fármacos na gravidez e aleitamento

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Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra Farmacologia Geral Ano lectivo 2010/2011 Uso de fármacos durante a gravidez e lactação Elsa Dias Íris Lopes Liliana Costa TP3

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Page 1: Fármacos na Gravidez e aleitamento

Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra

Farmacologia Geral Ano lectivo 2010/2011

Uso de fármacos durante

a gravidez e lactação

Elsa Dias

Íris Lopes

Liliana Costa

TP3

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Índice

A. Uso de fármacos durante a gravidez

I. Alterações fisiológicas na mulher durante o desenvolvimento pré-natal

a. Sistema mãe-placenta-feto

b. A Placenta

II. Farmacocinética

a. Propriedades que determinam a passagem do fármaco pela barreira

útero-placentária

b. Alterações farmacocinéticas da mulher grávida

III. Farmacodinâmica

a. Medicamentos para doenças crónicas e tratamentos de longa

duração

b. Medicamentos para o parto

c. Fármacos abortivos

d. Terapia fetal

IV. Acções tóxicas e teratogénicas dos fármacos

a. Susceptibilidade do zigoto, embrião ou feto à teratogenia

B. Uso de fármacos durante a lactação

V. Produção de leite

a. O leite

b. Vantagens da amamentação

VI. Transferência de fármacos para o leite materno

a. Características do fármaco que determinam a sua passagem para o

leite

b. Factores relacionados com a mãe

c. Influência da composição do leite

d. Farmacologia do lactente

VII. Métodos utilizados para estimar a exposição da criança ao fármaco

a. Razão leite/ plasma

b. Dose absoluta no lactente

c. Dose relativa no lactente ou percentagem da dose materna

VIII. Classificação dos fármacos para uso durante a lactação

a. Fármacos que provocam alterações do volume de leite

C. Outros factores que podem interferir com a gravidez e amamentação

D. Princípios gerais a seguir pelo farmacêutico

E. Conclusão

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Uso de fármacos durante a gravidez

A gravidez é um momento único da vida da Mulher, traduzindo-se num período de

grandes transformações. Durante este tempo a futura mãe tem de se preocupar não somente

com ela mas também com a nova vida que se está a gerar dentro de si.

Durante um período de nove meses a grávida deve sujeitar-se a um conjunto de

cuidados e vigilância médico-farmacêutica, de forma a não correr o risco do desenvolvimento

de doenças não tratadas ou falência de tratamentos, provocados pelo medo de vir a afectar o

embrião ou feto.

A maioria das mulheres grávidas consome algum tipo de fármaco. Estima-se que mais

de 90 % das mulheres grávidas tomam fármacos (dados da OMS), quer sejam receitados pelo

médico ou de venda livre, consomem drogas sociais (tabaco, café, álcool,…) ou drogas ilícitas.

Os fármacos e as drogas são responsáveis por 2 % a 4 % de todas as anomalias congénitas,

sendo que a maioria das restantes devem-se a causas hereditárias, ambientais ou

desconhecidas. De todas as gravidezes diagnosticadas cerca de 15% resultam em perda fetal.

Os produtos tóxicos passam da mãe para o feto, sobretudo através da placenta,

fazendo o mesmo trajecto que os nutrientes seguem para o crescimento e desenvolvimento

fetal. Na placenta, os fármacos e os nutrientes atravessam uma fina membrana que separa o

sangue materno do fetal. Esta passagem depende de várias propriedades farmacocinéticas e

farmacodinâmicas discutidas ao longo deste trabalho.

A prescrição de qualquer medicamento durante a gravidez só deverá ocorrer quando

se admite que os benefícios para a mãe são superiores aos riscos para o feto. Deve-se ter em

vista tratar a mãe sempre que necessário, protegendo o mais possível o filho.

Ao farmacêutico cabe informar as mulheres em período fértil e com vida sexual activa

dos potenciais efeitos dos medicamentos, sujeitos ou não a receita médica, no zigoto, embrião

ou feto.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Figura 1 – Alterações fisiológicas na Mulher

Alterações fisiológicas na mulher durante o

desenvolvimento pré-natal A gravidez é indiscutivelmente o momento mais excitante na vida de uma mulher e,

simultaneamente, de nervosismo e incerteza.

Durante 9 meses, ocorrem inúmeras transformações, internas e externas, anatómicas,

fisiológicas, imunológicas e psicológicas, visando atingir as condições necessárias para o

desenvolvimento de um novo ser no interior da mulher.

Primeiro Trimestre (Semana 1 A 12)

A taxa metabólica aumenta em 10-25%, acelerando todas funções corporais;

Os ritmos cardíaco e respiratório aumentam, à medida que mais oxigénio tem que ser

levado para o feto e mais dióxido de carbono é expirado;

Ocorre expansão uterina pressionando a bexiga, aumentando a vontade de

urinar;

Surgem novos ductos lactíferos;

As veias dos seios ficam mais visíveis, resultado do aumento do fluxo de

sangue para esta região.

Segundo Trimestre (Semana 13 A 28)

Aumento de peso;

Retardamento gástrico provocado pela diminuição das secreções

gástricas, essa diminuição resulta da diminuição do peristaltismo

gastrointestinal, provocando, também, um menor número de evacuações;

O refluxo do esófago pode provocar azia, devido ao relaxamento do

esfíncter no alto do estômago;

O coração trabalha duas vezes mais e faz circular 6 litros de sangue

por minuto;

O útero precisa de 50% mais de sangue que o habitual;

Os rins precisam de 25% mais de sangue do que o habitual. Tendo uma taxa de filtração

glomerular aumentada e a reabsorção tubular diminuída.

Terceiro Trimestre (Semana 29 Em Diante)

A taxa de ventilação aumenta cerca de 40%. A maior sensibilidade das vias respiratórias

pode causar falta de ar;

Os ligamentos, inclusive da pélvis, ficam distendidos, podendo causar desconforto ao

andar;

Desconforto causado pelas mãos e pés inchados, podendo ser sinal de pré-eclâmpsia;

Podem ocorrer dores nas costas devido a mudanças do centro de gravidade e por um

ligeiro relaxamento das articulações pélvicas;

Os mamilos podem secretar colostro;

Aumento da frequência e vontade de urinar;

Aumento da necessidade de repousar e dormir.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Figura 2 – Anatomia da placenta

Sistema mãe-placenta-feto

A Placenta

A placenta é um órgão de transição, um mediador entre a mãe e o feto para um

processo fisiológico de troca, geneticamente programado para 9 meses.

