revista cásper #17

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CASPER ´ Dezembro de 2015 A vida e a memória do jornalista Vladimir Herzog AUTO DE LIBERDADE ARTE E GRAFITE A vibração da arte nos muros do Grajaú A trajetória do cineasta e o documentário Tropicália MARCELO MACHADO Comida, competição e entretenimento naTV GASTRONOMIA # 17

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Produzida pelo Núcleo Editorial integrado por alunos e professores, a revista Cásper trata de assuntos ligados às áreas da Comunicação Social, Cultura e Educação, com o objetivo de estreitar os laços da instituição com o mundo acadêmico e com o mercado da Comunicação no País.

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CASPER´Dezembro de 2015

A vida e a memória do jornalista Vladimir HerzogAUTO DE LIBERDADE

ARTE E GRAFITEA vibração da arte nos

muros do GrajaúA trajetória do cineasta

e o documentário Tropicália

MARCELO MACHADOComida, competição e entretenimento na TV

GASTRONOMIA

#17

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CASPERFUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO

PRESIDENTEPaulo Camarda

SUPERINTENDENTE GERALSérgio Felipe dos Santos

FACULDADE CÁSPER LÍBERO

DIRETORCarlos Costa

VICE-DIRETORRoberto Chiachiri Filho

REVISTA CÁSPERNÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS

COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMOHelena Jacob

EDITOR-CHEFEPedro Ortiz

EDITORGuilherme Venaglia

CONSELHO EDITORIAL Dimas Künsch, Helena Jacob, Joubert Brito, Marcelo Rodrigues, Pedro Ortiz, Roberto Chiachiri Filho, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci e Sonia Castino

REPORTAGEMAna Carolina Siedschlag, Ana Clara Muner, André Valente, Carolina Mikalauskas, Felipe Sakamoto, Guilherme Venaglia e Naiara Albuquerque

EDITOR DE ARTE E FOTOGRAFIAAndré Valente

PROJETO GRÁFICOPedro Camargo

DIAGRAMAÇÃOAna Carolina Siedschlag e Carolina Mikalauskas

COLABORADORESAlana Claro, Bárbara Muniz, Boris Kossoy, João Gabriel Hidalgo, Mariana Agati, Mariana Gonzalez e Marina Braga

NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTASAvenida Paulista, 900 – 5º andar01310-940 – São Paulo – SP(11) 3170-5874/[email protected]/a-casper-libero/revista-casper

CAPA© Acervo/Instituto Vladimir Herzog

CARLOS COSTADiretor

´ ISSN 2446-4910

Se não houver um © explicitado, você pode copiar, adaptar e distribuir os conteúdos desta revista, desde que atribua créditos

CCBY

Houve muito o que comemorar em 2015. Este ano conturbado marcou as três décadas do processo de redemocratização do Brasil, iniciado pelas eleições indiretas para presidente da República que elege-ram Tancredo Neves. O mineiro não assumiu em 15 de março de 1985, atingido por uma diverticulite aguda que se prolongou até 21 de abril. Mas aquela data marcou o restabelecimento do processo demo-crático no nosso país.

O ano de 2015 foi marcado também pelo aniversário de 40 anos da morte de Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura após ser deti-do no DOI-CODI, em São Paulo. Foi a tortura e morte de Vlado, em 25 de outubro de 1975, que despertou definitivamente os brasileiros para o combate à repressão, abalando as estruturas do governo militar.

A Revista Cásper lança a reflexão sobre acontecimentos tão im-portantes da nossa história ao fazer um perfil póstumo de Vladimir Herzog nesta edição. Entrevistamos Clarice Herzog, esposa de Vlado, a fim de verificar mitos e verdades sobre a vida, o trabalho e a morte do jornalista. Para a Faculdade Cásper Líbero a importância dele é ainda um pouco maior, pois o centro acadêmico da instituição, fundado em 1978, leva com orgulho o nome de Vladimir Herzog.

Entrevistamos Marcelo Machado, diretor do documentário Tropicália, que discute este momento tão importante da cultura e da política brasileira. Comunicação e Direitos Humanos nas organiza-ções é outra pauta de destaque, com enfoque em campanhas sobre questões de orientação sexual e identidade de gênero.

Nesta edição #17 temos ainda a expressão artística do Grajaú, o maior bairro da cidade de São Paulo, com 360 mil habitantes. Discutimos tam-bém a participação das mulheres no mundo da propaganda. E, na seção Portfólio, homenageamos os cinquenta anos de fotografia de Boris Kossoy.

E como comunicação é nossa pauta, não podemos deixar de lado uma investigação sobre a moda dos realities shows de gastronomia. Capitaneado pelo MasterChef, fenômeno de audiência exibido pela TV Bandeirantes, esse formato que faz sucesso no exterior chegou com força ao Brasil. Atraída pela comida exuberante, a audiência não para de crescer. A Revista Cásper tenta descobrir o porquê.

Boa leitura,

VLADOE A DEMOCRACIA

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SUMÁRIO

06 DIVERSIDADE E INCLUSÃO EM PAUTAPromoção da liberdade e dos direitos individuais dos colaboradores é motivo de debate em organizações

10 CINEMA TROPICALA Tropicália e o audiovisual brasileiro pelas lentes do cineasta Marcelo Machado

16 UM PAÍS CHAMADO GRAJAÚRepresentação social na arte e a luta política no coração da periferia paulistana

24 AUTO DE LIBERDADEMito e história nos 40 anos da morte do jornalistaVladimir Herzog

32 A VEZ DELASA busca das mulheres por espaço e protagonismo na publicidade

36 PRATO CHEIOA aposta das emissoras nos realities gastronômicos e o fenômeno MasterChef

16 2410

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42 POESIA E RESISTÊNCIAO mercado editorial e as formas de produção da poesia na contemporaneidade

48 CRIAR E PENSAR IMAGENSA biografia fotográfica dos 50 anos de carreira de Boris Kossoy

SeÇões

61 casperianas

66 CRÔNICA

56 resenha

32 36 48

58 O FILÓSOFO DA MÚSICARádio Cultura FM promove encontro de seus ouvintes com a obra musical de Hans-Joachim Koellreutter

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Texto e design por Ana Carolina Siedschlag

EM PAUTAINCLUSÃODIVERSIDADE E

Empresas criam campanhas para trabalhar as questões de orientação sexual e identidade de gênero entre seus funcionários e clientes

A Declaração dos Direitos Humanos de 1948, em seu primeiro artigo, afir-ma que “todas as pesso-as nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. O documento não espe-cifica que a orientação sexual de um indivíduo

possa ser motivo para discriminação, mas a aprovação de um projeto de lei que institui como família (outro item inaba-lável, segundo a Declaração) apenas as uniões estabelecidas entre homem e mulher, excluindo outros tipos de con-figurações, pela Câmara dos Deputados, com necessidade de tramitar, ainda, no Senado Federal, mostra que nem todos estão de acordo sobre a questão.

Por um lado, o virar do século viu um encontro interessante entre a grande expansão econômica do segmento LGBT, fenômeno conhecido como pink money. Homossexuais provenientes da classe média alta, com acesso ao estudo, bons empregos e sem filhos, que, com seu alto poder aquisitivo, se tornaram um público--alvo de interesse para companhias dos mais diversos segmentos, sobretudo o turístico. Dessa forma, tiveram um papel importante, ao lado dos movimentos mili-tantes, para os avanços da causa, como, por exemplo, a promoção de uma significativa alteração da legislação brasileira em favor do reconhecimento dos seus direitos.

Desde 2013, por exemplo, o casamen-to entre duas pessoas do mesmo sexo é permitido em todo o território nacional

(ainda que não por lei como nos Estados Unidos, mas por conta de uma resolução do Supremo Tribunal Federal), assim como o direito a receber pensão pela morte do cônjuge e a inclusão deste na declaração de Imposto de Renda.

Entretanto, apesar dos direitos con-quistados, existe uma tendência político--ideológica crescente de combate à expan-são das conquistas do movimento LGBT.

Uma pesquisa de 2015 da empresa de recrutamento e seleção Elancers mos-trou que muitas companhias preferem rejeitar um candidato gay por temer que sua imagem seja associada a ele. Cerca de 11% dos 10 mil empregadores entrevista-dos não contratariam homossexuais para determinados cargos. Já a agência Santo Caos, responsável pelo site Demitindo

d i r e i t o s

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Preconceitos, mostra que 37% dos 230 empregados LGBT entrevistados já he-sitaram declarar sua orientação sexual na hora de escolher uma vaga.

Na contramão dessa ideia, o Institu-to Ethos, em parceria com a Txai Con-sultoria, mobilizou mais de 30 grandes empresas para formar o Fórum de Em-presas e Direitos LGBT, que tem reuniões anuais com nomes como P&G, Walmart, Bradesco e Pernambucanas. A iniciativa fundada em 2013 já trouxe como resul-tado os 10 Compromissos da Empresa com a Promoção dos Direitos LGBT, um tratado que tem como expectativa ações que promovam a aceitação da diversi-dade dentro e fora dessas companhias. “As empresas que não se importam com essas questões correm o risco de estarem despreparadas durante crises e acaba-

rem manchando suas marcas”, defende Mateus Furlanetto, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e professor do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero.

Preconceitos na vitrineNo dia 25 de maio de 2015, a marca O Boticário recebeu manifestações online ao representar casais homossexuais em um comercial de televisão para o Dia dos Na-morados. No site Reclame Aqui, 84 posta-gens acusavam a marca de estar “impondo a ditadura gay” e de “ferir os princípios da família tradicional brasileira”, além do Conselho Nacional de Autorregulamen-tação Publicitária (Conar) ter aberto um inquérito para investigar a propaganda, denunciada mais de vinte vezes.

Para Franco Reinaudo, diretor exe-cutivo do Museu da Diversidade Sexual em São Paulo, iniciativas como a d’O Boticário visam não apenas mandar uma mensagem para seu público consumidor, como também aumentá-lo: “Se conside-rarmos que, no mínimo, 10% da popula-ção brasileira poderia se identificar com a propaganda, é um nicho que o mercado não pode deixar de lado”, afirma.

Reinaudo, formado em Gestão de Empresa Turística pelo Istituto dele Scienze Turistiche de Florença (Itália), foi um dos pioneiros do turismo LGBT no Brasil e consultor de empresas in-teressadas em abrir as portas para este público. Ele explica que o setor investiu boa parte dos seus recursos para atrair esse público e que, a partir da virada do século, outros setores da economia per-

61%das maiores empresas do mundo POSSUEM protecao contra preconceito por identidade de genero

De acordo com a Revista Fortune em 2012

UMAem cada 5 empresas nao contrataria homossexuais para determinados cargos

Disseram os 2.075 recrutadores das cerca de 1.500 empresas que foram ouvidas em

pesquisa da Elancers

DE ACORDO COM A Associacao Brasileira de Gays, Lesbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, UMA

em cada 10 pessoas e homossexual no brasil

acessoNEGADO

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“ceberam a oportunidade e começaram a procurar por consultorias que os aju-dassem a se aproximar destes potenciais consumidores. Para Franco Reinaudo, o primeiro passo é melhorar a sintonia interna da empresa: “Não adianta propa-gar externamente ideias que não existam entre os funcionários, é incoerente”, afirma. Ele exemplifica que, caso uma pessoa homossexual esteja no meio da equipe, diante de atitudes preconceituo-sas de seus colegas, a probabilidade de ela esconder sua orientação é muito grande, o que pode acentuar um processo de des-membramento da equipe.

Abrindo portasPensando em casos como este e em outras situações em que funcionários não se sintam livres para denunciar ocorrências nas quais se sintam opri-midos, a Dudalina, marca catarinense de roupas, se uniu em 2013 com dois fundos norte-americanos, criando um comitê de ética, responsável por melho-rar a comunicação interna da empresa e evitar que casos de abuso e preconceito entre colaboradores aconteçam. “Todo mundo tem problemas, mas é melhor tentarmos consertar lá dentro antes que saiam do controle”, contou Bruno Luiz Martins, representante desse comitê, durante a abertura do III Desafio de Éti-ca, projeto encabeçado pela professora casperiana Ágatha Camargo, do curso de Relações Públicas, e que tem como proposta levar situações de empresas reais para dentro da sala de aula.

Para o professor Mateus Furlanetto, é importante a existência de políticas que afirmem boas relações da organização com a diversidade, mas isso não exclui o lado positivo de algumas passarem por situações de crise. “Podem existir duas batalhas, a da opinião jurídica e a da opi-

NÃO ADIANTA PROPAGAR EXTERNAMENTE IDEIAS QUE NÃO EXISTAM ENTRE OS FUNCIONÁRIOS, É INCOERENTE

nião pública. A batalha jurídica demora anos, décadas. Se você falha na da opinião pública, não tem mais volta e é caso de mudar as suas políticas”, comenta.

Foi o caso de Guido Barilla, presi-dente da fabricante de massas Barilla. Em 2013, durante uma entrevista a uma rádio italiana, o executivo disse que nunca contrataria casais gays para fazerem propaganda de sua marca. A fala causou polêmica nas redes sociais e pedidos de boicote contra os produtos. Depois de muito barulho e uma hashtag exclusiva de repúdio ao comentário, “#boicottabarilla”, o presidente voltou atrás e desculpou-se pela declaração.

Outro caso, dessa vez mais bem sucedido no manejo de crise, aconteceu em 2013 com a rede de supermercados Carrefour, quando uma das unidades do grupo recusou a contratação de uma funcionária transexual. Logo em seguida, a rede iniciou um processo de reorientação de todos os envolvidos no caso, além de viralizar um manual do grupo sobre como tratar de forma corre-ta pessoas LGBT em suas unidades.

São iniciativas como esta que pos-sibilitam e dão aprovação moral para que empresas promovam campanhas defendendo diversos nichos da socie-dade, como no caso da International Business Machines (IBM), referência no cenário mundial na promoção da diversidade LGBT. Tal política, a Equal Opportunities, ou, em tradução livre, “Oportunidades Iguais”, vinda das sucur-sais no exterior (uma tendência seguida pelas multinacionais no Brasil), visa igualar a competição por oportunidades de carreira que estejam disponíveis para todos os funcionários, um direito que, mesmo estando previsto na Constituição brasileira, ainda precisa ser reforçado e relembrado nas empresas do país.

Franco Reinaudo,diretor executivo do Museu da Diversidade Sexual de São Paulo

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tropicalcinema

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A Rua Fradique Coutinho, na zona oeste da cidade de São Paulo, exalta o barulho e o movimento da cidade. No meio de todos os comércios e botecos um pequeno prédio é a sede da produtora dirigida pelo cineasta Mar-celo Machado. Enquanto o aguardava, apro-veitei para admirar aquele lugar constituído em sua maioria por livros, e que deixava claro traços de um arquiteto que se importa com o

ambiente em que passa grande parte do dia. A impressão não era à toa: são competências adquiridas

durante o período em que estudou na Faculdade de Arquite-tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), quando, ao lado de um grupo de amigos, formou uma pequena produtora experimental que ficaria conhecida como Olhar Eletrônico. Nessa época, produziu, ao lado de nomes hoje conhecidos como Fernando Meirelles, diretor do filme Cidade Deus, e Marcelo Tas, ex-apresentador do programa CQC (TV Bandeirantes), documentários, que chamavam de vídeos ex-perimentais, materiais publicitários e programas de televisão, quando estiveram atuando na TV Gazeta durante a década de 1980. Profissional das mais diversas áreas do audiovisual, Marcelo Machado prioriza hoje a área documental e segue com suas experimentações cinematográficas.

A Tropicália foi um movimento artístico que aconteceu no Brasil no final dos anos 1960, baseado na fusão entre aspectos tradicionais da cultura popular nacional com o que dominava a cena musical ao redor do mundo, como o rock. O documentário homônimo dirigido por Machado é constituído por imagens de arquivo e entrevistas com artistas da época. Na sua conversa para a Revista Cásper, o cineasta conta sobre o processo de produção e a importância do movimento para os dias atuais.

Você nasceu em Araraquara. Por que veio para São Paulo e que faculdade cursou?Mudei para São Paulo decidido a estudar na Universidade de São Paulo (USP). Pretendia cursar Comunicação, mas meus pais não me incentivaram, não acreditavam que era uma boa carreira para seguir. Quando eu conheci particularmente a FAU, decidi o que iria cursar. Quis estudar nela logo que pisei naquele prédio, que é de muito encontro, muito agradável para se estar. Na época havia bons “cineclubes” e bibliotecas, então, fora as aulas você tinha muitas possibilidades.

