia ser

retomada com seriedade; dos mestrados que estão sendo feitos, qual é que

está ligado a área policial? Quase que nenhuma. ( AC2-grupo focal 1).

70 DEIPLA – Departamento de Informação e Plano.

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4.3. Possibilidades de aprimoramento na formação de oficiais da Polícia no sentido da articulação entre a teoria e a prática

A formação actual “não comunica com a realidade, ela faz comunicados” (CM3).

As ideias fundamentais apontam para a (re)estruturação e melhoramento da

organização, planificação, coordenação das actividades de formação e a preparação de

todos os actores que actuam na formação; foi apontado que a formação actual “não

comunica com a realidade, ela faz comunicados”. Este dado constitui um indicador

forte do distanciamento entre o conteúdo da formação e as necessidades específicas das

áreas operacionais da Polícia.

É necessário tornar a conexão entre a teoria e a prática uma realidade da

formação e da vida profissional dos oficiais da Polícia, podendo ser melhorada,

também, a selecção dos conteúdos ministrados em cada disciplina. Por último, pensar-

se na formação integral dos futuros oficiais da Polícia.

-Acho que um recém graduado nunca será bom antes de começar a trabalhar

na realidade; no terreno quando a situação muda o cadete esquece tudo o que

aprendeu na escola e perde a cabeça, mas quando já tem alguma experiência

até sabe interpretar os fenómenos. Por isso, acho que o que ele precisa é ter

contacto regular com a realidade antes de terminar o curso para saber o que

lhe espera depois (CM12).

-Sou da opinião que os cadetes deveriam participar na planificação da

actividade operacional junto com o chefe das operações, de modo que estes

possam elaborar eficazmente os planos de missões operacionais na área

operativa (EP22);

-Acho que o cadete devia passar em todos os sectores que compõem uma

esquadra, nomeadamente: serviço de permanência, PIC, trânsito,

comunicações, sectores burocráticos e outros, em vez de o cadete esgotar todo

o tempo previsto para o estágio no sector de permanência (EP23);

-Para além das tarefas do oficial de permanência, os cadetes deviam ser

integrados no grupo operativo em exercício de tarefas concretas no terreno,

como forma de conhecer as reais actividades do Polícia (EP3);

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-Tratando-se de formação de oficiais, devia se incidir mais na matéria de

Direcção (comando e liderança) e nos aspectos práticos ligados à

especialidade que cada um devia seguir (ESF4);

Analisando as contribuições dos participantes e do currículo vigente da

ACIPOL, entre outros aspectos, constata-se que o processo de formação pode ser mais

ajustado à natureza e forma de funcionamento das unidades operacionais da Policia e, a

partir dessa aproximação, introduzir mudanças qualitativas no modo de organizar as

actividades formativas, tendo em vista ajudar os estudantes a atingirem o máximo

rendimento pedagógico e os docentes/formadores a melhorarem a mediação.

4.3.1. Fortalecer a área de Ciências e Tecnologia Policiais

A área de Ciências e Tecnologia Policiais, ao contrário das restantes áreas

científicas do currículo, apresenta baixo índice de organização e de funcionamento,

devido à falta de docentes e formadores próprios, e à escassez de bibliografia e meios

de ensino para o suporte das matérias leccionadas. Mais preocupante ainda é a

constatação de que grande parte dos conteúdos leccionados nas diversas disciplinas da

área policial, pela sua falta de profundidade e abrangência, não parece adequada ao

nível superior.

Portanto, faz-se referência que um dos aspectos a ser melhorado é a actualização

dos conteúdos, em resposta aos últimos desenvolvimentos, principalmente

tecnológicos, na sociedade e no mundo do crime, como o crime organizado, o tráfico de

seres humanos, o tráfico e consumo de drogas, a pedofilia, os crimes cibernéticos, o

combate ao terrorismo, a Inteligência policial e a Inteligência da segurança pública, e

os paradigmas de parcerias, proximidade, mediação, cidadania, adesão ou orientação

para os problemas, co-produção da segurança e justiça restaurativa.

Ética, Legalidade, Planejamento, Técnica e Ação de Comando formam o pentagrama de atuação de um comando de polícia nos ideais do Estado Democrático de Direito para a preservação da ordem pública. Dentro desse diapasão, pode-se citar o primeiro valor-fonte das ciências policiais que é a proteção integral aos Direitos Humanos, ou seja, agir com a finalidade de propor(?) segurança aos interesses e às garantias individuais e coletivas da pessoa, quer seja natural ou jurídica, pública ou privada (DA SILVA, 2010, p.66).

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Deve-se, também, considerar as questões mais gerais de conhecimento tais

como a reforma do sector público, a democratização da Polícia (policiamento

comunitário, policiamento de proximidade), a criação de Ramos da Polícia, segundo o

nº1 do artigo 13 da nova Lei da Polícia da República de Moçambique (Lei nº 16/2013

de 27 de Agosto, que revoga a Lei nº 19/92 de 31 de Dezembro) – com a necessidade

de alimentar estes com pessoal formado; a integração regional; a interligação com as

outras áreas, pois o trabalho policial é vasto e complexo.

(...). Na verdade, policiar não é uma actividade única, tratando-se antes de um conjunto complexo de actividades (Bayley, 2006, p.118). De qualquer forma, as funções de controlo criminal e manutenção da ordem e tranquilidade pública, são as funções nucleares do mandato policial tanto em termos de soberania do Estado, como em termos simbólicos na representação que os cidadãos fazem da polícia. Porém, a Polícia realiza também Serviços de carácter administrativo, incluindo as atribuições e competências na área económica, saúde pública e salubridade, ambiente, tráfego rodoviário, etc. (BITTNER, 2003, p.253).

A outra questão levantada está relacionada com a formação integral do cadete o

que significa, sob nosso ponto de vista, a adopção de um currículo integrado.

A integração curricular, no entanto, não se realiza apenas pela oferta de

disciplinas da educação/formação profissional. Integrar requer uma leitura da realidade

concreta, com a participação dos sujeitos envolvidos na aprendizagem, para considerar

e retratar suas relações e suas especificidades. Para isso, é necessário mais do que

práticas de cooperação entre as disciplinas do conhecimento científico. “A integração

exige que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída

continuamente ao longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura”

(RAMOS, 2005, p. 122).

O exercício da aprendizagem, nesta perspectiva, tem relações estreitas com as

condições específicas dos formandos e formadores. Por isso, integrar sob os eixos do

trabalho, da ciência e da cultura como operação didáctica e pedagógica pressupõe uma

atitude e acção comprometidas com as relações estabelecidas no lugar da

aprendizagem.

Esse compromisso, na formação policial, é político-profissional e, como tal,

requer a compreensão de que formar exige interferir em determinada realidade e tomar

posição. Não posso ser oficial da Polícia “se não percebo cada vez melhor que, por não

poder ser neutro, minha prática exige de mim uma definição” (FREIRE, 2010, p. 102).

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4.3.2. Fortalecer a área policial articulando a pesquisa com a formação

Uma das sugestões apresentadas pelos participantes foi a necessidade de

articular a pesquisa com a formação. Constata-se que a pesquisa científica que se

realiza na ACIPOL é insipiente e fraca, nomeadamente por parte dos docentes e

cadetes. Portanto, ela está separada do processo de formação, o que é uma situação

preocupante para uma Instituição de Ensino Superior, na qual a qualidade da formação

está intimamente ligada à qualidade da pesquisa, porque é fundamentalmente na

pesquisa que os docentes, mas também os discentes contribuem para o aumento do

acervo científico institucional e nacional, como pontos de partida para sua contribuição

ao nível geral da (re)construção do conhecimento.

Pelo facto de que as organizações, tal como é a Polícia da República de

Moçambique, serem geralmente complexas, ambíguas e repletas de paradoxos, faz-se

necessário aprender a lidar com esta complexidade, o que acaba gerando o benefício de

se encontrar novas maneiras não só de organizar, mas também de equacionar e resolver

os problemas organizacionais por meio de pesquisas que contemplem as várias

abordagens. Lima & Pimenta (2010) consideram que um dos pontos de abordagem

pode ser o estágio curricular:

O estágio como método de formação (dos futuros oficiais), se traduz, de um lado, na mobilização de pesquisas que permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam, em especial, se traduz na possibilidade de os estagiários desenvolverem postura e habilidades de pesquisador a partir de situações de estágio, elaborando projectos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam (PIMENTA & LIMA, 2010, p.46).

Acima de tudo, o trabalho policial propriamente dito é sempre um trabalho de

pesquisa, quer seja das situações sobre as quais é preciso tomar decisões, agir,

encaminhar, quer seja para enquadrar as decisões e as acções à legislação apropriada,

quer seja ainda para dirimir conflitos ou esclarecer fenômenos enigmáticos. Portanto, a

pesquisa permeia sempre a acção de um oficial da Polícia reflexivo e competente.

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4.3.3. A orientação às especialidades como estratégia de formação prática

Relativamente à formação orientada para as especialidades, o currículo do curso

de licenciatura (graduação) na ACIPOL estrutura-se em quatro áreas científicas, as

quais corporizam o tronco comum do curso com a duração de três anos lectivos.

1. Área de Ciências e Tecnologia Policiais

2. Área de Ciências Jurídicas

3. Área de Ciências Exactas e de Gestão

4. Área de Ciências Sociais e Humanidades.

Esta estrutura foi mantida mesmo depois da revisão do currículo concluída em

2012 e introduzido em 2013. A distribuição do fundo de tempo lectivo é de 48% para a

área policial; 26% para ciências sociais e humanidades, 17% para a área jurídica e 9%

para a área de ciências exactas e de gestão. Essa distribuição mostra certo incremento

do fundo de tempo na área das ciências sociais e humanidades (antes 20%, agora 26%),

facto que revela a preocupação em tornar a formação dos oficiais da Polícia mais

orientada às necessidades sociais dos cidadãos.

A figura 14 ilustra as áreas científicas do currículo revisto e respectiva

distribuição do fundo de tempo em percentagem (%).

Figura 13: áreas científicas e carga horária do currículo revisto

12Fonte: ACIPOL, currículo revisto, 2012, pp. 7-8.

Além da combinação das várias áreas científicas, tem-se em conta, neste modelo curricular, a ligação entre o conhecimento teórico e prático, a colocação do cadete no centro do processo de ensino-aprendizagem, o

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desenvolvimento de práticas de reflexão e pesquisa no terreno e o desenvolvimento de um “esprit de corps” como bases para a formação das competências requeridas para a formação superior do oficial da polícia (ACIPOL, 2012, p.2).

A discussão havida aos vários níveis do Ministério do Interior (MINT), da

Polícia da República de Moçambique (PRM) e ACIPOL, partindo da análise da

estrutura e das necessidades da sociedade, do MINT e da PRM, concentrou-se na

determinação das diferentes especialidades que constituiriam o perfil de saída. Foram

assim definidas quatro especialidades que corporizam 4 perfis de saída dos graduados:

1. Segurança Pública

2. Investigação Criminal e Criminalística

3. Migração e Fronteiras

4. Administração e Logística

Os participantes da pesquisa referiram-se a esta matéria nos seguintes termos: é

necessário pensar-se numa formação diferenciada para os ramos especializados da

Polícia.

A idéia predominante é de que as práticas pré-profissionais sejam realizadas ao

longo dos três anos de tronco comum do curso e o estágio curricular supervisionado

seja realizado na etapa complementar do curso e direccionado aos perfis de saída. Esse

procedimento permitiria que o processo de aprendizagem se aproximasse mais ao

ambiente do trabalho policial em que o oficial estará envolvido depois da graduação.

Em termos de processo pedagógico, os perfis de saída podem constituir-se eixos

de aprendizagem, em que matérias específicas, que exigem habilidades específicas,

com finalidades específicas, desafiam os estudantes e os docentes (formadores) no

campo teórico-prático e em actividades formativas de prática em ambiente profissional,

combinando assim o desempenho e o conhecimento, que a literatura analisa

criticamente nos seguintes termos:

Temos, portanto, dois elementos a serem considerados: o desempenho e o conhecimento. Mas a análise ainda não está completa. Pessoas se comunicam. Dizem ou mostram o que sabem fazer. Isso cria uma teia comunicativa que é muito importante em termos de aprendizagem. Temos assim três diferentes componentes que podem ser considerados na constituição do saber técnico (prático): a informação, o conhecimento e o desempenho (BARATO, 2003, p.28).

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4.4. Os atributos ligados às relações com as comunidades como referenciais de uma

formação policial vinculada à realidade social

Os atributos ligados às relações comunitárias são a proximidade, parcerias,

mediação e co-produção da segurança. Para Oliveira (2007, p.12), a expressão

proximidade exprime a forma como se devem processar as relações entre o aparelho

administrativo do Estado e os cidadãos (isoladamente ou organizados). Trata-se de

estabelecer uma relação mais aberta e orientada para as pessoas, que abranja a ideia de

uma predominância do papel dos cidadãos, de exigências de desburocratização, e

expectativas de participação na gestão e nas decisões comunitárias.

Parcerias constituem, grosso modo, junção de esforços entre várias entidades,

no sentido de resolverem problemas que se inserem no âmbito da sua missão –

dinâmica horizontal. O objectivo é resolver problemas que não possuem, normalmente,

uma natureza exclusivamente securitária ou policial, por via de uma acção concertada,

global e concomitante entre os diferentes parceiros. Para o efeito, existem parcerias

formais/institucionais e informais ou “privadas” (OLIVEIRA, 2007, p.13).

Mediação é um dos processos de relacionamento entre a administração e os

cidadãos, em oposição à anterior relação autoritária da administração. Trata-se de um

processo/oportunidade para resolver disputas ou incomunicabilidades em que um

elemento neutral ajuda as partes em litígio a chegarem a um consenso.

A co-produção, por sua vez, é o processo de trabalho conjunto entre vários

actores (responsáveis pela segurança – novos e tradicionais) no sentido da construção

de uma sinergia global, que proporcione mais e melhores respostas para os problemas

da (in)segurança pública.

O Conhecimento (Expertise) coloca a necessidade de adaptar as respostas de

segurança/policiais às situações, em concreto, isto é, antes da tomada de decisão é

necessário estar na posse do conhecimento técnico relativo ao meio, aos intervenientes

sobre os quais vai intervir o diagnóstico social/segurança, enquanto ferramenta

privilegiada de conhecimento (OLIVEIRA, 2007, pp. 7 e 16?).

Relativamente à Inteligência Policial, podemos registar que a inteligência é uma

das ferramentas para a obtenção de conhecimentos voltados para o processo de tomada

de decisões e de implementação de políticas públicas nos domínios da política externa,

defesa nacional e preservação da ordem pública.

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Por sua vez, a inteligência de segurança pública (ISP) actua no suporte e auxílio

das investigações e na assessoria para a tomada de decisão nos níveis táctico e

estratégico da organização policial.