Como consiste de uma parte materna e uma parte fetal, as células da placenta são de

dois genótipos diferentes e, assim, o sistema imunitário materno precisa de aprender a

conviver com o feto, que pode ser comparado a um transplante, pois a presença de 50% de

material genético paterno torna-o, para o organismo da mãe, um “corpo estranho".

Os sistemas de circulação sanguínea maternal e fetal mesmo estando tão perto um do

outro na placenta conseguem permanecer separados pela Barreira Placentária. Através da

placenta, ligada ao embrião através do cordão umbilical, passa oxigénio e nutrientes do sangue

materno para o sangue fetal, e o dióxido de carbono, bem como uma multiplicidade de outros

produtos metabólicos a excretar, que são libertados no sangue materno. Durante a gravidez,

este importante sistema de troca serve os pulmões, rins e intestinos fetais.

A placenta também toma um importante papel como uma glândula endócrina,

regulando as secreções hormonais do hipotálamo, hipófise anterior e ovários da mãe,

auxiliando na preparação dos seios para a lactação e, até estimulando as contracções uterinas

durante o parto.

As eventuais repercussões sobre o embrião ou feto dependem fundamentalmente da

travessia da barreira placentar e do momento da organogénese em que a exposição ao

fármaco ocorre.

Como os fármacos atravessam a placenta

Na placenta, o sangue materno passa pelos espaços intervilosidades que rodeiam as

vilosidades dos vasos sanguíneos do feto. O sangue materno, que se encontra nos espaços

intervilosidades, está separado do sangue fetal, que se encontra nas vilosidades, por uma fina

membrana, denominada de membrana placentária. Os fármacos que se encontram no sangue

materno podem atravessar esta membrana até atingir os vasos sanguíneos das vilosidades e

atravessar o cordão umbilical até chegar ao feto.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Farmacocinética

O estudo do trajecto de medicamento, ou seja, a administração, distribuição,

metabolização e excreção, permite-nos avaliar a segurança, eficácia ou não da terapêutica

aplicada. Quando é prescrito um medicamento a uma grávida corre-se sempre riscos pois,

nesta fase a mulher encontra-se mais vulnerável, existe o risco de afectar o embrião ou feto.

Alguns fármacos atingem o blastocisto, o que quer dizer que até no período pré-

implantação, em que a mulher ainda nem sabe que está grávida, o embrião já se encontra

susceptível à acção das substâncias tóxicas. Assim, deve-se ter especial atenção quando se

procede à administração de fármacos a mulheres durante o período fértil e com vida sexual

activa, uma vez que o diagnóstico de gravidez é feito com algumas semanas de atraso

relativamente à fecundação. Por outro lado, se a mulher toma cronicamente medicamentos

com possíveis riscos fetais deve ser aconselhada a usar métodos contraceptivos.

A partir da 4ª, 6ª semana após a concepção, a circulação útero-placentária é

estabelecida tornando-se mais fácil o transporte de fármacos para o feto, no entanto, este

processo está dependente da travessia desta barreira e das características físico-químicas do

fármaco.

Propriedades que determinam a passagem do fármaco pela barreira útero-

placentária

De um modo geral, quase todos os fármacos atravessam a placenta, excepto

substâncias com grande peso molecular. Assim, a passagem é feita por difusão simples,

difusão facilitada, transporte activo, pinocitose e, ainda, através do metabolismo placentário e

fetal dos fármacos. Este último processo está relacionado com a capacidade de tanto a

placenta como o fígado metabolizarem os fármacos através de várias reacções (hidroxilação,

desmetilação, N-desalquilação). Dependendo do metabolito formado, a toxicidade dos

fármacos pode ou não aumentar.

Apesar de se verificar os vários processos para o transporte dos fármacos, o mais

usado é a difusão simples, sendo muito importante: a lipossolubilidade, quanto mais

lipossolúvel é o fármaco, mais facilmente se difunde; o grau de ionização, substâncias

ionizadas não são lipossolúveis, logo, atravessam muito lentamente a placenta atingindo o feto

em baixas concentrações; o peso molecular, substâncias de peso molecular superior 1000

atravessam muito pouco a placenta (heparina devido ao tamanho molecular é incapaz de

atravessar a placenta sendo um anti-coagulante administrado as grávidas); a ligação às

proteínas, ou seja, o grau de ligação de um fármaco às proteínas plasmáticas afecta a

velocidade de transferência e quantidade de fármaco transferida.

Sendo assim, passam melhor para a placenta os fármacos de mais baixo peso

molecular, os mais lipossolúveis, os não ionizados e os que se ligam em menor grau às

proteínas plasmáticas.

Para além destas características, a travessia do fármaco está dependente da espessura

e da maturação da barreira placentária, que vai diminuindo ao longo do tempo de gestação.

Depende também do fluxo sanguíneo na unidade materno – fetal, que como referido

aumenta 50% no útero.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Alterações farmacocinéticas da mulher grávida

Todas as alterações fisiológicas ocorridas durante a gravidez podem condicionar

modificações na resposta aos fármacos, quer por alterações de sensibilidade, quer por

alterações da farmacodinâmica.

A nível celular, as proteínas plasmáticas, especialmente a albumina, estão diminuídas,

verificando-se que a fracção livre de fármacos altamente ligados às proteínas tende a

aumentar e, portanto está aumentada a sua actividade. Por outro lado, está diminuída a

capacidade de metabolização de fármacos pelas enzimas hepáticas. Assim, justifica-se a

prescrição de medicamentos altamente ligados às proteínas ou intensamente metabolizados.

A redução da actividade intestinal e o alongamento do tempo gástrico alteram a

biodisponibilidade de todos os medicamentos utilizados por via oral.