Como a Arquitetura ajudou sua produção audiovisual?Na FAU acontecia uma série de oficinas, como laboratório fo-tográfico, marcenaria, além de uma biblioteca de arte enorme, que ampliavam minha abordagem no assunto. Eram muitas possibilidades de práticas artísticas, isso me ajudou no processo criativo, aprendi a me planejar. A maneira de pensar um projeto arquitetônico é parecida na hora de conceber uma serie de te-levisão, um programa ou um filme. Você planeja e estrutura o pensamento, o método. Minha visão de arquiteto não é baseada na questão do espaço, mas como organizo as ideias. Quando você pensa em uma cidade, você tem que esboçar muito, es-tudar hábitos, costumes e politicas daquele ambiente. Passei a ser mais analítico e isso é muito interessante como pratica. No cinema você tem que entender seu público, seu assunto.

Quais foram suas influências audiovisuais quando jovem?Em relação ao áudio, sempre fui muito ligado à música, tinha muita curiosidade em entender o que ouvia. Estudei flauta doce quando morava em Araraquara, era uma fase que na qual eu estava escutando música brasileira e muito rock. Minha profes-sora me ensinava os estilos renascentistas durante essa fase mais

Marcelo Machado fala sobre o documentário Tropicália, sua trajetória na Publicidade e a produtora Olhar Eletrônico

Texto por Ana Clara Muner

Design por Ana Carolina Siedschlag

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rockeira, era uma mistura de gêneros diferentes. No terceiro co-legial, entrei na turma que ia concorrer para o grêmio estudantil. Me envolvi muito na campanha, principalmente no aspecto publicitário. Quando nós ganhamos a eleição, passei a fazer o jornalzinho da escola e a participar da fanfarra, a banda marcial, além de ter ajudado a retomar o festival de música. De uma ma-neira ou outra, são atividades que me envolvem até hoje.

Você criou com mais três colegas a sua primeira produtora, a Olhar Eletrônico. Como foi esse processo de fundação?Nós éramos quatro colegas de classe da FAU. Dois deles já esta-vam envolvidos com o cineclube e com a ideia de fazer filmes, que eram o Fernando Meirelles e o Paulo Morelli. Eu e o Dario Vizeo também circulávamos em torno desse coletivo, ou seja, éramos uma turma que sabia que não queria ser arquiteto e já pensava em fazer outra coisa. O cinema e a televisão acabaram surgindo como uma opção muito interessante, já que o vídeo acabava de surgir. Nenhum de nós tinha feito curso de audio-visual, por isso foi muito experimental. Pegamos o cinema no período anterior da retomada, quando estava muito difícil de produzir conteúdo. Queríamos revivê-lo no Brasil, para dar vazão aos nossos sonhos.

Fomos em direção à televisão, porque ela logo se apresen-tou como uma vitrine incrível para nossa expressão. O cinema estava difícil e a televisão estava em seu auge. Achávamos que a TV Globo tinha um jeito de pensar o país que não era o nosso, queríamos fazer a nossa programação, que chamávamos de “TV do terceiro mundo”. Pensávamos em fazer uma revolução, é bom ser jovem e sonhar.

Por que vocês se separaram?A produtora não chegava a dar muito dinheiro. Quando saímos da fase pós-universitária começamos a casar e ter filhos e vimos o mercado publicitário como uma ótima saída. No entanto. en-trou um elemento que a gente não estava esperando, o dinheiro. Começou a ter uma briga de quem ganhava mais, foram peque-nas disputas que acabaram com o grupo.

Qual foi, para você, a importância do TVMIX, programa que você dirigiu na TV Gazeta?Eu não fui para a área de vídeos publicitários imediatamente, de todo o grupo fui quem mais acreditou na televisão. Quando a MTV tentou entrar no Brasil pela primeira vez, mesmo não dando certo, fiquei com a ideia do módulo de programação. O plano era ter um módulo de uma hora que se repetisse diversas vezes. Da se-guinte forma: você liga a TV para ver um programa já padroniza-do, como o rádio, que te permite ligar e desligar a qualquer horário.

O objetivo era ter três linhas, a primeira seria o serviço, como por exemplo, o Climatempo, a segunda o entretenimento, e a ter-ceira a informação. Essas também se tornaram a ideia do TVMIX, algo bem experimental. Foi quando teve uma mudança na TV Gazeta, no sentido de querer deixá-la mais jovem e moderna.

Fui convidado para a reunião que decidiria seus próximos passos, nela dei a ideia de fazer este módulo e no dia seguinte me ligaram para assumir a Direção de Programação para implantar esse projeto. Busquei convidar pessoas da minha turma como a Anna Muylaert, o Serginho Groismann e o Hugo Prata. Foi um momento muito interessante na TV Gazeta, onde fiquei um ano e meio e o TVMIX durou cerca de três anos.

Qual a experiência que o TVMIX trouxe para sua carreira?Difícil dizer, depois dessa experiência eu trabalhei um pouco na TV Cultura e quando a MTV veio para o Brasil me mudei para lá durante dois anos, como diretor de programação. Quando deixei esse cargo, meus trabalhos televisivos se esgotaram. Esse período na televisão foi uma desilusão, achava que ia mudá-la, mas vi que as coisas eram bem mais complicadas, por isso fiquei oito anos

‘‘QUERÍAMOS FAZER A NOSSA PROGRAMAÇÃO,

QUE CHAMÁVAMOS DE “TV DO TERCEIRO

MUNDO”. PENSÁVAMOS EM FAZER UMA

REVOLUÇÃO, É BOM SER JOVEM E SONHAR

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na área publicitária. No Brasil as coisas são tão voláteis, que até questiono se a minha experiência no TVMIX serviu para alguma coisa. Na minha época só tinham canais abertos, com pouca va-riedade. Se você gostava de coisas diferentes, e queria procurá-las, precisava se esforçar muito. Eram essas pessoas que acabavam se diferenciando, porque o resto do mundo optava pelo conteúdo de fácil acesso. Não existia canal para a diversidade.

Como foi a experiência de ir do cinema para a publicidade?A publicidade é muito mais segmentada e profissionalizada. Quem faz a direção não cria, os criativos que fazem esse trabalho. Tudo o que dirigia até então era eu quem criava, já como produtor na agência, trabalhava com ambos os lados, tanto com o diretor quanto com o criador e via bem essa separação. É muito interessante dirigir publicidade e ter essa

ideia de outra pessoa por trás, porque no final, o que acaba importando mesmo é o ofício, como filmar, montar as tarefas em geral e isso não quer dizer menos criatividade, mas que você está a serviço de uma ideia que alguém criou. Você tem que saber contar a história de várias maneiras e aprender a in-terpretar. Dentro desta área tem muita pressão por envolver muito dinheiro, e acaba sendo muito mais exigente.

Como surgiu a ideia de produzir Tropicália?Quando viajei para outros países para fazer o Ginga, outro lon-ga que produzi, percebi que o interesse dos jovens pela música brasileira era muito grande. Então dois americanos me convi-daram para fazer um filme sobre o tropicalismo. Eu aceitei na hora, porque o tema me interessava, mas eles eram dois jovens independentes que não tinham investimento. Foi quando to-

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Os longas Ginga e Tropicália fazem parte da carreira do cineasta Marcelo Machado

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“VÃO ACONTECER COISAS MAIS INTERESSANTES QUE O TROPICALISMO NO FUTURO. QUEM FICAR OLHANDO PARA TRÁS QUERENDO QUE SEJA IGUAL VAI FICAR CHORANDO, PORQUE ISSO NUNCA VAI ACONTECER

mei o projeto como meu e fui atrás de colaboradores, como a Bossa Nova Filmes, e comecei a sua produção.

Como foi recuperar os arquivos daquela época e transfor-má-los em uma narrativa única?Demorei de dois a três anos. Nós não queríamos apenas arquivos organizados, mas pessoais também. A equipe que fazia essa parte do trabalho era constituída por dois pesquisadores, um no Rio de Janeiro e o outro em São Paulo. Fizemos muito trabalho de ga-rimpo, de bater na porta das pessoas que tinham materiais e guar-davam “em baixo da cama” os negativos daquela época. Primeiro pegamos todo o material e colocamos em ordem cronológica na ilha de edição. Fomos pegando só o que me interessava, deu um total de cinco horas de vídeo. Quando você começa a mexer em todo o conteúdo, ele acaba falando, você sente os momentos mais importantes e vai construído o filme.

As animações que aparecem no meio do filme foram fei-tas de que maneira?Um pedido que eu fiz para a produção foi que o departamento de arte trabalhasse paralelo à montagem. Quando montáva-mos a sequência dos filmes e achávamos algum problema nela, tinha a arte para ajudar. Eu sabia que o material possuía muitos problemas, que eram vídeos velhos, com pouca definição, e nós íamos resolvendo isso com animação. Por exemplo, não tínhamos uma gravação da música Proibido proibir e acabamos encontrando o nome do fotógrafo que trabalhava para o Estado de SP, que tinha fotografado o terceiro Festival de Música Popu-lar Brasileira da TV Record. Fomos atrás da viúva que tinha os negativos das fotos e com eles fizemos a montagem.

Qual é a importância de colocar esse assunto em pauta?O tropicalismo é um movimento que pensa o país em que

moramos. Tudo que faz a gente pensar no Brasil e em nossa cultura é uma contribuição para entender onde vivemos e para fazer com que possamos olhar para frente. Os documentaristas devem gostar de contar historias e entender seu ambiente e sua época. Quero crer que, quando um jovem assiste ao filme, ele consiga entender o que estava acontecendo naquele tempo.

Como os jovens hoje em dia podem usar a internet para difundir a arte?Na época, a televisão estava em seu ápice assim como está a internet hoje em dia. Você usa os novos meios para relatar fa-tos, e isso é repetir o que eles fizeram naquela época. As tecno-logias vão mudando, mas na essência o que precisamos fazer é contar as histórias para entender o mundo em que vivemos. Hoje, quem usa a internet precisa ter a mesma criatividade que os tropicalistas. Temos que saber nos apropriar dessas invenções para fazer a roda girar.

Em sua opinião, qual a razão para que não existam, hoje, movimentos como o tropicalismo?O mundo mudou. Hoje você tem internet, televisão a cabo e mais acesso a diversidade. É um avanço tecnológico diferente e a informação corre de outro jeito. Vão acontecer coisas mais interessantes que o tropicalismo no futuro. Quem ficar olhan-do para trás querendo que seja igual vai ficar chorando, porque isso nunca vai acontecer. Você não pode querer usar a referência passada para projetar o futuro, vai acabar não sendo valorizado. No máximo podemos absorvê-la para entender nossa história.

Quais são os seus projetos para o futuro?Vou fazer um documentário sobre o pianista paulistano Benja-min Taubkin, chamado de O Piano que Conversa. Vai ser sobre seus diálogos musicais e as diferentes tradições no Brasil e fora.

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GRAJAÚPAÍS

CHAMADOUM

A vida que vibra nos grafites da periferia e a força de quem usa a arte como instrumento de luta política

Texto por Naiara Albuquerque

Design por André Valente

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É através dos olhos de Mauro Neri que conheço o ex-tremo sul da zona sul. Sua calça manchada com res-pingos de tinta revela quem o corpo abriga: artista plás-tico, grafiteiro, pichador, educador e um dos funda-dores do Imargem — um

movimento de arte política da periferia. A pele negra, a barba parcialmente branca e o cabelo em dreads são características ime-diatas que percebo. Em suas costas des-cansa uma mochila com formato de casa, costurada a mão por sua mãe. O material utilizado é um tipo de lona amarela que compõe as paredes, além dos detalhes em marrom que formam o telhado, a janela e a porta. Intrigada, pergunto qual o signifi-cado: “a casa é um símbolo universal em todas as culturas: pense em um lugar que sempre queremos voltar depois de um dia de trabalho: nosso lar.” Essa foi uma das últimas falas de Mauro antes que aden-trássemos as portas de uma das maiores referências quando pensamos em grafite em São Paulo: o Grajaú.

O Sesc Interlagos é meu ponto de partida. Responsável pelo projeto Co-nexão Zona Sul, que propõe conhecer e valorizar a arte urbana da região e é um dos parceiros do movimento Imargem. Ao chegar no local, cumprimento todos que ali vejo e Mauro, que não reconheço de imediato. Somos um grupo de dezes-seis pessoas. Entre elas, pesquisadores, jornalistas, fotógrafos e representantes de coletivos. Após alguns minutos, so-mos convidados a entrar em um micro--ônibus, são 9 horas da manhã. Mauro permanece em pé boa parte do percurso e, gesticulando, começa a explicar como o Imargem nasceu. O nome só veio em

2006, mas a relação de seus fundadores com a urbe é do final dos anos 1990. Mais do que um coletivo, o grafiteiro explica como se identificam: um mo-vimento aberto que não pretende ter começo, meio ou fim.

Somos convidados a olhar através da janela a todo momento, com Mauro apontando para diversos murais que va-mos encontrando ao longo do caminho até o Grajaú. No muro da CPTM, passa-mos pela estação Interlagos onde, todos os anos, acontece o Encontro Niggaz. Re-ferência importante do grafite da região, Alexandre da Hora, conhecido como Ni-ggaz, é considerado um dos precursores de uma arte propriamente periférica na-cional — não mais baseada nos moldes nova iorquinos, como era feito até então. Relembrado com carinho, ele morreu afogado na represa Billings aos 21 anos de idade, em 2003. Desde então, o local tornou-se referência para os grafiteiros que preenchem os muros anualmente em sua homenagem. A visão do grande mural se perde no concreto e no som fre-nético dos trens que passam; é um lugar que emana história, mas, também, que confere a ideia de uma ferida delicada que os grafiteiros decidiram relembrar e manter viva em memória ao amigo.

Transformações Vinte e sete quilômetros é a distância que separa a Praça da Sé de um dos distritos mais populosos e periféricos de São Pau-lo. Foco de intervenções artísticas, o Gra-jaú é visto, por muitos forasteiros, como uma mancha cinza que abriga mais de 500 mil pessoas. Porém, aproximando o olhar, a riqueza de murais e grafites torna esta visão falaciosa. A periferia se mostra mais vivaz e colorida do que nunca.

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As vielas do bairro são um labirinto sem fim. Não percebo quando o micro--ônibus passa do limite entre os distritos da zona sul e chega em nossa primeira parada. A lateral de uma das casas loca-lizada na rua Maria Celestina possui um dos murais de Mauro. “Ver(a)cidade, no bairro do Grajaú a gente pode” está grafitado sob blocos alaranjados e um reboco mal-acabado. É o primeiro traba-lho autoral que o grafiteiro nos mostra e, também, um dos muitos que tem sua marca registrada em tantos outros lu-gares de São Paulo: “ver(a)cidade”, que pode significar, entre tantas ideias, o ato de escolher o que estamos observando a todo momento. Enxergar de fato a cidade e não passar despercebido. Além do trocadilho com o real significado

da palavra: verdade, autenticidade. Na mesma rua, acontece, há onze anos, todos os domingos, o Pagode da 27. O evento, apadrinhado pelo rapper Criolo, é tão tradicional entre os moradores que ao longo dos anos a prefeitura acabou cedendo e o incorporando pelas vias legais. A placa no início da rua avisa: “Não é permitido carros aos domingos e feriados entre às 9h e 17h, rua de lazer”. É um espaço onde artistas locais podem tocar, sendo que, atualmente, mais de dez músicos se apresentam ali. O objeti-vo é manter o samba como instrumento de transformação social e política incor-porado pela periferia.

Visto por dentro, Grajaú parece um local afunilado por suas casas e cores. As construções mesclam o cinza dos barra-

cos rebocados, o alaranjado dos tijolos, as tintas dos grafites e a paisagem verde, predominante na região. O observador é convidado a mergulhar em suas vielas, diferentemente do centro de São Paulo, que a partir do fenômeno da verticaliza-ção de seus edifícios, espelha os olhares por quem ali passa. A ideia que tenho, en-quanto adentro no universo do extremo sul, é a de que posso enxergar o esqueleto deste distrito. Noção reforçada por Mau-ro: “Na periferia é onde os conflitos se explicitam. Aqui, formamos uma cultura única da transgressão,” explica.

Noto propagandas que se repetem nos muros de casas e bares. “Antônio do bem: construção civil”, é um destes exemplos, legítimos pelo respaldo políti-co. Vereador e empresário, dono de um

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Mauro Neri, um dos fundadores do Imargem, foi quem conduziu minha visita ao Grajaú

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importante comércio, é conhecido pelos grafiteiros e pichadores da região por apagar seus trabalhos e colocar, em seu lugar, suas propagandas.

