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Título: Falha de Cálculo
© 2010, Margarida Fonseca Santos (Texto)
© 2010, Inês do Carmo (Ilustrações e design)
1.ª Edição, Abril de 2010
ISBN 9789895578313
© 2010, Gailivro, uma editora do grupo LeYa.
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Reservados todos os direitos.
O ensino, talvez em especial o da matemática, não pode ser deixado exclusivamente à escola.
Pais, professores, jornalistas, políticos podem e devem colaborar. Há muito a fazer, desde rever os
trabalhos de casa com os filhos, conversar com os mais jovens e desafiá-los ao cálculo mental, incluir
na imprensa problemas de raciocínio lógico e matemático, valorizar em público o conhecimento.
O mais importante, claro, é o ensino organizado e sistemático. Vai-se dos números inteiros às fracções,
das operações numéricas à álgebra, das linhas aos ângulos. Este ensino escolar tem de ser progressivo,
assentar os conhecimentos em camadas bem solidificadas, revê-las, incluir tanto a memorização como
a compreensão de conceitos. Os pais devem saber, ao contrário do que por vezes se diz, que decorar
a tabuada ou memorizar um poema não faz mal ao cérebro, mas pode ajudar a estruturar o raciocínio.
Quando os alunos estão à vontade com as operações, sentem-se mais confiantes para enfrentar
raciocínios lógicos e quantitativos mais avançados; sentem-se mais confiantes para pensar.
De fora, devemos acompanhar este trabalho. Valorizar sempre o conhecimento. Trazê-lo para a arena
pública. Ter orgulho em saber fazer contas, em aplicar a matemática, em ler bons romances e em falar bom
português. A ficção tem o seu papel. E pode ser muito importante. Quando se fala de números e de contas
de forma divertida, os jovens aprendem um pouco, mas mudam muito. Verificam que se pode ter prazer em
conhecer, que os números são importantes, tão importantes que há quem escreva livros com eles.
(1) Professor de Matemática e Estatística no ISEG, UTL, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática
e autor de vários livros de divulgação científica.
Números em palcoNuno Crato1
No Mundo da Matemática tudo parecia tranquilo. As figuras geométricas mantinham-se
arrumadas a um canto, nas paredes havia várias fórmulas e cálculos, relógios marcando horas
diferentes, um ecrã e um enorme quadro com algumas contas. Num lugar de destaque,
podiam ver-se retratos de génios que usaram esta disciplina no seu trabalho: Pitágoras,
Aristóteles, Galileu, Einstein... Se não fosse aquela mensagem a piscar no grande ecrã,
podia dizer-se que estava tudo em paz.
Mal a Gertrudes chegou, começou a fazer os seus exercícios de aquecimento, pois
ela era especialista em pôr tudo em forma... geométrica, claro! Bastava um enérgico gesto
para a Gertrudes transformar uma caixa amachucada num paralelepípedo perfeito, de
dimensões absolutamente correctas, ou até transformar uma bola de trapos numa esfera
espectacular!
Estava a Gertrudes a fazer estes exercícios, quando reparou na mensagem que piscava
no ecrã. Ficou, de imediato, assustada: quem é que teria mandado aquilo? Ainda ficou mais
preocupada ao lê-la. Como se resolveria o que lá se pedia?! Ela não fazia ideia...
Andando de um lado para o outro, provocando com estes movimentos que várias formas
geométricas aparecessem no ar, para logo se esfumarem de novo, tentava arranjar uma
solução. E foi nesse momento que surgiu o Cálculo Mental, que falava para si mesmo:
– O quadrado da hipotenusa é a soma do quadrado dos catetos. Nove vezes oitenta e
três dá 747, sete quatro sete, como os aviões. A soma dos ângulos internos que compõem
qualquer paralelogramo é sempre trezentos e sessenta graus. Para resolver um problema é
preciso olhar para ele e descobrir-lhe o segredo! Mil e oitenta menos cento e cinquenta...
– Cálculo Mental! – chamou a Gertrudes. – Cálculo Mental!!!
– Sou eu! Olá, Gertrudes. Já em forma?
– Não! Estou em pânico! Apareceu uma mensagem ali, com um enigma para
resolvermos e eu não faço a mínima ideia de como se faz!
– Mostra, mostra! Eu adoro enigmas! Eu adoro resolver problemas, descobrir-lhes os
segredos... Adoro!
– Está aqui no ecrã, ora ouve:
Junta às arestas de um cubo o quadrado de nove e as horas de diferença entre Lisboa e a
Tailândia. Depois, ao número que encontraste, acrescenta-lhe um zero e multiplica-o por dois.
Assim encontrarás um ano célebre!
– Ora, vamos lá ver... – disse logo o Cálculo Mental, começando a vaguear pela sala
enquanto pensava.
A Gertrudes, habituada a esta forma de trabalhar do amigo, deixou-o andar à vontade.