Salienta-se que a insuficiência hepática relativa na futura mãe torna-a vulnerável ao

efeito hepatotóxico potencial de vários medicamentos.

Farmacodinâmica

A farmacodinâmica é o estudo da acção dos medicamentos no organismo, neste caso,

das suas consequências no organismo da mulher grávida ou do feto.

Durante a gravidez, devido às alterações físicas, fisiológicas e psicológicas, já

discutidas, este é um período em que a mulher se torna frágil e facilmente se percebe a

necessidade de administração de medicamentos. Acrescido a este facto, vem a necessidade

dos pais tomarem medicamentos devido a patologias crónicas, ou de longos tratamentos, no

período da concepção para o pai e, durante todo o período de gravidez e aleitamento para

mãe.

Muitas vezes, sabemos que a população pensa que por algo ser de origem natural não

será maléfico para o feto. O Valdispert (MNSRM) produzido a partir da Valeriana, é uma

benzodiazepina usada para ansiedade ou insónias de curta duração, tendo um risco de nível D,

de acordo com as Categorias de risco teratogénico do FDA, nos 1º, 2º e 3º trimestre e,

especialmente, na fase final da gravidez.

No momento do parto surgem problemas de carácter terapêutico que urgem a

necessidade de medicamentação. Mesmo que administrados no 3º trimestre de gravidez,

ainda existe risco de consequências para o feto, especialmente anormalidades a nível do

Sistema Nervoso Central, olhos e genitália externa, podendo manifestar-se no primeiro

período de vida extra-uterina.

Todas estas situações implicam uma ponderação e reflexão objectiva acerca dos riscos

para a mãe e filho na administração de qualquer medicamento. O ácido acetilsalicílico,

comercializado como Aspirina (MNSRM), quando administrado nos 1º, 2º,3º trimestres de

gravidez é classificado como C, ou D se usado como dose terapêutica no 1º e 3º trimestre. Está

associado a riscos de defeitos cardíacos, hemorragias e aumento da mortalidade perinatal,

entre outras consequências. Quando necessário um analgésico ou antipirético durante a

gestação usar Paracetamol (MNSRM).

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Através da medicação da mãe podemos, também, atingir o filho, aplicando, nestes

casos, uma terapêutica fetal.

Medicamentos para doenças crónicas e tratamentos de longa duração

Sempre que uma gestante com alguma doença crónica com necessidade da realização

de tratamentos farmacológicos prolongados, o médico ou farmacêutico deve ter em atenção o

tipo de patologia que motiva a toma de medicamentos e o tipo de medicamentos em causa.

Os antiepilépticos consistem de um grupo de medicamentos potencialmente perigosos

para os filhos, sendo que a incidência de malformações congénitas (fenda palatina, fenda

labial, lesões cardíacas, entre outras) em filhos de mulheres que tomam antipilépticos são 2 a

3 vezes superior à normal – risco D. Quando possível, a mulher deve suspender este tipo de

medicação antes de engravidar, em todo o caso, os benefícios do tratamento ultrapassam os

riscos para o feto.

O Diazepam (MSRM), tal como o Valdispert (MNSRM) – apesar deste último ser menos

prejudicial –, é uma benzodiazepina que, se usada regularmente, constitui um risco tipo D.

Doses elevadas no final da gravidez podem causar hipotermia neonatal, depressão

respiratória, dificuldades na alimentação, ou outras consequências.

Outro exemplo, será a medicação para a diabetes, ou seja a administração de insulina,

que não deverá ser administrada pela via nasal. Após o primeiro trimestre de gravidez as

necessidades de insulina aumentam e a placenta é permeável à insulina, no entanto não estão

descritos quaisquer efeitos tóxicos sobre o feto. As necessidades de insulina devem ser

avaliadas por um diabetologista. Na insulina Lispro, comercializada como Humalog (MSRM),

não há aumento de malformações congénitas, sendo considerada um risco tipo B quando

ingeridas nos três primeiros trimestres.

Os progestagénios são responsáveis pela masculinização do feto feminino, sendo um

risco de classe D. No uso de contraceptivos orais (progestogénio/estrogénio), como a Diane 35

(MSRM), dados epidemológogicos são sugestivos de não existir perigo para o feto. No entanto,

há outros estudos que admitem que no máximo 3% das malformações em fetos são

provocadas por contraceptivos orais.

Medicamentos para o parto

O parto é o culminar de 9 meses de gestação, e é uma altura de problemas

terapêuticos especiais que exigem muitas vezes a administração de fármacos os quais podem

alterar as condições do parto.

Geralmente não se administram medicamentos por via oral, devido à ocorrência de

vómitos. A circulação no espaço intervilositário da placenta é reduzido pelas contracções

uterinas, deste modo um fármaco injectado intravenosamente na mãe pode passar em menor

ou maior quantidade para o feto, conforme a injecção é feita durante ou no intervalo das

contracções.

Nesta altura, são necessários fármacos de acção rápida e potente. Habitualmente são

mais utilizados depressores do SNC (barbitúricos, anestésicos, analgésicos) e fármacos com

acção sobre o Sistema Nervoso Autónomo. Os analgésicos opiáceos provocam depressão

respiratória e síndrome de supressão nos recém-nascidos.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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No momento do parto, em situações em que é imperativa a necessidade de

administração de fármacos potencialmente perigosos para o feto (analgésicos ou sedativos) a

dose deve ser a menor quantidade possível.

Terapia fetal

Os fármacos também podem ser usados como tendo como alvo o feto, neste caso,

falamos de terapia fetal. A terapia fetal constitui uma ciência em fase de desenvolvimento da

farmacologia perinatal. Podemos citar como exemplos desta terapia o uso materno de

Zidovudina( não disponível em Farmácia Comunitária) em mães portadoras de HIV tendo em

vista a não transmissão da doença ao feto. Este tratamento tem 66% de eficácia, no entanto, a

combinação de três retrovirais pode eliminar quase por completo a infecção fetal. São usados,

também, corticosteróides, para a maturação do pulmão, fenobarbital para reduzir a icterícia

em recém - nascidos e o risco de sangramento intracraniano em prematuros.