Pela margemAo chegar a beirada da represa Billings, um dos mais significativos reservatórios da cidade de São Paulo, é possível notar um importante processo de revitalização e ressignificação do espaço público. Um campinho de futebol society, uma pista de skate e um píer que circunda a área chamam a atenção, onde jovens brincam e aproveitam o lugar. Localizado no bairro Cantinho do Céu, tornou-se um exemplo de processo de urbanização na periferia que deu origem ao parque, hoje com

mais de 7 quilômetros. Apesar dessa área ser, como me explica Mauro, resultado de desapropriações e criminalizações de moradias e barracos que existiam ali antes.

A desenvoltura do grafiteiro ao caminhar por aquele espaço é de quem tem muito conhecimento da região. Ele faz questão de deixar claro que o que me conta faz parte de tudo que, pesso-almente, vivenciou. Assim como seus grafites, parece já fazer parte da paisagem do extremo sul, sua história passa a im-pressão de não ser apenas cruzada com os acontecimentos da região, mas de ser o próprio papel escrito.

O poste em frente ao campinho recebe uma marca de Mauro. As latas de tinta que descansavam nos bolsos de sua

calça agora trabalham agilmente sobre o concreto cinza. A prática revela, instantes depois, uma casinha, a mesma de sua mochila, agora já marcada na superfície. Ainda no limiar da Billings, uma região lamacenta que se mistura com uma gran-de quantidade de lixo depositada em sua beirada. Apesar da paisagem encher os olhos, ele explica que infelizmente a po-pulação local não valoriza a represa tanto quanto poderia. Um dos fundadores do Imargem, caminha ao meu lado e me conduz bem próximo da beirada, de onde aponta para o outro lado da margem e sinaliza como a maioria dos moradores dos barracos e casas decidem colocá-las de costas para a paisagem azulada da Billings: “Aqui, o fundo da casa é usado

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para jogar o esgoto na represa, além do medo existente de que as crianças pos-sam morrer afogadas”, comenta. Perma-neço alguns minutos encarando o outro lado da margem e percebo um crescente número de construções escoradas em es-tradas e morros de terra, revelando a dis-crepância existente dentro de um mesmo bairro, separado por essa porção de água.

Um mural encostado em uma das ca-sas do parque chama a atenção. Um me-nino negro grafitado tem uma das mãos defendendo o rosto, parece assustado. Na mesma cena, a periferia está em diversos planos maiores e menores que se mis-turam à figura do menino. É a violência contra negros e jovens retratada pela arte do grafiteiro Enivo, morador da região que apresentou outro artista local, Caio Cartenum, através de sua grafitagem.

O muro em frente ao parque tam-bém foi pintado pela prefeitura com listras coloridas, mas que, algum tempo depois, foi usado de base por outros artistas da região para grafitar e pichar marcas por cima. O desgaste do tempo e das próprias impressões é um processo natural, sendo comum que um desenho sobreponha o outro e assim sucessiva-mente. Mauro defende que, diferente do que se imagina, não existe nenhum conflito entre pichadores e grafiteiros e que ambas as partes se respeitam, com o compromisso de não “apagar” a men-sagem do outro. O maior problema, de acordo com o artista, é a carga que está empregada na palavra “pichador” e no modo como a arte está no olho de quem vê, independente de quem faz. “Muitos falam aos grafiteiros: ‘pelo menos você não está pichando’, sendo que o piche é um fenômeno de arte que não é entendi-

do em seu tempo e que, provavelmente, só o será daqui décadas”, critica.

Ainda no parque, enquanto muitos de nosso grupo fotografavam a paisagem e os murais, ouço uma voz de cima dos sobrados: “Foi você que pichou meu portão?”, pergunta um dos moradores da região. Calmo, Mauro contempla a marca e responde “olha, esse aí não fui eu não.” Sem ter achado graça e ainda desconfiado o morador retruca: “É bom mesmo, ou veria só o que iria receber”.

A situação reflete o quanto a picha-ção não é vista como algo que é resultado da liberdade de expressão. José Geraldo Oliveira, mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero pesquisando sobre o tema, explica como cada vez mais existe a necessidade por parte da popu-lação em geral em exercer o direito de interferir no espaço público. No caso dos pichadores e grafiteiros, ao deixar uma marca e compor estes locais: “Ambos os movimentos são enxergados como cri-mes e são marginalizados. Porém, temos alguns projetos através de prefeituras, que liberam alguns espaços e só assim isso se torna algo possível de ser feito. O lado positivo dessas iniciativas é que a cidade ganha cor, aproximando a popula-ção. No entanto, vejo o quanto o caráter transgressor e de crítica social é perdido quando se torna autorizado ”, avalia.

O tipo de signo usado por cada pichador é uma tentativa do artista em desenvolver uma linguagem própria, por isso difícil de ser entendida. Eles estão interessados em escancarar alguma realidade ou situação por meio de uma rebeldia e expressão. A cidade desgasta-da e cinza absorve as formas, causando choque e aversão. Muitos pichadores fa-

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entre homens e mulheres nesse meio?”. Pensativo, o grafiteiro afirma depois de al-guns segundos: “É bem gritante. “São dez artistas homens para cada mulher.”

Conhecer a ruaA sede do Imargem fica em uma das ladeiras do Grajaú. A cor verde, própria do movimento, é predominante em toda a fachada. É possível ler ao me aproxi-mar: “Imargem: geração reversa. Projeto Transformações”. Ao entrarmos, uma casa simples de portas abertas nos aguarda. É lá onde fazemos um piquenique comu-nitário e nos reunimos em volta da mesa da cozinha. Enquanto comemos, Mauro continua falando da trajetória do coletivo e da sua: “Eu tive minha experiência com trabalho desde muito cedo. Lembro que com 10 ou 12 anos eu catava papelão na região e fui conhecendo a rua.” O grafiteiro conta com mais calma a parceria que teve com Criolo ao longo da vida, um amigo mais antigo, da época em que dava aula

e não contava com o sucesso de hoje. A mãe do amigo foi peça fundamental na sua formação, que relembra uma de suas con-versas: “Ela me dizia: ‘No Centro Cultural tem um curso ótimo de desenho, por que você não vai lá?’ Depois ela falou: ‘Por que você não vai dar aula? Você desenha tão bem.’ E eu fui trabalhar como professor vo-luntário de uma ONG de grafite. Percebi como a cidade é um organismo vivo e essa forma de arte uma ferramenta de educação e transformação”, comenta orgulhoso.

Ao fundo da sede do movimento, vejo um ateliê, ali é onde diversos projetos foram concebidos, além de oficinas minis-tradas sem custo para a comunidade. O conhecimento dos cursos é feito de forma pessoal boca a boca, sendo motivo de or-gulho para seus fundadores e participan-tes, conhecidos como “agentes marginais”.

Um destes agentes é Jonatas Rodri-gues, que, após o almoço, volta para o tra-balho no ateliê. Surpreendido pela minha chegada, começa a arrumar a bancada em

lam de São Paulo como sendo um cader-no de caligrafia gigante, uma marca que sendo considerada bela ou feia, também é fruto da mais pura anarquia.

Essa forma de expressão como co-nhecemos surgiu em meados da década de 1980 e tem inspiração em bandas como o Kiss e Iron Maiden, que usam, até hoje, em seus logos uma escrita estilizada. De acordo com Mauro esse movimento “é fruto da metrópole. Não deixa de ser uma resposta violenta de al-guém que quer ser ouvido, se sentir parte da cidade”. Ele afirma que a pichação é um tipo de indignação com as grandes empresas e com os políticos que podem estampar seus logos e nomes em todos os lugares. “Que mensagem eles tão deixan-do? Para quem?”, questiona o ativista em relação ao propósito do grafite.

A problematização de dentro do mo-vimento é feita constantemente por Mau-ro através do número de mulheres que par-ticipam do movimento. “Qual a proporção

O Grajaú é um coração pulsante de arte na periferia de Sào Paulo

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“UMA DAS COISAS QUE EU APRENDI TRABALHANDO COM ARTE, ALÉM DAS

TÉCNICAS E LIDAR COM O SOCIAL, FOI A ESCOLHA DE UM CAMINHO QUE PERMEIA A

INDIVIDUALIDADE E O COLETIVO

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que estava trabalhando. Aprendiz e pro-fessor do movimento, ele possui uma re-lação íntima com os projetos do Imargem. Quando pergunto o que espera do grafite, me responde tímido: “Uma das coisas que eu aprendi trabalhando com arte, além das técnicas e lidar com o social, foi a escolha de um caminho que permeia a individuali-dade e o coletivo. Acho que tudo fica mais rico quando você entende que faz parte de um grupo.” Apesar da felicidade em trabalhar com o grafite, Jonatas comenta que ainda existe muito preconceito tanto na sociedade quanto na própria família, que, costumeiramente, diz: “você não vai ter emprego com carteira registrada, você vai ser é chamado de vagabundo”

No extremo sulNossa última parada é na Ilha do Bororé. O bairro fica em uma península cercada pela Represa Billings e para conhecê--la foi necessária pegarmos uma balsa. Na travessia, Mauro mostra que quase

onde o olho não pode alcançar existe o município de São Bernardo do Campo, o Rodoanel e a Rodovia dos Imigrantes.

Chegamos ao extremo sul da zona sul. Conhecemos alguns murais de amigos e colegas de Mauro e um dos projetos mais relevantes do Imargem: o Cartografiti, subsidiado pela Secretaria Municipal de Cultura, que consiste na realização de murais artísticos em diferentes pontos de São Paulo. Do Terminal Tietê à Ilha do Bororé são mais de 21 murais distribuídos em todas as regiões e zonas da metrópole. Mesmo com o apoio, diversos murais já tiveram de ser refeitos. Apesar de serem ambos braços administrativos da Prefei-tura de São Paulo, a Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras, que cuida de questões de conservação dos bairros, e a Secretaria da Cultura, não possuem uma comunicação eficaz entre si, deixando um limbo de diretrizes e po-líticas públicas ineficazes em um mesmo espaço.Atualmente um desses editais aos

quais está ligado o Imargem está chegando ao fim e não se sabe ao certo quais proje-tos poderão continuar sendo feitos no ano que vem. Hoje, o movimento conta com a contribuição de artistas que usam o ateliê e que podem ajudar de alguma forma.

Pouco antes de irmos embora, Mau-ro deixa sua marca mais uma vez na Ilha do Bororé. Espalha diversos grafites de casas ao longo dos postes e refaz alguns outros que estavam desgastados com o tempo. O sol está quase se pondo, sinto que meu corpo já se desgastou ao longo do dia. Vejo o cansaço de meu grupo e me reconheço naquele local. Grajaú, Ilha do Bororé e tantos outros lugares que não tive como conhecer. A ponte de vinte sete quilômetros entre o centro de São Paulo e o extremo da zona sul parece ter sido encurtada. Algo mais nos une e a mesma vida que vibra na correria de São Paulo também vibra por aqui. A periferia, o Mauro e a arte tentam fugir da efeme-ridade e não perecer ao tempo, resistem.

Jonatas Rodrigues, grafiteiro

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Quarenta anos após a sua morte,

Vladimir Herzog continua vivo

na memória das futuras gerações

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Era 25 de outubro de 1975. Sete anos após o Ato Insti-tucional nº 5 (AI-5), passe livre jurídico para que o governo pudesse agir em nome de seus interesses sem restrições e a Dita-dura Militar conhecia seu auge. Na presidência da

República, o terceiro dos cincos generais que comandariam o país, Emílio Garras-tazú Médici, levava a repressão à níveis altíssimos. Apesar do cenário assom-broso, o regime, que havia se instaurado em 1964 com um golpe que derrubara o presidente João Goulart, mostrava seus primeiros sinais de desgaste e o inimigo nacional continuava sendo, em tempos de Guerra Fria, o comunismo. Naquela manhã de sábado o jornalista Vladimir Herzog levantou-se, despediu-se de sua mulher, a publicitária Clarice Herzog, e, “com suas próprias pernas, pois não tinha nada a temer”, como faz questão de lembrar seu filho, Ivo, se apresentou ao temido Departamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), aonde hoje é o 36º distrito policial, na Rua Tutóia, no Paraíso, região central da capital paulista.

Naquele momento, Vlado, como era conhecido por familiares e amigos, era diretor de Jornalismo da TV Cultura e vinha sendo acusado por deputados e colunistas favoráveis ao regime militar de colocar a emissora pública à serviço do Partido Comunista Brasileiro (PCB) — ao qual foi filiado. Na noite ante-rior, uma longa e exaustiva reunião na sede do canal educativo de São Paulo, iniciada com a chegada de agentes da repressão ao local, havia terminado em um acordo: na manhã seguinte, ele, es-pontaneamente, se apresentaria.

O mesmo dia se encerraria de forma trágica, com uma visita a casa de Clarice

Herzog: homens de terno foram pesso-almente comunicar Clarice que, a partir de então, se tornara viúva e os filhos, órfãos de pai. Os fatos que se seguiram, da revolta de jornalistas com a censura e a perseguição à imprensa, a histórica sen-tença do juiz Márcio Moraes em 1978, que condenou a União pelo assassinato de Vladimir Herzog e revelou definitiva-mente ao país que sim, havia tortura no Brasil até a reparação feita pela Comissão Nacional da Verdade, transformaram Vlado, um jornalista que era apaixonado pelas artes e queria fazer cinema, em um mártir da luta pela democracia. O histó-rico ato ecumênico na Catedral da Sé, no dia 31 de outubro de 1975 foi o começo para que a indignação de uma viúva, da classe jornalística, de segmentos impor-tantes da sociedade e da população, mu-dassem a trajetória da família Herzog, do jornalismo e, mais que tudo, fosse o início do fim de um dos períodos mais obscuros da história do Brasil.

Além do mitoNascido na Iugoslávia em 27 de junho de 1937, Vlado Herzog era de uma família judaica e viveu durante a infância o perí-odo mais difícil da história para os segui-dores de sua religião. A fuga para a Itália e a experiência de muito jovem ter que mentir quem era para salvar a sua vida, foram, sem dúvida, marcas importantes na vida do futuro jornalista que, ao chegar ao Brasil, acreditava que nunca mais seria politicamente perseguido. Estudante de Filosofia formado pela Universidade de São Paulo (USP), nunca quis exercer a profissão, conheceu em uma festa univer-sitária, namorou e casou com a jovem es-tudante de Ciências Sociais Clarice. “Eu estava vendendo livros, ele foi comprar, nos conhecemos”. Com ela, foi pai de seus dois filhos: Ivo, nascido em 1966, e André, um ano e meio mais novo.

Texto por Guilherme VenagliaDesign por André Valente

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Um tanto introspectivo, não teve uma vida comum em família durante os anos que pôde conviver com as crianças: “Ele não era um cara que iria jogar bola com o fi-lho mas estes, quando cresceram, foram fa-zer as coisas que ele gostava. Um pai alegre, muito carinhoso, mas nunca chutou uma bola na vida”, lembra a esposa, observando que até hoje seus filhos tem apreço pelos hobbies que o Vlado tinha. “Os dois filhos, mas principalmente o André, que tem a fi-sionomia do pai, gostam muito de pescar”. Formado nas ciências humanas clássicas, seu rumo para a carreira jornalística se deu através da conhecida família Abramo.

Fluente em sete idiomas, Herzog era ator de teatro italiano, onde contracenava com Lélia Abramo. “Ele gostava muito de escrever. E, na época, a Lélia contou que o irmão dela trabalhava no Estadão. Con-versando com o Cláudio Abramo, entrou para trabalhar logo na sequência e nunca mais parou”, conta Clarice Herzog, no escritório de sua empresa de consultoria, em um prédio comercial na movimenta-da Avenida Brigadeiro Faria Lima.

Um convite do amigo Nemércio Nogueira levou Vlado à Inglaterra, para o setor internacional da britânica British Broadcasting Corporation (BBC). “Eu fui para lá em outubro de 1963. Quando o golpe [de março de 1964] ocorre alguns meses depois, ser jornalista no Brasil se torna insalubre, arriscado. Por isso, acabei fazendo um lobby para que ele [Herzog] e Fernando Pacheco Jordão fossem contra-tados”, recorda-se Nemércio. Foi na BBC onde teria uma das experiências mais marcantes e curiosas da sua carreira, visto que pendia para a área da cultura: Herzog, ao lado dos companheiros, Nogueira e Jordão, transmitiu a Copa do Mundo de Futebol de 1966, sendo um dos únicos jornalistas brasileiros da época que conti-nuou a transmissão após o fim da partici-pação brasileira. O Copa 66 chegou a ter o sinal captado e retransmitido por diversas estações de rádio interessadas em cobrir a competição, mas sem condições financei-ras de manter profissionais no país, pois a eliminação do Brasil reduziu o interesse publicitário e comercial da competição.

