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FACULDADE CÁSPER LÍBERO Mestrado em Comunicação EDUARDO CAMPOS e MARINA SILVA Jornalismo, Política e Espetáculo na eleição presidencial de 2014 Marcia Amazonas Monteiro São Paulo 2015

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FACULDADE CÁSPER LÍBERO

Mestrado em Comunicação

EDUARDO CAMPOS e MARINA SILVA

Jornalismo, Política e Espetáculo

na eleição presidencial de 2014

Marcia Amazonas Monteiro

São Paulo

2015

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MARCIA AMAZONAS MONTEIRO

EDUARDO CAMPOS e MARINA SILVA:

Jornalismo, Política e Espetáculo

na eleição presidencial de 2014

Dissertação apresentada para

a obtenção de grau de

Mestre em Comunicação

pela Faculdade Cásper Líbero

Linha de pesquisa Produtos Midiáticos:

Jornalismo e Entretenimento

Orientador: Prof. Dr. Claudio Novaes Pinto Coelho

São Paulo

2015

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Monteiro, Marcia Amazonas

Eduardo Campos e Marina Silva: jornalismo, política e espetáculo na eleição

presidencial de 2014/ Marcia Amazonas Monteiro. - São Paulo, 2015

163 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Claudio Novaes Pinto Coelho

Dissertação (mestrado) – Faculdade Cásper Líbero, Programa de

Mestrado em Comunicação

1. Jornalismo. 2. Eleição presidencial. 3. Campanha eleitoral. 4. Sociedade do

Espetáculo. 5. Campos Sociais. I. Coelho, Claudio Novaes Pinto. II. Faculdade Cásper

Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação. III. Título.

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RESUMO

Investigar e refletir sobre as relações entre o jornalismo e a política em um contexto de eleição

presidencial foi o principal objetivo desta dissertação de mestrado. Buscou-se compreender a

atuação da imprensa nos seus embates e intersecções com o campo político, através da análise

da cobertura jornalística realizada pelas revistas Veja (Grupo Abril) e Época (Grupo Globo) das

campanhas eleitorais dos políticos Eduardo Campos e Marina Silva na eleição presidencial

brasileira de 2014. Fez ainda parte do escopo deste trabalho acadêmico observar como se deu

a construção e a desconstrução das imagens e do discurso dos dois candidatos.

A pesquisa bibliográfica baseou-se nos autores Guy Debord (Sociedade do Espetáculo), Pierre

Bourdieu (Campos Sociais), Roger-Gerard Schwartzenberg (Estado Espetáculo) e Patrick

Charaudeau (Discurso Político), além de terem sido realizadas entrevistas com alguns dos

principais nomes do marketing político e eleitoral brasileiro como Carlos Manhanelli, Chico

Santa Rita e Gaudêncio Torquato.

Na mais acirrada eleição presidencial desde a redemocratização do País foi possível perceber

que a imprensa movimenta-se como ator político em busca de protagonismo nos períodos

eleitorais, na tentativa de influenciar a opinião pública e o resultado das eleições.

Palavras-chaves: Jornalismo. Eleição presidencial. Campanha eleitoral. Sociedade do

Espetáculo. Campos Sociais.

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ABSTRACT

The main goal of this master’s degree thesis was to investigate and reflect about the relationship

between journalism and politics in a context of presidential elections. The aim was to

understand the work by the press on its interactions and intersections with the political sector,

through analysis of the journalistic coverage made by the magazines Veja (Grupo Abril) and

Época (Grupo Globo) of the election campaigns by politicians Eduardo Campos and Marina

Silva in the 2014 Brazilian presidential election. To observate of how the images were

constructed and deconstructed and the speeches by both candidates was also part of the scope

of this thesis.

The bibliographic research was based on the authors Guy Debord (Society of the Spectacle),

Pierre Bourdieu (Social Fields), Roger-Gerard Schwartzenberg (L’Etat Spectacle) and Patrick

Charaudeau (Political Discourse) and interviews were conducted with some of the key

specialists in Brazilian political and electoral marketing, such as Carlos Manhanelli, Chico

Santa Rita and Gaudêncio Torquato.

On the most disputed presidential election since the return of democracy to Brazil, it was

possible to notice that the media moves as a political player in search of the leading role in

election periods, in the attempt to influence the public opinion and the result of the elections.

Keywords: Journalism. Presidential Election. Election Campaign. Society of the Spectacle.

Social Fields.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Osmar e Marisa (in memorian), pelo amor e dedicação incondicional à família

e pela confiança que sempre depositaram em minhas escolhas;

Ao companheiro Salvatore, pelos belos momentos;

Às minhas filhas Giulia e Laura, pelo tanto que me fazem feliz;

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AGRADECIMENTOS

Sou imensamente grata ao Deus criador dos Céus e da Terra, a quem busco servir nesse plano

terreno, pelas inúmeras oportunidades de crescimento que me foram concedidas ao longo da

vida. A Ele agradeço pela saúde, energia e sobretudo pela inquietude interior que motiva-me a

seguir estudando, aprendendo e dialogando com pessoas muito especiais que felizmente

encontro em meu caminho. Ao lado dos “guerreiros da luz” seguirei buscando contribuir para

a concretização de um mundo mais humano, justo e solidário. Juntos somos um.

Ao orientador prof. Dr. Claudio Novaes Pinto Coelho, minha enorme gratidão ao excelente

guia, pela imensa paciência e acolhimento ao longo de todo esse desafiador processo que é

aprender a caminhar no mundo acadêmico.

Aos mestres doutores Antonio Roberto Chiachiri Filho, Dimas Antonio Künsch, José Eugenio

de Oliveira Menezes, Luís Mauro Sá Martino e a todos os demais docentes que na Cásper Líbero

ministram aulas instigantes que nos fazem crescer como cidadãos e pesquisadores.

À prof. Dra. Katia Saisi, pelas palavras de incentivo e orientações preciosas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................09

CAPÍTULO 1 – A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2014.....................................................11

1.1.Contexto pré-campanha.....................................................................................................15

1.2.A mídia como ator político................................................................................................18

1.3.Marina, candidata presidencial do PV em 2010................................................................26

CAPITULO 2 – UM CANDIDATO EM CONSTRUÇÃO.....................................................52

2.1.Eduardo Campos na Veja...................................................................................................57

2.2.Eduardo Campos na Época................................................................................................61

CAPÍTULO 3 – A ALIANÇA ENTRE EDUARDO E MARINA..........................................65

3.1.A parceria no enfoque de Veja...........................................................................................66

3.2.A aliança sob a ótica de Época...........................................................................................72

CAPÍTULO 4 – CAMPANHA E MORTE DE EDUARDO CAMPOS.................................78

4.1.Propagandas partidárias.....................................................................................................88

4.2.A morte de Eduardo Campos.............................................................................................93

4.3.A “tragédia” segundo Veja.................................................................................................95

4.4.O “drama” visto por Época...............................................................................................104

CAPÍTULO 5 – CAMPANHA E (DES) CONSTRUÇÃO DE MARINA.............................109

5.1.Marina na Veja..................................................................................................................111

5.2.Marina na Época...............................................................................................................122

5.3.Propagandas eleitorais ......................................................................................................126

CAPÍTULO 6 – A DERROTA DE MARINA NAS URNAS................................................135

6.1.O apoio ao “tucano” Aécio Neves contra o PT.................................................................137

6.2.A imagem de Marina e do PSB pós-eleição.....................................................................143

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................154

REFERÊNCIAS......................................................................................................................156

APÊNDICES...........................................................................................................................157

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INTRODUÇÃO

Durante o mestrado, período desafiador e de intenso aprendizado, era comum ouvir dizer que

não escolhemos o tema de nossa dissertação, mas sim que o tema é que nos escolhe. Não é

raro iniciarmos nosso percurso com um projeto em mente para depois alterá-lo, motivados

pelas inquietações que surgem ao longo do caminho.

No meu caso, o desafio inicial ao qual me propus era o de analisar uma campanha política sob

a perspectiva da mídia, considerando os embates e intersecções entre os campos jornalístico e

político. A tendência de espetacularização cada vez mais presente nas campanhas políticas,

fenômeno que se dá inclusive globalmente, fez-me lembrar das instigantes aulas ministradas

dez anos antes pelo prof. Dr. Claudio Novaes Pinto Coelho, quando cursei meu lato sensu em

Marketing e Comunicação também na Faculdade Cásper Líbero.

Ao observar o cenário pré-eleitoral das eleições presidenciais de 2014, chamou-me a atenção

os movimentos do jovem político Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro (PSB),

que havia sido o governador mais votado do Brasil em 2010, reeleito ainda no primeiro turno.

Estaria o político pessebista disposto a tentar vôos mais altos, lançando-se candidato

presidencial? Em caso positivo, como pretendia projetar sua candidatura nacionalmente para

fazer frente ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Partido da Social Democracia Brasileira

(PSDB)?

Um mês depois de deixar de integrar a base aliada de sustentação do governo petista, em

setembro de 2013, Eduardo Campos apresentou sua pré-candidatura à Presidência da

República e ganhou um surpreendente apoio, o da socioambientalista Marina Silva, que não

conseguira obter o registro de seu próprio partido, Rede Sustentabilidade, junto ao Tribunal

Superior Eleitoral (TSE). Tratava-se de uma aliada importante, que conquistara quase 20

milhões de votos na eleição presidencial de 2010.

Feita a aliança, Eduardo e Marina passaram a percorrer juntos o País. Gradativamente o pré-

candidato aparentava sentir-se cada vez mais seguro em suas interações com a mídia, até que

no melhor momento de sua campanha Eduardo Campos morreu tragicamente com sua equipe

em um acidente aéreo, na cidade de Santos (SP). Uma outra campanha começava ali: a de

Marina Silva. O desfecho da eleição de 2014 tornara-se imprevisível e meu trabalho

acadêmico, com a mudança do “objeto de estudo”, ainda mais desafiador.

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A proposta de minha dissertação de mestrado foi, portanto, investigar e refletir sobre a relação

entre os campos jornalístico e político em uma eleição presidencial, tendo como objeto de

estudo ambas as campanhas, de Eduardo Campos e Marina Silva. Ao analisar a cobertura feita

pelas revistas Veja e Época, as duas principais revistas semanais de informação do País,

(inclusive em suas versões online), buscou-se compreender como os candidatos foram

retratados pela imprensa, de que forma deu-se a construção e/ou desconstrução de suas

imagens e dos discursos dos candidatos.

Para tanto, utilizei como referenciais teóricos a noção de “campo” defendida pelo sociólogo

francês Pierre Bourdieu, o conceito de “Sociedade do Espetáculo” do pensador francês Guy

Debord, bem como as obras “Discurso Político” do linguista francês Patrick Charaudeau e “O

Estado Espetáculo” do político francês Roger-Gérard Schwartzenberg.

Foram utilizadas como metodologia a pesquisa bibliográfica e realizadas três entrevistas com

especialistas e pioneiros do marketing político no Brasil, como Carlos Manhanelli, Chico

Santa Rita e Gaudêncio Torquato.

Já o período analisado extendeu-se de outubro de 2013 a outubro de 2014, acompanhando-se

até dezembro de 2014 os desdobramentos da cobertura jornalística sobre o pleito.

Tantos foram os fatores desafiantes que transformaram a eleição presidencial de 2014 na mais

acirrada e emocionante disputa desde a redemocratização do País que tornou-se ainda mais

imperiosa para mim a vontade de contribuir para elucidar os mecanismos de embate e

interseções entre os campos jornalístico e político e sua influência na decisão de voto do

eleitor brasileiro. Espero ter alcançado este objetivo.

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CAPÍTULO 1 – A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2014

A disputa pela presidência da República em 2014 entrou para a história política brasileira

como a mais acirrada e imprevisível desde a restauração da democracia. A presidente Dilma

Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), reelegeu-se com pouco mais de 3 milhões de

votos sobre o segundo colocado, o “tucano” Aécio Neves, do Partido da Social Democracia

Brasileira (PSDB). O resultado do pleito foi a clara representação de um País dividido entre

dois projetos de poder.

Entre os novos personagens da campanha presidencial estava Eduardo Campos, líder do

Partido Socialista Brasileiro (PSB). O candidato era um antigo aliado do ex-presidente Luiz

Inacio Lula da Silva, de quem fora Ministro da Ciência e Tecnologia entre 2004 e 2005. Seu

partido integrara a base aliada de sustentação dos governos petistas desde a ascensão de Lula

ao poder, em 2003. Assim se deu até setembro de 2013, quando a aliança dos pessebistas com

os petistas foi rompida. Eduardo preparava ali seu vôo solo para chegar à Presidência da

República ainda em 2014 ou ao menos se cacifar para a eleição presidencial de 2018.

Outra antiga aliada do ex-presidente Lula, a socioambientalista Marina Silva também

movimentava-se para disputar o pleito. Para tanto, precisava obter o registro do seu partido

Rede Sustentabilidade junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2010 Marina fora

candidata presidencial pelo Partido Verde (PV), conquistando o terceiro lugar no primeiro

turno com mais de 19 milhões de votos, em disputa contra os candidatos Dilma Rousseff (PT)

e José Serra (PSDB). Entretanto, os planos de Marina Silva foram frustrados pelos ministros

do TSE, que negaram em 3 de outubro de 2013 o pedido de registro do estatuto do Rede

Sustentabilidade. Apenas 442.524 assinaturas dos apoiadores foram certificadas pelos

cartórios eleitorais, porém o número mínimo exigido pela legislação eleitoral era de 491.949

assinaturas. Dos sete ministros que compunham o TSE, apenas o ministro Gilmar Mendes

votou a favor da concessão do registro1.

1 Disponível em http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Outubro/rede-sustentabilidade-nao-atinge-

apoiamento-minimo-e-tem-o-registro-negado

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Horas depois da negativa, em uma manobra política surpreendente até para seus próprios

apoiadores, Marina procurou o pessebista Eduardo Campos e propôs uma aliança, às vésperas

do prazo limite para concorrer ao pleito. Marina filiava-se ao PSB.

Ao lado de Eduardo, Marina passou a percorrer o País em busca de votos para a coligação

Unidos pelo Brasil, que além da Rede Sustentabilidade e do PSB também conquistou a

adesão do Partido Popular Socialista (PPS), do Partido Pátria Livre (PPL), do Partido

Humanista da Solidariedade (PHS), do Partido Republicano Progressista (PRP) e do Partido

Social Liberal (PSL). A expectativa era a de que viesse a ocorrer a transferência do capital

político de Marina Silva para Eduardo Campos. No entanto, mesmo após meses de pré-

campanha, Eduardo mantinha-se no patamar entre 8% e 11% da preferência do eleitorado.

Esse fato gerava forte especulação na imprensa e no meio político de que pudesse haver uma

inversão na chapa Eduardo/Marina até 20 dias antes do primeiro turno da eleição que

aconteceria em 5 de outubro de 2014.

Até 18 de julho, conforme levantamento2 feito pelo instituto de pesquisa Datafolha, Campos

permanecia em terceiro lugar na preferência do eleitorado, com 8% das intenções de voto,

atrás de Aécio Neves, com 20% e de Dilma Rousseff, com 36%. Esse quadro manteve-se

praticamente inalterado até 13 de agosto de 2014, quando Eduardo e seus assessores

morreram em acidente aéreo. O fato provocou comoção nacional e uma reviravolta na eleição

presidencial.

Cinco dias após a morte de Eduardo Campos o Datafolha publicava nova enquete3 sobre os

rumos da sucessão presidencial. Se Marina assumisse a vaga de Eduardo entraria na disputa já

empatada com o “tucano” Aécio Neves, ambos com 21%, enquanto a candidata à reeleição

Dilma Rousseff manteria os 36%. Sem Marina, Dilma chegaria a 41% e Aécio a 25%.

Após obter o apoio da família de Eduardo Campos ao seu nome, Marina assumiu a

candidatura, tendo como vice o pessebista gaúcho Beto Albuquerque. Em menos de dois

meses de campanha como candidata oficial, Marina teria a missão de convencer o eleitorado

de sua capacidade para governar o Brasil, no lugar da presidente Dilma Rousseff.

2 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/07/1487860-com-36-dilma-lidera-apos-inicio-

oficial-da-campanha-eleitoral.shtml 3 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/08/1502039-com-marina-disputa-presidencial-

iria-para-o-segundo-turno.shtml

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Em 2 de outubro de 2014, três dias antes da realização do primeiro turno, o cenário eleitoral

apontado por nova pesquisa4 do Datafolha mostrava Marina Silva à frente do “tucano” Aécio

Neves (24% contra 21%), enquanto a presidente Dilma Rousseff alcançava 40% da

preferência do eleitorado. Era certo que haveria segundo turno. E em uma simulação, Dilma

venceria a eleição com 48% dos votos, contra 41% de Marina Silva ou Aécio Neves.

Findo o primeiro turno, o resultado das urnas confirmou os prognósticos do instituto de

pesquisa Datafolha, exceto pelo desempenho obtido por Aécio Neves. Conforme noticiado no

site do TSE5, a presidente Dilma Rousseff conquistara o primeiro lugar no primeiro turno,

com 41,59% dos votos válidos, enquanto o candidato Aécio Neves ficara em segundo lugar,

com 33,55%. Já Marina Silva obteve o terceiro lugar, alcançando desta vez 21,32% (contra os

19,33% obtidos na eleição presidencial de 2010).

Além de Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva, foram também candidatos

presidenciais em 2014 os políticos Eduardo Jorge, pelo Partido Verde (PV), Luciana Genro,

do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Pastor Everaldo, do Partido Social Cristão (PSC),

Levy Fidélix, pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Zé Maria, do Partido

Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Eymael, pelo Partido Social Democrata

Cristão (PSDC), Mauro Iasi, do Partido Comunista Brasileiro (PCO) e Rui Costa Pimenta,

pelo Partido da Causa Operária (PCO).

Haveria segundo turno. E na nova eleição a disputa se daria entre Dilma Rousseff (PT) e

Aécio Neves (PSDB), refletindo uma polarização política que acontecia há 20 anos, desde o

pleito presidencial de 1994, ocasião na qual o ex-presidente “tucano” Fernando Henrique

Cardoso venceu o petista Luiz Inacio Lula da Silva no primeiro turno por 54,28% a 27,04%.

Restava saber qual seria o posicionamento da terceira colocada, Marina Silva, que tentara em

quebrar a polarização PT/PSDB sem sucesso. Iria repetir o que fizera na eleição presidencial

de 2010, quando junto com o Partido Verde, ao qual estava filiada, abriu mão de apoiar Dilma

Rousseff ou José Serra?

4 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/10/1526493-aecio-esta-tecnicamente-empatado-

com-marina-dilma-rousseff-lidera.shtml 5 Disponível em http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Outubro/presidente-do-tse-proclama-resultado-

provisorio-das-eleicoes-para-presidente-da-republica

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Em mais uma atitude inusitada, Marina Silva decidiu, desta vez, recomendar o voto no

“tucano” Aécio Neves. Seu posicionamento surpreendeu o meio político, já que ao longo de

toda a campanha Marina relutara em apoiar as alianças regionais firmadas entre o PSB de

Campos e o PSDB de Aécio, como aquela que ocorrera em São Paulo, maior colégio eleitoral

do País.

Levantamento6 divulgado pelo Datafolha registrava que os dois candidatos presidenciais

chegavam empatados tecnicamente ao dia da eleição, com Dilma registrando 52% das

intenções de voto contra 48% de Aécio Neves.

Apuradas as urnas, o segundo turno da eleição presidencial de 20147, realizada em 26 de

outubro, terminou com a reeleição da presidente Dilma Rousseff por 51,64% contra 48,36%

do “tucano” Aécio Neves.

A vitória apertada do Partido dos Trabalhadores refletiu uma Nação dividida entre duas

diferentes propostas políticas. Representou também o triunfo da velha polarização política

entre PT e PSDB. Mais uma vez, a “nova política” teria de esperar por uma nova chance.

6 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/10/1538369-dilma-52-e-aecio-48-chegam-

empatados-ao-dia-da-eleicao.shtml 7 Disponível em http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Dezembro/plenario-do-tse-proclama-resultado-

definitivo-do-segundo-turno-da-eleicao-presidencial

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1.1. – Contexto pré-campanha

Pouco mais de um ano antes da eleição presidencial de 2014 o Brasil registrou um dos

maiores protestos populares desde 1992, quando naquela ocasião milhares de brasileiros

foram às ruas a favor do impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo. Nessa

nova manifestação de junho de 2013, os simpatizantes do Movimento Passe Livre (MPL), em

sua maioria estudantes, protestavam contra a proposta de reajustar em vinte centavos a tarifa

do transporte público na cidade de São Paulo. O movimento ganhou uma adesão

surpreendente em todo o País a partir do momento em que a Polícia Militar paulistana

reprimiu os manifestantes. O recuo do poder público em aumentar as passagens e a retirada do

MPL da liderança dos protestos não impediu que milhares de brasileiros prosseguissem nas

ruas, desta vez para exigir melhorias em outras frentes, como saúde, educação, segurança etc.

O combate à corrupção e aos gastos crescentes com a Copa do Mundo, que se realizaria no

Brasil em poucos meses, também despertavam a indignação popular. “Não é pelos vinte

centavos” e “Ninguém me representa” eram as “palavras de ordem”. Às multidões juntaram-

se adeptos da tática black block, que depredaram prédios públicos e lojas. Com a

radicalização dos protestos, a maioria abandonou as ruas mas o recado à classe política era

claro: a insatisfação popular crescia. Esperava-se que os parlamentares e governantes

ouvissem o clamor das ruas.

Foi em meio a esse cenário de descontentamento generalizado que o governador de

Pernambuco Eduardo Campos, há décadas um aliado dos petistas, decidiu romper com o

governo Dilma. Seu partido, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), abandonou a base de

sustentação do Governo Federal. O gesto sinalizava o primeiro passo do governador

pernambucano na direção de lançar-se candidato à Presidência da República, confirmando

uma tendência que se especulava há meses na imprensa e no meio político.

Tratava-se de um sonho antigo. Eduardo Campos era uma liderança política emergente e

sempre mantivera estreito relacionamento com o ex-presidente Lula, sendo até mesmo um dos

nomes cotados para ser o seu sucessor na eleição presidencial de 2010. Entretanto, Lula

escolheu a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que viria a ter como principais

oponentes naquela eleição o senador José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira

(PSDB) e Marina Silva, candidata pelo Partido Verde (PV). Na ocasião, Lula conseguiu fazer

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sua sucessora, que venceu a eleição com ampla margem sobre o segundo colocado, José Serra

(56,05% contra 43,95% dos votos válidos)8.

Quatro anos depois, entretanto, a situação da presidente Dilma Rousseff não era confortável.

A avaliação positiva de seu governo estava em declínio. Em apenas três semanas a queda fora

de 27 pontos, o menor patamar desde o início de seu mandato, em 2011. Conforme enquete9

realizada pelo instituto de pesquisa Datafolha na primeira semana de junho, 57% dos

brasileiros consideravam a gestão da petista ótima ou boa. Depois dos protestos, esse índice

caira para 30%. Não era um bom sinal para uma candidata à reeleição.

Dilma teria praticamente um ano e meio para virar o jogo. A Copa do Mundo de Futebol

aconteceria no Brasil poucos meses antes da eleição presidencial de 2014. Se a seleção

brasileira vencesse, o humor do brasileiro poderia melhorar. Porém, o inimaginável

aconteceu: no estádio do “Mineirão”, em Belo Horizonte (MG), o Brasil perdeu para a

Alemanha por 7 a 1. Não chegou sequer ao terceiro lugar ao final da competição, realizada em

terras brasileiras. O “Mineiraço” reduzira a pó o que restou do “futebol arte”.

Com a derrocada da seleção brasileira, a volta da inflação e a degradação do ambiente

macroeconômico já era possível vislumbrar uma disputa eleitoral difícil para todos os

concorrentes. Aécio Neves, do PSDB, Eduardo Campos, do PSB e Marina Silva, com a Rede

Sustentabilidade despontavam como os virtuais concorrentes de Dilma Rousseff. O nome de

José Serra também era cogitado, caso o político decidisse deixar o PSDB. Afinal, Aécio

Neves parecia ser o preferido entre os “tucanos”. Entretanto, Serra continuou no partido,

candidatou-se a uma vaga no Senado Federal por São Paulo e a conquistou.

A partir da definição dos pré-candidatos presidenciais, uma nova enquete10 do instituto de

pesquisa Datafolha, realizada em 14 de outubro de 2013, apontava a presidente Dilma

Rousseff liderando a corrida presidencial com 42% da preferência do eleitorado, seguida por

Aécio Neves (21%) e Eduardo Campos (15%). Se Marina viesse a ser “cabeça de chapa” pelo

8 Disponível em http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/11/tse-conclui-apuracao-dos-votos-do-

segundo-turno.html 9 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/06/1303659-aprovacao-a-governo-dilma-

rousseff-cai-27-pontos-em-tres-semanas.shtml 10 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/10/1356321-dlma-ganharia-no-1-turno-

se-disputasse-contra-aecio-e-campos.shtml

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PSB, substituindo Eduardo Campos, a intenção de votos em Dilma cairia para 39%, Marina

obteria 29% (contra os 15% de Eduardo Campos) e Aécio ficaria em terceiro lugar, com 17%

da preferência do eleitorado.

Faltando um ano para o pleito, portanto, a presidente Dilma Rousseff despontava como a

favorita para vencer a eleição de 2014, porém era quase certo que não seria reeleita no

primeiro turno. Caso Marina entrasse na disputa, poderia vir a ser a sua grande concorrente.

Ao menos eram essas as tendências do campo político, detectadas pelas pesquisas de opinião.

Restava saber como se comportaria o campo jornalístico, que na tentativa de influenciar os

leitores/eleitores tende a atuar politicamente.

É o que veremos nos próximos capítulos.

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1.2 – A mídia como ator político

As relações entre a imprensa e a política geralmente se dão de forma, no mínimo,

controversas, quando não conflitantes. Vários autores dedicam-se a estudar essa dinâmica, de

forma a reconhecer os limites, os tensionamentos e as intersecções presentes entre esses

campos. Tentar compreender essa dinâmica é instigante. Não há respostas prontas.

Com base na noção de “campo” presente na obra do sociólogo francês Pierre Bourdieu, pode-

se melhor compreender como acontecem esses embates e intersecções entre os campos

político, econômico, jornalístico etc. Na definição de Bourdieu, um campo é

“um espaço social estruturado, um campo de forças. Há dominantes e dominados, há

relações constantes, permanentes, de desigualdades, que se exercem no interior desse

espaço, que é também um campo de lutas para transformar ou conservar esse campo

de forças.” (BOURDIEU, 1997, p. 57)

Em períodos eleitorais e sobretudo em uma campanha presidencial é possível observar que o

tensionamento entre esses campos de forças torna-se ainda mais evidente, já que as forças

dominantes, sejam elas políticas, econômicas etc., tendem a disputar terreno em busca de

visibilidade para exercer seu poder. A própria imprensa, que se insere no campo midiático,

têm suas particularidades e interesses manifestos na maneira como atua em prol deste ou

daquele candidato, sob a capa da imparcialidade jornalística.

No Brasil os principais meios de comunicação concentram-se nas mãos de poucas famílias:

Marinho (Grupo Globo), Civita (Grupo Abril), Frias (Grupo Folha), Mesquita (Grupo

Estado), Sirotsky (Grupo RBS), Saad (Grupo Band), Sarney (Grupo Mirante) e Silvio Santos

(SBT), entre outras. Trata-se de um fenômeno típico do sistema capitalista, no qual o poderio

econômico confere ainda mais poder àqueles que já o tem. A diferença agora é que dentro do

processo de globalização as fusões e aquisições entre essas empresas tendem a consolidar e

fortalecer ainda mais os conglomerados midiáticos. Pode-se afirmar que entre os mais

poderosos no País estão os grupos Abril e Globo, responsáveis pela edição das duas principais

revistas semanais de informação.

A revista Veja (Grupo Abril) é a líder de mercado, com tiragem de cerca de 1 milhão de

exemplares semanais por edição. Já a segunda colocada, a revista Época (Grupo Globo),

publica em torno de 400 mil exemplares semanais, em média. Ambas as publicações disputam

basicamente o mesmo público leitor: homens e mulheres na faixa etária entre os 30 e 50 anos,

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das classes A e B. O Grupo Globo, entretanto, tem seu “poder de fogo” ampliado por ser dono

da principal emissora de TV aberta do País, a TV Globo, cuja audiência é expressiva também

na classe C.

Nesse estudo exploratório sobre as relações entre o jornalismo e a política, as publicações

Veja e Época foram escolhidas justamente pela influência que exercem sobre os “formadores

de opinião” e a classe média escolarizada.