Na actividade policial, mais concretamente no domínio prospectivo e proactivo,

a Inteligência analisa as tendências da criminalidade, apoiando a gestão da segurança

pública na formulação de novas políticas, programas e planos focados mais nas causas

estruturais do que conjunturais. No nível táctico, a inteligência produz conhecimentos

que possibilitam o eficiente, eficaz e racional emprego do policiamento ostensivo

(FERNANDES, 2012, p. 9)

Assim, a Inteligência Policial tem como objectivo produzir informações

operacionais a serem utilizadas pelos gestores dos serviços policiais com a finalidade

de enfrentar a criminalidade com maior eficiência e eficácia, proporcionando à

sociedade maior segurança. Trata-se de uma actividade que, nas polícias modernas, é

imprescindível na busca de dados, com o objectivo de produzir informações criminais

operacionais, que permitem o mapeamento criminal e alicerçam a co-produção da

segurança em parceria com as comunidades (ibidem).

Segundo Gonçalves (2010, p.231), a doutrina de Inteligência Policial, ao nível

do comando, salvo algumas excepções, compreenderá a produção de conhecimento a

três níveis: estratégico, tático e operacional e destinar-se-á a “facilitar o processo

decisório de gestão policial bem como a subsidiar o trabalho de Polícia

Judiciária/Investigação Criminal na produção de provas e revelação de evidências sobre

autoria de crimes.” Naturalmente, haverá algumas variações desta concepção

doutrinária conforme as especificações e legislação de cada País, mas em geral, a

produção do conhecimento nesta área tenderá a facilitar as decisões a estes níveis.

Inteligência Policial: é o conjunto de acções que empregam técnicas especiais de investigação, visando a confirmar evidências, indícios e a obter conhecimentos sobre a actuação criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação de redes e organizações que actuem no crime, de forma a proporcionar um perfeito entendimento sobre a maneira de agir e operar, ramificações, tendências e alcance de condutas criminosas (GONÇALVES, 2010, p.232).

Quanto à Inteligência da Segurança Pública (ISP), Lima Ferro define-a nos

seguintes termos:

Inteligência de Segurança Pública: é a actividade permanente e sistemática via acções especializadas que visa identificar, acompanhar e avaliar ameaças

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reais ou potenciais sobre a segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem o planejamento e execução de políticas de Segurança Pública, bem como acções para prevenir, neutralizar e reprimir actos criminosos de qualquer natureza, de forma integrada e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos (FERRO, 2006, p.85).

i. Formar para defender os direitos dos cidadãos e racionalizar o uso da força

O uso da força na actuação policial tem-se constituído como um dos pontos de

divergência de opiniões entre vários analistas, organizações da sociedade civil e, com

particular destaque, as organizações defensoras dos direitos humanos. Para a Polícia,

muitas vezes se tem constituído num dilema entre o limite de uso desse poder

discricionário e a necessidade de cumprimento do dever de reposição da ordem,

quando, por alguma razão ou circunstância, é quebrada.

Em Moçambique são recorrentes opiniões e pronunciamentos que contestam a

actuação da Polícia, principalmente das unidades de operações especiais de

intervenção. Alguns pronunciamentos denunciam o uso excessivo da força na

intervenção policial, enquanto outros apontam para o excesso de zelo. Marcineiro

(2007, p.57) analisa esse dilema nos seguintes termos:

A polícia tem como papel principal nas sociedades contemporâneas o controle do crime e a manutenção da ordem, no sentido de garantir a segurança e o convívio harmônico entre os seres humanos em sociedade. Isto significa dizer que a atividade policial refere-se, de um lado, ao conceito de crime, que é por definição legal, fundamentado por regras formais, gerais e expícitas; de outro, à noção de ordem pública, resultante de opiniões e convenções, sujeita a diferentes interpretações. Esse paradoxo ligado à atividade policial, ao concentrar conceitos de certa forma contraditórios, representa o dilema enfrentado pelos Estados Democráticos na imposição de um modelo de “ordem sob lei.

A Organização das Nações Unidas (ONU) impõem regras e limites de utilização

da força pelas polícias dos países membros e, acima de tudo, orientam que os

funcionários que por razão das suas funções usam armas de fogo, devem ser

devidamente treinados:

Todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei deverão possuir as características morais, psicológicas e físicas adequadas e receber formação apropriada. A sua aptidão para o desempenho das respectivas funções deverá ser reexaminada periodicamente. A formação deverá incidir sobre a legítima utilização da força, os direitos humanos e as técnicas policiais, devendo ser prestada especial atenção às alternativas à utilização da força e de armas de fogo, nomeadamente métodos de resolução pacífica de conflitos (ONU, 2001, p.122).

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Na formação é possível é possível serem considerados e serem postos em

prática procedimentos eficazes de participação e recurso, aplicáveis aos possíveis

incidentes de utilização da força e de armas de fogo.

No entanto, É difícil descrever o dilema do papel da Polícia na sociedade

democrática, ou seja, de se transformar em instrumento politicamente neutro no

controle social (Marcineiro, 2007, p.57). A figura 15 mostra uma cena de uso da força

pela Polícia moçambicana que pode ser circunscrita no dilema entre a necessidade e a

racionalidade.

Figura 14: Cena de uso da força pela Polícia moçambicana

Fonte: CIP (centro de Integridade Pública), 2010

A fonte que registou a imagem (CIP), no texto explicativo descreve-a como

Pormenor da violência policial contra cidadãos: violação de direitos humanos só

possível em Moçambique neste tipo de situações.

Retratos, imagens, gravações, vídeos e outros materiais didácticos podem ser

usados para ilustrar as boas práticas e as práticas proibidas de uso da força pelas

autoridades policiais.

Os funcionários superiores deverão ser considerados responsáveis pela

utilização ilegal da força ou de armas de fogo por parte dos seus subordinados caso

tenham conhecimento, ou devessem ter tido conhecimento, de tais abusos e não tomem

medidas adequadas para lhes pôr fim.

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243

Permite-se a utilização de armas de fogo em legítima defesa do próprio agente

da Polícia ou de terceiros contra um perigo iminente de morte ou lesões físicas graves,

ou a fim de proceder à captura de uma pessoa que apresente tal perigo, caso as medidas

menos extremas se revelem insuficientes. É proibida a utilização intencional de armas

de fogo com conseqüências fatais, a menos que absolutamente inevitável a fim de

salvar uma vida (ONU, 2001, p.121).

Figura 15: Cena de utilização de armas de fogo para dispersar manifestações em Moçambique

Fonte: CIP (centro de Integridade Pública), 2010

As normas e regulamentos sobre a utilização de armas de fogo por parte de

funcionários responsáveis pela aplicação da lei deverão fornecer orientações sobre as

circunstâncias em que tais funcionários estão autorizados a transportar armas de fogo,

garantir que as armas de fogo sejam utilizadas apenas nas circunstancias adequadas e

de maneira a diminuir os riscos de lesões, disciplinar o controlo, armazenagem e

distribuição de armas de fogo e prever um sistema de participação sempre que os

agentes policiais façam uso de uma arma de fogo no exercício das suas funções (ONU,

2001, p.121).

Para além dos motivos éticos e jurídicos que obrigam a que a Polícia respeite as

normas internacionais relativas à utilização da força e de armas de fogo, existem

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244

também considerações de índole prática e política. Os abusos e excessos na utilização

da força por parte da Polícia podem ter como efeito levar a que um trabalho, já de si

difícil, se torne impossível. Para além disso, tais abusos e excessos comprometem um

dos principais objectivos da actividade policial – a manutenção da paz e estabilidade

social.

Em resumo, as normas internacionais de direitos humanos exigem que a

utilização de armas de fogo pela Polícia seja uma medida excepcional; que a utilização

da força por parte da Polícia seja necessária e proporcional ao objectivo pretendido; e

que a utilização da força e de armas de fogo pela Polícia seja regulamentada, controlada

e compatível com os direitos fundamentais à vida, à liberdade e à segurança das

pessoas.

A formação dos oficiais da Polícia deve incidir sobre a demanda da PRM e da

sociedade em matérias de segurança pública. O currículo da ACIPOL fixa como núcleo

central os seguintes objectivos de formação:

Dos oficiais formados na ACIPOL, licenciados em Ciências Policiais, se espera que ajudem a impulsionar a PRM para que seja, uma instituição, cada vez mais actuante no domínio da prevenção e repressão do crime nas suas múltiplas vertentes; aceite pela relação construída com as comunidades; alicerçada no respeito pelos direitos humanos e na confiança mútua; respeitada pela integridade profissional da sua acção; reconhecida pela prontidão de resposta policial na defesa das populações e das instituições democráticas (ACIPOL, 2012, pp.3-4).

O novo conceito de segurança na sociedade democrática põe a problemática da

necessidade de adaptar as respostas às situações. Isto é, antes da tomada de decisão é

necessário estar na posse do conhecimento técnico, expertise relativo ao meio e aos

intervenientes sobre os quais se vai intervir (Goldstein,1990; Spelman e Eck, 1986

apud Oliveira, 2007, p.6). É necessário diagnosticar os problemas para que as soluções

encontradas sejam as mais adequadas. Daí a necessidade de diagnósticos de segurança,

como pré-requisito para a decisão e para a implementação das políticas de segurança. A

dinâmica da segurança é, assim, uma dinâmica horizontal que pretende mobilizar vários

actores sociais, através de um trabalho em parceria.

A prevenção de problemas complexos, como é caso do crime e do sentimento

de insegurança, exige respostas políticas interdisciplinares e multifacetadas, porque

como já afirmámos a segurança é fundamentalmente uma questão política. Mas

também exige das instituições que têm a tarefa específica de manter a segurança e a

tranquilidade públicas mudanças no sentido da prevenção, colocando por exemplo,

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245

mais elementos policiais em funções de vigilância e de informação, que, de acordo com

alguns trabalhos empíricos reforça o sentimento de segurança (Wilson e Kelling apud

Ferreira, 2007, p.6); implementando modelos policiais inovadores no sentido da

resolução dos problemas de segurança mais prementes da comunidade e que melhores

resultados possam alcançar (SHERMAN apud FERREIRA, 2007, p.6).

Em suma, a formação dos oficiais subalternos da Polícia que dominem a

competência técnico-profissional que o graduado deve demonstrar na actividade

policial concreta, implica a adopção de um currículo que atenda às necessidades da

PRM, respeitando as especificidades dos ramos integrantes, mas tendo como foco a

filosofia da prevenção da violência; da mediação de conflitos; da investigação e

inteligência no controle da criminalidade; do policiamento voltado para a construção de

uma relação entre polícia e sociedade como parte de uma política de direitos humanos;

do exercício de valores morais e éticos de carácter colectivo; e da Polícia como um

serviço público voltado para a garantia da ordem e segurança públicas e a protecção e

defesa da cidadania.

O que se nos deu a compreender, através dos dados da pesquisa, foi que, na

prática, as actividades realizadas pelos cadetes durante a formação não estabelecem,

pelo menos de forma organizada e didáctica, uma ligação lógica e formativa com a

formação teórica recebida na Academia. Por um lado, porque o sistema curricular

vigente é de um processo institucional de transmissão de conhecimentos e de inclusão

de valores corporativos socialmente aceites.

Uma característica notável que comprova esta afirmação é observada no facto

de que, através do seu desenvolvimento histórico, o sistema formativo da Polícia

moçambicana vem conservando o essencial: Transmissão de conhecimentos parcelados

em disciplinas; estudo dos problemas e processos concretos isolado do contexto policial

em que se dão; aprendizagem por acumulação de informações obtidas em manuais ou

processadas por outros.

Por outro lado, não existe ao nível da PRM e do MINT um instrumento (uma

matriz) que define os principais conteúdos de formação policial e que vincula os

estabelecimentos de formação policial, pelo menos ao nível dos oficiais. Os conteúdos

de formação são definidos pelos estabelecimentos de ensino. Por consequência, não

existe também um instrumento de regulação do estágio, especificando o seu conteúdo, ,

processo e objectivos, bem como os intervenientes ou actores.

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No entanto, é possível reverter esta situação, contextualizando as actividades

formativas aos espaços de trabalho policial e o currículo à demanda social e da PRM.

Quer dizer, através de despachos e ordens de serviço emanados por autoridades

competentes, os cadetes podem ser integrados em espaços e grupos operativos em

exercício de tarefas concretas no terreno, para conhecer e praticar as reais actividades

da Polícia, desde que tal integração seja metódica, orientada, avaliada e visando

objectivos formativos de articulação entre os fundamentos teóricos e as habiliades

práticas da formação.

Os outros pontos de contacto podem ser as outras áreas de trabalho, ou seja, os

restantes ramos da Polícia como bombeiros, migração, unidades de operações especiais

e de reserva, tendo em conta que há oficiais da ACIPOL que são colocados nessas

áreas.

Tratando-se de oficiais subalternos cujas futuras actividades incluem,

estatutariamente, funções de comando, direcção e chefia, é imperioso que as suas

actividades, tanto nas práticas pré-profissionais quanto no estágio curricular,

contemplem o contacto com os dirigentes das unidades e subunidades, em busca de

conhecimento sobre as actividades de direcção.

ii. Desenvolver o sentido crítico

O que se pode perceber dos dados da pesquisa é a ausência de reflexão crítica

por parte dos participantes, sobre o que a Polícia faz. Esse facto, em primeiro lugar

induz à falta de elementos referenciais para os conteúdos de formação dos futuros

oficiais da Polícia.

Em segundo lugar, resume o trabalho da Polícia aos conceitos genéricos de

prevenção e combate ao crime, no entanto incipientes de conteúdo em termos de

estratégias, actividades proactivas e metodicamente reactivas para garantir a

manutenção da ordem e segurança públicas.

Em terceiro lugar, foram constantemente citados, de forma genérica, os

conceitos de trabalho proactivo e reactivo da Polícia. Esta forma de mencionar

conceitos pode significar que os participantes analiticamente não têm clareza sobre

trabalho da Polícia, limitando-se a repetir conceitos considerados aceites pelos valores

corporativos. Desta forma, podemos considerar a chamada de atenção dada por

MARCINEIRO (2007, p.26):

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(...) a função da polícia passa a ser a de manutenção da ordem pública, da liberdade, da prosperidade e da segurança individual. É bem verdade que, embora date dessa época o início da preocupação com a garantia dos direitos individuais, fruto da declaração dos direitos humanos e do cidadão, em muitas sociedades o discurso dos dirigentes públicos de segurança contemplou esses valores, mas as ações dos integrantes das corporações de segurança foram em outra direção.