Em seus últimos meses na Inglaterra, o jornalista se dedicou a um curso para a produção de televisão educativa, uma vez que tinha uma proposta certa de emprego na TV Cultura, em São Paulo, quando retornasse ao país. Dois dias an-tes da viagem agendada, viu pelos jornais ingleses a manchete “Ditadura Militar no Brasil”. Apesar dos militares já esta-rem no governo há quase quatro anos àquela altura, desde março de 1964, foi a decretação do AI-5 em 13 de dezembro de 1968 que chamou a atenção do mun-do todo para o que ocorria politicamente no mais extenso país da América do Sul. As notícias o fizeram cogitar permanecer em território europeu, “nós pensamos que ele poderia ficar, mas não havia mais o que fazer por lá, nossa vida era aqui”, conta Clarice. Vladimir Herzog voltou ao Brasil em alguns dias, mas a proposta de emprego na Cultura não existia mais. “Não entendemos o porquê, ele tinha a ficha limpa, limpíssima, tanto que con-trataram ele depois. Mas aqueles dias após o AI-5 foram tenebrosos”, conclui.

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Nascido na Iugoslávia, Vladimir Herzog estabeleceu carreira e família ao vir para o Brasil

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Pouco tempo depois, comprovando a tese da esposa, o Governo do Estado de São Paulo, após consultar todo o históri-co do jornalista no então temido Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de investigação e inteligência, aprovou sua contratação para o importante cargo de diretor de Jornalismo da TV Cultura, considerando-o inofensivo aos interesses do regime. O rumo da vida de Herzog, no entanto, passava longe do Jornalis-mo. Clarice relembra que o futuro do casal estaria na sétima arte: “Ele queria mesmo era fazer cinema. Nós, inclusive, havíamos combinado. Ele me sustentou por dois anos quando estávamos em Londres e eu o sustentaria para que fizes-se cinema, isso já em 1976, alguns meses depois da época em que ele faleceu. Infe-lizmente, foi um sonho interrompido”. E aponta que “o sonho dele era fazer um ci-nema de crítica social na América Latina. O plano era rodar a história do Antonio Conselheiro, ele já estava se preparan-do para isso”. Além dessa tendência ao audiovisual, o jornalista teve passagens por todas as formas de mídia existentes a época, em texto, rádio e televisão. Em tempos de cobrança por profissionais com perfil multimídia no mercado de trabalho, não é lembrado que a geração de Vladimir Herzog exerceu um impor-

tante papel de vanguarda nesse aspecto. “Foi uma época onde isso era mais comum, não falávamos no termo ‘mul-timídia’ mas a ideia sem dúvida era essa, de ter uma atuação aberta para todos os meios possíveis”, recorda Nogueira.

É proibido proibirDe volta ao Brasil, Herzog decidiu que iria se engajar na resistência à ditadura. Fortemente contrário à luta armada, en-xergava dois caminhos: a Igreja Católica e o PCB. Judeu, optou pelo segundo. “Ele me disse ‘você é minha mulher e precisa saber’, então me contou que havia se filia-do ao Partido Comunista. Eu me assus-tei, pois sabia que ele sempre havia tido muitas críticas ao PCB, mas entendi, era preciso fazer alguma coisa”, recorda-se Clarice. O filho Ivo demonstra inquie-

tação em reafirmar que o pai não era co-munista. “Meu pai não acreditava na luta armada, muito menos nessa baboseira de ditadura do proletariado. Reuniam-se no Partido intelectuais que pensavam um modelo socialista mais próximo do europeu, da socialdemocracia”.

Apaixonado pelas artes e pela cultura, Vlado vivia um grande desespero: a saída de expoentes da cultura brasileira pela repressão. “Era a causa a qual ele se dedi-cava, a evasão da cultura. No Brasil, havia ótimos cantores, escritores e cineastas, mas estavam todos indo embora, era essa a atuação do meu marido no PCB, algo como a ‘célula dos jornalistas para a ques-tão da cultura’”, lembra Clarice. A opinião do filho é compartilhada por João Batista de Andrade, cineasta que realizou o filme Vlado, 30 anos depois, de 2005: “Ele pen-

“ELE ME CONTOU QUE HAVIA SE FILIADO AO PARTIDO COMUNISTA.

EU ME ASSUSTEI, MAS ENTENDI, ERA PRECISO FAZER ALGUMA COISA

Clarice Herzog,presidente do Instituto

Vladimir Herzog

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Jornalista ligado à cultura, Vlado tinha como principal preocupação a evasão de artistas por causa da perseguição político-ideológica do regime militar brasileiro

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sava muito a questão da cultura. O Vlado era um cara que buscava igualdade e liber-dade, ele não poderia não fazer nada. Mas também não tinha paciência para a luta ar-mada e essa ala mais radical da resistência”.

Em outubro de 1975, quando se intensificaram perseguições a jornalistas por parte do regime, a família Herzog começou a se preparar. “Nós sabíamos que poderia acontecer. Os jornalistas próximos a ele, do grupo do PCB, esta-vam sendo presos e torturados. Era mui-to difícil que não chegassem no Vlado”, relembra Clarice. Sérgio Gomes, hoje diretor da OBORÉ Projetos Especiais, era um jovem estudante da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), integrante da representação estudantil e aluno de Her-zog, conta que a ofensiva aos repórteres objetivava dois alvos principais: atingir o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP), que, sob a presidência de Audálio Dantas, havia voltado aos comunicadores de tendência de esquerda, e abrir caminhos para que uma aparente inevitável redemocratiza-ção ocorresse de forma positiva para as estruturas do regime: “Havia a impres-são de que mais cedo ou mais tarde teria de acabar[a Ditadura]. Então, pensaram eles [os militares], ‘vamos abrir, mas an-tes vamos acabar com todas essas pesso-as’. A ideia era evitar que o Brasil elegesse um governo de esquerda, então o alvo teria de ser a origem do pensamento, as pessoas que poderiam ‘fazer a cabeça’ da população, que eram os jornalistas”.

Os dias que seguiram à morte de Vla-dimir Herzog seriam cruciais para definir o futuro político do país. Jornalistas de todos os veículos se reuniram na sede do SJSP, na Rua Rêgo Freitas, região central da cidade, no histórico auditório que hoje leva o nome de Vlado. “Começou um movimento que extrapolou os limites da categoria. Várias profissões e classes sociais se reuniram lá, que virou uma trincheira daqueles que queriam contes-tar a versão do suicídio“, conta Audálio Dantas, que viria a escrever a recente, mas já clássica, biografia As Duas Guerras de Vlado Herzog, vencedora do Prêmio Ja-buti em 2013. Os presentes concordaram em promover um ato ecumênico em ho-menagem ao companheiro assassinado, com o apoio do então arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, o local escolhido foi a Catedral da Sé.

Além da religião católica, estariam representados o Judaísmo, na pessoa do rabino Henry Sobel e o Protestantismo, com o reverendo James Wright. Sobel, inclusive, viveu um dilema histórico: para a religião judaica, aos suicidas — categoria a qual pertenceria Herzog pela versão da ditadura —, o destino é o inferno, sendo que estes não devem estar sepultados com os demais nos cemité-rios judaicos. No auge da repressão, oito mil pessoas silenciosas caminharam até o centro da capital paulista e choraram a morte do jornalista. A indignação latente não permitia que a versão oficial do sui-cídio prevalecesse. Clarice relembra que em todos a certeza de que ali se velava

uma vítima da tortura e do autoritarismo no país era clara: “Eu nunca tive dúvida nenhuma. Nós sabíamos que se matavam pessoas lá [no DOI-Codi]”.

A revolta e a raiva seriam o motor das ações seguintes. Apoiada pelos colegas e amigos, a viúva entraria com um corajo-so processo. O objetivo, que permanece até hoje, é claro: não restarem dúvidas de que a repressão e a violência do Es-tado brasileiro eram a verdadeira causa mortis do marido. Quando o litígio se encaminhava à conclusão, a Justiça Bra-sileira aposentou compulsoriamente o juiz Martins Filho, inicialmente indicado para deliberar sobre o caso. A suspeita do governo, que depois viria a se compro-var, era da condenação. A indicação de um jovem, chamado Márcio Morais era parte de um ideal. Com uma carreira pela frente, Morais não iria arriscar sua profis-são — e, quem sabe, sua vida — para fazer justiça. Contra todos os prognós-ticos, a sentença: o jornalista Vladimir Herzog não tinha se suicidado e, sim, havia sido assassinado por homens da força de segurança do país, agindo em nome de autoridades públicas. As man-chetes, que mesmo com a censura não puderam ignorar o ocorrido, enviavam a mensagem de que, afinal de contas era verdade, existia tortura no Brasil.

Memória vivaO engenheiro naval Ivo Herzog, hoje, aos quarenta e nove anos, é diretor--executivo do instituto que leva o nome do pai. Sentado no segundo andar da

“A IDEIA ERA EVITAR QUE O BRASIL ELEGESSE UM GOVERNO DE ESQUERDA, ENTÃO O ALVO TERIA DE SER A ORIGEM DO PENSAMENTO, AS PESSOAS QUE PODERIAM ‘FAZER A CABEÇA’ DA POPULAÇÃO, QUE ERAM OS JORNALISTASSérgio Gomes, jornalista e diretor da OBORÉ

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sede da organização em uma rua tran-quila de Pinheiros, fala que, daquilo que sabe sobre o nome estampado na porta, a menor parte são de lembranças pesso-ais: “muito poucas memórias. Lembro do sítio e de pescar, principalmente”. Apesar de não recordar, se permite criar a própria imagem sobre quem foi seu progenitor: “vou recebendo informa-ções e, claro, vou criando um imaginá-rio, mas ele vai se renovando sempre”. Mesmo orgulhoso da memória do pai, o engenheiro, que passou quatro das suas cinco décadas de vida convivendo com a herança de um mito, não descon-versa quando questionado sobre como gostaria que Vlado fosse lembrado: “Se dependesse de mim? Eu preferia que tivessem esquecido ele quarenta anos atrás”. Afinal, por que então criar e di-rigir um instituto se é algo que se causa tamanha dor? “Porque não esqueceram. Então vamos aproveitar essa referência e fazer um projeto legal para construir uma sociedade melhor”.

Clarice, por sua vez, preferiu enxergar de outra maneira, dizendo que gostaria que a sociedade visse Vlado como “Óti-mo profissional, pessoa séria. E nada egoísta. Uma pessoa dedicadíssima aos amigos. Um cara absolutamente do bem”. Dantas reforça que a lembrança deve ocorrer “de forma festiva. Após a criação do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog [de Anistia e Direitos Humanos], em 1999, a homenagem passou a ser de re-forçar que ocorrido com o Vlado foi uma vitória”, explicando que “além da tragédia, precisamos destacar que foi um divisor de águas, que contribuiu muito com o fim da Ditadura Militar”, conclui.

Sobre a atuação do Instituto Vla-dimir Herzog (IVH), o filho avalia que o incentivo à preparação de jovens jor-nalistas é fundamental para a mudança do cenário. Entre as iniciativas, destaca o prêmio em nome do pai e o Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jor-dão, “a gente tenta colaborar com a for-mação do jovem comunicador do pais”. A missão da instituição é apresentada em três pontos: preservar o conhecimento sobre a história do Brasil, em especial a do período da Ditadura Militar, para que não se repita; construir, através de reco-nhecimentos para aqueles que desenvol-vem esse trabalho, um novo Jornalismo, e compartilhar conhecimentos, através da realização de palestras, seminários e debates. Em relação ao caso, em 2013 conquistou-se uma grande realização,

que foi a correção pela Comissão Nacio-nal da Verdade do atestado de óbito.

A importância da memória do assas-sinato para jovens jornalistas é unanimi-dade entre as referências da área. Carlos Costa, doutor em Ciências da Comuni-cação pela Universidade de São Paulo (USP) e atual diretor da Faculdade Cás-per Líbero, conta que a principal lição, na visão dele, é a correção de Herzog como profissional e a importância da postura combativa. “Tem que ter esse papel, da pessoa que questiona mesmo que tenha oposição a isso. Os donos do poder vão sempre se virar contra quem contesta, mas é preciso permanecer firme”. Jovem durante a época, quando militava como editor do jornal clandestino e oposicio-nista Ex, Dácio Nitrini, hoje diretor do Departamento de Jornalismo da TV Ga-

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zeta e membro do Conselho Deliberativo do IVH, concorda: “A memória dele tem que ser resumida em: é proibido proibir o pensamento, a liberdade de opinião. A democracia, a livre expressão, a cidadania e o combate às injustiças sociais. É isso”. E acrescenta que o dever do jovem jor-nalista é se indignar diante das opressões. Nemércio Nogueira critica a educação brasileira que, na opinião dele, deveria assumir para si a responsabilidade, fa-zendo uma verdadeira conscientização sobre as arbitrariedades e as violações de direitos humanos ocorridas antes, duran-te e depois da ditadura, explicando que “a escola deveria ensinar. O jovem deveria se formar sabendo. Mas, como não sabe, o Instituto é ainda mais importante. Não podemos permitir que as pessoas esque-çam o que aconteceu”, defende.

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Se hoje é visto como um combatente corajoso ou ocupa um papel de mártir, ele nunca teve essa intenção, como con-tam os colegas próximos: “só me inco-moda essa ideia de ‘heroi’, do salvador da pátria, ele nunca teve esse perfil”, afirma João Batista de Andrade. Nogueira, por sua vez, concorda, observando que “é um heroi apesar dele mesmo”.

Os acontecimentos de outubro de 1975, e os fatos que se seguiram a eles, são, ao mesmo tempo, sobre um ho-mem que faleceu, uma esposa que ficou viúva, filhos que ficaram órfãos e sobre a história de um país e uma profissão que nunca mais seriam os mesmos. Vla-dimir Herzog não foi morto por qual-quer motivo. Foi morto por defender a liberdade. Foi morto por, em sua forma de agir, buscar um país com mais arte,

com menos censura, onde as expres-sões individuais fossem bem-vindas. A preservação da sua memória, além da oportunidade de conhecer uma pessoa doce e com uma pulsante veia artística, é de um homem além do mito, é a pos-sibilidade que temos, como cidadãos, de defender a nossa liberdade, conquis-tada às custas de muito sangue, tortura e lágrimas. É ir além, é entender o ser humano que está à nossa frente, é lutar por uma vida mais digna. Reconhecer a humanidade que existe no outro. O que a morte de Vladimir Herzog deve ensi-nar, não só a nós, jornalistas, mas para todos os sonhadores que seguem na busca por um mundo melhor é: aque-les que perderam a vida não podem ser esquecidos. É preciso lembrar, resistir. É preciso lutar, sempre.

Ato ecumênico realizado na Praça da Sé em 31 de outubro de 1975 reuniu cerca de 8.000 pessoas

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Apouco mais de um sécu-lo, em 1906, Helen Lans-downe Resor quebrou barreiras e foi a primeira redatora mulher da pu-blicidade mundial, atu-ando na agência J. Walter Thompson (JWT). Até aquele momento, as mu-

lheres, como em outros segmentos, não conseguiam ocupar um espaço no mer-cado formal da propaganda, estando res-tritas a, quando contratadas, atuarem em funções assessorais, como o secretariado.

Em 2015, mais de cem anos depois, a disparidade de direitos e condições entre os diferentes gêneros no mercado de tra-balho continua sendo uma realidade so-cial no Brasil. Estudo do Banco Interame-ricano de Desenvolvimento (BID) aponta que, no país, o salário de um homem é, em média, 30% maior que de uma mulher com o mesmo grau de escolaridade para o exercício da mesma função.

Nas agências de publicidade, a pre-sença feminina é, no entanto, cada vez maior. São mulheres que se destacam pela trajetória de luta na busca por seu espaço e pela criatividade em usar esta profissão,

que influencia diretamente na formação da opinião pública, como instrumento de combate ao machismo.

Cerveja FeministaMulheres em corpos esguios, sarados e se-minus desfilam com um copo de bebida na mão, enquanto os olhares masculinos pa-recem desejosos, almejando o que veem, o produto e a modelo, ambos, em tese, ao seu alcance. Consumir cerveja é um hábito cul-tural de uma grande parcela da população brasileira, mulheres inclusas. No entanto, integrantes de movimentos sociais, sobretu-do feministas, se opõem à comerciais como esses, que, na visão dessas pessoas, acabam por objetificar a mulher, colocando-a em pé de igualdade com o produto, como se fosse, como este, algo a ser consumido.

