charaudeau - dize-me qual é te corpus

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  • Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    CHARAUDEAU, Patrick. Dize-me qual teu corpus, eu te direi qual a tua problemtica. Revista Diadorim / Revista de Estudos Lingusticos e Literrios do Programa de Ps-Graduao em Letras Vernculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 10, Dezembro 2011. [http://www.revistadiadorim.letras.ufrj.br]

    1. Traduo do artigo Dis-moi quel est ton corpus, je te dirai quelle est ta problemtica, publicado na Revue Corpus, Nice, 2009: 8. consultado em 29 de fevereiro de 2012 no site de Patrick Charaudeau - Livres, articles, publications. URL: http://www.patrick-charaudeau.com/Dis-moi-quel-est-ton-corpus-je-te...html2. Universidade de Paris 13. Centre d Analyse du Discours (CAD). Da Universidade de Paris XIII3. Ver a Revue Corpus editada pela Universidade de Nice-Sophia Antipolis, especialmente os nmeros 1 (2000) e 4 (2005).

    DIZE-ME QUAL TEU CORPUS, EU TE DIREI QUAL A TUA PROBLEMTICA1

    Patrick Charaudeau2

    Os problemas colocados pela noo de corpus so relativamente bem conhecidos por terem

    sido objeto de longas discusses no campo das cincias da linguagem3, mas que nem sempre resul-

    taram num consenso que permitisse recorrer a uma definio consolidada qual se pudesse referir

    cada vez que se tivesse de justificar um corpus de anlise. Talvez isso seja o sintoma de que o corpus

    no existe em si, mas depende como mostra o artigo corpus do Dicionrio de Anlise do Discurso

    do posicionamento terico a partir do qual ele considerado. Tratando-se da linguagem, so bem

    conhecidos os problemas que a constituio de um corpus implica, dentre os quais citaremos apenas os

    principais:

    (1) o problema que concerne coleta de dados, coleta que depende da escolha da ma-

    terialidade lingustica (produes lingusticas orais, produes lingusticas escritas),

    da escolha do suporte que veicula tais produes em relao com uma situao de

    comunicao (para o escrito: cartas, relatrios, jornais, panfletos, circulares, cartazes

    etc.; para o oral: rdio, televiso, reunies diversas, comcios, conversas quotidianas

    etc.). Todos eles tm incidncias sobre a maneira de coletar dados: explorao do

    terreno, procedimentos de gravao livres ou controlados, com conhecimento ou no

    dos atores da fala, etc.;

  • 2Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    (2) o problema que concerne importncia do material coletado e de seu valor de

    representatividade; o corpus pode ser considerado exaustivo e fechado, ou parcial e

    aberto, e, consequentemente, pode ser considerado como um objetoo em si ou uma

    simples ferramenta (MAYAFFRE, 2005). Sabe-se que a hiptese da exaustividade

    velho sonho da atitude positivista no se sustenta mais, e isso, apesar do desenvol-

    vimento da chamada lingustica de corpus iniciada no mundo anglo-britnico e que

    foi seguida na Frana por alguns autores com uma certa prudncia, pois a linguagem

    est em perptuo processo de produo. possvel, entretanto, que o fechamento

    do corpus seja reivindicado, a ttulo experimental, por alguns analistas. Se o corpus

    considerado como parcial, coloca-se ento o problema de seu valor enquanto amos-

    tra, e da possibilidade da constituio de subcorpus. Quanto a considerar se o corpus

    um objeto em si ou um instrumento, isso remete questo do contexto que anali-

    saremos mais adiante;

    (3) o problema que concerne, no interior do material lingustico, s categorias objeto

    da anlise: gramaticais (conectores, pronomes, verbos, etc.), lexicais (por campos ou

    de maneira aleatria), sintticas (segundo diversos tipos de construo); mas tam-

    bm as variveis externas produo dos atos de linguagem, como os tipos de locu-

    tores, os dispositivos de comunicao, tanto quanto as variveis que dizem respeito

    ao tempo (a historicidade) e ao espao (as culturas).

    (4) o problema, enfim, que concerne ferramenta de tratamento dos dados: selees

    manuais, tratamento informatizado com o uso de softwares ad hoc, constituio de

    amostras a partir de bases de dados (ver abaixo).

    Em todos esses casos, colocamos a questo da pertinncia dessas escolhas em relao com os

    pressupostos tericos, e a da eventual circularidade que pode se instaurar entre estes e o corpus.

    Gostaramos de mostrar, neste artigo, de que maneira a construo de um corpus, na anlise

    de discurso, depende de um posicionamento terico ligado a um objetivo de anlise, o que chamamos

    de problemtica. Abordaremos trs tipos de corpus segundo se refiram a uma problemtica dita cog-

    nitiva, comunicativa ou representacional.

    Posteriormente, mostraremos como um corpus de textos se constri num jogo de desconstru-

    o e de reconstruo segundo critrios de abertura ou fechamento (intertexto e hipertexto), de con-

  • 3Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    traste (interno e externo) e de pertinncia quantitativa e/ou qualitativa. Terminaremos pela meno a

    um exemplo de anlise praticado pelo CAD a propsito do discurso de informao da televiso, a fim

    de mostrar como podemos tirar partido de algumas dessas opes, e como elas podem se combinar.

    Antes, porm, necessrio circunscrever a especificidade da anlise do discurso no mbito

    das cincias da linguagem, pois no podemos tratar da questo dos corpora de discurso sem indagar a

    respeito de certas noes utilizadas com frequncia nesse domnio.

    Sobre algumas distines indispensveis para formar corpus de discurso

    Nas cincias humanas e sociais, algumas disciplinas privilegiam estudos de campo com proce-

    dimentos que seguem um mtodo descritivo-emprico (sociologia, antropologia), outras privilegiam

    procedimentos experimentais (psicologia social), outras, anlises a partir de arquivos ou a partir de

    corpora organizados com procedimentos mais ou menos sistemticos de coleta e tratamento do mate-

    rial semiolgico reunido (histria, cincias da linguagem).

    As cincias da linguagem fazem parte, ento, das disciplinas de corpus: compilao de dados

    lingusticos (sob a forma de textos escritos ou orais, de documentos diversos, de observaes empricas

    selecionadas ou de sondagens provocadas) que so constitudos em objeto de anlise. Assim sendo,

    colocamos a questo de saber qual a natureza desses dados. No podemos, ento, tratar da questo do

    corpus se no estivermos esclarecidos (isto , se no tomarmos posio) a respeito de algumas noes

    que esto no cerne das cincias da linguagem, das quais abordaremos aqui algumas distines que me

    parecem as mais fundamentais: lngua/discurso, texto/discurso, texto/contexto.