Para a carreira de um político passou a ser vital conquistar visibilidade midiática. A boa

gestão de sua imagem pública, antes, durante e após uma eleição tem se mostrado

imprescindível para sua sobrevivência no meio político. A imprensa pode ajudar (ou não) a

consolidar a imagem pública que se quer projetar. Nesse “jogo de forças” ser eleito é apenas o

primeiro passo. Depois, é preciso manter-se em evidência por meio da construção de uma

agenda positiva na imprensa, que corresponda aos anseios do eleitorado.

Pesquisadora de campanhas eleitorais, Katia Saisi avaliou a política do ponto de vista da

centralidade dos meios de comunicação de massa em seu livro Campanhas Presidenciais –

Mídia e Eleições na América Latina. A autora entende que política e comunicação são

campos complementares e conflituosos, já que os políticos modernos não têm outra opção

senão a de se submeterem à “lei da visibilidade”. Particularmente no Brasil, onde o

analfabetismo ainda persiste e a capacidade de compreensão das mensagens pela população

tende a ser baixa, a TV acaba por consolidar-se como principal meio para a aquisição da

informação política. Se por um lado a televisão é democratizadora, deixa a desejar para a

consolidação da cidadania.

“... socializa-se a miséria informativa. A informação, veiculada como imparcial e

comprometida com a ética, é “vendida” como mais um produto de consumo como os

anunciados nos intervalos comerciais. É a lógica do mercado globalizado.” (SAISI,

2014, p. 20)

Também um estudioso das relações entre mídia e política, o historiador e crítico social norte-

americano Christopher Lasch afirma que o estudo e controle da opinião pública passou a ser a

tônica da política no século XX. Em sua obra O Mínimo Eu, destacou que os meios de

comunicação de massa estariam apropriando-se da função educativa dos partidos, enquanto a

burocracia administrativa estaria sobrepujando sua função política. Para Lasch, caberia hoje

aos partidos tão somente a tarefa de “comercializar” os políticos para o consumo público.

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Saisi parece concordar com Lasch em seu artigo “Estética e Política: mais um espetáculo do

consumo na sociedade midiática”, publicado na obra Comunicação e Sociedade do

Espetáculo, organizada por Claudio Novaes Pinto Coelho e Valdir Castro. No texto, Saisi

afirmou que a política do século XX passou a obedecer a “lógica do espetáculo” e do controle

da opinião pública.

“Todos os discursos servem para formar um grande espetáculo, em que a lógica

publicitária tem a primazia. A convergência dos diferentes discursos sociais acaba por

produzir uma espécie de simulacro de democracia virtual, em que os candidatos não

são escolhidos por seus programas de governo, mas pela imagem que deles produzem

os meios de comunicação de massa” (SAISI, 2006, p.156)

Pode-se deduzir que para fazer parte desse “simulacro de democracia virtual” o político deve

transformar-se em uma figura palatável, de fácil assimilação pelo eleitor. Sua fala não pode

ser rebuscada nem complexa. Tende-se à simplificação. Tão caras no passado, as ideologias

cederam lugar à pasteurização, ao esvaziamento das idéias e dos sentidos, à espetacularização

da política. “Mais do mesmo” parece ter se tornado a “regra de ouro”.

Entretanto, mesmo frente aos imperativos dos campos jornalístico e midiático, o político tem

sua força como agente do campo político. Sua influência tende a ampliar-se quanto mais ele

domina a linguagem midiática.

Na obra Democracia Midiática – Como a Mídia Coloniza a Política, Thomas Meyer e Lew

Hinchman falam das relações simbióticas entre a mídia e a política, que se originam do

interesse comum entre os atores da política e os da mídia, visando atrair a maior publicidade

possível. Essas relações da mídia de massa com a política se dariam, segundo os autores, em

três frentes: o discurso da mídia e seu público alvo; o discurso da mídia e a realidade política

e a mídia de massa e a esfera pública. Os autores chegam a afirmar que a “democracia

midiática” é um novo tipo de regime político ou de constituição com suas próprias regras,

alternativas, recursos, limitações e canais de influência.

”Na democracia midiática os atores do sistema político têm que adaptar suas próprias

ações e discussões direcionadas à mídia o mais fielmente possível aos códigos

adotados pela mídia hegemônica, como se estes códigos fossem os únicos fatores

determinantes para a interpretação dos fatos pelo público e, subsequentemente, para o

seu comportamento político.” (MEYER e HINCHMANN, 2008, p. 14)

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Cabe então perguntar qual seria hoje o papel intrínseco à mídia, ao jornalismo e aos

jornalistas. Seriam impermeáveis às influências do campo político na sua prática jornalística?

Clóvis de Barros Filho e Luis Mauro Sá Martino discorreram em seu livro O Habitus na

Comunicação sobre os conceitos de habitus e campos sociais presentes na obra de Pierre

Bourdieu. Conforme o sociólogo francês, existiria uma relação entre as estruturas

incorporadas de ação denominada habitus e as estruturas objetivas (regras de ação, educação

formal, gostos, relações de produção e concorrência) de cada espaço social (campo). Somado

às especificidades de interação em cada campo, o habitus se constituiria no núcleo gerador do

cotidiano.

Ainda de acordo com Barros Filho e Sá Martino, trata-se de uma ofensa insinuar a um

jornalista (que é um dos agentes do campo jornalístico, mas não o único) sua vinculação com

outros interesses que não sejam os do interesse público.

“... A ilusão de liberdade alimenta o prestígio decorrente do trabalho dentro do campo.

A própria representação do jornalista nos meios de comunicação, sobretudo na ficção,

mostra um elemento livre de todo e qualquer compromisso que não seja,

evidentemente, com a verdade” (BARROS FILHO e SÁ MARTINO, 2003, p. 125).

O jornalista incorpora o habitus de seu campo. Tende a considerar-se livre para atuar no

exercício de sua profissão e pode vir a ter até mesmo uma visão romântica de seu papel. Na

prática, porém, as forças do campo jornalístico imperam. Acima da vontade e das boas

intenções do repórter está o editor, e acima do editor o dono do jornal ou da revista, que tem

seus próprios interesses, nem sempre coincidentes. Ainda que o jornalista busque a isenção ao

retratar o que entende por “realidade dos fatos”, as palavras que ele escolhe acabam por

denunciar o seu habitus, sua formação moral e cultural, suas preferências políticas e

ideológicas, bem como o direcionamento editorial do veículo para o qual trabalha. Assim, a

sobrevivência do jornalista no campo jornalístico, nessa ou naquela revista, dependerá

sobretudo de sua capacidade de incorporar o habitus e as particularidades do campo e daquele

veículo de comunicação.

Seja um jornalista ou um político, cada qual está sujeito, portanto, às forças do campo no qual

atua, embora também seja capaz de influenciar esse mesmo campo, como agente. Segundo

Bourdieu, a disputa entre os campos sociais e também entre os agentes de um mesmo campo é

permanente. Não há como demarcar fronteiras. Trata-se de uma dinâmica que escapa às

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respostas óbvias e simplistas e estimula calorosas e infindáveis discussões sobre as

intersecções e embates entre a mídia, o jornalismo e a política.

A pesquisadora brasileira Maria Helena Weber apresenta seu ponto de vista no livro

Comunicação e Espetáculos da Política. A autora afirma que tanto a mídia quanto a política

detém o poder das palavras, que carregam a legitimidade de quem as pronuncia. O poder da

mídia e da política residiria no discurso e no carisma dos políticos.

“A política, em tempos de visibilidade e rapidez próprias das mídias, resgata o carisma

como substitutivo de projetos políticos. Mais do que uma particularidade pessoal, o

carisma, os dotes pessoais, desviam as pessoas da política para o político” (WEBER,

2000, p.13)

Maria Helena Weber salienta que os discursos de mediação das mídias e da política

atravessariam todas as instâncias da realidade, ao participar e regular todas as práticas sociais

por meio de sua dimensão simbólica. Para a autora, as mídias seriam parte integrante do

exercício do poder do capital e da política.

“As mídias não podem ser consideradas como entidades complementares, mas sim

como integrantes do exercício do poder do capital e da política, cuja existência é

determinada por estes aliados, que não possuem autonomia comunicativa e estética.”

(WEBER, 2000, p.31)

Ainda de acordo com Weber, a política teria o poder de provocar o movimento das mídias em

seu próprio eixo, como um espetáculo que aconteceria de quatro diferentes maneiras: como

espetáculo político editorial, como espetáculo político articulado, como espetáculo político

arbitrário e como espetáculo político autônomo.

O espetáculo político editorial se evidenciaria nos “microespetáculos do cotidiano político”,

no qual os textos, fatos ou sujeitos da política seriam escolhidos, valorados e editados pelas

mídias ou seriam veiculados dentro da programação, como informação ou propaganda.

“... É o texto das editorias, das pautas diárias, os provocadores da agenda das mídias: é

a política editada como notícia, entrevista, humor, ou inserida em dramas novelescos,

ou a propaganda dos governos e instituições competindo com a publicidade”.

(WEBER, 2000, p.35)

Já o espetáculo político articulado seria caracterizado pelos eventos políticos obrigatórios, que

alteram a abordagem trivial da política, como as eleições, os plebiscitos, as Comissões

Parlamentares de Inquérito (CPIs), as reformas constitucionais e outros.

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“A cobertura das eleições, realizada no plano da disputa política, determina uma outra

disputa: a que ocorre entre as mídias. Estas exercitam seu marketing mostrando sua

rapidez, seu poder de cobertura, seus profissionais, seus equipamentos, sua dedicação

técnica à causa. A apuração dos votos e a divulgação de pesquisas marcam o

espetáculo político articulado; uma articulação benéfica à sociedade e determinada

pelo interesse das mídias, cujo interesse incide de forma significativa na decisão do

cidadão.” (WEBER, 2000, p. 37)

No espetáculo político arbitrário, as instituições, partidos e sujeitos políticos são personagem

da propaganda e do marketing. É o que acontece nas propagandas eleitoral, partidária,

governamental, disputa plebiscitária e reformas constitucionais.

“Fundamental à escolha de candidatos e partidos, o espetáculo fica por conta destes,

que expõem, impõem e justificam projetos e intenções, passados, presentes e

futuros...” (WEBER, 2000, p. 40)

Por fim, no espetáculo político autônomo, o fato político assumiria proporções de “meta-

acontecimento”. Imprevisível e incontrolável, o evento teria magnitude suficiente para

provocar a ortodoxia estética das mídias e delas exigir um comportamento diferenciado.

“Enquanto as mídias tomam as rédeas e determinam o grau de espetacularidade nos

espetáculos políticos editoriais e articulados, no espetáculo político autônomo é o

próprio fato que determina as atitudes das mídias, sem concessões.” (WEBER, 2000,

p. 39)

Para Weber, há uma “complexa e inevitável” interdependência entre sociedade, indivíduo,

sistema de comunicação e política. A autora acredita que a política, como conceito e

instituição, comandaria e definiria o funcionamento da vida particular dos sujeitos e das

mídias.

“Utilizando sofisticadas técnicas, presa à retórica clássica ou à mera retórica

demagógica, a política sempre pode ser vista no seu limite subversivo porque, ao

contrário das mídias, sempre propõe ou provoca mudanças: desde uma revolução

social até o olhar malicioso sobre a intimidade presidencial, de qualquer país”

(WEBER, 2000, p. 45).

Tomando como referencial o que afirmou Maria Helena Weber, podemos considerar que a

eleição presidencial de 2014 foi marcada pelos quatro tipos de espetáculos políticos, inclusive

no que se refere à excepcionalidade da morte do candidato presidencial Eduardo Campos. Ao

longo de toda a campanha foi possível observar a ocorrência do espetáculo editorial

(cobertura jornalística), do espetáculo articulado (a própria eleição), do espetáculo arbitrário

(a campanha eleitoral) e do espetáculo político autônomo (que se fez presente no meta-

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acontecimento provocado pelo acidente aéreo que vitimou Campos), o que pode ter

contribuído para ampliar significativamente o potencial de espetacularização do pleito.

Para melhor compreender o significado dessa crescente tendência de “espetacularização”

encontramos na obra do escritor francês Guy Debord a definição de “poder espetacular”.

Em Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo, Debord discorre sobre a “lógica do

espetáculo” presente na sociedade capitalista.

“Assim como a lógica da guerra determina as frequentes modificações do armamento,

também a rigorosa lógica do espetáculo comanda em toda parte as exuberantes e

diversas extravagâncias da mídia” (DEBORD, 2003, p. 171)

A mídia e o jornalismo seriam, portanto, diretamente afetados por essa “lógica mercantilista”.

A informação, como um produto à venda pelos meios de comunicação, tenderia a tornar-se

ainda mais valiosa em tempos de eleição, pelo poder de influenciar diretamente a opinião

pública. A “lógica do espetáculo” se faria presente também na construção e desconstrução de

candidaturas, da qual nenhum político escapa.

São inúmeras, portanto, as possibilidades de compreender as relações entre jornalismo e

política. Pode-se entender essa relação com base na centralidade dos meios de comunicação

ou considerando-se a mídia como parte integrante do poder do capital e da política. Também é

possível adotar como referencial a noção de “campo social” em Bourdieu, de “sociedade do

espetáculo” em Debord e ainda a possibilidade de estar em curso até mesmo um novo tipo de

regime político, ao qual Meyer e Hinchman chamam de “democracia midiática”.

Nesse estudo exploratório optou-se por dar especial atenção às propostas de Bourdieu e

Debord, considerando-se também a perspectiva da “democracia midiática”, na qual os atores

políticos se vêem obrigados a adaptar suas ações e discussões dirigidas às mídias aos códigos

adotados pela mídia hegemônica dos grandes grupos de comunicação.

Ao lançarem-se na arena da disputa política pela Presidência da República em 2014, Eduardo

Campos e Marina Silva expuseram-se às interações e embates com o campo midiático e

jornalístico. Eduardo era ainda um novato como candidato presidencial, mas Marina já havia

trilhado esse caminho quatro anos antes, pelo Partido Verde (PV).

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Em 2010, de que forma se deu a relação entre a “candidata verde” e a imprensa? É o que

veremos a seguir.

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1.3 – Marina, candidata presidencial do PV em 2010

Mesmo após vivenciar uma infância de muita precariedade nos seringais do Acre e uma

adolescência marcada por inúmeros problemas de saúde, Marina Silva conseguira manter sua

fé intacta. Ainda jovem pretendia tornar-se freira, mas seu contato com a Teologia da

Libertação11, com os irmãos Boff e sobretudo com o seringueiro Chico Mendes mudaram

essa trajetória. Marina começou a militar no Partido Revolucionário Comunista (PRC), de

inspiração marxista, para depois, em 1985, filiar-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi

vereadora, deputada estadual e senadora até ser escolhida pelo então presidente Luiz Inacio

Lula da Silva para ser a ministra do Meio Ambiente, em 2003.

Por cinco anos, até 2008, Marina Silva permaneceu à frente desse Ministério, onde amealhou

vitórias mas também enfrentou desgastes, sobretudo em sua relação com o agronegócio, com

os desmatadores e com a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que a

responsabilizava pelo atraso na liberação de licenças ambientais para a realização de obras de

infra-estrutura. Por enfrentar cada vez mais resistências dentro do governo petista, ao mesmo

tempo em que deixava de ser apoiada pelo então presidente Lula, Marina decidiu em 13 de

maio de 2008, dia em que se comemora a abolição da escravatura no Brasil, deixar o

Ministério do Meio Ambiente.

No livro Marina – A Vida por uma Causa, a autora Marília de Camargo Cesar publicou a

carta de demissão entregue por Marina Silva a Lula. Em um dos trechos, Marina diz:

“...Quero agradecer a oportunidade de ter feito parte de sua equipe. Nesse período de

quase cinco anos e meio esforcei-me para concretizar sua recomendação inicial de

fazer da política ambiental uma política de governo, quebrando o tradicional

isolamento da área... Tenho o sentimento de estar fechando um ciclo cujos resultados

foram significativos, apesar das dificuldades...”(CESAR, 2010, pg.219)

Após deixar o Ministério do Meio Ambiente, Marina retornou ao Senado Federal, lá

permanecendo mais de um ano como senadora pelo Partido dos Trabalhadores. Porém, em 10

de agosto de 2009, depois de militar por mais de duas décadas no partido, a senadora decidiu

oficializar sua saída do PT. Onze dias depois, anunciava sua filiação ao Partido Verde (PV).

11 Disponível em https://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/

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Detentora de fama internacional por sua luta em favor do meio ambiente, os passos de Marina

Silva eram acompanhados de perto pela imprensa nacional e do Exterior. Quatro dias antes, a

revista Época antecipara a saída de Marina na matéria Sim, ela é candidata12, na qual

afirmava que sua entrada na corrida presidencial iria embaralhar o jogo eleitoral de 2010, já

que ela deixara o PT “por ser coerente com sua história”. Marina, que já havia sido chamada

de “jedi” pelo petista José Dirceu, então ministro chefe da Casa Civil no primeiro mandato de

Lula, era comparada à jaguatirica, por não desistir de sua caça.

Já a revista Veja repercutiu a saída de Marina Silva do PT com chamada de capa (próxima

página) e uma matéria13 intitulada Marina Imaculada, publicada nas páginas amarelas da

edição 2128 (02/09/2009), definindo-a na entrevista como “politicamente correta, com

biografia sem nódoas e uma doçura sem par”. No texto, a senadora “verde” dizia que não iria

colocar-se em uma posição de vítima diante da ministra Dilma. “Não é por termos

divergências que vou transformá-la em vilã. Não vou fazer o discurso fácil da demonização.”

Como é possível observar, a revista Época retratou a ruptura de Marina Silva com o PT como

uma atitude coerente em relação a sua história de vida, destacando seu caráter aguerrido de

“jaguatirica, que não desiste de sua caça”. Veja, por sua vez, atribuiu à atitude de Marina uma

abordagem flagrantemente ainda mais positiva, conferindo uma “aura de santa imaculada” à

senadora por sua retidão e amabilidade até mesmo em relação à “adversária” Dilma Rousseff.

As duas principais revistas de informação do País pareciam aprovar a ruptura de Marina Silva

com o PT e a sua adesão ao Partido Verde (PV). Ainda que concorrentes, Veja e Época

retratavam de forma positiva e até mesmo elogiosa a decisão da socioambientalista, ao

reforçar atributos positivos como coerência, biografia irretocável e posicionamento

politicamente correto.

12 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI88045-15223-3,00-

SIM+ELA+E+CANDIDATA.html 13 Disponível em https://revistaveja.wordpress.com/2009/08/

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Veja (02/09/2009)

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De fato, dias depois de ter sido noticiada, a candidatura presidencial de Marina Silva pelo PV

viria a ser confirmada, tendo como vice o empresário Guilherme Leal, um dos donos da

empresa de cosméticos Natura. Na ocasião, concorriam com Marina Silva os candidatos

Dilma Rousseff e José Serra, representantes dos dois principais partidos políticos do País.

Editorialmente, tanto Veja14 quanto Época15 tendiam a conferir mais visibilidade às duas

candidaturas, sobretudo a de José Serra, tendendo a reforçar e/ou espelhar a polarização que

persiste no campo político e transcorre há décadas entre PT e PSDB.

Entretanto, à medida que a corrida presidencial transcorria empatada tecnicamente entre

Dilma Rousseff e José Serra, as atenções passaram a voltar-se novamente para Marina Silva,

pouco mais de cinco meses antes da eleição, muito possivelmente porque as publicações

entendiam que a candidata “verde” poderia ter um papel decisivo no segundo turno.

Em 22 de maio de 2010, Época publicou uma longa entrevista16 com Marina intitulada O

Brasil precisa antecipar o futuro, na qual lembrava que a candidata tinha apenas 8% da

intenção de votos e o menor tempo de TV, uma condição desfavorável em relação aos

concorrentes. Quando questionada se faria um governo de esquerda, Marina não afirmou nem

negou, respondendo que “se empobrece o debate com tais caracterizações”. Argumentou

também que, junto com o vice Guilherme Leal, sua candidatura tenderia a atrair o

empresariado de vanguarda. Com tal afirmação, percebe-se que Marina buscava dissociar-se

de sua imagem de militante de esquerda, substituindo-a por uma imagem de candidata

progressista, que contava inclusive com o apoio de um líder empresarial. A declaração de

Marina parecia confirmar a tese da “democracia midiática” defendida por Meyer e Hinchman,

na qual um ator político tende a adaptar seu discurso aos interesses da mídia hegemônica.

Os atores políticos tendem a presumir que eles só poderão ter voz ativa se puderem

controlar o modo como são retratados pela mídia de massa, de modo que passem a ter

acesso (em seus próprios termos) a um público mais amplo ao se submeter aos códigos

estabelecidos pela mídia (MEYER e HINCHMAN, 2008, pg. 25)

14 Disponível em http://veja.abril.com.br/eleicoes/eleicoes-2010-jose-serra-lanca-candidatura.shtml 15 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI132500-15223,00-

JOSE+SERRA+ESTOU+MAIS+PREPARADO.html 16 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI142215-15223,00-

MARINA+SILVA+O+BRASIL+PRECISA+ANTECIPAR+O+FUTURO.html

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Época (22/05/2010)

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Já a revista Veja, na edição 2169 (16/06/2010), traz uma chamada de capa (próxima página)

intitulada “ela pode não ser apenas a miss simpatia”, referindo-se à candidata do PV. Em uma

nova enquete17 o instituto de pesquisa Datafolha registrava um empate técnico entre Dilma

Rousseff e José Serra, cada qual com 37% da preferência do eleitorado. No texto, Marina era

tratada como o “terceiro elemento” que poderia fazer a diferença em caso de segundo turno,

embora para a revista os eleitores “marineiros” tendessem a se dividir entre Dilma e Serra. A

expectativa de Veja era a de que São Paulo seria um divisor de águas. “Como a tradição

antipetista é forte no Estado de São Paulo, os tucanos apostam em uma migração maciça deste

eleitorado para Serra”, destacava a publicação.

Percebe-se que Veja prosseguia posicionando-se de forma favorável aos candidatos de

oposição à Dilma Rousseff, sucessora de Lula. O mesmo se deu em relação à Época, que

manifestava-se simpática aos oposicionistas, porém de uma forma menos contundente se

comparada à concorrente Veja.

17 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2010/07/1131325-serra-e-dilma-continuam-

empatados.shtml

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Veja – edição 2169 (16/06/2010)

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Veja – edição 2169 (16/06/2010)

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No mês seguinte, na edição 2173 (14/07/2010), a revista Veja trouxe matéria sobre a

declaração de bens dos políticos que disputavam o pleito, destacando o fato do vice de Marina

Silva, Guilherme Leal, ser um bilionário. A matéria Ataque ao vice verde (próxima página)

mencionava uma acusação feita contra Leal de que o mesmo havia devastado árvores da Mata

Atlântica para construir um heliponto em sua propriedade, na cidade de Uruçuca, no sul da

Bahia. O bilionário atribuiu a denúncia a uma disputa política, já que ele fazia parte de um

grupo que se opunha à construção de um complexo industrial e logístico em Ilhéus (BA).

Pessoas próximas a Leal atribuíram aos petistas a tentativa de arranhar a credibilidade do vice

de Marina.

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Veja – edição 2173 (14/07/2010)

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Na edição 2178 (18/08/2010) Veja chamava a atenção para a “pesca” dos indecisos (próxima

página) no horário político da TV. A matéria lembrava que faltavam 46 dias para a eleição e

12 milhões de eleitores ainda não haviam decidido seu voto, enquanto outros se mostravam

“volúveis”. O perfil do “indeciso padrão” seria o de mulheres com mais de 50 anos,

nordestinas, que estudaram até a 4ª. série do primeiro grau e receberiam até um salário

mínimo.

O cenário político eleitoral havia mudado. A intenção de votos em Dilma havia subido

significativamente, para 44% da preferência do eleitorado, contra 33% de José Serra. Os mais

convictos seriam os eleitores de Dilma (81%), seguidos pelos eleitores de Serra (70%) e

depois Marina (62%). O perfil dos eleitores de Marina era de jovens ricos e escolarizados,

residentes nas capitais do Sudeste.

Um dos coordenadores da campanha do PV, João Paulo Capobianco dizia que o pouco tempo

de TV de Marina seria usado para convencer também os eleitores das classes C, D, E. Já na

internet a ênfase seria dada à divulgação dos vídeos gravados por artistas que apoiavam

Marina, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethania, Adriana Calcanhoto e Lenine.

Veja descreveu como pontos positivos da candidata Marina, que tinha até então em torno de

9% da preferência do eleitorado, uma história de vida com forte apelo emocional, a boa

reputação entre os jovens e o fato de ser a “candidata da ética”. Entre os pontos fracos, o

tempo reduzido de horário político, as poucas propostas fora da área ambiental e o fato de

pertencer a um partido, o Partido Verde, com pouca expressão nacional.

À medida que a corrida eleitoral avançava e a liderança permanecia com Dilma Rousseff,

Veja mostrava-se mais inclinada a valorizar a candidatura de Marina. Mais uma vez, a revista

parecia querer influenciar o eleitorado em prol dos candidatos de oposição.

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Veja - edição 2178 (18/08/2010)

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Veja – edição 2178 (18/08/2010)

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A capa (próxima página) de Veja na edição 2185 (06/10/2010) foi emblemática, ao criticar a

falta de propostas políticas relevantes para o País por parte dos candidatos. A matéria

intitulada Insosso, Insípido e Inodoro destacava que os temas abordados pelos concorrentes

durante o último debate eleitoral realizado pela TV Globo pareciam mais adequados a uma

eleição municipal. O texto mencionava que enquanto Dilma e Serra mal cruzaram olhares e

evitaram elevar a temperatura política na véspera da eleição, Marina apresentava-se mais

combativa, adotando um posicionamento de representante de uma “terceira via que paira

acima do lodaçal generalizado”. Segundo a publicação, essa estratégia acertada teria sido a

responsável ao longo da campanha pelo crescimento consistente de sua candidatura.

Veja mantinha um posicionamento favorável à imagem de Marina Silva, valorizando-a, ao

mesmo tempo em que criticava a ausência de propostas relevantes por parte dos candidatos. A

revista ainda previa que se Marina conquistasse mais de 15% dos eleitores nas urnas poderia

ser vista como um nome potencial para a Presidência da República em 2014.

Em outra matéria na mesma edição, intitulada Verde com Coração Vermelho, ilustrada por

uma Marina caracterizada como um personagem do filme Avatar, a revista Veja afirmava que

a ex-petista sairia da eleição maior do que entrara. No início Marina mantivera 9% da

preferência do eleitorado e às vésperas do pleito sua candidatura crescera de forma

significativa, para 14%.

Segundo o cientista político Antonio Lavareda, a candidata poderia ser vista por muitos

eleitores como uma “opção mais palatável à esquerda”. Veja reiterava mais uma vez que a

capacidade de conseguir administrar o patrimônio político conquistado naquela eleição seria

decisivo para o futuro político de Marina Silva. É interessante notar também que a publicação,

ao reforçar o “coração vermelho”, parecia querer lembrar aos eleitores do passado petista da

candidata.

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Veja – edição 2185 (06/10/2010)

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Veja – edição 2185 (6/10/2010)

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Veja – edição 2185 (6/10/2010)

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Na edição 2186 (13/10/2010), veiculada dez dias após a realização do primeiro turno, a capa

(próximas páginas) da revista Veja chamava a atenção dos leitores para a mudança drástica no

posicionamento da candidata petista Dilma Rousseff em relação ao tema aborto. Antes

favorável, passara a manifestar-se contrária, em um claro movimento para conquistar eleitores

mais conservadores como os evangélicos, que haviam votado em Marina Silva. A principal

matéria dedicou-se a elencar as incoerências da sucessora de Lula, buscando favorecer a

candidatura do oponente José Serra. É possível perceber a movimentação do campo

jornalístico como ator político.

Outra matéria na mesma edição questionava o “malogro” dos institutos de pesquisa em

relação aos prognósticos para o primeiro turno. No primeiro turno18 Dilma conquistara

46,91% dos votos válidos contra 32,61% de José Serra. A surpresa fora Marina, que alcançara

19,33% dos votos.

Em nova matéria, intitulada Porque Marina veio para Ficar, a candidata passou a ser

retratada como “executiva” (imagem nas próximas páginas), de terno branco e colar étnico,

contrastando com a representação anterior de personagem do filme Avatar. O texto

mencionava a importância do apoio de Marina para definir a eleição, já que a candidata

“verde” emergia do pleito como uma nova força política, com quase 20% dos votos válidos.

Veja observava que o PV tenderia a apoiar José Serra, mas previa que Marina poderia manter-

se neutra. Ainda de acordo com a publicação, a votação expressiva da socioambientalista

sinalizava que a candidata havia extrapolado o nicho ambientalista, conquistando também os

eleitores evangélicos e os descontentes com o PT. Marina era, na avaliação do cientista

político Antonio Lavareda, “uma marca nova na política brasileira”. Seria, portanto, difícil

prever quão fiel seria o seu eleitorado no segundo turno, se ela recomendasse o voto a um dos

candidatos.