Muito criticada nas redes sociais, a campanha da marca de cerveja Skol para o carnaval deste ano gerou polêmica. Fra-ses como “Esqueci o não em casa”, “Topo antes de saber a pergunta”, entre outras, foram espalhadas pelos outdoors da cidade de São Paulo e foram acusadas, até, de in-centivarem o assédio sexual, uma vez que ofereciam a possibilidade de interpretação de que durante as festividades, os foliões,

sobretudo as mulheres, estariam necessa-riamente abertos a possibilidades de rela-cionamento. A reação e a intervenção de grupos militantes dos direitos da mulher culminaram na retirada da campanha pu-blicitária pela própria empresa. Foi neste momento que nasceu a Cerveja Feminista, bebida criada com base no ideal da igual-dade de gênero, pelas publicitárias Maria Guimarães, Thais Fabris e Larissa Vaz. “Estávamos trabalhando no mesmo grupo durante aquela polêmica, nós pensamos em fazer algo a respeito, logo veio à ideia da cerveja”, conta Maria Guimarães, publicitá-ria e idealizadora do projeto.

Pesquisa do instituto Data Popular apontou que 65% das mulheres não se sentem representadas pelas propagadas de cerveja, enquanto apenas 10% dos criativos brasileiros, profissionais res-ponsáveis pela idealização conceitual das campanhas, são do gênero feminino. O jogo de palavras com os numerais que re-presentam essa disparidade deu origem a uma comunidade na rede social Facebook chamada de 65/10, destinada a profissio-nais femininas da área da propaganda inte-ressadas em discutir as questões relativas à essa temática dentro desse mercado. Foi

Texto por Felipe Sakamoto

Design por André Valente

DELASMulheres publicitárias discutem a representação feminina nas propagandas — e nas agências

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este grupo que acabou inspirando a criação de uma empresa de mesmo nome, voltada para o ativismo criativo, que visa melhorar a representação da mulher na publicidade por meio de ações como consultoria e edu-cação. Além, é claro, de ser a responsável pela produção da Cerveja Feminista.

Recentemente, as empresas estão investindo em propagandas promoven-do o empoderamento feminino, como a Budweiser, que escalou a lutadora Ronda Rousey para protagonizar o comercial, e a marca de absorvente Always, que problematizou o sexismo na fala “você parece uma mulherzinha”. Questionada quanto à publicidade progressistas, Maria diz que o movimento está crescendo, mas o mercado, especialmente as agências, ainda patina muitas vezes por falta de humildade e empatia. “Temos que tomar muito cuidado ainda com o cause washing,

que são marcas que querem apenas surfar a onda sem se comprometer com mudan-ças de fato”, pontua.

Machismo nas agências“Sempre acontece. Uma de nós já passou por um assédio na hora de uma entrevista de emprego, por exemplo. Temos casos de amigas também que já foram assedia-das no trabalho de forma mais ríspida, chegando até mulheres que passaram por situações de ter o diretor de criação botando-as contra a parede, literalmente”, conta a publicitária Maria Guimarães.

Segundo a organização The 3% Confe-rence Championing Creative Female Talent +Leadership, 3% dos diretores de criação no mundo são mulheres. Dos dirigentes de agências no mercado paulista, 74% são homens e 26% mulheres, de acordo com dados do Sindicato das Agências de

Propaganda de São Paulo (Sinapro-SP). Entre os dezesseis presidentes do júri do Festival de Cannes, maior prêmio da pu-blicidade mundial, apenas duas não são homens. Os dados não mentem: a publi-cidade é composta majoritariamente por cabeças masculinas.

A existência de comerciais que re-produzem ideais machistas está, segundo Maria, ligada falta de participação femi-nina no processo de criação nas agências. “A representatividade é muito pequena”, destaca ela, que também faz um apelo: “Mulheres, não desistam. E diretores de criação: contratem não uma, mas três mulheres. O ambiente fica mais diverso, com mulheres com força para expor suas opiniões”. Profissionais femininas que conquistam espaços nas agências são con-tratadas, em sua maioria, para a área de atendimento, que faz a ponte entre as em-presas e os clientes e onde, em geral, uma aparência dentro dos padrões de beleza é considerada essencial.

Publicidade e Feminismo“Eu não sou feminista”, diz a professora e publicitária Selma Felerico. Com uma camiseta do filme Taxi Driver, cabelos cacheados e baixa estatura, que a orgulha, a publicitária justifica tal afirmação di-zendo que “a mulher já ocupa os espaços há muitos anos”. A docente, doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifí-cia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisando a semiótica psi-canalista e da cultura, defende uma atua-lização do discurso feminista que, na visão dela, é erroneamente o mesmo do seu

A Cerveja Feminista foi criada para promover a igualdade de gênero no meio publicitário

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período como universitária, na década de 1980. “O discurso de hoje deve mudar. O meu discurso mudou. As minhas alunas não precisam lutar por espaço, porque eu já deixei para elas”, diz a publicitária.

A trajetória de Bianca Santana, jor-nalista, professora da Faculdade Cásper Líbero, ex-editora-chefe da Revista Cás-per e uma das fundadoras da Casa de Lua, espaço de luta política de mulheres, no feminismo começou ainda adolescente quando teve contato com algumas leituras e proximidade com movimentos sociais de educação. Apesar dos avanços, ela con-ta que as pautas reivindicadas no passado ainda não foram atendidas, como o direito aos próprios corpos, a terra, aos meios de comunicação e aos meios de produção. De acordo com Bianca, as mulheres estão em todos os espaços, mas “normalmente, no mercado de trabalho, são maioria em cargos operacionais e minoria em posi-ções de liderança e poder”, esclarece.

Apesar dos dados comprovarem a pequena participação feminina nos cargos de criação nas empresas, Selma conta que nunca sofreu machismo nas agências em que trabalhou. Na visão dela, o essencial para as profissionais é “se impor”, alegando que foi assim que

ocupou funções importantes, como chefe de estúdio. A publicitária também não vê problema com o direcionamento de mulheres para a área de Atendimento, creditando esse fato a características com-portamentais femininas: “Elas entram na mídia de atendimento porque são mais organizadas, atendem melhor o cliente, coisa de mãe”. Mesmo não se consideran-do feminista, a publicitária concorda que exista, sim, machismo no setor da criação publicitária, mas que, mais grave que isso, é a aprovação dessas campanhas por parte dos clientes. Questionada sobre o gênero desses clientes, ela rebate “Há muitas mu-lheres aprovando campanhas como essas; 52% dos estudantes da ESPM [faculdade de comunicação onde leciona] são mu-lheres, ou seja, tenho muita graduanda na Ambev, Volkswagen, Fiat, entre outras”.

Selma não poupa críticas aos comer-ciais de cerveja “Toda propaganda ruim deve ser jogada fora”, e aponta até para as mulheres que se submetem a tal exposição: “Só tem campanha assim porque tem mu-lher que se sujeita a isso e pelo cliente que aprova”. E ainda, arrisca dizer que a mulher que aceita ser exposta no comercial é “mais machista que o próprio homem”. Tendo em vista o modelo americano de consume-

rismo, a solução para as propagandas ruins é boicotar a marca, não consumindo o pro-duto. “Tirar a propaganda do ar é simples, faz outra. O maior poder do consumidor é não consumindo o produto”, aconselha.

Bianca Santana acredita que o mundo publicitário e a sociedade estão mudando a percepção machista, sendo que “já não existe mais um silêncio quando essas pe-ças publicitárias circulam. Uma mudança tem sido exigida pelas mulheres, pelos movimentos feministas e até mesmo pelos prêmios publicitários”, conclui.

Independente das discordâncias é consenso entre as profissionais de que a representação feminina na publicidade ainda acaba por reforçar conceitos e es-tereótipos contrários à igualdade entre gêneros. O machismo está enraizado nas estruturas da sociedade. Tão intrínseco que a dificuldade para desconstruí-lo é imensa. Os comerciais e propagandas que impõem os padrões de beleza, a cultura que dita os valores morais para cada gêne-ro, e a exacerbação das horas de trabalho e logística da classe trabalhadora ocupa a cabeça das pessoas. Se mesmo ocupando o topo da pirâmide social já é difícil reco-nhecer a estrutura de privilégios, imagina estando na base do sistema.

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A professora Selma Felerico acredita que, para conquistar cargos de chefia, as mulheres precisam “se impor”

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O fenômeno MasterChef capturou a atenção do país e levantou a discussão sobre os limites entre gastronomia e entretenimento

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Aventais a postos. Fogões ligados. As câmeras acompanham enquanto os participantes trans-piram e misturam os ingredientes para criar o melhor prato, a me-lhor receita. A disputa aumenta junto com a

tensão do telespectador, que não conse-gue mudar de canal — não é a toa que, durante a exibição dos últimos episódios do reality MasterChef Brasil, a TV Ban-deirantes bateu sucessivamente recordes de audiência de acordo com o Ibope, até mesmo ultrapassando o da emissora con-solidada na liderança, a Rede Globo, em mais de uma ocasião.

Esse marco revela uma nova tendên-cia que tem tomado conta do público brasileiro: o gosto por reality shows gas-tronômicos. Esses programas se disse-minaram pelo meio televisivo, saindo do mundo da TV por assinatura e invadindo os canais abertos. Além do MasterChef, os grandes títulos dos realities brasileiros são o Cozinha Sob Pressão (SBT), The Taste Brasil (GNT), Batalha dos Confeiteiros (TV Record), Bake Off Brasil — Mão na massa (SBT), entre outros. Fora estes, há ainda uma infinidade de programas inter-nacionais transmitidos nas redes fechadas.

Julia Ribeiro de Lima, estudante de Jornalismo na Universidade Presbi-teriana Mackenzie, é apaixonada por gastronomia e acompanha todos os pro-gramas acima. “Meu favorito é o Mas-terChef, em especial a edição brasileira, por reunir cozinheiros amadores e chefs renomados. Dá vontade de viajar pelo nosso país experimentando as comidas que eles fazem”, conta. Para ela, cozinhar é estritamente um hobby e não teria in-

teresse em participar de um reality se tivesse a possibilidade Oportunidade esta que, para muitos cozinheiros ama-dores, é a chance de adentrar o universo da gastronomia profissional.

De verdade?“Quando falavam que nossa comida era boa, achávamos que diziam por educa-ção”. É o que conta a engenheira química Helena Manosso. Ela e seu marido, Lu-cio Manosso, também engenheiro quí-mico, participaram da primeira edição do MasterChef Brasil — na qual Helena chegou à final, perdendo a última prova para Elisa Fernandes, vencedora da primeira temporada do programa. “O Lúcio tira sarro de mim até hoje, porque quando nos chamaram para a seleção, eu disse para ele: ‘não passaremos nem da primeira fase’”, relembra.

Lúcio explica que foi uma colega de trabalho que o convidou para participar das seletivas: “ela tinha uma amiga na pro-dução que a tinha chamado, mas como ela sabia que eu me interessava mais por gastronomia do que ela, passou o convite para mim”. Como se tratava da primeira vez que o programa iria ao ar aqui no Bra-sil, não havia tanta procura por inscrições. De acordo com Helena, ela e o marido participaram de boa parte da seleção às cegas. “Nós sabíamos que se tratava de uma competição de gastronomia, mas não sabíamos que era o MasterChef até as etapas finais do processo”, recorda.

Quem passou por uma situação bastante parecida foi Juliana Ferraz. Formada em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero, tem um canal de receitas no Youtube, o TPM, pra que te quero? e participou da mais recente edi-ção do Bake Off Brasil — Mão na Massa.

Texto por André Valente

Design por Carolina Mikalauskas

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A competição, neste caso, se restringe à confeitaria, mas o gosto da radialista pela gastronomia ultrapassa a produção de ali-mentos doces: “essa paixão pela cozinha veio da minha bisavó, passou pela minha avó e minha mãe até chegar a mim”. De acordo com ela, existe um “dom” que as pessoas têm para cozinhar — e Juliana acredita tê-lo. “Quando eu falo isso no programa, as pessoas acham que eu estou me exibindo. Não é isso, é só que eu real-mente cozinho com muito amor”, explica.

Ela, assim como Helena e Lúcio, foi convidada para o reality a partir de um contato: seu namorado é amigo de um produtor de casting do SBT, que a cha-mou para participar da seleção. Juliana

conta que passou por diversos proces-sos, tais como entrevistas, questionários técnicos e até mesmo avaliações psico-lógicas até que fosse chamada para se tornar uma das competidoras do Bake Off Brasil. “Fizeram um teste para saber da minha vida, como eu lido com a pres-são, com a competição. Queriam traçar o meu perfil”, explica.

Assim como muitos telespectadores, Juliana não acredita que os participantes dos realities sejam, necessariamente, os me-lhores cozinheiros amadores do Brasil. “A produção tem que ter certeza que os com-petidores que estarão nessas atrações vão dar audiência. A seleção é muito visionária”, ela afirma. “Os participantes são pessoas

reais, mas também são personagens: cada um tem um papel a cumprir”, completa.

O fator “verdade” dos reality shows sempre foi algo colocado em dúvida: uma parcela do público é costumeiramente mais cética em relação a esse tipo de pro-grama. Henrique Fogaça, chef de cozinha e também jurado do MasterChef Brasil, afirma que o que os telespectadores as-sistem é completamente autêntico. “Não tem essa de ‘ceninha’. Não tem nenhum roteiro com falas prontas. No máximo algumas instruções”, explica. De acordo com ele, a produção dá algumas orienta-ções básicas, mas não influencia nas deci-sões dos jurados. “Não há personagem”, afirma categoricamente.

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O chef Henrique Fogaça avalia prato de participante do MasterChef Brasil

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Helena e Lúcio também reforçam a declaração de Fogaça. “É realidade total. A gente chegava no estúdio sem saber o que ia fazer, não tinha nenhum script”, ex-plica a ex-participante. Segundo o casal, o programa não tem nada combinado. “Às vezes uma pessoa muito boa é elimi-nada porque cometeu um erro. Os chefs avaliam o prato daquele dia, pelo menos até a final”, diz Helena — no entanto, para a engenheira, é possível que os jurados levem em conta a trajetória e o potencial futuro na hora de escolher um vencedor. Fogaça explica: “nem sempre o melhor ganha. Ele pode ter acordado com o pé esquerdo e acabar sendo o pior na prova daquele dia. Mas se ele errou,

“NÃO TEM ESSA DE ‘CENINHA’. NÃO TEM NENHUM ROTEIRO COM FALAS PRONTAS. NO MÁXIMO ALGUMAS INSTRUÇÕESHenrique Fogaça, jurado do MasterChef Brasil

será que era mesmo o melhor? É compli-cado”. Para Fogaça, o vencedor do pro-grama é o candidato que, além de bom cozinheiro, é também um bom jogador.

Show de cozinhaA quantidade de trabalho por trás de um reality show não é muito evidente para o telespectador. Um episódio de uma hora e meia, na verdade, leva um ou dois dias para ser gravado. “Foram quarenta dias de gra-vação direto. É bastante exaustivo”, conta Lúcio. E completa: “Os tempos das provas são realmente aqueles que vocês vêem na televisão, mas todo o resto demora muito para ser gravado”. Helena explica: “nós che-gávamos no estúdio e realizávamos a prova no prazo determinado: fazíamos dois pratos, um deles era provado pelos jurados assim que terminávamos. Depois disso, há um intervalo para o almoço e mais tarde re-tornávamos para gravar os chefs provando o segundo prato e os resultados”.

Ao contrário de Juliana, que já faz parte do mundo do audiovisual, Helena e Lúcio nunca tinham participado de um programa de televisão de longo prazo e, portanto, não estavam familiarizados com as câmeras. Segundo eles, não há nenhum tipo de preparação para que

os participantes aprendam a trabalhar no meio televisivo — mas nem por isso eles sentem dificuldade em lidar com esse ambiente. “A gente não vê câmera nenhuma. Não dá tempo. Às vezes, a produção te interrompe durante a prova para fazer perguntas e tem que te chamar duas ou três vezes, porque você nem per-cebe”, afirma Helena.

Das gravações ao produto final, são meses de trabalho em que equipe, apre-sentadores, jurados e participantes não podem revelar nada sobre os resultados do programa. Afinal, a expectativa e a surpresa são partes essenciais da com-petição, sendo os principais fatores que garantem as grandes audiências dessas atrações. “Eu não sei explicar o porquê desse boom dos realities gastronômicos, mas sei que esse formato de competição agrada”, afirma Juliana. Para ela, o que chama a atenção é a identificação do público: “o apelo é que eles são reais. São pessoas de verdade, então o público nos vê na televisão e pensa que também pode fazer aquilo”.