Marcineiro afirma também que a responsabilidade primeira da Polícia é a

garantia da segurança da sociedade e de cada membro da sociedade individualmente,

explicando a segurança nos seguintes termos:

a) A segurança individual é aquela pela qual o homem deverá sentir-se interna e

externamente seguro, ou seja, ter garantido direitos como os de liberdade, de

propriedade, de locomoção, de proteção contra o crime e também a solução de

seus problemas de saúde, educação, justiça, subsistência e oportunidade social;

b) A segurança comunitária é entendida como a garantia dos elementos que dão

estabilidade às relações políticas, econômicas e sociais, preservando a

propriedade, o capital e o trabalho para plena utilização do interesse social;

c) A segurança colectiva, por fim, é a idéia segundo a qual o poder nacional pode

ser fortalecido em consequência do apoio recíproco que se venha a estabelecer

com outros centros de poder, isto é, com um determinado grupo de países,

buscando-se nessa relação mútua a eliminação de controvérsias e maior

capacidade de conquistar e manter os objetivos de interesse comum.

4.5. O currículo integrado como possibilidade de articulação entre os fundamentos

teóricos e as habilidades práticas na formação policial

A idéia central se relaciona com a necessidade de se elaborar e aplicar um

currículo para a formação profissional equilibrada entre os fundamentos teóricos e as

habilidades práticas.

Os particpantes da pesquisa falaram claramente em desenvolver um currículo

integrado; desenvolver a multidisplinaridade, interdisciplinaridade, e criar uma

unidade de práticas;

Essa apreciação leva-nos a examinar o currículo integrado, o qual poderíamos

tentar definir como um plano pedagógico e sua correspondente organização

institucional que articula dinamicamente o campo de acção profissional e a formação,

prática e teoria, formação e relações com as comunidades.

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248

O que se estimularia nos cadetes neste tipo de currículo não seria a

memorização passiva de conteúdos e dados, mas sim a investigação e compreensão dos

problemas, ou seja, a construção de seu próprio conhecimento através da participação

activa neste processo.

Relembremos que a emancipação curricular se adquire pela práxis, cujos

elementos constituintes são a acção e reflexão Grundy, (apud PACHECO, 2001),

p.142), e pela revitalização, no caso da realidade a que se refere este estudo, do

discurso crítico sobre a Polícia e condições em que desenvolve seu trabalho através de

potenciação de oportunidades de desenvolver reflexões-críticas a diversos níveis.

O Currículo Integrado, neste caso, seria uma opção formativa que permitiria,

como já referimos, a real integração entre prática e teoria e o imediato teste da prática,

ou seja, uma efectiva articulação entre formação e prática profissional.

Gadotti (1995), sustenta que o currículo integrado organiza o conhecimento e

desenvolve o processo de aprendizagem de forma que os conceitos sejam apreendidos

como sistema de relações de uma totalidade concreta que se pretende

explicar/compreender. No trabalho pedagógico, os métodos devem restabelecer as

relações dinâmicas e dialécticas entre os conceitos, reconstituindo as relações que

configuram a totalidade concreta da qual se originaram, de modo que o objecto a ser

conhecido revele-se gradativamente em suas peculiaridades próprias.

Em relação à integração formação-campo profissional, que este estudo propõe, é

necessário ter em consideração o facto de que aproximá-los espacialmente não garante

por si só a sua integração. Pode-se ter, por exemplo, uma sala de aula dentro do serviço

e a formação permanecer distanciada deste.

Além disso, corre-se o risco de tomar a chamada “realidade profissional” como

parâmetro de formação sem distinguir as insuficiências desta, reproduzindo-as

acriticamente.

Nestes espaços formativos, os componentes das unidades ensino-aprendizagem

ou dos eixos de formação devem preservar e desenvolver entre si uma relação de

interdependência que se concretiza na medida em que o processo de aprendizagem

avança.

Assim, o currículo integrado inscreve-se entre as propostas de inovação

formativa na ACIPOL, cujo objectivo é permitir uma efectiva integração entre ensino e

prática profissional; a real integração entre prática e teoria e o imediato teste da prática;

a busca de soluções específicas e originais para diferentes situações; a integração

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formação-trabalho-comunidade, implicando uma imediata contribuição para esta última;

a integração docente–cadete na pesquisa e busca de esclarecimentos e propostas

(DAVINI, 2009, p.285);

Independentemente de a formação vir a ser orientada cada vez mais às

especialidades, é preciso compreender e considerar que para actuar no mundo, pensava

Comenius, não se pode ignorar a existência das coisas. É o que no mundo

contemporâneo se chama de conhecimento ou cultura geral; é o que no domínio policial

e da segurança pública se designa Inteligência. Ter uma compreensão do todo no que se

refere à ciência, à técnica, à cultura e às diferentes áreas de actuação policial não

significa tornar-se um especialista em cada uma delas. O importante é perceber o

objectivo de que todos os ramos policiais e todos os domínios da segurança pública

sejam actores, isto é, tenham uma postura activa no sistema de segurança pública.

4.5.1. Restaurando experiências e expectativas: as expectativas que os oficiais de

comando tinham sobre o desempenho dos formados pela ACIPOL.

As expectativas, de forma geral, incidem sobre mudanças que eram esperadas

com a formação e integração dos novos oficiais “recém chegados” à corporação

incluídos no seio dos oficiais mais experientes. Esta actualização é uma quebra de

paradigma, revitalizando a PRM que necessita de constante actualização para alcançar

os resultados de trabalho pretendidos, através de concepções cada vez mais

actualizadas.

Do curso de formação de oficiais esperava-se o desenvolvimento ou reforço de

qualificações científicas e técnico-profissionais para que as funções e os deveres do

grupo profissional em causa pudessem ser desempenhados de forma eficaz e com o

devido respeito pelos regulamentos policiais específicos.

O desenvolvimento de competências deve ser visto como um processo contínuo,

uma vez que as habilidades são aperfeiçoadas através da prática e da aplicação. Esse

processo pode assim ter de ser continuado à luz das necessidades de formação

identificadas em áreas específicas do trabalho dos graduados, por exemplo, através dos

programas de acompanhamento e assistência técnica desenvolvidos localmente.

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Assim, uma formação eficaz visará a melhoria: dos conhecimentos técnico-

profissionais; das habilidades e das atitudes para contribuir para o cumprimento da

missão da Polícia e para um comportamento individual e colectivo adequado.

No entanto, fazendo uma análise mais profunda das opiniões apresentadas pelos

participantes pode percebe-se que a expectativa é que se desenvolva programas de

formação para melhorar os conhecimentos dos futuros oficiais nas seguintes áreas:

operacional, jurídica, administrativa e de gestão, relações comunitárias, ética e

deontologia profissional, fundamentos de ciências policiais e fundamentos de

segurança pública. Essas áreas quando desdobradas em actividades formativas

representam, de facto, um vasto campo de conhecimento.

Neste sentido, e interpretando as opiniões dos participantes com recurso ao

manual de PTO71, podemos identificar os assuntos–chave que se supõe que um oficial

subalterno domine como resultado da aprendizagem e, na sequência, os conteúdos

formativos que o currículo deveria incluir. Esses assuntos apresentam-se como

actividades e são designados, tecnicamente, por competências–chave. Por uma questão

de coerência com a maioria da literatura especializada, vamos designá-los da mesma

forma neste trabalho.

A matriz do PTO identifica 15 resultados da aprendizagem na formação de

oficiais da Polícia. Neste trabalho foram identificados 18 resultados, mais três do que

os identificados no PTO, nomeadamente Direcção e Estratégia policial, Cooperação

policial/parcerias e Análise criminal/inteligência policial.

71 PTO manual- Police training officer manual (manual de formação de ofiais da polícia), é um manual desenvolvido pelo Fórum Executivo da Pesquisa Policial (Police Executive Research Forum) do Departamento da Justiça dos EUA em 2001.

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251

Quadro 9: Matrix de resultados de aprendizagem

N/O COMPETÊNCIA-CHAVE (De Natureza Cognitiva)

N/O COMPETÊNCIA-CHAVE

(De Natureza Operacional/habilidade)

01 Resolução de conflitos 12 Operação policial motorizada

02 Procedimentos locais, políticas, legislação, filosofia organizacional

13 Uso da força e de armas de fogo

03 Liderança 14 Elaboração de relatórios

04 Problemas específicos das comunidades

15 Habilidades de resolução de problemas

05 Diversidade cultural e necessidades específicas de grupos sociais

16 Segurança pessoal e segurança no trabalho

06 Autoridade legal 17 Habilidades de comunicação

07 Direitos individuais 18 Análise criminal/inteligência policial

08 Ética e Deontologia profissional 19 Estilo de vida; Autoconsciência; Auto-regulação perante situações de stress

09 Direcção e Estratégia policial

10 Cooperação policial/parcerias

11 Preservação da Paz e Segurança

Fonte: autor- cruzamento dos dados da pesquisa com a matriz de resultados da aprendizagem do PTO (2002, p.89)

O desenvolvimento das competências-chave identificadas implica a adopção de

estratégias formativas nos currículos e nos cursos de formação de oficiais. Uma das

estratégias que mais se aproxima à estrutura do currículo de formação em ciências

policiais pode ser a descrita por Schön (2008) e Davini /2012), que consiste na

organização dos conteúdos em componentes:

a) Componente Sócio-Cultural

Esta componente deve proporcionar condições para o desenvolvimento ou

reforço das capacidades de autonomia, acção reflexiva, iniciativa, auto-aprendizagem e

resolução de problemas no exercício da profissão, com enfoque nas habilidades,

atitudes e comportamentos de natureza pessoal, relacional e social;

b) Componente Científico-Tecnológica

Esta componente visa o desenvolvimento de conhecimentos (competência) que

integram o exercício profissional, no domínio das tecnologias e actividades práticas

(habilidades) com ele relacionadas.

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c) Componente Prática

Esta componente pode ser desenvolvida em contexto de formação que integra o

contexto real de trabalho, por forma a permitir o treino das habilidades desenvolvidas

em todo o processo formativo, bem como criar condições que permitam uma maior

adequação às necessidades do trabalho policial geral e específico.

A aprendizagem e o treino destas competências poderão ser realizados de

variadas formas, nomeadamente com recurso à articulação das actividades formativas

com:

• As Práticas pré-profissionais desenvolvidas ao longo do curso em unidades e

subunidades policiais ou instituições do sistema da administração da justiça com

incidência na área da segurança pública;

• O Estágio curricular supervisionado em unidades e subunidades policiais com as

quais a Academia, entanto que entidade formadora, pode celebrar protocolos.

4.5.2. Ideias preliminares sobre a construção do currículo integrado: Presupostos

práticos e metodológicos

O Currículo Integrado, pela sua gênese, tem carácter transformador e apresenta-

se, portanto, como possibilidade de superação do carácter dual e excludente que tem

acompanhado historicamente o processo educativo, em especial, a formação

profissional. Por esta razão, apresenta um conjunto de pressupostos epistemológicos e

pedagógicos a partir dos quais oferece alternativa às formas dicotômicas da educação.

No estudo sobre o currículo um dos pontos mais críticos é precisamente o como

montar um currículo que considere e atenda todas as sensibilidades nele interessadas. O

mesmo acontece com o currículo integrado. As diferentes teorias e estudos sobre este

tipo de currículo debruçam-se sobre o seu conteúdo, suas vantagens e outros atributos,

mas dificilmente pode-se encontrar uma receita sobre como montar um currículo

integrado. Davini (2012, p.285) afirma a esse respeito que:

É precisamente neste ponto onde não existem receitas padronizadas e é aqui onde se espera a criatividade dos que se defrontam com a tarefa de elaborar um currículo com ditas características. É necessário compreender que o trabalho deve ser encarado como um processo desenvolvido em comum e procurando vencer as tendências estereotipadas de reproduzir experiências anteriores.

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A autora anota que o currículo, obedecendo aos mínimos fixados pelas

autoridades da instituição formadora, deve ser flexível e adaptado às diversas situações,

susceptível de ser constantemente avaliado e melhorado de acordo com as experiências.

Ao montar o currículo integrado para a formação policial é preciso considerar

que a formação de Polícia inclui um processo de obter conhecimentos, habilidades e

atitudes que permitam executar tarefas profissionais específicas.

Os polícias em início de carreira e menos gradudos têm de seguir essa via para

ganharem a capacidade de desempenhar tarefas específicas de Polícia. A formação

superior de Polícia tem como objectivos os conhecimentos, habilidades e atitudes, mas

são apresentados e aprendidos através de uma maior reflexão, mais orientados para o

problema e analisando o processo de aprendizagem (JASCHK et al, 2007, p.5).

De todos os modos, é factível sugerir alguns passos e procedimentos úteis para a

elaboração do currículo integrado adaptado à realidade, articulando o equilíbrio entre

os fundamentos teóricos e as habilidades práticas da formação. As sugestões que se

seguem baseiam-se nas reflexões conjugadas de Davini (2012), Masetto (2010), Schön

(2008) E Pimenta & Lima (2004).

1. É aconselhável partir para a elaboração de uma clara definição de atribuições

que estão e deveriam estar implicadas na prática social da função policial. É

importante levar em conta tanto as atribuições que “estão” como as que

“deveriam estar”, pois incorporar somente as vigentes significa pensar que a

prática actual é absolutamente ajustada às necessidades do serviço e da

sociedade ou que não existiriam possibilidades de melhorar na definição das

mesmas. Mas também é necessário identificar atribuições que, apesar de serem

desejáveis, não poderiam ser incorporadas por não estarem dadas as condições

sociais e organizacionais para fazê-las. Daí ser importante que este primeiro

passo seja desenvolvido através de um fecundo debate entre as pessoas

envolvidas na tarefa de montar um currículo e, dentro do possível, com

entidades vinculadas à própria Polícia e com os próprios interessados.

Chamaremos de Perfil Profissional a resultante deste processo de debate, que

inclui atribuições profissionais legitimadas pela prática policial actual e

atribuições desejáveis em condições de serem incorporadas e aceites.

Na definição deste perfil devem também ser levadas em conta as caraterísticas

do meio social onde o policiamento se desenvolve, e as características dos estudantes

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(cadetes). As primeiras se referem à estrutura social, grau de organização comunitária,

localização social da profissão policial, formas de vida, valores, costumes, e outros. As

segundas, aos esquemas de aprendizagem predominantes nos formandos, as suas

experiências educacionais e profissionais. Se não forem levados em conta estes

factores, corre-se o risco de elaborar um perfil bonito em sua apresentação, porém

desvinculado da realidade (DAVINI, 2012, p.286).

2. Para evitar que a elaboração do perfil fique em forma de lista de atribuições,

talvez seja conveniente reuni-las em áreas ou conjuntos de atribuições,

referindo-se cada a um tipo genérico de actividades. Esta classificação pode

adoptar diversas formas, segundo o que se quiser destacar, devendo-se optar pela

que reúna mais consenso e seja mais adequada ao exercício da profissão de

Polícia.

3. De cada área de atribuição deverão ser detectadas as competências necessárias e

os conceitos, processos, princípios e técnicas para o desenvolvimento de tais

competências;

4. O passo seguinte será arrolar as diferentes listas de conceitos e processos para o

desenvolvimento das competências, estabelecendo relações entre elas,

detectando conhecimentos comuns e hierarquizando-os.