Suplementos na gravidez

Durante a gravidez a mulher deve fazer uma alimentação equilibrada e saudável, rica em

proteínas, hidratos de carbono, vitaminas, ferro, cálcio, zinco, entre outros. De forma a

complementar a sua dieta pode tomar suplementos alimentares e vitamínicos. Alguns dos

exemplos são o ferro, usado para prevenir anemias; o zinco para prevenir a espinha bífida e

anencefalias e a vitamina A que é muito importante para a formação de células, coração,

aparelho circulatório e digestivo do bebé.

No entanto, tudo o que é tomado em demasia pode ser prejudicial, como seja o caso

da vitamina A que pode causar malformações fetais durante o 1º trimestre, sendo

considerada, de acordo com a FDA, de categoria C.

Acções tóxicas e teratogénicas dos fármacos

A teratogenia dedica-se ao estudo das alterações morfológicas, bioquímicas ou

comportamentais, do feto provocadas por agentes exógenos durante a gestação e detectadas

em qualquer momento da vida de um indivíduo.

É difícil o estabelecimento de uma relação causa-efeito entre um fármaco e

determinada alteração fetal pois, se for um medicamento utilizado em grande escala com

repercussões nos fetos típicas e pouco frequentes, torna-se difícil o reconhecimento do agente

teratogénico (caso da talidomida). Outro factor que dificulta o reconhecimento da causa é se,

por exemplo, para um medicamento raramente administrado, provocar com pouca frequência

uma malformação dita banal, como a malformação palatina. O estudo em animais nem sempre

pode ser fiável, novamente como na talidomida, este fármaco não provoca a nenhum outro

animal a malformação característica do Homem.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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As primeiras duas semanas a partir do momento da concepção, correspondem ao

período em que a circulação útero-placentária ainda não se estabeleceu e, portanto, a acção

de um fármaco sobre o embrião/feto ou não o afectará ou o tornará inviável. Nesta fase de

zigoto e blastocisto, a mulher muitas vezes nem sabe que está grávida, podendo estar mais

exposta a tóxicos. Da 2ª até à 8ª semana é o período de maior risco de malformações,

podendo traduzir-se em aborto, malformação grosseira sublateral ou défice permanente

subtil, metabólico ou funcional.

Nos 2º e 3º trimestres, os efeitos teratogénicos são menos prováveis, mas estão

descritas alterações do sistema nervoso central de manifestação tardia, como atraso do

desenvolvimento, dificuldades de aprendizagem, bem como manifestações dos sistemas

endócrino ou genito-urinário.

Figura 3 - Teratogenicidade ao longo do processo de desenvolvimento do zigoto (em semanas)

TALIDOMIDA

Medicamento administrado às mulheres grávidas no combate às insónias e

ansiedade e, também no alívio dos enjoos matinais. Provocava ou o encurtamento

dos braços, pernas ou até mesmo de dedos, para além de malformações em órgãos

internos.

Estima-se que tenham nascido 10000-15000 crianças vítimas dos efeitos

teratogénicos da talidomida, entre as quais 40% não atingia 1 ano).

Actualmente, as suas características imunomoduladoras e a sua capacidade

antiangiogénica despertaram o interesse da sua utilização no tratamento de

doenças inflamatórias e auto-imunes, e na regressão de diversos tipos de cancro.

No entanto, devido ao seu histórico a sua administração está sujeita a um apertado

sistema de controlo.

Page 11: Fármacos na Gravidez e aleitamento

Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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A partir da observação dos efeitos provocados pelos fármacos no feto e nas grávidas,

em condições experimentais controladas, foi estabelecida uma classificação do

risco/inocuidade. A classificação a seguir apresentada é a recomendada pela “Food and Drug

Administration” – FDA.

Como podemos observar pela própria classificação, existem medicamentos que por

falta de estudo, ou dificuldade no mesmo, não se sabe ao certo quais as suas consequências na

gestante e/ou no filho.

Categoria Descrição

A

Estudos controlados realizados em mulheres não conseguiram demonstrar qualquer risco para

o feto no primeiro trimestre (e tampouco já evidências de qualquer risco nos últimos dois

trimestres), de modo que a possibilidade de comprometimento fetal parece ser remota.

B

Estudos de reprodução em animais não demonstraram qualquer risco fetal, porém, não

existem estudos controlados em mulheres grávidas, mostrando um efeito adverso (distinto de

uma redução de fertilidade), que não foi confirmada em estudos controlados, realizados em

mulheres no primeiro trimestre (e tampouco já evidências de um risco nos últimos dois

trimestres)

C

Estudos realizados em animais demonstraram efeitos adversos sobre o feto (teratogénicos,

embriocidas ou ambos) porém não existem estudos controlados em mulheres, ou não se

dispõe dos estudos em mulheres e animais. Os fármacos nesta categoria só devem ser

administrados se o benefício potencial justificar o risco potencial para o feto.

D

Há evidências positivas de risco fetal humano, porém os benefícios do uso desses fármacos

em mulheres grávidas pode ser aceitável, a despeito do risco (por exemplo, se o fármaco for

necessário numa situação potencialmente fatal ou para uma doença grave, em que fármacos

mais seguros não podem ser utilizados ou não são efectivos)

X

Estudos conduzidos em animais ou seres humanos demonstraram anormalidades fetais, ou há

evidências de risco fetal com base na experiência humana ou em ambos, e o risco do uso de

um fármaco desta categoria em mulheres grávidas claramente excede qualquer possibilidade

de benefício. O fármaco está contra-indicado para gestantes ou mulheres com potencial de

engravidar

Quadro 1 – Categorias de risco teratogénico do FDA, in “Farmacologia Básica e Clínica”

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Figura

Figura 4 – Alterações fisiológicas na mama

Figura 5 – Reflexo da ocitocina

Uso de fármacos durante a lactação

Introdução

Actualmente, várias organizações entre as quais a Organização Mundial de Saúde

(OMS), recomendam o aleitamento materno exclusivo, durante os primeiros seis meses de

vida, assim como a sua continuação até aos 2 anos ou mais.