Helena compartilha da mesma opinião de Juliana. Ela acredita que, de alguma forma, os realities têm aproxi-mado o telespectador do universo da

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gastronomia e da cozinha. “Sempre vinha alguém me dizer que tentou fazer em casa uma das receitas que eu fiz no programa”, conta ela. A estudante Julia também verifica a mesma coisa: “No dia seguinte à exibição, é muito comum ver alguém no trabalho ou na faculdade comentando algum prato, dizendo que tentaram fazer uma receita inspirada no que assistiram ou que querem conhecer o restaurante de um determinado chef ”. Ela conta que teve a oportunidade de jantar com alguns dos participantes da primeira temporada do MasterChef Bra-sil e, na ocasião, trocou algumas receitas que, mais tarde, tentou executar em casa.

No entando, há quem seja um tanto mais cético em relação ao lado gastronô-mico dos realities de competição de cozi-nheiros. Ailin Aleixo, por exemplo, não acha que esses programas sejam muito relevantes para o mundo da gastrono-mia. “Eles são entretenimento puro que, por acaso, tratam de cozinha. Assim como existem os temáticos de música, esportes — o tema do momento é esse”. Jornalista de carreira renomada, Ailin comanda um dos principais blogs espe-

cializados no tema do país, o Gastrolân-dia. Para ela, o mérito dos realities está em, no máximo, incentivar as pessoas a se aventurar mais na cozinha.

A chef Paola Carosella, jurada no MasterChef Brasil, deu uma declaração considerada polêmica em entrevista para o portal UOL durante a exibição da segunda temporada do programa. “Se alguém realmente sente que vai ser a ‘grande revelação’, não vai para um reality show. Vai trabalhar em um restaurante de verdade, se dedicar à gastronomia”, afir-mou. Para ela, quem de fato quer se tor-nar um grande cozinheiro procura meios mais tradicionais ao invés de se inscrever em competições de televisão. Helena e Lúcio são mais moderados: “Pode ser que saia de dentro de um programa de TV um grande cozinheiro que nunca teve a oportunidade de mostrar seu talento”, diz Helena. E Lúcio completa: “Você não pode dizer que de dentro da Le Cordon Bleu [mais renomada escola de gastronomia da França — cujo curso faz parte dos prêmios do programa] vai, necessariamente, sair um grande chef. Pode ser que não”.

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A engenheira química Helena Manosso participou junto com o marido da primeira edição do MasterChef Brasil

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Para todas as partes, está claro que o foco desse gênero televisivo não está em educar o público. “Você não pode esperar que um reality show de gastro-nomia traga um grande conteúdo. Ali não é o espaço para isso”, aponta Ailin. Para ela, isso não é algo problemático: “eu nunca vi nenhum desses programas se vendendo como algo informativo. Por isso, não é algo que me incomoda”. Lú-cio, por outro lado, relativiza: “Existem formatos e formatos. O MasterChef Bra-sil é mais focado na competição mesmo. A proposta dele não é ser educativo”. O casal conta que aprendeu muito com as aulas do MasterClass — um quadro do programa em que os chefs ensinavam receitas e davam dicas de cozinha — da versão australiana do reality.

Independentemente deste debate, não se pode negar que estar em rede nacional afeta consideravelmente a vida dos participantes: o ganhador, além do

curso internacional, também recebe R$ 150 mil e outros prêmios menores. He-lena e Lúcio, que não venceram a compe-tição, mantiveram seus empregos na área da engenharia química, mas a relevância da gastronomia parece crescer cada vez mais na vida profissional dos dois. “Tive-mos a oportunidade de fazer um estágio com a Bel Coelho [dona do restaurante Clandestino]. Ela é super compreensiva e se adequa aos nossos horários, apren-demos muito com ela. Também abrimos uma empresa de consultoria, fazemos almoços e jantares personalizados e ofe-recemos pequenos cursos para pessoas que querem começar a cozinhar”, conta Lúcio. O ex-participante está cursando gastronomia no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e, gradualmente, se inserindo no ramo pro-fissional da gastronomia.

Outro programa que começou a mar-car presença na TV brasileira é o Master-

Chef Júnior. A versão infantil do reality já existe em diversos países e chegou ao Brasil em outubro. de 2015 “Claro, lidar com criança é diferente, mas a cobrança também é grande. A gente não pode pas-sar a mão na cabeça”, afirma o chef Fogaça, que também é jurado na nova versão. No entanto, não faltam críticas a essa moda-lidade do programa. “É claro que é legal você incentivar a cozinhar desde cedo, mas não nesse ambiente de competição de um reality. Eu acho que a criança não tem maturidade o suficiente para ser ex-posta a isso”, opina Lúcio.

Críticas à parte, o sucesso desses programas tem chamado atenção do país inteiro. Está claro que o Brasil vive um novo fenômeno que ainda deve al-cançar o auge do sucesso nos próximos anos. Servidos para todos os públicos, os realities gastronômicos são um prato cheio para os fãs de competição, cozi-nha e entretenimento.

As crianças são as novas estrelas na versão júnior do MasterChef Brasil

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resis tênciaPoesia e

Texto por Ana Clara Muner

Design por Carolina Mikalauskas

No decorrer da história, escritores descobriram diferentes maneiras de produzir poesia de acordo com suas neces-sidades. Na Ditadura Militar brasileira, por exemplo, em função da censura, os poetas fugi-

ram das editoras e das livrarias e encon-traram meios alternativos de produzir, re-cebendo, assim, a alcunha de marginais. Por meio de pequenas tiragens, vendiam seus livros de mão em mão, usando como copiador o mimeógrafo.

Se a geração dos anos 1960 e 1970 encontrou seu meio de produção pelos livretos e livros editados de forma inde-pendente, adotando a rua para divulgá--los, os poetas contemporâneos que não conseguem se encontrar em livrarias, op-taram mais uma vez por ocupar o espaço público e recorreram, também, à internet e encontros como saraus, que cada vez crescem mais, tanto nas regiões centrais quanto nas periféricas de São Paulo.

O fechamento das portas das livra-rias acabou se tornando a chave para que abrissem novos caminhos para esse gênero literário. Um deles é através de pequenas editoras que descobriram meios alternativos de publicação, como é o caso da Editora Patuá, que consegue vender os títulos em seu site, em lança-

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resis tênciaNovas formas de expressão em São Paulo

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mentos, eventos e feiras de livros virtu-ais. Outro rumo é a retomada da poesia marginal, com artistas que imprimem seus livros através de selos independen-tes e saem pelas ruas, declamando, em busca de novos leitores.

Fora das estantes“As livrarias cada vez mais perdem seu interesse em poesia”, diz Eduardo Lacer-da, editor da Editora Patuá. Na avaliação dele, este ramo de negócio, como qual-quer outro dentro da lógica de mercado, acaba buscando o retorno mais imediato possível, focando, assim, na venda de best-sellers e títulos bastante divulgados para o grande público. No entanto, existe espaço, mesmo que pequeno, para novos escritores de outras formas de literatura, o que não ocorre com a poesia. Apesar do cenário aparentemente ruim, o editor faz questão de frisar: “Mesmo excluindo esse gênero, houve um aumento signifi-cativo de publicações e de leitores”.

Para Heitor Ferraz Mello, jornalista, poeta e professor da Faculdade Cásper Líbero, a exclusão do segmento do cha-mado mercado editorial não é ruim, ao contrário, deve ser natural deste gênero literário: “Acho que a poesia está, sim, inserida no mercado literário, para azar dela mesma. Quando se inserir inteira-mente já não terá tanto interesse. Será a forma do poema, mas vazia de vitalida-de. A lei do mercado é única: aceita-me e te devoro. A poesia, pelo menos a que me interessa, segue outro caminho: sabe que o não é natural, nem mesmo um mal necessário”, conclui.

Assim como outros tipos de comér-cio e polos culturais, as livrarias também estão concentradas no centro de São Paulo, marcando pouca presença na pe-riferia paulistana. Contudo, é justamente nela que pulsa uma nova produção e consumo de poesia na capital.

Se por um lado o aumento do pú-blico anima, por outro, para o poeta

Maurício Duarte, ele ainda é pequeno. No entanto, a razão para isso ocorrer, na opinião dele, não é a falta de acesso, visto que, mesmo com as condições para tal, a elite econômica também não é grande consumidora do gênero. Para o escritor é a falta de inserção da poesia no cotidiano das pessoas que acaba por afastá-las.

Porém, graças aos poetas que con-tinuam tentando achar maneiras de al-cançar novos leitores e de promoverem encontros, sobretudo nesses bairros mais afastados, é possível que sejam criados novos coletivos, livrarias, saraus e festivais, trazendo a um novo público o encanto pela poesia.

Sobre estes autores, Heitor Ferraz explica a necessidade da esperança por parte deles na luta cotidiana para produzir seus textos: “Todo poeta é um utópico. Sem isso, ele não faz poesia. Pode fazer um poema, uma forma mor-ta como outra qualquer. Mas poesia, não. Por isso, para muitos, é difícil. Mas

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Membros do coletivo Correspondência Poética realizam intervenção em São Paulo

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quem disse que viver é fácil? A poesia exige um outro tempo e uma outra dis-ponibilidade do leitor, fora do padrão de produtividade do mundo contem-porâneo, do ‘tempo é dinheiro’”, reflete.

Por ser um gênero literário histo-ricamente marginalizado no mercado editorial, os escritores estão sempre atrás de meios alternativos para se posi-cionar na sociedade. Berimba de Jesus, poeta e criador do selo Maloquerista, une e apoia novos escritores que for-mam um coletivo através desse nome. Sendo uma produção interdependente, conta com a ajuda de diversos profis-sionais, como revisores, ilustradores e editores. Na opinião dele, contudo, o grande apoiador é o leitor.

Questionado sobre o porquê da pouca procura no mercado editorial tra-dicional, Berimba avalia que “a poesia é a prima pobre da literatura. Apesar de ser a base para diversas linguagens, ela sempre fica em segundo plano, ou melhor, em último.” Ele também comenta a dificul-dade de adaptar esse gênero literário aos moldes comerciais tradicionais: “Acredito que entre as manifestações culturais elaé a mais desafiadora para o mercado em transformar-se em produto comercial, por isso a falta de interesse das grandes edito-ras em publicar autores desse gênero”.

Atuando diretamente nessa área, Eduardo Lacerda explica os novos meios

aos quais o mercado recorreu nos últimos anos, muitas vezes se beneficiando das inovações tecnológicas. Para ele, “com o advento da impressão digital temos a possiblidade de fazer edições menores, não mais de mil ou de dois mil exempla-res. Começaram a surgir várias editoras pequenas, o que deixou mais fácil a pu-blicação de livros mais baratos, logo mais autores estão publicando” e é justamente nesse modelo de negócio, que antes não conseguia se estruturar para concorrer no mercado editorial, que estão florescendo novas oportunidades comerciais.

Embora muitos autores procurem meios alternativos para produzirem po-esia, Mauricio, que acabou de publicar seu segundo livro através da Editora Pa-tuá, vê o impresso como uma tradição de muitos anos. “Tenho aquele velho fetiche do livro, de sentir o objeto nas mãos, o cheiro, poder folhear. Sou, antes de tudo, um leitor de livros. Acho que nada dá mais força ao texto do que vê-lo impresso no papel”, conclui.

Um dos motivos para o aumento de publicações desse tipo acontecerem são os novos movimentos que começaram a aparecer, dentre eles a literatura periférica, a divergente, que traz à tona diversos poe-tas, deixando as livrarias e seus best-sellers para trás. Muitos leitores, que não estavam mais ao alcance destas ou das bibliotecas, reviveram sua relação com a leitura através

dessas iniciativas, do protagonismo que essa literatura os permitiu.

Os novos movimentosA dinâmica dos saraus teve início em diferentes pontos da cidade, sendo um deles há doze anos, o Sarau da Cooperi-fa. Criado pelo poeta Sérgio Vaz ,tinha como objetivo central trazer arte e cul-tura para o M’Boi Mirim, bairro em que residia na Zona Sul da cidade São Paulo e originário de artistas como o cantor Criolo. Juntamente com ele, também na Zona Sul, em Taboão da Serra, o po-eta Binho criou seu sarau, batizado de Sarau do Binho. Os dois optaram por organizar seus eventos em bares e, hoje em dia, continuam encontrando outros meios para realizá-los, como o Serviço Social do Comércio (Sesc), praças pú-blicas e pólos culturais.

Depois dessa movimentação, poetas, inspirados nesses dois novos movimen-tos, buscaram replicar a ideia e criar seus próprios saraus, como Sarau do Burro, O Menor Sarau do Mundo, Sarau dos Mesquiteiros, entre outros. Hoje em dia, o grupo só aumenta, mas os frequentadores de carteirinha nunca param de ir, produ-zindo assim um verdadeiro grupo de ami-gos, muitos deles interessados em seguir o rumo da arte de cunho político, buscando se expressar socialmente através da poesia.

Mei Hua Soares, doutora em

Heitor Ferraz Mello, professor e poeta“TODO POETA É UM UTÓPICO. SEM ISSO, ELE

NÃO FAZ POESIA. PODE FAZER UM POEMA, UMA FORMA MORTA COMO OUTRA QUALQUER. MAS POESIA, NÃO

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Linguística pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Faculdade Cásper Líbero, acredita que os movi-mentos militantes da periferia e a arte poética estão diretamente associados. Para ela, estas iniciativas não podem ser pensadas de forma separada ou fora do contexto dos saraus, onde conseguem trocar ideias, saindo do trabalho literá-rio individual e entrando em um diálo-go que não é baseado só na escrita.

Avançando pela ideia de que a poe-sia ainda pode ir além dos saraus e dos li-vros, em 2009, dois moradores da Zona Sul de São Paulo, o poeta José Alisson de Paes Alves e o produtor David Alves, criaram um coletivo cultural batizado de Correspondência Poética. Foi a soma da vontade dos dois de espalhar literatura-no bairro em que moravam junto com a percepção de que os vizinhos perdiam muito tempo esperando o transporte pú-blico, que ambos começaram a depositar caixas misteriosas com pergaminhos enrolados, que continham poesias de

artistas da região nas paradas de ônibus. Passaram, assim, a difundir esse gênero literário para um público que não estava acostumado a frequentar saraus.

Para Alisson, a finalidade mais praze-rosa da Correspondência Poética é a de divulgar os artistas do bairro: “no tempo do Terminal Campo Limpo a gente deixava os pergaminhos, eram trezentos, e depois de uma hora não tinha mais nada”. Ele diz que as pessoas na periferia pensam formas alternativas para difundir a poesia, como simplesmente colocar ela em baixo do braço e sair pela rua com a cara e a coragem. Alisson reforça, ainda, o desejo de mais intervenções poéticas pela cidade: “É a necessidade de criar, de inventar. Está acontecendo isso com a literatura, reinventar essa forma de lidar, de difundir e é nessa parte que a galera é muito criativa! Eu gosto dessa coisa de chamar a pessoa por curiosidade”.

Com a ideia de que não é só pelos livros que as pessoas entram em con-tato com a literatura, os integrantes

do coletivo uniram a escrita com seu núcleo audiovisual, como objetivo mostrar o que estava acontecendo na periferia, não só para São Paulo, mas para o Brasil inteiro. Criaram o Curta Saraus, um projeto de curta-metragem que buscou representar os poetas e saraus que estavam participando desse movimento periférico. Para a surpresa deles, a iniciativa ultrapassou as terras nacionais, sendo exibida em festivais franceses e alemães. De volta ao Brasil, atingiu seu ápice durante o período de exibição no prestigioso Museu da Ima-gem e do Som (MIS), em 2011.

O resultado proporcionou a motiva-ção necessária para que o coletivo alçasse novos voos. No ano passado foi criado o Festival de Poesia, competição que tem inscrições através de vídeos enviados por artistas declamando suas obras. Junta-mente com o Festival, a Correspondência Poética criou o Ensaio Poético, um pro-grama que trabalha com diferentes tipos de linguagem, onde poetas são filmados

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Moradores acompanham ação do Correspondência Poética que distribui livros na periferia

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contando e ensaiando suas obras, englo-bando, assim, três núcleos: audiovisual, intervenções políticas e saraus. Para Da-vid, o importante de conteúdo multimídia e literatura é chamar atenção das pessoas. “Quando pensamos nessa maneira de fa-zer o festival, através dos vídeos poemas, tínhamos o intuito de que mais gente fosse ver os poetas, tivemos em dois meses cem mil acessos. Tem uma troca muito forte aí, porque elas ficam curiosas”.