Trata-se de um processo de síntese e destaque dos conhecimentos necessários

que dará como resultado uma árvore de conhecimento, encadeados e relacionados

como em uma rede. Chamaremos esta rede de estrutura de conteúdos. Aos conceitos,

processos ou princípios mais gerais ou englobados chamaremos de assuntos-chave,

sendo provável que existam vários assuntos-chave na estrutura total.

5. Cada assunto-chave e sua correspondente rede de conhecimentos teóricos e

práticos dará lugar a uma unidade de aprendizagem. Esta se define como uma

estrutura pedagógica dinâmica, orientada por determinados objectivos de

aprendizagem, em função de um conjunto articulado de conteúdos e

sistematizada por uma metodologia didáctica. Cada unidade guarda certa

autonomia com respeito às demais, porém, ao mesmo tempo, se encontram

articuladas com as outras com vista à integração das áreas de atribuições e do

perfil profissional.

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255

4.5.3. Elementos de aproximações sucessivas ao Perfil Profissional

A seguir, apresentaremos algumas sugestões sobre os elementos centrais da

programação curricular, os objectivos e a metodologia. Essas sugestões, em nossa

opinião, são relevantes na medida em que poderão ser tidos em conta na orientação e

avaliação das práticas pré-profissionais e do estágio curricular, no sentido de verificar

como é que os fundamentos teóricos e as habilidades práticas se encadeiam e alcançam

os objectivos da formação.

1. Se aderirmos a uma pedagogia que pretende preparar o formando como sujeito

activo, reflexivo, criativo e solidário, os objectivos da aprendizagem que

propusermos não poderão consistir na memorização de informações, nem na

execução mecânica de determinados comportamentos. Isto não quer dizer que os

conhecimentos em si sejam negligenciados. Pelo contrário, além de serem

imprescindíveis, a actividade de aprendizagem do sujeito que aprende se aplica

sempre a um objectivo ou assunto que requer ser “apreendido”. Mas o que

importa é criar condições para que o formando possa construir activamente o seu

próprio conhecimento. Assim, a aprendizagem se dará como resultado da

“apreensão” activa a partir da própria prática do sujeito e das sucessivas

mudanças provocadas pela informação gradativamente acomodada nas

experiências anteriores.

2. Portanto, os objectivos de cada unidade deverão reflectir esta actividade de

aprendizagem do formando no processo de sucessivas aproximações ao

conhecimento. Assim, por exemplo, poderão indicar, como metas parciais de

aprendizagem, que o formando compare, distinga, classifique, busque causas e

consequências, identifique princípios ou regularidades, determine objectivos de

acção, selecione métodos e técnicas adequadas, execute, e analise criticamente a

sua acção e o processo seguido (DAVIN, 2012, p.288).

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Figura 126: currículo integrado - exemplo de unidades de aprendizagem

• Objectivo• Assunto ou Conceito – Chave• Metodologia

• Objectivo• Assunto ou Conceito – Chave• Metodologia

• Objectivo• Assunto ou Conceito – Chave• Metodologia

Unidade 1

Unidade 2

Unidade 3

PERFILPROFISSIONAL

ÁREA DEATRIBUIÇÕES

OUCOMPETÊNCIAS

CURRÍCULO INTEGRADO: Unidades de Ensino - Aprendizagem

Fonte: Autor, adaptado a partir de DAVINI (2012, P. 286 ) -

3. Importa fazermos referência ao outro elemento central na elaboração das

unidades curriculares: a metodologia. É neste ponto que se opera uma profunda

mudança no processo pedagógico, já que o currículo integrado representa a

integração trabalho-ensino. A metodologia supõe planificar uma série encadeada

de actividades de aprendizagem que surgem das situações do próprio serviço. A

partir delas, se incentivará a reflexão e busca de conhecimentos que reverterão

em novas formas de acção.

A figura 18 faz uma representação esquemática do percurso operacional de uma

unidade de aprendizagem. Cada unidade de aprendizagem percorrerá o mesmo processo

podendo variar os materiais e estratégias, integrando aprendizagem individual e grupal,

mas sempre no mesmo sentido.

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Figura 17: Unidade de aprendizagem no currículo integrado

UNIDADES DE ENSINO DO CURRÍCULO INTEGRADO: PROCESSO DE BUSCA DO CONHECIMENTO

TEORIA

SELECÇÃO DE PRINCÍPIOS E

MÉTODOS PARA ACÇÃO FUTURA

NOVA PRÁTICA/TRANSFORMA

ÇÃO DA REALIDADE

REFLEXÃO

Fonte: Autor, adaptado de DAVINI (2012, P. 287 )

De acordo com Davini (2012, p. 288), este modelo de organização curricular se

fundamenta no princípio de que a aprendizagem não é alcançada de forma instantânea

nem por domínio de informações técnicas, pelo contrário, requer um processo de

aproximações sucessivas e cada vez mais amplas e integradas, de modo que o

formando, a partir da reflexão sobre suas experiências e percepções iniciais, observe,

reelabore e sistematize seu conhecimento acerca do objecto em estudo.

Enquanto processo pedagógico, o desenvolvimento do programa curricular

supõe a interacção dinâmica entre o supervisor e o formando. Cabe ao primeiro

estimular e orientar este processo de modo que a apropriação da informação científica,

necessária ao desempenho eficaz do formando, se dê respeitando o ritmo individual, os

esquemas de aprendizagem de que dispõe e as características culturais. Assim, a

programação curricular funciona como orientação para o supervisor e mediação entre

este e o formando (SCHÖN, 2008, p.126).

Ao supervisor cabe orientar sistematicamente a reflexão e análise a partir das

próprias percepções iniciais dos formandos, estimulando a observação, a indagação e a

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258

busca de resposta. Durante este processo corrigirá desvios e junto com seus formandos

avaliará seus avanços e dificuldades.

Nesta metodologia de aprendizagem, o supervisor obriga-se sempre a respeitar o

ritmo de aprendizagem e os padrões culturais de quem aprende, não para retardar o

processo, mas, sim, para que os formandos produzam seus próprios conhecimentos e

mudanças com um sentido de integração e compromisso com seu trabalho e com a

unidade à qual pertençam. Estimulará sempre a busca activa de conhecimentos e

técnicas apropriadas a cada situação. Finalmente, as actividades pedagógicas

sequenciadas segundo esta metodologia deverão guardar coerência com os objctivos

selecionados (DAVINI, 2012, p.288).

4.5.4. Pressupostos a considerar na Avaliação da aprendizagem do currículo

integrado

O tema Avaliação requer um detalhamento especial, não somente pela

importância do assunto, mas pela função especial que lhe cumpre dentro do currículo

integrado. Este currículo se fundamenta no princípio de que a aprendizagem não é

alcançada de forma instantânea nem por domínio de informações técnicas, pelo

contrário, requer um processo de aproximações sucessivas e cada vez mais amplas e

integradas, de modo que o formando, a partir da reflexão sobre suas experiências e

percepções iniciais, observe, reelabore e sistematize seu conhecimento acerca do objeto

em estudo (DAVINI, 2012, p. 289).

Durante a realização das tarefas, o educando consolidará sua aprendizagem

aprofundando a observação de seu meio e aplicando os conceitos que pouco a pouco

vão sendo elaborados. O supervisor, como orientador da aprendizagem, acompanha

este processo, discute com o educando, corrige e oferece informações adicionais,

estimula a reflexão e a observação, detectando também as difi-culdades específicas,

registrando-as para solução imediata ou retomada no próximo período de concentração.

Esta atividade é denominada recuperação paralela e pode ser dirigida a indivíduos ou a

grupos que apresentam a mesma dificuldade.

Do exposto, infere-se que nós estamos abordando o processo de avaliação

defendido por Cappelletti (2011) e Saul (2010) que se inicia com o acompanhamento

sistemático da evolução do educando na construção do seu conhecimento.

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259

Dentro desta perspectiva, a avaliação é um componente de grande importância,

sendo considerada como parte integrante do processo de planificação curricular,

estando presente em todos os estágios de seu desenvolvimento e não apenas confinada

aos seus resultados finais.

Assim, nesta proposta não se concebe a avaliação como um momento separado

ou independente do processo de ensino. Ao contrário, ela é pensada como uma

actividade permanente e indissociável da dinâmica de ensino-aprendizagem, o que

permite acompanhar passo a passo o avanço dos formandos, detectar a tempo suas

dificuldades, ajustar e reajustar a formação e suas características aos diferentes

contextos, corrigir e reforçar o processo de ensino.

Não se trata, portanto, de avaliar para eliminar, mas sim para acompanhar e

recuperar. Sendo assim, a avaliação não está dirigida somente ao formando, mas

também ao processo como um todo, visando subsidiar a tomada de decisão no sentido

de superar dificuldades de operacionalização e assegurar uma apropriada utilização e

combinação de tempo, recursos humanos e materiais para o alcance dos objectivos

desejados.

Portanto, além do acompanhamento sistemático do formando, a avaliação

permite ao mesmo tempo estimar a eficácia do programa de formação, verificar sua

adequação aos objectivos e detectar possíveis falhas, tanto do programa quanto do

trabalho do supervisor.

Estas duas dimensões da avaliação não são estanques. A existência de um

encadeamento lógico entre a programação e a execução é de primordial importância e

a compatibilização entre elas pode ser feita através de “produtos parciais” que

correspondam às várias unidades didácticas e que orientam a execução em direcção a

resultados finais esperados.

Finalizando a análise dos dados sobre as possibilidades de assegurar uma

formação equilibrada entre os fundamentos teóricos e as habilidades práticas,

articulados a partir das práticas pré-profissionais e do estágio curricular supervisionado,

no quadro 10 resumimos as principais constatações deste estudo, tomando em

consideração os seguintes elementos de análise: Conteúdo de trabalho dos oficiais

subalternos da Polícia, objectivos da formação, conteúdos formativos, componentes

curriculares da formação, valores que a formação visa promover, conteúdo das práticas

pré-profissionais e do estágio curricular, articulação entre a ACIPOL e as unidades e

subunidades da Polícia.

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26

0

Qu

adro

10:

res

umo

das

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rmaç

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ial e

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lico

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dete

nçõe

s):

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caçã

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dive

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nstr

ução

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ição

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ção

ao tr

ibun

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ção

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idos

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test

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has

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min

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ativ

as

-Ges

tão

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Inst

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gaçã

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idad

e.

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s e

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IP’s

);

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ento

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imin

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ivos

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Aná

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rel

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xecu

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issõ

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pera

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a;

-Aná

lise

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Trâ

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o

1.

CO

MP

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ÊN

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-Res

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olít

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ção,

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rgan

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iona

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ider

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icos

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unid

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pos

soci

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irei

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Deo

ntol

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fiss

iona

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Est

raté

gia

poli

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seg

uran

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poli

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as

2.

CO

MP

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ÊN

CIA

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E

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e N

atur

ezaO

pera

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abil

idad

e)

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al m

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a -

Uso

da

forç

a e

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rmas

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-

Ela

bora

ção

de r

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ório

s -

Hab

ilid

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de

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blem

as

-Seg

uran

ça p

esso

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seg

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ça n

o tr

abal

ho

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rim

inal

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ilo

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ida;

Aut

ocon

sciê

ncia

; Aut

o-re

gula

ção

pera

nte

situ

açõe

s de

str

ess.

260

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26

1

-Fis

cali

zaçã

o de

trân

sito

em

ger

al, f

isca

liza

ção

de a

lcoo

l, fi

scal

izaç

ão d

e ex

cess

o de

vel

ocid

ade,

ela

bora

ção

de a

utos

de

tran

sgre

ssão

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raçõ

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to-s

top;

Rea

liza

ção

de p

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agem

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ente

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via

ção;

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ampa

nhas

de

educ

ação

viá

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Ob

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ivos

da

form

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-Res

pond

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cias

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de

Ord

em e

S

egur

ança

Púb

lica

s;

-Pre

para

ção

técn

ico-

prof

issi

onal

dos

mem

bros

da

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M p

ara

a re

aliz

ação

da

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; -I

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ução

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ção

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mem

bros

da

PR

M;

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mit

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icia

is f

orm

ados

pos

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con

trib

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para

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mpe

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Seg

uran

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ca;

Inve

stig

ação

Cri

min

al e

C

rim

inal

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ca; M

igra

ção

e F

ront

eira

s; A

dmin

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ação

e L

ogís

tica

Pol

icia

l;

-O d

esen

volv

imen

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e um

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tem

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ores

éti

cos

e de

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lógi

cos

pros

segu

idos

at

ravé

s de

um

a no

va

atit

ude,

ao

vel

do

com

ando

e

lide

ranç

a;

-Con

stru

ção

da

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tida

de

prof

issi

onal

, fu

ndam

enta

lmen

te,

com

o um

a et

apa

que

mar

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derá

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a pa

ra a

vid

a pr

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sion

al d

o of

icia

l da

Pol

ícia

; -A

apl

icaç

ão e

rep

rodu

ção

de r

egra

s e

rece

itas

par

amil

itar

es (

cast

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es)

tida

s co

mo

efic

ient

es e

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caze

s.

For

mar

ofi

ciai

s qu

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ssam

:

-Pos

icio

nar-

se d

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anei

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ca, é

tica

, res

pons

ável

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ruti

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nas

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rent

es s

itua

ções

soc

iais

, uti

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o di

álog

o co

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impo

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men

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conf

lito

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tom

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ões;

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ber-

se c

omo

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te tr

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orm

ador

da

real

idad

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cial

e

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óric

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s, id

enti

fica

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njun

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as

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racç

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entr

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as, a

fim

de

cont

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amen

te p

ara

a m

elho

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da q

uali

dade

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soc

ial,

inst

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iona

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divi

dual

; -C

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cer

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e qu

e ca

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a a

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edad

e m

oçam

bica

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osic

iona

ndo-

se c

ontr

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alqu

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iscr

imin

ação

ba

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eren

ças

cult

urai

s, c

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cial

, cre

nça,

gên

ero,

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ia

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tras

car

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ríst

icas

indi

vidu

ais

e so

ciai

s;

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dom

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ersa

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pro

cedi

men

tos,

incl

usiv

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ativ

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for

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não-

leta

is, n

o de

sem

penh

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ivid

ade

de M

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ençã

o da

Ord

em e

Seg

uran

ça

Púb

lica

, uti

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ndo-

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ordo

com

os

prec

eito

s le

gais

; -U

tili

zar

dife

rent

es li

ngua

gens

, fon

tes

de in

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e r

ecur

sos

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ológ

icos

par

a co

nstr

uir

e af

irm

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onhe

cim

ento

s so

bre

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ções

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req

uere

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stit

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ofis

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ais

de o

rdem

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egur

ança

púb

lica

; -A

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nd

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sar

– co

mpe

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que

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o

dese

nvol

vim

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do

pens

amen

to p

or m

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da p

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isa

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gani

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o do

con

heci

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to. H

abil

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o of

icia

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for

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crít

ica

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va, a

pos

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nar-

se, a

com

unic

ar-s

e e

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cien

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cçõe

s;

-Ap

ren

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m a

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icaç

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o co

nhec

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res

pons

ável

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lect

ida

e co

nsci

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; -A

pre

nd

er a

ser

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r –

com

petê

ncia

s qu

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imul

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rcep

ção

da r

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dade

, por

mei

o do

con

heci

men

to e

do

dese

nvol

vim

ento

das

pot

enci

alid

ades

indi

vidu

ais:

con

scie

ntiz

ação

261

Page 283: FERNANDO FRANCISCO TSUCANA - TEDE: Página inicial · a sua visão sobre a docência e a inovação no ... não sem sacrifícios. Dela devo todo o amor e carinho ... Escalas profissionais

26

2

de s

ua p

esso

a e

da in

tera

cção

com

o g

rupo

. Cap

acid

ade

de c

onvi

ver

em d

ifer

ente

s am

bien

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ilia

r, p

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soc

ial.