    Lngua/discurso

    Questo superada, diro alguns. No entanto, apesar de o prprio Saussure declarar que a ln-

    gua s criada a partir do discurso, muitas definies da noo de discurso, que foram propostas desde

    os anos 1970, obscurecem sua oposio lngua. Para demonstrar isso, basta remeter a Maingueneau

    que, em 1976 e depois em 1996, fornece um repertrio de definies. Algumas fazem do discurso um

    prolongamento da lngua, opondo a unidade da frase a uma unidade transfrstica (Harris 1969), ou-

    tras integram categorias de discurso lngua, outras ainda opem discurso a enunciado, relacionando

    essa noo s condies de produo de um texto; outras, enfim, trazem para o termo discurso um

  • 4Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    uso que Maingueneau qualifica de paralingustico, na medida em que se integra a uma reflexo que

    participa de vrias disciplinas, tais como a histria, a filosofia, a semiologia, e mesmo a psicanlise.

    Aqui no o lugar de discutir essas definies. Trata-se somente de marcar a diferena entre

    lngua e discurso no que ela concerne ao ponto de vista da anlise e da constituio de seu objetoo.

    Essas duas noes assinalam dois lugares de estruturao da linguagem:

    (1) a lngua, como lugar de consubstanciao entre formas e sentido organizando-se

    em sistemas, isto , em redes de relaes entre unidades mnimas segundo regras de

    combinaes sintagmticas e paradigmticas, sistemas dos quais se poder dizer que

    remetem a categorias de pensamento que tomam posio sobre vises do mundo. As

    unidades que so levadas em conta so unidades fonolgicas, morfolgicas, semn-

    ticas, de ordem gramatical ou lexical, e os corpora so constitudos por um conjunto

    de co-ocorrncias por semelhanas de forma ou de sentido.

    (2) o discurso, como lugar, ao mesmo tempo, de estruturao dos usos em funo das

    condies de produo nas quais esses usos se manifestam, relacionados a compor-

    tamentos linguageiros dos sujeitos falantes, e categorizaes de sentido relacionadas

    a sistemas de conhecimento e de crena aos quais aderem os indivduos ou grupos

    sociais. Aqui, no se trata mais de uma combinao de unidades em nvel transfrs-

    tico, mas, de uma dimenso para alm da frase, uma vez que o sentido de discurso

    resulta de uma multiplicidade de fatores de ordem contextual (ver adiante) que fazem

    com que o sentido no seja observvel em nenhuma das unidades que compem

    uma produo discursiva qualquer, e s pode ser inferida pelo jogo de combinaes

    de todos esses fatores. Para retomar uma noo de Roland Barthes, o sentido se liga

    s formas por difrao. Um corpus de discurso s pode ser constitudo por um con-

    junto de produes linguageiras em situao de uso.

    Por conseguinte, d-se a constituio de duas lingusticas, uma que se chamar de lingustica

    da lngua, orientada para a descrio dos sistemas intrnsecos a cada lngua, com um corpus mais ou

    menos fechado, e que pressupe a existncia de um sujeito operador de categorias cognitivo-lingus-

    ticas, outra que se chamar de lingustica do discurso, orientada para a descrio dos usos e das

    significaes sociais, com um corpus, por definio aberto, e que pressupe um sujeito operador de

    categorias scio-discursivas e portador de um imaginrio social.

  • 5Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    Vejamos um exemplo para ilustrar essa diferena. Um enunciado como Eu tenho trinta anos

    poder ser o objeto de uma anlise lingustica de lngua quando, inserido num corpus de enunciados

    similares conforme o esquema < Pr. x Vb. x quant. x Sb. >, o analista determinar o actante (aquele que

    fala) ao qual atribuda (ter) certa propriedade (anos), a qual quantificada (trinta), e que constitui

    um ato de enunciao que diz que essa assero deve ser atribuda ao prprio sujeto falante (Eu) numa

    modalizao elocutiva afirmativa; alm disso, observando um certo paradigma lexical, diremos que

    anos designa um certo segmento do tempo que remete idade da vida. Mas globalmente, Eu tenho

    trinta anos no significar aqui nada mais do que /eu tenho trinta anos/.

    Se considerarmos agora esse enunciado em seu contexto de produo, a saber, um desportista

    respondendo Eu tenho trinta anos reflexo de um amigo que se espanta ao saber que ele deixar de

    competir, ento esse enunciado significa, entre outras coisas: /eu estou muito velho/. Mas se fosse dito

    por uma pessoa que, acabando de ser demitida de uma empresa, responde a um amigo que lhe sugere

    que talvez porque j tenha passado da idade, ento o Eu tenho trinta anos significa: /mas eu ainda

    sou jovem!/ Esses sentidos dependem evidentemente da sequncia das palavras contidas no enuncia-

    do, mas foram obtidos por uma operao de inferncia a partir do conhecimento que o interlocutor

    pode ter da identidade daquele que fala (desportista/empregado) e do universo de sentido ao qual

    remete cada um deles (esporte/empresa), elementos esses includos num corpus memorial de discurso.

    Resta que o sentido de discurso, se ele inferido, o a partir de formas cuja combinao cons-

    titui um texto. Trata-se ento de saber se texto e discurso so uma s e mesma coisa.

    Texto/discurso

    Tendo em vista a quantidade do que j foi escrito sobre essas noes, e mesmo sobre uma dis-

    tino que nem sempre efetuada, delas nos ocuparemos de maneira breve. Vamos somente fazer uma

    constatao e tomar posio, posto que isso necessrio para determinar um corpus de discurso.

    A constatao: raramente as noes de texto e discurso se opem de maneira clara, a tal ponto

    que obras que apresentam abordagens da anlise textual empregam com frequncia a expresso an-

    lise de discurso e inversamente. Consciente da questo, Jean-Michel Adam prope distinguir texto e

    discurso como as duas faces complementares de um objeto comum assumido pela lingustica textual,

    ponderando que esta ltima privilegia a organizao do cotexto segundo critrios de coeso, enquanto

    a anlise do discurso se ocupa mais do contexto segundo critrios de coerncia. Essa distino mostra

    bem que o objeto texto se define pela organizao de sua configurao em relao com o que o cerca e

  • 6Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    que o discurso diz respeito organizao semntica, embora o texto tambm seja portador de sentidos

    e o discurso tambm seja acessado atravs de formas.

    Essa distino, entretanto, no clara o bastante para diferenciar corpus de textos e corpus

    de discurso. E mais: se adotarmos a srie de noes propostas por G. Genette paratexto, metatexto,

    epitexto, intertexto e hipertexto , s quais podemos acrescentar a noo de interdiscurso introduzida

    pela escola francesa de anlise do discurso dos anos setenta/ oitenta, no vemos com clareza onde se

    encontra a fronteira entre essas duas noes.