Veja ainda fez uma breve entrevista com Marina, intitulada Maior que o PV, na qual a terceira

colocada na eleição presidencial de 2010 afirmava que sem a influência das pesquisas de

18 Disponível em http://eleicoes.folha.uol.com.br/2010/1turno/apuracao-presidente.shtml

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opinião seu desempenho nas urnas poderia ter sido até maior, já que a candidata acreditava

que muitos eleitores teriam deixado de votar nela por acreditarem que estavam desperdiçando

o voto. Marina também comentou que chegara até ali sem mudar seu estilo e que assim se

manteria. Nesse fala é possível perceber a intenção de Marina Silva de preservar sua

autenticidade e sobretudo seu capital político.

O capital político é uma forma de capital simbólico, crédito firmado na crença e no

reconhecimento ou, mais precisamente, nas inúmeras operações de crédito pelas quais

os agentes conferem a uma pessoa ou a um objeto os próprios poderes que eles

reconhecem. (BOURDIEU, 2001, pgs. 187/188)

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Veja – edição 2186 (13/10/2010)

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Veja – edição 2186 (13/10/2010)

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Em 2010, no segundo turno da eleição presidencial, Marina decidiu manter-se neutra. A

sucessora de Lula, Dilma Rousseff, venceu o pleito. A edição 2189 de Veja (03/11/2010),

veiculada depois da vitória de Dilma nas urnas com 56,05% dos votos válidos contra 43,95%

de José Serra trouxe na capa (próxima página) o ex-presidente Lula pronto para as “férias do

poder” e a frase Ele sairá da Presidência, mas a Presidência sairá dele?

A principal matéria de Veja mencionava que o presidente literalmente já chorava em público a

despedida do poder e que poderia vir a enfrentar dificuldades no dia seguinte à entrega da

faixa presidencial para a sucessora.

Passada a eleição, Veja reservou à Marina uma nota na página 18, intitulada Os planos de

Marina Silva, que relatava a intenção da socioambientalista de retomar os estudos após a

eleição. A nota tinha o claro intuito de reforçar a imagem positiva de Marina como uma

pessoa que dá imenso valor ao saber. “Eu nunca paro de estudar. Tive de parar esse ano, mas

vou retomar”. Certamente ela não sairia de férias, como Lula...

É notório o enfoque favorável conferido por Veja à candidata presidencial Marina Silva, ao

longo das edições que cobriram a fase mais crucial da campanha eleitoral de 2010. O teor das

matérias era geralmente positivo em relação à imagem da candidata e ao seu poder de

influenciar os rumos da eleição. Embora Marina e o PV tenham optado pela neutralidade no

segundo turno, deixando de apoiar Dilma ou Serra, a socioambientalista não foi criticada por

adotar tal posicionamento. Ao contrário, Veja parecia querer projetá-la como candidata

potencial para as eleições presidenciais de 2014.

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Veja – edição 2189 (3/11/2010)

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Mais de seis meses após o término da eleição presidencial de 2010, Marina Silva voltou a ser

destaque em Época (26/06/2011) na matéria19 Marina pede para sair do PV. O texto

mencionava que “em nome da utopia” Marina havia feito uma escolha pragmática de filiar-se

ao Partido Verde, legenda que embora identificada com as causas ambientais também era

favorável a propostas como a liberalização do aborto e a descriminilização do uso da

maconha, iniciativas contrárias à posição da candidata. A matéria mencionou um fato que

teria ocorrido em 2010, quando a candidata Marina teria devolvido uma mala com dinheiro

“não contabilizado” que um empresário paulista enviara para sua campanha. Sobre a relação

entre Marina e o PV, Época afirmara que “a união começou com promessas e terminou em

desilusões”. Outro ponto de atrito teria sido a influência dos amigos evangélicos de Marina,

que não combinava com o perfil histórico do PV, já que o partido temia perder o eleitorado

urbano, moderno e descolado. A publicação afirmou ainda que embora rompida com o PT,

Marina ainda manteria “uma relação ambígua com Lula”, fato que teria incomodado ao vice

Guilherme Leal, simpático ao PSDB. A matéria trouxe ainda a informação de que Marina iria

criar um partido para se candidatar novamente em 2014.

19 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI243893-15223,00-

MARINA+PEDE+PARA+SAIR+DO+PV.html

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Sobre a saída de Marina Silva do PV, Veja (07/07/2011) publicou matéria20 descrevendo

como se dera o ato de desfiliação, em um auditório localizado na Vila Madalena, na cidade de

São Paulo, no qual centenas de apoiadores estavam presentes, entre eles Guilherme Leal,

Alfredo Sirkis e Ricardo Young. Marina argumentara que havia chegado a hora “dos que

querem viver em um País melhor”. O grupo pretendia criar uma sociedade civil com o nome

provisório “Movimento Verde de Cidadania”, que poderia reunir também os simpatizantes do

“Movimento Marina Silva”. Questionada na ocasião se pretendia concorrer à presidência da

República em 2014, a socioambientalista negou ter planos concretos.

Outra matéria21 de Veja (02/11/2011) trazia a informação de que a ex-senadora Marina Silva,

sem partido, começava a consolidar um projeto político que seria chamado de “Movimento

por uma Nova Política”, com a intenção de discutir novas formas de fazer política no século

21 e que poderia servir de base para definir o apoio de Marina às candidaturas municipais ou

até mesmo para a criação de um novo partido. Comitês estaduais de caráter suprapartidário

estariam sendo inaugurados.

O discurso em prol de uma “nova política”, voltada para o desenvolvimento com

sustentabilidade, fez parte das diretrizes da campanha de Marina em 2010 e foi citada no livro

Campanhas Presidenciais - Mídia e Eleições na América Latina, de Katia Saisi. Na obra

menciona-se que a candidata, a única a pedir contribuições para o eleitor, enfatizava que não

iria governar sozinha, mas junto com a sociedade. Cada programa eleitoral fora dedicado a

abordar um tema específico. “Marina aparecia in loco com as pessoas, conversando e ouvindo

sugestões”.

Em relação ao enunciatório, Katia Saisi observou que enquanto as demais campanhas, de

Dilma Rousseff e de José Serra, dirigiam-se a “tu” (você, eleitor) ou a “ele” (o povo,

trabalhador), a campanha de Marina dirigia-se a “nós” (brasileiros).

“Esse procedimento de actorialização gera sentidos próprios, segundo a semiótica.

Marina constrói um sincretismo entre enunciador e enunciatório (nós/nós), com

identificação entre os dois atores. O efeito oposto, de distanciamento, é gerado nas

relações eu/tu, eu/ele, ele/ele, que caracterizam os discursos dos demais candidatos”.

(SAISI, 2014, p. 91).

20 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/marina-silva-anuncia-saida-do-pv/ 21 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/marina-quer-partido-para-atuar-ja-em-2012/

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Lançado em 2010, o livro Marina – A vida por uma causa, de Marília de Camargo Cesar, foi

escrito por ocasião do momento da filiação da socioambientalista ao PV, acompanhando

inclusive os estágios iniciais do planejamento da campanha presidencial de 2010. Na

reportagem biográfica, a autora conversou com familiares e amigos de Marina em busca de

depoimentos para traçar um perfil da candidata e de sua visão de mundo.

...Sua ambição é continuar sendo uma pessoa autêntica, coerente, sem os cacoetes do

poder...Acima de tudo, seu desejo é ter a liberdade de orar e buscar ouvir a voz do

Deus da Bíblia, sem, por isso, ser tachada de fundamentalista. (CÉSAR, 2010, p. 22)

Em 2011 foi lançado outro livro, O Efeito Marina – bastidores da campanha que mudou o

rumo das eleições. Seu autor, o político e ambientalista Alfredo Sirkis, que fora um dos

coordenadores da campanha, destacava que a intenção da candidata, caso vencesse a eleição,

era promover um “realinhamento histórico” que juntasse o melhor do PT e do PSDB. Para

chegar lá, Marina buscava ganhar os “corações da classe C” e “as mentes dos formadores de

opinião”. Sirkis explicou em sua obra a controvertida posição de neutralidade adotada no

segundo turno, que muitos interpretaram na época como um posicionamento individual da

candidata mas que, segundo ele, fora uma decisão de consenso entre os “verdes”. Na obra,

Sirkis, também jornalista, criticou o chamado “jornalismo de tese”.

“Um dos piores cacoetes da imprensa é o tal “jornalismo de tese”. O repórter ou o

editor tem sua tese pré-concebida para a matéria e direciona sua apuração...Passamos a

viver um jornalismo insuportável, que vive quase exclusivamente de achismos, teses e

a prioris”. (SIRKIS, 2011, p. 205).

Também em 2011, o pesquisador acadêmico Wagner Barge Belmonte, da Faculdade Casper

Líbero, apresentou sua dissertação de mestrado A Cobertura da Eleição Presidencial de 2010

pela Revista Veja. Belmonte mencionou entre as páginas 275 e 282 as impressões da revista

em relação às propostas dos candidatos. No caso de Marina Silva, o eixo central girava em

torno de estabelecer uma política de “baixo carbono”, que estimulasse o desenvolvimento da

economia sem ferir o meio ambiente. Comparativamente aos demais candidatos, apenas uma

proposta de Marina, sobre liberdade de imprensa, obtivera a aprovação sem ressalvas de Veja.

O texto da revista mencionara que a ex-senadora rechaçava qualquer tentativa de cerceamento

aos veículos de comunicação independentes, inclusive sobre a criação do Conselho Nacional

de Jornalismo, idéia defendida pelo Partido dos Trabalhadores. Marina manifestara-se a favor

da autoregulação dos meios de comunicação.

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CAPÍTULO 2 – UM CANDIDATO EM CONSTRUÇÃO

Antes de lançar-se candidato presidencial em 2014, Eduardo Campos construiu sua carreira

política tendo como grande referência seu avô e mentor Miguel Arraes, um militante

socialista que gostava de estar em meio ao povo e que fora governador de Pernambuco em

1964, período de deflagração do golpe militar. Na ocasião, os militares havia cercado o

Palácio das Princesas, sede do governo estadual e propuseram a Arraes que renunciasse para

não ser preso. Diante da recusa, o governador foi encarcerado22.

Libertado em maio de 1965, Arraes seguiu para o exílio na Argélia, país africano. Eduardo,

ainda um menino, mantinha contato com seu avô ilustre por meio de cartas. Quanto retornou

ao Brasil em 1979, Arraes retomou a carreira política no Partido do Movimento Democrático

Brasileiro (PMDB), pelo qual tornou-se mais uma vez governador de Pernambuco. Seu neto

Eduardo o acompanhava e tomou gosto pela política. Eduardo Campos foi então deputado

estadual, secretário de Estado de Pernambuco, deputado federal, ministro e também

governador de Pernambuco por duas vezes, até romper sua aliança com os petistas em 2013

para lançar-se candidato à Presidência da República em 2014.

Sua ascensão na carreira política vinha sendo acompanhada pela imprensa há anos. Em nível

nacional, ganhou projeção quando assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia no primeiro

mandato do ex-presidente Lula. Quando eclodiu o escândalo do “mensalão” no governo

petista, Eduardo Campos retornou ao Congresso Nacional para atuar junto aos congressistas,

como integrante da base aliada governista. Tinha um estreito relacionamento com Lula, de

quem seu avô fora um tradicional aliado. Posteriormente, quando assumiu o governo de

Pernambuco pela primeira vez, em 2006, Eduardo Campos deu ênfase em sua gestão à

realização de obras de infra-estrutura e implementou o programa Pacto pela Vida, premiado

pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A carreira política de Eduardo Campos também sofreu percalços, quando viu-se envolvido no

Escândalo dos Precatórios23, relativo à época em que trabalhara como secretário da Fazenda

do governo Arraes. Posteriormente, Eduardo Campos e seu avô foram absolvidos das

acusações.

22 Disponível em http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/o-pais-quer-saber/especial-veja-miguel-arraes-o-

cabra-marcado/ 23 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/02/o-passado-bate-porta.html

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O fato não comprometeu a evolução da carreira do jovem político pernambucano. Em 2009,

figurou entre os 100 brasileiros mais influentes24 segundo a revista Época. Sua gestão no

governo de Pernambuco foi destaque inclusive internacionalmente. Em outubro de 2012,

Eduardo Campos foi tema de matéria da revista inglesa The Economist25 sobre seu perfil de

gerente moderno, embora fosse um político tradicional.

Cerca de um ano depois, em novembro de 2013, novamente a publicação inglesa estampou

uma entrevista26 com Eduardo Campos sobre o tema Brasil Real versus o Brasil Oficial.

A construção da imagem de político promissor, realizador, bem humorado e excelente

contador de histórias estava caminhando bem na imprensa, embora no meio político muitos

que haviam convivido com Campos fizessem ressalvas em relação a sua personalidade.

No livro Eduardo Campos – um perfil, os autores Chico de Gois e Simone Iglesias atestam

que o político era uma pessoa carismática e pragmática, características elogiadas até mesmo

por opositores.

“Era uma pessoa de boa conversa, deixava o interlocutor à vontade quando tinha

interesse em algo que o outro podia lhe oferecer e sabia ouvir e até desarmar espíritos

mais beligerantes. Alguns o classificavam como encantador de serpentes.” (GOIS e

IGLESIAS, 2014, p. 53)

Além de simpático, Eduardo Campos também era reconhecido por outras características.

Muito dedicado à família, também era um “workaholic” que trabalhava sem se importar com

as horas. Segundo ex-colaboradores ouvidos pelos jornalistas Gois e Iglesias, o governador

tinha como hábito fazer reuniões periódicas com os secretários, nas quais se municiava de

vários dados em planilhas para aferir como andava a qualidade do serviço das pastas.

“Se a comparação com algum item demonstrava queda nos índices, ele mesmo

telefonava para o diretor de um hospital público, por exemplo, para saber o motivo e

cobrar melhorias”. (GOIS e IGLESIAS, 2014, p. 55)

24 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI108920-17445,00-

OS+BRASILEIROS+MAIS+INFLUENTES+DE.html 25 Disponível em http://www.economist.com/news/americas/21565227-eduardo-campos-both-modern-manager-

and-old-fashioned-political-boss-his-success 26 Disponível em http://www.economist.com/blogs/americasview/2013/11/interview-eduardo-campos

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O político teria sido o que se costuma chamar de “trator” na administração de seu governo. Se

queria uma coisa, era difícil fazê-lo mudar de opinião.

“Os opositores não tinha meias palavras para (des) qualificá-lo: acusavam-no de

ditador, coronel, teimoso e vingativo. Segundo seus oponentes, Eduardo usava

plenamente de seus poderes para atrair adesões e punir os que a ele se opunham”

(GOIS e IGLESIAS, 2014, p. 71)

Um dos pioneiros do marketing político no Brasil, Gaudêncio Torquato afirma em seu livro

Novo Manual do Marketing Político que o candidato ideal, desejado pela população, precisa

reunir atributos como autoridade, equilíbrio, conhecimento e experiência e, sobretudo, deve

criar uma identidade forte e positiva. E entre os aspectos negativos não recomendáveis?

“Indecisão é um deles, por estar associado à idéia de político fraco, temeroso, tíbio. O

brasileiro continua também desconfiado dos estilos rompantes, impetuosos, viradores

de mesa. É claro que mudanças são desejáveis, contanto que sejam gradativas, sem

grandes sustos (os mais velhos recordam o confisco na era Collor). (TORQUATO,

2014, p. 107)

Torquato também descreve em seu manual alguns tipos políticos clássicos: o tradicional

(candidatos históricos e velhos conhecidos dos eleitores), o obreiro (realizador de obras), o

técnico (que busca se diferenciar pelo conhecimento), o jovem coronelzinho (entronizado pela

herança paternal), o experiente (político voltado para resultados), o continuísta (patrocinado

por estruturas situacionistas), o emotivo-chorão (demagogo, comunicador popular), o

carismático (possui brilho pessoal, impõe respeito) e o “zebra” (que luta contra tudo e contra

todos, um outsider).

Tomando como referência a tipologia proposta por Gaudêncio Torquato, Eduardo Campos

parecia empenhado em projetar a imagem de político tradicional porém inovador, experiente e

voltado para resultados. Já Marina Silva poderia ser percebida como uma líder carismática,

tecnicista (em razão do domínio que possui em relação ao tema ambiental) e ainda como

“zebra”, outsider, pois embora tenha uma carreira política geralmente posiciona-se como uma

crítica do sistema político vigente.

Marina não está sozinha em seu criticismo. Também o político e escritor francês Roger-

Gerard Schwartzenberg considera a política atual semelhante a uma cena teatral. Estaríamos

vivendo o Estado Espetáculo, título de sua obra mais conhecida. Se no passado a política se

fazia com idéias, agora é com as pessoas (ou melhor, com os personagens). Ao político

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caberia tão somente desempenhar um papel, como em um espetáculo teatral. O próprio Estado

teria se transformado em uma “empresa de espetáculos”, tendência essa que apenas confirma

o que já havia apontado Guy Debord ao falar da “´lógica do espetáculo” inerente à sociedade

capitalista.

Para Schwartzenberg, essa política do star system diz respeito sobretudo a ideologia de

direita, constituindo-se em uma das linhas que a separariam da esquerda. O autor considera

que entre os valores de direita incluem-se com frequência o respeito pelas elites, o culto do

“chefe” ou mesmo o culto do “eu”, o gosto pelo sucesso pessoal, o individualismo exacerbado

e até mesmo o egocentrismo, enquanto o campo da esquerda acreditaria fundamentalmente na

igualdade entre os homens e no esforço coletivo.

“Encoberta por tintas e disfarces, por palavras e frases, a política se faz falsificação da

vida e inversão do real. Baseada no pasmo e na basófia, na areia atirada aos olhos, a

vida pública lembra um jogo de espelhos, cujos reflexos se reproduzem

indefinidamente...” (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 324)

O autor também propõe uma tipologia para melhor entender como funciona a política inserida

no “Estado Espetáculo”. Começa pela figura do “herói”, que reina e prospera em quase toda

parte. Aborda também o conceito de “liderança heróica” de Max Weber, intelectual alemão

considerado um dos pais da moderna Sociologia, segundo o qual haveria três tipos de

autoridades: a tradicional (como a do senhor feudal e do monarca), a legal-racional (dos

governantes em um Estado moderno) e a carismática (que englobaria as figuras do profeta,

herói, chefe guerreiro, demagogo). Em contraposição ao herói haveria o “anti-herói”, o

superstar da normalidade, que representaria a autoridade rotineira por excelência.

“É o oposto do aristocrata e do intelectual e também o é do mundano. Leva uma vida

familiar tranquila e simples, porque a simplicidade faz parte de suas virtudes cardeais.

Juntamente com o bom senso, o comedimento e a aplicação” (SCHWARTZENBERG,

1977, p. 54).

Outro tipo seria o “líder charmoso”, que se ajustaria aos mitos de seu tempo, é um realizador,

um príncipe da ambiguidade e da ambivalência: dupla imagem, duplo sentido, jogo duplo. De

quando em quando adotaria um estilo popular, descontraído.

Só raramente o líder charmoso é um self-made man. Geralmente é um herdeiro, filho

de família abastada, poderosa e frequentemente

conservadora.”(SCHWARTZENBERG, 1977, p. 77)

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Já em tempos de crise, segundo Schwartzenberg, o futuro pertenceria aos sexagenários.

Afinal, o “líder charmoso” tende a se desvanecer em presença do pai, que tradicionalmente

legitima o poder.

“O pai representa a ordem coercitiva, o Estado que domina, rege, subjuga. Acalma as

pulsões sem as satisfazer, mas reprimindo-as. É também aquele que propõe o esforço,

a superação dos apetites egoístas, em suma, a sublimação das pulsões não satisfeitas e

contidas” (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 77)

No tocante à liderança feminina Schwartzenberg observa que a mulher política cuida logo de

fazer esquecer sua identidade feminina, tendendo a reproduzir os estereótipos masculinos. Por

essa razão não existiria, portanto, a “líder charmosa”.

“Nada de afirmar a feminilidade como outros alardeiam sua própria sedução viril.

Acusá-la-iam de frívola, de coquete. E por aí vai o sexismo. Restam, portanto, a

heroína, homóloga do herói masculino e a mãe, substituta do pai, como versão

feminina do poder imposto” (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 102)

O modelo materno de autoridade traria uma imagem dupla: a do poder imposto (dominadora e

coercitiva) e a do poder benevolente (maternal heróica), ou seja, a “dama de ferro” e a

“senhora”.

Tomando como referencial Schwartzenberg, poderíamos considerar que na eleição

presidencial de 2014 tínhamos em Eduardo Campos o “líder charmoso” ajustado às

necessidades de seu tempo, enquanto Marina Silva poderia ser percebida como “líder

maternal-heróica”, defensora da causa ambiental (mãe natureza) e de uma “nova política”. É

interessante observar também que Marina tem conseguido preservar sua feminilidade no

exercício do poder, o que pode ser entendido como um diferencial.

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2.1. Eduardo Campos na Veja

Sobretudo a partir de 2012 era possível perceber na imprensa nacional e internacional a

projeção de uma imagem pública mais positiva de Eduardo Campos. Seu partido, o PSB,

vinha sendo bem sucedido desde as eleições municipais de 2008. Em 2010, Campos reelegeu-

se governador de Pernambuco ainda no primeiro turno, com votação expressiva.

Portanto, dois anos antes da eleição presidencial de 2014, o político já passara a chamar a

atenção do campo jornalístico. Em matéria27 publicada por Veja (04/04/2012) em sua versão

online, sob o título A longa travessia para 2014 começa agora, a publicação abordou as

intenções do governador de Pernambuco e do “tucano” Aécio Neves, virtual candidato pelo

PSDB, em relação ao futuro pleito presidencial. O texto informava que Eduardo Campos teria

avisado Lula de que somente em junho iria decidir seu apoio à candidatura do candidato

petista Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo. Até lá, a revista especulava que

Campos estaria aguardando a decisão da Justiça sobre o tempo de TV e fundo partidário que

Gilberto Kassab, do PSD, poderia conseguir, já que Campos fora parceiro de Kassab na

criação daquele partido. Portanto, o apoio irrestrito aos petistas não estava decidido.

Quatro meses depois, Veja (01/08/2012) publicou matéria28 intitulada Não seremos um

satélite do PT, na qual Eduardo Campos defendia uma maior autonomia para seu partido,

justificando assim o rompimento com os petistas em cidades como Recife, Fortaleza e Belo

Horizonte. A iniciativa fora vista como um indício do fortalecimento da legenda e do próprio

candidato, com vistas à eleição presidencial de 2014. “Sempre respeitamos muito o PT, mas

temos nossa identidade, opiniões e divergências”, teria dito Campos.

Ao final do mês, outra matéria29 de Veja (24/08/2012) registrou a movimentação de Campos

por diversas cidades do país, para apoiar candidatos de seu partido. O gesto foi interpretado

como uma confirmação de suas ambições de concorrer à Presidência da República em 2014.

Segundo a publicação, Lula estaria preocupado com a aproximação entre Campos e Aécio

27 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-longa-travessia-ate-2014-comeca-agora 28 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/nao-seremos-um-satelite-do-pt-afirma-eduardo-campos/ 29 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/eduardo-campos-mira-presidencia-em-2014-e-irrita-o-pt/

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Neves. O ex-presidente teria dito que Eduardo Campos estava ocupando “um vácuo de poder

que existe na oposição”.

Dois meses depois, o resultado do apoio de Eduardo Campos aos colegas de partido surtiu

efeito. Veja (07/10/2012) noticiou que Geraldo Júlio, o candidato do governador à prefeitura

do Recife (PE), vencera por ampla margem de votos (51,4%) sobre o segundo colocado, o

“tucano” Daniel Coelho, deixando o candidato petista Humberto Costa em terceiro lugar. A

matéria30 Eduardo Campos emplaca Geraldo Julio e derrota Lula trazia a informação de que

o ex-presidente Lula havia imposto o nome de Costa, porém não participara ativamente de sua

campanha na capital pernambucana já que havia priorizado o apoio ao ex-ministro Fernando

Haddad em São Paulo. Como resultado, Costa terminou a campanha com 17,3%. Uma derrota

para Lula e seu candidato.

O ano de 2013 começava com o Partido dos Trabalhadores empenhado em atrapalhar os

planos de Eduardo Campos de fortalecer seu partido, o PSB. Veja (18/01/2013) publicou a

matéria31 PT tenta conter o avanço de Eduardo Campos no Nordeste, na qual afirmava que a

presidente Dilma Rousseff iria intensificar suas visitas à região, tradicional reduto do PT, a

fim de pavimentar o caminho para a sua reeleição. “A direção do PT avalia que é preciso

começar agora a preparar o terreno para 2014, quando poderá se dar um embate entre Dilma e

Campos, um dos governadores mais bem avaliados do País”, alertava a publicação.

Dois meses depois, Veja (13/03/2013) noticiou na matéria32 Campos se aproxima de Serra e

inquieta Aécio e PT que o governador de Pernambuco vinha mantendo contato com o

“tucano” José Serra, que estaria incomodado com a perda de espaço político para Aécio

Neves dentro do PSDB. Ao saber do encontro Aécio teria ficado “estupefato”. De acordo com

afirmação feita por um auxiliar de Campos, "para os tucanos, é bom que ele (Campos) se

candidate. Para ele, é bom flertar com o PSDB".

30 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/aliado-historico-do-pt-campos-emplaca-geraldo-julio-e-

derrota-lula-no-recife/ 31 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/pt-tenta-conter-avanco-de-eduardo-campos-no-nordeste/ 32 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/campos-se-aproxima-de-serra-e-inquieta-aecio-e-pt/

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Em maio, o Partido dos Trabalhadores começou a reagir à movimentação política de Eduardo

Campos. Em matéria33 publicada em Veja (20/05/2013), intitulada Governo constrange PSB,

o líder da bancada do PSB na Câmara dos Deputados, Beto Albuquerque, denunciava as

manobras feitas pelo governo petista no contingenciamento de verbas para os prefeitos e

governadores pessebistas. O texto revelava também que alguns “caciques” do PSB pareciam

incomodados com as pretensões de Eduardo Campos, porém Beto Albuquerque argumentara

que essa não era a opinião da maioria dos correligionários. "O PSB não é um partido que

decide por cúpula ou por capa preta. O PSB tem base política e social, 90% do partido deseja

ter um candidato".

No mês seguinte, Veja (15/06/2013) publicou reportagem34 intitulada Espionagem no Porto

de Suape, na qual denunciava que quatro agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)

teriam sido presos, disfarçados de portuários, sob suspeita de espionar o governador

pernambucano Eduardo Campos. O PT estaria considerando Campos um estorvo à reeleição

de Dilma, pela capacidade de dividir com ela os votos dos eleitores do Nordeste, região que

foi fundamental para assegurar a vitória da presidente na eleição de 2010. A publicação

afirmava que “mais que portuários insurgentes, os agentes da Abin pretendiam mapear

eventuais relações espúrias entre Campos e o setor privado. Os agentes detidos faziam

perguntas específicas sobre o governador.”

Segundo Veja, poucos teriam tomado conhecimento da história, pois Campos não queria

alardear o fato para não “atritar” ainda mais a relação com o PT. Mas houveram

desdobramentos. "Tive de prender quatro agentes da Abin que estavam me monitorando",

revelou Eduardo Campos. E ainda desabafou: "Isso é coisa de quem não gosta de democracia,

de um governo policialesco", teria dito o governador.

O episódio no Porto de Suape parece ter sido a “gota d´água” para desgastar a relação antes

amistosa entre o governador de Pernambuco e o Partido dos Trabalhadores. Um mês depois,

em setembro de 2013, Eduardo Campos viria a oficializar o desligamento de seu partido da

base aliada de sustentação do governo Dilma Rousseff. E em outubro de 2013, Eduardo

33 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/governo-constrange-psb-para-enfraquecer-campos-diz-

lider-na-camara/ 34 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/espionagem-no-porto/

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Campos se uniria a sociambientalista Marina Silva em uma aliança para disputar a Presidência

da República.

Nota-se que Veja passara a acompanhar a partir de 2012 os movimentos políticos do

governador Eduardo Campos, pois já naquela oportunidade havia rumores de que ele poderia

vir a ser candidato presidencial em 2014. O perfil que vinha sendo construído nas várias

edições fora a de um político astuto, articulador, que se movimentava no campo político em

busca de alianças para fortalecer seu partido e seu próprio capital político.

