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JANEIRO A MARÇO 2018 ANO XXIV BRASÍLIA DF ISSN 1517-6959 ORDENAMENTO JURÍDICO O que o profissional deve saber para a proteção animal? ENSILAGEM Alternativa para nutrição ENTREVISTA Francisco Cavalcanti de Almeida Presidente do CFMV 76 A zoonose assusta os centros urbanos. Uma vacina está sendo desenvolvida também para a proteção dos macacos FEBRE AMARELA Médica veterinária brasileira descreve novas espécies de tamanduaí e torna-se referência mundial

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JANEIRO A MARÇO 2018

ANO XXIV BRASÍLIA DF

ISSN 1517-6959

ORDENAMENTO JURÍDICO

O que o profissional deve saber para a proteção animal?

ENSILAGEMAlternativa para

nutrição

ENTREVISTA

Francisco Cavalcanti de Almeida Presidente do CFMV

76

A zoonose assusta os centros urbanos. Uma vacina está sendo desenvolvida também para a proteção dos macacos

FEBRE AMARELA

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Médica veterinária brasileira descreve novas espécies de tamanduaí e torna-se referência mundial

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nº 76Janeiro a Março 2018

CAPA26 A febre amarela e os primatas não humanos

5 ENTREVISTAFrancisco Cavalcanti de Almeida - Presidente do CFMV

8 A gente não sabe que ama o ovo

12 O ensino sobre animais selvagens no Brasil

15 CFMV em ação

16 Destaques CFMV

19 Legislação em pauta

20 CFMV na mídia

21 Proteção animal no ordenamento jurídico nacional: o que o profissional deve saber?

31 A importância do médico veterinário nas vigilâncias epidemiológica e ambiental

36 Fraturas do acetábulo em pequenos animais

40 Descrição de espécies: um campo de atuação em aberto

46 Ensilagem

56 Aspectos da agalaxia contagiosa no Brasil

60 O papel do Comitê de Ética em Experimentação Animal

63 Ações educativas esclarecem e valorizam a Medicina Veterinária

66 Em dia com a fiscalização

67 Suplemento científico

84 Opinião

SUMÁRIO

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46

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Conselho Federal deMedicina VeterináriaSIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140Brasília-DF – CEP 71205-060Fone: (61) [email protected] ExecutivaPresidenteFrancisco Cavalcanti de AlmeidaCRMV-SP nº 1012Vice-PresidenteLuiz Carlos Barboza TavaresCRMV-ES nº 0308Secretário-GeralNivaldo da SilvaCRMV-MG nº 0747TesoureiroHelio BlumeCRMV-DF nº 1551ConselheirosConselheiros EfetivosCícero Araújo PitomboCRMV-RJ nº 3562Francisco Atualpa Soares JúniorCRMV-CE nº 1780João Alves do Nascimento JúniorCRMV-PE nº 1571José Arthur de Abreu MartinsCRMV-RS nº 2667Therezinha Bernardes PortoCRMV-MG nº 2902Wendell José de Lima MeloCRMV-PB nº 252/ZConselheiros SuplentesAntonio Guilherme Machado de CastroCRMV-SP nº 3257Fábio Holder de Morais Holanda CavalcantiCRMV-AM nº 41/ZIrineu Machado Benevides FilhoCRMV-RJ nº 1757Nestor WernerCRMV-PR nº 0390Paula Gomes RodriguesCRMV-SE nº 047/ZWanderson Alves FerreiraCRMV-GO nº 0524Conselho EditorialPresidenteNivaldo da SilvaCRMV-MG nº 0747Líder da Assessoria de Comunicação Lisiane CardosoEditorRicardo Junqueira Del CarloSubeditoraFlávia ToninRevista [email protected] Junqueira Del CarloCRMV-MG no 1759Jornalista ResponsávelFlávia ToninMTB no 039263/SPCapaBonach Comunicação/Pixabay.comDiagramaçãoBonach ComunicaçãoImpressãoEsdeva Indústria Gráfica

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A Revista CFMV é trimestral e destina-se à divulgação de ações do CFMV, de

promoção da educação continuada e de valorização da Medicina Veterinária e

da Zootecnia. Distribuída a todos os profissionais atuantes e adimplentes.

Está disponível em www.cfmv.gov.br. É indexada na base de dados Agrobase.

AGRIS L70 CDU619 (81)(05)

É permitida a reprodução de artigos da revista, desde que seja citada a fonte. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores, não representando, necessariamente, a opinião do CFMV. As fotos enviadas serão automaticamente cadastradas no banco de imagens do CFMV com o devido crédito. Os artigos também poderão ser disponibilizados no Seres Banco de Conhecimento da Medicina Veterinária e Zootecnia.

Valorização profissional

Francisco Cavalcanti de AlmeidaPresidente do CFMV

EDITORIAL

Com muita motivação, transparência e inovação, iniciamos a ges-tão 2017-2020 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). Agradecemos a receptividade de todos os que nos apoia-

ram nessa empreitada, como também daqueles que aceitaram participar desta gestão em suas diversas câmaras, comissões e representações. Es-peramos desenvolver um trabalho que valorize cada vez mais a Medicina Veterinária e a Zootecnia perante a sociedade.

Exemplo dessa valorização está em várias matérias reportadas nesta edição da Revista CFMV, como o trabalho da médica veterinária que descreveu novas espécies de tamanduaí, mostrando um campo de atuação em que podemos fazer a diferença. Destacamos também o texto sobre a febre amarela, que traz os esforços de médicos veterinários para o desenvolvimento de uma vacina destinada a macacos, evitando, assim, que sejam dizimadas espécies nativas. É a Medicina Veterinária mostrando seu comprometimento com a Saúde Única e a biodiversidade.

Em relação à produção animal, a publicação traz um especial sobre a ensilagem, enfatizando diversos aspectos, desde a escolha dos cultivares, produção do material, conservação até o trato estratégico. Em suas páginas, a revista aborda, ainda, temas técnicos de cães e ovinos, além de importante material no caderno científico.

Todo esse trabalho é pensado com o objetivo de levar informação relevante para a educação continuada de nossos profissionais, além de informá-los sobre as ações e legislações do CFMV. Esperamos que aproveite!

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ENTREVISTA

Francisco Cavalcanti de Almeida

Em sua posse, o senhor enfatizou que “esta é a casa do

médico veterinário e do zootecnista”. Como gostaria

que os profissionais enxergassem o Sistema CFMV/CR-

MVs a partir de sua gestão?

O CFMV é o local máximo de representação de nossas classes, então a casa é do colega. Ele contribui exatamente para ter essa casa em sua defesa profissio-nal, exercendo a missão de fiscalizar, orientar, supervi-sionar e disciplinar o exercício profissional, bem como assessorar os governos federal, estadual e municipal em suas políticas públicas ligadas à Medicina Veteri-nária e Zootecnia, assegurando a preservação e con-servação do meio ambiente, o bem-estar animal e o fornecimento de proteína animal saudável para consu-mo da população. Essa é nossa missão, destacando-se o posicionamento político, econômico e social. Reafir-mamos: esta é a casa do médico veterinário e esta é a casa do zootecnista, portanto participem e prestigiem sua casa.

Quais eixos ou temas serão mais trabalhados nas ações

do CFMV?

Valorizar o Sistema CFMV/CRMVs. Em 23 de ou-tubro deste ano, a Lei nº 5.517/1968 completa 50 anos e merece de todo o Sistema um olhar especial, focando na importância política, econômica e social das nossas profissões.

A unificação do Sistema CFMV/CRMVs é uma impor-

tante bandeira defendida pelo senhor, cujas ações já se

iniciaram com a realização da primeira Câmara Nacio-

nal de Presidentes. Qual é a maior demanda dos presi-

dentes do Sistema?

A maior demanda é reestruturar o Sistema CFMV/CRMVs como um todo. É importante ressaltar nossa missão nobre como Sistema: a ética. Durante a Câ-mara Nacional de Presidentes, vimos claramente as deficiências e as dificuldades que alguns conselhos regionais têm para executar esse trabalho. Muito em-bora o art. 10 da Lei nº 5.517/1968 afirme autonomia administrativa e financeira dos conselhos regionais,

Médico veterinário, graduado pela Universidade Federal

Fluminense, de Niterói (RJ), tem em seu currículo ampla atuação

no combate à febre aftosa no Brasil. Ocupou cargo de chefe

do Grupo de Produção Animal (GEPA) e médico veterinário

do Grupo Estadual de Combate à Febre Aftosa no Estado de

São Paulo (GECOFA/SP). Também foi titular da Delegacia

Federal de Agricultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento de São Paulo (Mapa/SP) e dirigiu o Departamento

de Defesa Agropecuária da Coordenadoria de Assistência Técnica

Integral da Secretaria de Agricultura do estado. Em 2006,

assumiu pela primeira vez como presidente do Conselho Regional

de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP),

mantendo-se como presidente até 2015. Em dezembro de 2017,

tomou posse como presidente do Conselho Federal de Medicina

Veterinária (CFMV), sob os motes de criatividade, inovação e

transparência.

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Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 2018 5

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ENTREVISTA

estamos reestruturando o CFMV, com consequente visão para os regionais, pois a mesma lei, em seu art. 16, diz ser de responsa-bilidade do CFMV, mediante re-soluções, a fiel interpretação e execução da lei.

Os médicos veterinários passam

a assumir cada vez maior núme-

ro de postos na saúde pública.

Como valorizar a profissão para

que a sociedade reconheça que

esse profissional possui o co-

nhecimento para atuar na saú-

de do coletivo?

Sem dúvida, é importantíssi-ma essa missão. Aliás, a comuni-dade necessita conhecer nosso trabalho, que visa sempre à pre-venção. A comunicação torna-se hoje o ponto essencial de valori-zação do médico veterinário e do zootecnista perante a sociedade. Assim, nosso foco está dirigido para a comunicação, utilizando todos os veículos possíveis, des-de o rádio até as redes sociais. Teremos muito trabalho nesse segmento e é importante que os profissionais acompanhem e nos ajudem nessa divulgação!

O que merecerá destaque na sua

atenção à formação dos futuros

médicos veterinários?

Essa é uma preocupação constante do CFMV. Não podemos pensar que vamos parar com a

nicação do conselho levar ao conhecimento do profissional e da sociedade esse trabalho existente. Nós temos represen-tantes no Conselho Nacional de Saúde, temos aproximação com o Conselho Nacional de Edu-cação, Ministério de Meio Am-biente, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e vá-rias câmaras, além de represen-tações internacionais, como na Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), Panvet e Associa-ção Mundial de Medicina Vete-rinária, e uma aproximação com outros conselhos federais da área da saúde. Nosso objetivo é levar a mensagem da Medicina Veterinária e Zootecnia nesse trabalho conjunto.

A gestão tem sinalizado um maior

número de atividades e ações

para a Zootecnia. Qual apoio es-

pera desses profissionais?

Estamos de portas abertas. É uma profissão irmã, filiada

criação de cursos, mas temos que pensar na formação dos colegas médicos veterinários. Temos uma visão de que o curso deveria ser de seis anos, com tempo integral, e os últimos seis meses de está-gios obrigatórios. É um sonho, mas talvez o ideal. Não podemos ser apenas vistos como “o médico dos pets”. Nossa profissão é muito mais abrangente e envolve o rei-no animal como um todo, respei-tando suas diversas modalidades de exploração política, econômica e social e assegurando a saúde e o bem-estar únicos.

Nessa questão da educação,

como também em outras esfe-

ras de governo, o CFMV tem

trabalhado em parceria com

outros órgãos?

Sim. É dever nosso assegurar parcerias com todos os organis-mos nacionais e internacionais que envolvem a Medicina Ve-terinária e a Zootecnia. Hoje, essa visão é fato. Cabe à comu-

É importantíssima a missão na saúde pública. A comunidade necessita conhecer nosso trabalho que visa sempre a prevenção.

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 20186

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ENTREVISTA

ao Sistema CFMV/CRMVs e de suma importância para o agro-negócio brasileiro. Temos certe-za de que juntos seremos cada vez mais fortes.

Qual mensagem gostaria de dei-

xar para os profissionais neste

início de gestão?

Que se valorizem, que sejam realmente profissionais compro-metidos com suas profissões, com o meio ambiente e com a socie-

dade como um todo. Somos duas profissões muito importantes na balança comercial e no agrone-gócio. Portanto, os colegas preci-sam ter orgulho disso; somos um tijolinho na economia nacional. O Brasil está prestes a ser declarado pela OIE como livre de febre aftosa com vacinação. Foram mais de 60 anos de trabalho das profissões e de mensagens de conscientiza-ção aos produtores rurais. É uma doença que afeta a economia do

país, como também os níveis de produção de leite e carne, por isso a importância de sua erradicação. Foram nossos colegas que alcan-çaram esse feito! O mesmo para a liderança brasileira nas expor-tações de carne, que tem por trás muito trabalho da tecnologia e inspeção, além do colega que le-vou essa mensagem à indústria e ao campo. Portanto, colega, tenha orgulho do que você é. Você é im-portante e essencial!

T Diretores e conselheiros da gestão 2017-2020 em evento comemorativo de posse

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A GENTE NÃO SABE QUE

AMA O OVOA confiança nos produtores, nas

autoridades sanitárias e nas políticas praticadas no setor não

pode ser abalada

Quando se pensa em um alimento de alto valor nutricional, a lembrança imediata recai sobre os ovos, que possuem significativas quanti-

dades de proteína, vitaminas e minerais, fundamen-tais para o desenvolvimento e manutenção da vida. Também é fator de importância seu elevado índice de biodigestibilidade proteica (97%), sendo a que mais pode ser aproveitada pelo organismo humano, dentre os alimentos de origem animal. Outro ponto é seu pre-ço acessível, importando conhecer os pontos de venda e evitar perdas por má conservação, inclusive na resi-dência dos consumidores.

Por ser um alimento popular, muitas pessoas têm ideias equivocadas sobre sua qualidade e conserva-ção. Um bom exemplo é acreditar que, quanto mais avermelhada ou amarelada for a coloração da gema, melhor será sua qualidade e mais nutritivo será o ovo.

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ALIMENTOS

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CHINA - MAINLAND

ESTADOS UNIDOS

ÍNDIA

MÉXICO

BRASIL

JAPÃO

RÚSSIA

INDONÉSIA

UCRÂNIA

TURQUIA

452.17100.88

75.9751.34

44.8141.7

41.3128.87

19.3917.15

Na verdade, a cor da gema está relacionada com a raça ou a quantidade de pigmentos carotenoides ingeridos pelas aves. Outra questão está ligada à cor da casca, que é um fator relacionado às raças das aves poedeiras e nada reflete na qualidade menor ou maior do ovo, sob o ponto de vista alimentar.

O ovo também desperta interesse por possuir vários mecanismos de proteção às agressões do meio ambien-te, necessários para livrar o futuro embrião, no caso de ovos galados (fecundados), de possíveis contaminações, principalmente de origens física e microbiológica.

Aproveitando essas características de resistência ao ambiente, o consumo de ovos nem sempre obedece a critérios técnicos que impeçam sua deterioração pre-coce, como no caso da comercialização desprovida de refrigeração. De fato, os comerciantes, percebendo que esse alimento animal não se deteriora com facilidade, ex-põem-no a condições que podem acelerar reações quí-micas, tanto da clara quanto da gema, reduzindo o tempo de validade do produto. A refrigeração auxilia muito a durabilidade e segurança do alimento, embalado ou não.

Na rotulagem dos ovos, além dos dizeres exigidos para alimentos, devem constar expressões como “o consumo deste alimento cru ou malcozido pode causar danos à saúde” e, ainda, “manter os ovos preferencial-mente refrigerados”. Além disso, o registro e rotulagem devem obedecer às normativas vigentes, constando, por exemplo, a data de validade. Sendo assim, a reco-mendação para o consumidor é manter fora da geladei-ra caso o uso seja imediato ou no máximo em dois a

três dias, uma vez que, na maioria das vezes, já vem do ponto de venda sem estar refrigerado. No entanto, se o consumo acontecer em prazos maiores, o ideal é manter sob refrigeração, mas na parte interna e não na porta da geladeira, evitando que o alimento sofra variações de temperatura na abertura e fechamento da geladeira, que podem alterar sua qualidade e segurança.

Como é um alimento muito rico em proteínas, está sujeito à ação das bactérias que podem invadir a casca ou mesmo ser contaminado durante a formação no in-terior da ave. Nestes casos, o controle do médico veteri-nário na produção primária é fundamental, prevenindo possíveis doenças das aves e promovendo as boas prá-ticas no manejo dos animais.

Após a postura, os ovos podem perder qualidade por ação deletéria do ambiente ou de manipuladores; nes-

T A refrigeração auxilia na durabilidade e segurança do alimento

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Figura 1. Lista dos maiores

produtores de ovos, por país (2014).

Fonte: https://www.statista.com/statistics/263971/top-

-10-countries-worldwide-in-egg-production/

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sa etapa da produção, a inspeção acontece por “ovos-copia”, que tem por finalidade verificar se o alimento reúne condições de segurança para ser embalado e dis-tribuído para comercialização. Nela, é possível observar parasitas, corpos estranhos, manchas de sangue, posi-ção anormal da gema, uniformidade da casca e outros aspectos que complementam a análise macroscópica e determinam se o produto é seguro para consumo.

OVOS CONTAMINADOS POR FIPRONIL NA EUROPA E O APRENDIZADO PARA O BRASIL

Segundo o chefe de uma indústria de processamen-to de ovos da Bélgica, em setembro de 2016, uma das 14 amostras analisadas foi positiva para “traços resi-duais de fipronil”. A quantidade de inseticida detectada foi abaixo de 5 µg/kg e considerada quantidade resi-dual, segundo as normativas europeias. Nada foi obser-vado nos meses seguintes e ovos foram comprados por vários países consumidores. De janeiro a maio de 2017, o fipronil foi encontrado em dez das 35 amostras ana-lisadas (28,6%), embora abaixo do limite considerado seguro pelas normativas europeias.

A crise iniciou-se em agosto de 2017, quando um detergente contendo fipronil (DEGA-16), entrou em contato com aves de postura e ocasionou a contamina-ção de dúzias de milhões de ovos. O produto comercial

DEGA-16 é natural, consistindo de men-tol e eucalipto, utilizado para controle

de piolhos em galinhas poedeiras e considerado seguro para uso e consumo humano. Um total de 18 países da União Europeia, além da

Suíça, Líbano, Hong Kong, entre ou-tros, foi afetado pelos ovos contamina-

dos com fipronil. Esse produto faz parte do grupo químico

dos pirazóis e possui ação no sistema nervoso central dos insetos, sendo comumente utilizado no controle de pulgas, carrapatos e piolhos de animais de compa-nhia. Embora aprovado para uso em cães e gatos, sua utilização em animais que entram na cadeia alimen-tar humana, incluindo aves de granjas, é proibida pela Comissão Europeia. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) considera-o “moderadamente perigoso”.

O caso europeu veio à tona após constantes de-sencontros entre os países produtores e consumidores, provocando a retirada de milhões de ovos dos super-mercados, particularmente, alemães e holandeses.

A SEGURANÇA DOS OVOS NO BRASILO Brasil é um dos maiores produtores de ovos do

mundo (Figura 1), com uma produção de 39,2 bilhões de unidades e consumo per capita de 190 ovos por ano, em 2016. O controle de contaminantes químicos de ovos e outros alimentos de origem animal produzi-dos no país é feito pelo Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC/Animal), ferramenta de gerenciamento de risco adotada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Os testes

T Ovos contaminados por fipronil foram comercializados na Europa

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Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201810

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REFERÊNCIAS

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC No 35, de 17 de junho de 2009. Dispõe sobre a obrigatoriedade de instruções de conservação e consumo na rotulagem de ovos e dá outras providências.

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Instrução Normativa Nº 22, de 24 de novembro de 2005. Aprova o Regulamento Técnico para Rotula-gem de Produto de Origem Animal embalado.

Ministério da Agricultura e do Abastecimento (MAPA). Instrução Normativa No 09, de 21 de fevereiro de 2017. Publicar o plano de amostragem e limites de referên-cia para o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Animal - PNCRC de 2017 para as cadeias de carnes bovina, suína, capri-na, ovina, equina, coelho, aves, avestruz, de leite, pescado, mel e ovos.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Listas de ingredientes ativos com uso autorizado e banidos no Brasil.

Secretaria de Defesa Agropecuária e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Instrução Normativa Conjunta No 1 sobre a aplicação dos ingredientes ativos Imidacloprido, Clotianidina, Tiametoxam e Fipro-nil no controle parasitário agrícola.

AUTORES

COMISSÃO NACIONAL DE ALIMENTOS (CNAL/CFMV) GESTÃO 2014-2017 COMISSÕ[email protected]

VALÉRIA ROCHA CAVALCANTI (PRESIDENTE)Médica veterináriaCRMV-PB nº 0729

ALEXANDER WELKER BIONDOMédico veterinárioCRMV-PR nº 6203

GISELA CORNELLA HUTTENMédica veterináriaCRMV-RJ nº 2759

MARILI GRAMOLINI GARCIA WINCKLERMédica veterináriaCRMV-MT nº 1053

RICARDO MOREIRA CALILMédico veterinárioCRMV-SP nº 0846

incluem ampla gama de drogas veterinárias autoriza-das (para as quais é testado o atendimento dos limites aplicáveis) e proibidas, incluindo alguns antibióticos, hormônios, antiparasitários, agrotóxicos, contaminantes inorgânicos, micotoxinas e dioxinas.

No Brasil, o fipronil é liberado para algumas situa-ções – ainda que seja considerado altamente tóxico pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sobretudo para peixes, pássaros e invertebrados aquáti-cos. É considerado moderadamente tóxico para peque-nos mamíferos. Apesar de não fazer parte da lista de substâncias de uso proibido, possui limite máximo de 20 µg/kg em ovos, ou seja, é um contaminante casual do produto, principalmente por uso na agricultura.

No ano de 2016, segundo a Anvisa, um total de 451 amostras de ovos foi analisado para aditivos quí-micos, tendo sido 12 (2,66%) consideradas não con-formes (11 por antimicrobianos e uma por dioxinas). No entanto, apenas cinco amostras de produtos ani-mais foram analisadas para fipronil, sendo quatro de músculo e uma de mel, sem ter sido testada nenhuma amostra de ovo.

Além disso, a Anvisa autoriza o princípio ativo do F43, fipronil para uso inseticida, formicida e cupinicida, particularmente para aplicação no solo em cultivos de batata, cana-de-açúcar e milho e nas folhas das cultu-ras de algodão, arroz, eucalipto e soja, dentre outros. Em 17 de março de 2017, foi lançada a Consulta Pública nº 322 para uso como preservante de madeira.

A Secretaria de Defesa Agropecuária e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lançaram, em 28 de dezembro de 2012, a Instrução Normativa Conjunta nº 1 sobre a aplicação dos ingredientes ativos imidacloprido, clo-tianidina, tiametoxam e fipronil no controle parasitá-rio agrícola, pois essas substâncias podem ser noci-vas às abelhas.

CONSIDERAÇÕES FINAISA qualidade dos ovos depende de boas práticas de

manejo de aves de postura, na coleta de ovos na granja e no adequado acondicionamento e transporte, além de cuidados no entreposto e na distribuição.

O Brasil deve evitar o exemplo da Europa, onde o produto foi direcionado para a sanidade das aves (con-trole de ácaros), sem a adequada avaliação do impacto na segurança dos ovos.

T O fipronil pode ser utilizado como pesticida e seu uso não tem sido recomen-dado em culturas, como o milho, acusado de provocar mortalidade em abelhas

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EDUCAÇÃO

O ENSINO SOBRE ANIMAIS SELVAGENS NO BRASIL

A atuação de forma responsável e ética na manutenção da vida no mundo, promovendo a conservação da biodiversidade, o desenvolvimento sustentável e a saúde do planeta, só poderá ser desenvolvida na sua amplitude se o tema animais selvagens for abordado de forma ampla, relevante e igualitária nos currículos de Medicina Veterinária e Zootecnia do país

A Medicina Veterinária e a Zootecnia de animais selvagens vêm se tornando cada vez mais im-portantes no âmbito socioeconômico nacional.

Antigamente, a prática restringia-se à medicina, nutri-ção e manejo de animais de zoológico. Atualmente, as vertentes são inúmeras: clínicas médica e cirúrgica, res-gate de fauna, nutrição, reprodução, conservação, bem--estar, zoonoses, biossegurança e vigilância ambiental, desenvolvidas em centros de triagem de fauna silvestre e de reabilitação da fauna silvestre nativa, comércio, criadouros, abatedouros e frigoríficos, zoológicos, aquá-

rios, pesquisa e ensino, biotérios, mantenedores de fauna (santuários), associações, indústria,

órgãos fiscalizadores, entre outros. Diversas faculdades de Medicina Veteri-

nária e Zootecnia do Brasil disponibilizam dis-ciplinas, cursos de especialização, residência e atualização em animais selvagens. Linhas de

pesquisa vêm sendo consolidadas e as publi-cações multiplicam-se e envolvem as mais de

47 mil espécies de vertebrados do planeta.

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T O tema animais selvagens é abordado em disciplinas de 80 instituições públicas e 69 privadas

Cento e cinquenta cursos de Medicina Veteri-nária e Zootecnia participaram do levantamento organizado pela Comissão Nacional de Animais Sel-vagens do Conselho Federal de Medicina Veteriná-ria (CNAS/CFMV) e os dados das respectivas grades curriculares referem-se ao ano de 2016. Alguns as-pectos não foram informados pelas instituições de ensino superior, mas as informações possuem gran-de relevância, pois trata-se da primeira amostragem com essa abrangência.

O tema animais selvagens é abordado em discipli-nas de 80 instituições públicas e 69 privadas – quatro não informaram. A maior parte das instituições está si-tuada na região Sudeste (72 instituições), sendo 41 des-tas de natureza privada.

NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL

Pública Privada Não informada

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40

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30

25

20

15

10

5

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Gráfico 1. Instituições de ensino superior envolvidas com a temática animais selvagens em sua grade curricular, quanto à sua natureza jurídica, por região.

Gráfico 2. Identificação das disciplinas relacionadas com a temática animais selvagens e ofertadas nos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia, por região.

Gráfico 3. Número de disciplinas, por temas abordados na área de animais selvagens, ofertadas nos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia no Brasil.

Foi identificada grande variedade no nome das disciplinas que contemplam aspectos estudados para construir as competências nessa área e isso é justifica-do pela amplitude de atuação dos médicos veterinários e zootecnistas nesse âmbito. Foram referenciadas cerca de oito formas diferentes de mencionar a área nas matri-zes curriculares, sendo os termos citados: manejo, cria-ção, medicina, clínica, conservação, animais selvagens e animais silvestres, com associação frequente deles.

A maior parte da denominação das disciplinas en-volve o termo “manejo” (59 disciplinas), tendo sido os termos “clínica” e “medicina” usados em 43 disciplinas. Conservação foi tema abordado em 19 disciplinas. Essa diversidade de nomes pode ser justificada pelo direcio-namento dado à matéria, que é influenciado pelas parti-cularidades das diferentes regiões do país.

NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL

Manejo (criação)Medicina (clínica)Manejo + conservação

Medicina + conservaçãoNão informadoConservação

Animais selvagensManejo + medicinaConservação + manejo+ medicina

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10

8

6

4

2

0

As disciplinas envolvendo a temática são mais ofertadas nos últimos períodos dos cursos de duas re-giões (Sudeste e Sul), porém 83 instituições não infor-maram os períodos em que as ministram.

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BRASIL

Manejo (criação)Medicina (clínica)Manejo + conservaçãoMedicina + conservaçãoNão informadoConservaçãoAnimais selvagensManejo + medicinaConservação + manejo+ medicina

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Apesar das inúmeras competências dos médicos veterinários e zootecnistas atuantes com animais selvagens, são poucas as disciplinas específicas ofertadas nos cursos de graduação. A maioria delas apresenta carga horária entre 40 e 80 horas e ape-nas duas possuem mais de 80 horas, sendo uma no Nordeste e outra no Sul. Ainda, foram identificadas, em todas as regiões do país, 26 disciplinas com até 40 horas de duração.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As disciplinas relacionadas a animais selvagens fo-ram identificadas em cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia encontrados em todas as regiões do país, mas não são ofertadas de forma homogênea. Manejo, medici-na e conservação são tópicos importantes para a prática profissional, mas constituem apenas temas isolados.

A necessidade de ampliação do conhecimento, mani-festada nas demandas por saúde única, especificamente pelo envolvimento da fauna na cadeia epidemiológica de diversas enfermidades, impõe a formação de profissionais com competência para atuar na defesa agropecuária, vigi-lância ambiental e epidemiologia de animais selvagens.

Nossa atuação de forma responsável e ética na ma-nutenção da vida no mundo, promovendo a conserva-ção da biodiversidade, o desenvolvimento sustentável e a saúde do planeta, só poderá ser desenvolvida na sua amplitude se o tema animais selvagens for abordado de forma ampla, relevante e igualitária nos currículos de Medicina Veterinária e Zootecnia do país.

Aparentemente, a temática não é vista como uma competência obrigatória nos cursos de Medicina Vete-rinária e Zootecnia do Brasil. Cinquenta e sete disci-plinas são ofertadas como obrigatórias (uma delas em educação a distância, no Sudeste), 46 são optativas e 46 não foram informadas.

Gráfico 4. Distribuição das disciplinas na matriz curricular do curso, por região.

Gráfico 6. Natureza das disciplinas envolvendo a temática animais selvagens ofertadas nos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia, por região.

Gráfico 5. Carga horária das disciplinas que abordam a temática animais selvagens, por região.