    A tomada de posio: no temos um ponto de vista muito diferente daquele de Jean-Michel

    Adam, exceto que consideramos que a relao de complementaridade entre anlise de texto e anlise

    de discurso no simtrica. No so as duas faces de uma mesma moeda, porque h discursos diversos

    num mesmo texto e um mesmo discurso em vrios textos. O discurso no o texto, mas ele carreado

    por textos. O discurso um percurso de significncia que se acha inscrito num texto, e que depende de

    suas condies de produo e dos locutores que o produzem e o interpretam. Um mesmo texto ento

    portador de diversos discursos e um mesmo discurso pode impregnar textos diferentes. H discurso

    atravessando textos diferentes, e um mesmo texto pode ser portador de discursos diferentes.

    Para compreender o slogan publicitrio Obernai, a primeira grande cerveja com um tero de

    calorias a menos, somos levados a mobilizar uma srie de discursos que no esto ditos explicitamente

    nesse slogan, mas que a esto implcitos, a saber: /eu devo ter conhecimentos sobre dieta/, /essa cerveja

    no engorda/, /a esbeltez valorizada em minha sociedade/, /as mulheres podem beber essa cerveja,

    tradicionalmente reservada aos homens/. Isso no impede que os discursos sobre dieta, esbeltez e seu

    valor cultural possam estar configurados em outros tipos de texto dos mais eruditos aos mais vulgares.

    Como o discurso necessita de configurao textual para significar, isso quer dizer que essa sig-

    nificncia, num dado momento, foi texto. Produz-se ento um fenmeno estranho de vaivm entre di-

    ferentes textos que fazem eco uns aos outros, que acaba construindo uma significncia abstrata que se

    encontra em diferentes textos sem estar num deles unicamente. Para dar um exemplo simples, o discur-

    so do pecado original e o imaginrio de culpabilidade e de redeno de que portador, construram-se

    no Ocidente pelo ecoar entre diversos textos (Bblia, Evangelhos, obras de telogos, comentrios de

    filsofos, predicaes da Igreja, chegando at os textos publicitrios, as revistas populares, os filmes,

    etc.). Assim so depositados discursos na memria coletiva.

  • 7Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    Texto/contexto

    Ao considerar o discurso como um lugar de significncia abstrato configurando-se diversa-

    mente em textos, retomamos as noes de intertextualidade de Genette e de dialogismo de Bakhtin.

    Partindo desta ltima noo que suscitou diversas interpretaes, diremos que esse jogo de ecos pode

    operar-se entre textos mas tambm entre discursos. No primeiro caso, trata-se, no sentido estrito do

    termo, de uma intertextualidade que se manifesta em diversos tipos de citao o que Jacqueline Au-

    thier-Revuz chama de heterogeneidade mostrada: h texto dentro do texto, mesmo parcial, mesmo

    deformado. No segundo caso, trata-se de uma interdiscursividade, um jogo de remisses entre discur-

    sos que tiveram um suporte textual mas cuja configurao no foi memorizada. Isso nos explica que

    um corpus s possa ser formado por textos e no por discursos, a menos que se decida que os textos

    reunidos o foram em nome de um certo discurso. Mas isso ser visto mais adiante.

    Chegamos ento noo de contexto. Desde os primeiros trabalhos em lingustica da lngua,

    a noo de contexto estendeu-se considervelmente com denominaes variveis. Em resumo, fala-se

    de: contexto estritamente lingustico, quando se trata de se referir vizinhana verbal que se encontra

    antes e/ou depois de uma determinada unidade; de contexto textual, quando este constituodo de

    textos produzidos por uma mesma fonte (por exemplo, as diversas obras de um mesmo autor); de

    contexto paratextual (Genette), quando constitudo de textos ou fragmentos de textos que se acham

    em copresena num mesmo espao material de escrita (os ttulos, subttulos, lides, legendas, de uma

    pgina de jornal); de contexto metatextual (Genette), quando constitudo de textos que se comentam

    uns aos outros; de contexto hipertextual (Genette), quando constitudo de textos que se citam, reme-

    tem uns aos outros, retomam e transformam uns aos outros, como os pastiches e as pardias; enfim,

    de contexto intertextual e interdiscursivo (cujo sentido acabamos de definir), quando so convocados

    textos e discursos para justificar as interpretaes do sujeito interpretante (ou analisante).

    Assim sendo, nesse alargamento progressivo da noo de contexto, aparece uma tomada de

    conscincia progressiva, no somente da relao entre texto e toda a vizinhana textual que est rela-

    cionada a ele, mas tambm entre o texto e um fora do texto (s vezes chamado de cotexto), isto , os

    dados presentes nas condies de produo do ato de linguagem.

    O que gostaramos de destacar aqui um aspecto raramente levado em considerao pelas

    diferentes correntes de anlise do discurso, e que nos permite introduzir a noo de contexto situacio-

    nal. Trata-se do aspecto que concerne, nas condies de produo, no somente aos pressupostos de

    posicionamento interdiscursivo (pressupostos ideolgicos, segundo alguns autores), mas tambm ao

    condicionamento da prpria situao de comunicao: a natureza da identidade dos parceiros do ato

  • 8Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    de linguagem, a finalidade da situao, os dispositivos e as circunstncias materiais desta ltima. Esse

    conjunto constitui o que chamamos de contrato de comunicao, o qual restringe o sujeito falante,

    dando-lhe as instrues discursivas que dever seguir para proceder a seu ato de enunciao.

    certo que os etngrafos e etnlogos da comunicao interacional nos habituaram a levar es-

    sas variveis em considerao para analisar as conversaes, mas tais variveis no so suficientemente

    consideradas na anlise do discurso. que a anlise do discurso tem trabalhado, de preferncia, com

    a hiptese de que a fora da linguagem se encontra mais no que dizem as palavras do que naquilo que

    elas transmitem ao serem ditas.

    As pesquisas se concentraram, ento, no que a linguagem diz, sem colocar a questo do poder

    da linguagem em exercer influncia. Melhor dizendo, para retomar uma observao de Roland Bar-

    thes, pensa-se sempre que o signo significa e se esquece de que ele significa para. Ora, o fenmeno

    de significncia resulta desses dois processos: a linguagem significa ao mesmo tempo em que trans-

    mite; no prprio ato de transmisso que ela significa, com o efeito que produz sobre o outro, isto ,

    sua interpretao. No colocar a questo dos efeitos amputar o ato de linguagem de sua significao

    fenomnica, a saber que este ato o resultado de uma co-construo.