Para Mei Hua Soares, os artistas pe-riféricos usam os meios de comunicação de massa para se divulgar, mas o trabalho deles não é saciado por essa mesma mídia, é apenas uma maneira para que sejam ouvidos. Eles conseguiram deixar de ter um intermediário, antes quem falava da situação social que enfrentavam, eram pessoas que não passavam pela mesma condição. Hoje, são eles que escrevem so-bre o mundo em que vivem e podem ser protagonistas das próprias histórias.

Nabil Bonduki, atual secretário munici-pal de Cultura, foi o criador em 2007, como vereador, do VAI, um edital de captação de recursos exclusivo para jovens da periferia.

É justamente esse o meio encontrado por coletivos e artistas para se manterem e reali-zarem as intensas agendas de eventos.

O movimento e as intervenções periféricas têm, para Alisson, várias características importantes, mas a mais marcante é a forma com que dialogam com seu público, “nossa literatura é bem militante. Alexandrina, redondilha maior não comunica, não dialoga com as pessoas pela linguagem, na verdade distancia, existe a barreira de palavras, essa poesia vai trabalhar com o acade-micismo que acaba excluindo. Essa ten-dência trata do cotidiano das pessoas, as imagens tocam o bairro delas, não são aquelas palavras que não figuram nada dentro da cabeça”.

Segundo o artista, esse gênero tam-bém é comunicação, e não, apenas, pa-lavras que dialogam entre si. É fazer com que as pessoas sintam orgulho do lugar em que elas moram, de falar da realidade e delatar problemas sociais. Para Berim-ba, a literatura periférica muda a vida de garotos que muitas vezes não enxerga-vam valor em suas vidas, “é ter significado

dentro de nossa sociedade, onde a maio-ria destes autores, preparados para serem operários ou ladrões pela educação de castas, descobrem através da literatura outros significados para a vida.”

De pouco em pouco, a fala, a ação e a intervenção tomam o lugar de simples livros, que, para Alisson, muitas vezes não tem tanto significado para a vida das pes-soas. “A palavra é a ferramenta da poesia, é conseguir organizar o texto de certa for-ma que consiga comunicar algo, que não seja só um diário de bordo, para mim a arte tem o papel de comunicar, porque se-não fica sem função, não adianta fazer um livro que fique preso na estante”, reflete.

A poesia continua sendo uma forma de resistência e empoderamento social. Seus meios de alcance só aumentaram com as novas tecnologias e proporcio-naram que cada vez mais poetas achem novas formas de difundi-la à população de pouco acesso. Quando eles não veem espaço em livrarias e bibliotecas para suas publicações, se reinventam e buscam formas de se expressar, atrair e cativar novos leitores.

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A interação com a comunidade é um dos pontos fortes do Correspondência Poética

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Texto por Boris Kossoy

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Sem título (Série Cartões Antipostais),Florianópolis, SC, 1972

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Mhibernando por meses ou anos. De súbito, ao rever essas ima-gens, percebemos nelas algo que nos diz respeito, descobrimos ou lembramos de algo que tem a ver com a nossa infância, que nos parece ser um cenário conhecido, alguém que lembra alguém, às vezes um corpo, um gesto, uma atitude. Estas des-cobertas são puramente autobiográficas.

Minhas imagens resultam de uma busca do estranho, do in-sólito, do incomum. O que procuro se acha dissimulado em todas as partes, numa vila pacata ou numa grande cidade, em qualquer região ou país. Pode-se encontrar em uma paisagem panorâmica ou no parque da cidade, no aspecto geral da vegetação ou na sin-geleza de uma erva daninha, no interior de uma casa ou na fachada de uma edificação, no detalhe de uma decoração, na estátua do jar-dim, na luz que entra pela janela, num certo olhar que surpreende.

Minha fotografia é uma eterna busca de situações, atores, objetos e paisagens., contextos de diferentes naturezas. Transito entre o existencial, o político e o social tendo sempre em mente a elaboração estética e, por vezes metafórica, à partir do fato que observo em sua concretude. Foi decisiva a influência que tive, ain-da na adolescência, de diferentes áreas: teatro, literatura, cinema e, mais tarde, da arquitetura, minha formação primeira, todas elas fontes inesgotáveis de aprendizado, cultura e inspiração.

Entendo minha obra autoral como projeção do meu calei-doscópio pessoal, mental, reserva técnica da minha identidade artística, científica e biográfica. A poética é o meu passaporte para essa viagem mágica por realidades e ficções que cercam o dado e permeiam as representações.

eu trabalho fotográfico reflete aspectos de mi-nha história de vida, detalhes muito particulares da minha experiência, porque ao fim e ao cabo estamos sempre buscando na realidade ime-diata algo que por alguma razão nos comove, emociona ou intriga. Não raro, fotografamos momentos intuitivamente e depois acabamos nos esquecendo dessas imagens que permanecem

Boris Kossoy é fotógrafo, teórico e historiador da fotografia e professor titular da ECA-USP

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O maestro (Série Viagem pelo Fantástico), Caieiras, SP, 1971

Outros tempos (Série Viagem pelo Fantástico), São Paulo, SP, 1970

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Surpresa na estrada (Série Viagem pelo Fantástico), Diadema, SP, 1970

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Sem título, Madri, Espanha, 2012

Melancolia, Florianópolis, SC, 00h00, 31/dez/2012 - 1/jan/2013

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“Boris Kossoy, fotógrafo

SEJA COMO OBJETO DE ESTUDOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS, FONTE DE INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO OU INSTRUMENTO DE CRIAÇÃO, A FOTOGRAFIA SEGUE SENDO A RAZÃO DE SER, MOTIVAÇÃO CONTÍNUA, PERMANENTE DESAFIO QUE NOS MOVE

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Com apresentação do Prof. Dr. José J. Queiroz, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e prefácio do Prof. Dr. Frederico Pieper, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), chama atenção

o provocativo título do livro Religião em Nietzsche, aparentemente paradoxal —como falar sobre religião em um filósofo que decretou a morte de Deus?

O Prof. Dr. Mauro Araújo de Sousa, com pós-doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e docente da Faculdade Cás-per Líbero, é hoje reconhecidamente o maior especialista brasileiro em Nietzs-che. Disputado para ministrar palestras e cursos por todo o país, o pesquisador e pensador, além de escrever inúmeros

artigos em revistas acadêmicas, também publicou os ensaios: Nietzsche Asceta (2009); Nietzsche: viver intensamente, tornar-se o que se é (2009); Nietzsche: para uma crítica à ciência (2011); Alma em Nietzsche: a concepção de espírito para o filósofo alemão (2013); Nietzsche e a genealogia da moral (2014).

Nesses estudos, o professor Mauro assume uma posição teórica e metodo-lógica original de que ele mesmo nos dá pistas nas primeiras páginas da obra ora resenhada, em “Esclarecimentos”. Constrói seu texto sobre a religiosidade em Nietzsche inicialmente resgatando pela filologia o sentido de religião, como re-ligare — religar. Explica que, para Nietzsche, nos desvinculamos de nossas raízes e é preciso restabelecer tais vínculos, uma vez que o homem também é natureza. O filósofo alemão nega todo dualismo da tradição pla-

tônica que construiu o pensamento ocidental. “Qual é, então o sentido de ‘nova religião’ ou, se quisermos, da religiosidade de Nietzsche? Eliminar do vocábulo religião todo aspecto de relacionamento dual” (p. 35).

Um segundo ponto ressaltado pelo professor Mauro é que, para Nietzsche, na natureza tudo é movimento inces-sante, eterna mudança, transitório. As-sim, o Ser é apenas um flash, pois quem comanda é o Devir, o eterno vir a ser. Dessa ideia deriva o terceiro ponto fun-damental: nessa natureza temos rela-ções de força, presentes em tudo, que o filósofo chama de vontade de potência.

Ainda que Nietzsche se diga ateu, reitera Mauro, em provocação a muitos comentadores da obra do filósofo, em seus textos está presente a religiosidade, pois ele faz o re-ligare, ao afirmar que não há essência humana, mas somente

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Texto por Sonia Castino

Especialista em Nietzsche, professor Mauro Araujo, lança novo livro sobre a influência da religião na obra do filósofo alemão

Design por Ana Carolina Siedschlag

TONTEIRAAlNA

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essência em movimento. O re-ligare niet-zschiano “faz o homem sentir de novo e de corpo inteiro todo o movimento do cosmo como uma melodia” (p. 53). Deus é dançarino, porque é movimento da natureza. O Devir é o deus de Nietzsche — um “deusdevir”. Não tem substância, somente Devir. Nada pode controlá-lo porque nada controla aquelas relações de força da natureza. Tudo, desde o mineral, ao animal, ao homem, gira em torno do orgânico e do inorgânico, sem uma fina-lidade maior — não há Transcendência metafísica. A vida, como vontade de potên-cia, aqui e agora, tem valor em si mesma, assim, não precisa do sobrenatural para fazer sentido. A vida é para ser amada como ela é, mesmo com a dor, que “faz parte do existir” (p. 64). Não há a reden-ção, nem precisamos dela, pois “salvar-se é tornar-se o que se é” (p. 74).

Para Nietzsche, “o vir-a-ser (no qual

acredita) não tem origem, nem fim, e toda criação acontece com as forças em movimento” (p. 61). O único além é o além-do-homem — a autossuperação.

Em um veio interpretativo incomum, o autor propõe como meta de seu livro “evidenciar que, das suas mais profundas experiências, o filósofo erigiu um novo sentido de vida, o que chamamos de sua ‘nova religião’”, ao mesmo tempo, oferece um caminho inédito para a interpretação de toda a filosofia nietzschiana.

Para justificar sua leitura, revelan-do maestria em sua argumentação, o professor Mauro retoma conceitos como transvaloração, perspectivismo e o além-do-homem e os concretiza no estilo de sua escrita — em forma espi-ral, perspectiva giratória, que permite ao leitor a experiência vertiginosa dos conceitos apresentados, porque o obriga a assumir aquele movimento de ir e vir,

da elipse inquieta. Quem o lê, acompa-nha o construir-destruir-construir do discurso, para “viver o texto pela via do perspectivismo para, depois, fazer a elaboração de mais uma dimensão que já estava lá entre as outras” (p. 67).

Um ponto negativo da obra é sua extensão — apenas 144 páginas que despertam o desejo de ler mais sobre o assunto. Mauro apresenta Nietzsche como o filósofo que sugere um novo sentido existencial e que criou o sentido de uma nova cultura. Trata-se de uma obra imprescindível, não só para enri-quecer o repertório de estudantes de co-municação, filosofia e ciências humanas, mas para todos aqueles que indagam pelo sentido das coisas.

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Religião em Nietzsche: “Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar”

Mauro Araujo de SousaEditora Paulus, 2015, 144 pgs.

Sonia Castino é doutora em Letras pela FFLCH-USP, coordenadora de Cultura Ge-ral da Faculdade Cásper Líbero e integran-te do Conselho Editorial da Revista Cásper

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músicaTexto por Ana Clara Muner

A Rádio Cultura FM lança série de programas gravados com o teórico musical Joachim Koellreuter

Design por Carolina Mikalauskas

o filósofo da

Hans-Joachim Koell-reuter foi um dos mais importantes musicistas e teóricos musicais no Brasil. Embora nascido na Alemanha, exilou--se no Rio de Janeiro, onde passou a morar à partir de 1937, depois

de se casar com uma judia na época do nazismo e ser denunciado pela própria família, que tinha afinidade com o par-tido de Hitler. Mestre e influenciador de vários músicos que entraram para a história musical brasileira, como Tom Jobim, Caetano Veloso e Tom Zé, Koell-reuter trouxe um hibridismo para a arte, filosofia e música, visando as vanguardas que ainda não haviam chegado ao País, como o dodecafonismo, que abandona as hierarquias e estabelece uma igual-dade entre os tons, e o microtonalismo, tonalidade menor que os semitons, fora da referência ocidental.

Mesmo antes da internet e dos meios digitais, Koellreuter se tornou referência

e um acesso para o conhecimento do as-sunto. Procurado por muitos estudantes, o filósofo ministrava diversas disciplinas, na base do discurso, da musicalidade e do questionamento, exemplificando com repertórios de diferentes autores, por meio do estudo interativo e horizontal.

O mestre viajou para diversos luga-res, mas sua experiência no oriente, prin-cipalmente na Índia e no Japão, foi uma das mais marcantes em sua carreira. O artista incorporou elementos da cultura local, desde o modo de ver a música e de ensinar isso para os alunos, até algumas expressões que ele, posteriormente, pas-sou a adotar. Um forte exemplo dessa in-corporação é a estética do impreciso, que reflete e cria um ponto de contato da mú-sica com as teorias físicas do século XX, como a relatividade e a física quântica.

Com o objetivo de trazer esses co-nhecimentos e apresentá-los àqueles que não tiveram a oportunidade de ter conta-to direto com o mestre, a Rádio Cultura FM tornou público, em homenagem ao centenário, o seu acervo de quarenta e

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O professor Hans-Joachim Koellreuter encantou e ensinou gerações de músicos no Brasil

cinco programas gravados com Koell-reuter. No material disponibilizado pela emissora, ele debate suas ideias, cria dis-cussões com seus alunos, conta sua traje-tória e conversa com os apresentadores da rádio, abordando o tema da aproxima-ção entre o ocidente e o oriente, sempre do ponto de vista da música clássica.

A ideia do programa foi esboçada há trinta anos, quando uma das alunas de Koellreuter, Regina Porto, o apresentou para Irineu Guerrini, atual professor do curso de Rádio, TV e Internet da Faculda-de Cásper Libero, então diretor da rádio e apresentador da série. Na época, ele estava considerando mudar o estilo da Cultura FM. O docente acredita que o programa marcou a história da emissora, já que, em 1983, esta não fazia uma produção muito elaborada de conteúdo, dedicando-se a reprodução de músicas.

Foi assim que o professor, juntamente com o teórico alemão, começou a produ-ção das séries musicais. O entrevistado trazia os assuntos que ensinava em seus cursos e o apresentador o transformava em conteúdo radiofônico, convertendo o material em um programa musical de alta qualidade. Foi, portanto, graças ao traba-lho da Cultura FM que os pensamentos e as teorias do músico foram disseminados pelas ondas de rádio.

Segundo Enni Parejo, aluna e amiga de Koellreuter, a elite ainda tem sido a maioria quando se trata de ouvir música erudita no Brasil. Por tratar sobre esse assunto, os programas também têm um público majoritariamente dessa classe so-cial. Apesar desse cenário, acredita que pú-blicos diversos podem começar a escutar pelo próprio acaso que a dinâmica radio-fônica oferece. Por serem áudios com um conteúdo muito denso, no entanto, o nível de concentração para conseguir compre-ender a série tem de ser redobrado.

De acordo com Alexandre Tondela, atual diretor da emissora, a disponibi-lização do material no site da rádio é de importância incalculável, tanto para a linguagem radiofônica, quanto para seus ouvintes. É a oportunidade de relembrar os programas veiculados nos anos 90 e dar às pessoas a chance de conhecer as ideias de um dos grandes pensadores da música produzida no século XX. Todas as gravações ganharam uma linguagem muito didática e esclarecedora, aproxi-mando as audições do público.

A internet, também, tem um papel crucial na disseminação do conteúdo. Digitalizar o acervo e disponibilizar para a população pela web faz com que seja possível desfrutar melhor de cada programa. Com quarenta e cinco minu-

tos de bastante informação, que muitas vezes pode ser de difícil compreensão, os áudios contam com a possibilidade de pausa e continuação posterior da escuta.

Mesmo considerando que a faixa etá-ria de ouvintes seja variada, Irineu Guerrini acredita que é necessário estar com a men-te aberta para ouvir aos programas, uma vez que muito se relaciona, na visão dele, a música clássica unicamente ao passado.

No entanto, frisa, cada obra reflete o mundo da época em que foi feita, e séries, como as de Koellreuter, trazem também uma reflexão sobre o período em que ele viveu. “Muita gente não entende que a música clássica no final das contas é uma das mais elaboradas e leva em conta o que foi feito no passado. De uma maneira estudada, ela continua evoluindo. As obras podem ser diferentes, entender isso é o primeiro ponto. A música reflete o mundo de cada época, o mundo de hoje”, afirmou o professor.

Embora Enni Parejo acredite, como muitos de seus colegas, que a morte de uma figura como Koeullreutter traga con-sigo o sepultamento de seus conhecimen-tos, a série de programas da rádio Cultura FM resgata as teorias e sabedorias que o alemão trouxe para a história da música brasileira, tendo um papel importante na formação musical de seus ouvintes.