1º ao 5º 6º ao 10º AbertaNão informada

NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL

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Até 40h 41h a 80h Não informadaMais de 80h

NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL

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Optaviva Obrigatória Eletiva Não informadaObrigatória EaD

NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL

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5

AUTORES

COMISSÃO NACIONAL DE ANIMAIS SELVAGENS (CNAS/CFMV) GESTÃO [email protected]

CARLOS EDUARDO DO PRADO SAAD (PRESIDENTE)ZootecnistaCRMV-MG nº 0772/Z

DÉBORA ROCHELLY ALVES FERREIRA Médica veterinária CRMV-PB nº 00693

ISAAC MANOEL BARROS ALBUQUERQUEMédico veterinárioCRMV-AL nº 0479

JOÃO LUIZ ROSSI JUNIORMédico veterinárioCRMV-SP nº 11607

VALÉRIA NATASCHA TEIXEIRAMédica veterináriaCRMV-PR nº 3925

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CFMV EM AÇÃO

1ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE TEM PARTICIPAÇÃO ATIVA DA MEDICINA VETERINÁRIA

Por Carolina Menkes e Flávia Tonin

Questões como financiamento adequado para as ações de vigilância em saúde, além de maior participação popular e respeito às rea-

lidades regionais, foram discussões que fizeram parte da 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, em Brasília (DF), de 26 de fevereiro a 2 de março. O evento foi promovido pelo Conselho Nacional de Saú-de (CNS), do qual o Conselho Federal de Medicina Ve-terinária (CFMV) é integrante.

Presente no evento, o presidente do CFMV, Fran-cisco Cavalcanti de Almeida, ressaltou a estreita re-lação que a Medicina Veterinária tem com a saúde humana, em razão da importância do profissional nas vigilâncias epidemiológica e ambiental, enumerando, por exemplo, o diagnóstico, controle e vigilância em zoonoses, como febre amarela, leishmaniose, den-gue e Chikungunya. Além dele, o evento contou com a participação de mais de 30 médicos veterinários, como delegados, convidados ou ouvintes, para repre-sentar a profissão e seus pleitos.

PROPOSTASO encontro teve por objetivo nortear as ações do

Ministério da Saúde na área de vigilância em saúde. Foram 27 propostas analisadas em grupos estratégi-cos, com base nos quatro subeixos do evento, que, em seguida, passaram pela plenária final para vota-ção. Dentre elas, foram aprovadas duas moções re-lacionadas à Medicina Veterinária, que farão parte

da primeira Política Nacional de Vigilância em Saúde, que norteará as ações do ministério.

A primeira solicitava o reconhecimento pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vi-gilância Sanitária (Anvisa) dos estabelecimentos ve-terinários como estabelecimentos de saúde. “Com o reconhecimento, os estabelecimentos serão inclusos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde e sujeitos à fiscalização sanitária”, acredita a médica veterinária Oriana Bezerra, que representou o CFMV no CNS durante a conferência.

A outra moção teve por objetivo a racionalização de recursos para aquisição de castramóveis, pois en-tende-se que sua fonte não deve ser o Sistema Úni-co de Saúde (SUS). “Somos a favor de uma política pública de controle de natalidade, mas entendemos que há outras esferas de governo responsáveis pelo problema e que podem ser financiadoras”, relatou o presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública (CNSPV/CFMV), Nélio Batista de Morais. Na opinião dos médicos veterinários apoiadores, há áreas de controle de zoonoses prioritárias, de responsabili-dade específica do SUS, que atualmente se encon-tram com extremas limitações estruturais, orçamen-tárias e financeiras, deixando, com isso, de prestar serviços essenciais à população. No pedido, apoiado maciçamente pelos participantes, solicitou-se a re-vogação da Portaria nº 4123/2017/MS, que trata do referido tema.

Mais de 30 médicos veterinários discutiram pleitos de interesse da profissão, como a importância do reconhecimento dos estabelecimentos veterinários como estabelecimentos de saúde

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DESTAQUES CFMV

ANO COMEÇA COM REUNIÃO DE PRESIDENTES DO SISTEMA CFMV/CRMVs EM BRASÍLIA

Para colocar em prática uma maior aproximação e fortalecimento do Sistema CFMV/CRMVs, a Câma-ra Nacional de Presidentes será realizada três vezes neste ano. A primeira edição aconteceu em fevereiro e contou com a presença dos presidentes e repre-sentantes dos 27 conselhos regionais, além da dire-toria executiva e conselheiros do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). “É em nossa união que está nossa força”, avaliou o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida, sobre o evento. Os

T Presidentes, diretoria e conselheiros do CFMV na Câmara Nacional de Presidentes

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presidentes puderam apresentar as ações desenvol-vidas em cada estado, como também trocaram expe-riências para pensar em soluções que contemplem todo o sistema. “Nossa maior missão como Sistema CFMV/CRMVs é fiscalizar e precisamos retornar os resultados à sociedade, com a postura que a Medi-cina Veterinária e a Zootecnia merecem”, afirmou Almeida. O evento também contou com palestra do médico veterinário Aroldo Cedraz, ministro do Tribu-nal de Contas da União.

MÉDICO VETERINÁRIO BRASILEIRO VENCE PRÊMIO INTERNACIONAL DE BEM-ESTAR ANIMAL

O médico veterinário brasileiro Adroaldo José Za-nella (foto) foi um dos vencedores do 2º Prêmio de Bem-Estar Animal da Associação Mundial Veterinária (WVA), representando a América Latina. “Recebo esta honraria, lembrando que ela representa o trabalho de

inúmeros estudantes, técnicos e colaboradores que me acompanharam nos diversos grupos, como também mi-nha família”, afirmou Zanella. Ao todo, a associação re-cebeu 40 indicações, de aproximadamente 20 países; o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) repre-sentou o Brasil, com a indicação de quatro profissionais. Além de Zanella, indicou os médicos veterinários Maria do Rosário Ramalho Garcia, Cristiane Schilbach Pizzutto e Leonardo Thielo de La Vega. Para chegar a esses no-mes, o conselho recebeu 129 indicações da sociedade e de entidades profissionais brasileiras, cujos currículos foram avaliados pelo CFMV. A entrega do prêmio ocorre-rá em maio, na Espanha.

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201816

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T Milton de Mello discursa no CFMV

DESTAQUES CFMV

APROXIMAÇÃO COM ENTIDADES DA MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA MARCA PRIMEIRA PLENÁRIA

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Com vistas a fortalecer o trabalho conjunto entre entidades que representam a Medicina Veterinária e Zootecnia, o Conselho Federal de Medicina Veteriná-

ria (CFMV) recebeu diversos dirigentes para participar do encerramento da sua primeira sessão plenária em 2018. Entre os presentes, destaca-se a visita do médico veterinário Milton Thiago de Mello, vice-presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária (Abram-vet), com 102 anos, sendo mais da metade de sua vida dedicada à Medicina Veterinária. “Temos uma respon-sabilidade não com a profissão e médicos veteriná-rios, mas com o Brasil”, afirmou Mello. O encontro re-uniu também o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária, Luiz Carlos Rodrigues Cecílio; o ex-presidente do CFMV, Rene Dubois; o presidente da Anclivepa Brasil, Marcello Roza; o presidente da So-ciedade Brasileira de Zootecnia, Patrick Schmidt; e o presidente da Associação Brasileira de Zootecnistas, Marinaldo Divino Ribeiro.

CONCEA CONFIRMA NORMA DO CFMV SOBRE A NECESSIDADE DE QUE OS PROCEDIMENTOS DE EUTANÁSIA SEJAM REALIZADOS POR MÉDICO VETERINÁRIO

ou pesquisa devem ter a supervisão de um médico veterinário. A norma foi publicada em 22 de feverei-ro, por meio da Resolução Normativa nº 37, do Mi-nistério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comuni-cações (MCTIC). A publicação corrobora a exigência normatizada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) em 2012, evidenciando a impor-tância do médico veterinário para a atividade. “Vi-mos destacada na diretriz do Concea a importância do médico veterinário como agente que promove o bem-estar animal, minimizando a dor ou sofrimento nesses animais em que a eutanásia é realizada”, afir-ma Cássio Ricardo Ribeiro, presidente da Comissão de Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medi-cina Veterinária (Cobea/CFMV).

O Conselho Nacional de Controle de Experi-mental Animal (Concea) confirmou, em suas novas diretrizes, que os procedimentos de eutanásia rea-lizados em animais usados em atividades de ensino

T Animais de laboratório devem ser supervisionados por médico veterinário

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COMISSÕES TEMÁTICAS TERÃO PAPEL CONSULTIVO PARA AS QUESTÕES TÉCNICAS DO CFMV

CFMV MANTÉM REPRESENTAÇÃO EM DIVERSOS ÓRGÃOS FEDERAIS

ver o fortalecimento da Medicina Veterinária e Zootecnia. Com isso, possui representações em órgãos colegiados, por meio de profissionais de notório saber designados para representá-lo em câmaras, comissões e grupos de trabalho voltados para temas técnicos.

Novos representantes para a gestão 2017-2020 foram nomeados na última semana para representar o CFMV em diversas entidades, como no Conselho Na-cional de Saúde; Fórum das Entidades Nacionais dos Trabalhadores da Área de Saúde; Fórum Permanente do Mercosul para o Trabalho em Saúde; Câmara Seto-rial da Cadeia Produtiva de Animais de Estimação; Sis-tema Nacional de Gerenciamento de Produtos Contro-lados da Anvisa; Fórum dos Conselhos Federais da Área da Saúde; entre outras entidades.

DESTAQUES CFMV

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) atua em diferentes esferas governamentais para promo-

Para assessorar o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) em temas técnicos da área de Me-dicina Veterinária e Zootecnia, foram criadas comissões temáticas com profissionais de reconhecido saber em suas respectivas áreas. Elas têm a atribuição de propor diretrizes para regulamentação da atuação do médico veterinário e zootecnista em sua respectiva área, como também propor e revisar a legislação ligada a seu tema de trabalho. As comissões dividem-se em: Agronegócio, Animais Selvagens, Bem-Estar Animal, Bioética e Biosse-gurança, Educação da Medicina Veterinária e Educação da Zootecnia. Há também as Comissões de Estabeleci-mentos Veterinários, Ética e Legislação, Meio Ambiente, Residência em Medicina Veterinária, Responsabilidade Técnica, Saúde Pública Veterinária e Tecnologia e Higie-ne Alimentar. Outras comissões ainda poderão ser no-meadas de acordo com a necessidade identificada.

T Representantes do CFMV atuarão em diversas entidades do governo federal

T Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária é empossada em Brasília (DF)

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Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201818

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DESTAQUES CFMV

ATUALIZAR

LEGISLAÇÃO EM PAUTA

Por Roberta Machado

A Resolução CFMV nº 1.193/2017, que regula-menta o registro e a Anotação de Responsa-bilidade Técnica (ART) em apicultura, passa a

vigorar em março em todo o Brasil. A medida foi insti-tuída em dezembro passado e os produtores tiveram 90 dias para se adequar. O texto dispõe sobre os deve-res do médico veterinário como responsável técnico e classifica, de acordo com a atuação, os estabelecimen-tos que processam, armazenam e expedem produtos de abelha e seus derivados.

A resolução lista como atribuições do respon-sável técnico a garantia da qualidade dos serviços e produtos, além da orientação aos usuários e fun-cionários do estabelecimento sobre os pontos críti-cos de contaminação dos produtos e as condições de armazenamento, transporte e estocagem durante sua comercialização.

ENTRA EM VIGOR RESOLUÇÃO DO CFMV QUE REGULAMENTA A RESPONSABILIDADE TÉCNICA EM APICULTURA

Cabe ao responsável técnico, ainda, zelar pelo cumprimento dos aspectos técnicos e legais da ati-vidade, acompanhando as inspeções higiênico-sani-tárias oficiais, notificando as autoridades dos órgãos ambientais sobre ocorrências que causam impacto no meio ambiente e informando as autoridades sa-nitárias sobre as doenças de notificação obrigatória, exóticas e emergentes e ocorrências de morbidade e mortalidade.

Ao analisar o pedido de ART, o Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) deve levar em consi-deração o conhecimento e treinamento do profissio-nal, assim como a compatibilidade entre as responsa-bilidades técnicas e horários e distâncias a percorrer já assumidos pelo profissional.

CATEGORIAS A resolução também classifica os estabele-

cimentos em duas categorias, com suas parti-cularidades. Uma delas engloba as unidades de

extração e beneficiamento de produtos de abe-lha, enquanto a outra inclui estabelecimentos de en-treposto de beneficiamento de produtos de abelha e derivados.

37.815 TONELADAS É A

PRODUÇÃO DE MEL*

SUL É A REGIÃO DE MAIOR

PRODUÇÃO*

22.205 TONELADAS

DE MEL FORAM EXPORTADAS**

10ª POSIÇÃO NO MERCADO MUNDIAL

DE EXPORTADORES**

MEL DO BRASIL

Fontes: * IBGE (2015). ** Abemel (2015).

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T Zelar pela saúde ambiental está entre as atribuições do responsável técnico

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CFMV NA MÍDIA

RESPONSABILIDADE

EDUCAÇÃO

EUTANÁSIA Em entrevista à Rádio Nacional, o presidente da Comissão Nacional de Bem-Estar Animal (Cobea/CFMV), Cássio Ricardo Ribeiro, falou sobre a importância da supervisão do médico veterinário na eutanásia de animais usados no ensino e na pesquisa.

ENTREVISTA COM PRESIDENTEO presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida, foi entrevistado pela Revista Cães & Gatos. O presidente relatou seu objetivo e projetos para sua gestão, como também ressaltou o interesse de fortalecer a comunicação com os conselhos regionais e as associações, além de aumentar o reconhecimento das profissões perante a sociedade.

A responsabilidade técnica do médico veterinário em estabelecimentos que vendem e expõem animais foi tema de reportagem da Rádio Joven Pan. Os esclarecimentos foram dados pela médica veterinária Erivânia Camelo, assessora da Presidência do conselho, que ressaltou a luta do CFMV para reconhecimento do responsável técnico em ações no Superior Tribunal de Justiça. A importância do responsável técnico também foi tema dos sites da Revista Cães & Gatos e BOL Notícias.

A preocupação causada pelo crescente número de cursos de Medicina Veterinária no Brasil foi destaque no Jornal da Pecuária, do Canal Rural, com debate ao vivo e participação de Rafael Mondadori, integrante da Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV). O médico veterinário foi convidado a falar sobre o ofício enviado pelo CFMV ao Ministério da Educação, solicitando a suspensão de novos cursos de Medicina Veterinária. O mesmo tema foi reportado nos sites Successful Farming, Cães & Gatos, Jornal Veterinário, Agromundi, além de páginas de outros conselhos de classe.

PROFISSÕESOs desafios da nova gestão também foram tema de artigo no jornal potiguar Tribuna do Norte, assinado pelo presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida. No texto, ele ressaltou as transformações pelas quais passa o país, o papel do médico veterinário e zootecnista na condução para um futuro inovador e a importância das profissões.

MULHERESO CFMV divulgou dados que ressaltaram a importância das mulheres na Medicina Veterinária. Seu último levantamento, realizado em 2017, mostrou que atualmente, no Brasil, existem 118 mil médicos veterinários em atividade, dos quais 58,4 mil, ou 49%, são mulheres. Até os anos 1980, elas representavam somente 20% da categoria no país. As informações foram divulgadas nos sites Agreste Notícias, Portal Mídia Urbana, entre outros.

ACREDITAÇÃO DOS CURSOSOs cursos de Medicina Veterinária da USP, Unesp de Botucatu e Universidade Federal de Lavras foram acreditados pelo CFMV, com divulgação na Revista DBO e Revista Balde Branco, além dos jornais Acontece Botucatu, Jornal de Marília, Jornal de Lavras e sites Cães & Gatos, Alpha Notícias e das universidades envolvidas.

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201820

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PROTEÇÃO ANIMAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL: O QUE O PROFISSIONAL DEVE SABER?

A alteração no Código de Ética profissional, as novas demandas sociais e a maior conscientização do médico veterinário exigem pleno conhecimento dos principais regimes jurídicos que formam a estrutura da proteção aos animais no Brasil

Em sintonia com o avanço do conhecimento científico acerca da senciência e consciência dos animais, diversas entidades da sociedade

brasileira têm despendido esforços para revisar suas práticas e políticas. Dentre as entidades que revisaram suas políticas, está o Conselho Federal de Medicina Ve-terinária (CFMV), que recentemente aprovou a Resolu-ção nº 1.138/2016, estabelecendo um novo Código de Ética da Medicina Veterinária.

Em vigor desde setembro de 2017, o novo códi-go reforça o compromisso do profissional de Medi-cina Veterinária com a proteção aos animais, tanto que, no art. 18, inciso I, estabelece como um dever do médico veterinário conhecer a legislação referen-te ao tema.

LEGISLAÇÃO

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Buscando contribuir com a compreensão e cumpri-mento desse dever, veremos a estrutura da proteção animal no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

CONSTITUIÇÃO FEDERALA Constituição da República Federativa do Brasil,

em vigor desde 5 de outubro de 1988, é a norma máxima que regula e organiza o funcionamento do Estado. Nela, encontram-se os delineamentos da di-visão das funções estatais (legislar, administrar, jul-gar), as competências dos entes federados (União, estados-membros, municípios, Distrito Federal) e o rol genérico de direitos e deveres abarcados pelo or-denamento pátrio.

Para compreender a estrutura de proteção animal do Brasil, é preciso ler e entender o alcance das dispo-sições constitucionais em relação ao meio ambiente, pois, dentro desse conjunto temático, encontram-se as regras que definem o escopo da proteção à fauna.

Dispõe o art. 225 da Constituição Federal que tan-to a coletividade quanto o poder público têm o dever de defender e proteger o meio ambiente e, ainda, que a fauna deve ser protegida, inclusive por meio de lei que vede práticas que coloquem em risco a função ecológi-ca, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (art. 225, § 1º, inciso VII).

O termo utilizado pela Constituição é fauna, cujo significado é o conjunto de espécies animais que habi-tam certa região, ou seja, o legislador constituinte es-tendeu a proteção a diferentes categorias de animais, incluindo aqueles utilizados para produção de alimen-tos, em experimentos de ensino e pesquisa, entrete-nimento e companhia. Portanto, é equivocada a inter-

pretação de que apenas os animais silvestres possuem proteção constitucional.

Outra importante questão a esclarecer é que a prote-ção aos animais não se exaure nesse artigo da Constitui-ção. Ao contrário, o próprio art. 225 dispõe no § 3º que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurí-dicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados”. Em outras palavras, o legislador constituinte afirma que, quando al-guém causa lesão à fauna, essa pessoa – física ou jurídica – pode vir a responder por três tipos de processo.

A possibilidade da ocorrência de uma tríplice re-percussão jurídica resulta do fato de o direito, apesar de uno, ser dividido em diferentes regimes jurídicos, os quais se estruturam ao redor de distintos conjuntos normativos. Conforme expressamente estipulado na Constituição Federal, a proteção à fauna encontra am-paro jurídico no conjunto normativo penal, administra-tivo e civil. Portanto, aquele que executar uma conduta (ação ou omissão) lesiva à fauna pode ser responsabi-lizado em uma, duas ou até três esferas jurídicas.

RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVAA responsabilização administrativa, como o pró-

prio nome indica, é aquela processada no âmbito de atuação da administração pública, ou seja, no âm-bito de atividade dos órgãos e entidades que estão direta e indiretamente ligados ao chefe do Poder Executivo. Dentro desse contexto, estão inseridos, por exemplo, os ministérios e secretarias de diferentes áreas (pecuária, saúde, ensino, meio ambiente, ciência e tecnologia) e

Caso presencie ou tome conhecimento de uma situação que viole as regras de proteção à fauna, deve-se realizar uma denúncia às autoridades competentes para que os fatos e as responsabilida-des sejam apurados.

As autoridades competentes compreendem os órgãos mu-nicipal, estadual e federal de fiscalização ambiental e vigilância sanitária. Em ge-

COMO DENUNCIAR SITUAÇÕES DANOSAS

À FAUNA

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entidades de direito público, como as autarquias fe-derais, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis (Ibama) e o próprio CFMV.

Cada um desses órgãos e entidades, dentro de sua área de competência, tem o poder-dever de apurar, por meio de processo administrativo, a ocorrência de con-duta tipificada por norma legal ou regulamentar como infração administrativa.

A tipificação das infrações administrativas rela-cionadas à proteção à fauna está dispersa ao longo de diferentes leis, decretos, instruções normativas e reso-luções, tanto em nível federal e estadual quanto mu-nicipal. Isso ocorre porque a competência legislativa é compartilhada entre os diferentes entes federados e a competência regulamentar, entre diversos órgãos públicos. Assim, é preciso que o profissional pesquise quais normas

aplicam-se à sua loca-lidade em relação às diferen-

tes situações que envolvem animais. Ao pesquisar, vai descobrir que muitos esta-dos e municípios dispõem

de lei própria versando sobre a proteção animal.

Em geral, há um rol de condutas tipificadas como infração administrativa, que incluem abandono dos animais, manutenção de animal em ambiente despro-vido de asseio, privação de alimento, água e luz, uso da força animal em excesso ou de animal com estado de saúde frágil. Há ainda, em alguns estados brasileiros, a expressa vedação ao uso de animais para o desenvol-vimento, experimento e teste de produtos cosméticos, higiene pessoal, perfumes, limpeza, assim como a ve-dação à realização da prática de vivissecção sem uso de anestésico ou em estabelecimentos escolares de ensino fundamental e médio, entre outras condutas.

As sanções aplicadas àqueles que cometem infra-ção administrativa variam de acordo com a gravidade dos fatos e possível reincidência da conduta, poden-do ser uma simples advertência, multa, apreensão dos animais e suspensão parcial ou total das atividades.

O profissional deve também ficar atento às normas expedidas pelos órgãos públicos, como as instruções normativas do Ibama, Ministério da Agricultura, Pe-cuária e Abastecimento (Mapa) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que podem trazer regras complementares quanto à proteção das diferentes es-pécies e usos da fauna.

Ainda dentro dessa esfera administrativa, incidem para aqueles que são médicos veterinários as previ-sões jurídicas de proteção aos animais contidos no Código de Ética (Resolução nº 1.138/2016). A saber, o profissional deve empenhar-se para melhorar as condições de bem-estar, saúde animal, humana e am-biental (art. 3º); utilizar procedimentos humanitários, preservando o bem-estar animal e evitando sofrimen-to e dor (art. 4º); respeitar as necessidades fisiológi-

ral, esses órgãos dispõem de um canal eletrônico “Fale com a ouvidoria” ou um telefone “disque-denúncia”.

Ocorrendo as hipóteses do art. 32 da Lei nº 9.605/1998, a denúncia deve ser feita para as auto-

ridades policiais, para que seja lavrado um termo cir-cunstanciado. Alguns municípios possuem delegacias especializadas na defesa animal, mas, se não houver, qualquer delegacia civil poderá receber a denúncia.

Há, ainda, a possibilidade de encaminhar a denúncia para o Ministério Público, em especial se houver recu-

sa injustificada das autoridades anteriores em registrar e apurar os fatos narrados.

Para que a denúncia seja processada de imediato, é im-portante incluir informações completas a respeito do dia, hora, local da ocorrência da lesão à fauna (ou da tomada de conhecimento) e identificação do agente que cometeu a conduta danosa; quando possível, in-cluir também referência ao dispositivo jurídico poten-cialmente violado.

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cas, etológicas e ecológicas dos animais, não aten-tando contra suas funções vitais e impedindo que outros o façam (art. 18, inciso II); abster-se de praticar ou permitir que se pratiquem atos de crueldade para com os animais nas atividades de produção, pesquisa, esportivas, culturais, artísticas ou de qualquer outra natureza (art. 8º, inciso XX).

A inobservância ao Código de Ética pode resultar na abertura de processo administrativo disciplinar. Entre as penalidades previstas, estão a advertência confidencial, censura confidencial, censura pública e suspensão do exercício profissional por até 90 dias, podendo chegar à cassação do exercício profissional, dependendo da tipi-ficação da conduta e da gravidade dos fatos.

Por oportuno, o papel do CFMV consiste na fiscali-zação do exercício da profissão de médico veterinário e, portanto, sua competência está restrita à apuração de condutas tipificadas no Código de Ética como infração disciplinar. Não cabe ao conselho, tampouco aos Conse-lhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs), a apu-ração de condutas tipificadas em outras normas legais e regulamentares relacionadas ou não à proteção à fauna.

RESPONSABILIZAÇÃO PENALA responsabilização penal é acionada quando há

indícios de violação a uma norma pública de natureza criminal, ou seja, quando há indícios da prática de uma conduta tipificada como infração penal.

A competência para legislar sobre crimes, isto é, tipificar condutas como infrações penais, é por força da Constituição Federal privativa da União. Assim, ao contrário das infrações administrativas, que podem emanar de fontes normativas federais, estaduais e municipais, a infração penal emana unicamente de lei federal.

Em relação à proteção animal, as condutas tipi-ficadas como crimes estão dispostas no art. 32 da Lei Federal nº 9.605/1998, que estabelece: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Note-se que são quatro as condutas tipifi-cadas no caput desse artigo como sendo criminosas, quais sejam: praticar abuso, praticar maus-tratos, fe-rir e mutilar. Há, ainda, uma quinta conduta tipifica-da nesse mesmo artigo, porém no § 3º, que diz res-peito ao uso de animais em experiências científicas ou didáticas quando estas forem dolorosas para os animais e existirem recursos alternativos. Portanto, aquele que abusar, maltratar, ferir, mutilar e/ou dei-xar de usar método alternativo de experimento para utilizar um animal incorre no crime de maus-tratos aos animais, cuja pena é detenção de três meses a um ano e multa. A pena é aumentada de um sexto a um terço caso o animal venha a óbito em conse-quência da conduta criminosa.

Anota-se que, para a configuração do crime de maus-tratos, é preciso estar presente o elemento voli-tivo de praticar a conduta tipificada. Diferentemen-te da esfera administrativa, a qual se baseia na culpa presumida do agente, na esfera penal, para fins de aplicação do art. 32 da Lei Federal nº 9.605/1998, é necessário que o agente pratique a conduta – comis-siva ou omissiva – com dolo, isto é, que o agente queira ou assuma conscientemen-te o risco de produzir os elementos descri-tos na referida norma.

A apuração da responsabilidade criminal é de competência do Po-der Judiciário, que o fará no curso de uma ação penal. A propositura dessa ação é de competência do Mi-nistério Público, por meio de um promotor de justiça.

EXEMPLOS ENCONTRADOS NA LITERATURA E NA JURISPRUDÊNCIA DE CONDUTAS ENQUADRADAS NO CRIME DE MAUS-TRATOS DO ART. 32 DA LEI Nº 9.605/1998

Abandono, chibatadas, envenenamento, enforcamento, encarceramento em ambientes inadequados (em razão das condições higiênicas ou das dimensões), incitação à luta entre animais, mutilações, manter animal preso à corrente sem acesso a abrigo, água e alimento, queimaduras, trabalhos excessivos, uso em espetáculos que envolvam violência física ou psicológica, entre outros.

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201824

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RESPONSABILIZAÇÃO CIVILA proteção animal encontra guarida também na

esfera civil para fins de reparação dos danos causa-dos. Similarmente à esfera criminal, a apuração da responsabilidade civil é efetuada no âmbito do Poder Judiciário, porém, ao contrário de lá, aqui se dispensa a análise do elemento subjetivo do agente (dolo ou culpa). Isso ocorre porque a responsabilidade civil em matéria ambiental e, portanto, para situações de lesão aos animais é objetiva, por força da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambien-te, ou seja, no âmbito da responsabilidade civil, não se discute se houve dolo ou culpa por parte do agente, tão somente a existência (ou não) de um nexo de cau-salidade entre a conduta do agente e o dano.

A ação civil pública destaca-se como o principal instrumento de apuração da responsabilidade civil. Nos termos da Lei nº 7.347/1985, são legitimados para a propositura dessa ação o Ministério Público, De-fensoria Pública, União, estados, Distrito Federal, mu-nicípios, autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista e associações civis que preencham concomitantemente os requisitos de cons-tituição há pelo menos um ano e pertinência temática com o objeto da ação. Note-se, assim, que as organi-zações de proteção animal regularmente constituídas como pessoa jurídica há mais de 12 meses possuem legitimidade ativa para propositura de ação civil com fins de buscar a reparação de danos causados a um indivíduo ou grupo de indivíduos da fauna brasileira.

As formas de reparação do dano incluem a mo-dalidade de restauração do estado de equilíbrio

natural anterior à ocorrência do dano e, na hi-pótese de impossibilidade fática ou técni-

ca da restauração ambiental, aplica-se a modalidade de indenização pecuniária.

Os valores pecuniários arrecada-dos em função da lesão ao meio

ambiente são depositados em fundos estatais

de reconstituição dos bens ambien-tais lesados para

fins de compensa-ção ecológica.

Por exem-plo, o

Fundo Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei nº 7.797/1989, tem por objetivo desenvolver os projetos que visam ao uso racional e sustentável de recursos naturais, incluindo a manutenção, melhoria ou recuperação da qualidade ambiental, no sentido de elevar a qualidade de vida da população brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAISA proteção ao meio ambiente e, especialmente, à

fauna, além de um dever moral, é um dever jurídico es-tabelecido pela norma de maior hierarquia do ordena-mento jurídico brasileiro e complementado por diver-sas leis federais, estaduais e municipais, assim como regulamentos e normativas administrativas.

Denunciar às autoridades competentes a agressão aos animais, além de um compromisso de todo cida-dão, é para o profissional da Medicina Veterinária um princípio fundamental a ser honrado, por força do art. 2º do Código de Ética.

DEFINIÇÕES ENCONTRADAS NA LITERATURA E JURISPRUDÊNCIA

Praticar ato de abuso: exagerar nas atividades impostas aos animais.Praticar maus-tratos: causar sofrimento físico ou psíquico no animal. Ferir: provocar ferimento, machucar, lesionar.Mutilar: cortar, amputar, decepar parte ou membro do corpo de um animal.

REFERÊNCIAS

COSTA NETO, N.D.C.; BELLO FILHO, N.B.; COSTA, F.D.C. Crimes e Infrações Adminis-trativas - comentários à Lei nº 9.605/98. 2ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 211-212.