    S se pode captar o sentido de uma expresso como preferncia nacional se for considerada

    em seu contexto situacional, o qual nos dir quem a emprega (Jean-Marie Le Pen), destinada a quem

    (cidados-eleitores), em qual dispositivo comunicacional (campanha eleitoral), com qual finalidade

    (seduzir), e, evidentemente, relacionando-o a uma certa tradio histrica francesa (interdiscurso).

    O problema que se coloca ento o da articulao entre, de um lado, aquilo a que remetem

    os discursos do ponto de vista dos valores, e do outro lado, os efeitos que os discursos so capazes de

    produzir. Por exemplo, o poder de influncia das palavras do discurso poltico no est somente na

    fora do projeto de ideal social de que so portadores, mas tambm, e cada vez mais, em seu eco nos

    sistemas de expectativa dos cidados (efeito de espelho), os quais so mais sensveis ao carisma das

    personalidades polticas, emoo que estas suscitam, do que s ideias. O contexto situacional deve

    ento ser levado em conta tanto quanto os demais para formar corpus. Evidentemente, nenhum corpus

    pode levar em conta a totalidade desses contextos, mas considerando essa multiplicidade contextual

    que se poder construir corpus de maneira racional.

  • 9Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    Especificidades do corpus em anlise do discurso

    A considerar estas diferentes distines o discurso como significncia/o texto como configu-

    rao e o contexto sob seus trs aspectos (paratextual, interdiscursivo e situacional) , justifica-se o fato

    de que um corpus de discurso seja sempre uma construo resultante de diversos tipos de agrupamen-

    tos: corpus segundo o paratexto (de palavras, de enunciados, de modos de enunciao), corpus segundo

    o interdiscurso (saberes de conhecimento, saberes de crena), corpus segundo a situao (locutores,

    finalidade e dispositivo). Esses agrupamentos se fazem em funo da problemtica de anlise e do tipo

    de contraste escolhido.

    Corpus e problemtica de anlise

    No utilizarei o termo problemtica com o sentido que este apresenta no uso corrente, como

    na expresso Como problemtica!, para significar que uma questo difcil de explicar, ou sem

    soluo, ou que uma afirmao incerta, duvidosa ou mesmo suspeita. Uma problemtica (emprego

    substantivo) um conjunto coerente de proposies hipotticas (ou de postulados) que, no interior

    de um campo de estudo, determinam ao mesmo tempo um objeto, um ponto de vista de anlise e um

    questionamento por oposio a outros questionamentos possveis. No se confundiro, ento, pro-

    blemtica e teoria, que se diferenciam pelo fato de que esta ltima tem um corpo de conceitos e de

    categorias mais ou menos padronizado, acompanhado de um quadro metodolgico.

    Observando os estudos que se relacionam de perto ou de longe com o discurso, e interrogan-

    do-os segundo o tipo de objeto que analisam e a concepo que adotam a respeito do sujeito que o

    organiza, podemos distinguir trs grandes problemticas que chamaremos de cognitiva, comunicativa

    e representativa, cada uma determinando um tipo de corpus.

    Uma problemtica dita cognitiva e categorizante

    O objeto de estudo considerado como um conjunto de mecanismos discursivos. Trata-se,

    ento, ou de captar sua existncia e seu modo de combinao no interior de uma produo discursiva

    qualquer (texto ou enunciados aleatrios), ou de descrever como que se d seu funcionamento, e

    particularmente seu modo de produo. No primeiro caso, estuda-se, por exemplo, os meios de coe-

  • 10Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    rncia e coeso de um texto, ou algumas palavras do discurso (conectores, modalidades). O segundo

    caso encontrado nos trabalhos de alguns psico-cognitivistas da linguagem que procuram descrever

    percursos de organizao discursiva down ou up de realizao dos esquemas, scripts e roteiros. Nos

    dois casos, encontram-se categorias instrumentais de anlise que servem para discernir ou produzir

    configuraes discursivas.

    O sujeito ligado determinao desse objeto ser chamado cognitivo, na medida em que s

    levada em considerao sua aptido em produzir ou discernir operaes de articulao discursiva:

    relaes anafricas ou catafricas, conexes coordenadas ou subordinadas, relaes de coerncia e de

    coeso, de progresso e de no contradio, etc., sem levar em conta sua natureza social.

    Numa tal problemtica, o corpus no necessita ser estabelecido em funo de uma situao de

    comunicao particular. Desse ponto de vista, ele pode ser considerado aleatrio, e somente limitado

    pelos contextos lingusticos nos quais aparecem esses mecanismos. Constri-se um corpus de co-ocor-

    rncias por categorias de operao linguistico-discursiva.

    Pertencem a essa problemtica trabalhos na linha das teorias da pressuposio e do sentido das

    palavras do discurso, dos topoi e da orientao argumentativa e da pragmtica (os conectores, os em-

    breadores4 e os atos de fala), assim como os trabalhos em gramtica de texto que tratem dos problemas

    de coerncia e coeso textuais.

    Uma problemtica dita comunicativa e descritiva

    O objeto de estudo aqui emprico, ou mais exatamente determinado a partir da observao

    (mais ou menos ingnua) das manifestaes do mundo fenomnico. Por exemplo, podemos observar

    que os comportamentos dos indivduos em seus atos de troca social tm uma certa recorrncia, o que

    permite formular a hiptese de que so submetidos a condies de realizao e que obedecem a regras;

    e isso que autoriza a constitu-los em objeto de anlise.

    Assim sendo, o objeto de estudo oriundo dessa empiria pode ser estruturado em tipos ideais

    (no sentido durkheimiano) de comunicao, a partir dos quais so descritas as caractersticas discursi-

    vas que se ligam a cada um deles (identidade dos locutores, finalidade, dispositivo). Tal procedimento

    resulta, entre outras coisas, no estabelecimento de diversas tipologias ditas de discurso, de textos, de

    gneros, ou de situaes comunicativas, mas que supem, todas, uma teorizao desses tipos ideais de

    4. N. T.: traduo do termo embrayeurs, presente na traduo brasileira do Dictionnaire dAnalyse du Discours (cf. referncias bibliogrficas).

  • 11

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    comunicao. Essa problemtica pode ser chamada de descritiva pelo fato de que visa a descrever tipos

    de situao comunicativa.

    O sujeito, aqui, est ligado empiria das trocas comunicativas, mas tambm est construdo e

    teorizado em funo da maneira pela qual se constroem e teorizam essas trocas. O sujeito , pois, um

    sujeito de comunicao que se define por sua identidade psicolgica e social, por um comportamento

    que finalizado ao mesmo tempo pelas restries a que obedece ao se inserir na troca (desse ponto

    de vista indeterminado, sendo um sujeito da norma contratual) e por suas prprias intenes com

    relao ao outro (desse ponto de vista um eu, um sujeito que se torna um indivduo).