“Uma narrativa jornalística apropriada da realidade política, que sempre será

invariavelmente seletiva e dramatizada, precisa, entretanto, representar de algum

modo os aspectos relevantes da lógica da política, dos acontecimentos que ela relata.

Este é um requisito básico para que ela seja apropriada” (MEYER e HINCHMAN,

2008, pgs. 36/37)

Ao acompanhar as edições de Veja é possível perceber Eduardo Campos afastando-se

gradativamente do Partido dos Trabalhadores e aproximando-se dos opositores “tucanos” e de

Gilberto Kassab, presidente do Partido Social Democrático (PSD). Do contingenciamento de

verbas à espionagem no Porto de Suape, o que se viu foi a deterioração da aliança entre

petistas e pessebistas.

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2.2. Eduardo Campos na Época

A revista Época (Grupo Globo) também começou a voltar suas atenções para Eduardo

Campos a partir de 2012, diante a probabilidade do mesmo vir a se tornar candidato

presidencial em 2014. Afinal, sua concorrente direta, a revista Veja, fazia o mesmo.

A primeira matéria35 publicada na versão online de Época (03/02/2012), intitulada O Passado

Bate à Porta, abordou a punição imposta à Eduardo Campos por uma suposta fraude no

sistema financeiro, cometida nos anos 90 e que, segundo a publicação, seria uma “nódoa que

poderia atrapalhar seus planos políticos”. O processo teria tramitado desde 2001 e teria sido

julgado em 2009 pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, implicando na

condenação de Eduardo Campos, que fora presidente do Conselho de Administração do

Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe) e de dois ex-diretores, que não mais poderiam

exercer cargos de direção na administração de instituições fiscalizadas pelo Banco Central. O

texto lembrava ainda que no início de sua carreira política Campos tivera de se defender em

uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso Nacional no “Escândalo dos

Precatórios”. Por outro lado a matéria destacava que Eduardo Campos era cortejado tanto pelo

PT quanto pelo PSDB e também era visto como uma “terceira via”, em uma eventual aliança

com o PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Ao final do ano, Época (22/12/2012) entrevistou Eduardo Campos sobre suas intenções em

concorrer no próximo pleito presidencial. Na matéria intitulada Eduardo Campos: estarei com

Dilma em 201436, o pessebista não apenas negou a intenção de candidatar-se como afirmou

que, apesar de ser amigo do “tucano” Aécio Neves, não apoiaria o PSDB nas próximas

eleições. Disse ainda que aquele era o momento de ajudar a presidente Dilma Rousseff a

“ganhar” 2013, pois assim ela triunfaria em 2014. “Não é hora de adesismos baratos, nem de

arroubos de oposicionismos oportunistas”, teria dito.

35 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/02/o-passado-bate-porta.html 36 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2012/12/eduardo-campos-estarei-com-dilma-em-

2014.html

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Apenas dois meses depois, Eduardo Campos foi matéria37 de capa (próxima página) da revista

Época (07/02/2013), sob o título Quem tem medo de Eduardo Campos? A revista o retratava

como um “recordista de popularidade, protagonista da política nacional e nome incontornável

nas conversas sobre sucessão presidencial”. O teor do texto traçava um perfil de político

“sedutor”, que via preconceito em quem o chamava de “coronel”. “Isso só acontece quando

alguém nasce por aqui. Nunca vi um rótulo desses num político carioca, paulista ou mineiro.

Então lamento, porque é uma coisa desqualificando. Que maneira tenho de botar ordem aqui?

É um coronel? Tá bom, fazer o quê?, reagira o entrevistado.

Época afirmava que em razão de sua popularidade era impossível discutir sucessão

presidencial sem que seu nome viesse à tona, como se quisesse justificar o espaço editorial

que estava concedendo a Eduardo Campos. A publicação dava a entender que o político

mantinha o “pé em duas canoas”. Lula estaria disposto a costurar sua candidatura a vice de

Dilma Rousseff em 2014, mas Campos havia “humilhado o PT” ao lançar candidato do seu

partido para a prefeitura de Recife e vencer. Ficara mais difícil. De acordo com a publicação,

era desejo de Lula e Dilma mantê-lo na canoa para, quem sabe, um vôo solo em 2018. Ser

ministro de Dilma reeleita, em uma pasta de visibilidade, era também uma possibilidade.

37 Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2013/02/quem-tem-medo-de-eduardo-

campos.html

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Época (07/02/2013)

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No período de um ano, a mudança de enfoque dado à figura de Eduardo Campos por Época é

significativa. No início de 2012, a revista chamara a atenção para os escândalos envolvendo

seu nome, quando o político trabalhara com seu avô Miguel Arraes e também no caso

Bandepe. Meses depois, entrevistou o então governador de Pernambuco para confirmar se o

mesmo seria candidato presidencial, o que Campos negou, reiterando seu compromisso com a

presidente Dilma Rousseff. Já em fevereiro de 2013 Época publicou matéria de capa com o

político, na qual traçou o perfil de um “recordista em popularidade” que seria nome certo nas

conversas sobre sucessão presidencial. Também destacou o incômodo de Campos com o fato

de ser chamado de “coronel” por desafetos.

É possível perceber, mais uma vez, que o campo jornalístico tende a movimentar-se

ativamente a partir do momento em que entende que um personagem político tem potencial

para tornar-se candidato, contribuindo dessa forma para a construção e/ou desconstrução das

candidaturas antes mesmo até que essas candidaturas sejam chanceladas por seus partidos. Ao

publicar e interpretar as pesquisas eleitorais, com o objetivo de mapear as tendências, as

revistas também contribuem para construir uma imagem, positiva ou negativa, do ator

político.

Pode-se observar também que embora disputassem o mesmo tipo de eleitor, Veja posicionava-

se de forma mais favorável aos candidatos oposicionistas Eduardo Campos e Aécio Neves. Já

Época buscava contextualizar o cenário político e foi, ao menos inicialmente, mais crítica à

figura de Eduardo Campos por conta de seu posicionamento ambíguo, “com os pés em duas

canoas”.

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CAPITULO 3 – A ALIANÇA ENTRE EDUARDO E MARINA

Aliado do ex-presidente Lula, de quem fora Ministro das Ciências e Tecnologia entre 2004 e

2005, o pessebista Eduardo Campos e seus correligionários detinham cargos importantes no

Ministério da Integração Nacional e na Secretaria dos Portos no governo Dilma. O líder do

Partido Socialista Brasileiro (PSB) desde a morte do avô Miguel Arraes era um político em

ascensão, assim como seu partido. Em 2010, fora reeleito governador de Pernambuco ainda

no primeiro turno, com 82,83% da preferência do eleitorado, concorrendo com Jarbas

Vasconcelos (PMDB), que recebeu apenas 14,05% dos votos válidos38.

Dois anos depois, nas eleições municipais de 2012, o PSB já conquistara 442 cidades em todo

o país, ou seja, 7,94% dos municípios39, conforme noticiado no Blog do Fernando Rodrigues,

pelo UOL Notícias. Desde então, havia forte especulação no meio político de que Campos

tentaria vôo solo já em 2014, rumo ao Planalto. Após as manifestações de junho de 2013, sob

o argumento de que o governo Dilma não compreendera o “recado das ruas”, Campos decidiu

oficializar em 18 de setembro de 2013 a saída do PSB da base aliada. Os campos político e

jornalístico imediatamente viram nesse gesto a confirmação de que era apenas uma questão de

tempo a oficialização de sua pré-candidatura à Presidência da República.

Paralelamente, a ex-petista Marina Silva, que entre 2003 e 2008 fora ministra do Meio

Ambiente no governo Lula, viu o registro de seu partido, Rede Sustentabilidade, ser negado

pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Horas depois, Marina procurou Campos e decidiu

filiar-se ao PSB, surpreendendo o mundo político. Estava selada a inusitada aliança entre o

pragmático Eduardo e a “sonhática” Marina, que viria a embaralhar as cartas do jogo eleitoral.

Conforme noticiado no Blog do Josias40*, publicado no portal UOL, Eduardo Campos tentara

avisar o ex-presidente Lula sobre o acordo, com o aval de Marina, mas não conseguira. Ao

tomar conhecimento do fato, Lula teria dito: “Isso é um soco no fígado”.

38 Disponível em http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/apuracao-1-turno/pe/index.html 39 Disponível em http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2012/10/28/pmdb-e-o-partido-que-mais-elegeu-

prefeitos-em-2012/ 40 Disponível em http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/10/05/lula-sobre-elo-marina-campos-soco-no-

figado/

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3.1. – A parceria no enfoque de Veja

Três dias antes de Marina buscar a aliança com Campos, a revista Veja já afirmava na edição

de número 2341 (02/10/2013) que a eleição presidencial de 2014 não iria resumir-se a uma

previsível disputa entre petistas e tucanos.

Na chamada de capa A briga vai ser a melhor em mais de 20 anos (próxima página) estavam

as fotos dos potenciais pré-candidatos Dilma Rousseff, Marina Silva, Aécio Neves e Eduardo

Campos. A matéria intitulada Um cenário diferente lembrava que José Serra também poderia

entrar na disputa e que aquela seria uma semana decisiva para Serra e Marina, já que ambos

precisariam sinalizar quais seriam seus planos em razão do fim do prazo para filiação dos que

pretendiam candidatar-se em 2014, que se encerrava em 5 de outubro de 2013. Serra perdera

espaço como pré-candidato do PSDB para Aécio Neves e cogitava-se a hipótese de que Serra

poderia até mesmo deixar o partido – o que acabou não acontecendo, já que o político

candidatou-se ao Senado por São Paulo e conquistou a vaga.

Ainda tentando obter o registro de seu partido junto ao TSE, o grupo político de Marina

divergia sobre o caminho a ser trilhado, caso a Rede não saísse do papel. Uma ala defendia a

idéia de que ela não se filiasse a outra sigla, outros que Marina deveria entrar em um partido

qualquer e, portanto, no páreo da sucessão. A revista destacou uma frase dita por ela: “Será

um escândalo se a Rede não for avalizada, depois da criação do PROS e do Solidariedade.”

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Veja – edição 2341 (02/10/2013)

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Na edição 2342 (09/10/2013) de Veja (próxima página) a revista repercutiu a negativa do TSE

em validar o Rede Sustentabilidade. A chamada de capa A Escolha de Marina (canto superior

direito) remetia à matéria, que destacava o dilema da socioambientalista: manter intocáveis os

seus princípios ou ceder ao pragmatismo? Em destaque, uma frase de Marina: “Nem direita

nem esquerda, estamos à frente”.

A publicação nominava seus aliados: entre os “sonháticos” estavam André Lima e Maria

Alice Setubal, esta última uma das herdeiras do Banco Itáu. Os “sonháticos” argumentavam

que Marina iria perder toda a credibilidade se trocasse seu sonho pelo pragmatismo político.

Do outro lado, defendendo sua filiação e candidatura por outro partido, estavam os políticos

Walter Feldman e Alfredo Sirkis. “Não dá para esperar 2018, sua chance é agora. É loucura

jogar 20 milhões de votos no lixo”, argumentava Sirkis, referindo-se ao capital político

conquistado por Marina na eleição presidencial de 2010. Ainda de acordo com o texto,

somente em fevereiro de 2013 o grupo de Marina começara a coletar as assinaturas para criar

a Rede, depois de passar dois anos e meio desde a eleição de 2010 “brigando” com o Partido

Verde e debatendo se deveria construir um novo partido ou se incorporar a alguma legenda já

existente. O texto destacava outra declaração de Marina: “Política não é só eleição. Quem diz

isso pode ser chamado de ingênuo ou mal intencionado... Não podemos aceitar a redução do

debate aos termos da disputa de votos, assim como não podemos medir o desempenho de um

governo apenas pelos seus índices de popularidade.”

De acordo com Veja qualquer decisão que Marina tomasse na ocasião teria impacto decisivo

na eleição presidencial. No contexto da matéria, a frase “se mantiver a candidatura dará a

largada como a grande rival da presidente Dilma Rousseff” não deixava margem à dúvidas:

Veja estava engajada no processo eleitoral e esperava que Marina fizesse o mesmo.

É possível observar nesse episódio o tensionamento presente entre a lógica da mídia e a lógica

da política, sob a ótica da “democracia midiática”.

O âmago da política é a lentidão de seus processos e seu resultado sempre incerto,

para o qual a mídia não tem nenhuma inclinação. Ou a mídia reduz a política a alguns

momentos de tensão que supostamente revelariam alguma novidade ou ela a ignora

completamente, exceto em alguma rara reportagem em mídia de pequena circulação,

destinada a um público mais exigente. (MEYER e HINCHMAN, 2008, pg. 79)

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Veja – edição 2342 (09/10/2013)

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Já a edição 2343 (16/10/2013) de Veja não trazia qualquer chamada de capa referente à

eleição de 2014. Os assuntos em destaque eram o “mensalão” e a tentativa da Polícia Federal

de rastrear as contas no Exterior, que teriam irrigado a campanha do PT em 2002. A matéria

Unidos contra o PT mostrava imagens de Eduardo e Marina sorrindo e lembrava que ambos

tinham a intenção de superar divergências. Eduardo era definido como um “liberal nos

costumes”, por conta da postura adotada quando era ministro da Ciência e Tecnologia no

governo Lula, comandando a aprovação de pesquisas com célula-tronco e defendendo a

liberação do aborto nos casos já previstos em lei. Campos também mostrara-se um defensor

do agronegócio e havia sido criticado por ambientalistas em virtude da construção do porto de

Suape (PE), que rendera R$ 2,5 milhões em multas ao seu governo, por danos aos

manguezais. Já Marina era retratada como “conservadora nos costumes”, fiel da Assembléia

de Deus, contrária às pesquisas com célula tronco e a qualquer tipo de aborto.

Na breve entrevista com Campos, sob o título Chega de PT x PSDB, o político revelou que a

união com Marina não era uma aliança entre iguais, mas de dois projetos distintos que por

contingência haviam se unido. Lembrou ainda que sua candidatura já estava posta quando

Marina veio “adensar o projeto”.

Em outra entrevista, a de Marina Silva, Veja enfatizou a frase Não Ajo por Vingança,

destacando que segundo a socioambientalista a aliança não era contra ninguém, mas a favor

da política. Marina afirmara também que a defesa dos direitos dos índios, da reforma agrária e

do meio ambiente eram valores essenciais para ela, complementando: “Só uma terceira força

poderá mudar o País”.

Foi possível observar nas edições de Veja que abordaram a aliança entre Eduardo Campos e

Marina Silva que era atribuída à socioambientalista um peso importante no pleito, apesar de

seus dilemas. O teor jornalístico das matérias sublinhava os percalços da candidata, desde

uma eventual demora na coleta das assinaturas pela Rede Sustentabilidade ao suposto boicote

dos cartórios eleitorais da região do ABC, reduto petista, destacando ainda a divisão que

existia no grupo de apoiadores.

A publicação também comparou e sublinhou as diferenças entre os dois políticos. Eduardo

seria um “liberal nos costumes” e Marina uma “conservadora nos costumes”, que estavam

“unidos contra o PT” não por vingança, mas em prol de uma “terceira força para mudar o

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Brasil”. Pode-se perceber nesses enunciados a intencionalidade da publicação em valorizar a

aliança política que se apresentava como alternativa ao PT e ao PSDB. Cabe a pergunta: Veja

era favorável a uma “terceira via” ou simplesmente celebrava o potencial de mais uma

candidatura oposicionista, além daquela de Aécio Neves? Frente ao seu posicionamento

geralmente contrário ao PT, a segunda hipótese pareceu-nos a mais plausível.

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3.2. – A aliança sob a ótica de Época

A edição online de Época (05/10/2013) deu destaque para o evento de filiação de Marina

Silva ao PSB de Eduardo Campos, realizado no auditório do Hotel Nacional, em Brasília. No

texto41, ambos apareciam sorrindo, de mãos dadas (próxima página). Marina fez questão de

enfatizar que a aliança era programática, não pragmática: "A filiação é simbólica. Continuarei

a ser porta-voz da Rede Sustentabilidade”.

Já para Eduardo a parceria significava a quebra da "falsa polarização” entre PT e PSDB. "Os

que pensavam que o julgamento num tribunal mataria a Rede, vêem ela se agigantar",

afirmou, referindo-se à decisão do TSE que impedira o registro do partido de Marina. O

candidato ainda declarou que a aliança era uma decisão que estava além da preocupação

eleitoral e que o diálogo com Marina fora "uma das maiores lições de vida, em conversas

muito tranquilas e profundas".

Ambos esforçavam-se em demonstrar que a parceria não era um “casamento de

conveniência”, mas sim um acordo baseado em um projeto político para o Brasil, que viria a

ser discutido e formulado em conjunto com a sociedade.

41 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2013/10/bmarina-silvab-se-filia-ao-psb-partido-do-

governador-eduardo-campos.html

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Já a edição 803 (14/10/2013) da revista Época trouxe Eduardo e Marina na capa (próxima

página), sorridentes. Eram Dois contra Dilma. No texto, a parceria foi definida como “a mais

espetacular e improvável aliança eleitoral desde a redemocratização do Brasil”. Segundo

Época, Campos podia ser o candidato, mas a estrela era Marina. Era como se houvessem dois

candidatos para uma só candidatura.

A revista definia o acordo como um “bicho político inclassificável” que, caso vingasse,

mudaria o jogo eleitoral no país, pois poderia impedir a disputa bipolar PT/PSDB que marcara

as últimas cinco eleições presidenciais. A força política da “frágil figura” de Marina, com

tailleur preto, detentora de quase 20 milhões de votos na eleição presidencial de 2010, cujo

carisma era impossível de medir em números, era destaque. A esse carisma se somaria o

aparato político de Eduardo Campos, líder político de um partido em ascensão, cujo “frescor

da juventude e simpatia dos olhos verdes” davam corpo a uma candidatura ambiciosa,

construída minuciosamente para derrotar o PT de Lula e Dilma. “Separados, os dois pareciam

não ter chances reais. Juntos, poderiam sonhar”. Época parecia estar engajada na campanha

política e entusiasmada com a nova dupla.

Ainda de acordo com o texto, Marina sentia-se claramente vítima do partido que a acolhera

por quase três décadas. Ela teria atribuído a manobras do PT o fato de, dois dias antes, não ter

conseguido o registro eleitoral para seu partido. Marina teria dito: “Estamos iniciando um

processo para fazer um realinhamento histórico e sepultar a Velha República”.

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Época – edição 803 (14/10/2013)

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Na mesma edição 803 havia uma entrevista com Eduardo Campos, intitulada O povo dirá se o

ciclo do PT acabou, na qual o candidato afirmava que ambos iriam trabalhar o conteúdo da

aliança por meio do diálogo com a sociedade civil, movimentos sociais e meio acadêmico. “A

aliança programática do PSB com a Rede é um fato que ajuda a oxigenar a política, a fazer o

debate de conteúdo. É a favor da boa política.”

Eduardo Campos era líder de um partido defensor do socialismo. O que pensaria sobre o

capitalismo? Seria possível haver capitalismo dentro do socialismo do PSB? O pré-candidato

presidencial respondeu que sim e ainda acrescentou que a proposta era juntar boas idéias e

boas pessoas, deixando de lado preconceitos contra setores. Eduardo apresentava-se à

imprensa como um candidato conciliador, sem radicalismos, que acreditava que a inovação

deveria se tornar um conceito sistêmico para o governo. Questionado sobre nepotismo, já que

parentes seus trabalharam para o governo de Pernambuco quando ele era o governador, o pré-

candidato argumentou que não podia demitir quem era servidor público e fora aprovado em

concurso.

O otimismo de Eduardo Campos não parecia ser afetado mesmo quando questionado sobre o

tempo reduzido de TV reservado à coligação Unidos pelo Brasil, no Horário Gratuito de

Propaganda Eleitoral (HGPE). Ele parecia convencido de que saberia aproveitar bem os

minutos disponíveis. “Estamos oferecendo um caminho diferente, fora dos arranjos

tradicionais, para colocar em debate. Isso animará quem está desanimado com a política”.

Em 19 de outubro de 2013, Época destacava na coluna42 do jornalista Felipe Patury o

potencial da aliança de Eduardo Campos com Marina. Duas mil pessoas haviam sido

consultadas por telefone pelo instituto de pesquisa do sociólogo Antonio Lavareda. Mais da

metade dos entrevistados (52%) teria visto de forma positiva o acordo entre os dois políticos.

Dos entrevistados, 66% afirmaram ter tomado conhecimento do ingresso de Marina Silva e do

Rede Sustentabilidade no PSB. A união havia sido aprovada por 45% contra 18%. Para 24%,

as chances de Eduardo Campos tinha crescido muito e para 28%, pouco. Juntos, os grupos

42 Disponível em http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/felipe-patury/noticia/2013/10/para-52-bchances-de-

eduardo-campos-subiramb.html

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somavam 52%. Para 20% as chances de Campos não se alterariam, para 10% até diminuiriam,

enquanto 18% dos entrevistados prefeririam não opinar.

Ao mesmo tempo em que parecia celebrar a aliança, Época questionava as possibilidades de

sucesso da dupla, sobretudo no que se referia a Marina Silva. “As hesitações de Marina, que

parece oscilar constantemente entre diferentes cursos de ação, aliadas a sua fraseologia

política que beira o incompreensível, fazem do bicho que nasce um enigma.”

Segundo o texto, os estrategistas do Planalto estariam preocupados com o “Suplicy da

Floresta”, embora acreditassem que a transferência de votos de Marina para Eduardo Campos

não se daria tão rápido. Ainda assim, a ordem teria sido “começar a bater” para sufocar o

crescimento da dupla.

Ao retratar a aliança entre Eduardo e Marina, a revista Época adotou uma abordagem

ambígua: primeiro, definiu a parceria como uma “união espetacular e improvável”, mais tarde

como um “bicho político inclassificável”. Antes estrela, Marina passou depois a ser rotulada

de “hesitante”, detentora de uma “fraseologia política incompreensível”. Já em relação a

Eduardo Campos a publicação parecia menos crítica, destacando seu caráter flexível, aberto,

conciliador, de representante de uma esquerda que admitia o “capitalismo dentro do

socialismo”, que não tinha preconceitos contra setores e que buscava apoiar-se em “boas

idéias e boas pessoas”.

Comparando-se o enfoque concedido à aliança pelas duas publicações, foi possível perceber

em Veja certa tendência em valorizar Marina Silva, enquanto Época parecia mais interessada

em apresentar Eduardo Campos como uma boa alternativa para os eleitores. Ambas

certamente consideravam a possibilidade, no médio prazo, de haver uma inversão na chapa, o

que poderia justificar uma abordagem mais ambígua e cautelosa em relação aos dois políticos,

já que a fase ainda era de consolidação da candidatura.

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CAPÍTULO 4 – CAMPANHA E MORTE DE EDUARDO CAMPOS

A fase de pré-campanha eleitoral para Eduardo Campos começou logo após a aliança com

Marina Silva, em 5 de outubro de 2013. Duas semanas depois, Veja passou a adotar um tom

mais crítico em sua edição 2344 (23/10/2013), na matéria intitulada A política menor, na qual

previa que a “velha política ou a política velha” continuaria permeando a eleição de 2014,

apesar das palavras de ordem em contrário. Como exemplo, citava o fato da presidente Dilma

Rousseff ter entregue à população na Bahia “casas sem água e luz”, enquanto o presidenciável

Eduardo Campos havia inaugurado uma escola que começara a funcionar meses antes. O

texto enfatizava que atos assim já faziam parte da tradição política brasileira e eram uma

marca do ex-presidente Lula, do qual ambos, Dilma Rousseff e Eduardo Campos, haviam sido

ministros. Já em relação à Marina Silva a publicação adotava um tom mais elogioso,

definindo-a como “porta-bandeira da nova política” e crítica feroz do fisiologismo.

Dois meses depois Veja registrou em sua edição 2353 (25/12/2013) que a candidatura do

“tucano” Aécio Neves parecia ser irreversível e que se viesse a se tornar competitiva

conquistaria “a adesão dos mercados e iria se mostrar a opção mais segura para recuperar a

confiança dos investidores na economia”. O texto observava também que só metade dos

brasileiros conheciam Aécio. Era possível observar que Veja adotara um tom mais favorável

ao candidato “tucano”, tornando-se por consequência mais crítica à Eduardo Campos, seu

oponente.

Nesse período, as pesquisas eleitorais apontavam a presidente Dilma Rousseff muito à frente

na preferência do eleitorado, com 47% contra 19% de Aécio Neves e 11% de Eduardo

Campos. A matéria informava que Eduardo Campos e Dilma Rousseff haviam dividido o

palanque pela primeira vez após o rompimento. O tom do pessebista fora de conciliação –

afinal, ele ainda era governador de Pernambuco. A publicação parecia querer justificar sua

atitude quando mencionou no texto que “é difícil brigar com um governo com marcas

populares como o Bolsa Família e o Mais Médicos”. Ainda de acordo com a publicação,

acertar o tom do discurso de oposição seria um problema comum tanto para Eduardo Campos

quanto para Aécio Neves, “agora livre da sombra de Serra”.

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O ano eleitoral de 2014 se iniciava com Veja publicando em sua edição 2355 (08/01/2014)

uma matéria intitulada É um papo muito cabeça, na qual destacara a retórica otimista que não

combinava com a realidade adotada pela presidente Dilma Rousseff, bem como as críticas que

a mandatária vinha recebendo de seus oponentes, que a acusavam de “vender ao distinto

público eleitor um país de faz de conta”. Eduardo Campos comentara: “Temos problemas

macroeconômicos que precisam ser enfrentados. Há três anos seguidos a América Latina tem

crescido 40%, 50% em média a mais que o Brasil. Temos a inflação de volta batendo na porta

dos brasileiros.”

Na edição 2356 (15/01/2014), outra matéria registrava que Eduardo Campos descobrira a

“dureza de ser ex-aliado do PT”. Intitulada A guerra está só no início, o texto mencionava que

o pré-candidato começara a enfrentar a “fúria da falconaria” petista. Se em 2010 Lula

chamara Campos de “um companheiro, um diamante que não se encontra em qualquer lugar”,

em 2014 a página do PT na rede social Facebook definira Eduardo Campos como um “tolo,

playboy mimado que vendeu a alma para a oposição”. Para Veja o artigo do PT expusera o

que havia de mais íntimo no “caráter do petismo”, acostumado a “caluniar, difamar e

perseguir os inimigos”, lembrando que a maior preocupação dos petistas era uma aliança entre

Eduardo e Aécio em um segundo turno. O PT também acusava Eduardo Campos de ter

construído sua carreira política às custas do partido e de Lula. Segundo a matéria, Campos

teria dito que os petistas estavam “desesperados”, reagindo ao ataque com o seguinte

comentário: “Sigo firme no debate de alto nível sobre o Brasil. O resto a gente ignora. Porque,

enquanto os cães ladram, a caravana passa.”

Em outro trecho da matéria Veja destacava a reação do Ministério Público Federal em

Pernambuco ao cobrar explicações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do Gabinete

de Segurança Institucional (GSI) e da própria Polícia Federal (PF) sobre a ação de

“arapongas” detidos enquanto espionavam o Porto de Suape, em Pernambuco, Estado

governado por Eduardo Campos.

Em abril, na edição 2371 (30/04/2014), Veja afirmava que o “cabo de guerra entre lulistas e

dilmistas” poderia comprometer a reeleição de Dilma Rousseff. Como justificativa,

argumentava que nas últimas seis eleições presidenciais duas “viradas” haviam acontecido. A

primeira fora em 1994, entre Lula e o “tucano” Fernando Henrique Cardoso, quando FHC

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elegeu-se presidente no segundo turno por 54,28% contra 27,04%. Já em 2010 fora a vez do

PT dar o troco, com Dilma vencendo o candidato José Serra, do PSDB, por 56,05% a 43,95%.

Segundo Veja, era relevante o potencial de crescimento dos adversários de Dilma em 2014.

Seis meses antes do pleito, apenas 60% haviam ouvido falar do “tucano” Aécio Neves e 75%

sequer sabiam que Eduardo Campos concorria à Presidência da República.

Outra matéria de destaque em Veja na edição 2382 (16/07/2014), após a derrota da seleção

brasileira de futebol na Copa do Mundo, chamava a atenção para os efeitos do Mineiraço na

reeleição de Dilma Rousseff. Tratava-se da maior goleada registrada em uma semifinal, em

vinte edições de Copa do Mundo. Segundo a publicação, os alemães teriam “atrapalhado o

projeto de poder do PT” justamente em um momento em que o instituto de pesquisa

Datafolha43 detectava uma recuperação do índice de popularidade de Dilma, de 34% para

38%. Já Aécio tinha 20% das intenções de voto e Eduardo Campos 9%.