CARVALHO, M.B. Manual policial ambiental: Procedimentos nos crimes contra a fauna. Salvador: Editora, 2015

MILARÉ, É. Direito do Ambiente. 10ed. Rev., atual.- e ampl. São Paulo: Editora Re-vista dos Tribunais, 2015.

AUTORA

CAROLINA MACIEL AdvogadaOAB-RS nº 104.924MSc, DSc, consultora jurídica e política para entidades nacionais e internacionais na área de proteção animal

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A FEBRE AMARELA E OS PRIMATAS NÃO HUMANOS

Apesar do ciclo silvestre, a doença assusta os centros urbanos. Os macacos também são vítimas e testes estão em andamento para a produção de vacina específica. Períodos como essas evidenciam a importância de ações em Saúde Única

SAÚDE PÚBLICA

Flávia Tonin e Ricardo Junqueira Del Carlo

A Febre Amarela (FA) é uma doença infecciosa aguda, não conta-giosa, de natureza viral, que se mantém endêmica ou enzoótica nas regiões tropicais das Américas do Sul e Central e da África. Já

o Vírus da Febre Amarela (VFA) é um arbovírus (de arthropod-borne virus) africano. Embora existam pequenas alterações genéticas entre as cepas da América e da África, atualmente, apenas um sorotipo é reconhecido e a vacina contra FA (vírus atenuado) 17 DD, utilizada no Brasil, protege contra todas as suas cepas.

A introdução da vacina contra a FA no país em 1937, o intenso combate ao vetor e a imunização em massa na década seguinte levaram à eliminação da doença nas áreas urbanas do Brasil. O registro dos últimos casos da FA urbana (transmitida por Aedes aegypti) no país ocorreu na cidade de Sena Madureira (AC), em 1942. A partir dessa data, não foi mais identificada e o ciclo de transmissão silvestre passou a predominar com registro de epidemias.

No ciclo silvestre, mais complexo e menos compreendido, a transmissão envolve principalmente Primatas Não Humanos (PNH) – os macacos – e mosquitos diurnos que se reproduzem em cavidades e copa de árvores.

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O vírus é mantido na natureza por transmissão entre macacos e mosqui-

tos silvestres arbóreos, principalmente dos gêneros Haemagogus e Sabethes, no Brasil, e Aedes (Stegomyia), na África. Em momentos com as condições ideais para transmissão, um número maior de macacos adoece e morre, chamando atenção da sociedade na forma de epizootia, que representa o evento-sentinela.

A partir de 2006, com a publicação da Portaria Mi-nisterial n° 5/2006, a vigilância de epizootias em pri-

O médico veterinário, assim como outros

profissionais da saúde, deve orientar que todo

macaco morto deve ser capturado e encaminha-

do (com urgência) para realização de exames.

O serviço de captura é feito gratuitamente por

profissionais dos órgãos competentes definidos

pelas Secretarias de Saúde locais.

OCORRÊNCIA NO VERÃO

A febre amarela silvestre é uma doença

endêmica no Brasil (região amazônica).

Na região extra-amazônica, períodos

epidêmicos são registrados ocasionalmente,

caracterizando a reemergência do vírus no

país. O padrão temporal de ocorrência é

sazonal, com a maior parte dos casos incidindo

entre dezembro e maio, além de surtos

que ocorrem com periodicidade irregular,

quando o vírus encontra condições favoráveis

para a transmissão (elevadas temperatura

e pluviosidade; alta densidade de vetores e

hospedeiros primários; presença de indivíduos

suscetíveis; baixas coberturas vacinais;

eventualmente, novas linhagens do vírus),

podendo se dispersar para além dos limites

da área endêmica.

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matas foi incluída na lista de doenças e agravos de notificação compulsória, como evento-sentinela para a Febre Amarela, visando à detecção precoce da circula-ção do vírus e consequente aplicação das medidas de prevenção antes da ocorrência de casos humanos.

OS PNHOs PNH são hospedeiros que, durante o curto pe-

ríodo de viremia, podem transmitir o vírus para mos-quitos. Estes, por sua vez, são os reservatórios trans-missores do vírus, pois, uma vez infectados, assim permanecem por toda a vida.

Evidências sugerem que outros animais, como marsupiais arborícolas e roedores, podem ter papel secundário no ciclo de manutenção viral, especialmen-te em áreas onde os macacos estejam ausentes ou já imunes ao vírus.

Os primatas desenvolvem viremia a partir de três a quatro dias após a picada do mosquito infectado, apresentando febre e apatia, e podem se recuperar em duas semanas ou evoluir para morte. Podem apresen-tar icterícia, êmese, desidratação, hemorragia, insufi-ciência hepática e renal e albuminúria, devido à necro-se hepática.

Alguns primatas apresentam maior resistência ao VFA, como os macacos-prego (Sapajus sp.). Os bugios ou guaribas (Alouatta sp.), quando infectados com doses mínimas do vírus, desenvolvem infecção ful-minante, comportamento similar aos casos humanos

fatais. Os macacos-prego, por sua vez, desenvolvem infecção subclínica ou quadro febril fugaz; há viremia, seguida da produção de anticorpos que neutralizam futuras reinfecções.

Devido à severidade dos sintomas, muitas vezes é necessário considerar a eutanásia para reduzir o sofri-mento do animal. Do ponto de vista da saúde pública, mais importante do que o tratamento sintomático é realizar coleta, armazenamento e envio de material biológico (sangue total e soro, no caso de animais vi-vos) de forma adequada e o mais rápido possível para a vigilância epidemiológica municipal ou unidade de saúde, para fins diagnósticos.

Animais enfermos ou com suspeita de FA não de-vem ser transportados para áreas urbanas. Em caso de suspeita da doença em primata em cativeiro, este deve ser imediatamente isolado dos demais do grupo e mantido em uma gaiola com malha.

A observação histórica mostra que, nos prima-tas, a doença manifesta-se periodicamente, em in-tervalos de tempo suficientes para o surgimento de novas populações de símios suscetíveis, após cada onda epizoótica. Isso reforça as constatações de que os surtos de FA nesses animais são segui-

O médico veterinário e os profissionais da saúde

devem combater as informações equivocadas

sobre a transmissão da doença, evitando que os

animais sejam agredidos e, por vezes, mortos

pela população. De forma semelhante, tem sido

observado que pessoas que criam macacos têm

soltado os animais sem planejamento, com medo

injustificado do contágio.

Maus-tratos devem ser denunciados pela Linha

Verde do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama):

0800 61 8080

[email protected]

T Animais oriundos de área de risco, independentemente da idade, devem permanecer em quarentena antes de serem incorporados ao plantel em cativeiro

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O MOSQUITO NO CICLO SELVAGEM

No ciclo selvagem da FA, o principal transmissor é o mosquito Haemagogus janthinomys, que apresenta a maior distribuição geográfica conhecida entre as espécies desse gênero. Ele possui hábitos estritamente silvestres e pica o indivíduo que se expõe na mata (floresta), ou seja, quando penetra em seu nicho ecológico.

Essa espécie apresenta as melhores condições para transmitir o vírus amarílico, pois mostra-se extremamente suscetível a ele e, em infecções experimentais, se infecta com baixas doses. É primatófila, ou seja, alimenta-se preferencialmente em macacos e, secundariamente, no homem, e apresenta atividade diurna, período em que a maioria dos que adoecem da enfermidade realiza suas atividades ou incursões nas matas.

Durante as epidemias, os mosquitos dessa espécie que habitam a copa das árvores também têm sido encontrados com elevados índices de infecção. Essas características explicam a facilidade de transmissão da virose e credenciam esse mosquito, por conseguinte, como o principal transmissor da FA no Brasil e em quase todos os países da América do Sul em que a arbovirose revela-se endêmica. Ademais, recentemente, foi reportada a ocorrência de transmissão transovariana e via sexual, ou seja, quando uma fêmea infectada copula com mosquito macho.

dos por períodos de imunidade contra reinfecção, até que uma população de símios reproduza-se e se desenvolva, formando uma nova geração susce-tível ao vírus.

Apresentando epizootias regulares a cada cinco ou sete anos, prevalentemente nos meses de chuva, o ciclo silvestre é monitorado por um sistema públi-co de vigilância, que tem como evento-sentinela o adoecimento e/ou a morte de macacos. A confirma-ção desses óbitos é um forte indicativo de que o vírus amarílico está circulando entre a população símia e, consequentemente, de que uma epizootia de FA está em curso, o que representa elevado risco de transmis-são da doença a seres humanos não imunizados que entram nessas áreas.

O tráfico ilegal de animais silvestres e consequente transporte por todo o país contribuem com as epizoo-tias de FA. Esses animais podem se tornar dispersores do vírus e da doença em novas localidades. Portanto, aqueles oriundos de área de risco, independentemen-te da idade, devem permanecer em quarentena antes de serem incorporados ao plantel em cativeiro.

OS MACACOS DEVEM SER VACINADOS?

No Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), laboratório responsável pela produ-ção das vacinas contra FA, está sendo conduzido um projeto de pesquisa de desenvolvimento de uma va-cina para uso em macacos. Atualmente, não existe va-cina licenciada pelo Ministério da Agricultura para uso em animais no Brasil. Todo e qualquer uso é em caráter

T A vacinação é a principal forma de proteção da população

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experimental e deve seguir as normas estabelecidas para a pesquisa em animais.

Coordenador do projeto de pesquisa em Bio-Man-guinhos, o médico veterinário Marcos da Silva Freire explica que o objetivo é a proteção da vida dos ani-mais, principalmente pela preocupação com as es-pécies vulneráveis e as que foram reintroduzidas na fauna brasileira. “Não estamos buscando solução para primatas de vida livre”, afirma. Ele também não espera reflexos na saúde pública.

O pesquisador explica que, no momento, estão sendo avaliadas a segurança da vacina e a eficácia da imunogenicidade produzida. São necessárias infor-mações sobre a produção de anticorpos neutralizan-

T A FA tem como evento-sentinela o adoecimento e/ou a morte de macacos

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tes, protetores e se eles se mantêm em quantidades adequadas. “Precisamos saber se há segurança, ou seja, que a vacina não irá matar os animais ou causar a doença”, esclarece.

Experimentalmente, estão sendo aplicados proto-colos com formulações e variações de doses. O proje-to envolve 42 animais, com exemplares de mico-leão--de-cara-dourada e bugios de diferentes táxons. Freire explica que é preciso definir a dose segura para cada espécie ou identificar, independentemente do peso e espécie, a dosagem que apresentará um bom resultado geral. Essa etapa está sendo conduzida em parceria com o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, coordenado pelo também médico veterinário Alcides Pissinatti.

Otimista, Freire espera que, em menos de um ano, exista uma resposta para o uso da vacina em animais. “Se a vacina injetável for segura e eficaz, a próxima ini-ciativa poderá ser o registro no Ministério da Agricultu-ra para uso veterinário”, afirma.

Para ele, não é viável pensar no uso do produto para animais de vida livre. Para essa categoria, em lon-go prazo, Freire acredita em uma vacina oral, de disper-são via área, na copa das árvores e com iscas coloridas que atraiam o animal. “É muito cedo para pensar nessa alternativa”, explica, lembrando que não há garantia de que outra espécie animal não possa ser hospedeira do vírus da FA. Por todos esses entraves, ele não acre-dita na vacinação dos macacos como alternativa para a proteção da saúde pública.

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HomemAedes aegypti

Ciclos epidemiológicos

(silvestre e urbano) da FA

no Brasil

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SAÚDE PÚBLICA

A IMPORTÂNCIA DO MÉDICO VETERINÁRIO NAS VIGILÂNCIAS EPIDEMIOLÓGICA E AMBIENTAL

Os médicos veterinários, mesmo não ligados oficialmente aos órgãos públicos, são parceiros essenciais para a promoção da saúde humana. São monitores, por formação, das alterações na sanidade animal que podem colocar em risco a população, principalmente em se tratando de doenças emergentes ou reemergentes. Além disso, a obtenção de dados vindos de clínicas e laboratórios veterinários é imprescindível para a boa escolha e execução das medidas que serão adotadas

O médico veterinário, na saúde pública, está ca-pacitado para desempenhar atividades como a administração, o planejamento e a coorde-

nação de programas de saúde pública em nível nacio-nal, estadual ou municipal.

Em 2002, um comitê de especialistas em saúde pública veterinária da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que algumas áreas emergentes de atuação do médico veterinário em saúde pública po-dem trazer contribuições significativas para a saúde das populações, tais como:

a. Vigilância epidemiológica e controle de doen-ças comunicáveis não zoonóticas.

b. Análise de aspectos sociais, comportamentais e mentais de relação entre seres humanos e animais.

c. Prevenção e estudo epidemiológico de doenças não infecciosas, como hipertensão e diabetes (in-cluindo a orientação de estilos de vida saudáveis).

d. Análise e avaliação dos serviços e programas utilizados na saúde pública.

T A análise de aspectos sociais, comportamentais e mentais da relação entre seres humanos e animais deve ser considerada em áreas de atuação do médico veterinário em saúde pública

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PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DO MÉDICO VETERINÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA (WHO, 2002)

OUTRAS FUNÇÕES NA SAÚDE PÚBLICA COMUNS AOS MÉDICOS E OUTROS MEMBROS DA EQUIPE (PFUETZENREITER, 2003)

DDiagnóstico, controle e vigilância em zoonoses. D Estudos comparativos da epidemiologia de enfermidades não infecciosas dos animais em relação aos seres humanos. D Intercâmbio de informações entre a pesquisa médico-veterinária e a pesquisa médica. D Estudo sobre substâncias tóxicas e venenos provenientes de animais peçonhentos. D Inspeção de alimentos e vigilância sanitária. D Estudo de problemas de saúde relacionados às indústrias de produção de ali-mentos de origem animal, incluindo o destino adequado de dejetos. D Supervisão da criação de animais de experimentação. D Estabelecimento de interligação e cooperação entre as organizações de saúde pú-blica e veterinária e outras unidades relacionadas com animais. D Consulta técnica sobre assuntos de saúde humana relativos aos animais.

D Epidemiologia, incluindo doenças que não estão relacionadas diretamente aos animais. D Laboratório de saúde pública. D Produção e controle de produtos biológicos. D Proteção dos alimentos. D Avaliação e controle de medicamentos, sendo esta uma das funções da vigilância sanitária. D Vigilância ambiental, incluindo saneamento básico. D Pesquisa de saúde pública.

O MÉDICO VETERINÁRIO NA VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

A Lei nº 8.080/1990 define vigilância epidemioló-gica como “um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionais de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de reco-mendar ou adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”. Além disso, consiste em um importante instrumento para o planejamento, a orga-nização e a operacionalização dos serviços de saúde, bem como para a normatização de atividades técnicas correlatas (BRASIL, 2002).

Todos os níveis do sistema de saúde têm algum vínculo com a vigilância epidemiológica. As principais atribuições dessa área são: coleta de dados, seguida de processamento, análise e interpretação; recomendação

de medidas de controle apropriadas; promoção e avaliação da eficácia e efetividade das medidas ado-tadas; e divulgação de informações pertinentes a cada situação (BRASIL, 2002).

Com o fortalecimento da vigilância epidemioló-gica em nível local, sendo um dos mais importantes instrumentos de atuação no controle de enfermidades, e a descentralização do sistema de saúde no Brasil, passando a responsabilidade de contratação dos téc-nicos especializados aos níveis estadual e municipal (BRASIL, 2002), a capacitação de profissionais de saú-de tornou-se imprescindível. Dentro dessa realidade, está inserido o médico veterinário, principalmente no controle de zoonoses (WHO, 2002).

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201832

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É importante destacar que, na vigilância epidemio-lógica, a integração, não só dos diferentes níveis, como também das diversas instituições e de profissionais en-volvidos com o problema, é de vital importância (WHO, 2002). Os médicos veterinários, mesmo não ligados ofi-cialmente aos órgãos públicos, são parceiros essenciais para a promoção da saúde humana. Esses profissionais são monitores das alterações na sanidade animal que po-dem colocar em risco a população, principalmente em se tratando de doenças emergentes ou reemergentes. Além disso, a obtenção de dados vindos de clínicas e laborató-rios veterinários é imprescindível para uma boa escolha e execução das medidas que serão adotadas (WHO, 2002).

O médico veterinário está apto a aplicar, de forma eficaz, medidas de controle de zoonoses necessárias para contê-las antes que cheguem ao homem. Tal fato faz com que esse profissional tenha um papel singular e insubstituível no campo da vigilância epidemiológi-ca, estando preparado para investigar, coletar os dados e analisá-los de forma rápida, associando, em alguns casos, seus conhecimentos de epidemiologia e clínica médica (WHO, 2002).

CONTROLE DE ZOONOSESAs zoonoses são definidas como doenças e infec-

ções naturalmente transmissíveis entre os hospedei-ros vertebrados e o homem (WHO, 1975). Atualmente, constituem os riscos mais frequentes e mais temíveis a que a humanidade está exposta, englobando mais de 250 doenças (SCHWABE, 1984). Das 35 doenças de notificação compulsória em todo o território brasilei-ro, 16 fazem parte do grupo das zoonoses, segundo o Guia de Vigilância Epidemiológica da Fundação Nacio-nal de Saúde do Brasil (BRASIL, 2002).

T O médico veterinário está apto a aplicar, de forma eficaz, medidas de controle de zoonozes

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Além disso, duas das seis doenças em que a notifi-cação dos casos é exigida universalmente pertencem a esse grupo: a peste e a febre amarela e ambas ocorrem no Brasil (ACHA; SZYFRES, 1986).

Um grande número de doenças emergentes e reemergentes é transmitido diretamente de ani-mais para os homens. Em alguns casos, os animais atuam como hospedeiros intermediários ou aciden-tais, disseminando a enfermidade pelo contato di-reto com humanos, como acontece no caso da raiva humana. Em outros, a transmissão ocorre por meio de vetores, ou seja, depende de um animal inverte-brado que transfira, de forma ativa, um agente etio-lógico de uma fonte de infecção a um novo susce-tível. Como exemplos, destacam-se a dengue, febre amarela, malária, leishmaniose e doença de Chagas (WHO, 2002).

À medida que o conhecimento científico avança, algumas doenças continuam a enquadrar-se no con-ceito didático de zoonoses. As estatísticas mundiais dão conta da grande importância dessas enfermida-des, cujos agravos não se prendem somente aos as-

DOENÇAS DE NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA EM TODO O TERRITÓRIO

BRASILEIRO (BRASIL, 2002)

Botulismo.Carbúnculo ou “antraz”.Dengue.Doença de Chagas (casos agudos).Esquistossomose (em área não endêmica).Febre amarela.Febre maculosa.Hantaviroses.Hepatite B.Leishmaniose tegumentar americana.Leishmaniose visceral.Leptospirose.Malária (em área não endêmica).Peste.Raiva humana.Tuberculose.

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pectos sociais ou aos danos provocados à economia de alguns países, especialmente os em desenvolvimento, em que a incidência é muito expressiva. Algumas des-sas doenças podem provocar incapacidade física e/ou mental em indivíduos que ainda estão em idade produtiva. Sendo assim, o aspecto econômico também deve ser considerado na análise desse assunto (MI-RANDA, 2002).

Os arbovírus são considerados os principais cau-sadores de problemas em saúde pública no Brasil, in-cluindo aqui os vírus da dengue e da febre amarela. A OMS estima que, a cada ano, um número expressivo de pessoas infecte-se com o vírus da dengue em mais de cem países, variando entre 50 e cem milhões de indivíduos infectados. Essa doença é responsável por cerca de 550 mil internamentos hospitalares e por pelo menos 20 mil mortes, anualmente (BATISTA et al., 2004).

A atuação do médico veterinário nas equipes de saúde pública envolve a realização de inquéritos epidemiológicos minuciosos, utilizando tanto os re-gistros de saúde pública quanto os de saúde animal, recolhidos nas clínicas veterinárias, propriedades ru-rais, indústrias de laticínios, matadouros públicos e Centros de Controle de Zoonoses (CCZs) (BENENSON, 1986). Os CCZs são instituições municipais, com es-trutura física específica, vinculadas a algum órgão de saúde pública, principalmente às Secretarias Munici-pais de Saúde. Têm como objetivo principal o desen-

volvimento de serviços relacionados aos programas de controle de zoonoses, de doenças transmitidas por vetores e de agravos por animais peçonhentos. Seu gerenciamento é estabelecido em lei específica, sendo essa função exercida por um profissional de nível superior, preferencialmente um médico veteri-nário, que será seu responsável técnico. O controle de zoonoses e de doenças transmitidas por vetores é de competência legal dos municípios, por disposi-ção constitucional, e deve constar nas Leis Orgânicas Municipais, nos capítulos relativos à proteção e pre-venção à saúde.

O MÉDICO VETERINÁRIO NA VIGILÂNCIA AMBIENTAL Vigilância ambiental em saúde é definida pelo Mi-

nistério da Saúde como um conjunto de ações que pro-porcionam o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle de fatores de risco e doenças ou outros agra-vos à saúde, relacionados ao ambiente e às atividades produtivas (BRASIL, 2004).

A interdisciplinaridade dentro da equipe de vi-gilância ambiental é fundamental para o desenvolvi-mento dos trabalhos. Estudos feitos para avaliação dos riscos ambientais podem ser interpretados de diferen-tes maneiras por profissionais das diversas áreas, uma vez que a percepção de todos os fatores envolvidos na situação está na dependência dos conhecimentos daquele que a analisa.

O médico veterinário, além dos conhecimentos inerentes à sua formação, deve dominar outros assun-tos relativos ao meio ambiente, como as relações am-biente-enfermidade, as interferências das atividades agropecuárias sobre o ambiente e os modelos de ava-liação de estudos de impacto ambiental. Além disso, deve conhecer a tecnologia básica para a proteção e saneamento ambiental (TORRES, 2003).

O conhecimento das condições ambientais, locais ou regionais e das atividades socioeconômicas é de extrema importância para a escolha das medidas ade-quadas de prevenção e eliminação dos riscos gerados pelos agravos desencadeados pela interferência do homem no meio ambiente. Assim, o trabalho interdisci-plinar e a intersetorialização dos grupos que planejam, executam e avaliam estudos e programas de saúde pú-blica abrem oportunidades para a presença do médico

T Os inquéritos epidemiológicos indicam os locais de vacinação mais urgentes

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veterinário no segmento da vigilância ambiental, prin-cipalmente em se tratando da avaliação dos impactos ambientais na saúde da população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A globalização tem intensificado o tráfego de pes-

soas, alimentos e bens de consumo entre os diferentes países; dessa forma, algumas enfermidades romperam as barreiras de proteção territoriais e estabeleceram--se em lugares onde antes não existiam. Nesse contex-to, torna-se cada vez mais necessária a consolidação das posições conquistadas pelos médicos veterinários na saúde pública, bem como a conquista de novos es-paços, principalmente dentro das equipes de vigilân-cia epidemiológica e ambiental.

O fato de grande parte da população ainda des-conhecer a importância da participação do médico veterinário na saúde pública tem sido uma barreira à devida ocupação de espaços. As atividades desse profissional são, muitas vezes, divulgadas de forma limitada, atribuindo-lhes apenas a prática da clínica médica e a inspeção sanitária dos matadouros. Já a OMS tem ressaltado a importância da sua participa-ção no planejamento e avaliação das medidas pre-ventivas e de controle adotadas pelas equipes de saúde pública.

Os cursos têm dedicado pouca ênfase ao ensino teórico e prático dos conteúdos relacionados às di-ferentes áreas de atuação na saúde pública. No Bra-sil, a maioria dos profissionais que estão trabalhan-do nessa área adquiriu o conhecimento por meio de

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AUTOR

CICERO CLEITON FIUZA DE MENEZESMédico veterinárioCRMV-CE nº 2083Autônomo, consultor em vigilância epidemiológica para governos municipais e [email protected]

T O controle de zoonoses e de doenças transmissíveis por vetores é de competência legal dos municípios

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estágios extracurriculares ou do estágio supervisio-nado obrigatório.

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CIRURGIA

FRATURAS DO ACETÁBULO EM PEQUENOS ANIMAIS

O tratamento cirúrgico, com redução anatômica aberta e fixação interna rígida, mantém-se como tratamento de escolha e a colocefalectomia deve ser considerada apenas para casos irredutíveis, como técnica de salvamento, quando a artroplastia total do quadril não é uma possibilidade

T Cães politraumatizados podem ser portadores de fraturas simples ou múltiplas do acetábulo

Os avanços em atendimento de urgência/emer-gência dos pacientes politraumatizados, bem como o aumento do número de traumatismos

de alta energia provocados, principalmente, por aci-dentes automobilísticos, ocasionaram um incremento do número de pacientes portadores de fratura aceta-bular em condições de ser submetidos ao tratamento cirúrgico (GEOGHEGAN et al., 2007).

As fraturas da pelve correspondem a 25% de to-das as fraturas em cães, sendo 12% a 30% destas fra-turas do acetábulo (MESSMER; MONTAVON, 2004). Nos gatos, estas correspondem a 7% das fraturas da pelve (DECAMP, 2005).

ANATOMIA E EPIDEMIOLOGIAO acetábulo faz parte da articulação do quadril, sen-

do cercado por ligamentos, músculos, vasos e nervos e

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apresentando características anatômicas que tornam o acesso cirúrgico complexo (BEAULÉ et al., 2003).

Corresponde à cavidade hemisférica incompleta, formada pela junção dos ossos ílio, púbis e ísquio, uni-dos durante a fase embrionária, e da cartilagem trirra-diada, aos três meses de vida, sendo responsável pela distribuição do peso corpóreo da coluna vertebral aos membros pélvicos. Apresenta superfície articular em forma de ferradura (“U” invertido), recoberta por carti-lagem hialina, circundando uma parte central sem car-tilagem, a fossa cotiloide. A superfície articular cartila-ginosa possui um teto ou abóbada, uma borda cranial, uma caudal e outra denominada fundo (GIORDANO; GIORDANO, 2011).

É incomum a fratura isolada da pelve, em virtude da inter-relação ílio, ísquio e púbis e do formato estrutural da pelve em forma de caixa, mesmo após trauma impor-

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tante; assim, invariavelmente, há outros locais de fratura para que exista deslocamento (TOMLINSON, 2007).

A intensidade e localização do trauma inicial e a posição do quadril no momento do acidente são deci-sivas na determinação do padrão de fratura e ocorrên-cia de lesões associadas (PORTER, 2008). No momento do impacto, o vetor de força exercido sobre o quadril transforma a cabeça femoral em um martelo dentro do acetábulo, resultando no tipo de fratura, seu grau de fragmentação e desvios observados (GIORDANO; GIORDANO, 2011). Além dos traumas automobilísticos, a fratura acetabular é consequência da concentração do estresse gerado pelos músculos e tendões em cães de corrida (PIRAS, 2007).

DIAGNÓSTICO CLÍNICOA presença de uma fratura do acetábulo é, ge-

ralmente, acompanhada de quadro doloroso e in-capacidade de apoio do membro afetado no solo, caracterizando impotência funcional. Em menor ocorrência, nos quadros de fratura mínima, o pacien-te pode apresentar-se apto a suportar peso com o membro afetado, dificultando o diagnóstico clínico. Comumente, a extremidade do membro pode ado-tar uma posição viciosa, em consequência do sinto-ma álgico ou de uma luxação do quadril associada (GIORDANO; GIORDANO, 2011).

A força necessária para produzir uma fratura do acetábulo é, frequentemente, transmitida ao quadril pela extremidade do membro pélvico, joelho ou face lateral da coxa ipsilateral. Portanto, é fundamental que se faça um exame completo de todo o membro aco-metido, incluindo a avaliação do status neurovascular, uma vez que tais fraturas podem lacerar os nervos isquiático e femoral (PORTER et al., 2008) ou causar compressão nervosa progressiva, devido à proliferação de tecido fibroso periacetabular em fraturas crônicas ou tratadas conservadoramente (DEWEY, 2006)

Para orientação ao exame físico, podem ser utili-zadas as proeminências ósseas, como asa do ílio, tro-cânter maior e tuberosidade isquiática. Na ocasião, verificam-se simetria pélvica, tolerância à amplitude articular, presença ou ausência de crepitação durante rotação e extensão da articulação coxofemoral, áreas edemaciadas ou resposta álgica (BONATH; PRIEUR, 1998). Também, exame digital retal cuidadoso pode trazer informações referentes ao estreitamento do ca-nal pélvico (HARASEN, 2007).

DIAGNÓSTICO POR IMAGEM E CLASSIFICAÇÃO

O diagnóstico deve basear-se, também, em exames de imagem, quando as fraturas poderão ser classifica-das em craniais, centrais, caudais ou cominutivas ou para descartar afecções de apresentação clínica seme-lhante, como luxação coxofemoral associada à fratura de cabeça e colo femorais ou mesmo a apresentação simultânea (BRINKER, 1999).

As radiografias de pelve nas projeções ventrodor-sal (VD) e laterolateral (LL) são indispensáveis. Já as mediolaterais ou oblíquas auxiliam no delineamento (HARASEN, 2007).

A Tomografia Computadorizada (TC) é mais sen-sível na detecção de diferentes tipos de fratura na pelve canina (SADAN et al., 2015) e seu uso cada vez mais frequente favoreceu o desenvolvimento de mé-todos objetivos e versáteis para a avaliação e plane-jamento cirúrgico da articulação coxofemoral (KISHI-MOTO et al., 2009).

Estudo realizado por Zeng et al. (2016) demons-trou que a combinação da simulação virtual com a im-pressão 3D possibilitou melhor acurácia e maior segu-rança para a cirurgia ortopédica, quando comparada às técnicas convencionais. Além disso, o tempo de cirur-gia foi menor nas fraturas analisadas.

TRATAMENTOExistem os tratamentos conservador e cirúrgico

para as fraturas de pelve e/ou acetábulo (ROEHSIG et al., 2008).