    O corpus se ressente dessa viso emprica do objeto de estudo. Geralmente constitudo de

    textos (produes linguageiras em situao) que so agrupados em funo de seu pertencimento a

    tal ou qual tipo de situao. Por exemplo, textos publicitrios, textos jornalsticos, textos de manuais

    escolares, textos administrativos, textos de programas polticos, e diversos textos conversacionais (tro-

    cas telefnicas, pedidos de informaes, entrevistas, debates, etc.). Esse tipo de agrupamento permite

    procecer a comparaes em torno de um mesmo contexto paratextual e situacional. Pertencem a essa

    problemtica trabalhos que abordam a descrio dos gneros do discurso e dos objetos empricos ca-

    tegorizados em situao de comunicao.

    Uma problemtica dita representacional e interpretativa

    O objeto de estudo dessa problemtica definido atravs das hipteses de representaes s-

    cio-discursivas que se supem dominantes num dado momento da histria de uma sociedade (so,

    ento, scio-histricas), e que caracterizam um determinado grupo social. Sob esse aspecto, elas so

    interpretativas, visto que necessrio formular, de incio, uma hiptese sobre o que so os posiciona-

    mentos sociais em relao com as prticas discursivas e os tipos de sujeitos que se acham ligados a

    tais posicionamentos e prticas.

    A dificuldade dessa problemtica reside justamente no fato de que preciso formular

    essas hipteses e que, para isso, necessrio basear-se em manifestaes discursivas extrema-

    mente diversas, nem sempre explcitas, e mesmo difusas ou imprecisas, o que um problema

    para a constituo do corpus.

    O sujeito, nessa perspectiva, tambm constitui um problema e tem sido frequentemente discu-

    tido. Pelo fato de que est na origem das prticas discursivas que constroem as representaes, ele pode

    ser considerado como um sujeito passivo ou ativo. Da, temos duas posies:

  • 12Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    (1) uma, radical, que no confere existncia a esse sujeito, a no ser a de uma iluso,

    pois ele estaria completamente sobredeterminado pelo que Pcheux chama de pr-

    -construdo das formas discursivas. O sujeito no se pertence, ele falado por um

    alhures que ser chamado ora de ideologia (Althusser), ora de inconsciente (Authier-

    -Revuz), diluindo-se na conscincia do grupo social. Em ambos os casos, o sujeito

    no um eu, mas um isso (ideolgico ou inconsciente) que fala atravs do sujeito

    falante, e no por acaso que os defensores dessa posio tm feito sempre um para-

    lelismo entre ideologia e inconsciente.

    (2) a outra posio menos globalizante. No nega o jogo da sobredeterminao do

    sujeito, mas, em vez de fazer do sujeito uma iluso, faz algo de positivo. Existem, em

    toda sociedade, discursos de doxa (lugares comuns, esteretipos, saberes comparti-

    lhados). Estes circulam e se repartem de maneira no aleatria em diferentes gru-

    pos sociais. Assim sendo, todo sujeito portador de alguns desses discursos, e essa

    condio revela seu posicionamento social. Podemos ento dizer que, de uma certa

    maneira, esse sujeito responsvel por suas representaes, o que no quer dizer

    que seja consciente disso. Na linha dessa posio que qualificaremos de sociolgica,

    acham-se os trabalhos de alguns socilogos franceses que se inscrevem numa socio-

    logia construtivista, assim como os que trabalham para analisar as representaes do

    espao pblico nas mdias.

    O corpus varia segundo uma ou outra posio. Na primeira, o corpus constitudo por um con-

    junto de textos-arquivo que so selecionados por seu valor emblemtico de discurso dominante, mais

    frequentemente ligados a uma instituio social: dicionrios, enciclopdias, produes discursivas de

    grupos constitudos (cahiers de dolances5, partidos polticos, sindicatos) e todas as produes que

    tm valor de discurso fundador.

    Na segunda posio, o corpus constitudo por um conjunto do que chamaremos de signos-

    -sintomas que representam de maneira emblemtica sistemas de valores. Esses signos podem ser pala-

    vras (racismo, imigrao, solidaridade etc.) ou frmulas diversas (purificao tnica) reveladoras

    de maneiras de dizer; podem ser tambm signos icnicos (encenaes com imagens) que permitem

    estudar, por exemplo, as representaes da mulher nas publicidades ou da violncia na televiso.

    5. N. T.: documentos constitudos pelos conjuntos de peties e reclamaes que cada uma das classes dos Esta-dos Gerais da monarquia francesa anotava para serem levados ao rei os mais famosos foram os redigidos em 1789, por ocasio da reunio dos Estados Gerais que resultou na revoluo francesa.

  • 13

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    O corpus aqui de ordem interdiscursiva, mas poderia incluir outros componentes na medida

    em que possvel aventar a hiptese de que os diferentes elementos de uma situao de comunicao

    (identidades, finalidade, dispositivos) esto igualmente imersos em valores e ideologias. Por exemplo,

    se compararmos a maneira pela qual a imprensa organizava suas rubricas e seus gneros de escrita h

    50 anos, com a atual, podemos ver que a maneira de desempenhar seu papel na simblica democrtica

    mudou. O que nos remete problemtica precedente.

    Pr em contraste: um jogo de desconstruo/reconstruo

    Seguindo a hiptese saussuriana que diz que o sentido nasce da diferena, o sentido de discur-

    so s pode ser captado em operaes de contraste, quando se colocam em paralelo diversas sequncias

    discursivas. Assim, os corpora devem ser construdos segundo certas variveis que permitam comparar

    tais sequncias, quer sejam variveis externas ou internas.

    As variveis externas possibilitam contrastar conjuntos textuais ou discursivos pertencentes

    a pocas diferentes (varivel temporal): por exemplo, a imprensa do sculo xix comparada atual.

    Ou ento, esses conjuntos podem ser oriundos de espaos diferentes (varivel espacial e cultural): por

    exemplo, a publicidade francesa comparada publicidade brasileira. Ou ainda, podem pertencer a

    dispositivos situacionais diferentes (varivel de gnero): por exemplo, o discurso poltico e o discurso

    publicitrio, a fim de saber se as estratgias de persuaso so as mesmas.