Esta forma de alimentação, produzida pela mãe especificamente para o filho, constitui

uma vantagem a diversos níveis, quer para a mãe quer para o filho. No entanto, durante o

período de amamentação a mãe deve ter cuidados especiais no seu estilo de vida e nas

substâncias que ingere, pois estas poderão atingir o leite e, consequentemente, o recém-

nascido, acarretando consequências diversas.

Produção de leite As mamas são estruturas complexas constituídas por

tecido glandular (onde é produzido o leite) rodeado de gordura e

tecido de sustentação. No tecido glandular podem ser detectados

alvéolos que estão rodeados por tecido mioepitelial.

Quando estimulada a ejecção de leite dos alvéolos do

tecido glandular, o tecido mioepitelial contrai ejectando o leite

produzido nos ductos, levando-o até ao mamilo. À volta do mamilo,

identifica-se uma zona mais escura (aréola) onde se situam as

glândulas de Montgomery, estas são glândulas sebáceas que produzem um óleo que mantém

os mamilos suaves e limpos. Durante a gravidez, as mamas aumentam de tamanho, ficam com

uma pele mais fina e as veias mais visíveis, a aréola fica mais escura, aumentando o número de

glândulas de Montgomery, ductos, alvéolos e lóbulos.

O estímulo necessário para o início da produção de leite é a

prolactina placentária. No entanto, quando o bebé nasce, os

estímulos mecânicos, visuais e auditivos dados pelo bébé, vão

atingir o hipotálamo. Este, por sua vez, liberta o factor libertador de

prolactina (PRF) inibindo o factor inibidor de prolactina (PIF). Liberta

também a ocitocina que estimula a descida do leite dos alvéolos

para os ductos e, posteriormente, em direcção ao mamilo.

A capacidade de produção de leite varia de mulher para

mulher, mas está sempre dependente dos estímulos do bebé. Se o

bebé mamar bem vai levar à continuação da produção de leite, se por outro lado, este mamar

mal, a prolactina não vai ser devidamente estimulada, o que vai reduzir a produção.

O leite

O colostro é o primeiro “leite” produzido pela mãe, que se mantém por cerca de 2 a 3

dias, podendo chegar aos 7 dias. Constitui uma secreção de cor amarelada ou transparente,

rica em factores imunológicos (IgA), lactoferrina, leucócitos, citoquinas, água, sais minerais,

Page 13: Fármacos na Gravidez e aleitamento

Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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vitamina A e E. O colostro é portanto de grande importância, devendo ser esclarecido às mães

os benefícios de amamentar o bebé com esta secreção na fase inicial do desenvolvimento.

Posteriormente, a mulher produz o leite de transição, cuja composição é um

intermédio entre o colostro e o leite maduro.

O leite dito “maduro” só é segregado por volta do 10º dia pós-parto, sendo este o que

se produz em maior quantidade, com mais gorduras e lactose. Possui as mesmas propriedades

imunológicas do colostro mas em menores quantidades. Os primeiros 6 meses de vida do

recém-nascido são os mais importantes no processo de desenvolvimento e crescimento da

criança, sendo que neste período o leite é o único alimento necessário.

Vantagens da amamentação

O leite materno é o melhor e mais completo alimento que existe para o bebé pois este

contém todos os nutrientes necessários para o seu crescimento saudável. Assim, dar de

mamar apresenta vantagens nutricionais e imunológicas, possui propriedades anti-infecciosas

e anti-alérgicas, contribuindo para crescimento e desenvolvimento saudáveis.

A composição lipídica e em proteínas do leite materno varia ao longo da mamada e ao

longo da vida do bebé, adequando-se às necessidades deste. Esta forma de alimentação

também estimula a digestão e o funcionamento do intestino da criança.

Tem-se comprovado também, que este leite reduz a morbilidade e mortalidade

infantil, actuando como um estímulo ao desenvolvimento de várias capacidades intelectuais e

motoras (como a fala, visão, inteligência), promovendo assim um bom desenvolvimento

infantil. Verificam-se também vantagens para a mãe, tais como ajudar na recuperação e

prevenção de hemorragias pós-parto, assim como, reduzir o risco de cancro da mama e dos

ovários.

Além de diversas vantagens físicas, a amamentação traz inúmeros benefícios

psicológicos e ambientais pois esta é a melhor forma de criação de vínculo mãe-filho.

Durante o período de aleitamento a mãe deve ter a preocupação em descansar, fazer

exercício físico, associando isto com uma alimentação saudável. Deve evitar o uso de fármacos

e a auto medicação pois, todos estes factores afectam directa ou indirectamente o processo

fisiológico da amamentação.

Quadro 2 – Enumeração de situações em que o aleitamento é ou não aconselhável

Situações em que o aleitamento não é aconselhado:

•quando a mãe é portadora de HIV;

•quando a mãe tem tuberculose;

•quando a mãe está sujeita a medicação tóxica para o bebé;

•quando a mãe consome drogas ilícitas.

Situações em que não existe impedimento ao aleitamento:

•infecções agudas, gripes, diarreias da mãe;

•hepatite A, B, C;

•malária;

•diabetes;

•mamilo raso;

•implante mamário de silicone;

•tratamentos com metadona;

•tabaco, álcool (podendo o último reduzir o volume de leite);

•diarreia ou icterícia do filho.

Page 14: Fármacos na Gravidez e aleitamento

Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Transferência de fármacos para o leite materno

Após atravessar o endotélio capilar, o fármaco passa para o interstício e atravessa a

membrana basal das células alveolares do tecido mamário. Proteínas e lípidos da membrana

exercem influência na velocidade da passagem e na concentração do fármaco no leite.

Existem diversos factores que influenciam a segurança do uso de um determinado

fármaco durante o período de aleitamento materno. Para que o fármaco consiga atingir o leite

tem de passar por várias membranas biológicas constituídas por fosfolípidos e proteínas.

Portanto, o fármaco tem que atravessar o endotélio capilar, a água extracelular intersticial e a

membrana basal das células alveolares do tecido mamário. Deste modo, a quantidade de

fármaco que atinge o leite depende de factores relacionados com o fármaco a administrar, a

mãe, o leite e o lactente.