Cabassu (2005) relata que o tratamento conservador, em casos de fraturas múltiplas de pelve, exige tempo prolongado de recuperação e possibilita o aparecimen-to de sequelas, devido à redução do tamanho do canal pélvico e desalinhamento coxofemoral. Durante décadas, por se acreditar que a porção articular caudal do acetá-

T O uso de modelos deve ser estimulado no planejamento cirúrgico

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bulo recebia menos carga à deambulação, algumas fratu-ras no terço caudal da superfície articular foram tratadas de modo conservador (DENNY; BUTTERWORTH, 2006), porém avaliações em longo prazo apontaram que esses pacientes exibiram dor, sendo identificada osteoartrose ao exame radiográfico (HARASEN, 2007).

Posteriormente, foi demonstrado que, em gatos, o maior descarregamento de peso está concentrado no terço central e caudal da superfície articular do ace-tábulo e que, em cães, os terços cranial e caudal são mais propensos a receber carga do que o terço central, contrariando a teoria de que fraturas no terço caudal do acetábulo canino podem ser tratadas conservado-ramente (BECK et al., 2005; MOORES et al., 2007).

O tratamento conservador também é citado como alternativa para pacientes com comorbidades ou fra-turas com mais de dez dias de evolução, pois, após esse período, a fibrose inicial na região da fratura e a contração dos músculos associados impossibilitam a redução precisa sem risco de causar dano aos tecidos moles adjacentes, ou, ainda, fraturas cominutivas que não podem ser reconstruídas e casos raros de fraturas não deslocadas com fissura (TOMLINSON, 2007).

As técnicas de acesso cirúrgico para a exposição do acetábulo são variadas, porém a abordagem dorsal por meio da osteotomia do trocânter maior do fêmur e a abordagem caudal são as mais utilizadas (TOMLIN-SON, 2007). A abordagem ventral também é citada como opção (LETOUMEL, 1993).

Acesso dorsal, por divulsão muscular, foi citado como boa opção para cães, com menores chances de complicação se comparado à osteotomia do trocânter maior (MCCARTNEY; GARVAN, 2007).

Para a estabilização de fraturas acetabulares, têm-se usado placas acetabulares veterinárias curvas (PAVs), po-limetilmetacrilato (PMMA) associado a fios de Kirchner e cerclagem com banda de tensão, criando, assim, um fixa-dor interno, pinos de Steinmann e parafusos compressi-vos e placas de reconstrução convencionais ou bloquea-das (AMATO et al., 2008; ROEHSIG et al, 2008).

Muito embora resultados satisfatórios sejam cita-dos com os diferentes implantes, a PAV destacou-se por muito tempo como implante superior aos demais, por facilitar a moldagem da placa à superfície dorsal do acetábulo, permitindo redução mais precisa da li-nha de fratura. Apesar desse pré-contorno, frequente-mente, a redução é perdida no momento em que se promove torque aos parafusos, podendo predispor ao aparecimento de doença articular degenerativa (STUBBS et al., 1998; LANZ et al. 1999).

Frente a tais dificuldades de reparo preciso da linha articular, suscitando frequente debate sobre o tema, novos trabalhos têm surgido e são ainda necessários, a fim de estudar as características desse grupo de fraturas frente ao uso de diferentes e mais modernos implantes disponíveis, como placas de reconstrução bloqueadas, , a exemplo da UniLock® (AMATO et al., 2008).

A colocefalectomia é citada como opção de sal-vamento para casos de fraturas irredutíveis e/ou com mau resultado após tratamento conservador. Os resul-tados variam, sendo achados frequentes a claudicação persistente, dor, dificuldade de saltar e subir escadas, instabilidade patelar e encurtamento do membro (LE-WIS, 1992). Análise em placa de força de cães subme-tidos à colocefalectomia demonstrou, aos 120 dias de acompanhamento, incapacidade de recuperar a função

T As proeminências ósseas são pontos orientadores para colocação de placas ósseas e parafusos

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normal e a massa muscular do membro operado (GRIS-NEAUX et al., 2003).

Outra alternativa é a artroplastia total de quadril (prótese de quadril), que tem demonstrado resultados clínicos e em placa de força satisfatórios, encorajando sua utilização (DE BELLIS et al., 2013).

PROGNÓSTICO E COMPLICAÇÕESO prognóstico é dependente da gravidade da le-

são, condições próprias do paciente e escolha adequa-da do tratamento.

O prognóstico para redução cirúrgica é determinado pela estabilidade após a osteossíntese e pelo intervalo de tempo entre a fratura e sua redução (JOHNSON, 2013).

Complicações estão relacionadas ao trauma inicial, pelo dano à cartilagem articular ou à vascularização da cabeça femoral ou pelo tratamento efetuado, podendo ser agudas ou crônicas. As mais comuns são a osteoar-trite pós-traumática e a lesão neurológica, que é uma complicação potencialmente devastadora (GIORDANO; GIORDANO, 2011).

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AUTORES

THALES BREGADIOLIMédico veterinárioCRMV-SP nº 34655MSc, doutorando da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP)[email protected] CÁSSIO RICARDO AUADA FERRIGNOMédico veterinárioCRMV-SP nº 6835MSc, DSc, docente da FMVZ/USP

CAROLINE CEZARETTI FEITOSAGraduanda em Medicina Veterinária da FMVZ/USP

PAULO VINICIUS TERTULIANO MARINHOMédico veterinárioCRMV-SP nº 29693MSc, DSc, docente do Instituto Federal do Sul de Minas (IFSUL), campus Muzambinho

FERNANDA PAESMédica veterináriaCRMV-SP nº 28864MSc, doutoranda da FMVZ/USP

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ECOLOGIA

DESCRIÇÃO DE ESPÉCIES: UM CAMPO DE ATUAÇÃO EM ABERTO

O mais recente reconhecimento veio da descrição de seis espécies de tamanduaís pela ONG Projeto Tamanduá, sob coordenação da médica veterinária Flávia Miranda. O trabalho é resultado de dez anos de pesquisa e passa a ser uma referência mundial para a espécie

T Tamanduaí é um animal com menos de 300 g, de hábitos noturnos e que vive na copa das árvores

Descrever uma espécie é uma atividade que requer mais do que sorte, é algo que exige conhecimento e muita persistência. Recente-

mente, a Medicina Veterinária brasileira foi responsá-vel por capitanear a descrição de seis novas espécies de tamanduaí, ampliando o conhecimento sobre a biodiversidade do planeta. Agora, são conhecidos de-talhes sobre o menor e mais raro tamanduá do mundo e há muito a ser descrito sobre as espécies animais, principalmente em regiões pouco habitadas, como a Amazônia brasileira.

A descrição da espécie é uma atividade que faz par-te da taxonomia e sistemática. A taxonomia tem como objetivo identificar, descrever e classificar a diversidade de seres vivos, sendo responsável por nomear as espé-cies, sejam elas um vírus, bactéria, plantas ou animais. É uma ciência importante para a elaboração de inven-

tários e descrições sobre a biodiversidade. Como exis-tem milhões de seres vivos na Terra, essa classificação é referência para o estudo científico, principalmente da ecologia, biogeografia, biologia geral e conservação.

O conhecimento de anatomia, fisiologia e genéti-ca adquirido na formação do médico veterinário e do zootecnista qualifica-os para atuar na área; contudo, o número de profissionais atuantes é reduzido. Provavel-mente, a lacuna profissional seja decorrência do peque-no aprofundamento do conhecimento em evolução e sistemática durante a formação profissional.

No Brasil, atualmente, os poucos médicos veteri-nários que atuam nessa área apresentam resultados importantes. Nesse sentido, o Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (Nupecce), coordena-do pelo médico veterinário Maurício Barbanti, des-creveu o veado-vermelho (Mazama bororo). Outro

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exemplo é o trabalho da equipe do Projeto Taman-duá, responsável pela recente descrição do taman-duaí, tema deste artigo.

DESCOBRINDO O MENOR E MAIS RARO TAMANDUÁA pesquisa com os tamanduaís começou há mais

de dez anos, quando foi iniciado o trabalho de levan-tamento da sua ocorrência no Nordeste brasileiro, pela ONG Projeto Tamanduá, e foi motivada pelos resultados de uma reunião do grupo mundial de especialistas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) em tamanduás, tatus e preguiças.

O tamanduaí era reconhecido como uma única es-pécie, o Cyclopes didactylus, que estava distribuído nas matas tropicais das Américas do Sul e Central, incluin-do Amazônia e Mata Atlântica do Nordeste brasileiro. Ao relacionar dados das populações do Nordeste e do Amazonas, surgiu a hipótese de que havia uma nova es-pécie de tamanduaí na Mata Atlântica nordestina. Essas populações estavam isoladas da população que vive na floresta amazônica pela faixa de caatinga, que separa a floresta atlântica da floresta amazônica. Era hora de buscar a comprovação.

Quanto mais se comparavam as populações, maior era a convicção de que se tratava de espécies distintas, pois havia exemplares completamente diferentes em coloração e tamanho. Assim, surgiu a dúvida: a aparente diferença morfológica dos indivíduos das duas regiões não esconderia também diferenças mais profundas, em nível molecular? Era preciso investigar.

A população de tamanduaís do Nordeste conti-nuou sendo registrada e estudada. Em 2006, houve apoio da IUCN e da Wildlife Conservation Society (WCS) para mapear a espécie na região. No entanto,

durante dois anos de andanças por todo o Nordeste, foram obtidas poucas informações. Também não foi visto nem capturado nenhum tamanduaí. A busca era muito difícil. O tamanduaí é um animal de apenas 300 g, que vive na copa de grandes árvores, em zonas ala-gadas, como igarapés, igapós e mangues, quase não desce ao solo, não vocaliza em momento algum e só é ativo à noite.

A frustração era enorme e foi muito difícil manter a equipe motivada. Foi então que, em 2007, o escritó-

O tamanduaí (em tupi-guarani: ta = formiga, mon-duá = caçador, í = pequeno), parente menor do ta-manduá-bandeira e do tamanduá-mirim, perten-ce ao grupo dos Xenarthra, mamíferos de origem sul-americana, como os tatus e os bichos-pregui-ça. Com comprimento corporal de cerca de 35 cm e cauda de até 20 cm, pesando não mais que 300 g o indivíduo adulto, possui dois dígitos em cada membro anterior, providos de fortes garras curvas, que, além de funcionarem como uma fer-ramenta alimentar, permitindo a abertura de for-migueiros, auxiliam na locomoção do animal pelo estrato arbóreo e servem como instrumento de defesa. A cauda é comprida e preênsil e a região posterior é desprovida de pelos. Possui olhos pe-quenos, orelhas diminutas, um focinho que ter-mina em uma boca mais alongada e uma língua delgada e comprida. É um mamífero pequeno, de hábito noturno, que vive somente na copa das árvores. Quanto à alimentação, é mais seletivo do que os outros tamanduás, dando preferência a alguns gêneros de formigas e cupins, por isso é difícil mantê-lo em cativeiro.

T Exame clínico realizado no barco no rio Parnaíba

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rio regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Recife apreendeu um tamanduaí com coloração dourada que chamou atenção. Dessa forma, foi possível coletar san-gue para análise genética e tirar fotografias para provar que realmente a espécie existia no Nordeste. Nos anos seguintes, a sorte foi maior e outros animais foram cap-turados, aumentando os dados da pesquisa.

COLETA DE DADOS E EVIDÊNCIASFoi necessário um longo trabalho de campo e

cerca de 20 expedições ao Norte e Nordeste para que pudessem ser feitas comparações. Preferencial-mente, destinavam-se a áreas isoladas por barrei-ras geográficas, como os grandes rios amazônicos. A busca pelo animal foi feita de barco ou a pé nas trilhas e a captura, manual, subindo nas árvores por meio de ascensão e rapel. Houve ocasiões em que a equipe ficou por 60 dias em expedições, com apoio da população local.

A busca aconteceu em uma área de ocorrência re-cém-descoberta no Nordeste brasileiro: a região do Delta do Parnaíba. A procura na região de manguezais e restinga foi motivada pela falta de informações sobre

a população nesses ecossistemas. O trabalho foi difícil, afinal, os manguezais do Delta do Parnaíba são ainda mais complicados de acessar que a floresta amazônica – o terreno é pantanoso e as árvores, altíssimas.

T Coleta de amostras sanguíneas para exames genéticos

QUANDO NASCE UMA NOVA ESPÉCIE?

Para descrever uma espécie, é pre-

ciso uma abordagem objetiva dos

padrões observados, com tra-

balhos integrando descrições

quantitativas, filogenias mo-

leculares, ecologia e testes

de hipóteses biogeográficas,

até a caracterização final. Com os

avanços metodológicos experi-

mentados atualmente, é pos-

sível realizar uma delimitação

mais precisa das espécies e

entender melhor a diversida-

de existente.

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Toda evidência encontrada foi importante. Por exemplo, das coletas, a de fezes permitiu identificar a composição da dieta dos animais. Além disso, foram anotadas as coordenadas geográficas, o habitat em que se encontravam, a data e o horário da coleta, para que outros dados pudessem ser extraídos. Também foram realizadas observações e análises comportamentais do animal para entender melhor sua interação com o habi-tat, sua área de vida e o uso do espaço.

Durante as campanhas de monitoramento, as áreas de alimentação também foram identificadas e amostras de cupins e formigas, coletadas, para análise de dispo-nibilidade de item alimentar. Até os ninhos encontrados predados foram avaliados, pois toda evidência pode trazer informação para montar o quebra-cabeça dessa investigação de identificação de uma nova espécie.

Nas expedições, as informações de comportamen-to também foram relacionadas. As marcações em ár-vores foram avaliadas de acordo com os arranhões em seus troncos, diferenciados em: (i) horizontais, quando o animal confere golpes laterais no tronco da árvore com o membro anterior, enquanto os outros três mem-bros permanecem em contato com o solo, deixando

T Exame detalhado dos caracteres de crânio, como número de forames e formatos ósseos

um “corte” horizontal no tronco; (ii) verticais, quando o animal levanta-se sobre as patas posteriores e, apoian-do-se na árvore, utiliza os membros anteriores para efetuar a marcação, deixando cortes verticais no tron-co. Também foram registrados a altura, Circunferência na Altura do Peito (CAP), altura da primeira ramifica-ção, número total de arranhões, orientação das marcas (vertical/horizontal), comprimento das marcas, altura da marca superior, localização geográfica e ambiente onde estava inserida.

PESQUISA NO ANIMALO animal foi encontrado pelo método de busca ati-

va; em seguida, foi imobilizado e anestesiado. Antes de iniciar a coleta de amostras biológicas, houve uma avaliação clínica, por meio de exames de rotina, como auscultação cardíaca e respiratória, avaliação de tem-peratura retal e palpação. Dessa forma, houve o moni-toramento da resposta à sedação e a mensuração dos parâmetros fisiológicos.

Na sequência, os exemplares foram submetidos a um exame clínico detalhado para averiguar o estado de saú-de aparente e/ou a presença de lesões. Os ectoparasitos encontrados foram coletados, acondicionados em fras-cos com álcool 70% e encaminhados para identificação e posterior tombamento.

Os indivíduos capturados tiveram as seguintes me-didas aferidas: circunferência total da cabeça, circun-ferência total do focinho, comprimento total da orelha, circunferência do tórax, comprimento total da cabeça, comprimento total do corpo, comprimento total da cauda, comprimento total do pé, largura da almofada palmar, comprimento total da garra e peso (em gra-

SEIS NOVAS ESPÉCIES DESCRITAS

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Cyclopes ida: restrita ao norte do rio Amazonas e margem direta do rio Negro.

Cyclopes catellus: restrita à região do sopé dos Andes, na Bolívia (Yungas).

Cyclopes rufus: da região de Rondônia, cujo nome faz referência à sua cor avermelhada.

Cyclopes thomasi: ocorre na margem direita do rio Amazonas, na região do Acre e Peru.

Cyclopes dorsalis: habita as florestas do México à Colômbia e Equador (costa do Pacífico).

Cyclopes xinguensis: como o próprio nome diz, pode ser encontrada na região próxima ao rio Xingu.

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mas). Ainda, receberam uma marcação com microchip para monitoramento.

Todos os procedimentos de captura foram foto-grafados e os locais, georreferenciados para confec-ção dos mapas com a distribuição espacial dos espé-cimes capturados.

NO LABORATÓRIO: ANÁLISES GENÉTICAS E COM-PARAÇÕES EM 3D

Enquanto foram colhidos os dados, foram feitas as avaliações genéticas no Laboratório de Biodiver-sidade e Evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para verificar a diversidade de espécies para o gênero Cyclopes. Foram mais de três anos de análise do DNA mitocondrial e do DNA nuclear dos tamanduaís, por meio de extrações e sequenciamento.

O DNA genômico foi extraído de amostras do fígado, músculo, sangue e pelos, usando um pro-tocolo DNeasy Blood & Tissue Kit para amplificação e sequenciamento, a reação em cadeia da polimerase (PCR). Para análises filogenéticas, escolheram-se os modelos de substituição de nucleótidos. Todas as aná-lises utilizaram quatro táxons fora do grupo: Tamandua tetradactyla e Myrmecophaga tridactyla, Bradypus tridactylus e Choloepus didactylus.

Na análise de datação, o relógio molecular revelou que a separação das diversas espécies

O relógio molecular é uma técnica em evolução molecular para

relacionar o tempo de divergência entre duas espécies ao número de

diferenças moleculares medidas entre as sequências de DNA ou

proteínas. Quanto mais aparentadas geneticamente, menor é o tempo de separação entre duas espécies. Essa

teoria é uma excelente ferramenta para a biologia, que afirma que as moléculas evoluem em uma taxa aproximadamente constante. No

entanto, não fornece dados exatos, ou seja, ela gera estimativas de

tempo de eventos na história evolutiva.

T Delineamento das coletas nas coleções de história natural (crânio e pós-crânio)

de tamanduaís é muito antiga. Estima-se que o gru-po Cyclopedidae dos tamanduaís divergiu do restante dos tamanduás (que deu origem ao tamanduá-ban-deira e ao tamanduá-mirim) no Oligoceno inferior, há 30 milhões de anos.

Acredita-se que os tamanduaís nordestinos pos-sam ter sido separados das populações amazônicas

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T Coleta de amostra de tecido para cultura de células para análise de citogenética

T Análise morfométrica de crânio de tamanduaí

na Era do Pleistoceno, quando as florestas atlântica e amazônica retraíram, sendo substituídas pela caa-tinga. Por essa razão, a espécie do Delta do Parnaíba pode ter traços genéticos e evolutivos diferentes da que foi originada.

Por fim, foram utilizados métodos de delimita-ção de espécie, como programas computacionais que usam métodos probabilísticos baseados no modelo coalescente de multiespécie. Esse método possibilita o teste de hipóteses sobre a delimitação de espécies, mesmo em grupos que se originaram recentemente, ou seja, que apresentam tênue distinção morfológica entre as linhagens, porém complexa variação geográfi-ca entre populações.

Se as evidências moleculares são definitivas para a nomeação de novas espécies, o levantamento de da-dos morfológicos e ecológicos é importante para cor-roborar as descrições. Como complemento, para que houvesse informações comparativas, foram feitas visi-

tas aos museus de história natural na Europa, Estados Unidos e América Latina. Nesses locais, foram medidos mais de 250 crânios, analisada a coloração das peles e mensurada a biometria craniana dos tamanduaís.

PERSPECTIVASA pesquisa continua em andamento na região do

Nordeste e em países adjacentes, como Peru e Bolívia. Neste ano, será realizada pela IUCN e governo brasi-leiro uma nova análise do status de conservação das novas espécies, com o intuito de entender suas prin-cipais ameaças.

O trabalho realizado teve entre seus objetivos: ge-rar maior conhecimento sobre taxonomia, sistemática, ecologia e distribuição do tamanduaí; identificar áreas prioritárias e criar unidades de conservação para a es-pécie; e promover ações de educação ambiental para a sensibilização da sociedade.

AUTORES

FLÁVIA MIRANDA Médica veterinária CRMV-PE nº 2869MSc, DSc, coordenadora do Projeto Tamanduá[email protected]

DANIEL M. CASALIBiólogo Doutorando em Zoologia da UFMG

FERNANDO A. PERINI Biólogo Docente da UFMG

FABIO A. MACHADO Biólogo Pós-doutorando da UFMG

FABRÍCIO R. SANTOS Biólogo CRBio nº 8805/04DDSc, docente da UFMG

Artigo científico publicado: Flávia R. Miranda, Daniel M. Casali, Fernando A. Perini, Fabio A. Machado e Fabrício R. Santos. Taxonomic review of the genus Cyclopes Gray, 1821 (Xenarthra: Pilosa), with the revalidation and description of new species. Zoological Journal of the Linnean Society https://doi.org/10.1093/zoolinnean/zlx079

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ENSILAGEMA produção animal exige cada vez mais

que os técnicos busquem alternativas estratégicas de nutrição, sendo a ensilagem uma das alternativas

mais tradicionais e eficientes. Ela requer preocupação com a escolha da

forrageira ou leguminosa, modo de produção e armazenamento e uso de

tecnologia para sua maior durabilidade

Uma das estratégias para contornar a estaciona-lidade de produção de forragens consiste no uso da silagem, como volumoso, para comple-

mentar o manejo da pastagem ou até mesmo em con-finamentos, por períodos que excedam a escassez de alimento. Na ensilagem, é produzida a silagem, produto oriundo da conservação de forragens úmidas (planta inteira) ou de grãos de cereais com alta umidade (grão úmido) pela fermentação em meio anaeróbio, ambiente isento de oxigênio, em locais denominados silos.

A silagem de planta inteira (volumoso energético) é um alimento distinto da silagem de grão úmido (con-centrado energético). Portanto, são alimentos comple-mentares, ou seja, na alimentação de ruminantes, a silagem de grãos úmidos, alimento com concentrado energético, complementa a silagem de planta inteira, que é o volumoso, resultando em uma dieta eficiente e de menor custo.

NUTRIÇÃO ANIMAL

T Produção de silagem de milho a partir de planta inteira e colheita mecanizada

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SILAGEM DE FORRAGEIRAS

Apesar de o milho e o sorgo serem as forrageiras mais adequadas para produção de silagem, o milheto tem ganhado espaço, por ser uma planta que se adapta bem a diversas regiões, não ser exigente em fertilidade e tolerar bastante o deficit hídrico.

Milho O milho (Zea mays L.) é uma espécie anual com am-

pla faixa climática. Sua produtividade é significativa em condições de temperatura elevada, boa intenção de ra-diação solar e condições básicas de precipitação. É um dos principais cereais cultivados em todo o mundo e pos-sui ótimo valor energético, pouco teor de fibra e elevada produção de Matéria Seca (MS) por unidade de área.

Os melhores híbridos são os mais adequados ao processo da ensilagem e a colheita da cultura deve ser realizada quando apresenta os grãos farináceos a du-ros, ou seja, durante o florescimento, sofrendo mudan-ças na quantidade e no acúmulo de teor de MS, que deve oscilar entre 30% e 35%, sendo esse o momento que o grão encontra-se com maior teor de amido no endosperma, alto valor de carboidratos solúveis e bai-xo teor tampão, proporcionando fermentação adequa-da (OLIVEIRA, 2012).

SorgoO sorgo (Sorghum bicolor L.) apresenta vantagens

de menor custo comparado ao milho e maior tolerân-cia ao estresse hídrico, permite maior amplitude das épocas de plantio que outras culturas de grãos, sem que a produtividade seja afetada, mais de um corte durante seu ciclo, além de maior tolerância a ataques

de pragas e doenças, alto rendimento produtivo e boa aceitação no mercado de compradores.

O sorgo forrageiro, em média, apresenta porte su-perior a 2,7 m de altura, que favorece alta produção de massa verde, com produtividade aproximada de 60 t ha¹ somente no primeiro corte, sendo uma espécie in-teressante por apresentar uma boa rebrota, que acres-centa mais 30% a 70% na produtividade, no segundo corte, quando suas condições de exigências nutricio-nais são obedecidas. Apresenta uma grande vantagem quanto ao custo da ensilagem, mas sua qualidade é inferior, devido à baixa produção de grãos e fácil tom-bamento, dificultando o processo de colheita mecani-zada (EMBRAPA, 2001). Mesmo assim, é uma planta de porte alto, com colmos de boa aceitação na digestibi-lidade dos animais, alto teor de açúcares e em torno de 30% de MS, adequados para uma boa fermentação.

O sorgo granífero é uma variedade de porte infe-rior, chegando a 1,70 m de altura, destinada à produ-ção de grãos. Quando utilizado para ensilagem, sua produtividade é próxima de 30 t ha¹, mas é uma sila-gem de alta qualidade nutricional, devido à significan-te presença de grãos secos (EMBRAPA, 2001).

T Silagem de grão úmido é alternativa para ser usada como concentrado energético. Sua produção e armazenagem requerem cuidados

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T Existem cultivares de milho que melhor se adptam ao local e à ensilagem

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Milheto

O milheto, trabalhado como fonte de alimento na forma de silagem, pode produzir de 20 a 70 t ha¹ de matéria verde em um único corte, durante o período inicial das chuvas (CHANDRIKA et al., 2012). Apresenta vantagens em relação ao milho e sorgo quando avalia-do nos aspectos de valor proteico. Produz, em média, 15% de proteína bruta e apresenta boa palatabilida-de e digestibilidade de até 78%. Também é capaz de fornecer um segundo corte na rebrota e contém uma grande diversidade nos seus usos. Embora não seja uma planta padrão para o processo de ensilagem, pode propiciar silagem de qualidade satisfatória, a custos, possivelmente, inferiores ao milho e sorgo.

Preparo de soloA maioria dos solos brasileiros apresenta pH baixo,

sendo um problema para as culturas de milho e sorgo, tornando necessária a calagem para atingir pH 5,2 a 6,8, ideal para a maioria das plantas. O calcário deve ser incorporado a 25 a 30 cm de profundidade, 60 a 90 dias antes do plantio (MIRANDA et al., 2002).

A produção de silagem promove grande remoção de nutrientes do solo, uma vez que a planta é recolhida quase em sua totalidade, exigindo adubação de quali-dade. Também existe diferença nas adubações neces-sárias para produção de grãos e de silagens: enquanto nos grãos a saturação por base deve ser de 60%, para a silagem deve ser de 70% e adubações, 30% a 50% acima da utilizada para grãos (ALVES et al., 1999).

O sorgo adapta-se a uma grande variedade de solos, mas aqueles com acidez elevada reduzem a

produção. Novos híbridos tolerantes a pH baixos têm surgido. Para o milho, cultura mais exigente em ferti-lidade, o solo deve ser rico em nutrientes, profundo e de textura média.

A exigência de nutrientes oscila de acordo com a pro-dutividade esperada e essa expectativa de produção dá--se a partir das condições de nutrientes que existem no solo. O correto é encaminhar ao laboratório, anualmente, uma amostra de solo para análise, que deve ser realizada, preferencialmente, no fim do período chuvoso.

Escolha dos cultivaresExistem cultivares de milho que melhor se adaptam

à silagem, sendo adequados à região de plantio, alta produção de grãos, grãos macios do tipo dentado, boa produtividade de matéria verde e resistência às doenças foliares e ao acamamento. Outra característica é a digesti-bilidade da parede celular (MIRANDA et al., 2002).

AS CARACTERÍSTICAS DESEJÁVEIS DE UMA PLANTA PARA ENSILAGEM SÃO:

Adaptabilidade ao clima tropical.

Alta produtividade e teor adequado de MS.

Bom valor nutritivo, com alto consumo pelos animais.

Baixo poder tampão.

Níveis adequados de carboidratos solúveis para a fermentação e conservação.

T Milho plantado em sistema convencional

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O sorgo apresenta cultivares dos tipos forrageiro, duplo propósito e granífero. O forrageiro é uma planta de porte alto, não muito indicada para silagem, pois tem relação colmo-folha alta, prejudicando a qualida-de da silagem. O granífero possui grande proporção de grãos na massa ensilada, mas é de porte pequeno, ten-do baixa produtividade por área. Já o duplo propósito é uma planta de porte médio, que apresenta boa pro-dução de grãos e massa seca; diante disso, apresenta as melhores características para produção de silagem (MIRANDA; PEREIRA, 2003).

PlantioOs sistemas de semeadura do sorgo e milho po-

dem ser plantio direto (acontece movimentação da ter-ra apenas na linha de plantio) e convencional (aragem, gradagem e nivelamento).

Lima (2008) recomenda que o plantio de sorgo, para silagem, deve obedecer ao espaçamento de 0,7 a 0,8 cm entre linhas, com 18 a 20 sementes por metro e stand de 200 mil plantas/ha. O stand ideal para milho é de 70 mil plantas/ha, sendo que o espaçamento de 0,4 cm tem ganhado destaque. A redução do espaça-mento e aumento na densidade de planta/ha ampliam a produtividade, mas acontece decréscimo no número de grãos por espiga (DEMÉTRIO et al., 2008).

A melhor proporção de grãos na massa ensila-da tem sido nos stands entre 40 e 60 mil plantas/ha, mas deve ser buscado um equilíbrio de produção, com grande participação de grãos, mas elevado volume de massa seca. Sendo assim, as populações recomenda-das têm sido entre 50 e 70 mil plantas/ha, atingindo o equilíbrio de produtividade e produzindo uma silagem de qualidade (SILVA, 1983).

Para o milheto, a época de semeadura influencia diretamente a produtividade, pois, quanto mais tardio for o plantio, menor será a produção final. Como é uma planta muito rústica, que apresenta tolerância maior que a do sorgo à seca, pode ser plantada logo após a colheita da safra, em regiões que apresentem umidade do solo suficiente para o desenvolvimento da safrinha. Devido à semente ser muito pequena, a profundidade não pode ser maior que 4 cm e menor que 2 cm, para ter contato com a umidade e capacidade de emergir. Para produção de silagem, tem sido recomendado o stand de 180 mil plantas/ha, sendo o espaçamento de 0,7 cm entre linhas (PEREIRA FILHO et al., 2003).

É muito importante, na hora de definir o espaça-mento entre linhas, considerar as máquinas e equipa-mentos que serão utilizados na colheita. Para automo-triz, o espaçamento de plantio é de 50 cm, enquanto para as do tipo JF deve ser de 70 a 80 cm.