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teú

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-Red

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os à

s se

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fica

s:

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Ciê

ncia

s e

Tec

nolo

gia

Pol

icia

is;

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a de

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s Ju

rídi

cas;

rea

de C

iênc

ias

Soc

iais

e H

uman

idad

es;

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a de

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s E

xact

as e

de

Ges

tão

Áre

as te

mát

icas

-S

iste

mas

, Ins

titu

içõe

s e

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tão

Inte

grad

a em

Seg

uran

ça P

úbli

ca;

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lênc

ia, C

rim

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Con

trol

e S

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l; C

ultu

ra e

Con

heci

men

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Jurí

dico

s;

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alid

ades

de

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tão

de C

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itos

e E

vent

os C

ríti

cos;

-V

alor

izaç

ão P

rofi

ssio

nal e

Saú

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o T

raba

lhad

or;

-Com

unic

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, Inf

orm

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e T

ecno

logi

as P

olic

iais

em

Seg

uran

ça

Púb

lica

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idia

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Prá

tica

Pol

icia

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va;

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ções

, Téc

nica

s e

Pro

cedi

men

tos

em S

egur

ança

Púb

lica

. (A

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a te

mát

ica

“fun

ções

, téc

nica

s e

proc

edim

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s em

seg

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ça

públ

ica”

cor

resp

onde

à c

oncr

etiz

ação

fin

al d

e to

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pro

cess

o de

fo

rmaç

ão d

esti

nado

a c

apac

itar

o o

fici

al d

a po

líci

a co

mo

prof

issi

onal

de

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ranç

a pú

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ra o

des

empe

nho

de s

ua f

unçã

o.

A q

uali

dade

des

se d

esem

penh

o es

tá, c

ontu

do, v

incu

lada

às

com

petê

ncia

s co

gnit

ivas

, ope

rati

vas

e at

itud

inai

s co

ntem

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as

pela

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mai

s ár

eas

tem

átic

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Com

pon

ente

s cu

rric

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da

form

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Com

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Sóc

io-C

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sta

com

pone

nte

visa

pro

porc

iona

r co

ndiç

ões

para

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dese

nvol

vim

ento

ou

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rço

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omia

, acç

ão

refl

exiv

a, in

icia

tiva

, aut

o-ap

rend

izag

em e

res

oluç

ão d

e pr

oble

mas

no

exe

rcíc

io d

a pr

ofis

são,

com

enf

oque

nas

cap

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ades

, ati

tude

s e

com

port

amen

tos

de n

atur

eza

pess

oal,

rela

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al e

soc

ial.

Com

pon

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Cie

ntí

fico

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nol

ógic

a E

sta

com

pone

nte

visa

o d

esen

volv

imen

to d

e co

nhec

imen

tos

(com

petê

ncia

s) q

ue in

tegr

am o

exe

rcíc

io p

rofi

ssio

nal,

no d

omín

io

das

tecn

olog

ias

e ac

tivi

dade

s pr

átic

as (

habi

lida

des)

com

ele

re

laci

onad

as.

Com

pon

ente

Prá

tica

E

sta

com

pone

nte

pode

ser

des

envo

lvid

a em

con

text

o de

for

maç

ão

que

inte

gra

o co

ntex

to r

eal d

e tr

abal

ho, p

or f

orm

a a

perm

itir

o tr

eino

da

s ha

bili

dade

s de

senv

olvi

das

em to

do o

pro

cess

o fo

rmat

ivo,

bem

co

mo

cria

r co

ndiç

ões

que

perm

itam

um

a m

aior

ade

quaç

ão à

s ne

cess

idad

es d

o tr

abal

ho p

olic

ial g

eral

e e

spec

ífic

o.

Val

ores

qu

e a

-A e

duca

ção

em v

alor

es e

stá,

sem

dúv

ida,

no

dom

ínio

da

educ

ação

mor

al,

-A e

duca

ção

em v

alor

es u

ltra

pass

a o

dom

ínio

da

educ

ação

mor

al e

262

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26

3

form

ação

vis

a p

rom

over

no

s li

mit

es d

o de

ver

faze

r;

- A

leal

dade

, a s

olid

arie

dade

, a ju

stiç

a e

o re

spei

to a

o pr

óxim

o -I

mpo

siçã

o de

um

arb

ítri

o cu

ltur

al, d

o ha

bitu

s, d

efin

ido

com

o um

esq

uem

a de

pen

sar,

apr

ecia

r, p

erce

ber

e ag

ir,

dest

inad

o à

inte

graç

ão d

o fo

rman

do à

cu

ltur

a e

valo

res

corp

orat

ivos

.

ampl

ia-s

e pa

ra o

da

étic

a po

rque

art

icul

a-se

em

torn

o de

um

pro

jeto

, nã

o ap

enas

de

um p

rofi

ssio

nal,

mas

de

um s

er h

uman

o;

-Enf

atiz

ar e

pre

ver

as c

ondi

ções

nec

essá

rias

ao

dese

nvol

vim

ento

do

s co

nteú

dos

atit

udin

ais,

pa

rtic

ular

men

te:

patr

ioti

smo,

re

spon

sabi

lida

de,

leal

dade

, di

scip

lina

, en

tusi

asm

o pr

ofis

sion

al,

coop

eraç

ão, i

nici

ativ

a, c

riat

ivid

ade

e os

pre

ceit

os d

e ju

stiç

a, r

espe

ito

à di

gnid

ade

hum

ana

e da

res

pons

abil

idad

e so

cial

; -D

esen

volv

er o

res

peit

o pe

los

cida

dãos

e a

com

unid

ade;

-I

ncen

tiva

r qu

e o

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ando

des

enhe

seu

per

curs

o de

de

senv

olvi

men

to p

rofi

ssio

nal d

entr

o da

inst

itui

ção,

est

imul

ando

o

auto

-ape

rfei

çoam

ento

e a

pre

disp

osiç

ão à

mud

ança

; -F

orta

lece

r at

itud

es p

ara

reco

nhec

er a

impo

rtân

cia

de f

orm

ulaç

ão d

e po

líti

cas

públ

icas

e d

a el

abor

ação

de

plan

eam

ento

na

área

de

segu

ranç

a pú

blic

a.

Ob

ject

ivos

e

con

teú

dos

das

p

ráti

cas

pré

-p

rofi

ssio

nai

s e

do

está

gio

curr

icu

lar

-Sem

ref

erên

cias

de

cont

eúdo

s e

de p

lano

s te

mát

icos

de

real

izaç

ão d

as

prát

icas

pré

-pro

fiss

iona

is;

-Est

ágio

cur

ricu

lar

real

izad

o so

b fo

rma

de “

visi

tas

de e

stud

o”

às u

nida

des

e su

buni

dade

s po

lici

ais;

-P

arti

cipa

ção

de e

stud

ante

s em

act

ivid

ades

pol

icia

is s

em r

etor

no p

ara

a co

mpa

tibi

liza

ção,

har

mon

izaç

ão e

ava

liaç

ão d

o pr

oces

so d

e fo

rmaç

ão.

- P

ráti

cas

pré-

prof

issi

onai

s co

mo

espa

ço d

e fo

rmaç

ão p

ara

o fu

turo

of

icia

l da

Pol

ícia

e u

ma

inst

ânci

a de

pes

quis

a pa

ra o

pro

cess

o de

co

mpr

eens

ão e

inte

rven

ção

na r

eali

dade

; -A

pren

diza

gem

de

com

petê

ncia

s e

habi

lida

des

próp

rias

da

acti

vida

de p

olic

ial;

-P

ress

upõe

-se

que

as p

ráti

cas

pré-

prof

issi

onai

s se

jam

con

stit

uída

s po

r m

ódul

os in

terd

isci

plin

ares

con

stru

ídos

na

base

dos

con

teúd

os

fund

amen

tais

das

dis

cipl

inas

que

cor

pori

zam

cad

a ní

vel c

urri

cula

r do

cur

so p

elos

doc

ente

s de

sses

nív

eis

que

orie

ntam

, tam

bém

, a s

ua

real

izaç

ão p

ráti

ca;

As

prát

icas

pré

-pro

fiss

iona

is v

isam

: -A

rtic

ular

con

heci

men

tos,

hab

ilid

ades

e a

titu

des

em a

mbi

ente

de

actu

ação

pol

icia

l;

-Dar

opo

rtun

idad

e ao

s fo

rman

dos

para

a a

rtic

ulaç

ão p

ráti

ca d

as

dife

rent

es á

reas

de

conh

ecim

ento

s qu

e co

nsub

stan

ciam

o c

urso

; -I

dent

ific

ar a

fini

dade

s em

am

bien

tes

de f

utur

as a

ctua

ções

pol

icia

is;

-Apu

rar

o se

nso

crít

ico,

in

vest

igad

or

e a

auto

nom

ia

pess

oal

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tele

ctua

l dos

for

man

dos;

-D

esen

volv

er

e am

plia

r o

inte

ress

e pe

la

pesq

uisa

ci

entí

fica

e

tecn

ológ

ica.

A

s p

ráti

cas

e o

Est

ág

io v

isa

m:

-Pro

porc

iona

r ao

fo

rman

do

opor

tuni

dade

s de

de

senv

olve

r su

as

263

Page 285: FERNANDO FRANCISCO TSUCANA - TEDE: Página inicial · a sua visão sobre a docência e a inovação no ... não sem sacrifícios. Dela devo todo o amor e carinho ... Escalas profissionais

26

4

com

petê

ncia

s,

anal

isar

si

tuaç

ões

e re

laci

onar

a

form

ação

(o

am

bien

te e

duca

cion

al)

com

a r

eali

dade

do

trab

alho

pol

icia

l;

-Est

imul

ar a

voc

ação

e d

esen

volv

er a

iden

tida

de p

rofi

ssio

nais

; -E

stim

ular

o d

esen

volv

imen

to d

a cr

iati

vida

de,

de m

odo

a fo

rmar

pr

ofis

sion

ais

inov

ador

es,

capa

zes

de a

prim

orar

mod

elos

, m

étod

os,

proc

esso

s e

de a

dopt

ar t

ecno

logi

as e

met

odol

ogia

s al

tern

ativ

as p

ara

o de

senv

olvi

men

to d

os p

roce

ssos

pol

icia

is;

-Pro

pici

ar,

num

a di

alét

ica

teór

ico-

prát

ica;

co

nhec

imen

tos-

habi

lida

des

adec

uar

os c

onte

údo

de e

nsin

o na

Aca

dem

ia p

ara

os

níve

is d

o en

sino

pro

post

o co

mo

habi

lita

ção

do c

urso

de

lice

ncia

tura

(g

radu

ação

) em

Ciê

ncia

s P

olic

iais

de

form

a cr

ític

a e

refl

exiv

a.

Ori

enta

ção

teór

ico-

met

odol

ógic

a

-Uum

a vi

são

mar

cada

men

te

técn

ica

e ap

lica

cion

ista

da

fo

rmaç

ão

prof

issi

onal

, sus

tent

ada

por

uma

peda

gogi

a tr

ansm

issi

va;

- F

avor

ecer

a a

rtic

ulaç

ão, a

alt

ernâ

ncia

e o

equ

ilíb

rio

entr

e te

oria

e

prát

ica;

-R

efer

enci

al te

óric

o-m

etod

ológ

ico

do c

urrí

culo

bas

eado

em

um

pa

radi

gma

que

conc

ebe

a fo

rmaç

ão e

a c

apac

itaç

ão c

omo

um

proc

esso

com

plex

o e

cont

ínuo

de

dese

nvol

vim

ento

de

com

petê

ncia

s, e

stim

ulan

do o

s of

icia

is d

a P

olíc

ia a

bus

care

m a

ac

tual

izaç

ão p

rofi

ssio

nal n

eces

sári

a pa

ra a

com

panh

ar a

s ex

igên

cias

da

soc

ieda

de c

onte

mpo

râne

a re

laci

onad

as à

sua

áre

a de

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uaçã

o e

ao d

esem

penh

o da

s su

as f

unçõ

es, t

orna

ndo-

se, a

ssim

, com

pete

ntes

e

com

prom

etid

os c

om a

quil

o qu

e es

tá n

o ca

mpo

de

acçã

o da

sua

pr

átic

a pr

ofis

sion

al. (

Sch

ön, 2

000)

. -N

a vi

são

da f

orm

ação

pre

tend

ida,

o e

nsin

o é

ente

ndid

o co

mo

um

proc

esso

que

req

uer

uma

acçã

o in

tenc

iona

l do

form

ador

, par

a qu

e oc

orra

a p

rom

oção

da

apre

ndiz

agem

, a (

re)c

onst

ruçã

o do

co

nhec

imen

to e

a a

prop

riaç

ão c

ríti

ca d

a cu

ltur

a po

lici

al e

labo

rada

, co

nsid

eran

do a

nec

essi

dade

de

padr

ões

de q

uali

dade

e d

e ab

rang

ênci

a do

s pr

incí

pios

éti

cos

e de

onto

lógi

cos;

-O

s pr

oces

sos

de (

re)c

onst

ruçã

o do

con

heci

men

to e

stão

re

laci

onad

os à

cap

acid

ade

de a

pren

der

cont

inua

men

te e

env

olve

m,

entr

e ou

tras

, as

capa

cida

des

de a

náli

se, s

ínte

se, c

ríti

ca e

cri

ação

, a

part

ir d

a ex

plor

ação

de

dife

rent

es p

ersp

ecti

vas

na in

terp

reta

ção

da

real

idad

e, f

rent

e a

desa

fios

e s

itua

ções

pro

blem

atiz

ador

as

rela

cion

adas

à á

rea

de a

ctua

ção

do o

fici

al d

a P

olíc

ia;

-Pro

porc

iona

r a

part

icip

ação

“ac

tiva

” do

s fo

rman

dos

por

mei

o de

ac

tivi

dade

s qu

e fa

vore

çam

a r

efle

xão

sobr

e a

prát

ica,

env

olve

ndo

264

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26

5

mec

anis

mos

inte

ncio

nais

que

pos

sibi

lite

m a

ref

lexã

o an

tes,

dur

ante

e

após

a a

cção

.