    Esses corpora em contraste possibilitam trazer dados concretos para resolver as discusses que

    opem diversos pontos de vista: o que defende a perenidade dos discursos ( sempre a mesma coisa

    atravs do tempo e do espao), em oposio ao que defende a qualquer preo a mudana dos discursos

    (nunca igual de uma poca para outra); ou ainda o ponto de vista que toma globalmente diversos

    gneros discursivos: tudo isso (discurso poltico, discurso publicitrio), no passa de propaganda,

    oposto ao que os distingue. Semelhanas e diferenas entre as caractersticas de diversos corpora per-

    mitem verificar as mudanas ou a perenidade dos discursos, sua generalidade ou sua especificidade

    quanto ao contexto de produo ou quanto ao gnero.

    Mas h tambm variveis ditas internas na medida em que estas se situam no interior de um

    mesmo campo de discurso e correspondem aos componentes situacionais que estruturam um domnio

    de prticas sociais. O campo poltico, por exemplo, se compe de diversos domnios de atividade: os do

    governo, dos parlamentos, dos partidos, dos Conselhos (constitucional, de Estado, econmico e social)

    etc. A palavra no circula entre eles do mesmo modo, as normas contratuais no so as mesmas, as

  • 14Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    estratgias discursivas no se manifestam da mesma maneira, visto que o sentido das palavras varia

    segundo essas situaes. Sem contar o fato de que o discurso poltico no o mesmo, se os atores se

    encontram em situao de conquista do poder (campanhas eleitorais) ou de exerccio do poder, a pri-

    meira levando a produzir discursos de promessa que so da ordem do desejvel, a segunda, discursos

    de justificativa que so da ordem do possvel. Convm, ento, construir, no interior de um vasto corpus

    poltico, sub-corpus com contextos situacionais diversos.

    H tambm uma outra maneira de operar contrastes com variveis internas. Trata-se daquela

    que consite em procecer a aproximaes entre textos, tratando das mesmas noes. o trabalho que

    se faz quando, ao analisar declaraes de atores polticos, procura-se compreender o sentido atribudo

    a palavras como autoridade, igualdade, dever e direito. ento necessrio recorrer a escritos

    filosficos que tratem da repblica ou da democracia.

    Essa variedade de corpus segundo diversas problemticas s quais eles esto ligados e segundo

    um jogo de desconstruo/construo resultando em sub-corpus, nos remete a duas questes que so

    largamente discutidas em anlise do discurso: a questo da abertura/fechamento do corpus; a questo

    de seu tratamento quantitativo/qualitativo.

    Uma questo heurstica: a abertura/fechamento do corpus

    Resumindo as consideraes precedentes, diremos que um corpus depende do tratamento que

    decidimos dar a ele (sob influncia de uma problemtica e de um certo jogo de construo em con-

    traste). Poder ser argumentado que se trata a de uma circularidade pouco demonstrativa, mas como

    fazer de outro modo? No poder ser dito que finalmente o corpus que faz a teoria, pois seria negar

    o duplo movimento dedutivo-indutivo da pesquisa em cincias humanas e sociais, mas dir-se-: Dize-

    -me qual o teu corpus, eu te direi qual tua problemtica / dize-me qual a tua problemtica, eu te

    direi qual o teu corpus.

    O corpus participa assim de uma abordagem heurstica, pois prope um certo caminhar inte-

    lectual a partir de hipteses de base para descobrir fatos e ideias, isto , para interpretar. Ora, inter-

    pretar uma operao delicada que s pode ser feita num momento posterior, mesmo quando numa

    abordagem mais experimental se formulam hipteses prvias. Interpretar consiste em uma operao

    de correlao de fatos observados com outros fatos, para formular, por inferncia, hipteses de sentido.

    Mas h uma outra atividade interpretativa, a que consiste em relacionar os resultados de uma

    anlise descritiva com os de outras anlises: os de outros corpora conexos (confrontao dos artigos

  • 15

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    de diferentes jornais para interpretar suas semelhanas e diferenas); os de corpora de textos de um

    mesmo domnio mas de situaes diferentes (confrontao de produes jornalsticas de diferentes

    pocas); aqueles, enfim, das anlises propostas por outras disciplinas sobre o mesmo domnio discur-

    sivo (filosofia, histria, sociologia, psicologia social), sobre, por exemplo, o domnio poltico.

    Nas cincias humanas e sociais, a abordagem dupla: emprico-descritiva e hipottico-

    -dedutiva. Uma no existe sem a outra: a primeira depende mais de ferramentas metodolgicas; a

    segunda, de conceitos fundadores e de categorias explicativas. A primeira se desenrola num movimen-

    to centrpeto; a segunda, num movimento centrfugo, o que explica que os corpora que se inscrevem

    nesses movimentos tendam, ora a se fechar em si mesmos, ora a se abrir.

    por isso que um corpus no passa de um pretexto, no sentido de que ele um ponto de

    partida indispensavel para uma anlise do discurso, devendo os textos ser confrontados permanente-

    mente com outros textos e outros corpora. Isso porque as significaes sociais se repartem numa larga

    combinatria de palavras em relao com seus diferentes contextos. tambm por isso que nenhum

    corpus definitivamente fechado, constituindo-se seu fechamento numa deciso provisria com fins

    operatrios. So os parmetros de contrastividade (externa e interna) do corpus que, no jogo das

    semelhanas/ diferenas, fazem sentido.

    Como fazer, ento, entre a concepo de um corpus completamente fechado sobre si mesmo,

    mas a respeito do qual sabemos que h necessidade de confront-lo a outros corpora para significar, e

    a concepo de um corpus declarado aberto, mas cujos horizontes devem ser delimitados sob pena de

    no conseguir torn-lo operatrio?

    Procedemos, de nossa parte, segundo o mtodo do caramujo: partir de um primeiro corpus

    nuclear determinado segundo parmetros de tempo, espao, gneros, dispositivos, locutores, temas

    etc., em funo dos objetivos de anlise que foram propostos; para depois estender progressivamente

    esse corpus confrontando-o com outros, tanto quanto for necessrio, em funo das questes que sur-

    gem medida que prosseguem as anlises.

    Daremos, como exemplo, o estudo dos discursos de uma campanha eleitoral. Inicialmente,

    construmos o corpus das declaraes do candidato X do qual fazemos a anlise segundo diferentes ca-

    tegorias. Depois, podemos confrontar esses resultados com os corpora das declaraes dos candidatos

    concorrentes para a distinguir as diferenas e os jogos de remisses uns aos outros, uma espcie de

    jogo de espelhos, como diz D. Mayaffre ao design-los pela expresso corpora reflexivos.