Controle de plantas daninhasPlantas daninhas ou invasoras competem por água,

luz e nutrientes. O milho e o sorgo sofrem muito com essas plantas, porque elas têm rápido estabelecimen-to e alto poder de competição, além de efeitos alelo-páticos e serem hospedagem de insetos e doenças. A presença de plantas daninhas pode reduzir a produção de MS em até 54% e a competição entre plantas dani-nhas e milho, nas primeiras três semanas, pode reduzir a produção de grãos em até 25% (SILVA et. al., 1983).

As plantas de sorgo devem emergir em solo limpo, evitando que as plântulas sejam abafadas. No sistema convencional, a semeadura deve ser imediatamen-te após a gradagem, para que a cultura de interesse emerja antes da planta invasora. Já no plantio direto, a cobertura morta dificulta o aparecimento de plantas daninhas e a dessecação feita na cultura anterior man-tém a área livre delas (KARAM et al., 2001).

PRODUÇÃO DE SILAGEM

1. Possuir relevo tratorável

– economia de tempo

entre o corte e a ensilagem

garante qualidade do

material ensilado.

2. Possuir irrigação ou

índice pluviométrico

adequado.

3. Possuir disponibilidade

de maquinário para o

preparo do solo, adubação,

plantio e colheita, de modo

a realizar as etapas no

momento correto.

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Outros métodos podem ser aplicados, como as capinas manual, mecânica e química. A capina manual é utilizada em pequenas propriedades, nos primeiros 40 a 50 dias, sendo realizada duas a três vezes nesse período. A mecânica tem boa eficiência, mas causa al-gumas injúrias nas raízes da cultura de interesse. A quí-mica é a utilização do herbicida seletivo para a cultura (KARAM et al., 2001).

Devem ser avaliadas as ervas predominantes no local e aplicados os herbicidas adequados (folhas lar-gas ou estreitas), cerca de sete dias após a primeira adubação de cobertura.

ColheitaAs colheitas tardias geram perdas de grãos no cam-

po, redução no valor nutritivo e alto teor de MS. Por ou-tro lado, as precoces apresentam baixa produtividade e elevada umidade, o que favorece o crescimento de bactérias indesejáveis e prejudica a fermentação ade-quada da silagem (LIMA, 2008).

O ponto para ensilar o sorgo é quando a planta inteira atinge 30% de MS, com grãos no estádio de maturação pastoso-farináceo (LIMA, 2008). Para o mi-lho, o momento ideal para a colheita é quando a plan-ta atinge 30% a 35% de MS. Uma forma prática é a observação da linha do leite do grão, sendo indicado colher quando o grão estiver com um a dois terços preenchidos com amido, no estádio de maturação pas-toso-farináceo.

A planta deve ser colhida a 10 cm do solo, gerando maior aproveitamento da matéria verde, aumentando a produtividade, mas, à medida que essa altura de cor-te é elevada, melhoram as características da silagem;

em contrapartida, reduz-se a produtividade. A silagem é melhorada, pois diminui a participação de fibras de baixa qualidade e aumenta a de grãos na MS total (FANCELLI; DOURADO NETO, 2000).

Tamanho da partícula e os processos fermentativosEntre os parâmetros físicos do material ensilado,

é conveniente determinar o tamanho das partículas e densidade, ambas variáveis condicionantes da facilida-de de compactação e exclusão do oxigênio da massa.

A picagem facilita a acomodação do material den-tro do silo, além de expor os carboidratos solúveis e facilitar a ação dos microrganismos fermentadores. Tamanhos de partículas menores, abaixo de 5 mm, prejudicam a ruminação e reduzem o consumo volun-tário de silagens e a digestão das fibras. Para decidir o tamanho adequado das partículas, é importante levar em consideração o teor de MS da planta, pois, quanto maior for o conteúdo de MS, menor deverá ser o tama-nho das partículas.

A determinação do tamanho das partículas adqui-re importância por seu efeito direto sobre o consumo e digestibilidade, atuando sobre a velocidade de passa-gem da digesta no trato digestivo, além de influenciar o processo de fermentação e a composição química e nutricional da silagem, que, por sua vez, afetam o con-sumo voluntário.

A modificação na forma física da forragem pode causar alterações na resposta animal, algumas das quais desejáveis e outras não. Essas alterações interferem em certas características de desempenho, tais como: consu-mo de alimento, ganho de peso, eficiência de utilização de alimento e digestibilidade dos nutrientes.

T Linha do leite do grão: o seu avanço resulta em consequente aumento dos teores de amido na silagem

T O correto tamanho da partícula é essencial para o bom aproveitamento do material no consumo e digestibilidade pelos animais

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Parâmetros fermentativos

Nos processos de conservação de forragem, ocorrem perdas de nutrientes de diversas magnitu-des; eventualmente, essas perdas ocorrem ao longo do período de ensilagem, na forma de efluente, e devem ser evitadas. O volume do efluente produ-zido no silo é influenciado, principalmente, pelo conteúdo de MS da espécie forrageira e pela densi-dade de compactação, entre outros, como o tipo de silo. No efluente, estão presentes compostos orgâ-nicos como açúcares, ácidos orgânicos e proteínas (MCDONALD et al., 1991).

O teor de MS, no momento do corte do material, tem sido um dos fatores que mais modificam a qua-lidade e o valor nutritivo da silagem. Materiais com teores acima de 40% de MS dificultam a compactação, impedindo a eliminação do ar e proporcionando con-dições para o aquecimento e o crescimento de micror-ganismos aeróbios e anaeróbios facultativos.

A capacidade de tamponamento das plantas, ou seja, sua capacidade de resistir às alterações de pH, influencia a fermentação da silagem. Para que a fer-mentação ocorra de forma ideal, devem ser ressalta-

T O efluente produzido pode indicar má qualidade do silo

dos o meio anaeróbio e a disponibilidade adequada de carboidratos solúveis para as bactérias, ambos de-pendentes do tamanho da partícula e da compactação.

Silagens colhidas, picadas e compactadas correta-mente permitem um ambiente mais adequado, sendo quedas rápidas de pH desejáveis. Geralmente, esse processo de redução de pH deve-se à formação de ácidos, consequência da fermentação de carboidratos solúveis por bactérias láticas encontradas na cultura ou adicionadas na massa ensilada. Esses ácidos, prin-cipalmente o lático, aumentam a concentração do íon hidrogênio em um nível em que os microrganismos in-desejáveis são inibidos.

A concentração de amônia, representada como porcentagem do nitrogênio amoniacal (N-NH3) em re-lação ao Nitrogênio Total (NT), é utilizada na avaliação de silagens. Silagens com altos e baixos teores de MS possuem essas frações aumentadas. Já nas fermenta-ções apropriadas, os teores são menores, refletindo menor proteólise do material ensilado (EVANGELISTA; LIMA, 2001).

Estádio de colheita versus massa específica A massa específica e o teor de MS determinam a

porosidade da silagem, que estabelece a taxa de ae-ração e, posteriormente, o grau de deterioração na armazenagem e na desensilagem. A maior penetração de ar na silagem, durante a utilização, ocorre quando a compactação da massa ensilada é insuficiente para formar uma adequada massa específica.

Embora não exista um valor ideal para avaliação de um silo, recomendam-se massas específicas supe-riores a 550 kg e inferiores a 850 kg matéria verde/m3, sendo esse alto valor obtido apenas em condições bastante favoráveis.

Além do estádio da planta no momento da colhei-ta, outros fatores interferem na qualidade da compac-tação, determinando uma melhor ou pior massa espe-cífica, como peso e tempo de compactação, espessura da camada colocada, taxa de enchimento do silo e ta-manho de partículas.

Menores tamanhos de partículas favorecem a com-pactação do material e, consequentemente, a fermen-tação anaeróbia, preservando o valor nutritivo da mas-sa ensilada e minimizando as perdas de MS e possíveis perdas no momento da desensilagem e fornecimento aos animais.

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Compactação A compactação é necessária para a expulsão do ar

e o estabelecimento de condições de anaerobiose no interior do silo. Ela reduz perdas de superfície, mas não tem influência na fermentação nas camadas inferiores da silagem em silos de grande porte. Uma compacta-

ção efetiva e bem conduzida proporciona aumento do ácido láctico (MCDONALD et al., 1991). Por outro lado, silos mal vedados e compactados sofrem perdas de MS e aumento da temperatura da silagem.

O teor de umidade do material ensilado e a com-pactação influenciam de forma direta a quantidade de efluente produzida. Outros fatores também con-tribuem, mas de forma indireta, como, por exemplo, a profundidade e a seção do silo.

Velho et al. (2007) observaram que a pressão de compactação teve pouco efeito sobre a consolidação da massa da silagem e, consequentemente, sobre a produção de efluente em silos de pequeno porte.

Estabilidade aeróbia Para que a ensilagem ocorra com sucesso, é neces-

sária a exclusão total do ar dentro do silo, diminuindo ao máximo a ação dos microrganismos aeróbios responsá-veis pela deterioração das silagens.

Tamanho de partícula inadequado favorece a ação de oxigênio durante o armazenamento ou no momento em que o silo é aberto, o que proporciona o crescimento de microrganismos aeróbios facultativos que sobrevive-ram inativos na ausência do oxigênio. Esses microrga-nismos utilizam vários substratos derivados diretamen-te da forragem ou, indiretamente, da fermentação.

SILAGEM DE LEGUMINOSAS COM GRAMÍNEASA utilização de gramíneas consorciadas com legu-

minosas aumenta o aporte proteico do conjunto e o

T A compactação adequada equivale a maior durabilidade e redução de perdas

ABAIXO DE 30%(MUITO ÚMIDA)

30% A 35%(IDEAL)

ACIMA DE 35%(MUITO SECA)

Menor produção de MS por hectare.Possibilidade de ocorrência de fermentação indesejável pelo excesso de umidade (fermentação butírica).Perda de nutrientes pela água que escorre do silo (chorume).Menor quantidade de grão na silagem (amido) que interfere na qualidade e digestibilidade.

Melhores compactação e fermentação.Melhor produção de MS por hectare.Melhor qualidade nutricional.Melhor digestibilidade.Maior consumo por animal.

Dificuldade de corte, com obtenção de partículas grandes.Dificuldade de fracion- amento de grãos (amido não disponível).Dificuldade de com-pactação do material ensi-lado (formação de bolsões de ar, que favorecem o desenvolvimento de fun-gos não desejáveis).Menores qualidade e di-gestibilidade da silagem.

SILAGEM DE MILHO UMIDADE (MS) DA AMOSTRA

Fonte: MONSANTO – Centro de treinamento regional.

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teor de proteína bruta da silagem, que, quando é feita utilizando somente gramíneas, apresenta, em média, valores entre 4% e 7% (base na MS), dependendo da forrageira empregada.

Silagem de soja consorciada com Brachiaria brizan-tha possui como momento ideal para a colheita o início da maturação dos grãos e proporção de folhas mortas em torno de 50% (LEONEL et al., 2008).

A inclusão de leucena em silagens de gramíneas pode trazer benefícios do ponto de vista qualitativo, bem como incrementar o aporte nutricional. Também, a adição de amendoim forrageiro ao capim-marandu, no momento da ensilagem, aumenta o teor de pro-teína bruta e reduz o teor de fibra, proporcionando perfil fermentativo adequado e boa recuperação de MS nas silagens.

Foi observado aumento linear do pH de silagens de capim-elefante com diferentes níveis de inclusão de leucena, à medida que se elevou a proporção da leguminosa, sendo que um dos fatores que contribuí-ram para a elevação do pH foi o aumento dos teores de proteína bruta, proporcionado pela adição de leucena (PEREIRA et al., 1999).

SILAGEM CONTENDO SOMENTE LEGUMINOSASAs leguminosas forrageiras, em face da capacidade

de fixação simbiótica do nitrogênio atmosférico, são essenciais para incrementar a produtividade e consti-tuem um caminho na direção da sustentabilidade de sistemas agrícolas e pecuários.

Silagens de milho e sorgo apresentam baixo teor proteico, o que constitui uma limitação ao seu

uso exclusivo, principalmente para animais de altas exigências nutricionais. Nesse sentido, silagens de leguminosas, como a soja e o amendoim forrageiro, podem ser importantes alternativas para aumentar o teor proteico da dieta. Contudo, as leguminosas, em-bora apresentem elevado valor nutritivo, são plan-tas com algumas características indesejáveis para o adequado processo de fermentação da massa ensi-lada, como alta umidade no momento da colheita, alto poder tampão e baixo teor de carboidratos solú-veis em água. Acrescenta-se a isso a baixa população autóctone de bactérias produtoras do ácido lático. Apesar dessas limitações, a obtenção de silagem de qualidade com leguminosas pode ocorrer pelo uso de aditivos.

A adição de polpa cítrica peletizada promove au-mento nos teores de MS e reduz os valores de pH e de nitrogênio amoniacal em silagens de estilosantes Campo Grande. Adição de inoculante e polpa cítrica ao estilosantes, no momento da ensilagem, favorece a fermentação lática, bem como restringe a fermenta-ção butírica.

A adição de melaço, associado ou não ao inoculan-te, por ocasião da ensilagem de amendoim forrageiro, promove maior preservação dos nutrientes da silagem pela formação de menores quantidades de nitrogênio insolúvel em detergente ácido, aumento da população de bactérias ácido-láticas e redução do pH e da con-centração de amônia.

Silagem de gliricídia (Gliricidia sepium), aditivada com coproduto de vitivinícolas, apresenta baixo valor de pH (4,33). Apesar de o emurchecimento ter sido be-néfico, a MS ainda está abaixo do ideal para uma sila-gem de boa qualidade.

SILAGEM DE CANA-DE-AÇÚCAR A cana-de-açúcar é utilizada como recurso forra-

geiro, pois apresenta alta produção de MS por hectare e boa aceitabilidade pelos animais. Os açúcares pre-sentes na sua composição são os principais respon-sáveis pelo fornecimento de energia e, consequente-mente, pelo desempenho animal.

Apesar de o Brasil possuir a canavicultura mais eficiente do mundo, as lavouras destinadas ao uso forrageiro são de baixa produtividade, o que se deve à falta de aplicação de tecnologias disponíveis, usa-das com sucesso na cana que se destina à agroin-dústria, e ao baixo investimento para o desenvol-

T Silagem de aveia branca é alternativa para maior teor proteico

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vimento de tecnologias adequadas ao cultivo para fins forrageiros.

A cana-de-açúcar apresenta características intrín-secas, como teor de MS e de carboidratos solúveis e capacidade tampão adequados para ensilagem em pelo menos três meses. Já o milho, que é a principal planta ensilada no Brasil, apresenta-se apto para a co-lheita durante dez dias (SIQUEIRA, 2009).

Ao avaliar a possibilidade de produção de sila-gem de cana-de-açúcar, deve-se considerar que ela apresenta fermentação tipicamente alcoólica, como consequência da intensa atividade de leveduras, que convertem os açúcares da forragem em etanol, gás car-bônico e água. O acúmulo de etanol pode representar perdas do material ensilado e perdas decorrentes da recusa dos animais.

Os microrganismos, naturalmente presentes nas plantas forrageiras, chamados microfloras epífitas, são responsáveis pela fermentação das silagens, afetando também sua estabilidade aeróbia e a eficiência dos inoculantes contendo microrganismos exógenos. O número de cepas de microrganismos epífitas é variá-vel, sendo afetado pelo tipo de forragem, estádio de maturidade das plantas, clima, tratos agronômicos dis-pensados na condução da cultura, corte e condiciona-mento da forrageira.

A elevada concentração de carboidratos solúveis e a presença de leveduras epifíticas são os principais agravantes na conservação da cana-de-açúcar. As bactérias homoláticas fermentam hexoses até ácido lático, o qual propicia eficiente redução do pH, porém não diminuem as perdas na fermentação, pois as le-veduras crescem em pH até 2,0 e utilizam esse ácido como substrato para seu crescimento (LUDOVICO et al., 2013).

A cana também possui uma microflora epífita rica em leveduras, que pode chegar a 1 x 106 ufc/g de for-ragem fresca, sendo que a maioria das espécies de leveduras necessita de oxigênio para seu crescimen-to, pois a via respiratória apresenta maior rendimento energético. Todavia, algumas espécies desenvolvem--se em condições anaeróbias, podendo manter altas populações nessas condições, em decorrência da fer-mentação dos açúcares.

De acordo com Siqueira (2009), devido à produ-ção de dióxido de carbono, a fermentação por levedu-ras gera perdas de massa em torno de 49%, as quais podem ser aumentadas em razão da volatilização do

etanol, principalmente em silos de grande escala. Além das perdas por gases, ainda existe a produção de efluente.

UTILIZAÇÃO DE ADITIVOS NA SILAGEM DE CA-NA-DE-AÇÚCAR

É importante avaliar o uso de um aditivo que atue no controle de perdas de forma integrada, protegendo os nutrientes da fermentação alcoólica e da oxidação após a abertura do silo.

O aditivo nem sempre será capaz de atuar de modo eficaz sobre todas as fases de fermentação, es-tabilidade aeróbia e desempenho animal. Entretanto, os bons resultados que são obtidos com os aditivos, em uma ou mais fases, devem ser levados em conside-ração. Um aditivo que reduza as perdas fermentativas pode ser técnica e economicamente viável, sem elevar o desempenho animal.

A utilização de aditivos químicos, principalmente os alcalinizantes, vem se destacando no processo de conservação da cana-de-açúcar. Eles interferem na di-nâmica fermentativa, alterando o pH e a pressão osmó-tica da massa de forragem e, por conseguinte, inibindo o desenvolvimento de microrganismos indesejáveis durante a fermentação do material ensilado (SANTOS, 2007). Exemplos de aditivos químicos são cal virgem, calcário, ureia e óxido de cálcio.

T A lona utilizada na cobertura deve ser de qualidade para que a porosi-dade não interfira na qualidade da silagem. Se possível, protegê-la do sol com terra

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A elevação do número inicial de bactérias produ-toras de ácido lático na forragem ensilada, por meio da inoculação, pode acelerar a queda do pH e reduzir o pH final, aumentar a concentração de ácido lático e diminuir a produção de efluentes e a perda de MS no silo, melhorando o desempenho dos animais alimenta-dos com as silagens.

Aditivos contendo bactérias heteroláticas que pro-duzem ácido acético, além do ácido lático, melhoram a estabilidade aeróbia das silagens, em razão do maior poder do ácido acético para inibir o crescimento de le-veduras e mofos.

Dos aditivos microbianos mais pesquisados até o momento, L. buchneri foi o que resultou em silagens de melhor valor nutritivo e melhor estabilidade ae-róbia. Essa estabilidade pode ser definida como a resistência da massa de forragem à degradação após abertura do silo. Alguns autores definem-na como o tempo transcorrido para que a silagem atinja tempe-ratura superior a 2 °C acima da temperatura ambiente. A bactéria Lactobacillus buchneri é o microrganismo comercial que apresenta maior potencial para confe-rir estabilidade aeróbia às silagens. São bactérias he-teroláticas, que produzem ácido lático, acetato, eta-nol e dióxido de carbono.

REFERÊNCIAS

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AUTORES

NEYTON CARLOS DA SILVAZootecnistaCRMV-MG nº 1558Doutorando, MSc [email protected]

LUAN SOUZA DE PAULA GOMESEngenheiro agrônomoCREA-MG nº 188223MSc UFMG

BÁRBARA MARTINS RODRIGUESGraduanda de Zootecnia UFMG

VICTOR AUGUSTUS VASCONCELOS DE OLIVEIRAGraduando de Zootecnia UFMG

ÉDEN EDUARDO ALVES RIBEIROEngenheiro AgrônomoCREA – MG nº 209250MSc UFMG

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CLÍNICA MÉDICA

ASPECTOS DA AGALAXIA CONTAGIOSA NO BRASILA introdução dessa infecção em rebanhos causa perdas significativas aos criadores de ovinos e caprinos, em sua maioria agricultores familiares que não dispõem de assistência técnica e medidas preventivas e de controle

Micoplasmas são bactérias naturalmente re-sistentes aos antimicrobianos com ativida-de na parede celular e capazes de aderir,

principalmente, às células da mucosa do trato respira-tório, digestivo, urogenital, ocular, glândula mamária e articulações, lesionando os tecidos pela produção de metabólitos como peróxido de hidrogênio, radicais su-peróxidos, amônia etc.

Dependendo do tecido acometido e da espécie animal envolvida, a doença recebe nomes específicos. Em pequenos ruminantes, micoplasmas podem ser isolados de animais assintomáticos ou envolvidos com pneumonia, mastite, distúrbios articulares e oculares.

A Agalaxia Contagiosa (AC) é uma doença infecto-contagiosa de ovinos e caprinos que se manifesta com inflamação da glândula mamária e súbita redução na

produção de leite, seguidas de agalaxia, artrite ou po-liartrite e ceratoconjuntivite, causada por um ou mais dos seguintes agentes: Mycoplasma agalactiae, M. ca-pricolum subsp. capricolum, M. mycoides subsp. capri e M. putrefaciens (KUMAR et al., 2013).

HISTÓRICONo Brasil, o primeiro relato clínico de uma doença

semelhante à AC em caprinos foi registrado no estado de São Paulo (PENHA; D’APICE, 1942) e não foi determi-nada a espécie de micoplasma envolvida na infecção. Os animais apresentavam quadro clínico de mastite, ar-trite e pneumonia. Passados 60 anos, M. agalactiae foi isolado e identificado como o agente causador da AC em caprinos leiteiros nos estados da Paraíba, Pernam-buco e Rio Grande do Norte (AZEVEDO et al., 2006).

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EPIDEMIOLOGIAA infecção acontece por via oral, respiratória ou ma-

mária. Na infecção oral, primeiramente, há a aderência da bactéria às células epiteliais da mucosa e, em segui-da, a invasão do intestino delgado, com possibilidade de isolamento a partir de swab retal. Após um período de bacteremia acompanhado de febre, há dissemina-ção para outros órgãos, como globo ocular, glândula mamária, articulações, tendões, útero, linfonodos, en-tre outros. Nascimento de crias inviáveis e abortos são observados em função da inflamação do útero. A infec-ção transplacentária foi descrita em três cabritos que apresentaram poliartrite ao nascimento e dos quais foi isolado M. agalactiae do líquido articular. As matrizes apresentavam sinais clínicos e estavam naturalmente infectadas pelo agente (SILVA et al., 2014).

A ordenha realizada sem higienização adequada facilita a transmissão entre os animais, por meio das mãos dos ordenhadores (BERGONIER et al., 1997). In-fecção experimental tem sido obtida a partir da inocu-lação de culturas puras de M. agalactiae, por via intra-traqueal (SINGH et al., 2004).

Excreções e secreções podem disseminar o agente para todo o rebanho, principalmente pelo colostro e lei-te de fêmeas infectadas. Rebanhos livres desenvolvem sintomatologia clássica de AC após introdução do agen-te, tornando-se cronicamente infectados ou assintomá-ticos, permanecendo portadores por longos períodos e favorecendo a disseminação para outros animais. Há evidências do papel de ácaros (Railettia capri e Psorop-

tes cuniculli) do conduto auditivo externo de caprinos e ovinos como responsáveis pela manutenção de Myco-plasma spp. no rebanho (RIBEIRO et al., 1995).

Estudos indicam que a AC está se disseminando no Brasil. No estado de Sergipe, presença de anticorpos foi identificada em 10,3% das amostras de 194 soros ca-prinos (SANTOS, et al., 2015). Um dos fatores que contri-buem para essa realidade é a comercialização de peque-nos ruminantes entre criadores de diferentes estados e regiões do país. Dados da região Sudeste revelaram 15 de 55 caprinos (27,27%) de um rebanho no estado de São Paulo com sorologia positiva no Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA); destes, 40% (6/15) apre-sentavam elevados valores de densidade óptica, suge-rindo infecção ativa (AZEVEDO et al., 2014). Em outro rebanho caprino leiteiro, do estado do Rio de Janeiro, de-tectou-se M. agalactiae no leite em 10% (2/20) dos ani-mais e anticorpos em 85% (17/20) dos animais testados (NASCIMENTO, 20161).

SINAIS CLÍNICOSO período de incubação da AC varia de uma a oito

semanas, dependendo da taxa de infecção, virulência da amostra e imunidade do hospedeiro. Normalmen-te, os primeiros casos apresentam evolução aguda com febre passageira, redução abrupta da produção

de leite, agalaxia e mastite uni ou bilateral. No iní-cio, o úbere está quente, edemaciado e dolorido, tornando-se flácido com bastante tecido conec-tivo e, eventualmente, atrofiado. O aspecto do leite pode variar de aquoso a purulento, com depósito de grumos quando deixado em re-pouso, impróprio para o consumo e inadequa-do para a indústria de laticínios. Em alguns casos, o úbere mostra-se flácido, fibroso e

atrófico. Associados ou não, os animais podem desenvolver pleurite, pericardite, peritonite,

IMPACTOS ECONÔMICOS

Queda da produção de leite, que se instala rapi-damente e pode atingir 100% do rebanho em

uma semana.

As taxas de morbimortalidade variam com a imu-nidade do rebanho

acometido.

Mortalidade em torno de 90% em animais jovens e

de 5% em adultos.

Elevado custo para o controle da

doença.

Perda de credibilidade do

rebanho.

T O aspecto do leite pode variar de aquoso a purulento, com grumos

1 Prof. Dr. Elmiro Rosendo do Nascimento, comunicação pessoal, 2016.

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meningite serosa e/ou fibrinosa e artrite com exsu-dato fibrinopurulento (TABOSA et al., 2002). Aumento da contagem de células somáticas no leite tem sido relatado em caprinos (CORRALES et al., 2004).

Poliartrite é observada em animais de todas as idades e as articulações do carpo e tarso são as mais afetadas, acarretando perda de peso acentuada, podendo levar à morte por inanição, devido à incapacidade de locomo-ção. As articulações apresentam-se aumentadas, conten-do líquido de aspecto fibrinossanguinolento a purulento, podendo variar de transparente a amarelo-amarronzado e apresentar erosões e necrose. A punção do líquido re-duz a pressão intra-articular, diminuindo a dor local.

Ceratoconjuntivite uni ou bilateral está quase sem-pre presente, evoluindo desde discreta até a perda da visão. Inicia com fotofobia, blefaroespasmo e lacrimeja-mento seroso a purulento; neovascularização pode estar presente e a opacidade e úlcera de córnea podem levar à cegueira por extravasamento do humor aquoso. Pneumo-nia tem sido relatada (REAL et al., 1994).

DIAGNÓSTICOO diagnóstico clínico da AC pode ser presumido

quando está presente o conjunto dos sinais: mastite, agalaxia, poliartrite e ceratoconjuntivite. Quando não, é preciso identificar o Mycoplasma spp. por métodos microbiológicos, imunoenzimáticos e/ou moleculares.

Podem ser coletados leite, líquido articular, secre-ção ocular, nasal e vaginal, sangue, soro sanguíneo, uri-na, fragmentos de órgãos e lavado do conduto auditi-vo externo. O material biológico deve ser rapidamente

enviado ao laboratório, sob refrigeração. As amostras devem ser acondicionadas em solução salina gliceri-nada a 50% ou meio de transporte contendo antibió-ticos (penicilinas) para preservação dos micoplasmas e inibição de eventuais contaminantes. Para estudos his-topatológicos, fragmentos de órgãos devem ser coleta-dos e fixados em solução tamponada de formaldeído a 10% (RODRIGUEZ et al., 1996).

O diagnóstico definitivo pela reação em cadeia da polimerase (PCR) apresenta alta especificidade e sensibilidade e tem sido utilizado quando há pequena quantidade de material para ser analisada, sendo mais rápido que o cultivo bacteriano (AZEVEDO et al., 2006).

CONTROLE E PROFILAXIAEmbora Mycoplasma apresente boa sensibilidade à

maioria dos antimicrobianos, a cura bacteriológica requer tratamento prolongado, por várias semanas. Quase todos os autores concordam que o tratamento é ineficaz. As pri-meiras tentativas de tratamento de AC em caprinos, no Brasil, foram feitas com a administração de tilosina (20 mg/kg de PV) durante cinco dias, porém alguns animais apresentaram recidivas e o agente pôde ser recuperado das secreções e excreções após o tratamento (NASCI-MENTO et al., 2002; AZEVEDO et al., 2006). Em surtos, re-comenda-se a antibioticoterapia na tentativa de reduzir a disseminação do agente no rebanho. As tetraciclinas, os macrolídeos, o florfenicol, o tiamulin e as fluoroquino-lonas são as drogas de escolha. A associação de drogas, como tilosina + tetraciclina ou lincomicina + espectino-micina, pode ser necessária (LORIA et al., 2002).

Estudos de verificação da sensibilidade de M. aga-lactiae frente aos antimicrobianos demonstraram que estreptomicina, florfenicol e gentamicina não apresen-taram efeito inibitório satisfatório (MAMEDE, 2013).

Uma alternativa à antibioticoterapia é os bioterá-picos preparados especialmente para o tratamento de AC (SILVA et al., 2013).

T Úbere edemaciado, dolorido e com muito tecido conectivo

T Poliartite com articulações aumentadas contendo líquido de aspecto fibrinossanguinolento a purulento

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Uma vez estabelecida a endemicidade da doença, deve-se fazer um planejamento para seu saneamento e controle, tendo como principal meta a redução das perdas econômicas, evitando o descarte precoce, mor-te de animais e constituição de rebanhos livres da in-fecção. Para tanto, a indução do parto das ovelhas e ca-bras aos 145 dias de gestação com separação imediata das crias, administração de colostro e leite pasteuriza-do ou de cabras não infectadas são medidas eficientes (ALCÂNTARA et al., 2003).

Profilaticamente, devem-se adotar medidas para im-pedir a introdução da infecção no rebanho mediante o estabelecimento de diagnóstico prévio, quarentena dos animais recém-adquiridos, por um período mínimo de 60 dias, além de evitar a aquisição de animais provenientes de rebanhos e áreas endêmicas ou desconhecidas.