Art

icu

laçã

o en

tre

a A

CIP

OL

e a

s u

nid

ades

e

sub

un

idad

es d

a P

olíc

ia

-Def

icie

nte

arti

cula

ção

entr

e a

AC

IPO

L e

as

unid

ades

e s

ubun

idad

es d

a P

olíc

ia n

o co

ncer

nent

e às

nec

essi

dade

s, o

bjec

tivo

s e

proc

esso

de

form

ação

do

s fu

turo

s of

icia

is d

a P

olíc

ia;

-Fal

ta d

e um

a ba

se c

omum

par

a de

term

inar

as

dire

ctri

zes

de f

orm

ação

de

ofic

iais

da

Pol

ícia

par

a os

dif

eren

tes

ram

os e

esp

ecia

lida

des

da P

olíc

ia;

-Fal

ta d

e in

stru

men

to q

ue v

incu

le a

par

tici

paçã

o es

pecí

fica

das

uni

dade

s e

subu

nida

des

poli

ciai

s no

pro

cess

o de

for

maç

ão d

os f

utur

os o

fici

ais

-Fav

orec

er

um

ambi

ente

de

fo

rmaç

ão

aber

ta,

cont

empl

ando

ac

tivi

dade

s qu

e pr

opor

cion

em

aos

form

ando

s o

cont

acto

e

o in

terc

âmbi

o co

m t

odos

os

órgã

os d

a P

olíc

ia e

de

segu

ranç

a pú

blic

a,

com

unid

ades

, or

gani

zaçõ

es

da

soci

edad

e ci

vil,

inst

itui

ções

de

en

sino

, bib

liot

ecas

; -C

riar

con

diçõ

es p

ara

que

o of

icia

l da

Pol

ícia

, co

mo

prof

issi

onal

da

área

de

segu

ranç

a pú

blic

a, p

ossa

: -A

mpl

iar

conh

ecim

ento

s pa

ra:

com

pree

nder

a v

isão

sis

têm

ica

da

segu

ranç

a pú

blic

a, a

s in

stit

uiçõ

es, o

s pr

ofis

sion

ais

e as

pol

ític

as e

as

acçõ

es v

olta

das

para

a s

ocie

dade

e o

cid

adão

; -E

xerc

itar

ha

bili

dade

s pa

ra

anal

isar

e

opin

ar

sobr

e as

po

líti

cas

públ

icas

e p

lane

amen

to n

a ár

ea d

e se

gura

nça

públ

ica.

265

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266

O quadro 11 apresenta a proposta de princípios pedagógicos funcionais para a

formação policial, desenvolvidos com inspiração na pedagogia crítica. Os princípios da

pedagogia crítica enfatizam foco no processo de aprendizagem; a construção de redes

de conhecimento que promovam a integração, a cooperação e a articulação entre

diferentes instituições; as diversas modalidades de ensino; os diferentes tipos de

aprendizagem e recursos; o desenvolvimento de competências cognitivas, operativas e

afectivas; a autonomia intelectual72 e a reflexão antes, durante e após as acções.

72 Autonomia Intelectual - “Adaptabilidade do profissional, isto é, sua possibilidade de agir em situações diferentes, de gerir incerteza e de poder enfrentar as mudanças no exercício da sua profissão.” (PAQUAY et al. 2001, p. 32 apud ALTET 1992).

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267

Quadro 11: Proposta de Princípios Pedagógicos Funcionais para a formação policial

N/O PRINCÍPIO

PEDAGÓGICO CONTEÚDO ESSENCIAL

01 Integração com a comunidade

No centro da formação do cadete deve estar contemplado o objectivo do mesmo actuar com a comunidade profissional da polícia e de todo o sistema de segurança pública, visando as necessidades da comunidade global (população).

02 Postura mais activa do estudante

O estudante deve estar no centro da aprendizagem, participando activamente em todas as actividades da sua formação.

03 Postura mais facilitadora, mediadora do docente

O docente deve desenvolver acções de ensino que incidem nas dimensões activas e interactivas dos estudantes, discutindo e orientando-os nos caminhos de busca, escolha e análise das informações, contribuindo para que sejam desenvolvidos estilos e estratégias de estudo, pesquisa e socialização do que foi apreendido. Insere-se, ainda, o esforço em propiciar situações de aprendizagem que sejam mobilizadoras da produção colectiva do conhecimento.

04 Indissociabilidade Ensino-Pesquisa

Docência voltada à orientação do estudante para a construção do seu conhecimento por meio da pesquisa. Observa-se que, na ACIPOL interagem diferentes modelos de docência: o do pesquisador com total dedicação à academia e uma sólida formação científica; o do professor reprodutor do conhecimento e o do professor que se dedica à actividade acadêmica, mas carece de uma formação consistente para a produção e socialização do conhecimento. A institucionalização de práticas de formação docente torna-se, assim, fundamental.

05 Avaliação como feedback, numa concepção formativa

Nessa perspectiva, a avaliação é tomada como meio de aprendizagem e não um fim em si mesma. A avaliação oferece o norte para melhor conduzir a aprendizagem dos estudantes e o próprio PEA. A feedback constante garante a certeza da interlocução na relação aluno-professor.

06 Desenvolvimento docente na formação interprofissional

Como parte de sua filosofia, a instituição deve envolver o docente, ao dar responsabilidade e reconhecimento pelo debate crítico, desenvolvimento e revisões necessárias ao curso, formados por eixos composto por módulos distintos a serem trilhados pelos estudantes. O saber profissional de cada um deve ser partilhado para o projecto comum. A formação e desenvolvimento do corpo docente deve ser parte integrante da filosofia institucional.

07 Formação compartilhada e integrada

A formação do oficial da Polícia não pode ser feita através de uma única área de conhecimento. Ela integra várias áreas e várias sensibilidades. Assim, também é novo para o professor sair da métrica disciplinar e colocar-se no diálogo com colegas oriundos de outros campos disciplinares, relativizando suas certezas e acreditando ser possível e necessário (re)conhecer as dinâmicas do saber, fazer e ser em formação policial.

Fonte: Autor, inspirado em princípios da Pedagogia crítica de Giroux (1997), Mclaren (1997), Schön

(2000)

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268

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo revela que a inquietação da missão back stopping e do relatório do

diagnóstico interno desenvolvido no âmbito da elaboração do Plano Estratégico da

ACIPOL (PEACIPOL), se justifica nas lacunas que o currículo do curso de

Licenciatura (graduação) em Ciências Policiais oferecido pela ACIPOL apresenta.

Os dados da pesquisa mostram que o currículo do curso de formação

profissional para os futuros oficiais da Polícia revela uma ênfase excessiva no controle

do crime em uma estratégia exclusivamente reactiva da Polícia, e dirigida

principalmente para o confronto, apontando deficiências, na área da actividade

preventiva, com enfoque na negociação de conflitos e no relacionamento directo com o

cidadão para a co-produção da segurança; evidencia-se, igualmente, uma clara

insuficiência na preparação do oficial da Polícia, para o trato de outras demandas e

interesses da população que não estejam restritas apenas ao cumprimento da lei, mas

que dizem respeito à manutenção da ordem pública pela via das parcerias, participação

e negociação.

A área de Ciências e Tecnologia Policiais, que constitui o núcleo central do

curso, ao contrário das restantes, apresenta baixo índice de organização e de

funcionamento, devido à falta de docentes e formadores próprios, e à escassez de

bibliografia e meios de ensino para o suporte das matérias leccionadas. Mais

preocupante ainda é que grande parte dos conteúdos leccionados nas diversas

disciplinas da área policial, pela sua falta de profundidade e abrangência, não é

adequada ao nível superior.

Quanto ao processo pedagógico, caracteriza-se por deficiente entrosamento

entre as áreas científicas definidas no currículo, as quais se mantêm estanques,

fragmentadas, isoladas umas das outras, e pelo uso excessivo do método expositivo em

sala de aula, em detrimento de espaços de aula e da cooperação com os sectores da

actividade policial real.

As idéias dos oficias investigados sobre as possibilidades do aprimoramento na

formação dos oficiais divergem, com os oficiais mais antigos (comandantes) a

defenderem uma formação mais rígida e voltada para os aspectos doutrinários,

disciplinares e tácticos da corporação, e os oficiais mais novos a defenderem uma

formação mais aberta, com conteúdos e métodos que tenham em conta a dinâmica

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social actual. Porém, todos defendem que o currículo deve ser melhorado e a formação

deve estar articulada com a prática policial real.

Assim, antes que se proponham currículos e metodologias, cumpre levar em

conta que a formação policial em Moçambique ainda é marcada por uma concepção

autoritária do emprego da Polícia, e que os próprios polícias não estão isentos de

valores culturais de uma sociedade fortemente preconceituosa e hierarquizada (Da

Matta, 1979).

A discussão dos dados da pesquisa e as propostas (possibilidades) que são

apresentadas consideram, portanto, que não se trata de formar apenas os polícias que

entrarão na Polícia doravante (formação inicial), mesmo porque estes poucos que

entrariam (em relação à totalidade dos polícias em actuação em Moçambique hoje), não

fariam muita diferença nem mesmo a médio prazo. Mais que tudo, trata-se de realizar a

formação continuada dos polícias já “formados” anteriormente, para desconstruir

paradigmas de pensamento e acção dentro de uma nova concepção, em que todos os

cidadãos, inclusive os polícias, independentemente da sua condição social, sejam vistos

como sujeitos de direitos e destinatários da protecção da Polícia.

A formação do oficial da Polícia, por conseguinte, é aqui vista de uma

perspectiva democrática e crítica, fundamentando-se nas seguintes premissas: a

política de emprego da Polícia numa sociedade democrática é parte da política geral de

efectivação e promoção da cidadania e da universalização dos direitos; a Polícia é um

serviço público para a protecção e defesa da cidadania; o fundamento da autoridade

policial é a sua capacidade de administrar e solucionar conflitos.

A Polícia, portanto, não é neutra nem imparcial, por definição: é a favor da lei e

da ordem e contra aqueles que a querem infringir ou perturbar. A tarefa de law

enforcement, que vai fundar essa função institucional, refere-se sempre à imposição

universal – igual para todos – de uma determinada regra de conteúdo perfeitamente

identificável por todos e de expressão literal, acertada como de vigência consensual em

um determinado local (DA MATTA, 1979, p.193).

Os dados da pesquisa permitem afirmar que a formação dos polícias tem que

incluir processos de socialização acadêmica e profissional que os actualizem em

termos de procedimentos vigentes de construção da verdade e de administração de

conflitos.

A metodologia, ou melhor, a dinâmica da formação escolarizada é mais

importante do que os currículos enquanto intencionalidades formais. A formação do

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polícia entre nós tem sido tradicionalmente centrada na idéia de “treinamento” ou

“instrução”, onde se busca a padronização de procedimentos, na base de repetições

mecânicas, reproduzindo uma ideologia marcadamente repressiva e punitiva, retirando

dos polícias a capacidade reflexiva diante de situações complexas, como as questões da

delinqüência juvenil, da adolescência, das drogas, da descriminação social, do gênero,

do idoso, da criminalidade violenta, da preservação da Paz e outras. Em suma,

condiciona-se o polícia para obedecer ordens irreflexivamente.

Se a primeira e mais substantiva função legítima da Polícia constitui a

administração e solução de conflitos do cotidiano, é evidente que a esta função devem

estar subordinadas as demais, por definição secundárias. Assim, tanto a reconstrução da

verdade dos factos pela investigação destinada a esclarecê-los e a punir eventuais

transgressores da lei, quanto a repressão explícita necessária e a contenção de

comportamentos individuais ou colectivos que põem em risco a segurança de todos,

devem se constituir em procedimentos previsíveis e conseqüentes, decorrentes de uma

política de segurança pública baseada na inevitabilidade do conflito e na necessidade de

sua administração para o exercício pleno da cidadania na sociedade estruturada

juridicamente em Estado moderno, de Direito e Democrático.

Formados para exercer com competência e zelo esta função, devem os oficiais

da Polícia e os demais polícias, acima de tudo, estar seguros e cientes de que a teoria,

na prática não pode ser outra, mas que os princípios explícitos que informam a

segurança pública, a ser implementada por seus agentes, devem ser aplicados por todos

a todos, de maneira universal, constituindo-se sua transgressão em acto ilegítimo que

não pode ser caracterizado nem sustentado pelos valores que pretendem perenizar a

desigualdade e a exclusão na sociedade moçambicana, em nome de uma concepção

idealizada e anacrônica de uma sociedade sem conflitos.

Relacionando as opiniões dos oficiais da Polícia investigados, os dados da

pesquisa e a orientação para a especialidade preconizada pelo currículo revisto,

podemos concluir que os conhecimentos específicos, por actividade, como investigação

criminal e criminalística, ou técnicas de abordagem e outras que corporizam os perfis

de saída do currículo revisto, aos quais fizemos alusão no capítulo III, seriam

enfatizados e consolidados em cursos técnicos ou de especialização profissional

propriamente dita, numa perspectiva integrada. Tais cursos, no entanto, teriam que ser

fundados e desenvolvidos como partes subsequentes da formação inicial.

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Esta socialização especializada, entretanto, certamente encontrará dificuldades

adicionais, uma vez que os polícias, tanto nos ramos quanto nas unidades de operações

especiais e de reserva quanto ainda em áreas de processos policiais, estão

hierarquizados de forma excludente e elitizada, com comandantes, chefes e oficiais no

topo, e sargentos e guardas na base, respectivamente, o que não é estranho para uma

corporação policial paramilitar como a PRM.

Porém, para retroalimentar todo o sistema em termos de pessoal qualificado, e

universalizar a formação, por um lado, e especializá-la, por outro, os cursos deviam ser

oferecidos de acordo com critérios de mérito em relação às habilitações específicas

dos candidatos às funções. Assim, a hierarquia e a disciplina da Polícia – muito

reclamada pelos oficiais mais antigos – estariam fundamentadas em valores coerentes,

não se pressupondo que o comandante seja aquele que tudo sabe, que melhor

habilitação tem para administrar com eficiência e legitimidade a acção colectiva.

Essa formação, realizada de acordo com os preceitos que o estudo propõe,

objectivaria capacitar os futuros oficiais da Polícia para o desempenho da sua função

em estrita observância dos cânones norteadores da função policial numa sociedade

democrática. Além disso, visaria preparar os futuros oficiais para actuarem com

responsabilidade e bom senso, compreendendo a importância do seu papel social, onde

deve-se destacar sua habilidade em administrar ou dirimir conflitos através da

combinação de técnicas operativas com as discursivas e de negociação pela persuasão e

argumentação, só recorrendo à coerção com uso de força física ou tecnológica em caso

de extrema necessidade e dentro dos preceitos legais.

Finalmente, tal formação também transmitiria a aprendizagem que caracteriza a

produção de conhecimentos científicos – verdades e factos – de acordo com os

princípios correntes na validação da produção científica e contemporânea.