    Podemos tambm comparar esses resultados aos corpora dos candidatos do mesmo partido

    das eleies anteriores para distinguir em que esse candidato segue a mesma doutrina de seus prede-

    cessores ou em que difere dela, e podemos mesmo ampliar a comparao, incorporando o corpus das

  • 16Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    declaraes e escritos que concernem ideologia a que pertence o candidato, a fim de avaliar os graus de

    filiao poltica; e pode-se fazer esse mesmo trabalho de confronto para cada um dos outros candidatos.

    Podemos tambm comparar as declaras de um mesmo candidato segundo as situaes de

    comunicao nas quais ele se encontra (comcio, entrevistas jornalsticas, declaraes na televiso, de-

    bates etc.), a fim de verificar se suas estratgias de persuaso so as mesmas ou diferentes em cada um

    desses casos.

    Todo corpus remete a outros corpora num encadeamento de contextos situacionais, paratextu-

    ais e interdiscursivos, construindo-se progressivamente sob a forma do que G. Genette chama de uma

    arquitextualidade, noo retomada pelos que adotam um tratamento informatizado dos textos. um

    jogo de reflexividade entre corpora, que s pode ser descoberto, progressivamente, no momento das

    anlises das questes oriundas do confronto entre esses corpora.

    A questo do tratamento quantitativo/qualitativo do corpus

    Como possvel notar, compartilhamos do ponto de vista daqueles que dizem que o corpus

    no a ferramenta da pesquisa, mas o objeto da pesquisa, pelo menos o objeto que foi construdo num

    corpus em funo de pressupostos tericos e metodolgicos. Colocamos, ento, a questo do modo de

    tratamento do corpus, em correlao com a questo da pertinncia de uma anlise quantitativa compa-

    rada anlise qualitativa.

    A partir de nossa prtica de sujeito analisante e do mtodo de anlise que experimentamos nos

    trabalhos do Centre dAnalyse du Discours sobre corpora miditicos, conclumos que preciso discernir

    o que da ordem da coleta de dados, da seleo das recorrncias e da deteco das condies de comu-

    nicao.

    A coleta dos dados obedece a uma lgica documental. O objetivo recolher, descrever e clas-

    sificar os objetos do mundo e os fenmenos sociais, segundo critrios de forma, sem hipteses parti-

    culares orientando a pesquisa numa ou noutra direo, e isso com um ideal de exaustividade o que

    produz classificaes de arquivos diversos, catlogos e bases de dados.

    A abordagem aqui emprico-indutiva, apoiando-se numa metodologia tecnicista: os marca-

    dores de descrio e as categorias de classificao so pensados simultaneamente com as caractersticas

    da ferramenta tecnolgica (o desempenho da ferramenta pode ter influncia sobre os marcadores e as

    categorias), assim como os modos de representao dessas classificaes (rvores, nuvens, estatsticas,

    tabelas de correlaes diversas) e de extraes dos dados para fornecer ao utilizador meios de consult-

  • 17

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    -los. um mtodo descritivista. Um tal catlogo indispensvel a toda pesquisa de corpus, mas no

    devemos fazer com que esse estgio de coleta de material de anlise passe a ser considerado como a

    prpria anlise, pois este constitui uma posio anterior anlise.

    Foi utilizando a base de dados do acervo do Instituto Nacional do Audiovisual (que tem fun-

    es de mediateca, entre outras) sobre a televiso, o rdio e a Web (em elaborao) que a equipe do

    CAD procedeu a suas anlises.

    O levantamento das recorrncias implica que a pesquisa seja orientada. Aqui, contrariamente

    ao caso precedente, os dados so confrontados a variveis externas que esto em relao de pertinn-

    cia com um objetivo de anlise, e as recorrncias so levantadas e classificadas numa certa ordem em

    funo dessas variveis. Por exemplo, uma ordem de recorrncia de palavras e expresses em relao

    com um tipo de locutor numa situao dada (um candidato numa campanha eleitoral), ou uma ordem

    de recorrncia temtica relacionada a um certo suporte, como por exemplo o levantamento dos temas

    tratados por um jornal a respeito de um certo acontecimento e comparado aos que foram publicados

    em outros jornais. Podemos, evidentemente, multiplicar as variveis, e obteremos um panorama dos

    resultados estatsticos de ocorrncias relacionadas a diversas variveis externas.

    Aqui, podemos dizer que, contrariamente ao caso precedente, trata-se de uma anlise quan-

    titativa que fornece preciosas informaes para outras anlises posteriores, ainda mais porque o de-

    senvolvimento de ferramentas tcnicas cada vez mais eficientes (softwares e outros recursos digitais)

    permitem, atualmente, proceder rapidamente a tais levantamentos.

    nesse gnero de anlise quantitativa que se inscrevem muitos pesquisadores que se filiam,

    cada um sua maneira, a uma lingustica de corpus de corpora extensos, para dizer melhor, pois no

    h nenhuma lingustica que no seja de corpus. Esses trabalhos trazem resultados preciosos, muitas

    vezes indispensveis para fundamentar mais objetivamente certas anlises semnticas. Porm, para

    quem se interessa no somente pelo sentido das palavras mas por seu efeito social em situao de co-

    municao (as palavras como fator de influncia social), preciso fazer as seguintes observaes:

    (1) a importncia e o impacto de uma palavra (isto , o efeito de sentido) no esto

    necessariamente ligados sua recorrncia: a expresso fratura social empregada

    por Jacques Chirac em sua campanha presidencial de 1995, as palavras karcher6 e

    racaille7 empregadas por Nicolas Sarkozy, s foram empregadas uma vez por seus

    6. N. T.: krcher designa a marca de um limpador eltrico usado na limpeza pesada, pois funciona com um forte jato de gua mantido sob presso.7. N. T.: racaille/ designao pejorativa que corresponderia a ral em portugus.

  • 18Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    autores, e o efeito que produziram se deve, evidentemente, ao sentido que tomaram

    em seu contexto situacional e interdiscursivo, e tambm ao fato de que ecoaram nas

    mdias, logo, em outros corpora. O impacto das palavras no obedece necessaria-

    mente a um critrio quantitativo. O importante que se inscrevam numa certa rede

    discursiva e que faam eco a um sistema de expectativa mais ou menos consciente.

    (2) o sentido das palavras, como sabemos, plural. No somente por sua polissemia,

    mas tambm porque adquirem, segundo os contextos lingustico, paratextual e in-

    terdiscursivo, o que poderamos chamar de uma polidiscursividade. E isso mui-

    to difcil de medir quantitativamente. Daremos aqui um exemplo: h pouco tempo,

    por ocasio da ltima campanha eleitoral, levantamentos lexicomtricos puseram

    em evidncia a propenso dos dois principais candidatos, Nicolas Sarkozy e Sgol-

    ne Royal, a empregar o pronome de primeira pessoa, je (eu, em portugus). Esse

    achado forneceu subsdios aos comentaristas para conclurem que essa campanha se

    caracterizou por uma forte personalizao.