A matéria também destacava a reação dos oponentes de Dilma ao fracasso da seleção

brasileira de futebol. Enquanto Aécio criticava a postura da presidente ao dizer que “quem vai

pagar o preço são aqueles que tentaram se apropriar de um evento que é de todos os

brasileiros”, Eduardo Campos era mais sutil, afirmando que “o futebol, como muitas coisas no

Brasil, precisa se renovar”.

Finda a Copa do Mundo, Eduardo e Marina continuavam empenhados em conquistar os

eleitores. Veja (22/07/2014) noticiou44 que ambos passaram a percorrer inclusive “redutos

tucanos” em São Paulo e Minas Gerais. Para o candidato, ainda havia um alto grau de

desconhecimento da candidatura por parte do eleitorado. “Poucos sabem que Marina é nossa

vice, poucos sabem das nossas propostas...”, argumentava Campos.

Em linhas gerais, Veja manifestava desde o início do ano eleitoral uma tendência claramente

favorável à candidatura de Aécio Neves e simpática à de Eduardo Campos, ambos oponentes

da presidente Dilma Rousseff.

43 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/07/1480340-em-mes-marcado-por-copa-dilma-

recupera-preferencia-de-eleitores.shtml 44 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/campos-e-marina-investem-em-redutos-tucanos

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Época, por sua vez, destacou em notícia45 publicada no site em 29 de janeiro de 2014 o

nascimento de Miguel, filho de Eduardo Campos, cujo nome fora escolhido para homenagear

seu bisavô, Miguel Arraes. Tratava-se do quinto filho de Eduardo com Renata Campos, sua

namorada desde a adolescência. Na rede social Facebook, o candidato publicou: “Miguel,

entre outras características que o fazem muito especial, chegou com a Síndrome de Down.

Seja bem-vindo, querido Miguel”, publicando-se ainda uma foto (próxima página) da família

na maternidade.

45 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/01/beduardo-camposb-revela-em-rede-social-que-

o-filho-tem-sindrome-de-down.html

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Época (29/01/2014)

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Outra matéria46 de Época (04/02/2014) mencionava que Eduardo Campos elevara o tom das

críticas ao governo Dilma. Respondendo aos ataques que recebera na página do PT na rede

social Facebook, quando foi chamado de “playboy mimado” e “tolo”, o presidenciável do

PSB argumentara: “Nossa militância não vai às ruas atacar ninguém”. O político também

dissera que seu partido tinha uma posição à esquerda do governo petista.

Já em outra reportagem47 publicada por Época (14/04/2014) Marina teria confirmado que

seria vice de Eduardo Campos. A chapa, entretanto, só seria formalizada em junho, na

convenção nacional do PSB. A socioambientalista também falara sobre o entrosamento entre

ambos. “Nesses seis meses nós fomos nos encontrando”, teria dito, com o claro intuito de

dirimir qualquer dúvida sobre um eventual relacionamento tenso entre o PSB e a Rede.

Dias depois, Época (17/04/2014) divulgou nova matéria48 sobre a mudança de Eduardo

Campos para a cidade de São Paulo, onde passaria a morar em um pequeno apartamento perto

do Aeroporto de Congonhas. Dias antes Campos entregara o cargo de governador de

Pernambuco para seu vice, João Lyra. A família viria depois. De acordo com o candidato, São

Paulo seria crucial para o sucesso de sua candidatura ao Planalto. Somente quebrando a

polarização entre PT e PSDB no Estado seria possível seguir para o segundo turno. Ainda

conforme a publicação, caberia a Marina apresentar Campos aos eleitores do Sul e do

Sudeste, onde a sociambientalista obtivera uma boa votação em 2010.

Época (22/05/2014) noticiou no site os novos números da pesquisa eleitoral feita pelo Ibope.

Segundo a matéria49 Dilma e Aécio tinham crescido na intenção de votos em relação a

pesquisa realizada no mês anterior. Dilma teria 40%, Aécio 20% e Eduardo Campos 11% da

preferência do eleitorado. O número de eleitores que pretendia votar em branco ou anular o

46 Disponível em http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/felipe-patury/noticia/2014/02/eduardo-campos-eleva-

tom-do-discurso-de-oposicao-ao-governo.html 47 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/04/eu-sou-vice-marina-confirma-chapa-com-

campos.html 48 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/04/por-que-beduardo-camposb-se-mudou-para-sao-

paulo.html 49 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/05/ibope-dilma-tem-40-aecio-20-e-campos-11-das-

intencoes-de-voto.html

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voto havia caído de forma significativa, de 24% para 14%. A rejeição a Eduardo Campos

também era menor, de 39% para 34%.

Em julho, outra matéria50 publicada no site de Época (18/07/2014), afirmava que a velha

polarização parecia ter sufocado a “terceira via” de Eduardo Campos e Marina. A candidatura

de Eduardo Campos, além de não decolar, ainda oscilara negativamente para 8% da intenção

dos votos. Como explicar que o “casamento promissor” do governador mais popular do Brasil

com a detentora de quase 20 milhões de votos na eleição presidencial de 2010 não estivesse

agradando o eleitorado?

A publicação avaliou que a candidatura de Campos enfrentava um dilema, pois para

consolidar-se como “terceira via” precisaria se descolar das velhas lideranças, posicionamento

que Marina Silva defendia. Entretanto, as alianças regionais tinham grande peso na evolução

das candidaturas. Enquanto Campos vacilava entre as duas alternativas, Aécio subia nas

pesquisas graças aos arranjos políticos que construira em muitas regiões importantes. A

publicação ainda observou que os “tucanos” temiam que, com a desidratação da candidatura

de Campos o candidato viesse a apoiar o PT ainda no primeiro turno. Já para os petistas

interessava sufocar a “terceira via” desde o início e manter a polarização com o PSDB, pois

entendiam que dessa forma Dilma poderia ser reeleita ainda no primeiro turno.

Época, em suas reportagens, tendia a contextualizar mais os movimentos políticos dos

candidatos e seus reflexos nas candidaturas. Embora Marina afirmasse que havia um maior

entrosamento entre a Rede e o PSB, o que podia se constatar na prática, a partir da leitura de

Época, era que a “terceira via” enfrentava um dilema. Para firmar-se como “nova política”

seria necessário descolar-se das velhas lideranças, estratégia defendida por Marina.

Entretanto, a formatação das alianças regionais com os velhos atores políticos parecia crucial

para que a candidatura de Eduardo Campos decolasse nos maiores colégios eleitorais.

Tratava-se de uma engenharia difícil, embora o PSB e a Rede confiassem que o quadro

poderia mudar a partir de agosto, com o início do Horário Gratuito Político Eleitoral (HGPE).

50 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/07/bvelha-polarizacaob-sufoca-terceira-no-inicio-

da-campanha.html

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Fato incontestável é que desde janeiro Eduardo e Marina percorriam o País lado a lado, porém

a transferência do capital político da socioambientalista para o candidato não se efetivara. A

batalha seria dura e o tempo de TV poderia ser decisivo. A coligação Unidos pelo Brasil

(PSB, PPS, PPL, PRP e PHS) dispunha de 2 minutos e 3 segundos no HGPE, enquanto a

coligação de Aécio Neves, Muda Brasil (PSDB, DEM, SD, PMN, PEN, PTN, PTC, PTdoB e

PT) tinha 4 minutos e 35 segundos, o dobro do tempo de Eduardo Campos. Já Dilma Roussef,

candidata à reeleição pela coligação Com a Força do Povo (PT, PMDB, PSD, PP, PR, PDT,

PRB, PROS e PCdoB) possuía quase o triplo51 do tempo do “tucano” Aécio.

Os oponentes de Dilma, com bem menos tempo de TV, seriam capazes de capitalizar a

insatisfação popular com a volta da inflação, declínio da economia brasileira, decepção com a

seleção brasileira de futebol e com a atuação dos atores políticos?

Jornalista e estrategista de marketing político e jornalista, Chico Santa Rita afirmou em seu

livro Batalhas Eleitorais – 25 anos de Marketing Político que após ter participado de mais de

100 campanhas eleitorais considerava eleição uma guerra de vida ou morte, onde o normal era

ter disputas parelhas. “A verdade é que ninguém ganha nem perde de véspera”.

De acordo com o especialista, uma boa campanha teria de ter alguns ingredientes básicos,

como um bom candidato (e não existiria uma fórmula mágica para defini-lo), uma boa

estrutura organizacional, profissionais competentes nas várias áreas de atuação e o respeito às

características locais e regionais.

“O eleitor não é bobo. Pode enganar-se, como muitas vezes um ser humano se engana

quando avalia outro. Porém, mesmo aquela pessoa de classe social mais baixa, mesmo

a multidão de desinformados que existe no Brasil, todos vão cristalizando uma opinião

a partir de sentimentos singelos que se condensam a partir de um gostar mais, achar

simpático, ir abrindo a guarda para receber e aceitar a mensagem”. (SANTA RITA,

2002, p. 226).

Santa Rita não acredita que o marketing político faça milagres. Para o estrategista, quando o

eleitor vai à seção eleitoral e se encontra diante da urna, opta pelo candidato por um

mecanismo de conscientização ocorrido ao longo de todo o processo eleitoral. Trata-se de

uma escolha fruto de uma demorada alquimia cerebral.

51 Disponível em http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Agosto/aprovada-resolucao-sobre-horario-

gratuito-de-candidatos-a-presidente-da-republica

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“É claro que estou referindo-me aqui ao eleitor comum, à maioria, e não ao aficionado

que vota em qualquer um que seja indicado pelo seu partido ou pela sua igreja”.

(SANTA RITA, 2002, p.229)

A mudança de voto é possível e, segundo Santa Rita, não ocorre com a instantaneidade com

que se troca um produto por outro. O eleitor vai deixando de gostar de um político,

acumulando o conhecimento de ações que não lhe agradam. Entra em uma espécie de “limbo”

em que “ninguém presta, vou anular, vou votar em branco”.

“Começa um novo processo de aproximação com as idéias e a figura do outro

candidato. Desencadeia-se um novo processo de gostar, sem que ele tenha a percepção

clara e consciente daquilo que está acontecendo. Em geral, é assim que acontece.”

(SANTA RITA, 2002, p. 229)

Eduardo Campos tinha como principal desafio tornar-se mais conhecido nacionalmente, pois

até então era uma liderança regional. Para tanto, precisava participar mais ativamente de

entrevistas, mesas redondas e talk shows nos meios de comunicação durante a pré-campanha.

E foi o que fez desde que firmara aliança com Marina Silva. Ao seu lado, mantinha-se como

discreta apoiadora. Afinal, era ele quem precisava destacar-se como candidato “cabeça de

chapa”.

Na TV, Eduardo Campos participou de inúmeros programas de entrevistas e entretenimento,

como Roda Viva (TV Cultura), Programa do Jô (Globo), Canal Livre (Band), Programa do

Ratinho (SBT), Luciana by Night (Rede TV). Também concedera entrevistas aos principais

jornais e emissoras de rádio, seguindo à risca o roteiro esperado de todo candidato

presidencial. E a cada aparição parecia mais confortável e familiarizado com o campo

jornalístico.

Quase sempre vestido de maneira informal, com jeans e camisa social, Eduardo Campos

mantinha-se sorridente e raras vezes usava terno. No início de 2014 nascera Miguel, seu filho

caçula portador de Síndrome de Down. Pai também de João, José Henrique, Pedro e Maria

Eduarda, o candidato tinha em sua esposa Renata sua mais importante conselheira.

A imagem de “homem família” e de político jovem determinado, realizador e conciliador se

consolidava na mídia. O que o desagradava era ser chamado de “neocoronel” e “traidor”,

sobretudo por petistas que tentavam desconstruir sua imagem. Não se observavam ataques

diretos, ao menos públicos, partindo do concorrente Aécio Neves. A imprensa, inclusive,

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chegou a questionar se haveria de fato diferenças entre os dois candidatos, já que os perfis

eram semelhantes: ambos eram oriundos de duas famílias de políticos tradicionais (Arraes e

Neves), partilhavam o espírito de uma mesma geração e haviam sido governadores em seus

Estados (Pernambuco e Minas Gerais). Em um eventual segundo turno eleitoral, a

“dobradinha” entre Eduardo Campos e Aécio Neves era dada como certa.

O contexto parecia favorável ao crescimento da candidatura de Eduardo Campos, pois a

imagem que ele projetara até então parecia positiva: a de um homem público comprometido

em renovar a política. Como explicar, então, a média de 9% na preferência do eleitorado que

se mantinha há meses? Afinal, o problema não parecia estar no candidato. As razões para o

fato da candidatura não ter “decolado” poderia estar na ineficácia do marketing político

eleitoral?

Conforme explica o especialista Carlos Manhanelli em seu livro Eleição é Guerra –

marketing para campanhas eleitorais, adotam-se técnicas de marketing político e

comunicação social integrados com o objetivo de angariar a aprovação e simpatia da

sociedade em torno da imagem do candidato, de forma a inspirar confiabilidade e segurança

no eleitorado.

Cabe à propaganda eleitoral criar e produzir símbolos, músicas, cores, tipo de material

condizente com o público-alvo, estudos de mídia, formas de propagação das atividades

oriundas do marketing. (MANHANELLI, 1992, p. 41)

Na propaganda eleitoral algumas regras básicas devem estar presentes. A primeira delas é a

simplificação, com a adoção de frases e slogans curtos, símbolos simples e objetivos e jingle

(mensagem publicitária musicada) de fácil memorização. Também é preciso eleger um

inimigo único (principal adversário) e manter uma uniformidade e repetição constantes dos

temas principais defendidos pelo candidato, visando sua assimilação pelo eleitor.

Ainda conforme Manhanelli, a propaganda eleitoral tem o papel de valorizar idéias e

indivíduos, por meio de processos bem delimitados, bem como promover a fusão da política e

da ideologia.

“Não se trata de uma atividade parcial e passageira, mas da vontade política em

movimento, um processo de conquista e exploração” (MANHANELLI, 1992, p. 41)

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4.1 – Propagandas partidárias

Qual o papel da propagandas partidária e eleitoral para o crescimento de uma candidatura?

Sabe-se que ainda na fase pré-campanha as propagandas veiculadas pelos partidos ajudam a

apresentar não somente o posicionamento da legenda como também a identidade do candidato

junto ao eleitorado. Essa imagem projetada pode e deve ser ajustada conforme sua aceitação

ou não pelos eleitores. Porém, é a partir de meados de agosto que as posições dos candidatos

podem se alterar em função do início do Horário Gratuito Político Eleitoral (HGPE). Ao

menos é nisso que acreditam os atores políticos e suas equipes de campanha.

Essa expectativa, entretanto, é contestada por especialistas em marketing político. De acordo

com Gaudêncio Torquato, uma campanha eleitoral se faz com um conjunto de elementos e

envolve cinco eixos: a pesquisa, o discurso, a comunicação, a articulação e a mobilização.

Consolidar uma identidade é fundamental para o candidato. Também há que se considerar que

cada campanha tem seu próprio clima, suas características. Assim, aqueles que confiam em

demasia no poder do HGPE para alavancar o candidato podem frustrar-se.

“O eleitor, ademais, já está acostumado às artimanhas dos programas eleitorais e dos

golpes psíquicos fabricados para chamar a atenção e cooptar a decisão eleitoral. Mais

do que nunca, está provado que candidato que entra no gosto do povo não pode ser

considerado um mero sabonete a ser vendido pela TV nos monótonos programas

eleitorais.” (TORQUATO, 2014, p. 158).

Dez dias depois de oficializarem a aliança, Eduardo Campos e Marina Silva exibiram na TV,

em 15 de outubro de 2013, a primeira propaganda52 partidária televisiva, na qual Eduardo

Campos apresentava-se como presidente do Partido Socialista Brasileiro e afirmava que era

preciso dar oportunidade para as novas lideranças e abandonar as velhas práticas políticas.

Com duração de dez minutos, a propaganda iniciava-se com perguntas sobre o que estava

acontecendo com o Brasil e mencionava a volta da inflação em um País que conduzira um

homem do povo ao poder, mas cujo poder “não fala a língua do povo”. Campos afirmava que

era preciso emancipar o cidadão, reunir boas ideias e boas pessoas e trocar a cultura do “faz e

refaz” pela cultura do planejamento. O programa lembrava ainda que eram do PSB o prefeito

e o governador mais bem avaliados do Brasil – o mineiro Marcio Lacerda e o próprio Eduardo

Campos. Na sequência eram apresentadas imagens da cerimônia de filiação de Marina Silva

52 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=WOqz5ezJDMY

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ao PSB, na qual a sociambientalista afirmava que chegara a hora de “sepultar de vez a velha

República”. Eduardo, por sua vez, dizia que o PSB tinha muito a aprender com a militância do

grupo de Marina Silva, a Rede Sustentabilidade. A propaganda terminava com um convite

para que os telespectadores acessassem o site www.psbemrede.com.br para um bate-papo ao

vivo com Eduardo Campos. O candidato apostava na interatividade com o eleitor.

Outro programa53 de TV, veiculado em 4 de fevereiro de 2014, começava com imagens da

vida urbana brasileira, de favelas, de trabalhadores e a voz de Eduardo Campos, declarando:

“chega de governar dizendo que no passado já foi pior”. O candidato afirmava que era preciso

unir o Brasil em torno de um projeto de desenvolvimento e depois eram exibidas imagens da

filiação de Marina Silva, que dizia: “não estamos pensando em um projeto de poder pelo

poder”. Eduardo complementava, afirmando que era preciso “quebrar uma falsa polarização”,

referindo-se ao PT e ao PSDB. Ambos consideravam importante reforçar a ideia de que a

aliança não era oportunista e eleitoreira, mas sim que tratava-se de uma parceria

“programática”, que propunha um projeto para o País.

A propaganda também falava do primeiro encontro programático realizado em 28 de outubro

de 2013, que discutira as sugestões coletadas por meio da plataforma colaborativa

www.mudandoobrasil.com.br . Fora feito inclusive um vídeo54 para explicar de que forma

essa plataforma colaborativa iria funcionar e contribuir para formatação do programa de

governo. Entre as principais diretrizes já estabelecidas estavam: Estado e Democracia de Alta

Intensidade; Economia para o Desenvolvimento Sustentável; Educação, Cultura e Inovação;

Políticas Sociais e Qualidade de Vida e também Novo Urbanismo e Pacto pela Vida. O vídeo

de quatro minutos terminava destacando que o Brasil avançara muito nas últimas décadas,

mas que era preciso traçar “um novo caminho para um novo Brasil”.

No mês seguinte, em 27 de março de 2014, foi ao ar programa55 com duração de 10 minutos

que buscava valorizar o significado da parceria entre os dois políticos. Imagens urbanas e

rurais em preto e branco eram apresentadas e, pouco a pouco, as vias e estradas se tingiam das

cores amarelo, vermelho, verde... Na sequência, Eduardo e Marina entravam em cena

53 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=qR4YrcKMelw 54 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=E0xhqvPFAEU 55 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=RTF2xKbPPhk

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vestindo roupas claras, dirigiam-se a um palco e sentavam em duas poltronas, lado a lado.

Passavam então a conversar em tom informal, como dois amigos, sobre o que viria a ser a

“nova política”, não qual não caberia políticos personalistas e salvadores da Pátria. Eis porque

dividir o palco e os holofotes de forma equilibrada era fundamental para transmitir essa

mensagem ao eleitor, de que não haveria espaço para o “eu sozinho”.

A “nova política” seria uma espécie de “terceira via” alternativa à polarização entre PT e

PSDB. Ambos passaram a se autodefinir como “filhos da esperança, companheiros de luta e

de paz”. Falavam sobre os sonhos comuns, de viverem em um Brasil com uma agenda

estratégica, mais democrático e generoso com as diferenças e sobre a necessidade de se

estabelecer um realinhamento político no qual a governabilidade se daria com base em um

projeto de País.

Essa seria a tônica, ao longo da campanha, para justificar a “aliança programática”: era

preciso juntar mais gente para fazer essa “obra coletiva”, que seria “o Brasil voltar a acreditar

no Brasil”. Ao posicionarem-se lado a lado, Eduardo e Marina reforçavam a idéia do “nós”,

do “coletivo”, em contraposição ao personalismo político que diziam condenar.

Marina falou das origens comuns entre ambos os políticos, das similaridades e de sua luta ao

lado de Chico Mendes no Acre em prol das reservas extrativistas. Já Eduardo ajudara seu avô

Miguel Arraes na luta pela reforma agrária no Nordeste. Nessa fala ficou evidente que ambos

queriam reforçar a afinidade de pensamento que os unia, já que os campos político e

jornalístico tendiam a ver na parceria um mero “casamento de conveniência” entre desiguais.

Era fundamental desfazer essa idéia.

Em tom elogioso, Eduardo dirigiu-se à Marina dizendo que a decisão dela (referia-se à aliança

programática) mudara a política brasileira. O desejo de reunir pessoas boas em torno de boas

idéias seria a principal razão para aquela união, já que o povo brasileiro desejava a mudança

mas, segundo o candidato, ainda não sabia que Eduardo e Marina estavam juntos. Nota-se,

mais uma vez, a preocupação de Eduardo e Marina de não serem percebidos pela opinião

pública como políticos oportunistas, que apenas buscam o poder pelo poder.

Segundo Patrick Charaudeau, linguista francês especializado em Análise de Discurso, o

discurso político é o lugar de um “jogo de máscaras”, já que toda palavra pronunciada no

campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e pelo que ela não diz. Em

sua obra Discurso Político, o autor observa que não há política sem discurso. A ação política

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e o discurso político estariam ligados. Todo político adotaria estratégias discursivas para atrair

a simpatia do público, com base em sua identidade social, na maneira como ele percebe a

opinião pública e se posiciona em relação aos demais atores políticos. A essa construção da

imagem de si mesmo dá-se o nome de ethos. No caso de um político, trata-se do ethos

político.

No domínio político, a construção das imagens só tem razão de ser se for voltada para

o público, pois elas devem funcionar como suporte de identificação, via valores

comuns desejados. O ethos político deve, portanto, mergulhar nos imaginários

populares mais amplamente partilhados, uma vez que deve atingir o maior número, em

nome de uma espécie de contrato de reconhecimento implícito. O ethos é como um

espelho no qual se refletem os desejos uns dos outros (CHARAUDEAU, 2011, p. 87)

Nas propagandas, Eduardo Campos e Marina enfatizavam a necessidade de se investir na

construção de um projeto de País junto com a sociedade. A obra deveria ser “coletiva”, já que

o Brasil não precisava de “salvadores da Pátria, donos da verdade”. Marina argumentava que

a grande novidade era ter coragem de dizer que era preciso preservar as conquistas alcançadas

pelos outros governantes, porém isso não significaria ser complacente com os erros.

Eduardo Campos, por sua vez, conclamava o povo a debater o Brasil. Dirigindo o olhar ao

telespectador/eleitor, o candidato fizera um convite, olhando para a câmera: “nós precisamos

de você na política, ajudando a limpar o Brasil, a fazer um Brasil para todos os brasileiros.

Por isso eu e a Marina estamos aqui para te chamar para entrar em campo e fazer o Brasil

campeão”. A frase remetia a idéia de que, naquele ano eleitoral de 2014, haveria a Copa do

Mundo de Futebol no Brasil.

No dia seguinte à veiculação do programa na TV, o jornalista Josias de Souza, do portal

Folha/UOL, publicou no Blog do Josias56 sua análise sobre o programa, na qual destacou o

formato inovador da peça de campanha:

“O PSB levou ao ar na noite passada uma propaganda eficiente. Eduardo Campos

dividiu os dez minutos de que dispunha com Marina Silva, uma vice com potencial

para alavancar o titular. Na forma, a peça trocou o modelo batido do videoclipe

político por algo tão trivial como um dedo de prosa. No conteúdo, vendeu Dilma como

um pesadelo do qual o país pode acordar se eleger uma dupla que sonha. Ele sonha

com um Brasil assim. Ela sonha com um país assado. Nas últimas semanas, o

56 Disponível em http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/03/28/na-tv-campos-abandona-a-formula-do-

videoclipe-e-trava-conversa-com-marina/

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presidenciável do PSB vinha se aproximando rapidamente da fronteira que separa o

governista que já foi do oposicionista que se esforça para ser... Tomado pelas palavras,

Campos vai à disputa de 2014 com a pretensão de ser o verdadeiro herdeiro de Lula.

Dilma, disse ele, “teve a oportunidade de chegar à Presidência da República, de

receber um legado do presidente Lula, com quem nós trabalhamos, e ela poderia ter

feito pelo Brasil aquilo que ela se comprometeu a fazer, que era seguir melhorando o

Brasil. Não desmanchar o que já estava feito, e fazer o que restava fazer.” Beleza. A

propaganda está pronta. É 5% do caminho. Agora só falta injetar na mistura meio

quilo de idéias e arranjar algumas toneladas de votos.

Na opinião de Josias de Souza, a propaganda havia sido eficiente tanto no conteúdo como no

formato inovador, que abandonara a fórmula dos videoclipes. Eduardo Campos conseguira

marcar a transição de antigo aliado dos petistas para a de opositor ao governo da presidente

Dilma Rousseff. Segundo Souza, Campos apresentara-se como o “verdadeiro herdeiro

político de Lula”. A linha mestra da campanha também parecia ser evidente: ser “ácido com

Dilma, dócil com Lula e respeitoso com Fernando Henrique Cardoso”.

A coligação Unidos pelo Brasil também lançou o jingle57 Coragem pra Mudar o Brasil, um

samba que falava da coragem de Eduardo Campos e Marina Silva em defender o sonho de

cada um dos brasileiros, fosse ele “grande ou pequeno, agitado ou sereno”. Buscava-se a

identificação com o eleitor que desejava a mudança.

Como pode-se observar, o ethos construído por Eduardo Campos na propaganda fora a de um

candidato corajoso, que pretendia inovar na práxis política ao lado de Marina Silva,

personagem detentora de capital político relevante conquistado na eleição de 2010, quando

candidata presidencial pelo PV. Eduardo dividiu o palco e o lugar de fala com Marina de

forma equilibrada, tanto nas propagandas partidárias quanto no jingle de campanha, a fim de

valorizá-la e transmitir a mensagem ao eleitorado de que a socioambientalista não era apenas

uma coadjuvante na aliança. Tratava-se de uma parceria que tinha tudo para dar certo, em prol

do Brasil.

57 Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=nnaUYBYUtgo&list=PL_vVwU2td0L3C_SQpBLJCtKLOFwyDU2WP&in

dex=7

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4.2 - A morte de Eduardo Campos

O mês de agosto costuma ser um mês decisivo nas campanhas eleitorais, pois a fase de pré-

campanha já se foi e começa a campanha propriamente dita, até a realização do pleito em

outubro. O início do Horário Gratuito Político Eleitoral (HGPE) na TV é importante e pode

fazer a diferença, para o positivo ou negativo. Até então em terceiro lugar na corrida eleitoral,

o candidato Eduardo Campos estava otimista. Esperava pela “virada”.

No dia 12 de agosto de 2014, Campos participou de uma entrevista ao vivo no telejornal de

maior audiência no País, o Jornal Nacional, na TV Globo. Havia sido um dos momentos mais

marcantes de sua campanha. Os apresentadores William Bonner e Patricia Poeta haviam

adotado um tom incisivo ao questioná-lo, mas o candidato mostrara autoconfiança. Seu

desempenho fora positivo na “prova de fogo”. Nas redes sociais, a maioria elogiara Campos e

criticara a postura dos apresentadores.

Entretanto, no dia seguinte, 13 de agosto de 2014, o Brasil foi surpreendido por uma notícia

impactante: uma aeronave havia caído sobre residências no bairro Boqueirão, em Santos (SP),

deixando a população em pânico. Enquanto isso, na cidade de Guarujá (SP), integrantes do

PSB aguardavam o candidato presidencial Eduardo Campos e sua comitiva para um evento.

Naquela manhã chuvosa, foram horas de angústia, inquietação e frenesi nas redações até que

as emissoras de TV confirmassem a triste notícia: o jato Cessna Citation que acabara de cair

vertiginosamente, chocando-se contra o solo, trazia Campos e sua equipe. Ninguém

sobrevivera.

A população estava perplexa, a comoção era generalizada. Em apenas 24 horas a corrida

presidencial sofrera uma reviravolta inimaginável, assim como o tratamento que a imprensa

conferira até então ao candidato Eduardo Campos, desacreditado pelo fato de sua candidatura

ter-se mantido estacionada em torno de 9% da preferência do eleitorado.

A repercussão midiática foi instantânea, inclusive em nível internacional. De acordo com

matéria58 publicada por Veja, a hashtag RIP Eduardo Campos alcançara o primeiro lugar na

rede social Twitter em nível mundial.