Outra estratégia importante é o estabelecimento de um programa de vacinação dos animais jovens. No Brasil, os primeiros estudos relataram a eficiência de vacinas inativadas europeias para a prevenção da en-fermidade em caprinos (ALCÂNTARA et al., 2013). Em se-quência, Campos et al. (2013) produziram vacinas ina-tivadas a partir de amostra de M. agalactiae isolada no Brasil e confirmaram a eficiência da vacinação, tanto em caprinos quanto em ovinos, tendo sido a persistência da imunidade relativamente limitada, necessitando de re-vacinações para manutenção dos títulos de anticorpos.

CONSIDERAÇÕES FINAISA AC é uma ameaça real à saúde dos pequenos

ruminantes e, pela dinâmica de disseminação apre-sentada, é possível que rebanhos de todas as regiões venham a ser acometidos, principalmente pelo trânsito oriundo da comercialização desses animais.

Em que pesem as adversidades, foi identificado um dos agentes etiológicos responsáveis, padroniza-do um método rápido de diagnóstico (ELISA) e desen-volvidos um tratamento de baixo custo (bioterápico) e uma vacina para a prevenção da enfermidade.

Os próximos passos devem estar articulados entre os produtores, a iniciativa privada e os órgãos oficiais

REFERÊNCIAS

ALCÂNTARA, M.D.B.; AZEVEDO, E.O.; FARIAS, A.A. et al. Indução de parto e separação das crias para controle da agalaxia contagiosa em caprinos. In: Cong. Latinamer. Buiatria, XI, Salvador, p.71, 2003.

AZEVEDO, E.O.; ALCÂNTARA, M.D.B.; NASCIMENTO, E.R. et al. Contagious Agalactia by Mycoplasma agalactiae in small ruminants in Brazil: first report. Braz. J. Micro-biol., v.37, p.576-581, 2006.

AZEVEDO, E.O.; ALCÂNTARA, M.D.B.; TABOSA, I.M. et al. Contagious agalactia by Mycoplasma agalactiae in dairy goats in Brazil. Epidemiologic findings. Intern. Cong. Intern. Organiz. Mycoplasmol. (IOM). XIV, Vienna, p.48, 2002.

BERGONIER, D.; BERTHELOT, X.; POUMARAT, F. Contagious agalactia of small rumi-nants: current knowledge concerning epidemiology, diagnosis and control. Rev. Sci. Tech. OIE, v.16, p.848-873, 1997.

CORRALES, J.C.; SANCHEZ, A.; LUENGO, C. et al. Effect of clinical contagious agalac-tia on the bulk tank milk somatic cell count in Murciano-Granadina goat herds. J. Dairy Sci., v.87, n.10, p.3165-3171, 2004.

NASCIMENTO, E.R.; BARRETO, M.L.; PLATENIK, M.O. et al. Contagious agalactia by Mycoplasma agalactiae in goats in Brazil. Etiologic study. In: Intern. Cong. Intern. Organiz. Mycoplasmol. (IOM). XIV, Vienna, p.45-46, 2002.

PENHA, A.M.; D’APICE, M. Agalaxia contagiosa das cabras em São Paulo. Arq. Inst. Biol., v.13, p.299-301, 1942.

REAL, F.; DÉNIZ, S.; ACOSTA, B. et al. Caprine contagious agalactia caused by Myco-plasma agalactiae in the Canary Islands. Vet. Rec., v.135, p.15-16, 1994.

RIBEIRO, V.R.; NASCIMENTO, E.R.; FACCINI, J.L.H. et al. Presença de micoplasma em exemplares de Raillietia caprae coletados do conduto auditivo externo de capri-nos. Rev. Bras. Med. Vet., v.17, p.122-124, 1995.

SILVA, N.S.; AZEVEDO, E.O.; CAMPOS, A.C. et al. Infecção congênita em cabritos por Mycoplasma agalactiae. Arq. Bras. Med. Vet. e Zootec., v.66, p.631-634, 2014.

TABOSA, I.M.; ALCÂNTARA, M.D.B.; AZEVEDO, E.O. et al. Contagious agalactia by Mycoplasma agalactiae in dairy goats in Brazil. Clinic and pathological findings. Intern. Cong. Intern. Organiz Mycoplasmol. (IOM), XIV, Vienna, p.49, 2002.

T Ceratoconjuntivite com opacidade e úlcera de córnea

de defesa sanitária animal, na perspectiva de que me-didas de controle possam ser regulamentadas e adota-das para evitar maiores prejuízos à cadeia produtiva da ovinocaprinocultura.

AGRADECIMENTOSOs autores agradecem ao Ministério da Agricultu-

ra, Pecuária e Abastecimento pelo financiamento para realização da pesquisa e ao Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico pela conces-são de bolsas.

AUTORES

EDISIO OLIVEIRA DE AZEVEDOMédico veterinárioCRMV-SE nº 0854MSc, DSc, docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)[email protected]

ANA CLAUDIA CAMPOSMédica veterináriaCRMV-SE nº 0870MSc, DSc, docente da UFS

MARIA DALVA BEZERRA ALCÂNTARAMédica veterináriaCRMV-PB nº 0436Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (Emepa)

ROBERTO SOARES DE CASTROMédico veterinárioCRMV-PE nº1765MSc, DSc , docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)

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ÉTICA PROFISSIONAL

O PAPEL DO COMITÊ DE ÉTICA EM EXPERIMENTAÇÃO ANIMALO CEUA, além das atividades ligadas ao ensino e pesquisa, apresenta um importante papel na fiscalização da conduta ética nas profissões, uma vez que, por meio de sua atribuição, pode encaminhar denúncias aos conselhos regionais

Considera-se que Jeremy Bentham tenha sido um dos primeiros estudiosos que iniciaram discussões mais profundas a respeito dos di-

reitos dos animais. Em sua obra Uma introdução aos princípios da moral e da legislação, afirma que “[...] o problema não consiste em saber se os animais po-dem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; o verdadeiro problema é este: eles podem sofrer?”, caracterizando os primeiros aspectos relacionados à consciência dos animais, momento em que começa-ram as primeiras discussões sobre os aspectos éti-cos do uso de animais em experimentos (BAEDER et al., 2012).

Com a evolução dos pensamentos filosóficos, os animais passaram a ser considerados seres sencientes, alterando o modo como os experimentos eram condu-zidos. Sendo assim, criou-se a necessidade da regula-mentação dos animais em pesquisa para normatizar seu uso nas experimentações.

No Brasil, a primeira lei estabelecendo as normas para as práticas didático-científicas da vivissecção de animais surgiu em 8 de maio de 1979. Posteriormente, aprovou-se a Lei nº 11.794/2008, conhecida como Lei Arouca, responsável pelos critérios do uso de animais nos experimentos, o que revogou a Lei nº 6.638/1979. Embora tenha sido criada em 2008, apenas em 15 de julho de 2009 a Lei Arouca foi regulamentada e perma-nece até os dias de hoje (LAMOUNIER, 2015).

Para fiscalizar as regulamentações descritas por essa lei, foi necessária a criação de departamentos específicos. Dessa forma, criou-se o Conselho Nacional de Controle em Experimentação Animal (Concea), órgão integrante do Mi-nistério da Ciência e Tecnologia que apresenta caráter nor-mativo, consultivo, deliberativo e recursal, a quem com-pete normatizar o uso de animais em ensino ou pesquisa científica, principalmente no que concerne ao controle das instituições que criam, mantêm ou utilizam animais para ensino ou pesquisa científica no país (BRASIL, 2008).

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Concomitante a isso, houve a necessidade da criação de órgãos secundários para a fiscalização e normatização do uso dos animais nas práticas de ensino e pesquisa dentro das universidades, nascendo, então, os Comitês de Ética em Uso de Animal (CEUAs).

Os CEUAs são colegiados localizados dentro de ins-tituições públicas e privadas que envolvam atividades de ensino e/ou pesquisa com animais vivos não huma-nos do filo Chordata e subfilo Vertebrata. São compostos por profissionais da área biomédica, como médicos ve-terinários, biólogos e representantes das organizações não governamentais de proteção aos animais, além de docentes e pesquisadores envolvidos nas linhas de pes-quisa realizadas pelas instituições (BRASIL, 2008).

A SOCIEDADE E O PAPEL DO CEUAPela supervalorização dos animais, os movimentos

contra a pesquisa científica aumentaram consideravel-mente, o que gerou uma forte pressão na comunidade científica quanto ao desenvolvimento de métodos al-ternativos (MORALES, 2008).

Em alguns casos, o progresso científico conseguiu substituir, nos experimentos, o uso de animais vivos por culturas de células mantidas em laboratório ou por modelos matemáticos e computacionais. No entanto, ainda não há formas de dispensar os animais em uma série de experimentos e estudos de ensaios clínicos, uma vez que os conhecimentos das dinâmicas dos di-versos eventos fisiológicos nos experimentos são in-dispensáveis e insubstituíveis (ALVES; COLLI, 2006).

Diversas questões éticas foram levantadas após a invasão do Instituto Royal, na cidade de São Roque (SP), em 2013. Em uma entrevista de opinião realizada com a comunidade científica, as vertentes defensoras dos ani-mais julgaram os testes de laboratório como práticas de sofrimento e transtornos psicológicos, sendo uma forma de exploração injusta de uma espécie indefesa, além de questionar a possibilidade de realizar estudos científi-cos diretamente no ser humano. Outra vertente da co-munidade científica a favor do uso de animais conside-rou essencial a participação deles no desenvolvimento de fármacos, vacinas e outros produtos, pois, além de beneficiar os próprios animais (pesquisas veterinárias), é importante no desenvolvimento de pesquisas para o ser humano (BARBOSA et al., 2013).

O contraste de pensamentos na sociedade sempre esteve presente. Dessa forma, para padronizar a utili-zação de animais na ciência e criar medidas de fisca-

lização contra os maus-tratos, precisou-se estabelecer medidas que garantissem o bem-estar dos animais e, ao mesmo tempo, a continuidade das práticas cientí-ficas. Assim, criou-se a necessidade de intervenção fe-deral, a qual é realizada no Brasil pelo Concea e CEUAs, baseada nas diretrizes da Lei Arouca.

Primariamente, o principal papel do CEUA é avaliar as decisões que envolvem animais em experimentos, cabendo o critério de rejeição, caso algum ponto da pes-quisa infrinja o bem-estar dos animais. Entretanto, além de apresentar um aspecto defensivo, cabe ao comitê ze-lar pela pesquisa científica, orientando os pesquisado-res sobre os diversos tipos de protocolo existentes, de modo que a pesquisa possa atingir seus objetivos sem violar o direito dos animais (FEIJÓ, 2006).

Dessa forma, quando não há modelos alternativos, deve-se encaminhar o projeto científico para análise no comitê de ética, em que todos os procedimentos que en-volvem animais, independentemente do objetivo (ensino ou pesquisa), são avaliados pelos membros (FEIJÓ, 2006).

Ainda, cabe ao CEUA o papel de orientar os pesquisa-dores e docentes com relação aos métodos científicos que passaram por comprovações estatísticas de gerar pouco ou nenhum sofrimento dos animais durante a execução dos experimentos, caso algum princípio encontre-se fora das normas estabelecidas pelo Concea (RIVEIRA, 2002).

A Lei Arouca define medidas e penalidades para ins-tituições que desobedecerem às condições preestabele-cidas pelo CEUA, entre as quais penalidades administra-tivas, como advertência escrita, multa que pode variar de R$ 5.000 a R$ 20.000, interdição temporária, suspensão de financiamentos provenientes de fontes oficiais de cré-dito e fomento científico e interdição definitiva da insti-tuição para o uso de animais. Além disso, os procedimen-tos realizados sem consentimento do CEUA poderão ser penalizados com a interdição definitiva para o exercício da atividade em pesquisa (BRASIL, 2008).

Segundo o Código de Ética da Medicina Veterinária, cabe aos profissionais denunciar pesquisas, testes, práti-cas de ensino ou quaisquer atividades com animais sem observação dos preceitos éticos e procedimentos ade-quados, como também realizar experiências com novos tratamentos clínicos ou cirúrgicos em pacientes terminais, exceto nos casos em que o CEUA tenha aprovado tal proce-dimento (BRASIL, 2008). Assim, o comitê também apresen-ta um importante papel na fiscalização da conduta ética nas profissões. Por meio de sua atribuição de fiscalização, pode encaminhar denúncias aos conselhos regionais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada vez mais, o homem preocupa-se com o bem-es-tar dos animais, colocando-os em posição de destaque frente às questões que envolvem moral e ética. Os CEUAs apresentam papel fundamental na fiscalização dos expe-rimentos científicos com uso de animais, pois impõem normas embasadas em estudos científicos que minimi-zam o sofrimento dos animais nas práticas biomédicas. Métodos alternativos na pesquisa científica são cada vez mais desejáveis para a população e comunidade cientí-fica, embora ainda não seja possível erradicar todos os tipos de experimento que usem animais.

BRASIL. Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 09 out. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm>. Acesso em: 10 abr. 2016.

FEIJÓ, A.G.S. A função dos comitês de ética institucionais ao uso de animais na investigação científica e docência. Revista Bioética, v.12, n.2, p.11-22, 2006. Dis-ponível em: <http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/131/136>. Acesso em: 11 abr. 2016.

LAMOUNIER, C.G.B. O processo de construção da LEI 11.794/2008 (LEI AROU-CA). 2015. 89 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Gestão de Políticas Públicas, Universidade de Brasília, Brasília, 2015. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bits-tream/10483/11174/1/2015_CeciliaGoncalvesBatistaLamounier.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2016.

MORALES, M.M. Métodos alternativos à utilização de animais em pesquisa científica: mito ou realidade?. Ciência e Cultura, v.60, n.2, p.33-36, 2008. Disponível em:<ht-tp://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S00097252008000200015&arttext>. Acesso em: 11 abr. 2016.

RIVEIRA, E.A. Ética na experimentação animal. In: ____. Animais de experimenta-ção: criação e experimentação. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. Cap.3. p.25-28. Dis-ponível em: <http://books.scielo.org>. Acesso em: 12 abr. 2016.

GI - 1 | Experimentos que causam pouco ou nenhum desconforto ou estresse, tais como: observação e exame físico; administração oral, intravenosa, intraperitoneal, subcutânea ou intramuscular de substâncias que não causem reações adversas perceptíveis; eutanásia por métodos aprovados após anestesia ou sedação; privação alimentar ou hídrica por períodos equivalentes à privação na natureza.

GI - 2 | Experimentos que causam estresse, desconforto ou dor, de leve intensidade, tais como: procedimentos cirúrgicos menores, como biópsias, sob anestesia; períodos breves de contenção e imobilidade em animais conscientes; exposição a níveis não letais de compostos químicos que não causem reações adversas graves.

GI - 3 | Experimentos que causam estresse, desconforto ou dor, de intensidade intermediária, tais como: procedimentos cirúrgicos invasivos conduzidos em animais anestesiados; imobilidade física por várias horas; indução de estresse por separação materna ou exposição a agressor; exposição a estímulos aversivos inescapáveis; exposição a níveis de radiação e compostos químicos que provoquem prejuízo duradouro da função sensorial e motora; administração de agentes químicos por vias como a intracardíaca e intracerebral.

GI - 4 | Experimentos que causam dor de alta intensidade, como indução de trauma a animais não sedados.

GRAU DE INVASIVIDADE (GI) DOS EXPERIMENTOS, DE ACORDO COM A GERAÇÃO DE DESCONFORTO OU ESTRESSE, SEGUNDO O CONCEA

AUTORES

MARCO TÚLIO GOMES CAMPOSMédico veterinárioCRMV-MG nº 16116Universidade Federal de Minas [email protected]

FABÍOLA DE OLIVEIRA PAES LEMEMédica veterináriaCRMV-MG nº 9471Universidade Federal de Minas Gerais

REFERÊNCIAS

ALVES, M.J.M.; COLLI, W. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o tra-balho científico. Ciência Hoje, v.39, n.231, p.24-29, 2006. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch 2006/231/experimentacao-com-ani-mais-uma-polemica-sobre-o>. Acesso em: 11 abr. 2016.

BAEDER, F.M.; PADOVANI , M.C.R.L.; MORENO, D.C.A. et al. Percepção histórica da Bioética na pesquisa com animais: possibilidades. Revista Bioethikos, v.3, n.6, p.313-320, 2012. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethi-kos/96/7.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2015.

BARBOSA, D. Argumentos a favor e contra o uso de animais em pesquisas cientí-ficas. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/debate-pesqui-sa-animais/platb/>. Acesso em: 10 abr. 2016.

BRASIL. Congresso. Senado. Resolução nº 879, de 15 de fevereiro de 2008. Dispõe sobre o uso de animais no ensino e na pesquisa e regulamenta as Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs) no âmbito da Medicina Veterinária e da Zootecnia brasileiras e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, p.1,15 feve-reiro 2008.

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SISTEMA CFMV/CRMVs

Por Flávia Tonin, com colaboração das assessorias de imprensa do CRMV-SC, CRMV-RS e CRMV-RJ

As ações de educação direcionadas para a co-letividade também fazem parte da missão dos Conselhos Federal (CFMV) e Regionais de Medi-

cina Veterinária (CRMVs). Elas ampliam o contato com a sociedade e permitem o esclarecimento de dúvidas so-bre os campos de atuação profissional, com resultados extraordinários. Mais do que a conversa e orientação, o contato direto entre profissionais e pessoas promove a valorização profissional e possibilita o detalhamento da atividade do médico veterinário e do zootecnista.

Exemplo de ação educativa bem conduzida foi a iniciativa do Conselho Regional de medicina Veteriná-ria do estado de Santa Catarina (CRMV-SC), que apro-veitou o verão e a necessidade de conscientização das pessoas para que não levem seus animais de estima-

AÇÕES EDUCATIVAS ESCLARECEM E VALORIZAM A MEDICINA VETERINÁRIA

Os CRMVs têm ido à sociedade para levar informações sobre as atribuições da profissão

ção à praia para explicar sobre as doenças transmitidas por animais. “Percebemos que as pessoas tinham co-nhecimento sobre a proibição de animais domésticos nas praias, porém, em sua maioria, desconheciam os riscos à saúde”, comenta o médico veterinário Marcos Vinícius de Oliveira Neves, presidente do CRMV-SC, que participou da ronda nas praias com outros colegas. “Essas oportunidades são fundamentais para demons-trar a importância do médico veterinário como agente de saúde pública e esclarecer que somos uma profis-são reconhecida como da área da saúde”, avalia.

Em Santa Catarina, a ação fez parte da programação SESC Verão, com oito médicos veterinários escalados para atuar e distribuir material educativo em seis praias durante o mês de janeiro. “O interesse e o entendimen-

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to das crianças foram uma surpresa”, comenta o médico veterinário Silas Maurício Cuneo do Amaral, voluntário na ação. “Os turistas também ficaram surpresos por en-contrarem médicos veterinários orientando a população sobre zoonoses, bem-estar animal, tráfico de animais e a presença de animais nas praias”, completa. Para a médica veterinária Anisete Saito, também voluntária, as pessoas foram receptivas e demonstraram interesse nos temas abordados.

No Rio Grande do Sul, o conselho regional aprovei-tou o verão para ações de aproximação com a socieda-de. Foi a sétima edição do Arrastão da Saúde, promovido pelos conselhos de classe, com a proposta de esclarecer e divulgar a atuação dos profissionais, bem como tirar dúvidas da população. Para o presidente do CRMV-RS, Air Fagundes dos Santos, o ganho está na divulgação da Medicina Veterinária, ampliando o entendimento sobre sua atuação e sua importância na área da saúde.

Na última edição, além do atendimento e aborda-gem, foram distribuídos cerca de 500 kits para famílias frequentadoras da praia de Tramandaí, que explica-

vam a responsabilidade técnica em estabelecimentos de produção de alimentos e pet shops. “Na época de verão, há uma maior concentração das ações de fis-calização na área do litoral, geradas pela necessidade de atendimento ao grande número de pessoas que se deslocam para essa região”, explica o coordenador técnico e institucional do CRMV-RS, José Pedro Soa-res Martins. Ele lembra que as ações começam em no-vembro, para orientação de pet shops que abrem suas filiais temporárias na região. Outra preocupação está na conscientização sobre a posse responsável, pois muitos adotam animais durante as férias, mas os aban-donam ao retornar para seus locais de origem.

CONSCIENTIZAÇÃO NAS ESTRADASA preocupação com o abandono

de animais nas férias também foi tema de campanha no Rio de Janeiro, pois, no período, há o aumento do número de animais soltos nas rodovias e, consequente-mente, maior número de acidentes.

Para conscientização, o CRMV-RJ, em parceria com a CCR Nova Dutra, concessionária rodoviária, distribuiu cerca de 50 mil fôlderes nas praças de pe-dágio do estado, no mês de janeiro. Também foram fixadas seis placas ao longo da rodovia, em locais onde os atropelamentos são mais frequentes. “Quan-do há uma decisão cons-ciente e planejada sobre a adoção, as chances de abandono do animal de estimação diminuem. Ou-tro ponto de destaque nessa ação é o papel do médico veteriná-rio como agente de saúde pública fundamental para o controle das zoonoses”, afirma o presidente do CRMV-RJ, Romulo Cezar Spinelli Ri-beiro de Miranda.

Também foram veiculadas entre-vistas com médicos veterinários na

T A conscientização das crianças garante que problemas sejam evitados no futuro

T A abordagem por médicos veterinários levou informação de qualidade às pessoas

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: CRM

V-SC

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: CRM

V-RS

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T Material divulga informação sobre a posse responsável

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: CRM

V-RJ

rádio da concessionária, com o objetivo de esclarecer os motoristas sobre a posse responsável. No material e nas entrevistas, foram divulgadas informações para cons-cientizar sobre cuidados para com os animais, vacinações necessárias, vida saudável e importância do acompanha-mento médico-veterinário. Na avaliação de Thiago Rodri-gues, do setor de Relações Institucionais e Sustentabili-dade da CCR Nova Dutra, a ação cumpriu o objetivo de sensibilizar os usuários sobre a importância da guarda responsável. Ele espera que a parceria seja ampliada.

“Conscientizar é uma das melhores estratégias para obter bons resultados. Ficou claro que trazer animais para a praia não é ruim somente para o ser humano, mas também para o animal. Tenho um gato e um cachorro e não sabia quanto essa atitude ‘inocente’ é prejudicial. Vou passar esse conhecimento adiante.”Alessandra Aparecida de Sousa, turista de São Paulo (SP), em Florianópolis (SC)

“Moro em Piçarras e estou acostumada a ver pessoas passeando com seus cães pela praia. Mesmo sendo proibido por lei, essa situação é comum. Não me sinto à vontade de abordar uma pessoa e falar sobre isso. Achei perfeita essa iniciativa partindo de médicos veterinários. Não há como argumentar de forma contrária.” Maria Amélia, moradora de Piçarras, em Florianópolis (SC)

“Uma abordagem válida, principalmente porque está sendo feita por profissionais com conhecimento no assunto. O material disponibilizado é uma ferramenta importante que ajuda os adultos a ensinar a criançada sobre temas importantes e recorrentes em qualquer litoral brasileiro.”Marlon Stefenon, turista de Blumenau, em Florianópolis (SC)

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EM DIA COM A FISCALIZAÇÃO

A legislação está em constante atualização e existem particularidades entre estados. Para mais detalhes, consulte o CRMV de sua jurisdição.

Os estabelecimentos que cultivam ou mantêm

organismos aquáticos deverão ter registro no Conselho

Regional de Medicina Veterinária?

Sim. Quando constituídos sob a forma de pessoa jurídica, mesmo inte-grados a uma empresa, deverão ter registro no Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) da respectiva jurisdição.

Quais serão suas obrigações após o registro?

Para efeito da Resolução nº 1.165/2017, o que são organismos aquáticos?

Como proceder com os estabelecimentos que cultivam

ou mantêm organismos aquáticos, quando constituídos

sob a forma de pessoa física?

Como proceder com estabelecimentos que cultivam

ou mantêm organismos aquáticos, quando integrados

a empresas?

Como o profissional deve se qualificar para exercer a RT

em estabelecimentos que cultivam ou mantêm

organismos aquáticos?

Estarão sujeitos ao pagamento de taxas de registro, Anotação de Res-ponsabilidade Técnica (ART) e anuidade.

Para efeitos dessa resolução, são considerados organismos aquáticos algas, crustáceos, moluscos, peixes, anfíbios, répteis e demais inverte-brados e vertebrados aquáticos.

Serão cadastrados no CRMV da respectiva jurisdição por meio do CPF do produtor, sendo atribuído a ele um número de registro de produtor rural, que estará isento de taxa de registro e Certificado de Regularidade.

Eles terão seus registros independentes e, para efeito de homologa-ção, a ART poderá ser vinculada à empresa integradora, por meio de seus contratos de parceria.

A busca e aquisição de treinamento específico na área de sua atuação são responsabilidades do técnico, mantendo-se sempre atualizado e cumprindo as normas e resoluções do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), CRMV e autoridades sanitárias.

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201866

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Suplementocientífico

68 Primeira detecção de Leishmania spp.

em porcos ferais nas Américas

72 Ação antifúngica do mel de abelha Jataí

(Tetragonisca angustula) na esporotricose felina

76 Cisticercose em bovinos abatidos

em Promissão (SP)

81 Ocorrência de Fasciola hepatica em

rebanhos leiteiros de Brazópolis (MG)

AS NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS ESTÃO EM WWW.CFMV.GOV.BR E A TRAMITAÇÃO É EXCLUSIVAMENTE ELETRÔNICA.

Revista CFMV Brasília DF

Ano XXIVJaneiro a Março

O Comitê Científico é formado pelo presidente das Comissões Assessoras do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).

Méd. Vet. Marcelo Renck Real (CRMV-MS nº 0634) – Conagro

Méd. Vet. Cássio Ricardo Ribeiro (CRMV-DF nº 1171) – COBEA

Méd. Vet. Francisco Edson Gomes (CRMV-RR nº 0177) - CNAS

Méd. Vet. Luis Eduardo Ribeiro da Cunha (CRMV-RJ nº 2619) – CONBB

Méd. Vet. Rafael Gianella Mondadori (CRMV-RS nº 5672) – CNEMV

Zoot. Ana Cláudia Ambiel - (CRMV-SP nº 1148/Z) – CNEZ

Méd. Vet. Wanderson Alves Ferreira (CRMV-GO nº 0524) – CNEV

Méd. Vet. Ismar Araújo de Moraes (CRMV-RJ nº 2753) – CONEL

Méd. Vet. Nestor Werner (CRMV-PR nº 0390) - CNMA

Méd. Vet. Fábio Fernando Ribeiro Manhoso (CRMV-SP nº 6983) – CNRMV

Méd. Vet. Irineu Machado Benevides Filho (CRMV-RJ nº 1757) – CONRET

Méd. Vet. Nélio Batista de Morais (CRMV-CE nº 0676) – CNSPV

Méd. Vet. José Maria dos Santos Filho (CRMV-CE nº 0950) – CONTHA

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PRIMEIRA DETECÇÃO DE LEISHMANIA SPP. EM PORCOS FERAIS NAS AMÉRICASFIRST DETECTION OF LEISHMANIA SPP. IN FERAL PIGS IN AMERICAS

Em áreas endêmicas para a leishmaniose visceral e cutânea, humanos e animais podem ser infectados tanto em zonas rurais quanto urbanas. Nesses locais, tem ocorrido gradativa degradação ambiental e, como conse-quência, tem sido observada superpopulação de Sus scrofa (javalis e javaporcos). Estes são animais exóticos, invasores e potenciais veiculadores de muitas enfermidades, o que preocupa ambientalistas, produtores ru-rais e profissionais da área da saúde. Foi investigada a ocorrência de Leishmania spp. em javalis e javaporcos por meio de técnicas parasitológicas e moleculares. Amostras de baço, linfonodo e medula óssea de 12 por-cos ferais foram examinadas por meio de exame citológico direto (imprint). Reação em cadeia da polimerase (PCR) foi realizada em fragmentos esplênicos. Formas amastigotas de Leishmania spp. foram observadas em lâmina confeccionada a partir de amostra de baço de um desses animais. Positividade para Leishmania spp. foi evidenciada em dois javalis pela PCR, sendo que um deles foi positivo pelo teste parasitológico. A infec-ção por Leishmania spp. em javalis europeus e javaporcos foi identificada, de maneira inédita, nas Américas.

Palavras-chave: Leishmaniose. Meio ambiente. Sus scrofa scrofa. Zoonose.

In endemic areas for visceral and cutaneous leishmaniasis, humans and animals can be infected in rural and urban areas. In these places, there has been gradual environmental degradation and as a consequence, overpopulation of feral pigs has been observed. These are exotic animals, invaders and potential carriers of many diseases, worrying environmentalists, farmers and also health professionals. Was investigated the occurrence of Leishmania spp. in feral pigs by parasitological and molecular techniques. Samples of spleens, lymph nodes and bone marrow from 12 feral pigs were examined by direct cytological examination (imprint) and polymerase chain reaction (PCR) was performed on splenic fragments. Amastigote forms of Leishmania spp were observed on a slide prepared from the spleen sample of one of these animals. Positivity to Leishmania spp. was evidenced in two boars by PCR, one of which was positive by the parasitological test. The infection by Leishmania spp. in European wild and feral pigs hybrids was detected, in an unprecedented way, in the Americas.

Keywords: Leishmaniasis. Environment. Sus scrofa scrofa. Zoonosis.

RESUMO

ABSTRACT

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

INTRODUÇÃO

O javali europeu (Sus scrofa scrofa) é uma espécie animal originária da Eurásia, que foi introduzida ao redor do mundo para caça, comercialização, domesticação e criação comercial (CLOUT; RUSELL, 2008). No Brasil, está

amplamente distribuído, causando consideráveis prejuí-zos econômicos na agricultura, disseminando doenças e modificando o ecossistema local. Como é considerada espécie invasora e nociva ao meio ambiente, a legisla-

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

ção federal brasileira para uso de recursos naturais auto-riza sua caça de forma controlada (IBAMA, 2017).