Deste modo, o presente estudo também levanta a proposição de que os cursos

deveriam ter um núcleo básico de formação que não se estruturasse simplesmente em

torno de disciplinas que repassassem conteúdos acabados, mas que transformasse a

organização actual de áreas científicas em eixos de aprendizagem. Haveria de ter,

além das disciplinas e módulos, seminários e actividades práticas. Disciplinas técnicas

complementares e cursos para actividades especiais completariam a formação do oficial

da Polícia.

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Estariam previstos desdobramentos periódicos do curso – as práticas pré-

profissionais – tanto no sentido horizontal – de consolidação das aprendizagens

realizadas – quanto no vertical – de aprofundamentos temáticos e pesquisa,

introduzindo, de facto, um projecto de formação continuada e articulada com a prática,

que permita ao futuro oficial reciclar-se contínua e permanentemente. Assim, as

práticas pré-profissionais e o estágio curricular seriam um elo articulador, por

serem interpretados como um ponto convergente entre a teoria e a prática, percebendo-as como um elo “equilibrador” no ajustamento natural do estudante, no sentido de melhor receber adequação e entendimento das exigências técnico-profissionais e éticas da área policial na qual terá de atuar (LIMA & OLIVO, 2007, P.51).

Na abordagem crítica conhecida como práxis (prático-teórica), preconiza-se que

o processo de formação (ensino e aprendizagem) esteja calcado na metodologia

participativa, em que os fundamentos teóricos, geralmente discutidos em diferentes

espaços de aula, funcionando o formador (docente) como orientador e estimulador das

discussões, se complementam com actividades práticas concretas da realidade

profissional, que poderão ser estudos de caso, análise de vídeos sobre actuações

policiais reais, participação orientada e acompanhada em missões operacionais, entre

outras.

A pesquisa revela que falta instrumento regulador do estágio e das práticas pré-

profissionais (regulamento do estágio e práticas pré-profissionais) que indique o que se

entende por estágio na formação policial, como ele deve decorrer, bem como os actores

vinculados.

A teoria estudada e os resutados da pesquisa mostram que os saberes do fazer

são tão ou mais exigentes, inteligentes e dignos que os saberes do saber. Boa parte da

qualificação dos oficiais da Polícia de Moçambique ainda ocorre de acordo com as

dinâmicas da aprendizagem corporativa. Para nós, essa idéia, que vem tomando corpo

desde que iniciou a formação superior em Ciências e Tecnologia Policiais, é

conservadora. Nós formadores policiais, como actores críticos e reflexivos,

visualisamos o modelo de formação integral como a opção mais se aproxima às

necessidade de formação profissional no contexto de Moçambique, pois é algo

“científico” e garante resultados mais sólidos em termos de competências e domínio

de conhecimentos e habilidades por parte do oficial graduado (BARATO, 2003, p.20).

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Considera, igualmente, que se o espaço para a formação não valorizar a

dignidade das pessoas que serão responsáveis por garantir a segurança de outras

pessoas, elas poderão reproduzir o desrespeito aos seus pares e aos cidadãos, quando

estiverem na actividade-fim.

Por fim, apresentamos como proposta para discussão a necessidade de se

estabelecer uma Matriz Curricular Nacional contendo preceitos que fundamentem a

concepção das acções formativas para os oficiais da Polícia, e para todos os polícias,

como profissionais da área de segurança pública, entendidas como um processo aberto,

complexo e diversificado que reflecte, desafia e provoca transformações na concepção

e implementação das políticas de segurança pública, contribuindo para a (re)construção

de novos paradigmas culturais e estruturais.

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DOCUMENTOS OFICIAIS DE MOÇAMBIQUE Academia de Ciências Policiais (ACIPOL). Plano Estratégico da ACIPOL, Maputo, 2007. MEC Ministério da Educação e Cultura, Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Nº. 9.394 1996. Ministério do Interior (MINT). Plano Estratégico da PRM, Maputo, 2003. Ministério do Interior (MINT). Análise da situação criminal nas cidades de Maputo e Matola de 2000 a 2007, Maputo, 2007. Moçambique. Assembleia da República. Lei nº 19/92, de 31 de Dezembro: Cria a Polícia da República de Moçambique ( PRM). Moçambique. Assembleia da República. Lei nº 17/97: Política Nacional de Defesa e Segurança. Moçambique. Assembleia da República. Lei nº 16/2013, de 12 de Agosto, Lei da Polícia da República de Moçambique e revoga a Lei nº 5/88, de 27 de Agosto, e Lei nº 19/92, de 31 de Dezembro. Moçambique. Boletim oficial nº 113, I Série, 1974. Moçambique. BR nº 37, I Série, 2° Suplemento, de 16 de Setembro de 1993. Moçambique. BR nº 60, I Série, de 26 de Maio de 1979. Moçambique. Decreto nº 24/99 de 19 de Maio: Estatutos da Academia de Ciências Policiais. Moçambique. Decreto nº27/99 de 24 de Maio: Aprova o Estatuto Orgânico, o Quadro de Pessoal, o Quadro de Funções de Comando, Direcção e Chefia e os Organigramas da PRM. Moçambique. Decreto nº28/99, de 24 de Maio: Aprova o Estatuto de Polícia. Moçambique. Diploma Ministerial nº 68/2001: publica o Estatuto Orgânico do Ministério do Interior. PEACIPOL, vol.I, diagnóstico da situação interna, 2006, p. 11.

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ANEXOS

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Relação dos anexos

Anexo Conteúdo

1 Ficha 1- inquérito sobre as actividades realizadas por um comandante de

esquadra: tipo de complexidade, dificuldade de execução e frequência de

tarefas que são solicitadas diariamente a um comandante de esquadra

2 Ficha 2 - inquérito sobre as actividades realizadas por um comandante de

esquadra: tipo de dificuldade de execução e frequência de tarefas que são

solicitadas diariamente a um comandante de esquadra.

3 Roteiro de entrevista dos participantes do nível central da PRM

4 Roteiro de entrevista dos participantes do nível provincial (comandantes

provinciais da PRM e directores da Ordem)

5 Guião de debate (entrevista) dos grupos focais 1 e 2

6 Questionário sobre as actividades realizadas por um cadete estagiário na

esquadra da PRM

7 Questionário dirigido aos graduados (egressos) da ACIPOL

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Anexo 1

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INQUÉRITO SOBRE AS ACTIVIDADES REALIZADAS POR UM COMANDANTE DE ESQUADRA1

FICHA 1

(Documento de pesquisa)

Este questionário destina-se a determinar o tipo de complexidade, dificuldade de execução e

frequência de tarefas que são solicitadas diariamente a um comandante de esquadra.

Este inquérito é anônimo, pelo que não deve escrever o seu nome, assinar ou rubricar neste

documento em qualquer lugar.

Este questionário é constituído por duas colunas:

Coluna 1: As competências, qualificações e solicitações exigidas a um comandante de

esquadra.

Coluna 2: Tempo despendido na realização das tarefas enunciadas na coluna 1.

Nos quadros seguintes estão tipificadas algumas tarefas relacionadas com as diferentes

actividades exigidas a um comandante de esquadra, durante a gestão diária de um

serviço.De acordo com o quadro da direita, atribua a cada uma delas a importância que

considera adequada em termos de solicitação dos seus conhecimentos teórico e práticos

adquiridos durante a sua formação policial.

Para tal deve formular previamente a seguinte questão:

Exemplo: Nas actividades de organização de uma esquadra, as tarefas de planificação

requerem........................................................................................................... 1 2 3 4 5

1

TIPOS DE QUALIFICAÇÕES OU COMPETÊNCIAS

EXIGIDAS DURANTE A GESTÃO DIÁRIA DE UM

SERVIÇO OPERACIONAL

Qual o tempo despendido nas actividades descritas?

Nunca Nenhum significativo Algum Muito

1 2 3 4 5

A. Organização da esquadra

1. Tarefas de planificação da actividade operacional; 1 2 3 4 5

2. Tarefas realizadas na aplicação do regulamento

disciplinar da PRM;

1 2 3 4 5

3. Tarefas realizadas no âmbito da gestão logística da

esquadra; 1 2 3 4 5

4. Tarefas de análise e despacho do expediente diário

elaborado;

1 2 3 4 5

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2

5. Tarefas solicitadas por outros serviços da PRM; 1 2 3 4 5

6. Elaboração das escalas de serviço diário e

extraordinário;

1 2 3 4 5

7. Tarefas de âmbito civil e administrativo; 1 2 3 4 5

B. Gestão de Pessoal2

8. Supervisão da actividade operacional (execução de

serviço);

1 2 3 4 5

9. Análise dos relatórios e sugestões do pessoal

policial; 1 2 3 4 5

10. Implementação dos melhoramentos que

considerou importantes realizar após a análise dos

relatórios e sugestões apresentadas;

1 2 3 4 5

11. Propostas de louvor ao pessoal, nos termos do

Regulamento disciplinar da PRM; 1 2 3 4 5

12. Reuniões de preparação de uma actividade ou

missão operacional; 1 2 3 4 5

C. Gestão do tempo de um comandante de esquadra

13. Gestão da própria agenda diária; 1 2 3 4 5

14. Manutenção dos mesmos níveis operacionais de

comando em condições de stress; 1 2 3 4 5

D. Actividades de Planeamento e Concepção

15. Planeamento e concepção de actividades de

carácter social (palestras, conferências, festas); 1 2 3 4 5

16. Planeamento e concepção de rojectos de âmbito

policial; 1 2 3 4 5

17. Planeamento e concepção de discursos e

intervenções em público; 1 2 3 4 5

18. Planeamento e execução de Normas de Execução

Permanente (NEP´s);

1 2 3 4 5

19. Planeamento e execução de peritagens; 1 2 3 4 5

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Muito obrigado pela colaboração

3

E. Relações Privadas ou institucionais

20. Contactos com instituições privadas da sua área

de jurisdição (competência);

1 2 3 4 5

21. Contactos com instituições públicas da sua área

de jurisdição (competência); 1 2 3 4 5

22. Porta-voz perante a comunicação social; 1 2 3 4 5

23. Análise da imprensa diária; 1 2 3 4 5

24. Execução e realização de palestras, conferências e

seminários; 1 2 3 4 5

25. Representação da PRM junto à comunidade local; 1 2 3 4 5

26. Participação em reuniões e comissões de

trabalho; 1 2 3 4 5

F. Competências Operacionais3

27. Planeamento e elaboração de relatórios de

missões operacionais; 1 2 3 4 5

28. Execução de uma missão operacional de rotina; 1 2 3 4 5

29. Execução de operações especiais (intervenção em

casos de terrorismo, crime organizado, seqüestro,

tráfico de pessoas, etc.). 1 2 3 4 5

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Anexo 2

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INQUÉRITO SOBRE AS ACTIVIDADES REALIZADAS POR UM COMANDANTE DE ESQUADRA

FICHA 2

(Documento de pesquisa)

Este questionário destina-se a determinar o tipo de dificuldade de execução e frequência de

tarefas que são solicitadas diariamente a um comandante de esquadra.

Este inquérito é anônimo, pelo que não deve escrever o seu nome, assinar ou rubricar neste

documento em qualquer lugar.

Para cada tipo de tarefa, classifique-a, marcando com círculo a proposta que considera

adequada, de acordo com a seguinte escala (veja o exemplo).

Quanto à dificuldade de execução:

1-Sem dificuldade; 2- De difícil execução; 3- De muito difícil execução

Quanto à freqüência:

1-Pouco freqüente (menos de 3 vezes por mês); 2- Frequente (entre 4 e 10 vezes por mês);

3- Muito frequente (mais de 10 vezes por mês).

TAREFAS Das tarefas enunciadas, classifica-as de acordo com:

Dificuldade de execução

Frequência

Tarefas judiciais

0 Exemplo: “Lavrar peças de expediente” 1 2 3 1 2 3

1 Notificações de tribunais 1 2 3 1 2 3

2 Pedidos de comparência 1 2 3 1 2 3

3 Audição de testemunhas ou arguidos 1 2 3 1 2 3

4 Pedidos de mandatos de busca 1 2 3 1 2 3

5 Pedidos de tribunais cíveis 1 2 3 1 2 3

6 Notificações para comparência no

hospital de vítimas de violência 1 2 3 1 2 3

7 Pedidos de notificação de argüidos ou

testemunhas 1 2 3 1 2 3

8 Cumprimento de mandatos de

condução ao tribunal 1 2 3 1 2 3

9 Cumprimento de mandatos de captura 1 2 3 1 2 3

Tarefas administrativas

10 Elaboração de expediente 1 2 3 1 2 3

11 Autos de denúncia (queixas) 1 2 3 1 2 3

12 Autos de detenção 1 2 3 1 2 3

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13 Correcção do expediente elaborado

pelos agentes 1 2 3 1 2 3

14 Despacho do expediente 1 2 3 1 2 3

15 Transmissão de ordens ou informações 1 2 3 1 2 3

16 Serviço de protecção a altas

individualidades 1 2 3 1 2 3

17 Elaboração de Normas de Execução

Permanente 1 2 3 1 2 3

18 Operações de auto stop 1 2 3 1 2 3

19 Elaboração de autos de transgressão 1 2 3 1 2 3

20 Autos de apreensão 1 2 3 1 2 3

21 Fiscalização de excesso de velocidade 1 2 3 1 2 3

22 Fiscalização de álcool 1 2 3 1 2 3

23 Identificação de suspeitos 1 2 3 1 2 3

24 Autos de detenção 1 2 3 1 2 3

25 Buscas a residências 1 2 3 1 2 3

26 Elaboração de participações de

acidentes 1 2 3 1 2 3

27 Controle de manifestações e alterações

da ordem pública 1 2 3 1 2 3

28 Segurança a espetáculos públicos 1 2 3 1 2 3

29 Segurança a eventos desportivos 1 2 3 1 2 3

30 Actividades de investigação criminal 1 2 3 1 2 3

31 Análise de situação criminal da área de

jurisdição 1 2 3 1 2 3

32 Elaboração de mapas estatísticos de

criminalidade 1 2 3 1 2 3

33 Análise do relatório do serviço de

guarda 1 2 3 1 2 3

34 Condução de detidos 1 2 3 1 2 3

35 Participações disciplinares 1 2 3 1 2 3

36 Elaboração de processos disciplinares 1 2 3 1 2 3

37 Supervisão da actividade do pessoal 1 2 3 1 2 3

38 Organização de processos de

averiguações 1 2 3 1 2 3

39 Ministrar instrução militar 1 2 3 1 2 3

40

Ministrar instrução permanente (novas

informações e legislação recentemente

aprovada)

1 2 3 1 2 3

41

Supervisão ou passar revista ao

fardamento e ao equipamento

individual do pessoal

1 2 3 1 2 3

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42 Supervisão do estado de conservação

do equipamento da esquadra 1 2 3 1 2 3

43 Elaboração de relatórios de rondas ou

serviços 1 2 3 1 2 3

44 Supervisão do serviço de secretaria 1 2 3 1 2 3

45 Supervisão e inspecção das instalações

de detenção 1 2 3 1 2 3

46 Elaboração e controle de escalas de

serviço 1 2 3 1 2 3

47 Elaboração e controle de escalas de

serviço extraordinário 1 2 3 1 2 3

48 Resposta a petições do pessoal 1 2 3 1 2 3

49 Elaboração e controle de mapas de

férias 1 2 3 1 2 3

50 Delimitação e controle de rondas 1 2 3 1 2 3

51 Supervisão da operacionalidade do

equipamento 1 2 3 1 2 3

52 Controle das viaturas e dos

equipamentos de comunicação 1 2 3 1 2 3

53 1 2 3 1 2 3

Muito obrigado pela sua colaboração

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Anexo 3

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Roteiro de entrevista do nível central

I - Dados Individuais do entrevistado:

1. Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

2. Idade:

3. Naturalidade: Província (.......)

4. Estado Civil: Solteiro (......); Casado (.......); Divorciado (......); Viúvo (......).

5. Escolaridade:

Secundário (......)