58 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/personalidades-usam-redes-para-lamentar-morte-

de-eduardo-campos/

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Já o jornal O Globo, em uma clara tentativa de “apagar” a má impressão deixada pelos

apresentadores William Bonner e Patricia Poeta, da TV Globo, na noite anterior, pautou

matéria59 sobre os bastidores da entrevista com o candidato, ouvindo como fontes os próprios

apresentadores. Campos teria dito no momento da despedida que eles voltariam a se ver no

segundo turno, tão otimista estava com suas perspectivas na eleição. Bonner ainda comentou

que o clima anterior à entrevista havia sido “ameno”, enquanto Poeta preferiu destacar o fato

de Campos estar consciente de que na bancada do Jornal Nacional ele “não teria moleza”.

Segundo a jornalista, o candidato teria dito que não fugiria de nenhuma pergunta, pois o

público perceberia se isso acontecesse.

A crescente tendência de transformar entrevistas em espetáculo, sobretudo na TV e em

momentos de eleição, apenas reforça o que o filósofo, crítico cultural e cineasta francês Guy

Debord falava sobre um mundo cada vez mais submetido à espetacularização, no qual o

espetáculo não é um conjunto de imagens, mas sim uma relação social entre as pessoas,

mediatizada por imagens. Em sua obra Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo, o autor

discorre sobre o conceito de “poder espetacular” e sobre a “lógica da mercadoria” que

predomina no sistema capitalista. Essa lógica também se aplicaria ao campo midiático e

jornalístico.

Nas sociedades modernas, conforme Debord, tudo o que antes era diretamente vivido agora

tenderia a se dissolver na “fumaça da representação”. Também os campos midiático e

jornalístico não estariam imunes a essa teatralização, nem mesmo as mais importantes revistas

de informação de um País, como Veja e Época.

É o que veremos a seguir.

59 Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/william-bonner-patricia-poeta-relembram-entrevista-de-

eduardo-campos-no-jornal-nacional-13590737

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4.3. - A “tragédia” segundo Veja

Em meio ao frenesi da imprensa na apuração e divulgação das informações sobre a morte de

Eduardo Campos, não havia tempo nem espaço para o luto, tampouco para a reflexão. Nas

TVs e na internet, imagens do acidente eram divulgadas e exploradas exaustivamente, em

profusão. Das publicações impressas, entretanto, sempre espera-se uma cobertura mais

equilibrada e aprofundada dos fatos, ainda mais em eventos trágicos.

Revista de maior circulação nacional, Veja destacou na capa (próxima página) de sua edição

2387 (20/08/2014) a frase de Eduardo Campos, dita na véspera de sua morte durante a

entrevista ao Jornal Nacional: “Não vamos desistir do Brasil”. Sobre o fundo preto, a imagem

de Eduardo Campos trazia o semblante coberto por sombras. A matéria principal, intitulada

Vôo para a Morte destacou a maneira como o candidato encerrou a entrevista no Jornal

Nacional, “com o vigor dos resolutos” e a costumeira confiança, sua marca. Foi dito também

que o político tinha um caráter centralizador, cercava-se de familiares no governo, deixava-se

influenciar por poucos e não hesitava em selar acordos com adversários. O texto lembrava

ainda a frase da esposa Renata Campos sobre a tragédia: “a morte bateu na porta errada.”

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Veja – edição 2387 (20/08/2014)

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Em outra matéria na mesma edição, intitulada A Sucessora, Veja definiu Marina como uma

discreta coadjuvante, leal e disciplinada, destacando que a entrada da candidata na corrida

eleitoral não era boa notícia para Dilma e Aécio, pois forçaria um segundo turno. Lembrava

ainda que o maior prejudicado poderia ser Aécio, porque não se poderia mais garantir que ele

chegasse até o segundo turno. A publicação também destacou que Marina havia sido a

segunda colocada na preferência dos manifestantes que foram para as ruas protestar, em junho

de 2013, atrás apenas de Joaquim Barbosa, então presidente do Supremo Tribunal Federal

(STF). O texto destacou o fato de que a hashtag RIP Eduardo Campos alcançara o primeiro

lugar no ranking mundial do Twitter. Ainda segundo as agências AirStrip e Big Data Corp.,

citadas na matéria, um terço dos potenciais eleitores de Campos já teriam escolhido um novo

candidato: mais da metade escolheria Marina Silva (55%), outros Aécio Neves (31%) e Dilma

Rousseff (14%). A aposta dos petistas era a de que Dilma iria crescer no Nordeste sem a

presença de Campos na corrida presidencial.

Uma semana depois, Veja trouxe na capa (próxima página) da edição 2388 (27/08/2014)

matéria de capa com Marina sorrindo e a indagação: Marina presidente?. Destacava sua

fulminante ascensão, sua reputação internacional, o baixíssimo índice de rejeição, a aprovação

do mercado ao seu nome e o empate técnico com Aécio Neves. Entretanto, a publicação não

hesitou em chamá-la de “esfinge”, deixando clara sua desconfiança em relação à candidata.

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Veja - edição 2388 (27/08/2014)

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Revista semanal de maior circulação nacional, Veja destacou a autoconfiança e o caráter

resoluto de Eduardo, sua forte ligação familiar, o fato de que o candidato era um

desconhecido de grande parte do eleitorado até sua morte e que o seu sonho de se tornar

presidente começara em 2010.

Já Marina foi retratada como uma disciplinada, discreta e leal coadjuvante de Campos que, na

condição de candidata, seria uma ameaça aos planos de Aécio Neves de chegar ao segundo

turno. Em fulminante ascensão, com reputação internacional, seria entretanto uma “esfinge”

naquilo que se espera de um chefe de Estado. A publicação lembrou também que na eleição

presidencial de 2010 Marina representara o voto de protesto, conquistando o terceiro lugar na

disputa, com quase 20 milhões de votos.

Embora os estudos relacionados à semiótica não façam parte do corpus do presente trabalho

acadêmico, vale destacar o trabalho sobre a morte de Eduardo Campos apresentado no 10º.

Interprogramas de Mestrado da Fundação Cásper Líbero pela pesquisadora Vivian Santana

Paixão, que analisou a repercussão da morte de Eduardo Campos sob o enfoque da semiótica

de Charles Sanders Pierce, conhecida como semiótica perciana.

Para a pesquisadora, na capa da revista Veja (20/08/2014) a imagem de Eduardo Campos

parecia uma pintura. “Suas rugas são destacadas para mostrar um semblante sério e que impõe

respeito; o seu olhar está direcionado para o horizonte, dando um aspecto de santidade. Ele

seria o “Sebastião” que todos os brasileiros esperavam que os salvassem e que, em situação

alguma, desistiria do Brasil.”

Já as fotografias publicadas transmitiriam a idéia de que ele ainda estava vivo e que,

possivelmente, transmitiria esse dinamismo, essa vivacidade, para sua vice Marina Silva.

Segundo Paixão, para compor esse cenário havia três imagens (próxima página): a primeira

mostrava o candidato em um comício, apertando as mãos dos seus eleitores e sendo bem

recebido por eles; a segunda apresentava Campos com sua família em um momento de

descontração e intimidade e na última fotografia Eduardo Campos aparecia com o seu avô,

Miguel Arraes, no Congresso Nacional.

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Veja (20/08/2014)

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Segundo a pesquisadora Vivian Paixão, em toda a campanha e até mesmo após a morte de

Campos, a família fora um argumento muito utilizado. “Primeiro para dizer que Campos foi

um bom pai e um marido exemplar, simbolizando que ele teria condições para comandar com

pulso o Brasil. Por outro lado este aspecto também é utilizado para fazer a relação do ex-

governador de Pernambuco com o seu avô, que foi importante para a política de Pernambuco.

Implicitamente, demonstra que ambos, avô e neto, possuíam as mesmas características e o

mesmo modo de governar. Assim, Eduardo Campos esperava ganhar apoio e voto dos

eleitores que antes confiavam em Miguel Arraes.”

Ainda de acordo com Paixão, em outra matéria aparecia a imagem de Marina Silva dentro de

um carro, com as janelas fechadas e com gotas de chuva no vidro. “O fotógrafo conseguiu em

uma única imagem trazer várias referências ao mesmo tempo: o dia do acidente estava

nublado e chuvoso; a tragédia fornecia às gotas de chuva a idéia de lágrimas e o fato do vidro

parecer embaçado referia-se também ao futuro incerto de Marina no PSB, já que ela teria que

abrir mão da criação do seu partido e aceitar as alianças políticas feitas por Eduardo Campos.”

Conforme a pesquisadora, na legenda Futuro nebuloso – Marina Silva: o próximo fenômeno

eleitoral? a revista faz um trocadilho entre o tempo, exposto na fotografia, e a nova fase de

Marina Silva, questionando a sua permanência na disputa eleitoral. A reportagem que

acompanha e justifica essa imagem mostra que ao ser questionada sobre a sua candidatura à

presidência a resposta da senadora veio no seu “melhor estilo melancólico-visionário-

messiânico: o momento exige recolhimento e serenidade para tomar a decisão que melhor

preserve o legado de Eduardo.”

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Veja (20/08/2014)

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Ainda conforme a pesquisadora Vivian Paixão, nas características atribuídas ao estilo de

Marina nota-se uma leve ironia, que tem como base o seu jeito tido como recatado e discreto

e, principalmente, ao fato dela ser evangélica.

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4.4. O “drama” visto por Época

Segunda colocada no ranking das revistas semanais, Época publicou cinco dias após a

tragédia, na capa (próxima página) de sua edição 846 (18/08/2014), um Eduardo Campos

sorridente sobre um fundo preto, olhando em direção ao céu. Internamente, o título da matéria

principal era Ela pode decidir a eleição, na qual a publicação buscava influenciar o processo

eleitoral ao dizer textualmente: “Se Marina não assumir a vaga, joga a eleição no colo de

Dilma. Se assumir, transforma o próximo pleito em uma das mais acirradas disputas”. Na

mesma matéria mencionava-se que Eduardo Campos era um desconhecido para 41% do

eleitorado, segundo o instituto de pesquisa Datafolha, e que Aécio poderia perder os eleitores

mais ricos e instruídos dos grandes centros urbanos para uma Marina em ascensão.

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Época - edição 846 (18/08/2014)

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Na mesma edição de Época, em outra matéria intitulada Não Vamos Desistir do Brasil,

mencionava-se que já em 2010, durante um jantar, Campos havia dito aos amigos que

pretendia candidatar-se à presidência em 2014. O texto também destacava as contradições

entre os que investigavam o acidente: policiais e bombeiros teriam encontrado duas caixas

pretas, porém a FAB alegou que apenas uma caixa preta fora encontrada e que não havia

registro de vozes do vôo de Eduardo.

Em uma terceira matéria, com o título Eduardo Campos por Eduardo Campos é dito que em

1989 o candidato preferira apoiar Lula, contrariando seu avô Miguel Arraes que estava

fechado com a candidatura peemedebista de Ulisses Guimarães. Em outra oportunidade,

durante a crise do “mensalão”, Campos deixara o Ministério da Ciência e Tecnologia para

ajudar Lula na Câmara dos Deputados. O texto trazia ainda uma autodefinição de Eduardo

Campos, na qual ele teria dito: “Tem gente que parte do eleitoral para o político; eu parto do

político para o eleitoral. Visito quem me apoia e quem não me apoia.”

Já na edição 847 Época trouxe na capa de fundo cinza (próxima página) uma Marina Silva

com semblante sereno e o questionamento: Até onde ela vai?. Nas páginas internas, a

publicação indagou em tom crítico se ela estaria preparada para ser “uma candidata de

verdade, agregadora e com propostas realistas”. Destacava seu temperamento forte,

lembrando que aos cinco anos Marina pedira para morar com a avó Julia. Para a publicação, a

candidata teria de convencer o eleitor da capacidade administrativa do seu governo e mostrar

que era “candidata da terceira via, do diálogo e da união, e não da exclusão”, adotando

postura flexível para costurar alianças políticas, sem perder a essência.

Percebe-se em Época a tentativa de influenciar as atitudes de Marina sugerindo-lhe

comportamentos que pareciam os mais recomendáveis para o crescimento de sua candidatura

na corrida eleitoral, em um claro indício da atuação do campo midiático disputando o

protagonismo com o campo político.

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Época – edição 847 (25/08/2014)

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Teriam sido as duas revistas de maior circulação em nível nacional, Veja e Época, também

“contaminadas” pela espetacularização presente na cobertura televisiva da morte de Campos?

Ou ao contrário, as publicações teriam adotado um tom mais sóbrio e comedido?

A segunda hipótese parece ser a mais plausível, já que o tratamento conferido às informações

privilegiou a análise das causas e consequências do acidente e seus impactos na vida política

brasileira, sobrepondo-se ao uso de imagens do acidente.

A tragédia de Campos e sua sucessão mereceu capa em quatro edições nas duas revistas.

Época conferiu mais espaço editorial que a concorrente Veja (32 contra 26) e também chegou

às bancas mais cedo, cinco dias após o acidente, em 18 de agosto. Veja, sete dias depois, em

20 de agosto de 2014.

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CAPITULO 5 – CAMPANHA E (DES) CONSTRUÇÃO DE MARINA SILVA

Cinco dias após a morte de Eduardo Campos, em 18 de agosto de 2014, pesquisa60 divulgada

pelo instituto Datafolha revelava que caso Marina Silva viesse a assumir a vaga de Campos

entraria na disputa já empatada com o “tucano” Aécio Neves, ambos com 21%, enquanto a

candidata à reeleição Dilma Rousseff obteria 36% da preferência do eleitorado. Sem Marina,

Dilma chegaria a 41% e Aécio a 25%. De qualquer forma, o segundo turno era dado como

certo. Marina precisava decidir se assumiria ou não a candidatura. Mesmo que não assumisse,

a presidente Dilma Rousseff e o candidato “tucano” Aécio Neves teriam de reformular seus

planos.

Em 13 de agosto, no mesmo dia da morte do candidato Eduardo Campos, Veja publicava

matéria61 afirmando que a corrida eleitoral recomeçaria do zero e que o PSB teria dez dias

para definir o sucessor, em uma nova convenção partidária. O texto lembrava que a

convivência entre os pessebistas e os militantes da Rede fora marcado por disputas frequentes.

Também seria provável que o PPS de Roberto Freire, integrante da coligação Unidos pelo

Brasil, cobrasse mais espaço.

O noticiário de Veja no dia do desastre aéreo com Campos lembrava ainda que Marina Silva

havia desistido de voar para a cidade de Guarujá junto com o companheiro de chapa, o que

lhe poupara a vida. Outra matéria62 registrava que a morte do candidato também derrubara as

bolsas de valores, sobretudo enquanto não se tinha certeza de que Marina pudesse estar no

mesmo vôo. “A possibilidade de não haver um terceiro candidato fez os investidores se

assustarem”, relatara um corretor. Nesse ponto vale observar que o teor da matéria repercutiu

as preocupações do campo econômico, com o claro intuito de influenciar o campo político e a

opinião pública. Nas entrelinhas, é possível subentender que para os interesses dos

investidores reeleger o governo Dilma poderia ser um “mau negócio” para o Brasil.

60 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/08/1502039-com-marina-disputa-presidencial-

iria-para-o-segundo-turno.shtml 61 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/morte-de-campos-faz-corrida-presidencial-recomecar-do-

zero 62 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/economia/bolsa-cai-com-morte-de-campos-mas-se-recupera-

com-possibilidade-de-marina-assumir

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No dia seguinte à morte do presidenciável, seu único irmão, Antonio, enviara carta à direção

do PSB, defendendo que a vice Marina Silva assumisse a candidatura. Em resposta, o

presidente nacional do partido, Roberto Amaral, respondeu que o partido estava de luto,

“cuidando tão somente das homenagens devidas ao líder que partiu”. Os demais membros da

família, inclusive a viúva, mantinham-se reclusos até então e não haviam se pronunciado.

O velório de Eduardo Campos e de seus companheiros de campanha, mortos no acidente

aéreo, reuniu uma multidão diante do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo do

Estado de Pernambuco. Todas as emissoras de TV buscavam garantir sua audiência, inclusive

com cobertura ao vivo do local. Por muitos dias, o Brasil iria viver sob o impacto da morte de

Campos e em meio à espetacularização da cobertura jornalística.

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5.1 – Marina Silva na Veja

Em matéria63 publicada por Veja (17/08/2014) o coordenador do governo de Eduardo

Campos, Mauricio Rands, afirmava que a viúva Renata Campos iria engajar-se diretamente na

campanha de Marina, ainda que não viesse a assumir como vice da candidata. Outro nome

cotado para ser vice de Marina era o do deputado federal Beto Albuquerque. Também a

deputada federal Luiza Erundina teria se colocado à disposição do partido.

Outra reportagem64 mencionara que o enterro de Campos transformara-se no início da

candidatura de Marina, que permanecera ao lado dos familiares enlutados. A multidão,

estimada em 150 mil pessoas, chegara a gritar: “Dilma, agora é Marina”. O enterro fora

marcado por uma queima de fogos que durou 18 minutos, ápice da espetacularização captada

pelas lentes das TVs.

Na edição 2389 (03/09/2014) Veja destacava na capa (próxima página) a frase Como Dilma e

Aécio tentam parar Marina, trazendo internamente matéria sobre as estratégias dos

candidatos para segurar o “fenômeno eleitoral”. Sob o título Quem Segura esta Mulher? a

publicação fora irônica e crítica em relação à candidata, “firme na retórica mas opaca no

conteúdo”, afirmando que Marina possuía “um discurso inatacável a favor de tudo o que era

bom e contra tudo o que era ruim”. O texto afirmava também que o maior espanto era o fato

de que “dezenas de milhões de eleitores querem lhe dar uma chance”.

Faltando um mês para a eleição de primeiro turno, percebe-se que Veja passou a adotar um

tom crítico e alarmista em relação à possibilidade de Marina Silva vir a ser a presidente da

República, o que representaria, segundo a publicação, uma “aventura de futuro incerto”.

Pode-se deduzir que o que se pretendia era favorecer a candidatura do “tucano” Aécio Neves.

A revista também lembrara que até aquele momento o Partido Socialista Brasileiro (PSB) não

havia esclarecido a quem pertencia o jatinho utilizado por Eduardo Campos desde maio, para

63 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/renata-campos-vai-atuar-diretamente-na-campanha-de-

marina-diz-coordenador 64 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/enterro-de-campos-foi-tambem-inicio-da-campanha-de-

marina

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percorrer o Brasil. “Jatinhos emprestados e corrupção são um clássico da velha política”,

insinuava a publicação.

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Veja – edição 2389 (03/09/2014)

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Já na edição 2390 (10/09/2014), Veja mencionou que Marina estava sob fogo cerrado de seus

adversários. Enquanto Dilma a comparava a Collor, “do partido do eu sozinho”, Aécio a

criticava pelo “conjunto de contradições”. Embora Marina figurasse nas pesquisas empatada

com Dilma no primeiro turno e à frente da presidente no segundo turno, previa-se uma ligeira

queda na intenção de votos em Marina, já que a candidata havia retirado seu apoio à

criminalização da homofobia e ao casamento gay, em razão das críticas que recebera do

pastor evangélico Silas Malafaia. Paralelamente, “cardeais marineiros” como Walter Feldman

e Álvaro de Souza estariam procurando representantes do mercado financeiro para convencê-

los de que Marina encontraria mais facilidade para governar o País do que Aécio, visto que o

candidato “tucano”, se ganhasse, viria a enfrentar forte oposição petista. A publicação era

contundente: “O Brasil tem quatro semanas para decifrá-la”.

A edição 2391 (17/09/2014) de Veja trouxe como matéria de capa A fúria contra Marina

(próxima página), na qual destacava os ataques sofridos pela candidata por parte da campanha

petista. A matéria intitulada O PT passa o trator e Marina resiste descreveu uma reunião da

alta cúpula do PT, inclusive com a participação do ex-presidente Lula, na qual fora decidido

após o debate entre os candidatos na emissora televisiva SBT que se deveria atacar Marina a

qualquer custo. “Marina tinha virado uma entidade sagrada, metade Chico Mendes, metade

Steve Jobs. Era preciso dessacralizar...”, dizia a publicação.

Veja ainda observou que a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff deixara de lado

“todos os escrúpulos” ao divulgar peça de campanha na qual afirmava que a política

econômica de Marina levaria os pobres a passar fome. “Pratos de comida desapareciam da

mesa diante de olhos esfomeados...”.

A publicação também chamou de “marqueteiro amador” o sociólogo Diego Brandy, um

especialista em análise de pesquisa que trabalhara com Eduardo Campos e que estaria com

Marina. Veja também chamou os ataques do PT de “ponto fora da curva”, enquanto Marina

reclamava que os dois partidos, PT e PSDB, haviam se unido contra ela como “Golias contra

Davi”.

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Veja – edição 2391 (17/09/2014)

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Na edição 2392, Veja trouxe na capa (próxima página) os três concorrentes, cada qual

representando um atributo: Aécio (racionalidade), Marina (emoção) e Dilma (poder).

A matéria intitulada A emoção vai ao palanque falava de um vídeo feito durante um discurso

de Marina em Pernambuco, no qual a candidata relatou um episódio marcante de sua infância,

quando seus pais tinham apenas um ovo, farinha e sal para dar de comer aos filhos. Marina

dissera: “Quem viveu essa experiência jamais acabaria com o Bolsa Família”.

Para a revista, Marina passara a usar o apelo emocional, velha arma do PT, para disputar o

pleito. Poderia ser um estratégia tardia, já que Dilma abrira vantagem sobre a concorrente,

fato comemorado pelo marqueteiro João Santana. “A Marina está derretendo”. Por outro lado,

o “tucano” Aécio Neves estaria apostando na “onda da razão”.

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Veja – edição 2392 (24/09/2014)

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A edição 2393 (01/10/2014) de Veja abordava o poder dos indecisos, sobretudo no Sudeste. A

matéria, intitulada Eles vão decidir a eleição observava que a estratégia de Aécio Neves era

insistir no voto útil para tirar o PT do governo, enquanto os marineiros pareciam “orgulhosos

de sua pureza e amadorismo”. Marina fora enfática: “Quero ganhar ganhando. Não vou

ganhar perdendo, fazendo o mau combate”.

Já a capa (próxima página) da edição 2394 (08/10/2014), A Cartada Final, trazia as imagens

de Marina e Aécio no último debate televisivo na TV Globo. Segundo a publicação, Aécio

participara “com a faca entre os dentes”, enquanto Dilma permanecera na defensiva e Marina

dizia estar sendo atacada por todos, adotando uma estratégia de vitimização. Marina e Aécio

estavam empatados tecnicamente, segundo as pesquisas. Enquanto Aécio atacava Dilma,

Marina mostrava-se rouca, cansada, com semblante tenso, mas ainda com disposição para

atacar Dilma. A matéria mencionava também a opinião de aliados, que diziam que Marina

havia errado ao colocar seu “purismo” acima das articulações partidárias, por acreditar que a

imagem da “nova política” seria suficiente para conduzi-la à vitória.

Realizado no dia 5 de outubro de 2014, o primeiro turno teve como vencedora a presidente

Dilma Rousseff, com 41,59% dos votos válidos, seguida do candidato Aécio Neves com

33,55%. Já Marina Silva ficara em terceiro lugar, com 21,32%. A “arrancada” do tucano na

reta final do primeiro turno fora surpreendente.

Ao manifestar críticas crescentes à atuação de Marina Silva, Veja pode ter favorecido a

campanha de Aécio Neves, sobretudo entre os indecisos. A estratégia apregoada por Aécio,

do “voto útil”, também mostrara-se eficaz junto a um eleitorado decidido a rejeitar o PT.

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Veja – edição 2394 (08/10/2014)

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Na edição de número 2395 (15/10/2014), a revista Veja destacou em sua capa O fator

surpresa: a inusitada “virada” de Aécio Neves, que segundo a publicação teria conquistado 30

milhões de votos de um dia para o outro, às vésperas do pleito. A matéria lembrava que o

“tucano” era visto como derrotado até meados de setembro, mas que o candidato não desistira

e inclusive abandonara as orientações dos marqueteiros e assessores, passando a olhar “olho

no olho das pessoas”. O texto dizia ainda que o PSB e parte da Rede já haviam “embarcado”

na campanha tucana, mas Marina Silva não. A socioambientalista ainda aguardava a resposta

do PSDB para suas demandas, para fechar apoio.

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Veja – edição 2395 (15/10/2014)

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5.2 – Marina Silva na Época

A partir da definição de Marina Silva como sucessora de Eduardo Campos, Época dedicou-se

a acompanhar as implicações de sua decisão sobre as candidaturas concorrentes e entre seu

círculo de colaboradores. Em matéria65 de 21 de agosto, a publicação revelou que no primeiro

dia de campanha como candidata oficial Marina e o ex-coordenador de campanha do PSB,

Carlos Siqueira, desentenderam-se. O motivo teria sido o fato da presidenciável querer que

seus colegas da Rede, Basileu Margarido e Walter Feldman, participassem diretamente de sua

campanha, em posições estratégicas. Siqueira reagiu mal e rompeu com a candidata. “Da

senhora Marina Silva eu quero distância”, teria dito.

Em outra matéria66, Aécio afirmava ter certeza de que iria para o segundo turno e esperava

que Marina viesse a manter os compromissos que haviam sido assumidos por Eduardo, de um

apoio mútuo contra Dilma Rousseff. Época parecia duvidar. “A pergunta que fica é se Marina

o apoiaria”. Em outro trecho, o texto mencionava que a ex-prefeita de São Paulo Luiza

Erundina seria a nova coordenadora da campanha da coligação Unidos pelo Brasil. A decisão

viera após Carlos Siqueira romper com a candidata. A intenção da legenda era “acabar com a

desconfiança em relação à campanha de Marina”.

Faltando um mês para o pleito, em 5 de setembro de 2014, matéria67 publicada por Época

revelava que o marido de Marina, Fabio Vaz de Lima, era réu em um processo por

improbidade administrativa. Ele e outras 18 pessoas haviam sido denunciados pelo Ministério

Público Federal (MPF) pela aprovação, em 14 de dezembro de 2000, de um projeto da Usimar

Componentes Automotivos no Conselho Deliberativo da Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O projeto, que não chegara a sair do papel, resultara

em prejuízo de R$ 44,15 milhões. A ação teve início em 2001, chegou ao Supremo Tribunal

65 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/o-filtro/noticia/2014/08/principais-noticias-eleitorais-

do-dia-21-de-agosto-de-2014.html 66 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/o-filtro/noticia/2014/08/principais-noticias-eleitorais-

do-dia-22-de-agosto-de-2014.html 67 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/09/bfabio-vazb-marido-de-marina-silva-

responde-processo-por-bimprobidadeb.html

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Federal mas, em 2008, a ministra Cármen Lúcia mandara o processo retornar à 6ª Vara da

Justiça Federal, no Maranhão, onde permanecia, 13 anos depois de começar, à espera de

julgamento.

Época (26/09/2014) trouxe Marina em matéria68 de capa (próxima página) na qual a candidata

dizia ter muito respeito por Armínio Fraga, o escolhido de Aécio Neves para ser o futuro

ministro da Fazenda. A reportagem destacou que a candidata estava mais rouca e mais magra

e que ela dispunha de colaboradores que cuidavam pessoalmente de sua rígida dieta, já que

Marina era alérgica a uma série de alimentos em decorrência de doenças que adquiriu por ter

trabalhado nos seringais. Segundo Época, a candidata teria se apresentado para a entrevista

com o “visual de sempre”: coque, maquiagem suave e colares étnicos, feitos por ela mesma.

Marina não teria falado mal do ex-presidente Lula, mas também não escondia sua mágoa com

o “marketing selvagem, contra o qual não há argumentos”. Disse ainda que pedia todos os

dias em suas orações pelo “fim da política do ódio”.

68 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/09/bmarina-silvab-tenho-muito-respeito-

pelo-arminio.html

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Época (26/09/2014)

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Praticamente às vésperas do primeiro turno, Época (01/10/2014) publicou outra matéria69 de

destaque na qual Marina afirmava que só viria a discutir segundo turno no segundo turno. O

que a candidata poderia antecipar naquele momento era que qualquer aliança que fizesse iria

ser “programática”. Em relação ao “marketing selvagem” que fora usado pela campanha

petista contra ela, Marina dizia ser obra do marqueteiro João Santana. “A sociedade terá de

fazer a escolha. Ou escolhe o programa ou escolhe o marketing selvagem do marqueteiro”.

Marina voltou a dizer que não queria destruir Dilma nem Aécio. “Só quero que possamos nos

constituir em novas bases. Porque as coisas grandes não são feitas por uma pessoa ou por um

partido. Aquilo que é maior do que nós só poderá ser feito por todos nós. Ou não será”.