Os porcos ferais são híbridos, resultado de uma combinação entre suínos domésticos e javalis selva-gens que escaparam ou foram deliberadamente soltos no ambiente (GOEDBLOED et al., 2013). Apresentam alta capacidade de adaptação e reprodução, determi-nando aumento descontrolado da população e acarre-tando grandes impactos ambientais, sociais e sanitários, pois contribuem para transmissão de vários patógenos, incluindo bactérias, vírus e parasitos, inclusive na Euro-pa (ALEXANDER et al., 2016). Outro impacto ambiental recentemente observado é a adaptação de morcegos hematófagos aos porcos ferais (GALETTI et al., 2016).

Com base nos dados do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos, os danos ocasionados pelos suí-nos ferais e os custos para controle ultrapassam 1,5 bilhão de dólares por ano (BANKOVICH et al., 2016), sendo considerados uma das cem piores espécies exóticas invasoras no mundo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN/ISSG, 2016).

O javali é hospedeiro de grande número de patógenos veiculados por artrópodes, especialmente no continente europeu. Portanto, sua distribuição é de interesse para os formuladores de políticas em vários campos de atuação.

A leishmaniose é uma importante zoonose, apre-sentando uma epidemiologia complexa (GONTIJO; MELO, 2004). Devido ao hábito alimentar oportunista do vetor, envolvendo diferentes espécies de vertebra-dos, muitos animais podem atuar como hospedeiros da Leishmania spp. (MISSAWA et al., 2008). Infecção por Leishmania infantum foi observada em raposas (Vulves vulpes) e em javalis (Sus scrofa) na Europa e no Médio Oriente (GREENE, 2006). Neste estudo, foi investigada a ocorrência da infecção natural por Leishmania spp. em javalis em áreas do estado de São Paulo, Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Animais Foram analisados 12 suínos de vida livre, sendo

quatro javalis (um macho e três fêmeas), todos adul-tos. Os demais eram oito javaporcos (dois machos e

seis fêmeas), sendo cinco jovens e três adultos, com peso médio de 68,91 kg (mín. 22 kg e máx. 150 kg). Os filhotes capturados não foram abatidos.

Os animais foram obtidos por meio de caça legal e de acordo com a legislação federal brasileira para uso de recursos naturais – manejo de fauna exótica invasora, com Certificado de Regularidade IBAMA nº 64.467. Entre esses animais, cinco eram provenien-tes da região de Araçatuba, às margens do rio Tietê (-21.073127, -50.393123), três, da região de Nova Independência (-21.115429, -51.497521) e quatro, da região de Mirandópolis (-21.148824, -51.092027), em propriedades próximas ao rio Aguapeí, no estado de São Paulo, Brasil (Figura 1).

Imediatamente após os animais terem sido alvejados, procedeu-se à inspeção das carcaças em busca de lesões cutâneas e caracterização do escore corporal. Subsequen-temente, foram inspecionadas as vísceras.

Análises laboratoriaisAmostras de linfonodos poplíteos e baço foram ob-

tidas por meio de aspiração, usando seringas de 20 mL acopladas a agulhas 40 x 12 mm, de modo que aspira-ções múltiplas foram obtidas em uma mesma punção. O material da medula óssea foi coletado do ducto esternal. As amostras foram coradas com kit Panótico Rápido® (Laborclin, Pinhais, PR, Brasil) e os exames parasitológi-cos diretos, para as formas amastigotas de Leishmania spp., foram realizados em aumento de 1000X, sendo observados 300 campos de microscopia por lâmina.

Amostras de baço foram submetidas à técnica da rea-ção em cadeia da polimerase convencional (cPCR). As alí-quotas foram submetidas à análise molecular, utilizando oligonucleotídeos, que amplificam o ADN de minicírculos de cinetoplastos de Leishmania spp. com os primers 13A (5′-GTG GGG GAG GGG CGT TCT -3′) e 13B (5′-ATT TTA CAC CAA CCC CCA GTT-3′) (RODGERS et al., 1990). As análises foram realizadas em laboratório de referência para diag-nóstico de leishmanioses humana e animal.

RESULTADOS Nenhum dos 12 suínos examinados apresentou

dermatopatias ou alterações macroscópicas viscerais

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evidentes e, de modo geral, eram aparentemente sau-dáveis e apresentavam boas condições físicas.

Em relação à análise dos fragmentos esplênicos, Leishmania spp. foi detectada molecularmente em dois suínos, sendo um javali e um javaporco, captu-rados próximo à reserva estadual do rio Aguapeí, na região de Nova Independência. Em um desses animais, positivo pela PCR, também foram observadas formas amastigotas de Leishmania spp. no exame parasitoló-gico direto (Figura 2).

DISCUSSÃOOs animais examinados não manifestavam sinais

clínicos compatíveis com leishmaniose e o fato de não apresentarem alterações orgânicas perceptí-veis talvez seja um indício do caráter assintomático da infecção por Leishmania spp. nessa espécie. No entanto, não existem dados suficientes para essa afirmação e mais pesquisas relacionadas à imuno-patogênese dessa parasitose devem ser realizadas. Lesões ulcerativas já foram evidenciadas na orelha de um porco doméstico infectado por Leishmania spp. em uma propriedade em que existiam casos de leishmaniose cutânea em humanos, no Nordeste do Brasil (BRAZIL et al., 1987).

Os flebótomos apresentam ampla distribuição geográfica dentro do estado de São Paulo, com apro-ximadamente 69 espécies catalogadas e incrimina-das na transmissão da leishmaniose tegumentar e

T Figura 1. Áreas de origem dos animais, próximas aos rios Tietê e Aguapeí

visceral (SHIMABUKURO; GALATI, 2011), sendo a re-gião do rio Aguapeí uma das áreas com maior densi-dade de flebótomos dentro do estado de São Paulo (ODORIZZI; GALATI, 2007). Trata-se de uma vasta área de preservação permanente, com grandes matas e várzea, fazendo divisa com outra região de preser-vação permanente conhecida como Parque Estadual do Rio do Peixe. Essa região difere das áreas do rio Tietê, que possuem pequena ou nenhuma área de preservação permanente, sendo praticamente toda a sua extensão explorada pelo setor turístico pesquei-ro ou pela agropecuária.

São escassos os relatos na literatura científica relacionados à ocorrência de Leishmania spp. em suínos (Sus scrofa). No entanto, essa espécie animal pode ter importante papel epidemiológico na atra-ção e/ou manutenção do inseto vetor no peridomi-cílio (MORAES-SILVA et al., 2006), sendo constata-da forte correlação entre a presença de suínos e a ocorrência da leishmaniose em cães (BARBOSA et al., 2006). Esses resultados diferem dos achados des-te estudo, pois os animais analisados são exóticos, invasores, de vida livre e dispersos pelas áreas de reserva florestal e pelo cultivado, particularmente o de cana-de-açúcar.

A proliferação vetorial é altamente influen-ciada pelo ambiente, sendo essas áreas povoadas por diversas espécies de flebótomos, entre eles, o Nyssomyia neivai (ODORIZZI; GALATTI 2007) e o Lu-tzomyia longipalpis (SHIMABUKURO; GALATTI, 2011). A modificação ambiental causada pelo ser humano com a exploração agropecuária, a eliminação siste-mática de grandes predadores, além daquelas cau-sadas pelo próprio porco feral e suas elevadas popu-lações, têm favorecido a manutenção e a dispersão desta e outras doenças para outras áreas (IN IBAMA 03/2013).

Dados referentes a potenciais reservatórios sil-vestres são de considerável importância no contex-to epidemiológico, no sentido de proteger as saúdes animal e humana (COMEAUX et al., 2016). A ocorrên-cia da infecção por Leishmania spp. em suínos ferais

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

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T Figura 2. Formas amastigotas de Leishmania spp. encontradas no baço de animais

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

representa um importante alerta para a adoção de medidas de controle dessa antropozoonose, envol-vendo, particularmente, essa espécie animal.

CONCLUSÕESEssa é a primeira vez que Leishmania spp. é de-

tectada em javalis e javaporcos de vida livre nas Américas. O papel epidemiológico desses suínos, possivelmente, tem sido ignorado, o que pode ter impacto direto na implantação de medidas de con-trole dessa zoonose.

ALEXANDER, N.S.; MASSEI, G. et al. The european dis-tribution of Sus Scrofa. Model Outputs from the Pro-ject Described within the Poster – Where are All the Boars? An Attempt to Gain a Continental Perspective. Journal of Open Health Data. v.4, n.1, 2016.

BANKOVICH, B.; BOUGHTON, E. et al. Plant commu-nity shifts caused by feral swine rooting devalue Florida rangeland. Agriculture, Ecosystems & En-vironment. v.220, n.15, p.45-54, 2016.

COMEAUX, J.M.; CURTIS-ROBLES, R. et al. Survey of Feral Swine (Sus scrofa) Infection with the Agent of Chagas Disease (Trypanosoma cruzi) in Texas, 2013–14. Journal of Wildlife Diseases. v.52, n.3, p.627-630, 2016.

CLOUT, M.N.; RUSSEL, J.C. The invasion ecology of mammals: a global perspective. Wildlife Research. v.35, p.180–184, 2007.

GALETTI, M.; PEDROSA, F. et al. Liquid lunch – vam-pire bats feed on invasive feral pigs and other ungulates. Frontiers of Ecology and Environment. v.14, n.9, p.505-506, 2016.

GOEDBLOED, D.J.; MEGENS, D.J. et al. Genome-wide

single nucleotide polymorphism analysis reveals recent genetic introgression from domestic pigs into Northwest European wild boar populations. Molecular Ecology. v.22, n.3, p.856-866, 2013.

GREENE C.E. Infectious diseases of the dog and cat. Philadelphia: Saunders Elsevier. 2006, 685- 698p.

GONTIJO, C.M.F.; MELO, M.N. Leishmaniose Visceral no Brasil: quadro atual, desafios e

perspectivas. Revista Brasileira de Epidemiologia. v.7, n.3, p.338-349, 2004

INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NA-TURAIS RENOVÁVEIS -IBAMA. Instrução Normativa 03/2013. Decreta a nocividade do javali e dispõe sobre seu manejo e controle. Disponível em: http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/fauna/2014/07/IN_Ibama_03_2013.pdf. Acesso em 18/10/2017

INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NA-TURAIS RENOVÁVEIS IBAMA 2017. Manejo e Con-trole do Javali. Disponível em : http://ibama.gov.br/index.php?option=com_content&view=arti-cle&id=546. Acesso em 18/10/2017.

INVASIVE SPECIES SPECIALIST GROUP. View 100 of the world´s worst invasive alien species. Dispo-nível em: http://www.issg.org/worst100_species.html. Acesso em: 18/10/2017.

MISSAWA, N.A.; LOROSA, E.S. et al. Preferência ali-mentar de Lutzomyia longipalpis (Lutz & Neiva, 1912) em área de transmissão de leishmaniose visceral em Mato Grosso. Revista da Sociedade Brasileira de Me-dicina Tropical. v.41, n.4, p.365-368, 2008.

ODORIZZI, R.F.N.; GALATI, E.A.B. Flebotomíneos de várzea do rio Aguapeí, região noroeste do estado de São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública. v.41, n.4, p.645–652, 2007

RODGERS, M.R.; POPPER, S.J.; WIRTH, D.F. Amplifi-cation of kinetoplast DNA as tool in the detection and diagnosis of Leishmania. Experimental Para-sitology. v.71, n.3, p.267-275, 1990.

SHIMABUKURU, P.H.F.; TOLEZANO, J.E. et al. Cha-ve de identificação ilustrada dos Phlebotominae (Diptera, Psychodidae) do estado de São Paulo, Brasil. Papéis Avulsos de Zoologia. v.51 n.27, p.399-441, 2011.

REFERÊNCIAS

WILLIAN MARINHO DOURADO COELHOMédico veterinárioCRMV-SP nº 22512 Departamento de Patologia Animal da Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina (SP)[email protected]

JULIANA DE CARVALHO APOLINÁRIO COÊLHOFisioterapeutaCREFITO nº 71837-F

KATIA DENISE SARAIVA BRESCIANIMédica veterináriaCRMV-SP nº 7161

VAMILTON ALVARES SANTARÉMMédico veterinárioCRMV-SP nº 8214

VIRGINIA BODELÃO RICHINI PEREIRABiólogaCRBIO nº 035147/01D

WILMA APARECIDA STARKE BUZETTIMédica veterináriaCRMV-SP nº 2240

FABIANO ANTONIO CADIOLIMédico veterinárioCRMV-SP nº 10181

IGOR DA SILVA FERREIRADiscente do curso de Agronomia, Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina (SP)

ALEXANDRE ANTONINEDiscente do curso de Agronomia, Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina (SP)

THIAGO MUNHOZ GONZALES DE CARVALHODiscente do curso de Agronomia, Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina (SP)

EDVARD GONÇALVES FERNANDES JUNIORDiscente do curso de Medicina Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina (SP)

HAMILTON FERREIRA DE ARAÚJO FILHODiscente do curso de Medicina Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina (SP)

LUCIANO ALVES DOS ANJOSBiólogoCRBIO nº 451688-6

AUTORES

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 2018 71

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AÇÃO ANTIFÚNGICA DO MEL DE ABELHA JATAÍ (Tetragonisca angustula) NA ESPOROTRICOSE FELINA ANTIFUNGAL ACTIVITY OF THE HONEY OF JATAÍ BEES (Tetragonisca angustula) ON FELINE SPOROTRICHOSIS

A esporotricose é considerada uma grave zoonose e a transmissão do Sporothrix schenckii pode ocorrer pela inoculação dos conídeos, diretamente na pele, por meio de traumatismos, principalmente, provenientes de felinos infectados, que detêm grande potencial de transmissão a humanos. Poucos são os medicamentos eficazes contra a doença e que apresentam reduzidos efeitos adversos, sendo o itraconazol o medicamento de eleição para felinos. A aplicação tópica de agentes antifúngicos pode acelerar a cicatrização e a pesquisa de substâncias ativas com possível ação antimicrobiana, oriundas de produtos orgânicos, tem despertado o interesse da classe médica. Testes com o mel de abelhas-indígenas sem ferrão da espécie Tetragonisca angustula foram realizados, demonstrando ação antimicrobiana contra o Sporothrix schenckii.

Palavras-chave: Sporothrix schenckii. Apiterapia. Gato.

Sporotrichosis is considered a serious zoonosis and Sporothrix schenckii transmission can occur by inoculation of conidia directly to the skin through trauma, mainly from infected cats, which holds great potential for transmission to humans. There are few effective drugs against the disease and which have few adverse effects, being itraconazole the choice drug for cats. According to literature, the topical application of antifungal agents can accelerate the healing, and the search for active compounds of organic origin with potential antimicrobial activity has aroused the interest of medical professionals. Tests with honey of stingless bees from the Tetragonisca angustula species have been conducted demonstrating action against Sporothrix schenckii.

Keywords: Sporothrix schenckii. Apitherapy. Cat.

RESUMO

ABSTRACT

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

INTRODUÇÃOA esporotricose é uma grave zoonose, classificada

como de epidemiologia global (CHAKRABARTI et al., 2015). Os profissionais da área da saúde, como médi-cos veterinários e laboratoristas, e tutores de animais estão mais sujeitos à infecção após mordeduras, arra-

nhaduras ou contato direto com as lesões, principal-mente de felinos infectados (MADRID et al., 2010).

Seu tratamento é dificultado, pois os felinos apre-sentam sensibilidade aumentada aos efeitos tóxicos dos iodetos (MADRID et al., 2010). Outros medica-

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

mentos, como a anfotericina B (PEREIRA et al., 2008), o cetoconazol, o fluconazol e a griseofulvina, são desa-pontadores quanto aos resultados, sendo igualmente tóxicos (HENNEMANN et al., 2003). O itraconazol sur-giu como droga sistêmica eficaz, apresentando efeitos adversos reduzidos e sendo considerado o tratamento de eleição. Também, a aplicação tópica de agentes an-tifúngicos pode demonstrar aceleração na cicatrização (MADRID et al., 2010).

Outra dificuldade relacionada é o tempo prolon-gado de terapia antifúngica, que deve perdurar por até quatro semanas após o desaparecimento dos sinais clí-nicos (MAHAJAN, 2015).

Produtos naturais vêm sendo avaliados, entre eles, o óleo essencial de Origanum vulgare, cuja atividade antifúngica in vitro frente ao Sporothrix schenckii foi demonstrada (CLEFF et al., 2008); já a glucana como imunomodulador, em associação com o itraconazol, diminuiu a formação de colônias do fungo e sua dis-seminação para órgãos internos (MARTINS et al., 2008).

Todo mel impede a sobrevivência de microrga-nismos (DEMERA; ANGERT, 2004) e essa ação é mais efetiva quando produzido por abelhas sem ferrão do gênero Apis.

Em um experimento in vitro, Bobány et al. (2010) demonstraram que o mel de abelhas-indígenas sem fer-rão tem nítida ação antimicrobiana em cultivo misto de bacilos, cocos e leveduras das otites externas de cães.

Este experimento objetivou demonstrar, in vitro, a atividade antifúngica do mel de abelha Jataí (Tetrago-nisca angustula) contra o Sporothrix schenckii, cultivado a partir de amostras de feridas cutâneas de dois felinos.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado com amostras de dois felinos machos, não castrados, sem raça definida, iden-tificados como felinos 1 e 2, procedentes de atendi-mentos na Clínica da Escola de Medicina Veterinária Dr. Luis Cataldi de Souza do Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso), em Teresópolis (RJ). Durante a consulta, apresentaram sinais de anorexia, prostração e febre, além de nódulos dérmicos ulcerados que dre-navam exsudato sero-hemorrágico, com presença de crostas e histórico de frequentarem a rua.

Esta pesquisa, protocolada sob número 0252/2009, foi aprovada em 9 de abril de 2009.

Foram realizados exames citológicos por meio de im-print corado pelo método May-Grunwald-Giemsa (MGG) para confirmação diagnóstica. Foram também coletadas amostras das lesões com auxílio de swabs estéreis (dois para cada felino), que, após serem lacrados de forma se-gura, foram encaminhados para exame microbiológico.

As amostras do felino 1 foram semeadas em dois tubos de ensaio estéreis com tampa de algodão conten-do o meio de cultura ágar Sabouraud. O mesmo meio de cultura foi vertido em placa de Petri estéril, solidi-ficando em seguida, para ser realizada a semeadura. O procedimento também foi realizado para as amostras do felino 2, totalizando quatro tubos e duas placas.

Em seguida, um dos tubos de ensaio de cada felino foi incubado a 37 °C por dez dias; os outros dois tubos e as placas de Petri foram mantidos em temperatura ambiente pelo mesmo período. Após esse tempo, vi-

T Figura 1. Felino 1 com lesão dérmica compatível com esporotricose

T Figura 2. Lesão digital compatível com esporotricose no felino 2

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

sando a verificar a presença de Sporothrix schenckii, fo-ram confeccionados esfregaços, retirando uma porção referente a uma alçada e acrescentando uma gota de solução salina, sendo, em seguida, corados pelo mé-todo de Gram. Também foram elaboradas lâminas para o exame microscópico direto com a utilização de duas gotas de hidróxido de potássio 30%, com uma porção referente a uma alçada da cultura fúngica.

O mel das abelhas Jataí (Tetragonisca angustu-la), para elaboração do antibiograma, foi coletado no Apiário Serrano, localizado no município de Te-resópolis (RJ), com auxílio de seringa de 10 mL com agulha 30 x 10 estéril, mantido em temperatura am-biente e levado ao laboratório, tendo sido 1 mL va-zado em meio caldo triptona soja (TSB) e incubado em estufa a 37 °C, para verificar a esterilidade do mel a ser utilizado. Após 24 horas, não foi constata-do crescimento bacteriano.

Para a realização do antibiograma, foram utilizados tubos de ensaio contendo o meio de cultura Sabouraud na forma líquida, adicionando uma porção referente a duas alçadas da cultura contida na placa de Petri, sen-do que, em dois tubos (felinos 1 e 2), se acrescentou 1 mL de mel e, nos outros dois, 2 mL de mel para análise de sua ação antifúngica. Esses tubos foram mantidos em temperatura ambiente por dez dias, após os quais

foi realizada pesquisa microscópica direta para avalia-ção da ação antimicrobiana do mel.

RESULTADOS E DISCUSSÃOOs sinais de anorexia, prostração, febre e nódulos

dérmicos ulcerados, compatíveis com esporotricose linfocutânea, foram enfatizados pela história de livre acesso às ruas (MADRID et al., 2010) e confirmados na citologia, quando se observou a presença de grande quantidade de Sporothrix schenckii na forma de leve-duras (Figura 3) (CALDATO et al., 1998).

No mel semeado em meio TSB, não houve cresci-mento de microrganismos, evidenciando que o apite-rápico é inócuo.

Nas semeaduras nos tubos de ensaio contendo o meio de cultura ágar Sabouraud, tanto nos que foram incubados a 37 °C quanto nos que permaneceram em temperatura ambiente, não foi observado crescimen-to após dez dias; dessa forma, foram descartados da pesquisa.

As amostras que, em placas de Petri, apresenta-ram crescimento rápido, com colônias cuja coloração variava, com o passar do tempo, de creme para mar-rom escuro, aspecto filamentoso aderente ao meio, fo-ram compatíveis com colônias de Sporothrix schenckii (HENNEMANN et al., 2003).

No exame microscópico direto e nos esfregaços das colônias fúngicas corados pelo método de Gram,

T Figura 3. Microfotografia de lâmina do esfregaço da lesão, evidenciando várias formas de levedura

T Figura 4. Microfotografia de esfregaço das colônias fúngicas corado pelo método de Gram, evidenciando a presença do Sporothrix schenckii na forma micelial, com hifas finas e conídeos de aspecto de rosetas

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

obtidos das placas de Petri, foi observada a presença do Sporothrix schenckii na forma micelial, com hifas finas e conídeos distribuídos ao longo e nas extremi-dades, de aspecto de margaridas ou rosetas (Figura 4), formas características desse fungo (HENNEMANN et al., 2003). A avaliação microscópica direta do material referente ao antibiograma realizado em meio de cultu-ra Sabouraud na forma líquida evidenciou a presença de muitas leveduras, mostrando que, em meio líquido, o mel não apresentou ação antifúngica, concordando com Torres et al. (2004), que também não obtiveram resultado do mel contra fungos e leveduras.

Diante desse resultado, como contraprova, proce-deu-se à semeadura do material desses tubos em placa de Petri com meio de cultura ágar Sabouraud. Após dez dias, em temperatura ambiente, não foi identificada a presença de colônias de Sporothrix schenckii, sugerindo a ação antifúngica do mel de abelhas Jataí nesse meio.

CONCLUSÃOO mel de abelhas Jataí (Tetragonisca angustula),

quando testado in vitro, demonstrou ser eficaz con-

tra Sporothrix schenckii, com potencial na redução da carga fúngica, porém, para ser utilizado como terapia alternativa, tanto na esporotricose felina quanto na doença em outras espécies, particularmente em seres humanos, novos estudos são necessários.

CARLOS AUGUSTO CONSTANCIO BASTOSMédico veterinárioCRMV-RJ nº 10232Autô[email protected]

DENISE DE MELLO BOBÁNYMédica veterináriaCRMV-RJ nº 1415MSc, docente do Unifeso

ROBERTA ROLLEMBERG CABRAL MARTINSZootecnistaCRMV-RJ nº 0580/ZDSc, docente do Unifeso

CINTIA RAYE MACIELMédica veterináriaCRMV-RJ nº 10235Autônoma

GABRIEL BOBÁNY DE QUEIROZMédico veterinárioCRMV-RJ nº 9254DSc, autônomo

AUTORES

BOBANY, D.; PIMENTEL, M.; MARTINS, R. et al. Ativi-dade antimicrobiana do mel de abelhas Jataí (Te-tragonisca angustula) em cultivo de microrganis-mos do conduto auditivo de caninos domésticos (Canis familiaris). Ciência Animal Brasileira, v.11, n.2, p.441446, 2010.

CALDATO, R.; SENNE, F.M.B; JOSE, N.K. Esporotrico-se: lesão solitária palpebral (Relato de um caso). Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, v.61, n.5, p.594-598, 1998. Disponível em: <http://www.abonet.com.br/abo/relato01.htm#Esporotrico-se>. Acesso em: 07 jul. 2010.

CHAKRABARTI, A.; BONIFAZ, A.; GUTIERREZ-GA-LHARDO, M.C. et al. Global epidemiology of sporo-trichosis. Medical Mycology, v.53, n.1, p.3-14, 2015.

CLEFF, M.B.; MEINERZ, A.R.M.; SCHUCH, L.F.D. et al. Atividade in vitro do óleo essencial de Origanum

vulgare frente à Sporothrix Schenckii. Arquivo Bra-sileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.60, n.2, p.513-516, 2008.

DEMERA, J.H.; ANGERT, E.R. Comparison of the antimicrobial activity of honey produced by Tetragonisca angustula (Meliponinae) and Apis mellifera from different phytogeographic re-gions of Costa Rica. Apidologie, v.35, p.411-417, 2004.

HENNEMANN, C.R.A.; GUIMARÃES, J.; BREMM, M. Esporotricose felina: uma revisão. Revista Veteri-nária em Foco, v.1, n.1, p.53-69, 2003.

MADRID, I. M.; MATTEI, A.; MARTINS, A. et al. Feline Sporotrichosis in the Southern Region of Rio Gran-de Do Sul, Brazil: Clinical, Zoonotic and Therapeu-tic Aspects. Zoonoses and Public Health, v.57, n. 2 , p.151-154, 2010.

MARTINS, A.A.; ANTUNES, T.A.; SILVA, F.V. et al. Tratamento da esporotricose cutânea experi-mental: uso de b - glucana associada ao itraco-nazol. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE VETERI-NÁRIA, 35., Gramado, 2008. Anais... Gramado, RS: Sociedade de Veterinária do Rio Grande do Sul, 2008.

PEREIRA, J.C.B.; GRIJÓ A.; PEREIRA, R.R.M. et al. Esporotricose disseminada – Caso clínico e discus-são. Revista Portuguesa de Pneumologia, v.XIV, n.3, 2008.

TORRES, A.; GAREDEW, A.; SCHIMOLZ, E. Calorime-tric investigation of the antimicrobial action and insight into the chemical properties of “angelita” honey – a product of the stingless bee Tetragonis-ca angustula from Colombia. Thermochimica Acta, v.415, p.107-113, 2004.

REFERÊNCIAS

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CISTICERCOSE EM BOVINOS ABATIDOS EM PROMISSÃO (SP)CYSTICERCOSIS IN CATTLE SLAUGHTERED IN PROMISSÃO (SP)

Foi verificada a ocorrência da cisticercose em bovinos abatidos no município de Promissão (SP), no ano de 2015, adotando como unidade de pesquisa um frigorífico local. Os animais abatidos foram submetidos à inspeção post mortem pelo Serviço de Inspeção Federal, objetivando a detecção de cistos vivos ou calcificados na carcaça e nos órgãos avaliados. Foram analisados os dados mensais relacionados às lesões de cisticercose e, com base nesses resultados, verificou-se diferença significativa entre os tipos de lesão e os locais de infestação pelo parasita. O fígado foi o órgão com maior frequência de infestações, mesmo sendo considerado um sítio secundário de predileção do parasita.

Palavras-chave: Cysticercus bovis. Fígado. Inspeção post mortem.

Was evaluated the occurrence of cysticercosis in bovine slaughtered in Promissão, Sao Paulo State, in 2015, adopting as a research unit a local slaughterhouse. During this period, the slaughtered animals were submitted to post-mortem inspection, by the Federal Inspection Service, aiming the detection of live or calcified cysts in the carcasses and evaluated organs. Data related to cysticercosis lesions was evaluated monthly, and based on these results, was verified statistical difference between the types of lesions and the sites of infestation by the parasite. This study concludes that the liver was the organ with the highest frequency of infestations, even though it was considered a secondary site of predilection of the parasite.

Keywords: Cysticercus bovis. Liver. Post mortem inspection.

RESUMO

ABSTRACT

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

INTRODUÇÃO

A cisticercose é a maior causadora de condenação de carcaças dentre as zoonoses associadas ao consumo de produtos cárneos (SANTOS; MOREIRA, 2011). Além das perdas econômicas relacionadas à desvalorização do produto, ocorre a redução da credibilidade frente ao mercado internacional (REZENDE et al., 2006).

A cisticercose bovina é uma doença de caráter pan-topolista e, geralmente, afeta regiões de baixa condição socioeconômica. Como o homem é o único hospedeiro

definitivo da forma adulta da Taenia saginata, é um elo essencial na epidemiologia da teníase/cisticercose, uma vez que, diariamente, pode eliminar milhares de ovos nas fezes, os quais podem sobreviver no ambiente por vários meses (ROSSI et al., 2014).

O bovino ingere ovos da T. saginata por meio do consumo de alimento ou água contaminados por fezes do hospedeiro definitivo infectado. A oncosfera atra-vessa a mucosa intestinal, atinge a corrente circulatória

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

e segue até áreas de predileção, como coração, múscu-los da mastigação, língua, diafragma e seus pilares e massas musculares da carcaça. Ocasionalmente, pode haver infestação em órgãos como fígado, pulmão, olhos, cérebro, baço, rins e coração. Nesses tecidos, ocorre a formação de cistos que contêm, em seu in-terior, a forma larvária, designada Cysticercus bovis. O homem pode se contaminar ao ingerir carne crua ou malcozida contendo cisticercos viáveis, ocorrendo em seu intestino a fase adulta do parasita (SANTOS; BAR-ROS, 2009).

Geralmente, a cisticercose bovina não apresen-ta sinais clínicos aparentes, impossibilitando, assim, seu diagnóstico em animais vivos (SANTOS; MOREIRA, 2011). Nos abatedouros, o diagnóstico é feito por meio da inspeção post mortem, como preconizado no Regu-lamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), que consiste na observa-ção macroscópica de cisticercos em órgãos e nas áreas de predileção na carcaça (BRASIL, 1997).