Usando estes parâmetros cinéticos pode-se muitas vezes estimar a probabilidade de

uma medicação alterar a composição do leite, bem como a dosagem que a criança recebe.

Apesar de que temos sempre que considerar que existem variações de individuo para

individuo.

Características do fármaco que determinam a sua passagem para o leite

Como foi referido anteriormente verifica-se que o peso molecular do fármaco, o grau

de ionização, o grau de ligação às proteínas, a sua lipossolubilidade são factores determinantes

para uma substância activa atravessar as membranas biológicas, as quais possuem em sua

constituição proteínas e fosfolípidos.

Sendo assim, verifica-se que substâncias com baixo peso molecular (<200 dáltons)

difundem-se facilmente para o leite. Moléculas como o etanol atravessam o capilar materno e

as células alveolares por difusão passiva.

As bases fracas encontram-se pouco ionizadas no plasma conseguindo assim atingir

uma grande concentração no leite, uma vez que o grau de ionização está depende do pH do

meio e do pKa do fármaco, como o do plasma é mais básico do que o do leite humano (6,6 a

6,8) os fármacos não ionizados passam facilmente para o leite onde se ionizam.

Fármacos com baixa afinidade para proteínas plasmáticas atingem facilmente o leite

materno (como as benzodiazepinas - Diazepam – provocam alterações nas funções do SNC). É

mais frequente detectar-se o complexo fármaco - proteína no plasma do que no meio alveolar.

Quanto mais lipossolúvel um fármaco for, mais facilmente atravessa as membranas

celulares e atinge o leite, no qual vai ter mais concentração no leite maduro pois este é rico em

lípidos ( ex: sulfonamidas, cloranfenicol). Além disso, a barreira hematoencefálica em recém-

nascidos é muito imatura o que facilita a passagem de fármacos lipossolúveis (do leite) para o

sistema nervoso central do bebé.

Em adição a estes factores temos que considerar ainda o tempo de meia-vida e o pico

sérico. Fármacos de longa duração devem ser evitados porque se mantêm em concentrações

elevadas durante bastante tempo no sangue e no leite materno.

O pico sérico é o intervalo de tempo em que a concentração do fármaco é maior no

sangue, logo é muito importante saber quando ocorre este pico para podermos adequar o

horário de administração do fármaco ao horário de aleitamento da criança, sendo aconselhado

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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que a administração do fármaco seja feita logo após a mamada, e que a mamada seguinte

apenas seja dada passadas 4 horas.

Desta forma, a passagem do fármaco para o leite é facilitada quando, o princípio activo é de baixo

peso molecular, tem baixa capacidade de ligação às proteínas plasmáticas, possui elevada

lipossolubilidade, se encontra na forma não ionizada, tem elevado o tempo de meia-vida de

eliminação e se encontra alta biodisponibilidade.

Se possível deve-se preferir fármacos com baixa biodisponibilidade pois estes são

pouco absorvidos pelo bebé (ex: sumatriptano (15% biodisponível) é preferível ao rizatiptano

(mais que 45% biodisponivel))

A via de administração do fármaco à mãe também é muito importante devido aos

níveis alcançados no plasma materno, deste modo fármacos administrados topicamente (por

exemplo) não atingem concentrações plasmáticas tão elevadas como injectáveis.

São terminantemente proibidos fármacos tóxicos para o lactente como os

antineoplásicos, radiofármacos e drogas de abuso.

Factores relacionados com a mãe

Na fase da secreção do colostro é mais fácil o transporte de substâncias para o bebé

uma vez que as células alveolares são pequenas e os espaços intercelulares grandes. Com a

diminuição dos níveis de progestrona, há um aumento de células alveolares e estreitamento

dos espaços intercelulares, havendo uma diminuição das substâncias que passam para o leite.

Mães com baixa capacidade de metabolização dos fármacos exigem especial atenção

na prescrição de medicamentos pois aumenta a probabilidade do bebé ser atingido pelos

mesmos. Exemplos desta situação são mães com problemas hepáticos ou renais, que contêm

um nível elevado durante mais tempo do fármaco na corrente sanguínea materna.

A via de administração do fármaco é muito importante, devido aos possíveis níveis no

plasma sanguíneo e, consequentemente, no leite materno. A aplicação tópica ou inaláveis não

atingem níveis plasmáticos significativos.

Influência da composição do leite

O leite materno tem uma composição variável ao longo do período de lactação. A

concentração lipídica e proteica varia, consoante é segregado o colostro ou o leite maduro, ou

se a mulher está no início da mamada ou no fim, ejectando leite inicial ou leite final,

respectivamente.

Todas estas transformações implicam uma variação da quantidade de fármacos que

atingem o leite.

Farmacologia do lactente

Convém ter sempre em conta que os mecanismos de metabolização de fármacos

(fígado) e eliminação dos mesmos (rins), nos recém-nascidos ainda se encontram muito

imaturos.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Idade Risco de intoxicação

Prematuros, recém-nascidos, clinicamente

instáveis, com distúrbios na função renal Risco Elevado

2 aos 6 meses Risco Moderado

Mais de 6 meses Risco Baixo Quadro 3 - Nível de intoxicação medicamentosa em função da idade do bebé

De entre os factores relacionados com o lactente, a idade da criança é um factor

essencial ter em conta pois as funções hepáticas e renais dos bebés desenvolvem-se e

progridem com a idade.

Nas crianças, dos 2 aos 6 meses, o risco de intoxicação, isto é, da passagem de

fármacos, é moderado.

Nos lactentes com mais de seis meses de idade, verifica-se um baixo risco de serem

afectados pelos fármacos. No entanto, aqueles que no seu processo de crescimento foram

alimentados com leite materno revelam mais risco de serem afectados pelos fármacos, apesar

de todas as vantagens deste alimento.

Em bebés prematuros, devido ao facto de não terem completado todo o processo de

desenvolvimento e maturação no ventre materno, pode haver um prolongamento dos efeitos

de meia-vida de um fármaco. Assim, em bebés com menos de 6 meses, prematuros, recém-

nascidos, clinicamente instáveis, com distúrbios na função renal, é essencial ter muito cuidado

e atenção na administração de medicamentos pois, o risco é elevado.