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A Faculdade Cásper Líbero realizou ao longo do segundo semestre algumas mesas temáticas, reunindo profissionais renomados na área da comunicação a estudantes da graduação e convidados. A abertura para o diálogo levantou questionamentos entre as gerações de comunicadores acerca do atual modelo de produção de conteúdo.

Técnica audiovisual e liberdade criativaA técnica de produção norteou a te-mática das mesas da 9ª Semana do Audiovisual, que contava com vinheta de abertura, cenografia e convidados emblemáticos. A apresentadora da TV Record, Sabrina Sato, abordou junto à sua equipe a metodologia e a tecnolo-gia que envolve a produção de entre-tenimento — enquanto os editores do Pânico na Band (TV Bandeirantes), en-tre eles dois casperianos, enunciaram a liberdade criativa e o ambiente de trabalho como estímulo e inspiração para a produção de conteúdo.

Diálogo entre gerações

Semana de Jornalismo e a transposi-ção das plataformasA semana acadêmica abrangeu trans-formações da área da comunicação no âmbito jornalístico. Dez mesas recolhe-ram as aspas de profissionais das mais diversas plataformas: do impresso ao digital e audiovisual, tanto as mazelas da cobertura esportiva, cultural, polí-tica, econômica e internacional, como a cobertura em ambientes digitais, o empreendedorismo e o novo jornalis-mo de dados. Grandes jornalistas e aca-dêmicos, como Paulo Vinícius Coelho, Mauro Beting, Leonardo Sakamoto, Monica Bergamo, Daniela Falcão, Ro-seli Fígaro e Todd Benson marcaram presença no evento.

A demanda e o campo da comunicaçãoO Fórum de Comunicação Integrada, por sua vez, trouxe à voga grande de-manda de publicitários para o mercado de constante renovação. O campo está aberto e cada vez mais surgem espaços

para os novos profissionais da comuni-cação segundo o publicitário Antônio Rosa Neto convidado para a abertura do evento. Para os alunos, os palestran-tes trouxeram dados e relatos interes-santes sobre o tempo de trabalho.

Praticom e os Direitos HumanosO V Encontro Cásper Líbero de Práticas de Comunicação (PRATICOM), pro-movido pelo curso de Relações Públicas, teve como intuito principal revisitar o compromisso com a representatividade e inclusão social no meio da comunicação. O tema “Direitos Humanos” foi discorri-do dentre os âmbitos empresarial e publi-citário; de nomes como Ivan de Carvalho Junqueira, da Fundação Casa, à Joana Zylbersztajn, representante da empresa Natura. O evento reuniu oito mesas de discussão nos dias 14 e 15 de outubro.

As semanas acadêmicas da Faculdade Cásper Líbero trouxeram os melhores profissionais da comunicação para debates e palestras

Por Bárbara Muniz

Bárbara Muniz é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e monitora acadêmica da Coordenadoria de Jornalismo

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Palestrantes discutem a importância da presença feminina no mercado digital

Sábado, antevéspera de feriado. A Faculdade Cásper Líbero sediou um evento com um dia inteiro de atividades. Mais uma oportunidade para refletir e aprender sobre gênero, feminismo, mídia, cultura, tecnologia, trabalho. Mulheres Digitais teve como público pagante, em sua esmagadora maioria, mulheres que fazem dos blogs, dos vlogs, dos podcasts e das redes sociais sua ferramenta mais preciosa para ganhar dinheiro.

Nessa grande reunião de persona-lidades femininas atuantes no mercado digital, foram apresentadas, além de variadas estratégias, dicas e dados que serviram de incentivo para as presentes, para que possam explorar mais e melhor as oportunidades oferecidas por esse ramo. As palestrantes eram mulheres de todos os tipos que estavam determinadas a mostrar o quão longe pode chegar uma profissional mesmo sendo ainda muito jovem. Ou mesmo não estando dentro do padrão de beleza. Ou tendo como braço

direito no negócio outra mulher. Todas elas passaram uma boa (e importante) lição para as comunicadoras da plateia: a escolha de trilhar esse caminho é também um jeito de rir da cara dos grandes veícu-los midiáticos, que de empoderadores e diversificados tem muito pouco.

Entre uma palestra e outra, um vídeo. Depoimentos curtos, de apro-ximadamente um minuto de duração, com a fala de mulheres inspiradoras, pitadas de incentivo e opções de como adentrar no mercado digital. Antes da primeira pausa, uma finíssima home-nagem a uma atropeladora de barreiras machistas. Regiani Ritter, grande exem-plo feminino no jornalismo, sobretudo o esportivo, tido como o mais mascu-lino dos segmentos dessa profissão, aproveitou o momento para gargalhar da cara dos que não acreditavam em seu potencial, pelo simples fato de ter nascido mulher. Hoje, ela atua como apresentadora da Rádio Gazeta AM,

orientando alunas e alunos que dão os primeiros passos na carreira.

“Regiani Ritter, nós da Faculdade Cásper Líbero e Mulheres Digitais agra-decemos o privilégio de homenageá-la. Obrigado por lutar e abrir caminhos para o novo. Obrigado pelo pioneirismo e por inspirar toda uma geração de mulheres”.

Na volta do almoço, falas carismá-ticas e problematizadoras refirmaram a importância da tomada desse espaço. Insistiram no argumento de que a mu-lher que protagoniza os canais do meio digital, ajuda a dar um novo significado à mídia. O mote básico da comunicação como agente transformador também foi retomado no palco do Teatro Cás-per Líbero. A mulher está no mundo digital e quer falar — e ser ouvida.

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Marina Braga é graduanda em Jornal-ismo pela Faculdade Cásper Líbero e integrante do Grupo de Ação da Frente Feminista Casperiana Lisandra

Empoderamento digital

Por Marina Braga

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63 Dezembro de 2015 | CÁSPER

Casperianos se reúnem cinquenta anos após a formatura e revivem a história da Faculdade

No último mês de setembro, foi realizado na Faculdade Cásper Líbero o reencontro dos formandos da turma de 1965, que comemoravam os 50 anos da sua graduação. Entre os presentes, esta-vam Luiz Antônio Maciel, organizador do evento, Wilma Ary e Arcelina Publio Dias, além do antigo diretor e professor da instituição, Erasmo de Freitas Nuzzi e a sua esposa, Neide.

Os preparativos da organização duraram alguns meses, como conta Maciel: “Comecei a programar tudo em

junho desse ano, estava falando com alguns colegas e lembrei que fazíamos 50 anos de formandos. Eu vim aqui na Secretária da Faculdade e pedi a relação das turmas de 1965/66, porque andá-vamos todos muito juntos. Algumas pessoas nós ainda tínhamos o contato, outras não. As moças foram mais difí-ceis de encontrar, porque quando se casaram, o sobrenome mudou. Mas, conforme fomos falando uns com os outros, o reencontro tomou forma”.

Também prestigiaram o evento pro-

fissionais como Eliana Haberli e Valen-tim Saukas, que passou pelas redações da TV Gazeta e da Gazeta Esportiva. O diretor da Faculdade, Carlos Roberto da Costa, o vice-diretor, Roberto Chia-chiri e a coordenadora de Jornalismo, Helena Jacob, estiveram presentes e parabenizaram os queridos casperianos da turma de 1965.

Alana Claro é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e monitora acadêmica da Diretoria da Faculdade

Cinquenta vezes CásperPor Alana Claro

A trajetória do Festival de Cinema de Gramado acompanhou todas as fases do cinema nacional e antecipou a consagração de figuras brasileiras como Fernando Meirelles e Anna Muylaert. Depois de quatro décadas, o Festival ainda é palco de momentos significa-tivos para a história e a afirmação da arte cinematográfica no país. Em 2015, na 43a edição da premiação, a profes-

Professora casperiana em destaque

sora casperiana Sabina Anzuategui foi reconhecida por sua participação no roteiro do filme Ausência, que também levou os troféus de melhor trilha sono-ra, direção e melhor filme. “Roteirista é sempre parecido, acaba participando só no início da produção. Foi muito bom ver que o resultado final também foi premiado”, contou a professora.

O longa conta a história de Serginho,

um menino de 14 anos que mora com a mãe alcoólatra e o irmão caçula em um pequeno apartamento. Eles vivem no município paulista de Santo Amaro, onde o menino trabalha numa feira para ajudar com as despesas de casa. A produção esteve em cartaz durante a 38a

Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2014 e segue agora para outras competições internacionais.

Por Ana Carolina Siedschlag

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64 CÁSPER | Dezembro de 2015

Por Mariana Gonzalez

Sol, praia e artigos acadêmicos

Dois meses de leitura, pesqui-sas e redação de texto resultaram na apresentação do artigo Revista TPM: Tentativa de Reconstrução da Repre-sentação Social Feminina no XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), realizado entre os dias 3 e 7 de setembro na Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ). Orientadas pelo Prof. Me. Rafael Grohmann, que ministra a disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa na Faculdade Cásper Líbero, meu trio estudou dezenas de pesquisas sobre mulher e mídia e redigimos cerca de quinze páginas de análise e críticas à publicação. Ao final do bimestre, uma boa nota e a indicação para inscrever o

artigo no congresso. Ao todo, vinte e dois alunos do curso de Jornalismo se apresentaram no Congresso, divididos em doze trabalhos diferentes, encaixa-dos em categorias diversas, de Estudos Interdisciplinares de Comunicação até Publicidade e Propaganda.

Eu, Giuliana Saringer e Juliana San-tos, alunas do segundo ano, embarca-mos em horários diferentes no feriado da Independência e nos encontramos em solo carioca, com o artigo em mãos e uma apresentação de slides pela meta-de. Decidimos que faríamos do evento acadêmico também uma viagem tu-rística. Durante os quatro dias no Rio de Janeiro, passamos meio período na UFRJ, assistindo a apresentações de

outros trabalhos e participando de de-bates, e meio período conhecendo a ci-dade, do Morro da Urca ao Corcovado.

O último dia estava, desde o início, programado para ser o mais importan-te e, consequentemente, o mais tenso. Nosso artigo seria avaliado na segunda--feira de manhã, junto com os de outros pesquisadores de temas semelhantes. Fomos o segundo trabalho exposto. Contente com o saldo da viagem, eu em-barquei de volta para casa algumas horas depois da apresentação, já pensando no tema da pesquisa acadêmica que preten-do enviar para o Intercom 2016.

Mariana Gonzalez é graduanda em Jornal-ismo pela Faculdade Cásper Líbero e ex-editora da Revista Esquinas

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Alunas do segundo ano de Jornalismo apresentaram seus artigos acadêmicos na última edição do Intercom

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65Dezembro de 2015 | CÁSPER

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Faculdade Cásper Líbero oferece quatro cursos de pós-graduação lato sensu para ampliar o conhecimento de profissionais

Não é à toa que muitos comunica-dores investem em uma especialização: o mercado de trabalho tem passado por mudanças significativas ao longo dos últimos anos e aperfeiçoar conhe-cimentos pode ser uma excelente saída em tempos de crise. Enquanto as reda-ções, produtoras e assessorias enxugam o mercado, a Faculdade Cásper Líbero aposta na pós-graduação lato sensu

como alternativa aos que trilham cami-nho pelo mundo da comunicação.

Os quatro cursos, Jornalismo, Marketing e Comunicação Publicitá-ria, Comunicação Organizacional e Relações Públicas e Teorias e Práticas da Comunicação, são compostos por disciplinas básicas e complementares, que permitem ao aluno montar sua própria linha de estudos. O coordena-

dor da pós-graduação, professor Dimas Künsch, conta que o profissional que busca se consolidar não pode se aco-modar: “O mundo está mudando muito rapidamente, assim como o mercado. O volume de conhecimentos está cada vez maior, e a academia é um espaço privile-giado para se ter contato com as teorias, os autores e as obras que ajudam a nos situar nesse novo contexto”, explica.

Conhecimento na velocidade do mercadoPor Ana Carolina Siedschalg

A ideia parecia um sonho distante quando foi proposta, mas uma combi-nação de dedicação, esforço, paciência e muita sorte me levou à charmosa cidade de Pucón, no Sul do Chile. A missão: apresentar no Congresso In-ternacional Chileno de Semiótica um artigo científico sobre a representação dos índios brasileiros na mídia.

Mesmo cobertas de agasalhos aconchegantes, foi com frio na bar-riga que eu, Ingrid Yurie e Giovanna Quarterone — as três pesquisadoras de Iniciação Científica do grupo de pesquisa “Tecnologias Digitais: Tempo

e Linguagem”, do Centro Interdisci-plinar de Pesquisa (CIP) — seguimos para a Universidad de La Frontera e encaramos o desafio de erguer nossas vozes sobre a questão indígena em uma conferência de porte internacio-nal. Apresentamos nosso artigo na mesa “Discursos e Representações do Outro”, acompanhadas de outros dois trabalhos muito interessantes sobre os Mapuche, povo indígena que habita o sul chileno e argentino.

A experiência foi uma das melho-res, se não a melhor, que já tive durante todo o meu percurso universitário.

Entre elogios, perguntas e sugestões, a sensação de dever cumprido me preen-cheu tanto quanto a sensação positiva de que ainda há muita coisa a se apren-der. E cá entre nós: não é difícil pegar gosto pela pesquisa acadêmica quando podemos passear em uma cidade tão linda, cercada por grandes lagos, um vulcão ativo coberto de neve e trilhas no meio da floresta.

Pesquisa nos Grandes LagosPor Mariana Agati

Mariana Agati é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e pesquisa-dora de iniciação científica do Centro Inter-disciplinar de Pesquisa (CIP)

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66 CÁSPER | Dezembro de 2015

Texto por João Gabriel Hidalgo

Era uma cena. Ninguém sabia muito bem se ficção ou realidade. A jovem-adulta estava suspensa em um pêndulo preso ao Viaduto do Chá. Bailando sem relógio, na fuga de qual-quer sincronia com as gravatas da Prefeitura ou do Theatro Municipal. O corpo em movi-mento ocupava o espaço intermediário entre o calçadão e a via superior, a picos de mais ou menos três metros do chão, onde nenhum

modernista deve ter tido a sorte de planar. Mas com que leve-za ia e vinha! Ora a favor, ora contra o vento, tal personagem. Caberiam nela cachos, um vestido indicando a primavera, um par de chinelos laranja e olhos cujo tom era impossível de se ver, pois permaneceram cerrados.

Estava mesmo se deleitando como uma criança que acabara de tomar conhecimento do novo brinquedo do playground. Na-quele estalar da uma da tarde, na estufa do Centro Velho, aquela se tratava, indubitavelmente, da melhor sombra da cidade. E ornava ali a moça, poetizando o espaço, que também servia de abrigo aos mendigos e de brincadeira à algumas crianças, de maneira que nenhuma pretensão poderia atingi-la enquanto ajustava suas costas para frente e para trás a fim de ir cada vez mais alto naquela atmosfera. Ela e a urbe. Ela e o trânsito. Ela e o usuário de crack. Ela e o ambulante. Ela e o secretário de Cultura. Ela e ela. Oscilava tanto em vista de si, que comovia os

poucos invejosos a procura de insights naquele lugar, doidos para sequer empurrá-la na busca por poder fazer parte do espetáculo.

Não imaginava o quão lúdico e, ao mesmo tempo, meta-físico, poderiam ser indivíduos sendo eles mesmos, esponta-neamente, sobre um pedaço de pneu atado a um fio de corda que cai do céu. Balanço artesanal. Objeto de mudança do humor da metrópole. Uma outra experiência de vertigem, fora do caos urbano. O calafrio do livre brincar.

A garota que eu via balançando se encorajava a novas altitudes numa relação menos utilitária e descartável com o brinquedo. Era a simbiose homem-invenção. Assim como Bergson acreditava que era necessário deixar os objetos serem, suspender a ação descartável para alcançar o deva-neio. A dona dos cabelos encaracolados foi capaz de agir e contemplar ao mesmo tempo. Deduzia-se o som do vento na face misteriosa dela. Era o conhecido onomatopeico VRUUMMM, só que ao contrário da celeridade da máquina motor, emitia o atrito da pele e da natureza. Militava, ela, não só na suspensão do balanço, mas também na suspensão espaço-temporal. A utopia da mediação com a cidade.

Depois de apreciá-la durando ali, não me restou dúvida algu-ma: fui mais um que montou no pêndulo para bater outras horas.

Design por Carolina Mikalauskas

Outras

João Gabriel Hidalgo é graduando em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e ex-editor da Revista Cásper

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