De acordo com o aspecto larval e sua distribuição no animal, é possível encontrar, durante a inspeção, cisticercos viáveis (císticos) ou degenerados (calcifica-dos), como também localizados ou generalizados. Os calcificados são detectados com maior facilidade, uma vez que são mais visíveis no tecido circundante. Entre-tanto, a detecção de cistos degenerados não exclui a presença de cisticercos viáveis em outros locais, po-dendo coexistir na mesma carcaça e vísceras (ALMEIDA et al., 2006).

Todavia, apenas a inspeção não possibilita a cons-tatação de todos os cistos presentes, uma vez que há limitações estéticas e comerciais para as incisões rea-lizadas nos órgãos e na musculatura (GUIMARÃES-PEI-XOTO et al., 2015).

MATERIAL E MÉTODOSForam utilizados dados coletados entre janeiro e

dezembro de 2015, no município de Promissão, estado de São Paulo, a partir do acompanhamento diário dos trabalhos da equipe do Serviço de Inspeção Federal (SIF) presente no frigorífico, responsável pela reali-

zação da inspeção dos animais abatidos. Os 232.597 animais abatidos durante o período foram submetidos à inspeção post mortem, como preconizado no RIISPOA (BRASIL, 1997). Os dados foram anotados diariamente e, em seguida, compilados, mensalmente, para a reali-zação das análises.

Os locais de infestação, o número total de cisticer-cos e sua classificação quanto às suas características macroscópicas, em viáveis (císticos) ou degenerados (calcificados), foram quantificados, a partir da avalia-ção dos boletins mensais expedidos pelo SIF. Foram calculadas a frequência total de infestação por cisti-cercos em cada local relatado e a frequência quanto à viabilidade dos nódulos (císticos ou calcificados), expressas em porcentagens. Também foi calculada a ocorrência mensal de cisticercose nas carcaças e vís-ceras de bovinos abatidos no local.

Os dados em porcentagem foram transformados por raiz quadrada do arcosseno e submetidos à análise de va-riância (ANOVA) utilizando o software estatístico JMP ver-são 9.0.1 (SAS Inst. Inc., Cary, NC, USA). Quando um efeito significativo foi encontrado, comparações múltiplas das médias foram determinadas pelo teste de Tukey. As mé-dias estão apresentadas na forma de % média ± Erro Pa-drão da Média (EPM). Diferenças com probabilidades (p) menores que 0,05 foram consideradas significativas.

RESULTADOS E DISCUSSÃOEntre os 232.597 animais abatidos durante o pe-

ríodo avaliado, foram encontradas 10.365 lesões em órgãos ou na carcaça. Dados individuais sobre o núme-ro de cisticercos e locais onde foram observados em cada animal, bem como o total de animais com cisticer-cose, não foram determinados.

A variação da ocorrência de lesões por cisticercose nos meses avaliados está apresentada na Figura 1. In-dependentemente do local detectado, houve variação cíclica no número de lesões identificadas, sendo maior nos meses de janeiro (n = 1.004), março (n = 1.010), ju-nho (n = 1.064) e outubro (n = 994) e menor nos meses de fevereiro (n = 770), abril (n = 741), agosto (n = 751) e dezembro (n = 627).

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 2018 77

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Os dados avaliados apontam para a ocorrência elevada e contínua de casos de cisticercose nos ani-mais abatidos no período. Tais resultados demons-tram falhas na cadeia produtiva da carne bovina, uma vez que o controle da doença é possível a partir de cuidados com a contaminação ambiental. Os animais infectam-se ao consumir água ou alimento contami-nados com ovos viáveis do parasita ou por qualquer outro modo que leve à ingestão desses ovos (SANTOS; BARROS, 2009).

À inspeção, foram observados com maior frequên-cia cisticercos no fígado, língua, carcaça, cabeça, esôfa-go e coração (26,14 ± 0,35% a 5,90 ± 0,67%; p<0,05), em comparação com cauda, diafragma, estômago, in-testino, língua, pulmão e rins (0,22 ± 0,10% a 0,04 ± 0,22%; p>0,05), locais que apresentaram reduzida fre-quência de infestações (Tabela 1).

Os locais de predileção dos cisticercos em bovinos infectados experimentalmente com ovos de T. saginata fo-ram o coração, língua, masseteres, pterigoides e diafragma, o que confirma e sustenta a necessidade de realização de inspeção sanitária rotineira (SCANDRETT et al., 2009).

Neste estudo, o fígado foi apontado como o órgão em que a maior porcentagem das infestações foi ob-servada (26,14 ± 0,35%), diferindo (p<0,05) dos de-mais sítios, os quais também apresentaram elevada frequência de cisticercos (Figura 2).

Geralmente, o fígado não é considerado local de maior predileção dos cisticercos e alguns autores sequer mencionam o órgão como sítio de ocorrência do parasita (SANTOS; BARROS, 2009). Todavia, Minozzo et al. (2002) relataram a prevalência de infestações no fígado em infecções experimentais e naturais (1,71% e 10,00%, respectivamente). Ainda, Arçari (2008) destacou o órgão como o local mais parasitado por larvas de cisticerco (64,60%), em avaliação dos registros post mortem de 92.944 bovinos abatidos, no ano de 2007, em um frigo-rífico na Bahia. Em reforço a esses achados, Carvalho e Machado (2011) determinaram que a cisticercose bovi-na foi uma importante causa de condenação de fígados, com geração de prejuízos econômicos significativos em um frigorífico em Minas Gerais.

Esses dados destacam a necessidade da pesquisa de cisticercos, não apenas nos sítios de predileção consagra-dos pela literatura, como coração e cabeça, mas também do exame sistemático do fígado na rotina de inspeção, o que ainda não é exigido pelos regulamentos vigentes.

A cisticercose bovina passa despercebida aos olhos do pecuarista e do médico veterinário, uma vez que não ocasiona nenhum sinal clínico que justifique o uso de recursos terapêuticos ou medidas profiláti-cas. Os prejuízos econômicos ocorrem após o abate,

Núm

ero

de le

sões

1200

1000

800

600

400

200

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

0

Figura 1. Variação mensal do número de lesões por cisticercose no ano de 2015 em bovinos abatidos no município de Promissão, em São Paulo.

Tabela 1. Frequência de observação de lesões de cisticercose à inspeção, de acordo com o local da infestação, em bovinos abatidos em 2015 no município de Promissão, em São Paulo.

Nota: Letras distintas na mesma coluna diferem entre si pelo teste de Tukey (p<0,05).

Local da infestação Lesões (n) % Média ± EPM

Cabeça 1.492 14,36 ± 0,22a

Carcaça 1.771 17,12 ± 0,37b

Cauda 13 0,11 ± 0,05c

Coração 611 5,90 ± 0,67d

Diafragma 14 0,12 ± 0,05c

Esôfago 1.336 12,91 ± 0,17e

Estômago 23 0,19 ± 0,09c

Fígado 2.704 26,14 ± 0,35f

Intestino 14 0,12 ± 0,05c

Língua 2.356 22,77 ± 0,43g

Pulmão 5 0,04 ± 0,22c

Rins 26 0,22 ± 0,10c

Total 10.365 -

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

representados pela condenação de carcaças ou órgãos (UNGAR; GERMANO, 1992).

Os cisticercos nas formas viáveis (císticos) ou de-generadas (calcificados) podem coexistir na mesma carcaça e vísceras, sendo os calcificados detectados com maior facilidade à inspeção. Todavia, é a ingestão dos cisticercos viáveis na carne bovina crua ou mal-cozida que resulta na infestação do ser humano pela forma adulta do parasita (CORTES, 2000).

Neste estudo, foi observada diferença (p<0,05) na ocorrência de cisticercos viáveis e degenerados na carcaça, cabeça, língua, coração, esôfago e fígado (Figura 3). As lesões calcificadas estavam em maior porcentagem (p<0,05) nas carcaças (52,88 ± 2,79%), cabeça (18,48 ± 2,05%) e coração (28,21 ± 3,30%), enquanto, na língua, a maior frequência (p<0,05) foi de cisticercos viáveis (24,61 ± 0,30%). No esôfago (14,00 ± 0,11%) e no fígado (28,35 ± 0,21%), foram encon-trados apenas cisticercos viáveis.

As carcaças ou órgãos parasitados com cisticercos podem ter destinos diversos, determinados pelo RIISPOA, conforme o grau de infestação dos cistos (BRASIL, 1997), sendo destinados à salga, conserva, congelamento e, inclusive, condenação total (PEREIRA et al., 2006). Inde-pendentemente do destino, ocorrem perdas econômicas

consideráveis ao produtor, uma vez que há redução de 30% no valor do peso das carcaças destinadas ao tra-tamento pelo frio e de 50% no valor das destinadas à produção de conserva (esterilização pelo calor). Quando as carcaças são destinadas à graxaria (imprópria ao con-sumo humano), o produtor não recebe nenhuma remu-neração pelo animal abatido (OLIVEIRA et al., 2011).

Geralmente, a cisticercose bovina apresenta-se na forma de infecção leve e, associada à impossibilidade de realizar um grande número de incisões nas carcaças e órgãos, muitos casos positivos não são diagnostica-dos. Apesar dessa limitação, na maioria dos países, a inspeção post mortem é a única medida aplicada no controle e prevenção do complexo teníase-cisticerco-se (FUKUDA et al., 2003), uma vez que testes sorológi-cos ainda não são confiáveis para determinar o status individual. No entanto, estes podem ter algum valor como testes de triagem em rebanhos e em investiga-ções epidemiológicas (GAJADHAR et al., 2006).

Estudos recentes demonstram a possível aplicação do teste Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA) como ferramenta complementar para investigações epidemiológicas da parasitose por meio de sorologia e na identificação dos animais portadores de cistos (GUI-MARÃES-PEIXOTO et al., 2015). Em um estudo realizado em bovinos abatidos na região Nordeste da Espanha, o

Figura 3. Porcentagem média de cisticercos viáveis e degenerados detectados nos sítios com maior frequência de infestações, em bovinos abatidos em 2015 no município de Promissão, em São Paulo.

Figura 2. Locais de maior frequência de observação de cisticercos à inspeção post-mortem, em bovinos abatidos em 2015 no município de Promissão, em São Paulo.

Fígado 26%

Cabeça15%

Esôfago13%

Coração6%

Língua 23%

Nota: A porcentagem de lesões observadas em cada órgão difere entre si pelo teste de Tukey (p<0,05).

Nota: *Diferem pelo teste de Tukey em cada órgão (p<0,05).

100

9080

70

6050

40

30

20

10

0

%Carcaça

*

**

*

*

*

Cabeça

Viáveis

Língua Coração Esôfago Fígado

Degenerados

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

NATÁLIA SIMON BACHIEGA,Graduanda em Medicina Veterinária, UniSalesiano, Araçatuba, [email protected]

JULIANO CÉSAR JORQUEIRAServiço de Inspeção Federal

PRISCILA CHEDIEK DALL'ACQUAMédica VeterináriaCRMV- SP nº 36459Doutoranda UNESP, Jaboticabal/SP, Brasil

BEATRIZ CAETANO DA SILVA LEÃOMédica VeterináriaCRMV- SP nº 31478DSC e docente UniSalesiano, Araçatuba,SP

AUTORES

valor de soroprevalência alcançado pelo teste ELISA foi 50 vezes superior ao estimado pela inspeção. Ain-da, nenhum animal detectado como positivo pelo tes-te foi diagnosticado com cisticercose durante inspeção post mortem (ALLEPUZ et al., 2012). Todavia, indepen-dentemente da metodologia adotada no diagnóstico, a inspeção sanitária post mortem continua sendo um dos mais importantes mecanismos de controle da teníase--cisticercose (PINTO, 2014).

CONCLUSÕESA ocorrência elevada e contínua de cisticercose

bovina nos animais abatidos no período avaliado é de-corrente de falhas no controle da doença e na condição sanitária da cadeia produtiva da carne bovina. O fígado, órgão relatado como local secundário de predileção pelo parasita, foi apontado como o sítio de maior observação de cisticercos, reforçando a necessidade de realização do exame rotineiro e cauteloso neste e em outros órgãos.

AGRADECIMENTOS

Ao SIF 2543 e ao frigorífico Marfrig Global Foods, pela permissão para realização deste estudo.

ALLEPUZ, A.; GABRIEL, S.; DORNY, P. et al. Compa-rison of bovine cysticercosis prevalence detec-ted by antigen ELISA and visual inspection in the North East of Spain. Research Veterinary Science, v.92, p.393-395, 2012.

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BRASIL. Decreto 30.691 de 29/03/52, alterado pelos decretos 1.255 de 25/06/1962, 1236 de 02/09/1994, 1812 de 08/02/1996 e 2244 de 04/06/1997. Dispõe sobre o regulamento de ins-peção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Diário Oficial [da] União, Ministério da Agri-cultura, Brasília, DF, 05 jun. 1997, Seção 1, p.11555.

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REFERÊNCIAS

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

OCORRÊNCIA DE Fasciola hepatica EM REBANHOS LEITEIROS DE BRAZÓPOLIS (MG)OCCURRENCE OF Fasciola hepatica IN DAIRY HERDS OF BRAZÓPOLIS (MG)

A fasciolíase bovina é uma enfermidade de grande impacto econômico e social, incriminada como zoonose emer-gente, sendo o sul de Minas Gerais considerado uma área endêmica. O objetivo deste trabalho foi avaliar a re-levância do trânsito de gado e a presença de coleções de água na ocorrência do parasita Fasciola hepatica em rebanhos leiteiros no município de Brazópolis. A coleta das amostras fecais foi realizada entre 2014 e 2016, em propriedades de bovinos leiteiros desse município, diretamente da ampola retal, tendo sido feito o transporte em caixas isotérmicas para o Laboratório de Parasitologia Clínica do Hospital Escola de Medicina Veterinária do Cen-tro Universitário de Itajubá (MG), em que foram feitas as análises por meio do método de Hoffman, Pons e Janer. Após todas as análises, foi aplicado o teste estatístico qui-quadrado, comprovando que o trânsito de gado e as características hidrográficas de Brazópolis possuem grande relevância na ocorrência do parasitismo.

Palavras-chave: Epidemiologia. Fasciolíase. Lymnaea sp. Várzeas.

The fasciolose is an infirmity of great economic and social impact, it is incriminate as emergent zoonosis. It agent etiological is the trematode Fasciola hepatica, one digenetic parasite, which has as its host intermediate Lymnaea species mollusk which can be found in areas of floodplains or near water collections, and the definitive host are represented mainly by cattle. In addition to the topographic features, hydrographic and climate that facilitate the presence of the intermediate host, the animal trade without sanitary control is a factor contributing to increased transmission of this helminthiasis. The South of Minas Gerais considered an endemic area of bovine fasciolose. Brazópolis municipality belonging to the region is conducive to the development of this disease. The objective of this study is to evaluate the relevance of cattle and the presence of water collections in the occurrence of the parasite Fasciola hepatica in dairy herds in the municipality of Brazópolis. The collection of fecal samples carried out between 2014 – 2016 dairy farms in this country. Samples collected directly from the rectum of animals transported in cool boxes for Parasitology Laboratory Clinic Hospital School of Veterinary Medicine of the University Center of Itajubá – MG, where they held at analysis by Hoffman method. After all analysis was applied the statistical test Chi- square proving that the cattle traffic and hydrographic features of Brazópolis have great relevance in the occurrence of parasitism by Fasciola hepatica.

Keywords: Epidemiology. Fasciolose. Lymnaea sp. Floodplains.

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃOA Fasciola hepatica, conhecida popularmente como

“baratinha do fígado” ou “saguaipé”, é um tremató-deo de grande importância econômica (OAKLEY et al., 1979), cujos hospedeiros definitivos podem apresen-tar redução da velocidade de crescimento, diminuição

da produção, fígados condenados em abatedouros, custos com tratamento e alta taxa de mortalidade em casos graves (REID et al., 1995).

Com o corpo em formato foliáceo, tubo digestivo incompleto e coloração avermelhada, devido ao seu

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

hábito hematófago, localiza-se no parênquima hepáti-co e dutos biliares de animais domésticos e selvagens, sendo os bovinos e ovinos os hospedeiros preferen-ciais, porém pode acometer outros animais domésticos e silvestres (OLIVEIRA, 2008). Apesar de o homem ser considerado hospedeiro acidental, já foram descritos mais de 2.500 casos de infecção humana, sendo, atual-mente, considerada uma zoonose emergente de gran-de importância para a saúde pública (NEVES, 2012).

Animais que se alimentam de pastagens contaminadas com metacercárias podem ter o fígado colonizado pelo pa-rasita adulto, apesar de desenvolverem uma resposta imu-nitária humoral e celular contra o helminto. Dessa forma, os achados clínicos que podem apresentar são diarreias persistentes, perda de peso, hemorragias internas e dimi-nuição repentina do escore corporal (SILVA, 2008).

No Brasil, Ueno et al. (1980) descreveram casos de parasitismo em bovinos leiteiros, durante as estações frias e úmidas, em grande parte dos estados. A presen-ça de várzeas, rios e/ou córregos nas propriedades é um fator necessário para encontrar o hospedeiro inter-mediário do parasita, o caramujo do gênero Lymnaea (MENDES, 2007).

MATERIAL E MÉTODOSO estudo foi conduzido no período de março

de 2014 a dezembro de 2016, tendo sido coletadas amostras fecais de 420 fêmeas bovinas em estágio de lactação, procedentes de 50 propriedades situadas na zona rural do município de Brazópolis, no sul de Minas Gerais. O material foi coletado diretamente da ampola retal desses animais, variando de cinco a dez amostras por propriedade, que foram armazenadas e identifica-das com o nome do animal ou número de registro.

Após as coletas, as amostras foram acondicionadas em caixa isotérmica de tamanho médio contendo gelo, transportadas para o Laboratório de Parasitologia Clínica do Hospital Escola de Medicina Veterinária do Centro Uni-versitário de Itajubá (MG) e armazenadas em geladeira.

A análise foi realizada pelo método de Hoffman, Pons e Janer (1934), que tem como princípio a sedi-mentação e permite observar os ovos de Fasciola he-patica em meio aos sedimentos.

Para a execução, foram utilizados 2 g de fezes e 250 mL de água filtrada, homogeneizando-os em copo plástico com o auxílio de uma espátula de madeira; logo após, foi tamisada a solução homogeneizada com o auxílio de uma gaze tipo queijo, nove fios, transferin-do-a para um cálice de sedimentação de fundo cônico, em que o homogeneizado ficou em repouso por no mínimo uma hora. O sobrenadante foi descartado em local apropriado e, com o auxílio de uma pipeta, uma alíquota do sedimento foi colocada sobre uma lâmina comum, sem lapidar, com espessura de 1,0 a 1,2 mm, coberta com uma lamínula com espessura de 0,13 a 0,16 mm, e levada para avaliação em um microscópio óptico com a objetiva de 10X e a ocular de 10X, tota-lizando, assim, o aumento de 100X (HOFFMAN, 1934).

Para cada amostra fecal, foram examinadas cinco lâminas, com o objetivo de minimizar a possibilidade de resultados falsos negativos. A análise estatística foi realizada por qui-quadrado.

RESULTADOS E DISCUSSÃOForam analisadas 420 amostras fecais procedentes

de 50 propriedades do município de Brazópolis. Des-tas, 43 (86,00%) apresentaram pelo menos um animal positivo para ovos de Fasciola hepatica e sete (14,00%) foram negativas. Quanto ao número de amostras, 163 (38,80%) foram positivas e 257 (61,20%), negativas.

Nas sete propriedades em que não foram observa-das amostras parasitadas, também não havia coleções de água, como rios, córregos, represas, lagos etc. Em relação ao trânsito de gado, seis eram fazendas fecha-das e uma, aberta, porém todos os animais adquiri-dos passavam por um período de quarentena e, caso apresentassem qualquer anormalidade, eram tratados antes de ser introduzidos no rebanho. Possivelmente, esses fatores justificam a ausência de ovos nas amos-tras fecais examinadas.

As 350 amostras fecais restantes, procedentes de 43 propriedades banhadas por coleções de água, re-presentaram 158 (45,14%) positivas e 192 (54,86%) negativas para ovos de Fasciola hepatica. Foi observa-do que, dessas propriedades, 16 (37,20%) eram fecha-das para o trânsito de gado e 27 (62,80%), abertas.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

ANDRESSA APARECIDA DA SILVAMédica veterináriaCRMV-MG nº [email protected]

REGINA SILVA SANTOSDSc, docente do Centro Universitário de Itajubá (MG)

AUTORAS

GIRÃO, E.S; UENO, H; Técnica Quatro Tamises Metá-licos, 1994, In: UENO, H.; GONÇALVES, P.C; Manual para diagnóstico das Helmintoses de ruminantes. 3.ed. Japan International Cooperation Agency and Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, p.62, 1994.

HOFFMAN, W.A; PONS, J.A; JANER, J.L; Sedimen-tation Concentration Method in Schistosomiasis. Journal Public Health, p.123, 1934.

LIMA, W.S; SOARES, L.R.M; BARÇANTE, T.A. et al. Occurrence of Fasciola hepatica (Linnaeus, 1758) infection in Brazilian cattle of Minas Gerais, Brazil. Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária, v.18, n.2, p.27-30, 2009.

MENDES, E.A. Comportamento e Desenvolvimento da Fasciola hepatica (Linnaeus, 17758) de bovinos naturalmente infectados em sagui (Callithvix pe-nicillata) e gerbil (Meriones unguiculatus). Belo Horizonte, 2007 Dissertação (Mestrado). Universi-dade Federal de Minas Gerais - Instituto de Ciências Biológicas - departamento de Parasitologia, 2007.

NEVES, D.B. Parasitologia humana. 12ed. São Paulo: Atheneu, 2012, 156 p.

OAKLEY, G.A; OWEN, B; KNAPP, N.H. Production effects of subclinical liver flucks infection in growing dairy heifers. Veterinary Record, n.104, p.503-507, 1979.

OLIVEIRA, E.L. Prevalência e fatores associados à distribuição da Fasciola hepatica (Linnaeus, 1758)

em bovinos dos municípios de Careaçú e Itajubá, região da Bacia do Rio Sapucaí - Minas Gerais Belo Horizonte, 2008. Dissertação (Mestrado). Universi-dade Federal de Minas Gerais.

REID, J.F.S; DARGIE, J.D. Como os estágios adultos da Fasciola hepatica afetam a saúde e a produtividade do bovino. A Hora Veterinária, n.1, p.23-26, 1995.

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REFERÊNCIAS

O teste estatístico aplicado avaliou se as caracte-rísticas estudadas (presença de coleções de água nas propriedades e trânsito de gado) influenciam ou não a ocorrência do parasitismo por Fasciola hepatica na região de Brazópolis, com aplicação de grau de rele-vância de p<0,05.

No caso desta pesquisa, foi indicado que existe uma relevância do trânsito de gado e da presença de coleções de água na ocorrência de Fasciola hepatica em rebanhos leiteiros no município de Brazópolis (p=0,01).

Lima et al. (2009) realizaram um estudo, durante os anos de 2005 e 2006, em 120 municípios de Minas Ge-rais localizados em oito regiões diferentes. No municí-pio de Brazópolis, os autores coletaram amostras fecais de dez propriedades escolhidas aleatoriamente, porém apresentando as características topográficas e hidro-gráficas ideais para a presença do molusco Lymnaea e, consequentemente, o desenvolvimento do parasita. Em três (30,00%) propriedades analisadas, foram de-tectados ovos e, em sete (70,00%), não. A comparação temporal permite observar que a ocorrência de casos vem crescendo, porém deve-se ressaltar que Lima et al. (2009) analisaram um número pequeno de proprieda-des, quando comparado com a atual pesquisa.

Lima et al. (2009) também relacionaram uma pro-priedade em que havia animais parasitados nos muni-cípios circunvizinhos de Brazópolis, com a topografia da região do sul de Minas.

Já Oliveira (2008) avaliou a taxa de infecção de amos-tras fecais bovinas coletadas em propriedades dos mu-nicípios de Itajubá e Careaçu e constatou 184 (37,47%) positivas, num total de 491 amostras fecais coletadas

em Itajubá. Essa cidade fica próxima ao município de Brazópolis e os fatores fisiográficos, topográficos e hidro-gráficos são semelhantes. Na sua pesquisa, 37,47% das amostras foram positivas e, neste trabalho, foi possível observar um percentual de infecção de 38,80%, porcen-tagens bem próximas que reafirmam a importância dos fatores topográficos, fisiográficos e hidrográficos.

A fasciolíase bovina é uma parasitose de extrema importância econômica e na saúde pública, devido às perdas que acarreta e por ser entendida como uma zoonose emergente. Assim, as medidas de prevenção e controle no município de Brazópolis, onde a taxa de infecção é alta, devem ser baseadas nos fatores fisio-gráficos, topográficos e hidrográficos da região, como também no trânsito de gado entre as propriedades.

CONCLUSÃOO número de propriedades com amostras positivas

para Fasciola hepatica em Brazópolis é alto e as carac-terísticas fisiotopográficas do município e o trânsito de animais entre as propriedades, sem a realização dos procedimentos profiláticos, possuem grande re-levância na ocorrência da infecção, sendo importante desenvolver medidas de controle e prevenção da para-sitose na região.

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Em janeiro de 2017, em uma fazenda em Iporã (PR), 51 vacas mestiças, de aptidão leiteira, fo-ram intoxicadas após receber uma alta dose de

um produto de uso tópico, recomendado para controle do carrapato-de-boi (Rhipicephalus microplus). Ao ob-servar os primeiros sinais de desconforto dos animais, o produtor demandou assistência veterinária.

O quadro dos animais foi relatado para mim e descrito como sialorreia, fraqueza muscular e perda da coordenação motora, sudorese no dorso, taqui-cardia, vocalização e tremores musculares. Todos os animais vieram a óbito em até três horas após rece-ber o medicamento.

Além da considerável perda econômica (R$ 2.000 a R$ 5.000 por animal), posso imaginar a situação de agonia dos animais e o desespero do produtor. Esses animais foram submetidos a uma combinação fatal re-sultante da aplicação de dose errada do produto num dia quente e seco, manifestando um quadro hiperagu-do de acometimento do sistema nervoso central.

O carrapato R. microplus causa prejuízos imensos por ação espoliativa direta e pela transmissão de he-moparasitoses. Proprietários rurais fazem o controle das infestações com o uso de acaricidas, sem a neces-sidade de prescrição veterinária, ocasionando a venda

Médico veterinário, com doutorado em Parasitologia. Docente da Universidade Federal do Paraná. Membro

da Associação Mundial para o Avanço da Parasitologia Veterinária e do Colégio Brasileiro de Parasitologia

Veterinária, entre outros órgãos.

Marcelo Beltrão Molento

OPINIÃO

INTOXICAÇÃO DE BOVINOS

APÓS MEDICAÇÃO

PARA CONTROLE DE CARRAPATO: UMA REFLEXÃO

Revista CFMV Brasília DF Ano XXIV nº 76 Janeiro a Março 201884

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de grandes quantidades de medicamentos, sem a devi-da orientação técnica. Além do livre acesso, o mercado de produtos antiparasitários é muito competitivo e de baixo custo individual. Esses fatores favorecem o uso, a possibilidade de intoxicação e a seleção de parasitos resistentes. No caso específico do Paraná, o propósito foi “limpar” os animais.

O acontecido em Iporã reflete como os produtores estão tentando resolver o problema, atuando no limite de segurança dos produtos e seguindo recomendações incor-retas, que prometem a erradicação do parasito. Contribui para isso o marketing de produtos apresentados como mágicos e capazes de atuar com segurança total. Enfatize--se que é possível o manejo preciso, com o uso correto de produtos em intervalos adequados, além do emprego da combinação de drogas e da variação de produtos.

Na verdade, a informação existe e está disponível, tornando a intoxicação de animais uma falta grave e não uma displicência, pois as pessoas conhecem os ris-cos, porém insistem em cometer os erros. É o momen-to de incentivar o uso de estratégias adicionais e mais complexas, como o tratamento seletivo, a avaliação da eficácia dos produtos e, no futuro, as vacinas.

Quem milita no campo percebe a situação de de-salento e tormenta dos proprietários rurais com as populações de carrapatos resistentes à maioria dos produtos e com o uso de estratégias equivocadas. Recebo pedidos de auxílio no controle do carrapato

e tenho recomendado o uso de estratégias combina-das e mais complexas. Apesar das novas tecnologias (expressão gênica, nanoquímica, seleção de animais tolerantes e novas formulações de produtos), per-cebo que não estamos atingindo nossos objetivos, falhando na proteção da saúde dos animais, pois os carrapatos não estão diminuindo.

Fazemos um bom trabalho quando o assunto é alertar a comunidade sobre a correlação entre o uso abusivo dos produtos e o processo de resistência dos parasitos, mas isso não é suficiente. Temos que traba-lhar com múltiplos atores, atuando no tripé: saúde-e-ducação-tecnologia. Ações mais sólidas precisam ser assumidas e um dos maiores desafios é a luta para a obrigação do receituário de produtos veterinários.

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T Um rebanho saudável requer que seus responsáveis tenham ações baseadas em saúde, educação e tecnologia

É o momento de incentivar o uso de estratégias adicionais e mais complexas, como os tratamentos seletivos, a avaliação de eficácia e, no futuro, as vacinas.

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PUBLICAÇÕES

A cadeia produtiva de frangos permanece relevante no cenário do agronegócio brasileiro, com expansão e sus-tentação no que diz respeito à produção de proteína de origem animal. O consumo per capita de carne de fran-go no país continua ascendente e o setor tem atendido a essa demanda com muita competência e profissiona-lismo. A segunda edição deste livro aborda temas como a cadeia avícola brasileira e fundamentos da produção e de gerenciamento.

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to dos intoxicados. Compilada e escrita por cientistas

renomados, com longos anos de dedicação ao assunto,

constitui um dos trabalhos mais completos sobre o tema

publicados no país.

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ção de grandes animais motivou a sétima edição desta

obra clássica, destinada principalmente aos alunos de

graduação das faculdades de Ciências Agrícolas e Me-

dicina Veterinária. Trata-se de um formato mais objetivo

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