Bacharel (......)

Licenciatura (......)

Pós-Graduação (......)

II - Dados Profissionais:

1. Ano de ingresso na corporação: _______

2. Escola de formação: Nacional_________; Estrangeira:________

3. Ocupação anterior: ________

III. Questões preliminares

1. Que se lembra do seu processo de formação policial (disciplinas, instrutores, relação

instrutor e instruendo; espaço físico de formação)?

2. Em que sector mais dedicou- se no trabalho policial?

3. Como avalia sua formação policial em relação a actual (diferenças e pontos

comuns)?

4. Qual foi o papel ou missão da polícia que aprendeu na sua formação e qual é o

actual?

5. Qual é para si o verdadeiro trabalho policial (antes ou agora)? justifique

6. O que é um bom e um mau policial?

IV. Questões específicas

1. O que acha que deve ser melhorado na formação dos polícias?

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2. Tomando em consideração que participou do processo da criação da ACIPOL que

metas tinham sido traçadas ou planificadas para a concepção de um novo polícia ou

de uma nova polícia?

3. E como avalia profissionalmente esse grupo de jovens recém formados pela

ACIPOL como resultado dessa planificação?

4. (Que competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) você acha que os

polícias deveriam ter ao final de sua formação (superior) na ACIPOL)?

5. Acredita que a formação profissional na Academia de Polícia poderá reflectir na

qualidade dos profissionais da segurança e do serviço prestado? Justifique

6. Que expectativas se tinham em relação à formação dos policiais de nível superior

(ACIPOL)?

7. Acha que essas expectativas estão sendo correspondidas pelos recém formados na

ACIPOL?

8. Acha que devia haver algum envolvimento das unidades e subunidades operativas

da Polícia no processo de formação de oficiais feita pela ACIPOL? Se sim, de que

forma?

9. O que acha do estágio feito pelos cadetes durante a formação? (em termos de

organização, duração, locais de realização, acompanhamento e envolvimento dos

oficiais operativos).

10. Que sugestões poderia dar para melhorar a formação na ACIPOL, incluindo a

realização do estágio?

11. Qual é a opinião, em geral, dos dirigentes dos sectores que já receberam graduados

da ACIPOL, sobre o desempenho destes?

12. Considera o corpo docente da ACIPOL preparado para o ensino e pesquisa em

ciências policiais? E o que da situação de ser um corpo docente misto (polícias e

civis)?

13. Como avalia as pesquisas desenvolvidas pelos estudantes no final e ao longo do

curso na ACIPOL?

14. Que imagem você acha que a sociedade tinha e tem da polícia (antes e depois da

criação da ACIPOL)? Por quê?

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Anexo 4

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Roteiro de entrevista do nível provincial

(comandantes provs. da PRM e directores da Ordem)

I - Dados Individuais do entrevistado:

1. Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )

2. Idade:

3. Naturalidade: Província (.......).

4. Estado Civil: Solteiro (......); Casado (.......); Divorciado (......); Viúvo (......).

5. Escolaridade:

Secundário

Bacharel

Licenciatura

Pós-Graduação (Mestrado, doutorado ou especialização)

II - Dados Profissionais:

6. Ano de ingresso na corporação: _______

7. Escola de formação: Nacional_________; Estrangeira:________

8. Ocupação anterior: ________

III. Questões preliminares

1. Que se lembra do seu processo de formação policial (disciplinas, instrutores,

relação instrutor e instruendo; espaço físico de formação)?

2. Em que sector mais dedicou- se no trabalho policial?

3. Como avalia sua formação policial em relação a actual (diferenças e pontos

comuns)?

4. Qual foi o papel ou missão da polícia que aprendeu na sua formação e qual é o

actual?

5. Qual é para si o verdadeiro trabalho policial (antes ou agora)? justifique

6. O que é um bom e um mau policial?

IV. Questões específicas

1. O que acha que deve ser melhorado na formação dos polícias?

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2. Tomando em consideração que acompanhou o processo da criação da ACIPOL

que expectativas tinha sobre o desempenho dos polícias e da polícia?

3. Já teve a oportunidade de trabalhar directamente e interagir com os graduados da

ACIPOL?

4. E como avalia profissionalmente esse grupo de jovens recém formados pela

ACIPOL como resultado dessa interacção?

5. Em que áreas de actividades policiais (operativas, administrativas e de ligação

com a comunidade) você acha que os polícias formados na ACIPOL têm bom

domínio?

6. Que competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) você acha que os

polícias deveriam ter ao final de sua formação (superior) na ACIPOL?

7. Que expectativas se tinham em relação à formação dos policiais de nível

superior (ACIPOL)?

8. Acha que essas expectativas estão sendo correspondidas pelos recém formados

na ACIPOL?

9. Acha que devia haver algum envolvimento das unidades e subunidades

operativas da Polícia no processo de formação de oficiais feita pela ACIPOL? Se

sim, de que forma?

10. O que acha do estágio feito pelos cadetes durante a formação? (em termos de

organização, duração, locais de realização, acompanhamento e envolvimento

dos oficiais operativos).

11. Que sugestões poderia dar para melhorar a formação na ACIPOL, incluindo a

realização do estágio?

12. Considera o corpo docente da ACIPOL preparado para o ensino e pesquisa em

ciências policiais? E o que acha da situação de ser um corpo docente misto

(polícias e civis)?

13. Que assuntos você acha que os cadetes deveriam pesquisar no final e durante o

curso?

14. Que imagem você acha que os polícias mais antigos têm com relação aos recém

formados pela ACIPOL? (são bem aceites e integrados, são estigmatizados e

rotulados, etc.) Justifique.

15. Que imagem você acha que a sociedade tinha e tem da polícia (antes e depois da

criação da ACIPOL)? Por quê?

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Anexo 5

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Guião de debate: grupos focais 1 e 2

I - Dados Individuais dos participantes:

1. Quantos participantes (......)

2. Sexo: Masculino (......) Sexo Feminino (......)

3. Escolaridade: Bacharel (......); Licenciados (......); Pós-graduados (......); Mestres

(......); Doutorados (......); Pós.doutorados (......); Cadetes (......).

4. Membros da PRM há mais de: 2 anos (......); 5 anos (.....); 10 anos (......); 15 anos

(......); 20 anos (.....).

II - Dados Profissionais:

1. Área profissional actual: docência (......); operativa (......); administrativa (......);

área de apoio (......); fora da PRM (......); em formação (......).

2. Escola de formação: Nacional (......); Estrangeira (......).

3. Área de formação: policial (......); Jurídica (......); ciências sociais (......);

Humanidades (......); Exactas (......); gestão (......); outras (......).

III - Questões específicas

1. O que acha que deve ser melhorado na formação dos polícias?

2. Como acha que devia ser organizado o estágio curricular? E as práticas pré

profissionais?

3. Quem acha que deve participar na organização, realização e avaliação do estágio

e das práticas pré-profissionais?

4. Como é que as diferentes áreas e disciplinas do currículo podem participar no

estágio e nas práticas pré-profissionais?

5. O currículo revisto da ACIPOL considera a existência de actividades

curriculares e actividades extra-curriculares. Qual é a sua opinião sobre essa

classificação?

6. Considera o corpo docente da ACIPOL preparado para o ensino e pesquisa em

ciências policiais? E o que acha da situação de ser um corpo docente misto

(polícias e civis)?

7. Que competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) você acha que os

polícias deveriam ter ao final de sua formação (superior) na ACIPOL?

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Anexo 6

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Inquerita sabre as actividades realizadas par urn cadete estagiaria na

esquadra da PRM

Ficha 4

A

Este inquerito destina-se a determinar 0 tipo de complexidade, dificuldade de

execucao e frequencla de tarefas que sao solicitadas diariamente a um cadete

estagiario na Esquadra. Os resultados serao usados para elaborar a proposta de

organlzacao do estagio dos cadetes da ACIPOL.

B

Este inquerito e confidencial, pelo que nao deve escrever 0 seu nome, assinar ou

rubricar este documento em qualquer lugar,

c Este inquerito e constitufdo per quatro areas:

J.

II.

III.

IV.

Area de organtzacao da Esquadra

Area operativa da esquadra

Area de Investigacao Criminal

Area da PoHcia de Transite

D

Em cada area indique pelo menos cinco actividades que acha terem sido dificeis de

executar durante 0 teu estaglo na Esquadra,

Tarefas de planlflcacao da actividade operacional; Tarefas de analise e despacho do

expediente diario elaborado; Elaboracao das escalas de service diarlo e extraordinarlo:

Tarefas de Iiga<;ao com a comunidade da zona de jurisdicao da Esquadra; Tarefas de

lnstrucao das forcas operativas; Tarefas realizadas na aplicacao do regulamento

disciplinar da PRM na Esquadra;

1

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II

Tarefas de oficial de Perrnanencia: Planeamento de missoes operacionais

(planeamento operativo); Elaboracao de relat6rios de missoes operacionais; Execucao

de mlssees operacionais de rotina (buscas, capturas, proteccao aos locais de crime,

etc.); Analise da sltuacao criminal da area da esquadra.

III

lnstrucao de processos crimina is; Notlficacoes de tribunais; audlcao de testemunhas

ou arguidos; Pedidos de mandados de busca a residencias: Pedidos de identiflcacao de

arguidos ou testemunhas; cumprimento de mandados de conducao ao tribunal; etc.

IV

Operacoes de auto-stop; Elaboracao de autos de transgressao: Hscallzacao do transito

em geral; Hscallzacao de excesso de velocidade; Hscallzacao de alcool aos

automobilistas; Fiscalizacao de veiculos com registos viciados (falsos); Elaborar;:ao de

partlclpacoes de acidentes de vlacao: Participacao em peritagens de acidentes de

viacao: etc.

2

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v Que outras actividades acha que os cadetes deveriam realizar na Esquadra durante 0

estagio?

Que actividades ou rnaterias relacionadas com 0 trabalho pratico da polfcia acha que

os cadetes deveriam aprender na Academia antes de irem ao estaglo?

Qual ea sua oplnlao sobre 0 acompanhamento do estaglo pelos docentes da Academia

e pelos oficiais da Esquadra?

VI

Qual e 0 seu ponto de vista (opintao) pessoal sobre 0 conteudo, a organlzacao e 0

perfodo de realizacao do estagio?

Muito obrigado pela colaboracaol

3

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Anexo 7

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ANEXO. 5: Egressos da ACIPOL

Este inquerito econfidencial, pelo que nao deve escrever seu nome nem qualquer outro

dado que possa concorrer para a identificacao do inquirido. Os dados constantes deste

inquerito serao usados exclusivamente para elaborar as propostas de inovacao no

curriculo de formacao em ciencias policiais oferecida pela ACIPOL e do estagio

curricular do mesmo curso. Agradece-se a sua colaboracao em opiniao para rnelhorar a

formacao dos oficiais da PRM.

1- Dados Individuais do Inquirido:

1. Sexo: Masculino C ) Feminino C )

2. Idade:

3. Naturalidade: Provincia C ).

4. Estado Civil: Solteiro C ); Casado C....... ); Divorciado C......); Viuvo C· .. ...) .

5. Escolaridade:

Licenciatura

Pos-Graduacao C ), Mestrado C ), Doutorado C )

Especializacao C )

II - Dados Profissionais:

6. Ano de ingresso na PRM: _

7. Ocupacao anterior ao ingresso na PRM: _

III. Questoes preliminares

1. Em que sector mais dedicou- se no trabalho poJicial depois do seu curso de

formacao?

2. Como avalia 0 enquadramento dos graduados da ACIPOL nas areas

operacionais da PRM?

1

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3. Qual e a avaliacao que faz entre 0 que aprendeu durante a formacao e as

exigencies policiais concretas?

4. Qual epara si 0 verdadeiro trabalho policial? Justifique.

5. 0 que eurn born e um mau policial?

IV. Questoes especificas

1. Opiniao sobre a formacao na ACIPOL: a formacao que recebeu na ACIPOL correspondeu as suas expectativas e permite responder as exigencias

profissionais actuais?

2. Em que e que a formacao que recebeu na ACIPOL ajuda nas suas funcoes

actuais?

3. Em que aspectos e que a formacao que recebeu na ACIPOL e forte e em que

aspectos efragil?

2

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4. Lembrando todo 0 curso, 0 que mais te marcou: pela positiva e pela negativa?

5. Em que aspectos a formacao deveria incidir mais: • Que aspectos ou materias acha s que deveriam ser introduzidos ou

acrescentados na formacao em ciencias policiais?

• Que rnaterias ou aspectos achas que poderiam ser dispensados da

formacao em ciencias policiais?

• Que actividades encontraste na pratica e que achas que deveriam ser ensinadas na ACIPOL?

• Em que actividades encaras mais dificuldades no sector onde estas a

trabalhar neste momento?

3

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6. Oplniao sobre 0 estagio curricular: tem se dito que a formacao que a ACfPOL oferece e mais teorica e nao esta vinculada apratica policial concreta. Concorda com essa opiniao? Argumente.

• Qual e a sua opiniao sobre 0 estagio que os cadetes realizam durante 0

curso em termos de: organizacao,

• locais de realizacao,

• 0 momento ou lugar do estagio no currlculo,

4

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• participacao dos sectores operativos onde se realiza e avaliacao - forma de realizacao e peso nos resultados da formacao.

Qual e a sua opiniao sobre 0 curriculo do curso de licenciatura em ciencias policiais em termos de irnportancia para 0 trabalho que reaJizas neste momento:

• 0 tipo das materias abordadas,

• os metodos de formacao,

• duracao do curso,

o regime de internato e as actividades praticas.

7. Opiniao sobre 0 enquadramento pes-formacao

• Achas que a ACIPOL poderia tel' algum papel ou opiniao sobre 0

enquadramento dos graduados? Se sim, qual?

5

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8. Tern algurna opiniao a acrescentar, que nao tenha side incluida neste inquerito? POl' favor, registe-a.

Muito obrigado pela colaboracao!

6