Para se entreter, agarrou num pedaço tosco de madeira e, logo ali, transformou-o numa
tábua de formas correctas e proporcionadas... Que espectáculo!
Quem não viu esta tábua foi o Cálculo Mental, que foi de encontro a ela, caindo com
um grande estrondo em seguida.
– Cálculo Mental! Que desastrado! – disse a Gertrudes, inspeccionando a testa do
amigo. – Bem, não fez galo... também não sei como seria um galo de cálculos...
– Onde é que eu estou? – perguntou o Cálculo Mental, com um olhar estranho. – Onde
é que eu estou?! Que sítio é este?
– Então não estás no Mundo da Matemática?!
– Estou?! E tu, como te chamas?
– Credo!!! Não sabes quem eu sou?! Só me faltava mais esta! Então, não sabes?! Eu
sou a Gertrudes! Mas... mas... o Cálculo Mental não pode desaparecer!
– Quem é ele?
A Gertrudes ficou desesperada... Aquela pancada da tábua na cabeça do Cálculo Mental
deixara-o sem memória. Não sabia quem era, onde estava... e ela tinha um enigma para
resolver!
O que é que poderia fazer? Achou que o melhor era dar-lhe algumas pistas. Talvez...
se... Com um gesto enérgico, fez aparecer uma forma geométrica. Mas as coisas estavam
piores do que pareciam...
– O que é isto, Cálculo Mental?
– Isso é um dado que comeu de mais.
A Gertrudes nem queria acreditar.
– Tu não te lembras que isto é um cubo?! Estás mesmo avariado!
– Cubo, dizes tu? Que engraçado!... Espera aí! O enigma fala das arestas do cubo
– disse, de repente, o Cálculo Mental.
– Ai, não te lembras do meu nome, não sabes onde estás, mas lembras-te do enigma,
é isso?! Bonito serviço!
– É, não é?
A Gertrudes encolheu os ombros. Sempre era melhor que nada... Puseram-se os dois
a contar as arestas, com imenso cuidado para não escapar nenhuma. Eram doze! Mas,
assim que acabaram, ouviram a voz da Anabiribana. Vinha toda bem-disposta, a cantar,
como sempre.
O Cálculo Mental ficou muito curioso. Quem seria aquela criatura que entrava no
Mundo da Matemática com o nome escrito na camisola e uma enorme cruz desenhada na
barriga?
– Essa, eu sei quem é! – gritou, entusiasmado. – És um jogo do galo!
– Eu?! – perguntou a Anabiribana, admirada. – Será que sou? Nunca tinha pensado
nisso...
Paramos aqui a história para explicar que a Anabiribana é um ser muito especial – sofre
de indecisão aguda crónica! Não sabem o que é? Já vão ver...
– Ela é a Anabiribana – esclareceu a Gertrudes.
– A quê?!
– Sou a Anabiribana, estás a ver? Olha lá para a minha camisola. Vês o meu nome aqui
escrito? Lê-se da mesma maneira dos dois lados. Podes ler da direita para a esquerda, ou
da esquerda para a direita.
– Para quê? – perguntou o Cálculo Mental, sem perceber qual a utilidade de ter um
nome assim.
– Eu nunca me consigo decidir se quero ler de uma maneira ou de outra... Percebes?
É que eu gosto de ler assim, mas também acho que fica bem assim, e depois já gosto outra
vez assado... O que eu gostava de ser era como a palavra ovo, que é simétrica... Ai, isso
gostava. Assim via-me ao espelho e ficava sempre a ler: ovo... ovo...
– Não me podes explicar o que tens aí na barriga? – pediu o Cálculo Mental.
– Isto? É um sinal de somar. – Mas logo ali a Anabiribana hesitou. Inclinando-se para
o lado, esclareceu: – Não, é de multiplicar. Não, é de somar... Não... Quer dizer, eu não me
consigo decidir...!
– Só me faltava cá mais esta – suspirou a Gertrudes. – Estou metida num lindo sarilho...
– E então?
– Então, sou umas vezes assim e outras assim – continuou a Anabiribana, torcendo o
tronco e pondo-se direita novamente. – O problema é que às vezes erro as contas... Quer
dizer, todas não! Quando é dois mais dois...
– Quanto é que dá? – quis logo saber o Cálculo Mental.
– Não sabes?!
– Bateu com a cabeça numa tábua e perdeu a memória... – contou a Gertrudes.
– Coitadinho!!! Mas eu digo-te! Dá quatro, claro. Mas também posso fazer dois vezes
dois. Também dá quatro, não é lindo?
– Pois, pois – cortou a Gertrudes. – Mas quando são outros números...
– Dá asneira! Três vezes cinco são quinze, mas três mais cinco são oito... É uma
maçada. Mas eu adoro os meus sinais! E adoro as tabuadas... Queres ouvir uma? Eu podia
dizer-te a tabuada do nove.
– Para quê, Anabiribana? – perguntou o Cálculo Mental.