Época, por sua vez, parecia tentar construir editorialmente uma imagem de Marina como uma

pessoa fragilizada e inconstante, ao destacar os efeitos das viagens de campanha em sua

saúde, que resultara em emagrecimento e rouquidão. Também lançava dúvidas de que a

candidata viesse a manter os compromissos previamente combinados entre Eduardo Campos e

Aécio Neves. Lembrou ainda que o marido de Marina era réu em processo por improbidade

administrativa. A candidata, entretanto, parecia determinada em avançar para o segundo turno

contra Dilma Rousseff, a quem considerava comandada pelo marqueteiro. Orações seriam o

antídoto contra o ódio e o “marketing selvagem”.

As duas publicações, Veja e Época, pareciam mais interessadas em favorecer o candidato

Aécio Neves contra Dilma Rousseff, talvez por acreditarem que a equipe de marketing

“tucana” seria mais eficiente no combate ao “marketing selvagem” adotado pela campanha

petista, contra seus adversários.

69 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/10/bmarina-silvab-o-segundo-turno-

discutiremos-no-segundo-turno.html

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5.3 – Propagandas eleitorais

A propaganda70 eleitoral que havia sido gravada por Eduardo e Marina antes da tragédia, a

primeira programada para ir ao ar no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), trazia

ambos vestidos de branco, explicando as razões pelas quais haviam se unido, “porque tinham

em comum os mesmos princípios e valores éticos”. Eduardo chamava Marina de “lutadora”,

enquanto Marina afirmava que Eduardo fora governador de Pernambuco duas vezes e tivera

seu trabalho reconhecido pelo povo e pela Organização das Nações Unidas (ONU). A vice

também afirmara que os grupos que estavam no poder há 20 anos haviam “virado as costas

para o povo”. O Brasil não precisava de novas promessas, mas de um novo caminho. Ao final,

entrava o jingle “Coragem pra mudar o Brasil, eu vou com Eduardo e Marina”.

O objetivo da propaganda eleitoral era claro: Eduardo e Marina estavam juntos em nome da

ética, reforçando-se a imagem de Eduardo como um político competente, que sabia fazer bem

ao povo e de Marina como uma lutadora. Ambos, unidos, acreditavam em um novo jeito de

governar e apresentavam um novo caminho ao eleitor brasileiro.

Com a morte de Eduardo, a propaganda gravada acabou substituída por outra propaganda71,

veiculada em 19 de agosto de 2014, que homenageava o presidenciável e os integrantes de sua

equipe que haviam morrido no acidente aéreo em Santos (SP). Com a música “Anunciação”

do cantor Alceu Valença ao fundo, foram mostradas imagens de Eduardo junto ao povo. Na

peça, o presidenciável falava de seu sonho de ver “um Brasil democrático, mais equilibrado

regionalmente”, dizia que não se devia desanimar e que era preciso “dizer não à corrupção,

não aos 39 Ministérios”. A propaganda reforçava a imagem de um político caloroso no

contato com o povo, entusiasta da boa política, que buscaria sanar as desigualdades sociais.

Depois que Marina assumiu a candidatura em lugar de Eduardo, após obter o apoio da família

do candidato, uma nova propaganda72 foi ao ar em 21 de agosto com imagens da candidata

recordando as homenagens que milhares de pernambucanos prestaram durante o velório e

enterro do ex-presidenciável, a qual chamou de “inequívoca demonstração de amor e de

70 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=26JWd9PPqDw 71 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Dpgz4pLKvo0 72 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=hJPlZPqiVQA

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respeito a um político”. Marina disse que Eduardo havia se revelado em sua morte e que os

brasileiros passaram a conhecer o “homem íntegro e carinhoso que se realizava em melhorar a

vida das pessoas”. Emocionada, Marina revelou ter revisto o primeiro programa que iriam

levar ao ar e o que mais tocara seu coração fora ver a imagem do abraço entre ambos.

Afirmou ainda que era preciso “sair do trauma da perda” porque a palavra de ordem era

crescer na disposição de servir ao povo, de “não desistir do Brasil”.

Em outra propaganda73 da coligação Unidos pelo Brasil, veiculada em 23 de agosto, Marina

ressurgiu mais uma vez de roupa branca falando sobre a necessidade de imprimir uma

mudança urgente nos rumos do País, com base em um programa de governo que ela e

Eduardo haviam feito. A candidata reforçou que não teria que dar Ministérios em troca de

tempo de TV e, mais uma vez, afirmou que os grupos que estavam no poder há 20 anos não

conseguiam dialogar nem escutar a sociedade e, com isso estavam “dividindo os brasileiros

em uma guerra”. Por fim, afirmou que existia gente boa em todos os partidos, nas

universidades, na sociedade civil e que, todos juntos, seríamos mais fortes.

No programa74 eleitoral exibido em 28 de agosto, Marina aparece em um comício, em meio à

população, lembrando que “quanto mais estrelas no céu, mais claro é o caminho”. Seria uma

analogia a Eduardo Campos? Poderia ser, pois falava da importância de se ter uma nova

postura, um plano de governo. Na sequência, a candidata exibiu imagens de uma família

assistindo ao primeiro debate entre os candidatos, realizado pela emissora de tv Band e a

reação positiva dos telespectadores, que a consideraram “sensata e segura” e capaz de apontar

os rumos para um “Brasil novo”.

Em outro programa75, de 30 de agosto, Marina mostrou imagens do lançamento do plano de

governo da coligação Unidos pelo Brasil em São Paulo, no qual destacava compromissos

como a melhoria do serviço público e educação em tempo integral e afirmava que se fosse

eleita permaneceria por apenas um mandato, para que houvesse alternância de poder. Indicava

73 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=cVOTPL0G3Ys 74 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wX4HS1Tcl0Q 75 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8iYhbt3wNHs

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ainda que os detalhes de todo o plano de ação estariam disponíveis no site

www.marinasilva.org.br

Nova propaganda76 veiculada em 2 de setembro mostrava imagens de Marina sendo recebida

entusiasticamente por simpatizantes, enquanto dizia que os adversários, assustados com as

pesquisas, começavam a atacá-la. A resposta: “estou vacinada contra ataques levianos”. A

candidata lembrava do que se fizera no passado, quando tentavam desqualificar Lula, um

operário que precisava do aval de um intelectual para chegar à Presidência da República.

Depois, Marina abordou a questão do ensino em tempo integral e também do projeto que

pretendia destinar 10% da arrecadação bruta do País para a saúde. Por fim, conclamou o

eleitor a entrar no site para fazer parte da mudança.

Em outro programa77, que foi ao ar em 4 de setembro, Marina afirmava que tinha um

programa para apresentar e que não iria atacar os adversários. Mais uma vez vestida com

roupa branca, dizia que o Brasil precisava de paz e de debates, não de embates. Falava do

passe livre para os estudantes e exibia imagens de um encontro com médicos na Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo (USP), no qual abordara a destinação de verbas para

a saúde.

Mais um programa78 foi ao ar, em 9 de setembro, falando que o Brasil já tinha um projeto

para quebrar a polarização de partidos que se mantinham no poder há 20 anos. Marina

comprometia-se a não destruir o que PSDB e PT fizeram de bom. Lembrou que no governo

Dilma a Petrobrás perdera metade do seu valor e aumentara quatro vezes a sua dívida. O

cantor Caetano Veloso apareceu na propaganda manifestando seu apoio à candidata,

afirmando que desde que conhecera Marina via nela um projeto político, uma “representante

dos anseios de mudança no organismo da sociedade brasileira”.

Os ataques a Marina Silva por parte da campanha de Dilma Rousseff foram a tônica da

propaganda79 eleitoral, que foi ao ar em 11 de setembro, faltando menos de um mês para a

realização do primeiro turno. Marina aparecia em meio ao povo nas ruas e afirmava que seu

76 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=cijBFe6Ngw8 77 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=NovQ4iBQSqg 78 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=inMHqSewFGw 79 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=cdumq7eyBHk

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diálogo era com a população brasileira. Na sequência, eleitores faziam perguntas e a candidata

respondia que manteria o Bolsa Família, que iria direcionar os recursos obtidos com a

exploração do pré-sal para a saúde e educação, que garantiria a autonomia do Banco Central

(Bacen) nomeando técnicos competentes que pudessem trabalhar sem a interferência de

políticos e que por meio do planejamento, de uma gestão eficiente e honestidade iria

conseguir dinheiro para atender as verdadeiras prioridades do Brasil.

Uma das propagandas80 de maior apelo emocional foi exibida em 16 de setembro de 2014, no

qual Marina revelou que sua família passara fome e que seus pais, algumas vezes, tinham

apenas ovo e farinha para oferecer como alimento aos filhos. A fala era uma resposta a

propaganda81 petista, que insinuara que no governo de Marina, que era apoiada por Neca

Setúbal, uma das herdeiras do Banco Itaú, os banqueiros teriam mais influência que o

Congresso e a população corria o risco de ver a comida desaparecendo de seu prato. Marina

Silva afirmava que não iria combater Dilma Rousseff com as armas dela, pois “aqueles que

viveram a experiência da fome jamais iriam acabar com o Bolsa Família”. Finalizou sua fala,

afirmando: “Não é um discurso, é uma vida”.

Em nova propaganda82 eleitoral, veiculado em 18 de setembro, Marina falou de seu passado

de lutas, dos 17 aos 28 anos, junto aos seringueiros do Acre, muitos deles assassinados, como

o líder Chico Mendes. Disse que seu compromisso com a causa socioambiental era maior do

que o medo que ela sentia. Lembrou ainda que o planeta sofria com os efeitos da devastação

ambiental e que isso podia ser percebido na falta de água em São Paulo. Revelou também que

na época em que fora ministra do Meio Ambiente o desmatamento caira significativamente e

que deixara o governo quando percebera que ele estava tomando o “rumo errado”. Marina

afirmou que se eleita criaria o Conselho Nacional de Mudanças Climáticas, iria resolver os

conflitos fundiários e demarcar as terras indígenas. Ao final, o cantor Gilberto Gil, presente

em uma reunião da candidata com a classe artística, apresentava a música que compusera para

Marina, chamada “Marinar vou eu”.

80 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=X5qM4ZdNGVw 81 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=YEk6f9RpnOM 82 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=YhSTGAPf_ag

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Em nova propaganda83 que foi ao ar em 20 de setembro e que iniciou-se com o número 40 (de

Marina) em destaque, a candidata falou dos prejuízos causados à população pela “velha

política”, na qual o governo distribui cargos e Ministérios para garantir mais tempo de TV.

Marina ressaltou que pretendia implantar em todo o Brasil o Pacto pela Vida, programa

contra a violência implementado por Eduardo Campos, que fora bem sucedido em

Pernambuco. E enfatizou, como forma de se contrapor aos adversários: “Nosso objetivo não é

derrotar nosso adversário a qualquer custo. Nosso objetivo é mudar a política, aposentar a

Velha República”. Já era possível perceber nesse programa eleitoral que Marina apresentava a

voz ligeiramente rouca.

Os problemas da Petrobrás, que se tornaram “caso de polícia”, seriam o destaque na

propaganda84 de Marina veiculada em 23 de setembro, que exibiu as manchetes dos jornais e

destacou que a perda de 200 bilhões de reais equivaleria a 15 anos de “passe livre” para os

estudantes. Foram exibidas imagens da candidata em um comício, com voz rouca; sua fala

mais contundente deu-se quando a candidata pediu que a presidente Dilma reconhecesse os

problemas e se desculpasse com os brasileiros por entregar um País pior do que havia

encontrado. Faltando apenas duas semanas para o pleito, o jingle da campanha de Marina

sofrera uma alteração, com o objetivo de destacar o número 40, da candidata do PSB.

“Coragem para mudar o Brasil, é 40, é Marina”.

Em novo programa85 exibido em 25 de setembro, Marina retomou o tema das mudanças

climáticas. Em imagens gravadas em meio ao que parecia ser uma floresta, afirmou que seu

objetivo era fazer do Brasil um País “economicamente próspero, socialmente justo,

politicamente democrático, ambientalmente sustentável e culturalmente diverso”. A candidata

voltou a dizer que manteria os programas sociais Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida,

dedicando-se também a recuperar a Petrobrás.

Surgiu pela primeira vez na propaganda86 eleitoral de Marina, veiculada em 25 de setembro, o

depoimento de Renata Campos, viúva de Eduardo Campos, pedindo um voto de confiança na

83 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=K6njfAXxKbk 84 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=3QaINdqop0I 85 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=G0aNOATPYh8 86 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pL9ZEYaYwOA

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candidata presidencial, falando da afinidade que existia entre Marina e Eduardo, da

complementariedade de idéias. Renata dizia que sua família sentia-se representada por Marina

e que se ela assumisse a Presidência seria uma “grande experiência, uma bela experiência para

o Brasil”. Ao final, foi exibida a imagem de Eduardo e Marina juntos, em uma carreata.

A data do primeiro turno se aproximava e Marina exibiu mais um programa87 eleitoral,

veiculado em 27 de setembro, com imagens de um comício, no qual falava que toda mudança

provocava dúvidas e insegurança e que aqueles que estavam no poder contavam “histórias de

terror”, de que pode-se perder o emprego, a casa, a comida, “como se tivesse sido o governo a

dar essas coisas, como se essas coisas não tivessem sido conquistadas com esforço e

trabalho”. Lembrou que o número de famílias endividadas estava crescendo e que sua

intenção era reduzir os custos administrativos de empréstimos para famílias que ganhassem

até cinco salários mínimos. A candidata afirmou ainda que iria garantir as conquistas da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e rever o fator previdenciário para beneficiar os

aposentados.

Em novo programa88 eleitoral, que foi ao ar em 27 de setembro, Marina voltou a falar da

inflação e de seus efeitos perversos na vida dos trabalhadores e das famílias, afirmando que

ela tinha um lado, o dos que precisam mais. Sua biografia foi apresentada novamente: uma

mulher forte, que viu seus amigos serem assassinados, que se alfabetizou aos 16 anos, fora

professora aos 26 anos e aos 36 anos havia assumido o cargo de senadora, a mais jovem da

República. Nenhum candidato presidencial havia conquistado tantos prêmios internacionais.

Apresentou pela primeira vez sua família, seus quatro filhos, dizendo que os dois primeiros

eram do primeiro casamento e os outros dois de seu segundo casamento, de 28 anos, com

Fábio Vaz. Ao final, foi dito que no segundo turno, com tempo igual de propaganda, o Brasil

iria saber mais sobre Marina e decidir quem poderia fazer mais pela vida dos brasileiros.

Em 2 de outubro de 2014 foi veiculado o último programa89 eleitoral antes do primeiro turno.

Nele, Marina aparecia sobre um tablado ao lado de seu vice Beto Albuquerque, que até não

havia sido apresentado aos eleitores, cercada pelos integrantes da coligação Unidos pelo

87 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ATcskoXj7q4 88 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=YAxRzE-l8i8 89 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Vo3HSI36eRo

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Brasil. O número 40 apareceu em destaque e a candidata dizia, com voz rouca: “a matéria

mais concreta da política é o sonho”. Lembrou que sonhara em deixar de ser analfabeta, que

respeitava a diversidade na prática e fazia uma dura crítica `a adversária Dilma Rousseff, ao

afirmar que “quem não foi nem vereadora e vira presidente do Brasil não entende isso”,

“come pela boca do marqueteiro, come pela boca do assessor”. Foi aplaudida de pé pelos

presentes e continuou: “não me venha chamar de mentirosa, porque mentira é quem diz que

não sabe que tinha roubo na Petrobrás”. Ao final, foi abraçada pelo vice Beto Albuquerque.

Já o seu adversário “tucano” Aécio Neves apareceu em sua última propaganda90 eleitoral ao

lado de toda a família em São João del Rey, sua cidade natal, agradecendo aos eleitores pelo

apoio. Foram exibidas imagens do debate eleitoral na TV Record, no qual fez ataques frontais

a candidata Dilma Rousseff. A propaganda destacava ainda que a única candidatura que

crescera era a de Aécio, enquanto a de Marina caíra. Chegara a “hora da virada”, do “voto útil

para vencer o PT”.

Candidata à reeleição, Dilma Rousseff apareceu em seu último programa91 eleitoral ao lado

do ex-presidente Lula, afirmando que seus adversários não valorizavam a exploração do pré-

sal, que traria importantes recursos para o País. Dizia que em um segundo mandato os jovens

teriam mais chances com o Pronatec Jovem Aprendiz e que 22 milhões de pessoas haviam

saído da condição de miséria.

Os programas eleitorais de Marina Silva, sobretudo os primeiros, foram dedicados a

homenagear Eduardo Campos, resgatando imagens nas quais o político pernambucano

percorria as ruas, em contato com a população. Como substituta de Eduardo, Marina buscava

honrar sua memória.

Nos programas seguintes, quase sempre vestida de roupa branca ou clara, Marina

demonstrava que pretendia dedicar os dois minutos a que tinha direito no HGPE ao diálogo

com a sociedade. O formato da propaganda geralmente reforçava essa idéia, ora com a

candidata discursando em palanques, ora falando diretamente ao eleitor para apresentar seu

90 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=O0dCHSDRtUg 91 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=sCVcS9CV6fE

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plano de governo. Marina também comentara os ataques que vinha sofrendo por parte da

campanha petista, em razão do bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto. A

candidata também falara de seu passado de lutas ao lado do líder Chico Mendes, em meio aos

seringais do Acre, e do medo que sentira naquela época. Reforçou seu compromisso com a

manutenção de programas sociais como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, sempre

reafirmando que não pretendia derrotar os adversários a qualquer custo. Lembrou também das

mudanças climáticas que vinham afetando a vida de todos, como a falta de água em São

Paulo.

Em suma, a propaganda eleitoral de Marina Silva buscava apresentar a imagem de uma

política autêntica, ética, honrada e sensível para com as necessidades do povo, que mesmo sob

ataque não iria valer-se de mentiras para desqualificar seus adversários. Assim costumam agir

os líderes carismáticos, que buscam mobilizar os sentimentos do eleitor, fazendo-os acreditar

em suas qualidades especiais e na sua missão política. Marina Silva tem seguidores e busca

zelar por seu capital político.

Em seu livro Marketing Político e Persuasão Eleitoral, o sociólogo Rubens Figueiredo

explica que o eleitor leal à liderança carismática não realiza propriamente um processo de

decisão de voto. Simplesmente vota no líder ou tende a seguir suas orientações de voto.

O líder é visto como político ideal, capaz de realizar sua missão justa, salvadora,

redentora. A afinidade é construída em função de motivações afetivas e emocionais. O

eleitor estabelece com o líder relações de admiração, confiança, devoção e lealdade;

torna-se um seguidor. Acompanha as opções da liderança personalista em sucessivas

eleições, independentemente de propostas, programas, opções partidárias e alianças

políticas (FIGUEIREDO, 2000, p. 121)

Já as escolhas dos eleitores feitas com base em intuição, sensibilidade e preferência envolvem

uma decisão. Esse tipo de eleitor não abriria mão de escolher ele mesmo uma alternativa ou

optar pela não participação no pleito.

A decisão que ele toma não é tão simples: ele percebe as imagens dos candidatos em

disputa, combina instintivamente essa imagem com os elementos do seu quadro de

referência valorativa e simbólica para, recorrendo a sua sensibilidade, fazer a escolha

(FIGUEIREDO, 2000, p. 121)

Uma questão inquietante no marketing político eleitoral é a possibilidade de transferência (ou

não) de votos e capital político de um candidato para outro. Nesse trabalho acadêmico, alguns

dos principais nomes do marketing político do Brasil foram questionados sobre esse tema.

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Para Gaudêncio Torquato, a transferência de votos de Marina para Eduardo Campos não

acontecera porque eles eram como “água e vinho” (vide Apêndice, página 157). O candidato

seria um “novo-velho coronel”, enquanto Marina assemelhava-se mais a Madre Teresa de

Calcutá ou irmã Dulce. Não haveria muita identificação entre os dois perfis.

Já Carlos Augusto Manhanelli (vide Apêndice, página 159) sequer mostra-se convencido de

que possa haver transferência de capital político. Para o consultor, os “marineiros” rejeitaram

Eduardo porque não aceitaram Marina como vice. Logo, Eduardo Campos contava apenas

com os votos dos pessebistas e de quem já o conhecia.

Por fim, Chico Santa Rita (vide Apêndice, página 162) observou que a transferência de capital

político somente se daria na soma de fatores muito subjetivos. No caso de Marina e Eduardo,

inicialmente parecia um encontro de contrários. Caso Eduardo não tivesse morrido, talvez

essa “transferência” pudesse vir a se materializar, a partir da entrada do Horário Gratuito de

Propaganda Eleitoral (HGPE).

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CAPÍTULO 6 – A DERROTA DE MARINA NAS URNAS

Após a morte de Eduardo Campos, Marina Silva iniciara a sua campanha eleitoral com 20%

das intenções de votos, mesmo desempenho obtido na eleição presidencial de 2010. Seu

eleitorado mostrara sua força e, pouco a pouco, a candidata crescera nas pesquisas eleitorais

agregando novos simpatizantes. Assim, chegara às vésperas do primeiro turno empatada

tecnicamente com o candidato Aécio Neves. Abertas as urnas, Marina Silva conquistara o

terceiro lugar com 21,32% dos votos válidos, número superior ao obtido em 2010, que fora de

19,33%. Porém, o nome do fenômeno da eleição presidencial de 2014 fora o “tucano” Aécio

Neves, que alcançara 33,55%, enquanto Dilma Rousseff obtivera 41,59%.

Qual a leitura que as duas principais revistas de informação semanais dentro do campo

jornalístico fizeram da ascensão de Aécio e da queda da intenção de votos em Marina, às

vésperas do pleito?

Na edição de número 2395 (15/10/2014) a revista Veja destacara a inusitada “virada” de

Aécio Neves, que segundo a publicação teria conquistado 30 milhões de votos de um dia para

o outro. Época também buscava analisar as causas da derrota da socioambientalista para

Aécio Neves. Na matéria92 Com a derrota de Marina Silva mais uma vez a terceira via não se

concretiza a publicação citava que a ex-senadora havia “desidratado” nos últimos dias de

campanha e que desde a redemocratização não se vira dois candidatos “embolados” na

segunda posição. Ao lembrar que a trajetória de Marina à presidência da República fora

marcada por reviravoltas, Época via na derrota da candidata um sinal de que a busca por

mudança no cenário político, que levara sobretudo jovens às ruas em junho de 2013, não se

materializara na hora do voto. Questionada se errara ao longo da campanha, Marina

respondeu que não se arrependia das decisões tomadas. “Não estou aqui derrotada, mas de pé,

como alguém que não abriu mão dos princípios para ganhar a eleição”.

Outra matéria93, publicada por Época em 6 de outubro de 2014, de autoria do jornalista

Alberto Bombig, lembrava da importância que poderia ter o apoio de Marina Silva à Aécio

92 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/10/bcom-derrota-de-marina-silvab-

terceira-mais-uma-vez-nao-se-concretiza.html 93 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/10/quem-interessa-insistir-na-

bdesconstrucao-de-marina-silvab.html

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Neves e ainda questionava a quem interessava a desconstrução de Marina, sob o argumento de

que ela “saira menor” dessa eleição. O texto elencava alguns fatores que contrariavam essa

tese: Marina fizera uma campanha “sem baixarias”; tinha apenas dois minutos no HGPE; o

PSB não se empenhara em ajudá-la e era controlado por alas divididas entre a preferência pelo

PT ou PSDB; a campanha de Marina não tinha capilaridade; não tinha a máquina pública

trabalhando a seu favor; a candidata teria recebido críticas duras de Aécio Neves e de Luciana

Genro (PSOL) e até o ex-presidente Lula entrara em cena para atacar Marina; o ataque

preferencial do PT à Marina deixara Aécio Neves livre para crescer na reta final e, por fim, a

equipe de marketing da candidata era muito fraca, se comparada a dos adversários.

Marina também demorara para responder aos ataques de uma “campanha dura, impiedosa e

muitas vezes ardilosa”. Ao concluir o texto, Bombig ressaltou: “Ao vê-la tão serena e feliz na

noite de domingo após o resultado final cheguei a imaginar que ela estivesse aliviada por ter

sido derrotada”.

Restava saber qual seria o posicionamento de Marina no segundo turno. Apoiaria um dos

candidatos ou faria como em 2010, quando optou pela neutralidade?

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6.1 – O apoio ao “tucano” Aécio Neves contra o PT

Mais uma vez, a Marina Silva de 2014 surpreendeu o mundo político ao apoiar na reta final o

candidato “tucano” Aécio Neves contra Dilma Rousseff. Uma atitude que soou contraditória,

já que ao longo da campanha a candidata recusara-se a subir em palanques regionais onde

houvesse aliança entre o PSB de Campos e o PSDB de Aécio, como em São Paulo, maior

colégio eleitoral do País.

Na edição de número 2396 (22/10/2014), Veja trouxe a matéria Viagem à Mente dos

Indecisos, alertando que aqueles que não tinham candidato é que definiriam o próximo

presidente da República. Ilustrando a matéria havia uma foto (próxima página) de Aécio

beijando as mãos de Marina, em agradecimento por seu apoio e ainda uma outra foto

(próxima página) do candidato “tucano” ao lado dos filhos e da viúva de Eduardo Campos,

Renata, a quem Veja chamou de “madrinhas”. O texto também chamara a atenção para o fato

de que nas eleições presidenciais anteriores 15% do eleitorado decidira em quem votar apenas

na véspera do primeiro turno – 6% no sábado e 9% no dia da eleição.

O segundo turno seria realizado em quatro dias. Mais uma vez, pode-se perceber por parte do

campo jornalístico uma preferência pelo oposicionista Aécio Neves, com a matéria trazendo

inclusive um mapeamento dos vetores que poderiam favorecer o candidato. A matéria

também destacava o poder do ex-presidente Lula de influenciar 37% do eleitorado, com sua

recomendação.

Outra matéria, intitulada Uma questão de caráter, buscava explicar as razões pelas quais

criticar a índole, o temperamento e os defeitos reais ou inventados do adversário ainda poderia

render mais votos do que apresentar um programa de governo.

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Veja – edição 2396 (22/10/2014)

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Fazer críticas ao adversário é uma questão sensível em qualquer campanha eleitoral. De

acordo com Patrick Charaudeau, especialista em análise de discurso, o sujeito político que

combate um adversário busca refutar os valores preconizados por aquele, por meio de uma

boa argumentação. Porém, se essa argumentação for “pesada, complexa ou sutil” corre-se o

risco de não ser compreendida pela massa dos cidadãos.

É por isso que frequentemente em política a argumentação se reduz a esse

procedimento de ataques ad hominem, que questiona a probidade do adversário, suas

contradições, sua incapacidade de manter promessas, suas alianças nefastas e sua

dependência diante da ideologia de seu partido, que lhe retira toda liberdade de fala e

de ação. (CHARAUDEAU, 2011, pg. 93)

Alberto Carlos Almeida, autor do livro A cabeça do eleitor, afirma que do ponto de vista do

eleitorado há ataques que “colam” e ataques que “não colam” no adversário. Quando “colam”

é porque conseguiram atingir a credibilidade do candidato.

“Com a quebra de confiança, perdem seu potencial de crescimento e deixam de ser

competitivos” (ALMEIDA, 2008, pg. 85)

Já Rubens Figueiredo, em sua obra Marketing Político e Persuasão Eleitoral, observou que

os eleitores passam a gostar menos do que estão assistindo quando o candidato passa a atacar

seus adversários, ao invés de fazer propostas.

A citação exaustiva de números e promessas exageradas também costuma saturar o

eleitor. Quando o candidato insiste em falar coisas abstratas, que pouco tem a ver com

o dia a dia do cidadão, a aceitação também cai. E assim por diante. (FIGUEIREDO,

2000, pg. 24)

À medida que a realização do segundo turno entre Aécio Neves e Dilma Rousseff se

aproximava, foi possível observar uma atuação mais incisiva por parte da revista Veja.

Praticamente às vésperas do pleito a publicação trouxe na capa (próxima página) as imagens

do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff, que foram acusados em depoimento

pelo doleiro Alberto Youssef à Polícia Federal, feito em 21 de outubro, de saberem de toda a

corrupção que existia na Petrobrás. Parte da matéria94 foi antecipada com exclusividade em 23

de outubro, na versão online.

O fato causou forte repercussão e a coligação Com a Força do Povo, da candidata Dilma, bem

como o PT, recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a iniciativa de Veja,

94 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/dilma-e-lula-sabiam-de-tudo-diz-alberto-youssef-a-pf/

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obtendo por parte do ministro Admar Gonzaga o direito de resposta95. Outro episódio

marcante na corrida eleitoral foi a iniciativa de integrantes da União Juventude Socialista

(UJS) que, conforme matéria96 publicada pelo site de O Globo, dirigiram-se à sede da Editora

Abril, pixaram muros e despejaram lixo em frente ao prédio, ato repudiado pelas associações

de imprensa e pelos candidatos.