Métodos utilizados para estimar a exposição da criança ao

fármaco

Tendo em conta as várias condicionantes discutidas anteriormente, foram

desenvolvidos métodos que quantificam a exposição do lactente aos fármacos. Estas fórmulas

revelam-se muito importantes quando as mães estão submetidas a tratamentos prolongados

ou quando o fármaco apresenta risco para o lactente.

Para obtermos resultados mais viáveis devemos ter em atenção os factores que

condicionam a passagem dos fármacos para o leite, a variação da composição do leite durante

o aleitamento, a variação do pH, as características físico-químicas do fármaco e ainda o perfil

farmacológico da mãe.

As medidas mais utilizadas para a determinação do grau de exposição da criança ao

fármaco são as seguintes: razão leite/plasma, dose absoluta no lactente e dose relativa no

lactente

Razão leite/ plasma

A razão leite /plasma estima a quantidade de droga transferida para o leite,

consistindo no quociente entre a concentração do fármaco no leito pela concentração do

fármaco no plasma em estado de equilíbrio.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Dose absoluta no lactente = concentração no leite x volume de leite consumido

ã çã á

çã á

Esta razão consiste numa estimativa relativa da quantidade do fármaco no leite. Uma

vez que os valores do fármaco no plasma são flutuantes, utiliza-se deste modo uma

aproximação para o cálculo, contudo, pode-se prever que a uma baixa razão corresponde uma

baixa concentração de fármaco no leite. É útil na estimativa relativa da quantidade de droga

no leite.

Dose absoluta no lactente

A dose recebida pelo lactente pode ser calculada conhecendo-se a concentração da

droga no leite e o volume de leite consumido:

A determinação precisa dessas variáveis é muito difícil de ser obtida, razão pela qual se

utiliza uma estimativa. A concentração das drogas no leite pode ser obtida de estudos clínicos,

porém tais valores são desconhecidos para muitas drogas.

O volume de leite consumido é estimado em aproximadamente 150 ml/kg/dia3. No entanto

esse valor pode diminuir significativamente nas crianças em aleitamento complementado. Na

prática, quando a droga tem uso pediátrico conhecido, a dose absoluta no lactente pode ser

comparada directamente com a dose terapêutica normal para a sua idade.

As duas variáveis utilizadas para este cálculo correspondem a valores estimados, uma

vez que para a concentração do fármaco no leite são utilizados resultados de estudos sendo

estes aproximações (mesmo a aproximação ainda é desconhecida para muitos fármacos em

uso) e o volume de leite consumido é estimado através da expressão 150ml/Kg/dia. Contudo,

quando um fármaco tem uso pediátrico conhecido, a dose absoluta no lactente pode ser

comparada directamente com a dose terapêutica normal para a sua idade.

Dose relativa no lactente ou percentagem da dose materna

A percentagem da dose materna recebida pelo lactente é utilizada para avaliar a

segurança de utilização do fármaco durante o aleitamento.

Utilizando este método podemos padronizar a dose de fármaco recebida pelo lactente

devendo esta ser menor que 10% para o fármaco ser considerado seguro. No entanto, este

método não é muito eficaz para determinar a segurança do fármaco pelo que parte do

princípio que a mãe e o bebé possuem aproximadamente a mesma absorção, metabolização e

excreção, o que nem sempre se verifica.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Classificação dos fármacos para uso durante a lactação

Existe muito pouca informação relativamente à presença de fármacos no leite

materno, aconselhando-se à mulher em amamentação que só ocorra à medicação em casos de

absoluta necessidade. No entanto, os fármacos dividem-se segundo a toxicidade que

representam para a criança em:

Fármacos citotóxicos que podem interferir no metabolismo celular do lactente; Fármacos de abuso com efeitos adversos descritos no lactente; Compostos radioactivos que requerem a suspensão temporária da amamentação; Fármacos com efeitos desconhecidos, mas que requerem preocupação; Fármacos com efeitos significativos em alguns lactentes e que devem ser usados com

cuidado; Fármacos compatíveis com a amamentação.

Fármacos que provocam alterações do volume de leite

Existem fármacos que produzem alterações do volume do leite materno, aumentando

ou diminuindo a sua produção. Estes fármacos apresentam grande utilidade em casos de parto

prematuro, adopção, doença da mãe ou do bebé.

O “galactagogo” é um fármaco com potencial para aumentar o volume de leite

materno pois, bloqueia os receptores de dopamina na hipófise aumentando assim os níveis de

prolactina, que por sua vez aumenta a quantidade de leite produzido. Contudo, este efeito não

se verifica em mulheres com grande produção de leite, nem com tecido mamário inadequado

à lactação. Os fármacos usados para este efeito são a metoclopramida e a domperidona.

Opondo-se ao efeito dos “galactagogos”, existem várias substâncias com capacidade

de redução, ou mesmo de supressão, da produção láctea. Estes fármacos actuam como

agonistas dopaminérgicos, suprimindo a prolactina. A pseudo-efedrina (60mg) reduz o volume

de leite, contudo é considerada compatível com a amamentação.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Outros factores que podem interferir com gravidez e

amamentação

Existem fármacos que apesar de serem compatíveis com a gravidez e o aleitamento podem de alguma forma interferir com eles. Apresentamos de seguida alguns exemplos:

Álcool – apesar de o álcool ser compatível com a amamentação (segundo a Academia Americana de Pediatria), quando ingerido em doses muito altas pode reduzir significativamente o reflexo de ejecção do leite e reduzir a sua ingestão (do leite) pelo bebé (dose máxima permitida: 0,5g de álcool por kg da mãe por dia)

Cafeína – durante a gravidez, em doses moderadas não são previsíveis riscos fetais, contudo mais de 3 cafés por dia podem levar a aborto espontâneo, baixo peso de nascimento e redução de perímetro craniano. Durante o aleitamento a eliminação da cafeína é feita mais lentamente, alterando os sonos da mãe e provocando irritabilidade.