    Devemos notar, antes de mais nada, que, para poder avaliar essa personalizao, seria ne-

    cessrio comparar esses dados com os das campanhas precedentes. Ora, se nos reportarmos cam-

    panha de 1988, podemos observar igualmente um emprego importante do pronome je, por parte

    de alguns candidatos. Isso bastante natural na medida em que um jogo de alternncia je/nous

    (eu/ns) est previsto pelo contrato comunicativo do discurso de campanha eleitoral: o candidato

    se apresenta ao mesmo tempo como o portador da soberania popular (nous), e como um lder

    diferente dos outros (je).

    Principalmente, se estudarmos o emprego desses je, no apenas em seu contexto lingustico,

    mas em relao com o ambiente prprio a cada declarao poltica (paratextual) e com o conjunto dos

    discursos aos quais se faz referncia (interdiscurso), percebemos duas coisas: por um lado, que os je

    de Nicolas Sarkozy e Sgolne Royal obedecem a uma mesma preocupao de se destacar do aparelho

    de seu partido; so je de diferenciao.

    Por outro lado, observamos uma diferena entre os dois: os je (mais exatamente os je veux

    em portugus, eu quero) de Nicolas Sarkozy constroem a figura de um chefe poderoso e forte,

    assumindo todas as responsabilidades e decises, instituindo-se como homem de ao com um ardor

    de guerreiro; em contraste, os je de Sgolne Royal constroem a figura de uma mulher combatente

    animada por uma convico profunda, testemunha de uma attitude de proteo e de escuta, de since-

  • 19

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    ridade de sentimentos, de um ardor feito mais de coragem, de tenacidade do que de desejo de poder;

    so eles os je de apropriao.

    Desse ponto de vista, as anlises quantitativas, que no devem ser recusadas, no podem trazer

    os resultados que as anlises qualitativas, que levam em considerao as redes de interdiscursividade,

    podero fornecer. Ser inclusive necessrio se abster (visto o entusiasmo atual por essas anlises de

    base numrica) de reificar as anlises quantitativas, pois isso levaria neutralizao das qualitativas, o

    que reduziria consideravelmente o poder explicativo da anlise do discurso.

    Lembremos que a lgica da pesquisa se baseia numa abordagem empirico-dedutiva de idas

    e vindas entre, de um lado, a determinao dos objetivos de anlise e das hipteses significantes, e de

    outro, os mtodos de observao dos objetos e de coleta de dados segundo uma instrumentao que

    deve poder dar conta dos objetivos e das hipteses previamente estabelecidos. num vaivm entre

    esses dois polos que se elaboram conceitos, instrumentos de anlise e interpretao dos resultados.

    * * *

    Resta-nos remeter o leitor aos estudos empreendidos pelo CAD para ilustrar essa abordagem

    que articula anlise quantitativa e anlise qualitativa que resumimos aqui em algumas palavras.

    Quando se trata da maneira pela qual a televiso relata acontecimentos de ordem social (uma

    guerra, uma controvrsia social), devem ser levantados, num primeiro momento, os assuntos difundi-

    dos sobre a questo; para isso, devemos mergulhar na base de dados audiovisuais (na Frana, do Insti-

    tuto Nacional do Audiovisual) da qual se extraem os assuntos da questo e com a qual se constitui uma

    sub-base (isso corresponde fase de levantamento de dados). Depois, procedemos a uma decifrao

    sistemtica do material coletado, em funo de um certo nmero de parmetros externos que remetem

    situao de enunciao e temtica.

    Assim, foi possvel estabelecer, para cada um de nossos estudos:

    Para o dispositivo enunciativo:

    (1) o tipo de emisso (telejornal, reportagem, entrevistas, debates etc.) que permite

    determinar a importncia dada por cada estao de TV ao modo de tratamento dis-

    cursivo (descrio, relato, comentrio, argumentao);

    (2) a identidade dos atores envolvidos (poltico, cientista, jornalista especializado,

    enviado especial, instituio, cidado etc.) que permite detectar a legitimidade e a

    autoridade das intervenes.

  • 20Dize-me qual teu corpus que te direi qual a tua problemtica

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    Para a temtica:

    (1) o capital temtico (em nmero de sujeitos e em durao de aparies) que cada

    estao dedica ao acontecimento-tema. Isso fornece um dado objetivo quanto im-

    portncia dada ao acontecimento por cada uma, em comparao com a concorrente;

    a hierarquizao temtica (por mdia horria) relativa ao momento de apario do

    acontecimento-tema em cada edio de telejornal (comeo, meio, fim), dado objetivo

    quanto estratgia de tratamento no interior da programao (o condutor) de cada

    estao;

    (2) a distribuio dos domnios cnicos, como varivel de contedo, para determinar

    a importncia respectiva dos universos de referncia convocados no tratamento do

    acontecimento (cenas civil, humanitria, diplomtica etc. para a guerra na Bsnia;

    cenas cientfica, poltica, tica etc. para a controvrsia sobre a clonagem), que apon-

    tam para a orientao dramatizante ou argumentativa proposta por cada estao.

    Essa fase quantitativa permite, por um lado, constituir ndices baseados em resultados estats-

    ticos, ndices que so suscetveis de desempenhar o papel de sintoma, e sobre os quais se desenvolvem

    anlises qualitativas ulteriores; por outro lado, ela permite constituir um corpus-amostra, isto , um

    conjunto de fragmentos de texto que pode ser considerado como representativo em relao a catego-

    rias que serviro para analis-lo de maneira qualitativa: a fala dos atores, as caractersticas do disposi-

    tivo, o tratamento da temtica.

    Pode-se escapar assim crtica que feita amostragem, a saber, que apenas uma parte que

    pretende representar um todo. Nossa amostra no a parte de um todo (como seria uma amostra de

    palavras representativas de um todo textual); ela constituda por categorias em que cada uma um

    ponto focal sobre o qual incide a anlise qualitativa (os locutores, os gneros, os temas).

    Desse modo, o estudo quantitativo faz sentido em si, mas um sentido provisrio que deve ser

    confirmado, corrigido ou mesmo contradito e, em todo caso, estendido e aprofundado pela anlise

    qualitativa.

    Traduzido por:Angela M. S. Corra

    Do Departamento de Letras Neolatinas da

    Faculdade de Letras da UFRJ e membro do CIAD-Rio

  • 21

    Diadorim, Rio de Janeiro, Volume 10, p. 01 - 23, Dezembro 2011.

    Artigo recebido: 20/08/2011

    Artigo aceito: 30/11/2011

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