Na véspera do pleito, Veja atualizou a matéria97 com a denúncia sobre Dilma e Lula e a

disponibilizou na íntegra, com um preâmbulo no qual justificava sua decisão de veicular o

texto. "Basta imaginar a temeridade que seria não publicá-la para avaliar a gravidade e a

necessidade do cumprimento desse dever", argumentou a publicação.

A iniciativa de Veja explicitou, mais uma vez, como a imprensa tende a atuar como ator

político em suas interações com a política, confirmando o que afirmava o sociólogo francês

Pierre Bourdieu sobre os “campos sociais”. Nesse caso específico, sob o argumento de que

“eventos relevantes não escolhem o momento de acontecer”, Veja alegou estar cumprindo um

“dever jornalístico”, ainda que fosse véspera de uma eleição presidencial.

95 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/direito-de-resposta/ 96 Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/associacoes-de-imprensa-repudiam-ataque-predio-da-editora-

abril-em-sao-paulo-14358319 97 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/youssef-o-planalto-sabia-de-tudo-delegado-quem-do-

planalto-youssef-lula-e-dilma

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Veja – edição 2397 (29/10/2014)

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Época, por sua vez, publicou em 17 de outubro uma matéria98 intitulada O troco de Marina

Silva na qual mencionou que a socioambientalista chegara ao evento no qual iria se anunciar

sua adesão à campanha tucana “menos abatida, com a cabeleira solta e um sorriso no rosto”.

A publicação ainda elogiara a iniciativa do candidato Aécio Neves de divulgar o documento

“Juntos pela Democracia, pela Inclusão Social e pelo Desenvolvimento Sustentável”,

compromissos assumidos pelo “tucano” com os temas socioambientais. A publicação via no

apoio de Marina ao candidato uma espécie de “revide” aos ataques que recebera do PT. O

texto ainda descrevia em detalhes sua relação com Lula e destacava uma fala de Marina: “Não

podemos mais continuar apostando no ódio, na calúnia e na desconstrução das pessoas e

propostas apenas pela disputa de poder, que dividem o Brasil”.

98 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/10/o-troco-de-bmarina-silvab.html

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6.2. – A imagem de Marina e do PSB pós eleição

O apoio a Aécio Neves teria sido uma estratégica favorável para a imagem política de Marina

Silva? Como as principais revistas semanais retrataram a aliança Marina/Aécio?

Veja, em sua edição 2397 (29/10/2014), trouxe matéria intitulada Os dez ataques que

envenenaram a campanha, na qual afirmava que a campanha presidencial de 2014 ficara

marcada na história política brasileira como “aquela em que o grupo do governo usou a

retórica e os métodos mais sujos para desqualificar seus oponentes”. A publicação afirmava

que “as armas de destruição do PT começaram a ser testadas com Marina”. E completou: “A

frágil, conciliadora e moderada Marina foi retalhada pela máquina de difamação petista e

remontada na forma de um monstro moral, perigo para o Brasil e o mundo, o equivalente na

política à epidemia de ebola”.

Já Aécio Neves teria sido transformado aos olhos do eleitor em “espancador de mulheres”,

“psicopata”, “bêbado”, “drogado”, “nazista”, “cafajeste”, “a mais recente encarnação de uma

linhagem de dragões-de-komodo devoradores de pobres”.

Para a publicação, portanto, ambos haviam sido vítimas de uma campanha desleal por parte

dos petistas.

Já a edição 2398 (05/11/2014) de Veja trazia duas chamadas de capa (próxima página). A

primeira intitulava-se Manual de sobrevivência para o segundo mandato de Dilma. A

segunda, O Brasil perdeu o medo do PT. A revista parecia deixar claro sua contrariedade com

a reeleição da presidente Dilma. Ampla reportagem com Aécio Neves revelava as reações

iniciais do candidato, de sua família e simpatizantes, diante da derrota. O otimismo inicial

dera lugar a um clima de “baixo astral geral”. A matéria lembrava que o resultado

conquistado pelo “tucano” havia sido a maior votação que o PSDB já obtivera em um

segundo turno de eleição presidencial. Ao comentar o nível da campanha, Aécio teria dito:

“Eduardo e Marina foram tratados como inimigos da humanidade. Pessoas decentes e figuras

públicas com contribuições sociais extraordinárias... Esse Brasil sem medo do PT vai ser

percebido logo pelo governo... A oposição sai revigorada desse processo. Estou pronto para

assumir o meu lugar nela”. Para ilustrar, Aécio dizia que tomava emprestado a frase de

Marina sobre “perder ganhando”. “Já a nossa adversária, pelo nível da campanha que fez,

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ganhou perdendo”, sentenciou. Segundo a reportagem, Marina Silva seria uma “neoaliada”

que juntamente com Aécio tinha planos para unificar estratégias no futuro.

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Veja – edição 2398 (05/11/2014)

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Já a edição 2399 (12/11/2014) abordou a solidão da presidente Dilma Rousseff no poder, em

contraste com o tratamento conferido ao oposicionista Aécio Neves, que fora recebido como

“celebridade” no Congresso Nacional. “Faremos uma oposição incansável, inquebrantável e

intransigente na defesa dos interesses dos brasileiros”, teria dito o ex-candidato presidencial.

A matéria também afirmava que o discurso do PSDB, “mais ou menos social democrata”, fora

“surrupiado” por um PT que migrou da esquerda para o centro, na mesma medida em que o o

partido “deixava de ser a legenda defensora dos trabalhadores e dos fracos para virar o partido

dos desempregados e dos pobres”.

Na edição 2401 (26/11/2014) de Veja havia duas notas sobre a Rede Sustentabilidade. A

primeira dava conta de que o “processo decisório vacilante” de Marina Silva paralisara a

criação da Rede Sustentabilidade. Guilherme Leal, um dos donos da empresa Natura, e até a

filha de Marina, Mayara, eram contra a criação do partido imediatamente, sob o argumento de

que era preciso “aguardar as insatisfações das outras siglas para montar um partido com maior

representatividade”. Já a militância da Rede queria a criação do partido ainda no primeiro

bimestre de 2015. Marina Silva ainda não teria decidido entre as duas possibilidades, mas

havia deixado claro que não pretendia “submergir” como fizera após a disputa presidencial de

2010, o que poderia significar uma participação mais ativa nas eleições municipais de 2016.

A edição 2406 (31/12/2014) de Veja, a última do ano, trazia a matéria Marina e os estados da

matéria, na qual buscava-se retratar a trajetória da candidata presidencial na eleição.

Novamente a publicação, como fizera por ocasião da morte de Eduardo Campos, utilizava

uma imagem de Marina (próxima página) dentro de um carro, em um dia chuvoso. Afirmava

que o destino a transformara de vice em titular e que Marina, montada em uma catapulta

armada com os quase 20 milhões de votos obtidos em 2010, lançara-se ao ar, atingindo altura

surpreendente que a levou a empatar com Dilma Rousseff, ao final de agosto. Porém, “atacada

pelo bombardeio petista, liquefez-se em um mês e, encerrada a eleição, passou ao estado

gasoso: desfez-se na paisagem”.

Ainda conforme o texto, Marina estaria recolhida para recuperar os 3 quilos que havia perdido

durante a campanha eleitoral, enquanto seus apoiadores seguiam coletando as assinaturas que

faltavam para colocar a Rede Sustentabilidade em pé. Aos que duvidavam, afirmavam que

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Marina voltaria “sólida como uma rocha”. A publicação concluía: os próximos meses dirão de

que matéria Marina é feita.

Veja também fez uma referência ao clã de Eduardo Campos, na matéria O destino de uma

dinastia. A matéria, ilustrada com uma imagem (próximas páginas) de José, aos 9 anos,

abraçado ao caixão do pai, refletia a tristeza dos brasileiros pela morte do candidato, “trágica

em todos os aspectos”. Morto aos 49 anos, Eduardo acabara de ser pai pela quinta vez. Como

político, era tido como uma das “grandes promessas do cenário nacional”. Conseguira, com

sua morte, eleger seu candidato ao governo de Pernambuco. A publicação também chamava a

atenção para o filho mais velho, João, que poderia vir a ser candidato a deputado federal nas

próximas eleições. A viúva Renata passara a ser a “última instância” do PSB no estado de

Pernambuco. Restava saber se a dinastia que começara com Miguel Arraes e continuara com

Campos teria forças para manter sua influência além das fronteiras pernambucanas.

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Veja – edição 2406 (31/12/2014)

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Veja – edição 2406 (31/12/2014)

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Já Época (05/11/2014) trouxe uma entrevista99 com a socióloga Maria Sylvia Franco, que teve

por orientador o sociólogo Florestan Fernandes e por colega o ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso. Na matéria, intitulada Há um abismo entre Lula e a ingenuidade de

Dilma, a entrevistada afirmava que a “nova política” tratava-se de uma fórmula retórica. “Era

ilusão da parte de Marina acreditar na política fora do espectro da direita e da esquerda. Foi

um milagre ela ter conseguido mais votos que em 2010, diante da campanha agressiva do PT.

A campanha da presidente Dilma foi um grande desserviço para a cidadania”.

Outro texto100, publicado na mesma edição de Época, elencava o nome dos potenciais

presidenciáveis para a eleição de 2018. Marina Silva aparecia como representante da “terceira

via”. Outros presidenciáveis seriam o ex-presidente Lula, o senador Aécio Neves, o

governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o chefe da Casa Civil Aloisio Mercadante e o

prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. A avaliação de Época sobre Marina era: “Ela

poderá ser candidata, de novo, em 2018, após duas eleições presidenciais em que não passou

para o segundo turno, mas obteve boas votações. Precisará, antes de tudo, criar seu partido, a

Rede Sustentabilidade. Entretanto, ao anunciar apoio a Aécio Neves, Marina perdera parte do

discurso da terceira via, que rejeita tanto o PT como o PSDB. Segundo a publicação, o apoio a

Aécio custara-lhe dissidências no grupo da Rede e chegara num momento do segundo turno

em que ela pouco acrescentou em votos.

99 Disponível em http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/11/ha-um-abismo-entre-lula-e-b-ingenuidade-de-

dilmab-diz-sociologa.html 100 Disponível em http://epoca.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/11/os-principais-nomes-para-beleicao-de-

2018b.html

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Em 13 de dezembro de 2014 Época abordava em outra matéria101 intitulada Marina Silva é

eleita mulher do ano por jornal britânico a escolha feita pelo jornal Financial Times,

incluindo a socioambientalista brasileira entre outras 14 importantes personalidades femininas

em nível mundial. O texto da publicação britânica afirmava que Marina era uma “verdadeira

idealista” e que no mundo havia poucos políticos com uma concepção tão moderna quanto a

dela.

101 Disponível em http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/bruno-astuto/noticia/2014/12/bmarina-silvab-e-eleita-

mulher-do-ano-por-jornal-britanico.html

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Época (13/12/2014)

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Terminada a acirrada eleição presidencial de 2014, questiona-se porque Marina Silva,

detentora de uma capital político de cerca de 20 milhões de votos na eleição presidencial

anterior, não conseguira mais uma vez se eleger para o cargo de presidente da República.

Quais teriam sido as razões?

Para Alberto Carlos Almeida, autor de A cabeça do eleitor, candidato que tem identidade não

tem “pés de barro”. Ou é assumidamente de governo ou de oposição, ou é claramente um

administrador ou é alguém que cuida do social, pois a pior coisa que pode acontecer a um

candidato é a falta de clareza na imagem.

Quem é mais lembrado larga na frente em uma corrida curta: as vezes é preciso

disputar várias eleições antes de se tornar o favorito (ALMEIDA, 2008, pg. 53).

Pode-se dizer que Marina construiu uma imagem de “candidata da ética”, porém o eleitor

parece ainda não estar convencido de sua capacidade para ocupar a Presidência da República.

Já o estrategista político Chico Santa Rita acredita que a relutância ou mesmo aversão de

Marina Silva ao marketing político tem resultado em campanhas eleitorais sem rumo, sem

consistência, nas quais sequer parece se entender quem é e como pensa o eleitor.

Seu discurso atinge apenas seu próprio mundo, as pessoas que de algum modo pensam

parecido com ela. Foi assim em 2010, continuou assim em 2014. (SANTA RITA,

2014, pg. 15)

Gaudêncio Torquato parece partilhar da opinião de Chico Santa Rita. O consultor político

acredita que Marina cometeu o grande erro de falar para os militantes da sustentabilidade e

também encontrava resistências dentro do PSB. Na entrevista concedida para integrar esse

trabalho acadêmico (vide Apêndice, página 157) Torquato foi taxativo. “Marina não

expressou um discurso para o País. Faltou-lhe habilidade política, jogo de cintura, discurso

mais condizente com uma candidata à presidência da República. Foi tragada pelas grandes

máquinas de Dilma e Aécio. No meio, estiolou-se, fragmentou-se. Não me lembro de acertos.

Sua imagem acabou esfacelada”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A eleição presidencial de 2014, além de evidenciar os embates e intersecções entre os campos

jornalístico e político, trouxe também à tona as discussões sobre o potencial e as limitações

(inclusive éticas) do marketing político. Também foi possível observar o nível crescente de

espetacularização das campanhas eleitorais e ainda mais na cobertura jornalística da morte do

candidato presidencial Eduardo Campos.

Em lugar de plataformas políticas consistentes para resolver os problemas cruciais que o

Brasil tem enfrentado, o que se viu nessa campanha eleitoral foi, mais uma vez, o foco na

construção e desconstrução da imagem dos candidatos, transformados em meros personagens

nesse “Estado Espetáculo”. O debate político necessário ficou em segundo plano.

Eduardo Campos vinha construindo sua imagem pública como um político habilidoso,

realizador e entusiasta. O “líder charmoso” talvez não avançasse para o segundo turno, porém

a tendência era a de que saísse maior e mais preparado para a eleição presidencial de 2018,

depois de tornar-se conhecido em nível nacional. A morte trágica, entretanto, roubou-lhe a

possibilidade de concretizar o seu sonho de vir a ser presidente do Brasil.

Líderes carismática com seguidores, Marina Silva apresentou-se mais “pragmática” nessa

eleição presidencial, ao firmar alianças com o pessebista Eduardo Campos e com o “tucano”

Aécio Neves. Marina foi ao mesmo tempo “programática pragmática” e buscava manter-se

fiel aos princípios que a norteiam.

Ao abrigar-se no Partido Socialista Brasileiro (PSB), Marina ofereceu a Eduardo um discurso

“programático”, do qual o candidato precisava para dar sustentação a um ethos de político

inovador, em contraposição à imagem tradicional com a qual costumava ser percebido pelo

eleitorado pelo fato de ser neto e herdeiro político de Miguel Arraes.

Principal revista semanal de informações do País, Veja adotou um posicionamento ambíguo

em relação a Eduardo Campos e Marina Silva. A publicação mostrou-se simpática ao

candidato e depois de sua morte conferiu-lhe uma imagem ainda mais positiva, quase

mitificando-o. Já em relação a Marina Silva os termos utilizados para defini-la se alternavam

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entre elogios e críticas, de “coadjuvante discreta, leal e disciplinada de Eduardo” à “enigma”,

“esfinge” e “aventura”. As críticas se intensificaram sobretudo no momento mais acirrado da

eleição, quando a candidata disputava a segunda colocação com o adversário Aécio Neves. Já

em outro momento Veja passou a defender Marina Silva dos ataques do PT, ao mesmo tempo

que criticava e chamava o “marqueteiro” de Marina de “amador”, lembrando que os

“marineiros” pareciam orgulhosos da “pureza” de sua candidata.

Se Marina Silva tem de fato resistência ao marketing político, talvez fosse oportuno à líder da

Rede reconsiderar esse posicionamento. Para combater o “marketing selvagem” do qual alega

ter sido vítima, teria sido melhor se contrapor com um “marketing eficaz e ético”. Quando um

candidato presidencial possui capital político e tem de fato o dizer, não precisa “falar pela

boca do marqueteiro”.

Época, por sua vez, buscava adotar um tom mais moderado nos elogios e nas críticas à

Eduardo e Marina. As matérias tendiam a ser mais contextuais e menos incisivas, com

algumas exceções. Possivelmente as considerações mais duras tenham sido reservadas aos

telejornais da TV Globo e da Globonews, nos quais o “poder de fogo” da família Marinho se

evidencia, na construção ou desconstrução das figuras públicas.

Defensora do desenvolvimento sustentável, Marina coloca-se como representante de uma

“terceira via”. Nessa “nova política” apregoada por Marina seria possível governar com os

melhores quadros de qualquer partido, com base em um projeto para o País e em um

programa de governo consistente. O tempo dirá se a utopia poderá transformar-se em

realidade.

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ENTREVISTA - GAUDÊNCIO TORQUATO DO REGO*

1) Quais os principais acertos e erros (e suas razões) na campanha de Eduardo

Campos?

Eduardo Campos tinha a melhor estampa da campanha. Poderia ser a alternativa melhor. Seu

desafio era: tornar-se conhecido. A fatalidade o levou em agosto. Portanto, não fez, a rigor

uma campanha intensa, forte. Estava começando. Deveria, claro, fixar um habitat no Sudeste,

o maior colégio eleitoral do país.

2) Quais os principais acertos e erros (e suas razões) na campanha de Marina Silva?

Marina cometeu o grande erro de falar para os militantes da sustentabilidade. Tinha contrários

a ela no PSB. Não expressou um discurso para o País. Faltou-lhe habilidade política, jogo de

cintura, discurso mais condizente com uma candidata à presidência da República. Foi tragada

pelas grandes máquinas de Dilma e Aécio. No meio, estiolou-se, fragmentou-se. Não me

lembro de acertos. Sua imagem acabou esfacelada.

3) Por que a esperada transferência do capital político de Marina Silva para Eduardo

Campos não aconteceu?

Era água e vinho. Não vi muita identificação entre as duas identidades. Eduardo era um novo-

velho coronel, aprendeu política com o avô, Miguel Arraes. Marina estava mais para Madre

Tereza de Calcutá ou irmã Dulce. Uma pessoa pura. Eduardo Campos, mesmo com o sorriso e

os olhos azuis, era uma raposa política. O casamento de conveniências não daria mesmo certo.

4) Como avalia o uso feito pela campanha de Marina da imagem de Campos, após sua

morte? Acertaram o tom?

Não acho que acertaram o tom. A comoção pela morte de Campos impulsionou a galera

jovem, mas não a ponto de ampliar o contingente eleitoral. Marina passou a ter um voto

desidratado. Os donos do PSB não entraram forte na campanha. Marina praticamente ficou

isolada.

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5) A estratégia de "vitimização" de Marina frente aos ataques do PT foi um erro fatal,

que lhe custou o segundo turno?

Emergiu a imagem de uma pessoa fraca, dócil, incapaz de enfrentar a borrasca política. Ora, o

eleitor quer ver no perfil uma fortaleza. Faltou a Marina o valor da Autoridade. Firmeza.

Isolou-se na redoma da sustentabilidade. Uma candidata de um tom só.

6) Como avalia a aliança entre Aécio e Marina para o segundo turno? Quem mais

ganhou e quem mais perdeu capital político com essa aliança?

Aécio ganhou mais. Marina perdeu. Aécio passou a ser visto como a alternativa ao PT. Tanto

que sua imensa votação o jogou no ringue, a ponto de ameaçar a favorita Dilma, que acabou

ganhando com a força da máquina e um “marketing do espetáculo”, viciado, simulador e

dissimulador, na expressão do cardeal Mazarino.

Só posso dizer que Marina falou apenas para militantes, não para o conjunto do eleitorado.

Aécio, por sua vez, também passou a imagem de um político não de todo experimentado.

Em suma, Eduardo poderia crescer, caso a morte não o levasse.

Dilma teve um marketing mais forte, cheio de promessas. Vendeu. Mais uma vez, esperança.

Tinha muita mentira. João Santana usou ardis do velho marketing.

7) Por fim, por que Marina parece ter optado por uma atitude mais pragmática (aliança

com Campos, aliança com Aécio) em 2014? A atitude de neutralidade, como em 2010,

teria sido mais vantajosa para a candidata?

Teria sido melhor a atitude de neutralidade. Apareceria como dona de seu nariz. Aliás, teve de

se submeter a um escopo com o qual na concordava em alguns pontos.

*Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Católica de Pernambuco (1966); Doutor em

Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1973). Livre

Docente e Professor Titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP (1983/1998).

Pioneiro dos estudos de Comunicação no país e um dos maiores especialistas brasileiros em

Comunicação Organizacional, Marketing Político e Eleitoral. ** Entrevista realizada por e-mail em 20/08/2015

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ENTREVISTA - CARLOS AUGUSTO MANHANELLI*

1) Quais os principais acertos e erros (e suas razões) na campanha de Eduardo Campos?

Eduardo Campos era governador de Pernambuco e, como tal, não tinha uma imagem

consagrada nem conhecida nacionalmente. O recomendável como primeiro passo é tornar-se

conhecido para depois pedir voto, sobretudo se a intenção é ser um candidato presidencial.

Eduardo Campos era um desconhecido em nível nacional, lastreando-se em Marina Silva.

Ambos vinham da mesma raiz ideológica, de esquerda. Entretanto, eram percebidos como

“água’ e “vinho”. Os eleitores, de uma forma geral, também desconheciam a postura política

do Eduardo. Quem já leu o livro “O Estado Espetáculo” pode perceber que Eduardo seria,

nessa eleição, o “líder charmoso”. Aécio encarnaria a figura do “herói” e Dilma, a da “mãe”.

Eduardo Campos não chegaria ao segundo turno, pois seu eleitorado era o socialista. Com

sorte, iria conquistar de 15% a 20% das intenções de voto no primeiro turno, depois da

entrada do Horário Gratuito Político Eleitoral (HGPE).

2) Quais os principais acertos e erros (e suas razões) na campanha de Marina Silva?

Marina Silva praticamente retomou sua campanha de 2010, após a morte do Eduardo Campos.

Pode-se dizer que ela ainda tem a imagem de candidata “de uma nota só”, no caso, do Meio

Ambiente. O mesmo havia acontecido com o político Cristovam Buarque, “candidato da

Educação”, quando foi candidato presidencial. E temos uma agravante: o eleitor brasileiro

ainda mostra-se pouco sensível à causa ambiental. O Eduardo Campos nada agregou à

Marina.

3) Por que a esperada transferência do capital politico de Marina Silva para Eduardo

Campos não aconteceu?

Não existe transferência de capital político. Marina aliou-se a Eduardo, mas os “marineiros”

rejeitaram Eduardo, não aceitaram Marina como vice. Eduardo Campos manteve-se

estacionado até sua morte na corrida eleitoral porque tinha apenas os votos dos pessebistas, de

quem o conhecia.

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4) Como avalia o uso feito pela campanha de Marina da imagem de Campos, após sua

morte? Acertaram o tom?

Após a morte do Eduardo houve uma comoção nacional e essa carga de emoção transformou-

se em intenção de voto em Marina Silva. Ela subiu vertiginosamente, até porque os

“marineiros” entraram em cena. Porém, essa tendência emocional tende a decrescer à medida

que a razão se sobrepõe, quando o eleitor começa a pensar mais seriamente em quem tem

mais capacidade para resolver os problemas. Foi o que aconteceu a partir de 15 de setembro.

Embora viesse de um governo mal avaliado, Dilma podia afirmar: nós implantamos, nós

continuamos. O ambiente era mais plebiscitário do que eleitoral. Cabia ao eleitor seguir com o

projeto que começou com Lula ou mudar para um outro projeto político. Aliás, Lula não

transferiu votos para Dilma. O que o eleitor fez foi decidir pelo “sim”, pela continuidade de

um projeto político, por uma gestão que se iniciara com Lula. O “marqueteiro” da Dilma, o

João Santana, fez um bom diagnóstico desse ambiente eleitoral. Era isso que estava em jogo.

A campanha de Marina não acertou o tom. O uso da imagem de Campos era algo muito

sensível, porque lembrava tristeza, tratava-se de uma lembrança dolorosa. E a propaganda

precisa ser positiva, é preciso dar argumentos ao militante para conquistar o eleitor. Isso não

aconteceu.

5) A estratégia de "vitimização" de Marina frente aos ataques do PT foi um erro fatal,

que lhe custou o segundo turno?

Entendo que não havia muita saída para Marina Silva. Essa foi a reação natural frente a

imagem pública que ela tem. Se Marina reagisse de maneira agressiva causaria um

estranhamento, uma desconfiança no eleitorado.

6) Como avalia a aliança entre Aécio e Marina para o segundo turno? Quem mais

ganhou e quem mais perdeu capital político com essa aliança?

Marina foi quem mais perdeu. O “marineiro” não acompanhou e ela ainda perdeu identidade.

Entendo que essa eleição foi muito violenta. Talvez ela quisesse dar o troco, responder aos

ataques que sofreu.

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7) Por fim, por que Marina parece ter optado por uma atitude mais pragmática (aliança

com Campos, aliança com Aécio) em 2014? A atitude de neutralidade, como em 2010,

teria sido mais vantajosa para a candidata?

Marina já tem uma identidade, uma imagem construída. Depois, durante a campanha de 2014,

o discurso adotado foi o do “provisório”. Marina fazia questão de dizer que estava no PSB

mas não era pessebista, era Rede. Enfim, não passou segurança para o eleitorado.

*Publicitário, Jornalista, Radialista, Administrador de Empresas com especialização em Propaganda e

Marketing pela ESPM, MBA em Marketing pela USP, pós-graduado em Ciência Política pela

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e Mestre em Comunicação Social pela

Universidade Metodista de São Paulo.

** Entrevista por email concedida em 21/08/2015

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ENTREVISTA - CHICO SANTA RITA*

1) Quais os principais acertos e erros (e suas razões) na campanha de Eduardo

Campos?

Na pré-campanha, a partir do início do ano, Campos mostrava ter consciência da existência de

um sentimento anti-PT. Com a baixa aprovação do governo Dilma (sempre em torno de 40%)

também era bem clara a possibilidade de haver um segundo turno. Assim, Eduardo Campos

disputaria com Aécio quem poderia incorporar melhor aquele sentimento, indo disputar o

turno final.

2) Quais os principais acertos e erros (e suas razões) na campanha de Marina Silva?

A campanha de Marina foi um desastre completo. Basta ver que, na primeira pesquisa após a

morte de Eduardo Campos, ela ficava até na frente de Dilma, na suposição de um segundo

turno entre as duas. Perdeu pontos seguidamente até a derrota final. Seu erro principal foi a

total falta de uma estratégia, um direcionamento seguro da sua campanha. E no final acabou

praticamente com a mesma votação de 4 anos atrás. Ou seja: foi incapaz de acrescentar um

crescimento aos votos que já tinha.

3) Por que a esperada transferência do capital politico de Marina Silva para Eduardo

Campos não aconteceu?

Porque os votos não são como dinheiro em uma conta bancária, que você transfere para outra

conta. Essa transferência só se dá na soma de fatores muito subjetivos. Cada caso é um caso.

No início parecia ser um encontro de contrários - pessoas de pensamentos políticos diferentes

e até conflitantes. E depois, Campos morreu antes do início da campanha propriamente dita

(propaganda de rádio e TV) que é quando as "transferências" podem se materializar.

4) Como avalia o uso feito pela campanha de Marina da imagem de Campos, após sua

morte? Acertaram o tom?

Não acertaram, principalmente porque Marina não consegue falar para a grande massa da

população. É uma pessoa de origem simples, que só consegue ser ouvida/entendida pela elite

intelectualizada.

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5) A estratégia de "vitimização" de Marina frente aos ataques do PT foi um erro fatal,

que lhe custou o segundo turno?

Simplesmente os ataques covardes do PT não foram corretamente respondidos. E as pessoas

em geral não gostam dessa chamada "vitimização". Com essa postura ela passava a idéia de

fraqueza.

6) Como avalia a aliança entre Aécio e Marina para o segundo turno? Quem mais

ganhou e quem mais perdeu capital político com essa aliança?

As primeiras pesquisas no início do segundo turno mostravam Aécio com 3 pontos à frente de

Dilma, tendo recolhido todo o sentimento anti-PT. Com a volta da propaganda a campanha

dele mostrou-se absolutamente incompetente e ele perdeu pontos seguidamente, até a derrota

final. O apoio de Marina foi nulo, perante a debate total.

7) Por fim, por que Marina parece ter optado por uma atitude mais pragmática (aliança

com Campos, aliança com Aécio) em 2014? A atitude de neutralidade, como em 2010,

teria sido mais vantajosa para a candidata?

Nada foi mais vantajoso para Marina: pragmática ou neutra, seu desempenho foi igualmente

decepcionante.

*Jornalista, publicitário e um dos precursores do Marketing Político no Brasil, tendo comandado mais

de 100 campanhas em 40 anos;

** Entrevista concedida por email em 05/08/2015