Nicotina – apesar de o bebé não consumir nicotina através do leite, esta provoca uma diminuição do volume de leite que leva ao desmame precoce. No entanto, a AAP considera o tabagismo compatível, uma vez que existem estudos que provam que os filhos de mães fumadoras que foram amamentados apresentam menos risco de vir a desenvolver doenças respiratórias. Segundo um estudo holandês, os efeitos negativos de uma gestação exposta à nicotina são possivelmente revertidos caso o bebé seja amamentado (com base na performance cognitiva das crianças aos nove anos).

Cosméticos: Vernizes – contêm tolueno, um composto orgânico que tem um

efeito nocivo em pessoas que trabalham com eles todo o dia. Pode ter um efeito nocivo teórico sobre as grávidas que usam vernizes, sendo preferível optar pelo seguro e não usar durante a gravidez.

Amónia – Utilizado em tintas para pintar o cabelo. Uso criterioso durante a amamentação e gravidez. Não há estudos sobre segurança para o seu uso durante o período da lactação e gestação.

Implantes de silicone – Uso compatível com a amamentação.

Piercings – Uso criterioso para uso nos mamilos. Risco de dano nos ductos mamários com consequente obstrução.

Tatuagens – Uso criterioso sobre a aréola e o mamilo. Risco de dermatite local e obstrução ductal. Evitar durante a gravidez, principalmente na zona das costas, uma vez que pode interferir com anestesias que são dadas nesse local (ex: epidural).

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Princípios gerais a seguir pelo farmacêutico

O papel do farmacêutico, mais do que ceder medicamentos, consiste em informar,

difundir conhecimentos e aconselhar o doente. Numa relação mais estreita do que a do

médico com o doente, o farmacêutico deve estar atento a dados pessoais relevantes aquando

da dispensa de um determinado tipo de medicamento. É neste sentido que o farmacêutico

deve aconselhar as futuras mãe acerca das precauções a tomar durante o período da gravidez

e durante o período da lactação do recém-nascido. É também de extrema importância o

farmacêutico conhecer o historial de fármacos utilizados pela mulher, para alertar para os

potenciais perigos dos mesmos, ou possíveis interacções farmacológicas entre os diferentes

princípios activos.

Durante a gravidez, atendendo ao estilo de vida, hábitos, anteriores patologias, etc., o

farmacêutico deve recomendar aos pais:

Evitar o uso de medicamentos. Se verdadeiramente necessário, informar-se junto de

um médico ou farmacêutico dos possíveis riscos para o feto e a própria mãe;

Preferir um medicamento já estudado e há mais tempo em comercialização, pois isso

constitui uma segurança como que não terá riscos graves, no mínimo.

Evitar a auto medicação;

A futura amamentação da criança com leite materno, e informar todas as vantagens

deste acto.

No período de amamentação, cabe ao farmacêutico informar e aconselhar os pais no

sentido de:

Amamentar o bebé com leite materno durante, pelo menos, os primeiros 6 meses de

vida e depois concomitantemente introduzir outros alimentos na dieta do bebé;

Avaliar a necessidade de terapêutica medicamentosa durante esta fase. Alertar para as

vantagens de uma consulta com um pediatra;

Preferir fármacos que sejam já indicados para recém-nascidos e lactentes;

Se necessário o uso de medicamentos, escolher medicamentos que pelas suas

características físico-químicas mais dificilmente atinjam o leite materno;

Informar os pais sobre a ausência de informações sobre o fármaco prescrito para uso

durante a amamentação ou os riscos de possíveis efeitos adversos sobre o lactente,

principalmente em medicamentos de uso crónico.

Preferir um medicamento já estudado e classificado consoante o risco que representa

para o bebé.

Utilizar a via tópica ou local como alternativa da oral ou parenteral;

Sugerir à mãe que retire o seu leite com frequência e que guarde de forma a alimentar

o seu bebé quando necessário;

Evitar auto-medicação;

Em situações excepcionais, considerar a possibilidade de desmame;

Informar acerca da existência de diversos suplementos nutricionais para o seu bebé.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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Conclusão

A gravidez, quer seja planeada ou uma agradável surpresa, carrega consigo

importantes preocupações acerca da prescrição de fármacos. Nem toda a medicação representa um risco para o feto, no entanto, alguma sim. Na dúvida, a grávida deve falar com o seu médico e discutir os riscos e benefícios dos fármacos prescritos. A auto-medicação é também um risco que não deve correr. No caso de uma gravidez planeada, existem certos cuidados que a grávida pode ter, de forma a melhorar a qualidade de vida do seu bebé. Um dos exemplos é o ácido fólico, que as grávidas devem tomar durante a gravidez de forma a evitar anencefalia e espinha bífida no bebé. Assim como outros suplementos tais como o ferro e o cálcio que previnem anemias e mal formações do esqueleto respectivamente. É necessária especial atenção durante o primeiro trimestre, pois é nesta altura que o feto está mais susceptível a estímulos teratogénicos. Assim, a prescrição de medicamentos nesta altura deve ser ainda mais cuidadosa e acima de tudo a grávida deve respeitar as doses e tempo de tratamento prescritos pelo médico, para que não corra o risco de prejudicar o desenvolvimento do feto. Para a prescrição dos medicamentos, o médico conta com a ajuda de uma classificação da FDA, em que os fármacos estão distribuídos por várias categorias, conforme os riscos que acarretam e se estes são ou não conhecidos. Durante o aleitamento, os cuidados, na sua maioria, repetem-se. A mãe deve ter em especial atenção a sua alimentação mas também o exercício físico e os fármacos ingeridos.

Cabe aos profissionais de saúde estarem informados e serem os professores sobre as vantagens da amamentação, da forma como esta se processa e auxiliar as mães no esclarecimento de qualquer dúvida que possa surgir, promovendo sempre que possível o aleitamento materno. Por outro lado, o aleitamento materno é um assunto de Saúde Pública muito importante, sendo insubstituível o seu contributo na promoção da saúde e prevenção da doença. Para uma informação adequada sobre a medicação o farmacêutico deve ter sempre presente o prontuário terapêutico como uma das principais ferramentas de trabalho.

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Uso de fármacos durante a gravidez e o aleitamento Farmacologia Geral

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